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A Capoeira na Baixada Fluminense
Por: Marcelo Cardoso da Costa
Como se pode estabelecer a história da capoeira na Baixada
Fluminense? Basicamente de duas formas: pela memória oral dos mestres de
capoeira e pelas fontes bibliográficas de alguns pesquisadores. No entanto, a
capoeira como ensino em acadêmicas e espaços públicos tem origem nas
décadas de 1950 e 1960, principalmente com a vinda de alguns mestres de
capoeiras da Bahia e do Rio de Janeiro. É o caso dos mestres Paulo Gomes,
Reginaldo Pimentel, Barbosa, Moraes e outros. Resgatar a vida e a memória
destes mestres e divulgar trabalho e estudos sobre a capoeira é uma forma de
reafirmar esta importante cultura afro-brasileira presente na região da Baixada
Fluminense.
1. Os novos moradores chegam a Baixada
Nei Lopes, no seu livro intitulado “O negro no Rio de Janeiro e sua
tradição musical: partido-alto, calango, chula e outras cantorias” (1992), fala da
importância, para o desenvolvimento do samba no Rio de Janeiro, da migração
da população negra da Bahia para a cidade carioca, habitando o seu centro
urbano. Tal como essa migração ajudou a desenvolver e popularizar o samba,
também contribuiu para a prática do candomblé e da capoeira. Neste sentido, a
capoeira praticada não era mais a capoeira escrava, mas sim a capoeira
enquanto traço cultural da população negra.
De acordo com as entrevistas com os mestres da capoeira, pode-se
perceber como foi importante a migração da população negra para os espaços
periféricos e para a região da Baixada Fluminense, pois trouxeram com eles a
cultura negra que viria a se desenvolver na região, dentre elas, a capoeira.
Mestre Reginaldo (2010), em entrevista, relatou que o centro do Rio de
Janeiro tem vários lugares de referência da cultura negra. Um destes lugares
seria a Igreja do Rosário.
A cultura do Rio de Janeiro nasceu no centro da cidade, portanto, o samba, a capoeira e até a caipira teve o centro do Rio de Janeiro como referência. A Igreja do Rosário era aonde se jogava a capoeira, por quê? Porque lá tinha o Congo, trazido pelos Bantos (negros
inteligentes e que trabalhavam bem nos Engenhos). Quem fez a Igreja dos Rosários foi os Bantos (que não foram para a Bahia, mas sim para Rio de Janeiro e São Paulo).
A passagem do Império para a República e as reformas urbanas,
ocorridas na área central da capital carioca, demarca a migração de boa parte
da população, que habitava essas áreas centrais, principalmente a população
de pobres e negros. Segundo LOPES (1992, p.5), essa migração se deu pela
destruição das casas de cortiço e da política urbana do “bota-fora”,
implementada nas áreas mais valorizadas do Rio de Janeiro:
Assim, antes de construir a Avenida Central, era preciso tirar pobres e pretos do caminho. Iniciava-se, então, apocalíptico “bota-abaixo”, com centenas de casas e cortiços sendo arrasados, numa verdadeira operação de guerra.
Essas reformas urbanas na capital carioca, de acordo com os estudos
recentes de Paulo Lins, contidos no livro “Desde que o samba é samba”
(2012), fizeram com que a migração da população negra fosse ocupar espaços
informais, como os morros cariocas – aumentando sua população, e
localidades mais distantes, como as periferias e subúrbios:
Após a reforma urbanística carioca feita pelo prefeito Pereira Passos no início do século XX, ocorreu uma reorganização geográfica da população. Os mais pobres, principalmente negros e mestiços, estabeleceram-se nos morros e nos bairros periféricos da cidade. Houve, também, os que passaram a viver nos subúrbios, ocupando loteamentos, antigas chácaras e fazendas do período imperial.
O afastamento de populações “indesejadas” (pobres e negros) das áreas
centrais continuou ao longo dos anos. Nos anos 20, foi o arrasamento do morro
do Castelo que colocou abaixo centenas de casas e cortiços. Novas vias de
circulação (Estrada de Ferro Central do Brasil e Avenida Automóvel Clube)
foram inauguradas, neste mesmo ano, favorecendo a migração da população
negra e pobre para áreas distantes. Antes disso o subúrbio carioca já tinham
experimentado a chegada da população de outras regiões, facilidade pela
antiga Estrada de Ferro D. Pedro II, inaugurada em 26 de março de 1858.
Com o loteamento das fazendas existentes na região da Baixada
Fluminense, a população pobre e negra migra para esta localidade e
espacializa, aos poucos, as práticas religiosas do candomblé, do samba e da
capoeira vindas de outras regiões. Essa migração foi devido às reformas
urbanas, que expulsou essa população das áreas valorizadas, e também,
segundo LOPES (1992, p.21), “advinda de fazendas decadentes do Estado do
Rio, do Espírito Santo, de São Paulo e de Minas Gerais”.
2. Do Rio de Janeiro a Baixada Fluminense: a migração da capoeira
Em entrevista, Mestre Rui Charuto (2010) relata que o contato entre os
capoeiristas da Baixada Fluminense com os do Rio de Janeiro, por exemplo,
eram constantes, onde os primeiros iriam aprender as técnicas, a organização
e a maneira de ensino com os capoeiristas da capital carioca.
Na época dos escravos, quando se falava em roda de capoeira, era porque ela era itinerante e “rodava” nos terreiros dos mestres. O Rio de Janeiro foi o ponto de partida e de referência dessas rodas. Havia, por exemplo, a famosa roda de Zé Pedro (no Rio de Janeiro), que era freqüentada pelos mestres Valdir Sales, Barbosa, Gavião e Paulo Gomes. Esse pessoal participava dessa roda e depois convidavam os outros mestres para participarem das rodas que aconteciam na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias, Belford Roxo e São João de Meriti.
Essas rodas de capoeira no Rio de Janeiro originaram as rodas na
Baixada Fluminense, ajudando a divulgar e difundir, para outras localidades da
região, a prática da capoeira. Ainda, segundo relato de Mestre Rui Charuto
(2010):
Um dos pontos fortes que valorizou os capoeiristas eram as rodas abertas: de Josias da Silva em Caxias, do mestre Reginaldo (na rodoviária de Nilópolis), do mestre Medeiros em São João (Éden) e na Pavuna e, mas tarde, da roda de rua de Caxias.
Os contatos entre os capoeiristas da Baixada Fluminense com os do Rio
de Janeiro promoveram intensos intercâmbios, fazendo com que houvesse
migrações de capoeiras para a Baixada, aplicação das novas técnicas e das
rodas. De acordo com Mestre Magal (2013), a história do cordel na capoeira
era um exemplo de uma prática que veio do Rio de Janeiro para a região da
Baixada.
Esse intercâmbio entre os praticantes da capoeira se deu por conta da
migração, nos anos 50/60, de discípulos de mestre Bimba, Pastinha e outros
capoeiras, principalmente baianos, para São Paulo e Rio de Janeiro,
promovendo a capoeira como luta esportiva1. Um destes capoeiristas foi Artur
1 Por conta disso ocorreram repercussões da capoeira na imprensa, segundo Lopes, por conta de cinco episódios: (i) o famoso caso de Jucá Reis que causou certa crise na república velha; (ii) a vitória do capoeirista Cyriaco sobre o professor japonês de Jiu-Jitsu em 1909; (iii) o confronte de mais de uma hora, em 1953, entre Rudolf Hermanny e Guanair Gial, aluno de mestre Bimba, que terminou em empate; (iv) a vitória, em 1954, do capoeirista Artur Emídio
Emídio de Oliviera, mestre Artur Emídio (1930-2011), baiano de Itabuna. Em
1953 Artur Emídio vai para São Paulo lutar com Edgar Duro, lutador de luta
livre, e sagra-se o vencedor. No ano seguinte, ele luta contra Hélio Gracie,
lutador de Jiu-Jitsu e outros lutadores, difundindo a capoeira como competição
esportiva. Em 1955 muda-se definitivamente para o Rio de Janeiro onde passa
a difundir a capoeira com ritmo musical, utilizando berimbau, pandeiro e
atabaque. A capoeira que existia no Rio de Janeiro era a chamada capoeira
utilitária, chamada de velha capoeira, desenvolvida por Agenor Moreira
Sampaio, o mestre Sinhozinho (1891-1962)2, que era uma capoeira voltada a
luta e as artes marciais, não tendo instrumentos e nem música. Sinhozinho
praticava a sua capoeira em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro e chegou a
ter, entre seus alunos, mesmo que por pouco tempo, o maestro Tom Jobim.
Artur Emídio abriu uma academia em Bonsucesso, subúrbio do Rio de
Janeiro, onde fazia demonstrações de sua capoeira e ensinava seu estilo,
formando muitos alunos, entre eles, estão os mestres Celso (Engenho da
Rainha), Mendonça (criador dos cordéis), Vilela e Paulo Gomes. Sua academia
fez sucesso e passou a ser vista como o “quartel general” da capoeira,
praticada ao som do berimbau3.
3. A capoeira em São João de Meriti
Em uma das entrevistas realizadas, Mestre Levi (2010) conta à história
do surgimento da capoeira na Baixada Fluminense que se relaciona ao mestre
Artur Emídio. Levi também releva a localização e os precursores mais
importantes da Capoeira na Baixada:
A capoeira começa no início da década de 1960, por volta de 1962, através do mestre Paulo Gomes, que veio do Rio de Janeiro para o bairro de Coelho da Rocha (rua Belkiss) em São João de Meriti. A capoeira tem uma rede de formação que expressa uma linhagem dos
sobre Edgar Duro, especialista em luta livre; (v) a vitória do capoeirista Sidney Gonçalves Freitas (mestre Hulk), em 1955, no primeiro tira-teima brasileiro que contou com representantes de outras lutas. 2 Sinhozinho era lutador e instrutor de educação física, oriundo de Santos (SP), chegou ao Rio de Janeiro em 1908 com 17 anos. A capoeira que aprendeu foi a dos valentes e antigos malandros da Lapa. Formou sua primeira academia em Ipanema no ano de 1930. 3 Mais tarde, Artur Emídio deu a volta ao mundo, fazendo sucesso no exterior, principalmente em Buenos Aires (ARG), Acapuco (MEX), Nova Iorque (EUA), Paris (FRA) e outras cidades. Foi um dos primeiros mestres a levar a capoeira para o exterior.
mestres formados e formadores. Dessa forma, situa-se o mestre Paulo Gomes como aprendiz de Artur Emídio (que foi aprendiz de Paizinho) e formador dos mestres Josias da Silva e Valdir Sales. O mestre Josias da Silva formou os mestres Canela, Raimundo, Butt, Crispin e Irani. Já o mestre Valdir Sales formou os mestres Medeiros, Barbosa, Portes, Ninguém, Morais, Baianinho, Tião, Sabatine, Claudir, Décio.
Dessa forma Paulo Gomes da Cruz (1941-1998)4, também baiano de
Itabuna, conhecido como mestre Paulo Gomes, aprendia as técnicas da
capoeira na academia de Artur Emídio e reproduzia na Baixada Fluminense,
para onde ele foi morar, mas precisamente, na rua Belkis, no bairro Coelho da
Rocha, São João de Meriti. O fato de Paulo Gomes ser frequentador da
academia de Artur Emídio e de fixar residência nesta localidade desencadeou o
processo de ensino da capoeira nesta região.
Esta informação é confirmada pelos mestres entrevistados. Segundo
eles, o ensino da capoeira na Baixada Fluminense tem o município de São
João de Meriti como referência na década de 1960, época em que a capoeira
esportiva estava crescendo na cidade do Rio de Janeiro, ganhando adeptos
nas academias e clubes esportivos. Esse crescimento da capoeira carioca
influenciava moradores de outras localidades, dentre eles, aqueles que
migraram para a Baixada Fluminense. Foi assim que o então morador de São
João de Meriti, Paulo Gomes, trouxe os ensinamentos da capoeira carioca para
a sua região, inicializando (ensinando) outros moradores. Mestre Raimundo
(2010), ao relatar como se inseriu no universo da capoeira, revela um pouco
mais sobre o começo da capoeira na região da Baixada Fluminense:
Eu vim da Bahia para o Rio de Janeiro, no começo da década de sessenta, para fazer tratamento contra a tuberculose. Vim morar na rua Belkiss em frente ao que é hoje a loja Kalil, naquela época chamava-se rua 16. Um dia, quando estava indo para o colégio, assisti algumas pessoas treinando (jogando) capoeira, num terreno de bairro, e achei interessante aquilo e perguntei como fazia para aprender. Foi então que o Mestre Josias se apresentou e disse que dava aulas ali mesmo na Rua Belkiss (em Coelho da Rocha), onde ele morava. Este treinamento acontecia perto da esquina com a pernambucana e era feito com o mestre Paulo Gomes que, por sua vez, treinava com o mestre Arthur Emidio em Bonsucesso. Tudo o que ele aprendia lá ele nos ensinava aqui. Eu então comecei a treinar com o mestre Josias numa quadra na rua Belkiss aos sábados e
4 Paulo Gomes atuou também em São Paulo, considerado um dos fundadores da Capoeira Paulista, criador em 1962 do Batismo na Capoeira, autor do Toque de Berimbau "Iuna Verdadeira", criador da ABRACAP (Associação Brasileira de Capoeira), idealizador do "Dia do Capoeira" (03 de agosto), autor do Livro: "Capoeira - A arte marcial brasileira" (1982) e do CD: "Roda de Capoeira da Ilha de Maré". (fonte: http://www.fontedogravata.org/1998/09/capoeira-de-sao-paulo-e-do-brasil-perde.html).
domingos pela manhã num grupo de capoeira batizado com o nome de “eu e meus amigos”.
A seguir temos um mapa da rua Belkiss, ponto de referência e de
surgimento da capoeira no município de São João de Meriti.
Fonte: googlemaps - 2014
A rua Belkiss é uma das principais do bairro de Coelho da Rocha, em
São João de Meriti, quase toda traçada em linha reta, ela liga a estação da
linha férrea de Coelho da Rocha a Praça da Bandeira, sendo que boa parte das
linhas de ônibus trafegam por ela. O endereço de referência onde aconteciam
as aulas de capoeira de Paulo Gomes era, portanto, era: Rua Belkiss, nº 817.
Hoje, nesta localidade, funciona uma borracharia, como pode-se ver na
imagem abaixo.
Fonte: googlemaps - 2014
Foi neste endereço, onde antes havia um terreno baldio, que mestre
Paulo Gomes utilizou para ministrar aula de capoeira, fazendo-a, deste modo,
migrar do Rio de Janeiro para a região onde morava. Dessa forma, pode-se
dizer que a capoeira da Baixada é fruto da capoeira carioca, utilizando
inicialmente as técnicas de aprendizagem do mestre Artur Emídio, com que o
mestre Paulo Gomes praticava e aperfeiçoava a capoeira em Bonsucesso,
subúrbio do Rio de Janeiro. Mestre Paulo Gomes se formou no Rio de Janeiro
e ajudou a difundir a capoeira carioca na Baixada Fluminense e a formar seus
primeiros mestres. Dos mestres formados por Paulo Gomes, dois foram
importantes para o desenvolvimento e propagação da prática da capoeira na
região: o mestre Josias da Silva e o mestre Valdir Sales.
Esses dois mestres formaram as primeiras associações de capoeira,
onde boa parte dos mestres da Baixada Fluminense tiveram a sua formação,
construindo assim a sua linhagem. A “Associação de Capoeira Valdir Sales”
atuou intensamente no município de São João de Meriti, formando diversos
mestres que passaram a praticar e a ensinar capoeira em outros municípios e
localidades da Baixada Fluminense. É uma das associações de capoeira mais
antigas da Baixada Fluminense. Já o mestre Josias da Silva levou sua capoeira
para outras localidades, como os municípios de Duque de Caxias e Nova
Iguaçu, fundado a sua a “Associação de Capoeira Josias da Silva” e formando
importantes capoeiristas. Seu nome é referência da capoeira para estas duas
regiões5.
A partir de 1985, a capoeira passou a se profissionalizar, muitos mestres
passaram a viver exclusivamente da capoeira, coisa antes (na década de 1970)
impensável. A capoeira cresceu nas escolas, onde surgiram alguns projetos.
Mestre Canela6 foi o fundador da roda de capoeira em um destes
espaços, onde hoje é a sede da Casa da Cultura em 1978.
No início era um imenso terreno baldio coberto de mato, a roda de capoeira conseguia atrair muitas crianças. A tradição da capoeira na Casa da Cultura é forte e se mantém até o momento. Eu conduzi o grupo até me afastar por problemas de saúde, hoje estou dedicado à família (MESTRE CANELA, 2010).
Neste mesmo terreno, atualmente sede da Casa da Cultura, foi fundada,
segundo Mestre Rui Charuto (2010), a liga de capoeira da Baixada Fluminense,
que realizou o Congresso Nacional de Capoeira neste mesmo local. A seguir,
imagem da Casa da Cultura, um dos locais de referência da capoeira em São
João de Meriti.
5 Mas tarde, um dos seus discípulos, mestre Butt, foi o primeiro a trazer o Maculelê e a Puxada de Rede para Nova Iguaçu. 6 Jorge Inês de Souza (Mestre Canela) possui, atualmente, 65 anos de idade. Começou novo na capoeira, aos doze anos. Foi aprendiz do Mestre Josias da Silva e coordenou a roda de capoeira que se realiza, ainda hoje, na Casa da Cultura da Baixada (município de São João de Meriti). (Entrevista concedida por Jorge Portes, o Mestre Portes, na Casa da Cultura, em São João de Meriti, em junho de 2010).
Fonte: googlemaps - 2014
4. A capoeira em Nilópolis
O ensino e difusão da capoeira na Baixada Fluminense estava
relacionada com a capoeira carioca, porém, a capoeira baiana também era
uma referência. Em Nilópolis e adjacências, por exemplo, a capoeira
desenvolvida por Mestre Reginaldo tinha sua linhagem ligada ao Mestre
Pastinha – fundador e divulgador da capoeira de Angola. Mestre Reginaldo
(2010) foi aluno de capoeira do mestre Pastinha, na Bahia. Em entrevista, ele
disse o seguinte:
Eu cheguei a Baixada Fluminense, vindo de Salvador, na década de 70 e comecei a procurar saber aonde se jogava a capoeira. Em Nilópolis e Nova Iguaçu não encontrei nenhuma roda de capoeira. Em São João de Meriti sabia que tinha a capoeira do mestre Valdir Sales e em Duque de Caxias do mestre Barbosa e só. Eu me considero o fundador da capoeira em Anchieta, Nilópolis e Nova Iguaçu. A capoeira que praticava era a capoeira baiana do meu mestre Pastinha. Eu tinha um diploma dado por ele que provava que eu já dava aula em Salvador. No Rio de Janeiro não me filiei a nenhuma academia, pois quis ser fiel a escola do meu mestre formador. A primeira academia que dei aula foi em Nilópolis. Dava aulas também no bairro de Anchieta (município do Rio de Janeiro) no “E.C. Royal” (localizado em frente à atual escola Paraíba e que hoje é uma Igreja Evangélica) e no “E.C. Anchieta”. Dei aula também no 6º batalhão de polícia militar de Duque de Caxias e na escola de formação de
oficiais.
5. A capoeira em Duque de Caxias
Outro município de importância para a prática e o ensino da capoeira na
Baixada Fluminense é Duque de Caxias, não pela referência histórica com o
surgimento da capoeira na Baixada Fluminense, mas por ter formado a hoje
famosa roda de capoeira de rua, que acontece aos domingos no centro do
município até hoje. BARTHOLO et All (2003), em seu trabalho de pesquisa, fez
uma etnografia da famosa roda de rua de capoeira do município de Duque de
Caxias. Ele coletou as informações aplicando questionários e entrevistando os
freqüentadores, além de fazer a observação participante da roda. Com isso, ele
obteve importantes informações que ajuda a pensar a prática e o ensino da
capoeira na Baixada Fluminense.
A roda de capoeira de rua de Caxias ganha importância de análise por
ser mantida em espaço público, por ter sido formada por dissidentes da
capoeira “esportiva” e “acadêmica”, que ocupava os espaços privados dos
clubes, academias, ONGs e outros, e por ajudar a resgatar e a difundir a
capoeira de Angola e, conseqüentemente, a cultura e as tradições da
população afro-descendentes.
O município de Duque de Caxias, localizado no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, apesar de não ser identificado “no mapa cultural” da incipiente historiografia da capoeira como um local que auxiliou a formar tradição dessa prática corporal, teve suas ruas e praças como palco do nascimento e manutenção de uma roda de capoeira de rua que se mantém há mais de trinta anos. (Bartholo, 2003, p. 125).
Esta roda de rua começou com dissidentes da capoeira regional, sofreu
preconceitos, perseguições, disputou e entrou em conflito pelo espaço com
comerciante, policia e outras manifestações populares, empreendeu táticas de
defesa para permanecer neste espaço e ajudou a revalorizar a capoeira de
angola. Por tudo isso, a roda de capoeira de rua de Caxias merece um espaço
à parte dentro deste histórico da capoeira na Baixada Fluminense.
A roda de capoeira de rua de Caxias começou a funcionar na época da
ditadura militar no Brasil. Neste período, a capoeira regional atraia cada vez
mais adeptos, ampliando suas academias, promovendo eventos de lutas,
valorizando o nacionalismo ao associar a capoeira como o verdadeiro esporte
brasileiro e definindo seu cordel com as cores da bandeira brasileira. Além
disso, padronizou regras de vestimentas, de técnicas e procurou se
institucionalizar em entidades que lhe desse reconhecimento, como associação
de pugilismo, ligas e federações de capoeira. Isso nos leva a pensar que, ao se
institucionalizar, a capoeira passou a abandonar o espaço da rua, que era (foi)
associado, historicamente, a violência, arruaça e vadiagem. Foi neste cenário
que um grupo de pessoas ligadas a este estilo de capoeira rompeu com essa
prática e levou a capoeira para os espaços públicos.
A Roda de Caxias, iniciada na década de 1970, surge da ruptura de um grupo de jovens praticantes do sistema que aqui chamaremos de capoeira esportiva. A capoeira praticada em academias de ginástica é nomeada, por alguns antigos freqüentadores da roda na linguagem nativa, como sistema acadêmico, aqui identificado de capoeira esportiva. Esse modelo parece ter uma estrutura semelhante às das artes marciais orientais, com uniformes, graduações e hierarquia, utilizando treinamento e disciplina esportiva. (Bartholo, 2003, p.125).
Os freqüentadores da roda de Caxias alegam que manter a capoeira na
rua é preservar o seu histórico de surgimento, onde as ruas das capitais
coloniais eram o seu habitat e, ao contrário, mantê-la em espaço privado é
fazer com que este histórico se perca.
Os mestres entrevistos da roda de Caxias, segundo BARTHOLO (2003),
apontaram o Mestre Barbosa (José Barbosa da Silva)7 como o precursor da
capoeira em Duque de Caxias. Outros dois nomes também são associados ao
desenvolvimento da capoeira desta localidade: o Mestre Josias da Silva e o
Mestre Morais (Pedro Morais Trindade)8. Mestre Barbosa, pernambucano e
morador de Duque de Caxias deste 1965, davam aulas de capoeira na
academia Líder (no centro do município) e seu grupo de capoeira ficaram
conhecido como Grupo Zum Zum Zum. Já Mestre Josias da Silva fundou a
Associação Josias da Silva e dava aulas na Associação de Imprensa no centro
de Caxias. Ele foi um dos fundadores do estilo esportivo da capoeira.
Mesmo possuindo uma estrutura mais complexa, não foi essa capoeira sistematizada, praticada dentro das academias, que ficou marcada como a capoeira de Caxias, despertando a atenção de conhecidos praticantes de capoeira de várias partes do Rio de Janeiro, do Brasil e de outros países. Foi à capoeira praticada por
7 Mestre Barbosa veio de Recife para o Rio de Janeiro em 1965 e foi morar na Vila São Luiz, bairro de Duque de Caxias, em 1971. Mestre Barbosa já praticava a capoeira desde 1962 e foi quem sistematizou a capoeira no município de Duque de Caxias. 8 Baiano e capoeirista de Salvador, Mestre Morais migra para o Rio de Janeiro em 1970, fixando domicílio na Rua Tenente José Dias, no centro de Caxias.
alguns jovens em ruas e praças desse município que se configurou como uma espécie de “zona livre” da capoeira e, que a partir da década de 1970, atraiu jogadores de capoeira de várias partes do Estado do Rio de Janeiro e de diferentes estilos e escolas. (Bartholo, 2003, p.126).
Os formadores da roda de capoeira de rua de Caxias são oriundos das
academias de Mestre Barbosa e Mestre Josias da Silva. A origem da roda de
Caxias remonta a data de 13 de julho de 1973, ocasião em que, dentro de uma
feira católica da Igreja de Santo Antônio, formou uma roda de capoeira que
teve uma percussão positiva, passando a acontecer semanalmente (Bartholo,
2003, p.126).
É nesta parte que entra o terceiro personagem de referência da capoeira
em Caxias, o baiano Mestre Morais, que em 1970 veio morar em Duque de
Caxias e, em 1981, fundou o G.C.A.P., Grupo de Capoeira Angola Pelourinho.
Morais foi um dos grandes incentivadores da roda de capoeira de rua em
Caxias, conhecido por todos como um dos melhores capoeiristas e visto como
aquele que resgatou a capoeira de angola, tirando-a do esquecimento.
Mestre Morais parece ser o grande responsável pela migração de vários jogadores de capoeira da Roda de Caxias, que não eram partícipes de nenhuma linha ou estilo específico de capoeira, para a Capoeira Angola. (Bartholo, 2003, p.129).
Mestre Morais regata a capoeira angola numa época em que a capoeira
regional ganhou notoriedade e atrai números de adeptos cada vez maiores.
Os espaços ocupados pela roda de capoeira de rua foram diversos.
Começou na feira da Igreja Católica, foi praticada nos terrenos baldios, passou
para a o espaço de um bloco carnavalesco e esteve presente nas ruas e
praças. Um dos fundadores da Roda, conhecido como Peixe, traçou os
espaços ocupados pela roda de Caxias (Bartholo, 2003, p.127):
Ela começou lá na feira da comunidade, uma festa que tinha em Caxias que era da igreja. Botamos a primeira roda dentro da igreja, aí depois botaram a gente pra fora e a gente começou a fazer na Praça do Relógio, passamos um bom tempo lá, mas depois começamos a ter problema com o comércio devido ao horário. Aí mudamos pra perto do Banco do Brasil. Depois passamos pra Praça do Pacificador. Sei que nós rodamos tudo. Também demos um intervalo que ficou um tempo sem ter roda, não sei se uns cinco anos. Foi porque dispersou as pessoas Só ficou eu e Russo aqui e não dava pra botar roda só os dois. Depois nós voltamos de novo na Praça do Pacificador de novo, ficamos e aí, então, Russo pediu opinião e resolvemos definir a roda aqui e temos uns dois anos que estamos aqui.
Segundo BARTHOLO (2003), a capoeira de rua de Caxias teve que
superar muitas limitações e preconceitos, principalmente por parte dos
integrantes da chamada “capoeira esportiva” ou “capoeira acadêmica”. Foi
preciso, em certos momentos, adotar táticas espaciais para se manter nas
ruas.
Uma dessas estratégias, por exemplo, segundo os depoentes, era não realizar a roda em locais de fácil acesso e próximos à principal entrada do município. Por isso as rodas aconteciam em locais em que visitantes que fossem até lá com o intuito de prejudicar a roda teriam dificuldade para fugir. Todavia, observemos que a roda era utilizada, por ser uma zona livre, também como local de emulação e encontro de diferentes estilos de capoeira. O fato de a roda acontecer na rua fez com que ela, independente das narrativas de perseguição, também estivesse sujeita a ter problemas com o comércio ambulante, com a polícia e até mesmo com outras manifestações populares. (Bartholo, 2003, p.129).
O conflito pelo espaço está registrado na mente dos freqüentadores
mais antigos da roda de Caxias. Um dos mais conhecidos foi no carnaval de
1981, onde um bloco carnavalesco tentou invadir a roda, iniciando uma briga
entre os integrantes da capoeira com os integrantes do bloco. Em jogo, a
disputa pelo espaço e a identidade dos freqüentadores com a roda de Caxias.
Isso tudo fortaleceu e fez a roda de Caxias ganhou fama nas décadas de 1970
e 1980, atraindo nomes bastante conhecidos da capoeira e ajudando a estreitar
a relação com a capoeira do Rio de Janeiro, o que foi importante para o
desenvolvimento da capoeira na Baixada Fluminense.
Referências Bibliográficas
BARTHOLO, Tiago L., ALMEIDA, Marcelo N. e SOARES, Antônio J. Uma roda
de rua: notas etnográficas da roda de capoeira de Caxias. Rev Port Cien Desp
7(1) 124–133, 2013.
LINS, Paulo. Desde que o samba é samba. São Paulo: Planeta, 2012, 304p.
LOPES, Nei. Enciclopédia da diáspora africana. São Paulo: Editora Selo Negro,
2004, 720p.
LOPES, Nei. O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical: partido alto,
calango, chula e outras cantorias. Rio de Janeiro: Pallas, 1992.
Entrevistas
Arlindo Ribeiro Sampaio (Mestre Sampaio). Entrevista concedida na Casa da
Cultura, em São João de Meriti, em março de 2010.
Jorge Inês de Souza (Mestre Canela). Entrevista concedida na Casa da
Cultura, em São João de Meriti, em junho de 2010.
Jorge Porte (Mestre Portes). Entrevista concedida na Casa da Cultura, em São
João de Meriti, em maio de 2010.
Levi Tavares de Souza (Mestre Levi). Entrevista concedida na casa da Cultura,
em São João de Meriti, em março de 2010.
Raimundo Silva Filho (Mestre Raimundo). Entrevista concedida na Casa da
Cultura, em São João de Meriti, em junho de 2010.
Rui Montanheiro (Mestre Rui Charuto). Entrevista concedida na Casa da
Cultura, em São João de Meriti, em junho de 2010.
Warle Silva de Paula (Mestre Warle). Entrevista na Cada da Cultura, em São
João de Meriti, em maio de 2010.
Júlio César Jugnático (Mestre Magal). Entrevista na Cada da Cultura, em São
João de Meriti, em maio de 2010 e outubro de 2013.
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