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Revista Ágora-ISSN1984 -185x
R. Ág., Salgueiro-PE, v. 5, n. 1, p. 62-80, agos. 2010
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Morte, cemitério e jazigos: reflexões a partir do cemitério municipal de joinville/sc1
Graciela Márcia Fochi2
RESUMO
O presente artigo procura abordar a cultura de morte na sociedade contemporânea através dos elementos de edificação dos jazigos no espaço do Cemitério Municipal de Joinville/SC, o primeiro cemitério público/secularizado da cidade. Para tanto serão levados em consideração estudos/reflexões e referenciais já elaborados sobre o tema da morte, os aspectos históricos do cemitério e do município, os recursos presentes na edificação e na estatuária dos jazigos, relacionando-os com as variantes sociais e culturais. O estudo está na perspectiva de identificar os aspectos da morte presentes neste cemitério e refletir sobre a visão instrumental do mercado e sua relação com os espaços dos cemitérios e na cultura da contemporaneidade.
Palavras-chave: morte, cemitério, jazigos, cultura.
ABSTRACT
This article discusses the culture of death in contemporary society through the building elements of the deposits within the Municipal Cemetery of Joinville, SC, the first public cemetery / secular city. To do so will be taken into account studies / reflections and benchmarks already developed on the theme of death, the historical cemetery and county, the resources present in the building and the statuary of the deposits, relating them to the social and cultural variations. The study is a view of identifying these aspects of death in the cemetery and reflect on the instrumental view of the market and its relationship with the spaces in the cemeteries and contemporary culture.
Keywords: death, cemetery, deposits, culture.
1. DA MORTE
A morte é propriamente o gênio inspirador, ou a musa da filosofia. Sem a morte, seria mesmo difícil que se tivesse filosofado. A. Schopenhauer
A tentativa de elucidar o significado da morte, desde os textos sagrados indianos,
os Vedas, escritos há aproximadamente 3 mil anos até o atual movimento existencialista,
1 O presente texto é resultante do projeto de pesquisa Cultura da Morte: um estudo o Cemitério Municipal
de Joinville/SC, que vem sendo desenvolvido no curso de mestrado interdisciplinar em Patrimônio Cultural e Sociedade/MPCS da Universidade da Região de Joinville/UNIVILLE/SC, com a orientação da profª Drª Mariluci Neis Carelli e profª Drª Nadja de Carvalho Lamas.
2 Estudante/pesquisadora do curso de mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de Joinville/UNIVILLE e é graduada em História pela Universidade de Passo Fundo/UPF(2003).
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constitui uma das tarefas centrais de alguns dos nossos principais sistemas de
pensamento filosófico (Maranhão, 2008, p. 62).
Sabe-se também que as formas de conceber e enfrentar a morte fazem parte de um
todo sistema imagético, mental e cultural herdado e transmitido pelas comunidades e
populações que se organizaram e organizam em diferentes contextos, épocas e regiões,
formando assim a experiência histórica que a humanidade possui.
Ao longo deste processo e construção, as concepções da morte assumiram muitas
formas, dentre elas estão as fantasias religiosas da vida depois da morte, nos campos de
caça das primitivas comunidades caçadoras; a crença dos faraós em guardar seus corpos
mumificados, em tumbas no interior das pirâmides; a morte que dá vida, nos rituais de
antropofagia; a idéia de paraíso cristão e islamita; a imortalidade da mente pelos
testamentos, entre outras.
Erich Fromm traz que por mais infelizes ou felizes que sejamos, os valores de
nossa sociedade e nosso próprio corpo nos impelem a lutar pela imortalidade, mas
considerando que sabemos, por experiência, que um dia morreremos procuramos
soluções que nos façam crer que somos imortais (Fromm, 1987, p. 92).
Edgar Morin aborda que o desejo pela vida e imortalidade requer e carrega consigo
uma espécie de luta e resistência ao próprio destino ao qual estamos fadados. No nosso
mundo, o dos homens contemporâneos, a vida e mais ainda o ser humano, deve resistir à
morte, para tanto conta-se com a ciência, a medicina e a higiene, que prolongam as vidas
individuais e poderão fazê-lo ainda mais, através da reconstituição e regeneração dos
órgãos (Morin, 2007, p. 37-39).
Euler R. Westphal considera que em nossa época, nessa experiência de luta e
resistência em relação à morte, são muitos os recursos e os artifícios conquistados com
as possibilidades de desdobramento, seleção, combinação e recombinação do DNA
humano pela engenharia genética. Entretanto, estes recursos encontram-se limitados, sob
a tutela dos critérios da utilidade, da performatividade, da funcionalidade e das
exigências de mercado. Ainda tais recursos, de maneira geral, não são disponibilizados e
acessados gratuitamente, solidariamente, humanamente e também não foram e não são
ponderados eticamente pela sociedade que os experimentará (Westphal, 2004, p. 45).
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Ainda nesse debate, Fromm contribui com um dado relevante que é o desejo
profundamente arraigado de imortalidade, que se manifesta em muitos rituais e crenças
com o propósito de conservar ou rejuvenescer o corpo humano, especialmente na
sociedade norte-americana, mediante o “embelezamento” do corpo, que equivale em
grande medida à repressão do medo de morrer, representando um disfarce da morte ou
simplesmente uma barganha para com a mesma (Fromm, 1987, p. 129).
Naturalmente, em cada novo estágio da vida o velho e o familiar ficam diferentes.
Quando bebês, temos apenas nosso corpo e o seio materno. Depois, começamos a
orientar-nos para o mundo, começando o processo de conquista de um lugar nele para
nós. Começamos querendo ter coisas: temos nossa mãe, nosso pai, nossos parentes,
nossos brinquedos; mais tarde, poderemos adquirir conhecimento, uma profissão, uma
posição social, um cônjuge, filhos e então temos como que uma outra vida após esta; por
último, alguns de nós iremos adquirir a futura sepultura, fazer o seguro de vida e redigir
o nosso testamento (Fromm, 1987, p. 114).
Conforme continua Fromm, o medo de morrer não é verdadeiramente o que parece
ser, o medo mesmo é o de parar de viver, de perder o que temos; medo de perder nosso
corpo, nosso eu, nossas posses e nossa identidade, o medo de enfrentar o abismo da
inidentidade (Fromm, 1987, p. 129).
Portanto o horror para com a morte não estaria tanto com o fim da vida, mas antes
parece estar na degeneração e na destruição do organismo, uma vez que este é a própria
vontade de vida que se manifesta através do corpo. Essa destruição e decomposição nós
não a sentimos realmente, mediante o processo ser lento e gradual, salvo nos males da
doença ou da idade; ao contrário, a morte mesmo, para o sujeito, consiste apenas no
momento em que cessar a consciência, quando ocorre a parada das outras partes do
organismo já é propriamente um fenômeno posterior à morte.
1.1 DO MANIFESTAR A MORTE
“Toda sociedade se mede ou se avalia, de uma maneira variável, sobre o seu sistema da morte.” Pierre Chaunu
Michel Vovelle analisa que historicamente se estruturam discursos organizados
sobre a morte e que estes, vem evoluindo através dos tempos e que progressivamente
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emerge um discurso leigo sob as diversas formas: filosófico, científico e cívico. Para ele
a contemporaneidade é marcada pela proliferação do discurso literário livre sobre a
morte em que, sob múltiplas formas, as mídias atuais (a televisão, a história em
quadrinhos, etc.) fazem explodir o quadro tradicional dentro do qual se havia até então
manifestado o imaginário coletivo referente a morte (Vovelle, 1991, p. 132).
Philippe Ariès contribui que, uma forma absolutamente nova de morrer surgiu
durante o século XX, nas zonas mais industrializadas, urbanizadas e tecnicamente
adiantadas do mundo ocidental, em que a sociedade expulsou a morte de seu cotidiano e
da sua rotina; nesses locais tudo passou a acontecer como se ninguém morresse mais,
salvo os homens de Estado (Ariès, 1989, p. 613).
E, conforme Ariès prossegue até o início do século XX, em especial até a guerra de
1914, em todo o ocidente da cultura latina, católica ou protestante, a morte de um
homem, em grande medida, modificava o espaço e o tempo de um grupo social, podendo
se estender a uma comunidade inteira. Não era apenas um indivíduo que desaparecia,
mas a sociedade que era atingida e que precisava ser cicatrizada (Ariès, 1989, p. 612-
613).
Ainda nesse sentido e contexto, Amir Abdala arrola que a partir da década de
1970, com a emergência de códigos sociais, se inscrevem novos conteúdos aos fluxos
culturais urbanos; ocorrendo um deslocamento social da morte, com cadências forjadas
na maximização do tempo, na funcionalidade e na lógica do consumo (Abdala, 2002, p.
10).
De maneira geral, à lógica de mercado e do sistema de produção capitalista,
característica das sociedades industriais contemporâneas, parece não convir velórios
longos, com orações carregadas de sentimentalismo e pesar, cortejos públicos e missas
extensas, ou manifestação de luto seja público e/ou privado. Essas práticas, estendidas à
toda população, afetariam e prejudicariam não só a rotina do grupo familiar envolvido
com o acontecido da morte, mas também, a de quem depende da boa
disposição/apresentação e das atividades realizadas pelos mesmos.
José Luiz de Souza Maranhão defende que no espaço das últimas cinco décadas
assistimos a um fenômeno curioso na sociedade industrial capitalista, que conforme a
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medida que a interdição em torno do sexo foi relaxando, a morte foi se tornando um
tema proibido, uma coisa inominável (Maranhão, 2008, p. 9).
Assim também Dalton da Silva corrobora que atualmente volta-se mais aos
assuntos do cotidiano da vida enquanto os assuntos da morte são postergados. A morte, a
maior certeza da vida corpórea, é coroada como a rainha das inaceitabilidades humanas
(Silva, 2002, p. 16).
A secularização e a modernização das sociedades, em curso desde o século XVIII,
têm abalado as concepções e as estruturas de sentir, de pensar, de manifestar e de
representar a morte, caracterizando um acentuado recuo do campo do sagrado, do
horizonte das experiências e das tradições das sociedades mediante o amplo avanço das
normas de funcionalidade e praticidade da sociedade de produção-mercado-consumo.
2. DOS CEMITÉRIOS
“O dom de despertar no passado as centelhas de esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer.” Walter Benjamin
Àries arrola que os antigos temiam a vizinhança dos mortos e os mantinham
distante dos vilarejos. Os mortos enterrados ou incinerados eram considerados impuros e
podiam poluir os vivos. Já no século V d.C, na época de predomínio da religião católica
no Ocidente, estabeleceu-se uma aproximação entre a cidade dos vivos e a cidade dos
mortos, com a penetração dos cemitérios no meio das habitações dos homens, relação
que, no final do século XVII, gradualmente, desaparecerá (Ariès, 1989, p. 34).
Desde o iluminismo do século XVIII, mediante todo seu caráter científico e
racional, ocorria um movimento nos países europeus de reprovação das práticas de
inumação em ambientes fechados, no caso, no interior das Igrejas. Essa forma de
sepultamento era considerada imprópria e não recomendada pelos padrões de higiene e
de saúde pública à população da época.
Geraldo J. Santos relaciona que as mudanças ocorridas na Europa nas últimas
décadas do século XIX, defendidas pelos cientistas e higienistas em relação à localização
dos cemitérios, deu-se diante do crescimento dos centros urbanos das cidades e que o
afastamento entre o mundo dos mortos e a cidade dos vivos, era uma forma de garantir a
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segurança higiênica da população, pois os cemitérios representavam um antro putrefato e
depositário de doenças (Santos et al, 1996, p. 2).
Miguel Soares contribui também que a burguesia européia, agora dotada de
poderio econômico, ao conduzir seus ideais de modernidade, de modernização, de
individuação e de progresso, nas mais longínquas regiões do mundo ocidental, atribuiu
aos novos cemitérios a céu aberto, possibilidade de manifestação e expressão da sua
ascensão social com a suntuosidade e monumentalidade dos jazigos nos cemitérios
(SOARES, 2007, p.128).
Com essas preocupações em voga nos países europeus, os países receptores da
cultura européia passaram a transferir seus cemitérios para longe dos centros urbanos,
em locais protegidos por grandes muros e com acesso mais restrito. Assim se processou,
gradativamente, o afastamento entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos (Santos et
al, 1996: 2).
João José Reis, descreve que no século XIX as Igrejas no Brasil ainda eram
consideradas a casa de Deus, sob cujo teto entre as imagens de santos e anjos, ainda eram
abrigados os mortos. Havendo respeito e orientação de uma hierarquia da distribuição
espacial e do tipo de sepultura, aonde cada um tinha espaços distintos e diferenciados
desde escravos, homens livres, pobres, ricos, nobres, etc., assim o local de sepultamento
era um aspecto importante no reconhecimento das estratificações e disposições sociais e
da própria identidade do morto (Reis, 1991, p. 190).
No final do século XIX, na Bahia, ocorreu a revolta da Cemiterada, que destruiu o
cemitério recém construído, o Cemitério Campo Santo, que trazia os padrões definidos
pelas leis de higienização. A revolta consistiu em um levante pluriclassista e multirracial,
numa tentativa de impedir o deslocamento do cemitério e as mudanças nas práticas de
sepultamento (Reis, 1991, p. 191).
Boaventura de Sousa Santos analisa que, com o processo de secularização da
sociedade, o vínculo religioso foi progressivamente marginalizado e por várias vias: pela
repressão violenta, nas proibições de culto e confisco dos bens das Igrejas; pela
substituição de funções, nas diferentes formas de secularização protagonizadas pelo
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Estado, dos ritos funerários à educação; e pela acomodação em posição de subordinação,
nas leis de separação da Igreja e do Estado (Santos, 2006, p. 141).
Eduardo Rezende destaca que com o processo de desvinculação dos cemitérios das
igrejas para os novos cemitérios, as marcas foram soerguidas acima do solo. Apesar de
serem símbolos do catolicismo, as cruzes acima do solo começam a representar o fim do
poder de ocupação no subterrâneo, tanto em termos simbólicos como reais; “o Céu
aberto na Terra pelo cemitério” como ele nomina, agora prejudica a Igreja; com a cova
ao ar livre, o mistério do destino do corpo é enfraquecido e se amplia o céu para além do
espaço e domínio da igreja (Rezende, 2006, p. 49).
Assim, a partir das justificativas e dos argumentos higienistas, combinados com as
preocupações da burguesia em ascensão e da sociedade industrial, urbana e moderna, os
cemitérios foram gradualmente afastados das populações sem que pudesse refletir muito
sobre as mudanças que seriam provocadas tanto nas mentalidades, nas memórias, no
imaginário, nas formas de compreender, significar e relacionar com a vida e
principalmente com a forma de compreender a morte.
Mas não tardou muito para que o crescimento populacional, com a melhoria da
qualidade de vida e o fraco controle da natalidade, juntamente com o êxodo rural,
provocado pela necessidade de mão de obra nas indústrias e o descontentamento com o
campo, favorecessem a ocupação das regiões em torno dos núcleos urbanos das cidades,
e pouco a pouco os locais aonde se encontravam os cemitérios foram sendo rodeados por
habitações, aproximando novamente o mundo dos mortos e o mundo dos vivos.
2.1. JOINVILLE E O CEMITÉRIO MUNICIPAL
Atualmente, Joinville, é a maior cidade do estado de Santa Catarina em termos de
população, colégio eleitoral e em produção industrial, e é a terceira maior arrecadadora
de ICMS da Região Sul do Brasil3.
3 Informações disponíveis nos endereços eletrônicos do IBGE:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2008/POP2008_DOU.pdf, p.83 e http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/pibmunicipios/2006/tab01.pdf, p. 86, acessado em 12/04/09.
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Foi povoada por diferentes etnias. Num primeiro momento, no século XVI-XVII,
por luso-brasileiros e africanos, e, na metade do século XIX, por levas de imigrantes
alemães, franceses, italianos, suíços, noruegueses etc., fato que é comemorado como o
marco da fundação da cidade, no ano de 1851 (Guedes, 2005, p. 16).
A trajetória econômica da cidade é marcada pela exploração da madeira e
fabricação de erva-mate, no século XIX; pela fabricação e manufatura simples de
alimentos e tecidos, na primeira metade do século XX; pela ampliação do parque
industrial mediante as parcerias com empresas multinacionais, na segunda metade do
século XX; e ao mesmo tempo forte incremento nos setores do comércio e do turismo
(Ternes, 1981, p. 199-276).
O Cemitério Municipal de Joinville4 foi criado numa tentativa de adequação ao
contexto das orientações européias de secularização e higienização; passou a receber
sepultamentos a partir do ano de 19135, e é o primeiro de caráter laico/secularizado
criado na cidade, depois do fechamento do antigo cemitério denominado Cemitério do
Imigrante, situado na rua XV de novembro, região central da cidade (Oliveira, 2006, p
1).
No mesmo ano da criação do Cemitério Municipal, O Conselho Municipal, com a
legitimação do prefeito em exercício, publicou uma resolução proibindo os
sepultamentos nos cemitérios particulares, exceto aos associados da Comunidade
Evangélica Luterana, na qual congregavam a grande maioria de imigrantes de origem
germânica que aqui residiam.
Conforme segue a transcrição da resolução nº 207:
“Procópio Gomes de Oliveira, Superintendente Municipal de Joinville faço saber a todos os habitantes deste Municipio que o Conselho Municipal estabeleceu e eu sancciono a seguinte Resolução:
Art. 1. A contar de 3 de Novembro deste anno, fica proibida a inhumação de cadáveres nos cemiterios particulares existentes nesta cidade.
Art. 2. Exceptua-se desta prohibição o cemiterio pertencente á Communidade Evangélica, sómente quanto aos seos associados que nelle tenham adquirido terrenos para jazigos, até esta data, e cuja relação deverá ser
4 O Cemitério Municipal se encontra localizado no Bairro Atiradores, na rua Ottokar Doerffel, nº 12,
possuí os limites: na lateral direita a rua Borba Gato e a travessa Serv. João Aires; na lateral esquerda, a rua Marajó e a travessa Iguapé; e aos fundos, a rua Gonneville e a rua Laurentino. Informações disponíveis no site na internet http://www.ippuj.sc.gov.br/index.php?goto=conteudo&menu=3&submenu=34, acessado em 06/09/09.
5 OLIVEIRA, Procópio Gomes de. Resolução nº 206. Resoluções do Conselho Municipal de Joinville do Ano de 1913. Coletâneas de Leis e Decretos. Joinville: Typ. Schwartz, 1914. p. 15. Arquivo Histórico de Joinville.
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apresentada á Superintendencia Municipal, até 31 de Outubro próximo vindouro.
Art. 3. Revogam-se as disposições em contrario. Publique-se e cumpra-se. Joinville em 22 de Outubro de 1913. Procopio Gomes de Oliveira. Nesta Secretaria Municipal foi sellada e publicada a presente
Resolução em 22 de Outubro de 1913. O Secretário Municipal Arthur Carstens”6
Conforme Ariès aborda o que pode ter reforçado a busca pela concessão de
sepultamentos à comunidade luterana, no caso de Joinville, pode ser o pensamento e
sentimento dos protestantes em considerarem e reconhecerem certos lugares de
importância e pertencimento à comunidade na qual congregavam e também pelo desejo
de serem sepultados junto ou próximo à seus pais (Ariès, 1989, p. 345-346).
Joinville, atualmente, possui um total de 29 cemitérios, sendo 10 públicos,
administrados diretamente pelo poder público, através da CASERF7, e 19 particulares,
geridos pelas comunidades religiosas e/ou pelas prestadoras de serviços funerários;
distribuídos tanto na área urbano e rural do município, e em sua maioria até mesmo os
administrados pelo poder público municipal, se encontram relacionados e/ou próximos
às igrejas e comunidades, conforme o caso, de orientação evangélico/luterana ou
católica.
Os números de cemitérios e sua distribuição acabam sugerindo que a Resolução
207 não conseguiu cumprir efeitos por muito tempo, assim como também acabou por
possibilitar e representar um processo de dessecularização, como é possível verificar nas
imagens 2 e 3 da Igreja da Comunidade Evangélica Luterana Cristo Salvador8, que
possui sepultamentos que datam ainda do ano de 1917:
6 OLIVEIRA, Procópio Gomes de. Resolução nº 207. Resoluções do Conselho Municipal de Joinville do
Ano de 1913. Coletâneas de Leis e Decretos. Joinville: Typ. Schwartz, 1914. p. 16. Arquivo Histórico de Joinville.
7 CASERF: Central de Atendimento do Serviço Funerário. 8 Comunidade Evangélica Luterana Cristo Salvador. Localizada na comunidade Rio da Prata/Distrito
Pirabeiraba, interior de Joinville/SC.
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Imagem 1 e 2: Cemitério e Jazigo da Comunidade Evangélica Luterana Cristo Salvador.
Fonte: Arquivo Particular. Joinville, 2009.
Atualmente a capacidade de sepultamentos do Cemitério Municipal de Joinville
está comprometida, sendo que não ocorrem mais aberturas de espaços para “chão novo”,
existindo somente vagas para sepultamentos individuais através de inumações ou em
jazigos capela já adquiridos pelos familiares9.
Dentre os cemitérios particulares disponíveis na cidade, existem as alternativas já
consolidadas como cemitérios verticais e de jardim, porém ainda não foram criados
espaços com crematórios. Há alguns anos, houve a cogitação e estudo em torno de um
projeto para implantação de santuários com crematórios, como alternativa ao problema
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de espaço nos cemitérios convencionais, no entanto a comunidade se manifestou
fortemente contrária à realização do mesmo (CASERF, 2009).
3. DOS JAZIGOS DO CEMITÉRIO MUNICIPAL
“A morte é a metáfora reveladora do mal de viver.” Michel Vovelle
Os jazigos-capela ou capelas-monumentos das imagens que seguem no texto,
encontram-se na mesma região no espaço do cemitério municipal, na parte alta do
terreno, com acesso pela entrada do portão principal e à caminho e próximo do cruzeiro.
A região reúne os jazigos mais antigos do cemitério e os mais expressivos em recursos
de edificação10.
As práticas manifestadas pelas experiências de vida centradas no Ter, abordadas
anteriormente por Fromm, podem contribuir na análise das imagens dos jazigos-capela
abaixo (imagem 3 e 4) nas quais são encontrados elementos que podem remeter à
vontade de eternidade/perduração e perenidade, de egocentricidade, do ter/possuir, da
materialidade/autoridade, numa perspectiva “para além da morte” (Fromm, 1987, p. 36).
9 Informações obtidas com Ana Lúcia Moreira e com Sérgio Baense Mello responsáveis pela CASERF,
que funciona junto ao Cemitério Municipal de Joinville. 10 As imagens que seguem ao texto foram realizadas tendo como preocupação a sua potencialidade
representativa em relação a discussão proposta pelos referenciais teóricos que norteiam o estudo.
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Imagem 3: Jazigo-capela do Cemitério Municipal de Joinville/SC. Fonte: Arquivo particular, Joinville, 2009.
Imagem 4: Jazigo-capela do Cemitério Municipal de Joinville/SC.
Fonte: Arquivo particular, Joinville, 2009.
Jacques Le Goff ao buscar a raiz da palavra latina monuentum observa que a
mesma remete à raiz indo-européia men, que exprime uma das funções essenciais do
espírito (mens), a memória (meminí), e ao verbo monere, que significa 'fazer recordar',
'avisar', 'iluminar', 'instruir' (Le Goff, 1990, p. 535-536).
Além das funções de “instruir”, “avisar”, “iluminar”, “fazer recordar” como
destaca Le Goff, transparece o desejo de “jamais esquecer e/ou ser esquecido”,
observado por meio do recurso da monumentalidade e suntuosidade que esses jazigos-
capela possuem.
Ampliando o debate, Georges Bataille, aborda que a manducação das espécies, a
reprodução sexuada e a morte representam uma onerosa dilapidação dos recursos de
energia, como que uma orgia de aniquilamento, de pura perda, de ilimitado desperdício e
de gasto ritual ao qual procede a natureza. Para Bataille a lei da cultura se enlaça, assim,
como a lei da entropia, como dois processos diferenciados que se desnudam e
entrelaçam, e nessa lógica a morte, principalmente em seu aspecto luxuoso, nos é
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proposta como uma verdade mais eminente que a vida. Segundo ele é preciso muita
força para dar-se conta do vínculo que há na promessa de vida- que é o sentido da
luxuosidade da morte (Bataille, 1975, p. 71-73).
Assim a ornamentação dos jazigos pode expressar, em grande medida, essa busca
frenética e sensacionalista da idéia de vontade de vida para além da morte, a edificação
pode carregar o desejo do não esquecimento da existência dos entes queridos, o não
enfraquecimento da imagem, como também dos feitos portentosos e dos triunfos
enquanto vivos.
Gilmar Arruda aborda que os recursos presentes na arquitetura e na edificação das
casas representam elementos de distinção social entre as classes sociais. Nesse sentido, a
“eira e a beira, e até a tribeira” presente nos telhados das casas, foram e são usadas para
estabelecer distinções sociais entre os que possuíam e possuem riquezas e os que pouco
ou nada possuíam e possuem (ARRUDA, 2006, p. 118-119).
Relacionado essas reflexões aos jazigos do Cemitério Municipal de Joinville, os
elementos materiais, podem fazer parte da expressão da posição não apenas do indivíduo
que ali está enterrado, mas também da família (talvez principalmente) e do grupo social a
que pertencem.
E neste processo entram outros recursos, como a localização dentro do espaço
cemiterial, os materiais utilizados na construção dos jazigos, a ornamentação através da
arquitetura, a presença de referenciais religiosos, ideológicos, as alegorias entre outros.
Tais elementos podem ser utilizados como símbolos de distinção de classe social,
estratégias de dominação e hegemonia sócio-cultural. Como uma ironia ao destino, estes
recursos funcionam como meio de prolongamento do status quo entre o mundo dos vivos
e dos mortos.
Bataille ainda em suas reflexões nos desafia a resistir e negar o fascínio/fetiche
pela morte, provocado por sua face luxuosa e suntuosa e sugere que seja rompido o véu
do erotismo que paira sobre a verdade da morte e da tragédia (Bataille, 1975, p. 73).
Renato Cymbalista defende que as edificações dos jazigos não são espontâneas e
nem gratuitas, antes representam texto e pretexto, podem carregar linguagens capazes de
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produzir e reproduzir discursos e ideologias a cerca da morte e da vida (Cymbalista,
2001, p. 14).
Considerando tais aspectos as imagens que seguem possibilitam também leituras e
reflexões, podendo indicar o universo das preocupações e intenções dos familiares e de
seus entes queridos em relação ao espaço do cemitério e de seus respectivos jazigos.
Assim como as imagens 5 e 6, podem ser relacionadas às concepções de morte,
aonde ficam manifestados o pesar, o sofrimento, o luto, o sentimento de perda. A
imagem 5 está representada pela anja, proveniente do repertório sacro-religioso, a
imagem 6, pela pranteadora, proveniente do repertório profano da cultura, a qual pode
expressar o pesar e o sentimento da família pelo falecido, no qual se pode ler: “Pediu
amor e devolveu saudades. Da esposa e filhos.”
Imagem 5 e 6. Jazigo e Estatuária do Cemitério Municipal de Joinville/SC.
Fonte: Arquivo particular, Joinville, 2009.
Já as imagens 7 e 8 abaixo, evidenciam mudanças em relação às concepções nas
formas de representação da morte em relação à imagens anteriores, agora sendo possível
identificar os aspectos nos quais ocorre a substituição das funções, da representação
simbólica e do vínculo religioso na edificação dos jazigos:
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Imagem 7: Lápide do Cemitério Municipal de Joinville/SC.
Fonte: Arquivo particular, Joinville, 2009.
Imagem 8: Jazigo do Cemitério Municipal de Joinville/SC.
Fonte: Arquivo particular, Joinville, 2009.
Analisando em especial a imagem 7, pode-se identificar a ausência de símbolos
cristãos como a cruz, palma, anjos, livro, passagens bíblicas, sendo adotados agora, na
base da lápide, um bloco disforme de pedra com inscrições do repertório literário que
remetem ao ciclo natural de crescimento e desenvolvimento de árvores, e por fim ocorre
a presença dos símbolos da sociedade secreta da Maçonaria.
Na imagem 8 também percebe-se também a ausência dos elementos tradicionais
descritos anteriormente, e se destacam na lápide o aparecimento de um símbolo
nobiliárquico, o brasão do Exército Brasileiro e da município de Joinville, como
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condecoração, homenagem honrosa e de reconhecimento ao mérito pelos serviços
prestados ao Estado; além de uma escultura contemporânea pelo artista plástico e
escultor Mário Avancini, de reconhecimento na cidade e região, que completa o
conjunto.
Com essas imagens percebe-se, em especial, que as formas de representação
material dos jazigos foram afetadas com as mudanças em curso desde o Iluminismo e a
secularização das instituições do Estado. Agora a simbologia pode estar relacionada aos
referencias de instituições/organizações sociais e políticas (Maçonaria e do
Estado/nação), podendo aparecer a escultura moderna e contemporânea, evidenciando
em grande medida o enfraquecimento e a substituição das manifestações culturais e
religiosas tradicionais.
Tanto as preocupações de secularização como as da cientificidade iluminista pouco
consideraram os valores religiosos e culturais tradicionais que faziam e fazem sentido
aos contextos das diferentes comunidades e sociedades, e acabaram por promover a
transferência e a subordinação desses valores para um segundo plano de importância,
promovendo em seu lugar o avanço dos parâmetros e valores de instrumentalização
política e funcional das manifestações em relação a morte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A morte, por tudo que suscita, é a metáfora reveladora perfeita do mal de viver.”
Michel Vovelle
“O simulacro da morte é o próprio homem.” Mário Perniola
Ariès traz que, o modelo atual de morte nasceu onde se sucediam duas crenças:
primeiro, a crença numa natureza que parecia eliminar a morte; em seguida, a crença
numa técnica que substituiria a natureza e eliminaria a morte com facilidade e segurança.
Tratar-se-ia da atitude do século XIX romântico que anuncia a atitude do século XX
tecnicista. A técnica, com seu poder de transformar o homem e a natureza, almejou
corroer o domínio da morte e até à ilusão de suprimi-la (Ariès, 1989, p. 649-651).
Na tentativa de ilustrar o domínio da morte poderiam ser relacionadas as
estratégias que foram anteriormente abordadas, como o embelezamento do corpo, os
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avanços da medicina, a elaboração dos testamentos, e, conforme se compreende, em
especial as disposições a população em relação aos espaços dos cemitérios e os recursos
da edificação dos jazigos, que foram anteriormente analisados.
As reflexões também poderiam ser ampliadas à outros aspectos, não contemplados
neste momento, como o distanciamento pelos adultos das crianças para com a morte e
com os mortos, a iniciação e a educação sexual cada vez mais cedo na vida dos jovens, a
suavização da censura em relação ao sexo nos meios de comunicação, a vasta indústria
de filmes de terror, o culto à violência, a superação cada vez maior do arsenal bélico na
sua capacidade de destruição e morte entre outros, como vetores que podem fornecer
indícios de como está sendo abordada e como se encontra escamoteada a problemática
da morte na contemporaneidade. Tal situação parece antes endossar a angústia, o mal-
estar e a confusão do que oferecer oportunidades de compreensão e orientação diante da
mesma.
Fromm, diante dos aspectos relacionados, espelhado nas experiências e
ensinamentos de Buda, Jesus e pelo Mestre Eckhart, propõe uma forma de vencer e
superar o medo da morte, que consiste em não se apegar à vida e não sentir a vida como
uma propriedade corpórea e material (Fromm, 1987, p. 129-130).
Arthur Schopenhauer, através da perspectiva da consciência subjetiva, contribui
com a afirmação de que a obsessão pela morte é pura vontade de vida, mas como tal o
homem, destinado à morte, quer ganhar tempo. Ele afirma que quando prevalece o
conhecimento, o homem avança ao encontro da morte com o coração firme e tranqüilo;
celebrando assim o triunfo do conhecimento sobre a vontade de vida cega, sobre aquela
vontade que nada mais é que o princípio da nossa própria existência (Schopenhauer,
2001, p. 25-27).
Encontra-se em Morin um aspecto que pode ser até confortante, segundo ele com a
possibilidade da morte, existe uma espécie de redenção e renovação, ocorre uma
convalescença do próprio caráter da humanidade, em que a nossa sociedade se regenera,
educando as novas gerações enquanto morrem as mais antigas (Morin, 2007, p. 35).
Morin, de maneira geral em seus estudos, também enfatiza que é urgente uma
tomada de consciência, de que a humanidade precisa empreender o seu desenvolvimento
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psíquico, moral e espiritual e ao mesmo tempo re-definir os limites de sua expansão
material e refazê-los ponderados por valores humanitários, solidários, cooperativos, de
qualidade de vida, de regulação do mercado/lucro, de justiça social, e de preservação da
natureza e do meio ambiente (Morin, 2007).
Por fim, Morin, propõem ainda a aceitação da condição humana do homo
complexus: sapiens/demens-ludens/economicus-mitologicus/faber-poeticus/prosaico-
uno/múltiplo, e seu destino trágico, a morte, realizando uma reforma profunda e com o
estabelecimento de alguns valores comuns, sustentado pela afirmação/decisão do viver
na poesia, na re-ligação e no amor (Morin, 2007, p. 137).
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