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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
JOCIANE MARIANO ROBETTI
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA E A
EXCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
ITAJAÍ 2008
1
JOCIANE MARIANO ROBETTI
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA E A
EXCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Monografia apresentada para conclusão do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí. Orientadora: Profª Dra. Lísia Ferreira Michels
ITAJAÍ 2008
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DEDICATÓRIA A Deus e a meu marido Gustavo, companheiros de todas as horas.
3
DEFICIÊNCIAS “Deficiente” é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive sem ter consciência de que é dono do seu destino. “Louco” é quem não procura ser feliz com o que possui. “Cego” é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores. “Surdo” é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão, pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês. “Mudo” é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia. “Paralítico” é quem não consegue andar em direção daqueles que precisam de sua ajuda. “Diabético” é quem não consegue ser doce. “Anão” é quem não sabe deixar o amor crescer. E finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois: “Miseráveis” são todos aqueles que não conseguem falar com Deus.
Mario Quintana (1906-1994)
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AGRADECIMENTOS À Professora Dra. Lísia, braço amigo de todas as etapas deste trabalho;
Ao amado e estimado Gustavo, por sua dedicação, motivação, compreensão
e confiança em mim depositada, o que tornou a jornada senão menor, menos árdua;
À minha irmã Cynthia, que mesmo longe se faz perto;
A todos que, com boa intenção, colaboraram para a realização deste estudo.
5
RESUMO
Este estudo aborda o conceito de deficiência e sua trajetória na sociedade, com ênfase para a deficiência mental, buscando compreender os aspectos que diferenciam o deficiente dos demais, bem como seu desenvolvimento e expectativas. O presente trabalho se caracteriza como pesquisa bibliográfica, tendo como objetivo principal abordar o processo de exclusão do deficiente na sociedade, destacando os contextos históricos, culturais e sociais e descrevendo-se as ações que permeiam esse processo. Também foram analisadas às condições que colaboram para que ocorra esta exclusão, assim como aquelas que levam à inserção e à valorização humana da pessoa com deficiência. A pesquisa foi realizada em base de dados da rede mundial de computadores e na biblioteca da UNIVALI. Foram analisados artigos científicos e livros a partir da década de 80 até os dias atuais. Os resultados desta pesquisa indicam que a pessoa com deficiência, vem sendo sistematicamente excluída e tal exclusão está diretamente relacionada ao preconceito decorrente da não aceitação do diferente.
Palavras-chave: Exclusão- Inclusão- Pessoa com deficiência
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SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO ....................................................................................... 07 1.1 OBJETIVOS ............................................................................................................. 09 1.1.1 Objetivo geral ........................................................................................................ 09 1.1.2 Objetivos específicos ............................................................................................. 09 1.2 METODOLOGIA ....................................................................................................... 09 1.2.1 Delineamento da pesquisa .................................................................................... 09 1.2.2 Fases da pesquisa ................................................................................................. 10 CAPÍTULO 2 – DEFININDO A DEFICIÊNCIA ............................................................... 11 CAPÍTULO 3 – A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA ..... 16 CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ............................. 20 4.1 A EDUCAÇÃO ESPECIAL........................................................................................ 25 4.2 MOVIMENTO INTEGRACIONISTA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA .............................. 29 4.3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA................ 35 CAPÍTULO 5 – PRECONCEITO E EXCLUSÃO ............................................................ 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 50
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CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO
A sociedade sempre relacionou a deficiência física ou mental com doença
e/ou invalidez, seja por desinformação ou por preconceito. Além disso, até meados
de 1980 também se via o deficiente como sendo uma pessoa “excepcional”. A partir
da constatação do conceito de excepcional ou de excepcionalidade, começou-se a
perceber que existem diferenças entre o que é ser excepcional e o que é ser pessoa
com deficiência, bem como os diferentes preconceitos decorrentes de tais estados.
O termo excepcional, segundo Ferreira (2004), advém da exceção ou do que
constitui uma exceção. Assim, o indivíduo que em uma avaliação de quociente de
inteligência e de criatividade ficar acima da média normal, é tão exceção quanto
aquele que fica aquém da média. Ambos serão excepcionais, mas o tratamento que
receberão será completamente diferente. O primeiro será considerado como um
gênio, enquanto que o segundo será considerado um retardado, um deficiente
mental. De acordo com Kaplan (1968 apud AMIRALIAN, 1986), o excepcional é o
“indivíduo que se desvia da norma”, ou seja, é o indivíduo que se encontra fora do
que geralmente se considera normal, que é uma exceção, seja de forma positiva ou
negativa. Por norma, de acordo com o dicionário de Psicologia Dorsch (2001), a
definição encontrada nos diz que regra se refere ao comum, ao mais freqüente. Para
se estabelecer o normal, ou a normalidade, são usados testes estatísticos e toda
aquela característica que aparece com maior freqüência em determinado grupo é
estipulada como normal (AMIRALIAN, 1986). Então, as pessoas desviadas da média
passam a ser consideradas anormais ou incapacitadas (TELFORD e SAWREY ,
1988).
Conforme recomendação do Ministério da Saúde (2007), o diagnóstico de
deficiência, ou de superdotação, deve ser feito por equipe multiprofissional,
composta por um assistente social, um médico e um psicólogo, pois tais
profissionais, atuando em equipe, têm condições de avaliar o indivíduo em sua
totalidade, abordando os aspectos culturais, biológicos e psicológicos.
A pessoa que se sobressair nas avaliações, aquela avaliada como pessoa
com altas habilidades ou superdotada, muitas vezes, será negada a condição de
pessoa com necessidades especiais, e a pessoa que não obtiver bom desempenho
na avaliação, poderá ser dita retardada, sendo então considerada como um ser
incapaz, o que frequentemente cerceia a sua capacidade de desenvolvimento e
8
envolvimento social, cultural e profissional. Essas atitudes certamente são
decorrentes do preconceito acerca da condição e das concepções a respeito dos
envolvidos, que poderá resultar na segregação e exclusão social da pessoa com
deficiência.
Para Amaral (1994, p.40):
Política tão antiga quanto a humanidade, a segregação apóia-se no tripé: preconceito, estereótipo e estigma. Tentando sintetizar a dinâmica entre eles: um preconceito gera um estereótipo, que cristaliza o preconceito, que fortalece o estereótipo, que atualiza o preconceito... círculo vicioso levando ao infinito(...).
Compreender a deficiência e sua construção social ao longo do tempo
significa compreender a pessoa com deficiência, não só em seus aspectos
desviantes, como também em seu desenvolvimento e expectativas. Com isso,
entende-se que a atuação junto à pessoa com deficiência poderá estar alicerçada
nas possibilidades deste grupo de pessoas, que foram excluídas ao longo da história
e que lutam por um atendimento digno e pela valorização de seu potencial humano.
A relevância desse estudo justifica-se pela compreensão da sociedade em
si, de seus valores ao longo do tempo, seja em busca da inserção e na erradicação
do preconceito e discriminação dirigida às pessoas com deficiência.
O primeiro capítulo apresenta as considerações inicias, apresentando o
tema do trabalho, os objetivos e a metodologia adotada.
No segundo capítulo aborda os aspectos da construção social do conceito e
da definição de deficiência ao longo da história.
O terceiro capítulo apresenta a situação da pessoa com deficiência no
decorrer do tempo.
No quarto capítulo, discutem-se os aspectos históricos relativos ao processo
de educação da pessoa com deficiência.
No quinto capítulo discorre-se sobre preconceito e exclusão da pessoa com
deficiência.
Por fim, apresenta-se as considerações finais do presente estudo.
9
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo geral
Analisar a construção social do conceito de deficiência na literatura, desde a
década de 1980 até os dias atuais.
1.1.2 Objetivos específicos
− Identificar os conceitos sobre a deficiência presentes na literatura
produzida desde a década de 1980 até os dias atuais;
− Compreender o conceito de deficiência ao longo da história da
organização humana em sociedade;
− Identificar historicamente as propostas de educação destinadas às
pessoas com deficiência e adotadas no Brasil, em literatura específica,
a partir da década de 1980 até os dias atuais;
− Descrever historicamente a construção social do processo de exclusão
da pessoa com deficiência;
− Compreender o processo de exclusão da pessoa com deficiência.
1.2 METODOLOGIA
1.2.1 Delineamento da pesquisa
A presente pesquisa é caracterizada como pesquisa bibliográfica que
pretende apresentar uma investigação sobre a história da construção social do
conceito de deficiência.
O presente estudo enfatiza uma organização de idéias originadas de
bibliografias a respeito dos conceitos de deficiência no decorrer da história da
10
sociedade humana.
Segundo Tachizawa (1999), nesta categoria a pesquisa bibliográfica pode ser:
− Uma organização coerente de idéias originadas de bibliografias de alto
nível, em torno de um tema específico;
− Uma análise crítica ou comparativa de uma obra, teoria ou modelo já
existente, a partir de um esquema conceitual bem definido;
− O desenvolvimento de uma monografia realmente inovadora, a partir de
fontes exclusivamente bibliográficas.
1.2.2 Fases da pesquisa
De acordo com Gil (1995) o delineamento da pesquisa bibliográfica implica
em considerar as seguintes etapas:
− Determinação dos objetivos.
− Elaboração do plano de trabalho.
− Identificação das principais fontes através da literatura que trata do tema.
− Localização das fontes e obtenção do material.
− Leitura do material.
− Tomada de apontamentos e confecção de fichas.
− Redação do trabalho.
11
CAPÍTULO 2 - DEFININDO A DEFICIÊNCIA
A história da organização social humana, quando analisada, nos permite a
percepção de um processo contínuo de criação e recriação de classes e categorias
de pessoas. A sociedade possui uma visão de homem que geralmente tende a um
padrão de normalidade, pressupondo que todos têm as mesmas capacidades e
habilidades, onde aqueles que diferem desse padrão são considerados como uma
exceção (MATTOS, 2000).
Nesse sentido, de acordo com Moscovici (1985), Rodrigues (2001) e Mattos
(2000), um indivíduo é considerado normal quando atende a padrões prévios de
comportamento, tal como aprendizado e rendimento dentro de uma média
quantitativa ou qualitativa; quando não, é considerado pessoa com limitação, ou com
deficiência.
Para Telford e Sawrey (1988) há relativamente pouca padronização da
terminologia da deficiência mental, e em muitos casos, essas são citadas como
excepcionalidades. Os autores reconhecem que a tendência atual é o emprego de
termos mais gentis e menos pejorativos ou carregados de conotação negativa.
Nessa perspectiva, Amiralian (1986) assinala que a pessoa com deficiência
mental vem sendo considerada de diferentes formas, conforme os valores éticos,
sociais, morais e religiosos da sociedade onde se encontra, isto é, relacionado ao
modo como o homem é visto em diferentes culturas. A autora argumenta que a
maneira como a pessoa com deficiência é tratada, expressa a atitude de cada
sociedade e de cada indivíduo dessa sociedade.
De acordo com Mazzotta (1987) existem muitos aspectos que dificultam a
definição de deficiência mental, impostas tanto pela diversidade da terminologia
utilizada quanto pelos diferentes critérios de classificação das deficiências. Assim o
autor alerta que, além da variação do termo genérico, que busca designar o
funcionamento intelectual abaixo da média esperada, há também a variação de
termos específicos usados na identificação dos graus de retardo e/ou déficit. O autor
também afirma que nenhum sistema de classificação é totalmente aceito, sem
restrições, pois tanto a classificação quanto a nomenclatura variam conforme o país
onde são realizadas pesquisas e ensaios a respeito do tema. Como termos
genéricos o autor cita a debilidade mental, sub-normalidade mental, deficiência
12
intelectual ou retardo. Como termos específicos, cita que educadores franceses
usam o termo “deficiência intelectual”, enquanto que os americanos usam
“retardamento mental”. No Brasil, a expressão mais usada é “deficiente mental” ou
“pessoa com deficiência mental”, o que parece que tem amenizado o estigma da
expressão usada até o final da década de 1980, aproximadamente, que fazia
referência ao retardo mental, sendo a pessoa denominada por “retardado”.
Amaral (1994) identifica a necessidade de estabelecer uma linguagem
comum, pois entende que, entre tantas, as denominações “deficiência primária” e
“deficiência secundária” seriam as que mais expressariam com propriedade o
conceito envolvido, de forma universal. Deficiência primária engloba o impedimento,
decorrente de dano ou anomalias funcionais e estruturais, e a deficiência
propriamente dita, ou seja, a perda, a seqüela decorrente. O impedimento seria, por
exemplo, um braço paralisado, enquanto que a deficiência seria o não manusear em
conseqüência dessa paralisia, referindo-se então às limitações físicas impostas pela
própria deficiência. A deficiência secundária está ligada à incapacidade, em
decorrência de desvantagem, o que só é possível num esquema corporativo, ou
seja, quando em comparação ou em relação a outros, ao grupo onde se está
inserido; portanto, a deficiência secundária está diretamente associada à construção
social do conceito de deficiência.
De acordo com Amaral (1994, p.17): “Atualmente reconhece-se que, muito
mais que a primária, a deficiência secundária pode vir a impedir o desenvolvimento
do indivíduo, ao aprisioná-lo na rede de significações sociais, com seu rol de
conseqüências, atitudes e estereótipos”.
Na perspectiva de Almeida (2003), uma deficiência se dá quando, em
comparação à maioria, uma pessoa apresenta significativas diferenças, sejam
físicas, sensoriais ou intelectuais, decorrentes de fatores inatos ou não (adquiridos),
de caráter permanente e que acarretam dificuldades em suas interações com o meio
físico e social.
Conforme Daniel Offer e Melvin Salshin (apud KAPLAN e SADOCK, 2003)
existem quatro perspectivas de normalidade: como saúde, como utopia, como média
e como processo. Como saúde, seria considerado normal o indivíduo que não
manifestasse qualquer psicopatologia. A normalidade como utopia seria aquela onde
há uma mescla harmoniosa dos diversos elementos do aparato mental, que
resultaria em um funcionamento ótimo. Por normalidade como a média, o parâmetro
13
tem base no princípio matemático da curva senoidal, onde a faixa intermediária do
continuum seria o “normal” e as extremidades o “anormal”. Aqui a variabilidade se dá
dentro de contextos totais e não individuais. Ainda dentro das perspectivas de Offer
e Salshin, a normalidade como processo, enfatiza que o comportamento normal é o
resultado final da ação de sistemas entre si, ou seja, o enfoque aqui são as
mudanças e processos, não havendo padrões fixos, mas sim variáveis, de acordo
com a época e a sociedade de convivência.
Batista e Mantoan (2006) esclarecem que em 1980 a Organização Mundial
da Saúde, OMS, em busca de uma compreensão mais global das deficiências em
geral, propôs três níveis que esclarecessem todas as deficiências. São eles:
deficiência, incapacidade e desvantagem social.
A deficiência compreende a perda ou a anormalidade de estrutura ou função
psicológica, anatômica, temporária ou permanente. Estão incluídas a ocorrência de
anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer estrutura do
corpo, inclusive das funções mentais. Representa o externar de um estado
patológico, refletindo distúrbio orgânico e/ou perturbação no órgão.
A incapacidade é a restrição, resultante de uma deficiência da habilidade de
desempenhar uma atividade que se considera normal para um ser humano, e se dá
como conseqüência direta a uma deficiência psicológica, física, sensorial ou outra, e
reflete os distúrbios da própria pessoa nas atividades da vida diária.
A desvantagem social apresenta prejuízo para o indivíduo, sendo este
prejuízo decorrente de uma deficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede o
desempenho de papéis de acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais.
Representa a socialização da deficiência e está relacionada às dificuldades nas
habilidades de sobrevivência.
No ano de 2001, a classificação da OMS foi revista e reeditada, e a partir de
então não há mais a classificação de forma linear dos níveis, mas sim a indicação de
interação entre funções orgânicas, as atividades e a participação social (BATISTA;
MANTOAN, 2006).
De acordo com a OMS (2003), a deficiência está relacionada com a perda
ou a anormalidade de estrutura ou função, estando estas relacionadas a toda
alteração do corpo ou da aparência física, de um órgão ou função desse órgão
decorrente de qualquer causa e, em princípio, significam perturbações no nível do
órgão podendo ou não haver incapacidade em decorrência da deficiência, sendo
14
que essa incapacidade representa perturbações ao nível da pessoa com deficiência
(SASSAKI, 2003).
O Manual de Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde, CIF (2003), orienta que deve-se considerar os diferentes domínios de uma
pessoa em determinada condição de saúde. O manual visa proporcionar uma
linguagem unificada e padronizada, além de uma estrutura que descreva a saúde e
os estados relacionados a esta, e orienta que devemos considerar os diferentes
domínios de uma pessoa em determinada condição de saúde. Para isso seus
organizadores criaram agrupamentos, considerando o que uma pessoa com
determinada doença ou transtorno pode ou não fazer. O termo funcionalidade
abrange todas as funções do corpo, e incapacidade abrange as deficiências, as
limitações em certas atividades ou restrições na participação das mesmas. Assim,
deficiências são problemas nas funções ou nas estruturas do corpo como um desvio
importante, ou perda igualmente importante. Essa classificação pode ocorrer em
duas sessões diferentes, relacionadas com diferentes funções, ou seja, às funções
do corpo e às funções da mente. Aqui se deve atentar para a referência de corpo
como o organismo humano como um todo, incluindo o cérebro e suas respectivas
funções. O CIF (2003) cita também que uma deficiência pode ser parte ou
expressão de uma condição de saúde, mas não indica necessariamente a presença
de uma doença ou de condição para que o indivíduo seja considerado como doente.
Para a Americam Association of Mental Retardation-AAMR (Associação
Americana de Retardo Mental), em relação à deficiência mental, denominada como
retardo mental, refere-se a uma incapacidade que tem como característica limitações
significativas, tanto no funcionamento intelectual quanto comportamental adaptativo
e esta limitação está expressa nas habilidades sociais, conceituais e práticas, e tem
origem antes dos dezoitos anos (ALMEIDA, 2004).
Conforme relata Almeida (2004), a AAMR sugere a adoção de níveis de
apoio para o desenvolvimento da pessoa. São quatro níveis de apoio e são definidos
da seguinte forma:
− Apoio intermitente, onde o apoio é oferecido de acordo com as
necessidades da pessoa, podendo ser de alta ou baixa intensidade;
− Apoio limitado, cuja característica é a consistência ao longo do tempo,
como nos casos de treinamento em um emprego ou em fases de
transição;
15
− Apoio amplo, quando de caráter regular e em tempo ilimitado;
− Apoio permanente, sendo este o nível mais profundo, que se caracteriza
pela constância e alta intensidade e é considerada como vital à
sustentação da vida da pessoa com deficiência.
Por deficiência mental a Americam Association of Mental Déficit - AAMD
(Associação Americana de Déficit Mental) define como um funcionamento intelectual
significativamente inferior à média, associado com limitações no comportamento
adaptativo, e o diagnóstico independe do indivíduo ter um transtorno físico ou mental
coexistente (KAPLAN e SADOCK, 2003).
Conforme Amaral (1994), Saad (2003), Kaplan e Sadock (2003) para o
diagnóstico de deficiência mental são utilizados testes estandardizados de
inteligência, sendo utilizado o termo quociente de inteligência, ou Q.I., para
denominar resultados. Um Q.I. “significativamente abaixo da média” é resultado de
um teste com escore abaixo de 70 pontos, que significa déficit mental.
Almeida (2004) assinala que a maioria das autoridades na área de
deficiência, concorda que a definição e o diagnóstico não devem se basear apenas
em escores de Q.I., mas também em questões ligadas às condutas adaptativas, tais
como: comunicação, cuidados pessoais, vida no lar, habilidades sociais,
desempenho na comunidade, independência na locomoção, saúde, segurança,
habilidades acadêmicas funcionais, lazer e trabalho.
No Brasil, a definição usada acompanha aquela usada pela AAMR. É
pontuada pela autora a falta de discussão em nosso país, tanto em questões que
estabeleçam a denominação quanto em questões que possibilitem o correto
diagnóstico, o que propicia a rotulação por meio de “julgamentos clínicos”. Neste
sentido, vale destacar a necessidade de investimento científico em pesquisas na
área de avaliação, especialmente, na construção e validação de instrumentos que
avaliem as condutas adaptativas (ALMEIDA, 2004).
16
CAPÍTULO 3 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA
Desde os primeiros registros da vida humana em sociedade, todo aquele
que, em razão de sua aparência ou de seu comportamento, não estivesse de acordo
com o esperado, era simplesmente descartado. A criança que apresentasse
características físicas consideradas à época como bizarras, era abandonada ou
morta. Quando mais crescida, e não correspondente ao desenvolvimento mental
esperado, era senão morto, isolado em hospitais específicos, que tinham como
função receber os incômodos, os incapazes, loucos ou imbecis (PESSOTTI, 1984).
Durante a idade Antiga poucos registros a respeito das deficiências são
encontrados. A pessoa com deficiência estava diretamente relacionada à bruxaria e
questões demoníacas. No início da Idade Média até o apogeu do cristianismo pelo
mundo, nem mesmo a mulher “normal” tinha o status de pessoa, tendo pior sorte
ainda a pessoa com deficiência. Apenas após a difusão da ética cristã é que o ser
humano adquiriu alma e ao adquirir alma, de acordo com os preceitos cristãos, uma
pessoa, mesmo que com deficiência, não pode mais ser pura e simplesmente
descartada ou abandonada, pois isso não se faz a um cristão, devendo este então
ser cuidado, por caridade. Porém essa posição acarretará sentimentos e referências
dúbias em relação à pessoa com deficiência. Ao mesmo tempo em que é um enfant
du bom Dieu, uma criança de Deus, sem uma explicação clara sobre sua condição a
não ser a crença de ser portador de misteriosos desígnios divinos, é também um
expiador de culpas, alvo da ira celeste em decorrência dos pecados da humanidade
(PESSOTTI, 1984).
O autor acima citado relata que durante a Santa Inquisição, tudo o que fosse
considerado herege pela Igreja Católica devia ser punido, fosse pela tortura ou pela
morte, não sendo diferente com a pessoa com deficiência. Sua aparência física e
suas dificuldades, fossem no entender ou no falar, podiam ser indícios de possessão
demoníaca e de tramas contra a Santa Igreja. Mais tarde, na Idade Moderna, em
uma sociedade agrícola e artesã, aquele que não fosse capaz de propiciar auxílio,
ou que não tivesse ao menos condições de sub-existência, era considerado como
um fardo, um indesejável. Quando herdeiro de terras e de bens, na Inglaterra, a
pessoa com deficiência tinha como direito um tratamento que lhe garantisse um
17
existir digno e seus bens se destinariam ao monarca, pois à pessoa com deficiência
não caberia ter herdeiros. Quando pobre, seu destino era o asilo e o isolamento.
Nesse sentido, Amaral (1994) acrescenta que, assim como a loucura, a
deficiência na Antigüidade oscilou entre dois extremos, ora como sinal da presença
de Deus ora como obra de demônios. Conforme o momento uma pessoa com
deficiência era um sábio, no caso de oráculo cego, por exemplo, em outro, quando
obra de um deficiente mental, era uma aberração, uma anomalia que deveria ser
extirpada da sociedade, por seus comportamentos inadequados, próprios de um
imbecil, e indignos de um ser humano.
De acordo com MENDES (2001), até o início do século XIX, o conceito de
deficiência estava atrelado à condição de incapacidade generalizada. A eliminação e
o abandono eram comuns e não havendo preocupação em separar em quadros
diferenciados, de maior ou menor gravidade. Durante todo o século XIX e o início do
século XX, a pessoa com deficiência era vista como vilã, e em decorrência de suas
taras representava um perigo para a continuidade da espécie e para a vida em
sociedade.
Saad (2003) assinala que, na Idade Média, a pessoa com deficiência tinha
alma, mas não virtudes, sendo considerada possuída por forças sobrenaturais e por
isso exposta a práticas como o exorcismo e flagelação. A autora relata que as
práticas instituídas historicamente traduziam a deficiência como um estado mental
irreversível que justificava a alienação e isolamento social, sendo que o modelo
médico considerava a deficiência, em suas diversas formas, como uma doença,
considerando as pessoas com deficiência mental como oligofrênicos. Somente após
a Revolução Francesa é que se desenvolveu um olhar mais humanista sobre a
deficiência e abrandou o olhar sobre pessoa com deficiência. No final do século XVII
e início do século XVIII a deficiência passa a ser vista como uma condição e não
mais como doença, dando lugar à reabilitação e educação da pessoa com
deficiência.
Porém, na virada do século XX, o movimento da eugenia trouxe novamente
a desumanização e a segregação da pessoa com deficiência, sendo que entre 1900
e 1930, houve a disseminação e generalização da idéia de que pessoas com
deficiência tinham tendências ao crime, o que as tornavam uma séria ameaça à
civilização e à vida em sociedade organizada (KARAGIANNIS et al., 1999).
18
Foi através de uma reavaliação dos direitos humanos, como afirma Amaral
(1994), que na segunda metade do século XX, mulheres, índios, crianças e pessoas
com deficiência passam a ser vistas de modo menos maniqueísta e mais humana,
sendo vistos então como pessoas. A autora refere como base dessa nova
perspectiva o documento “Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes”, de
1975, onde se dá ênfase à participação plena e igualitária.
Saeta (1999) aponta que somente a partir da década de 80 que várias
entidades ligadas à causa da deficiência (APAE e Comunidade Pestalozzi, entre
outras) iniciaram movimentos que visavam à integração dos indivíduos com
deficiência na sociedade. Com esses movimentos o que se almejava era mostrar o
deficiente como uma pessoa, independente de sua deficiência. A autora salienta
ainda que na última década do século XX, houve a evolução desses movimentos,
que foram em busca da ampliação de formas de integração, priorizando assim
oportunidades iguais a todos, no sentido de minimizar a exclusão e a discriminação.
Em dezembro de 1975, a Organização das Nações Unidas, ONU, aprovou
em uma assembléia geral a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes1,
DDPD. Por meio desse documento, a ONU reafirmou a fé nos direitos humanos, na
liberdade, na dignidade e no valor da pessoa humana.
A DDPD tem como objetivo proteger a pessoa com deficiência e declara
que:
As pessoas deficientes gozarão de todos os diretos estabelecidos a seguir nesta Declaração. Estes direitos serão garantidos a todas as pessoas deficientes sem nenhuma exceção e sem qualquer distinção ou discriminação com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem social ou nacional, estado de saúde, nascimento ou qualquer outra situação que diga respeito ao próprio deficiente ou a sua família.
Através da DDPD, estão garantidos às pessoas com deficiência os mesmos
direitos civis e políticos que todas as pessoas humanas; direito a medidas que visem
capacitá-las e torna-las autoconfiantes e autônomas; direito a tratamento médico,
psicológico, odontológico, social, educacional e assistência em todas as áreas da
vida; direito de conviver em família, podendo ser esta biológica ou adotiva; direito a
proteção contra a exploração de sua condição e contra toda e qualquer ação de
1 Termo usado à época.
19
natureza discriminatória e degradante, além do direito a informação e integração
social.
No início dos anos de 1980, por meio de movimentos sociais e humanitários,
foi possível que mudanças em relação à concepção e ao tratamento de pessoas
com deficiência fossem instituídas. Em decorrência, a partir década de 1990, com a
Declaração de Salamanca, importantes avanços podem ser verificados,
principalmente com relação a educação de pessoas com deficiência, conforme será
discutido no próximo capítulo.
20
CAPÍTULO 4 - A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Como a mente armazena conteúdos, conhecimentos e experiências é uma
questão que sempre despertou interesse nos profissionais de diversas áreas, desde
os profissionais da educação aos profissionais da área da saúde. Dentre os diversos
filósofos que abordaram o tema, John Locke (1632-1704) talvez tenha sido o que
mais influenciou no pensamento educacional ao longo do tempo. Locke se
interessava essencialmente pelo funcionamento cognitivo, no modo pelo qual a
mente constrói o conhecimento. Este autor acreditava que o conhecimento é
construído por meio da experiência, ou seja, que todo conhecimento tem base
empírica, e numa afirmação semelhante à de Aristóteles, sustentava que a mente de
uma criança, ao nascer, era uma tábula rasa, ou uma folha em branco no qual o
tempo e as experiências iam preenchendo (SCHULTZ e SCHULTZ, 1999).
A educação de uma pessoa advém de situações que se mostram capazes
de transformá-la ou que lhe permitam transformar-se e são determinadas por
diversos fatores, que formam um conjunto complexo. Educar tem como princípio
fundamental o desenvolvimento do ser humano. É um trabalho racional e que deve
procurar favorecer o indivíduo, para que esse possa vir a ser uma pessoa, no pleno
sentido da palavra, não devendo ser diferente diante das deficiências (MAZZOTTA,
1987).
A educação da pessoa com deficiência, no final do século XIX e no seguinte,
era restrita a poucos profissionais. Como pioneiro na Educação Especial de pessoas
com deficiência, cita-se Jean Marc Gaspard Itard (1774-1838), que se dedicou a
métodos que educassem pessoas com deficiência mental. Esse pioneirismo recebeu
influências de Locke e de Condillac, que em seu ensaio “Essai sur l’origine dês
connaissances humaines”, de 1749, faz um esboço de metodologia do ensino, que
veria a se tornar uma didática especial para a pessoa com deficiência mental.
Itard criou o primeiro programa sistemático de Educação Especial, em 1800,
baseado na crença da educabilidade da pessoa com deficiência mental, alicerçado
na Teoria da Tábula Rasa, de Locke. O programa era conduzido pela concepção de
eficiência e deficiência mental como processos de interação adequada ou
inadequada com o ambiente, tanto em nível de sensações quanto no nível da
reflexão sobre idéias oriundas da percepção sensorial. Apesar de Itard ser
considerado o fundador do Ensino Especial, foi seu discípulo, o médico Edouard
21
Seguin, o primeiro estudioso a sistematizar, de forma metodológica e clara, idéias
teóricas e técnicas didáticas, diferente de seu mestre que não nos legou
metodologia, mas sim descrição de seus feitos. Seguin, em suas publicações, fazia
severas críticas aos médicos de sua época, final do século XVIII, acusando-os de
falar muito do que conheciam pouco. Seguin considerava que os mesmos não
haviam se dedicado o suficiente às deficiências, principalmente a mental, não tendo
estudado-as, observado-as ou mesmo tentado defini-las após correta observação, e
mesmo assim terem sidos categóricos quanto à impossibilidade de educar uma
pessoa com deficiência. O método educacional de Seguin começa pela educação do
sistema muscular e pelo exercício e educação do sistema nervoso, o que leva a
conclusão de que o estudioso considerava que a deficiência decorre de falta de
treino e da baixa estimulação intelectual ou física. Para Seguin os repertórios
motores, intelectuais e verbais se dão pela evolução ontogenética. Em “Traitement
Moral” (Tratamento Moral) estão listadas técnicas de ensino especiais, assim como
exemplos de aplicações referentes tanto aos níveis quanto as diferentes
deficiências, considerando-se e abrangendo todas as áreas da vida do educando
(PESSOTTI, 1984).
Montessori, em 1898, defendia que o método de ensino não deve limitar-se
apenas à eficácia didática, mas deve buscar alcançar também a pessoa do
educando, seus valores, suas aspirações, auto-estima e autoconsciência. Para tal é
preciso respeitar as peculiaridades individuais e o ritmo, adequando também à
didática. Conforme o autor acima citado, a pedagoga pontuou que por vezes uma
apatia poderia acometer o educador, por este pensar que educa uma personalidade
inferior, o que pode lhe gerar o sentimento de não conseguir educar, o que muitas
vezes pode levar ao abandono de qualquer método, fato ainda hoje observável.
No início do século XX, na América do Norte, a educação escolar tinha
aspectos de segregação, tanto no quesito racial e social quanto no quesito
cognitivo/intelectual. O currículo escolar baseado nas necessidades ou nos níveis de
habilidades era usado de forma rotineira para relegar as crianças pobres e em
desvantagem a ambientes pouco acadêmicos (Karagiannis et al, 1999).
De acordo com Januzzi (1985), durante a colonização do Brasil a educação
popular em si não era algo muito valorizada, e muito menos a educação da pessoa
com deficiência. Em uma sociedade pouco urbanizada e de mão de obra rural, os
déficits intelectuais eram pouco identificáveis e sempre havia uma tarefa da qual a
22
pessoa com deficiência era capaz de executar sem muita sofisticação intelectual.
Essa situação era propícia para explicar a falta de preocupação com a educação à
época. Assim, até o fim do Brasil Império, há somente o registro de duas instituições
para pessoas com deficiências: uma na Bahia, especializada, que atendia pessoas
com deficiência mental e outra no Rio de Janeiro, de ensino regular na qual eram
atendias pessoas com deficiências físicas e visuais. A educação da pessoa com
deficiência se dava em algumas alas de hospitais psiquiátricos, uma vez que
crianças comprometidas intelectualmente eram segregadas junto a pacientes deste
tipo de instituição. Por volta de 1905, no Rio de Janeiro, a pedido de alguns médicos
que consideravam pouco recomendável misturar crianças com deficiência com
doentes mentais, uma vez que isso gerava uma convivência promíscua, foi
construído o Pavilhão Bourneville. A construção desse local visava o tratamento e
educação das crianças, uma vez que os médicos acreditavam que o estado mental
das mesmas poderia melhorar com tratamento e cuidados corretos e específicos.
Desde o final do século XVIII existe a preocupação com o sistema de
educação no Brasil, porém essa preocupação não foi homogênea em virtude de
interesses diversos e de diferentes concepções a respeito da sociedade brasileira e
do que se esperava dela. Ao mesmo tempo em que setores da sociedade buscavam
o desenvolvimento e paridade com as grandes metrópoles européias, outros
tendiam a manter a condição de colônia. Porém, já nos anos seguintes a
proclamação da República, é possível perceber a grande influência das idéias
liberais e positivistas sobre o pensamento dos educadores brasileiros que buscavam
difundir idéias pela educação escolarizada, o que demandava uma sistematização.
Para tanto, foi feita uma reforma na educação local, onde se propunha a gratuidade
da escola e a laicidade, onde a educação não está mais nas mãos da Igreja
Católica, como anteriormente, substituindo-se assim a tendência humanista pela
tendência cientificista. Assim, buscava-se a melhoria na instrução e o incremento na
industrialização, pois se entendia que um povo mais educado era um povo mais
desenvolvido, o que possibilitou ao Brasil o desenvolvimento industrial e a
prosperidade (ANTUNES, 1999).
A educação da pessoa com deficiência seguiu a nova tendência, sendo o
médico Ulysses Pernambucano, figura de destaque no campo da educação da
pessoa com deficiência mental. Se a pessoa com deficiência física ou auditiva podia
desempenhar tarefas industriais ou artesãs que garantiam seu sustento e alguma
23
renda, por ter suas habilidades cognitivas preservadas, o mesmo não se podia dizer,
à época, da pessoa com deficiência mental. Em 1925, anexo ao Curso de Aplicação
da Escola Normal Oficial de Pernambuco, foi criado por Ulysses Pernambucano a
“Escola para Anormais”, onde surgiram, no Brasil, as primeiras pesquisas sobre as
aptidões da pessoa com deficiência mental. Nessa época aconteceu também a
implantação de cursos que visavam à formação de professores especializados na
educação destas pessoas, conforme pontua Antunes (1999).
A tese “A Classificação de Crianças Anormais”, defendida por Pernambuco,
frisa a necessidade de atendimento médico-pedagógico, sendo que em 1929 foi
organizada por ele a primeira equipe multidisciplinar para trabalhar com tais
crianças, composta por um psiquiatra, um pedagogo e um psicólogo (JANNUZZI,
1985).
Kassar (1998) relata que a história da educação da pessoa com deficiência,
no Brasil, inicia-se no final do século XIX, com a criação de duas instituições
públicas, sendo uma no Rio de Janeiro e outra em Salvador e tem continuidade no
século XX com o surgimento de instituições privadas que buscavam a educação da
pessoa com deficiência mental. A autora cita o Instituto Pestalozzi, criado em 1926
no Rio Grande do Sul, e mais tarde, 1954, o surgimento da APAE, Associação de
Pais e Amigos do Excepcional.
Após a Segunda Guerra Mundial, em meados do século XX, surgiu na
educação a concepção interacionista, onde fatores biológicos hereditários e sociais
são interdependentes e interativos, fazendo com que novas perspectivas sejam
possíveis para a pessoa com deficiência, assinala Saad (2003). Estudiosos como
Piaget, Vygotsky e Luria trazem contribuições importantes para o entendimento do
processo de aprendizagem. Vygotsky dedicou-se, inclusive, ao estudo de crianças
com deficiência, defendendo que estas deveriam ser educadas em ambientes
comuns às demais, sem segregação. Estudiosos da educação, tais como Amiralian
(1986) e Miranda (2003) entre outros, verificaram que o desenvolvimento de uma
criança com deficiência mental segue as mesmas etapas de uma criança normal,
porém de forma mais lenta e sem atingir os níveis mais elevados de pensamento.
Para Amiralian (1986) afirma que no Brasil os modelos de Piaget e Vygotsky
têm sido utilizados na educação da pessoa com deficiência mental em conseqüência
da ênfase ao desenvolvimento e ao aprender a aprender e não somente ao
conteúdo, e sinaliza a necessidade de maiores pesquisas que relacionem o
24
desenvolvimento dos processos cognitivos nos diferentes graus de deficiência
mental para adequar ao sistema educacional.
A Federação Nacional das APAES (2007) refere que a APAE iniciou suas
atividades no Brasil em 11 de dezembro de 1954, no Rio de Janeiro, em decorrência
da chegada de uma mãe e membro do corpo diplomático norte-americano, com sua
filha com Síndrome de Down. Ao chegar para cumprir missão no Brasil, a mãe
percebeu que não havia no país uma associação nos moldes daquelas de seu país
de origem, que visa o ensino e a autonomia da pessoa com qualquer deficiência, e
com o auxílio da Comunidade Pestalozzi, fundou a associação e promoveu com isso
ações até então inéditas no Brasil, tal como conscientização e efetivo combate a
discriminação à pessoa com deficiência.
De acordo com Kassar (1998), a preocupação mais efetiva por parte do
Estado brasileiro em relação à educação de qualquer camada menos favorecida da
sociedade brasileira só se deu mais tarde, no início dos anos 60 e essa preocupação
seria decorrente de movimentos educativos e mobilizações populares que se
orientavam pelas idéias do educador Paulo Freire. No início da década de 60,
especificamente pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961, que o poder
público edita leis que versam claramente sobre a atenção à educação da pessoa
com deficiência. Conforme a Lei Federal nº 4.024/61, foi fixado que todo cidadão
brasileiro tem direito à educação, e esta será dada no lar e na escola. Em relação à
pessoa com deficiência, a Lei refere que a educação deve, sempre que possível,
enquadrar-se no sistema geral de educação, sendo essa uma forma de integrá-los
na comunidade. Ao mesmo tempo em que há a garantia da integração da pessoa
com deficiência no ensino público, é garantido apoio financeiro às instituições
particulares que se disponibilizarem a educar a pessoa com deficiência, desde que
tais instituições preencham os critérios exigidos pelos Conselhos Estaduais de
Educação. Para a autora essa lei imprime uma marca que ainda hoje é percebida
nas políticas e propostas educacionais delineadas para pessoas com deficiência. A
marca seria a ambigüidade, pois ao mesmo tempo em que em que propõe
atendimento integrado na rede regular, delega às instituições particulares a
responsabilidade de parte do atendimento, por meio da garantia de apoio financeiro.
Nesse sentido, Miranda (2003) assinala que a evolução do atendimento
educacional à pessoa com deficiência no Brasil aconteceu diferente das verificadas
na Europa ou nos Estados Unidos. A autora pontua que podemos considerar os
25
séculos XVIII e XIX como a era da negligência, em relação à educação de pessoas
com deficiência. A criação do “Instituto dos Meninos Cegos”, em 1854, e do “Instituto
dos Surdos-Mudos”, em 1857, devem ser consideradas marcos fundamentais na
história da Educação Especial, uma vez que abriram espaço para a conscientização
e discussão sobre a educação de pessoas com deficiência. Porém, somente na
década de 1960 aconteceu a expansão do número de escolas que ofereciam ensino
especial. Na década de 1970, o movimento da Integração traz o conceito de
normalização, que indica que à pessoa com deficiência devem ser dadas as
mesmas condições oferecidas à sociedade em que ela vive, porém esse movimento,
diferentemente do que acontecia na Europa, à época, resultou na institucionalização
da Educação Especial, com a instalação de mais de 800 estabelecimentos de
Educação Especial, de administração privada, para pessoas com deficiência.
Como resultado dos movimentos sociais, locais e mundiais de integração, na
década de 1980, o Brasil apresenta mudanças nos mais variados setores da
sociedade. No âmbito da educação, por meio da Constituição Federal de 1988 em
seu artigo 208, ficou estabelecida a integração escolar, onde as pessoas com
deficiência passam a ter atendimento educacional na rede regular de ensino. Na
década de 1990, teve início no Brasil, discussões em torno de um modelo de
atendimento escolar até então inédito no país. Esse modelo, chamado de inclusão
escolar, é uma reação contrária ao processo de integração e busca pelo respeito à
heterogenia, a diferença e à diversidade existente entre os envolvidos no processo
de educação (MIRANDA, 2003).
Na seqüência deste trabalho discorrer-se-á sobre o movimento
integracionista e a Educação Inclusiva, pois considera-se necessário a compreensão
das questões relativas ao processo de inclusão na busca de melhor aplicabilidade e
aproveitamento prático.
4.1 A EDUCAÇÃO ESPECIAL
De acordo com a Constituição Federal do Brasil, de 1988, toda pessoa tem
direito à educação, ficando garantido o atendimento educacional de pessoas que
apresentam necessidades educacionais especiais.
26
A educação tem como princípio fundamental promover o desenvolvimento e a
aprendizagem do ser humano, sendo que a aprendizagem pode ser ilimitada,
variando de pessoa a pessoa. A educação escolar tem, por seu caráter intencional,
programado e sistemático, como objetivo o desenvolvimento intelectual, sem
descuidar dos aspectos físicos, emocionais, morais e sociais, o que lhe confere
características de atividade teórico-prática e de natureza organicista, onde há a
dependência mútua de seus elementos integrantes (MAZZOTTA, 1987).
A Educação Especial, de acordo com Almeida (2004), é uma modalidade de
ensino que visa promover o desenvolvimento de pontecialidades de pessoas com
necessidades especiais de ensino e abrange os diferentes níveis e graus do sistema
de ensino, sendo fundamentado em referenciais teóricos e práticos compatíveis com
as necessidades específicas do aluno.
O Ministério da Educação (MEC, 2007) orienta que alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais são aqueles que, a priori, apresentam
características de superdotados, ou condutas típicas de síndromes e quadros
psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos, e os portadores de deficiências, sendo
as instituições de ensino e de educação as responsáveis pela adaptação e ajuste
dos currículos às necessidades de tais alunos.
De acordo com o MEC (2007), a Escola Especial é aquela que oferece
atendimento educacional especializado para alunos que apresentam necessidades
especiais e que requeiram atenção individualizada, ajuda e apoio intenso para a
aquisição de habilidades básicas, sendo prioridade o ingresso e a participação de
todo e qualquer aluno em Escolas Regulares.
Define-se por classe especial um espaço físico e modulado adequadamente
para pessoas com necessidades especiais de educação, com professor da
Educação Especial que utiliza métodos, técnicas, procedimentos didáticos e
recursos pedagógicos especializados, assim como material específico no ensino de
conteúdos do Ensino Fundamental. Essas salas foram criadas para atendimento
educacional de alunos cujo comportamento e/ou desenvolvimento dificulte a
aplicação do currículo escolar em classe comum.
A classe especial, conforme afirma Almeida (2004), é uma sala de aula
distribuída na educação infantil e ensino fundamental, preferencialmente, organizada
de forma que constitua um ambiente próprio e adequado ao processo
ensino/aprendizagem do educando com necessidades educacionais especiais. Na
27
classe especial, caminhos e meios facilitadores para a aprendizagem dos alunos
com necessidades educacionais especiais são buscados através de uma política de
ação pedagógica, recursos educacionais mais individualizados, sendo o professor
dessas salas um profissional especializado nesse tipo de ensino.
Conforme pontua Vash (1988) ao longo do tempo, desde a sistematização do
processo educativo, é possível observar que a educação pública, passou por
diversos estágios: de nenhuma forma de educação a Educação Especial, e
segregada, e dessa para um esforço de educação integrada. A era da Educação
Especial é resultado de necessidades sociais, que ao mesmo tempo em que
proporcionou algum tipo de educação, aprofundou a distância e a segregação social
da pessoa com deficiência e de seus pares sociais. Os defensores da Educação
Especial, em seu auge, apregoavam uma preocupação tanto com a pessoa com
deficiência quanto com a pessoa referida normal. À pessoa com deficiência, por
meio da Educação Especial, estaria assegurado respeito ao seu próprio ritmo,
material adequado às múltiplas deficiências e barreiras arquitetônicas que pudessem
prejudicar a locomoção, seriam extintas nas escolas destinadas ao aluno com
deficiência. A autora assinala ainda a controvérsia do Ensino Especial, pontuando
que esse tipo de ensino visa também não atrapalhar o andamento do ensino regular,
além de satisfazer a parcela da população que não deseja contato com o diferente.
As classes especiais, onde muitas crianças com deficiência foram
colocadas, sempre esteve na extremidade inferior da educação pública regular,
segundo Karagiannis et al. (1999). Os autores analisam que as classes especiais
não surgiram por bondade ou razões humanitárias, mas sim porque as crianças
atendidas nesse tipo de classe eram crianças indesejadas numa sala de aula
regular, o que contribuiu para a segregação.
Nesse sentido, Michels (2005) pontua que a Educação Especial surgiu, a
princípio, com a institucionalização das pessoas com necessidades especiais em
centros especializados mais em assistência às pessoas com deficiência do que em
educação propriamente dita.
Machado (2005) relata que, por meio de suas pesquisas realizadas em
Escolas Regulares que possuíam classes especiais, foi possível concluir que um
grande número de encaminhamentos para estas classes havia partido de postos de
saúde. As crianças com problemas de comportamento, indisciplina e de
aprendizagem são passadas para a Saúde Pública para que esta, por meio de
28
avaliações e diagnósticos técnicos, sejam designadas para as classes especiais. A
autora assinala que esta prática torna um problema escolar e educacional em um
problema de saúde, e que muitas vezes os profissionais da área da saúde trabalham
da mesma forma que os profissionais da escola, ou seja, olhando a criança como
aquilo que deveria ser e não é, e como se o agir da criança fosse motivado apenas
por fatores puramente intrínsecos. A autora pontua ainda que inúmeras vezes o
professor de classe especial é um profissional isolado, e que quando percebe as
potencialidades de uma criança a encaminha para a Saúde para ter um parecer que
corrobore suas impressões, por temer não ser ouvido pelos demais professores do
ensino regular. Este tipo de encaminhamento contribuiu para o aumento de alunos
nas classes especiais brasileiras, bem como contribuiu para o aumento da exclusão
dos diferentes, e daqueles alunos que não acompanham as exigências da classe
regular de ensino.
Para Mazzotta (1993) o desenvolvimento da Educação Especial está
diretamente ligado à preocupação dos educadores em atender as necessidades
especiais de alunos que não são atendidos, ou beneficiados, pelos recursos
educacionais comuns e que precisam de recursos especiais que suplementem, ou
que preencham lacunas decorrentes do sistema comum. O autor ainda pontua que
não se justifica a Educação Especial a não ser como facilidades especiais que não
estão à disposição na escola comum, mas que são essenciais para determinados
alunos. É necessário conhecer melhor, e de forma científica, a clientela a que se
está atendendo, a fim de prover recursos necessários para o bom desempenho
desta modalidade de ensino, pois muitas vezes situações identificadas como de
Educação Especial nada tem de especial ou até mesmo de educação.
A Educação Especial, conforme assinala Sanches et al. (2003), é uma
modalidade de educação escolar que propõe, de forma pedagógica, um conjunto de
recursos e de serviços educacionais especiais e organizados institucionalmente para
apoiar, complementar, suplementar e até substituir os serviços educacionais
comuns, de modo que sejam garantidos a educação formal e o desenvolvimento de
potencialidades do educando que apresente necessidades educacionais especiais,
em qualquer etapa, e modalidade, da educação básica.
Batista e Mantoan (2006) argumentam que a Educação Especial visa atender
às especificidades educacionais do aluno com deficiência, podendo ser
29
complementar à educação escolar regular, ou comum, e deve estar disponível em
qualquer nível de ensino.
As mesmas autoras pontuam também que a Escola Especial foi criada como
um substitutivo da Escola Comum no atendimento a alunos com deficiência, uma
vez que era entendido pelos educadores dos anos de 1960, que alunos com
deficiência necessitavam de condições escolares especiais, com currículos e
ensinos adaptados, com menor número de alunos por turma e professores
especializados. Com isso a Escola Especial teve como missão substituir a Escola
Comum na educação da pessoa com deficiência, o que a impediu de construir uma
identidade própria. No início, para fundamentar e organizar o trabalho de Educação
Especial, essas escolas treinavam seus alunos subdividindo-os em categorias
educacionais: treináveis e educáveis, limítrofes e dependentes, sendo que tal
treinamento tinha como objetivo a inserção familiar e social.
4.2 MOVIMENTO INTEGRACIONISTA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Integrar significa tornar inteiro, fazer parte ou juntar partes (FERREIRA,
2004). Dentro desse princípio na década de 1980 surgiu, no Brasil e no mundo, um
movimento que buscava a integração social, onde todos os sujeitos de uma
sociedade deveriam ter tratamento igual, por fazerem parte de um todo, de uma só
sociedade.
Para Ferreira (2003) o termo integrar significa trazer em si, tomar parte,
inserir. A partir da década de 1990, o movimento de Integração Escolar deu espaço
ao movimento de Inclusão Escolar. A seguir, discorre-se sobre Educação de
Integração e Educação Inclusiva, fazendo, quando possível, um paralelo entre
ambas, sob a ótica de diferentes autores.
De acordo com Pacheco (2007), o caminho para a inclusão começou por
meio do questionamento de profissionais de escolas regulares em relação ao papel
e ao trabalho de integração desenvolvido por profissionais e por escolas
integradoras. O trabalho feito junto aos alunos com necessidades especiais de
educação, na época, era considerado fora de contexto, uma vez que não era levado
30
em conta o ambiente comum de aprendizagem escolar, além de não envolver
professores do ensino regular na atuação junto ao aluno.
Pacheco (2007) ainda afirma que as principais críticas ao movimento de
Integração se deram pelo fato de muitos profissionais trabalharem sozinhos, e
muitas vezes fora de contexto, de forma isolada, sem levar em conta todo o resto da
escola.
Mazzotta (1987) define integração, como uma medida que refere a uma
relação horizontal das experiências curriculares, sendo que a integração tem como
objetivo que o aluno com deficiência tenha uma visão unificada dos conteúdos a ser
assimilados e unifique seu comportamento em relação aos elementos envolvidos, ou
seja, que o aluno se adapte ao ambiente escolar. Por inclusão o autor entende como
a base da vida social onde duas ou mais pessoas se propõe a, ou que têm que,
conviver, se respeitando reciprocamente, não sendo diferente em questões da
educação.
Werneck (2001) considera que integrar, em Educação Especial, é inserir
parcial e condicionalmente, uma vez que as crianças com deficiência se preparam
em Escolas Especiais (ou em classes especiais) para estarem em Escolas
Regulares, enquanto que inclusão escolar quer dizer inserção total e incondicional,
sem que a criança com deficiência precise se preparar para ir à Escola Regular. Ao
passo que na integração escolar as mudanças visam prioritariamente à pessoa com
deficiência, uma vez que esta teria mais ganhos com a mudança. Já na inclusão
escolar as mudanças visam toda e qualquer pessoa, sem haver um ganhador
específico. Na inclusão a sociedade se adapta para atender as necessidades das
pessoas com deficiência e não ao contrário, havendo assim a defesa do interesse de
todas as pessoas envolvidas.
Conforme aponta Mattos (2000), o termo integração foi associado ao termo
inovação educacional, em decorrência de um encontro em Salamanca, na Espanha,
na década de 1990. O mesmo refere a uma escola mais aberta e flexível, que possa
acolher uma diversidade de alunos com diferentes interesses, motivação e
capacidade de aprender. O processo de integração tem como característica ser um
programa aberto que dá lugar a projetos diversificados, em diferentes centros de
educação, adequando recursos pedagógicos e metodológicos, tanto em relação aos
alunos quanto aos professores. A idéia de integração de pessoas com deficiência
tem como objetivo a integração social, sendo que esta dependerá do processo de
31
relações dialéticas constituído desde as primeiras vivências de todas as pessoas
envolvidas no processo. A autora sinaliza que a integração não deve ser de
responsabilidade apenas da pessoa com deficiência, mas de toda a escola. Não
deve ser visto como um processo de adaptação de uma única via, mas sim como um
processo de mão dupla, onde o diferente é aceito em sua diferença.
A Declaração de Salamanca é um documento resultante da Conferência
Mundial de Educação Especial, organizada pela ONU no ano de 1994, na cidade de
Salamanca, na Espanha, e na qual é reafirmado o compromisso com a Educação
para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de providenciar melhoras na
estrutura do ensino de pessoas com necessidades especiais de educação.
Os membros participantes da Conferência proclamaram que, entre outros
aspectos, toda criança tem direito fundamental à educação, sendo dever dos países
membros e participantes, dar oportunidade de atingir e manter o nível adequado de
aprendizagem; que toda criança tem características, interesses, habilidades e
necessidades únicas e diferentes entre si, sendo que os sistemas e programas
educacionais, ao serem implantados, devem levar em conta a vasta diversidade de
tais características e necessidades; que as pessoas com necessidades educacionais
especiais devem ter acesso à escola regular, sendo que esta deve acomodá-los
dentro de uma Pedagogia centrada na criança e capaz de atender às necessidades
desta.
O documento refere ainda que as escolas regulares que possuem orientação
inclusiva constituem os mais eficazes meios de combate às atitudes discriminatórias,
propiciam a criação de comunidades acolhedoras e auxiliam na construção de
sociedades inclusivas, provendo assim uma educação mais efetiva à maioria das
crianças.
Nesse sentido Michels (2005, p. 473) pontua que: “... a Educação Inclusiva
tem o objetivo de incluir os alunos com necessidades especiais no sistema regular
de ensino, sendo que a instituição deve se adaptar às necessidades dos alunos,
para promover uma educação para todos.”
De acordo com Sassaki (2003), a prática de integração surgiu como meio de
anular a prática de exclusão social a qual as pessoas com deficiência foram
submetidas por séculos. Porém, conforme pontua o autor, o movimento de
integração aconteceu menos por motivos humanitários do que por garantia de não
interferência por parte das crianças com deficiências na educação das crianças do
32
ensino regular. Nessa fase os testes de inteligência desempenhavam papel
importante, no sentido de identificar e selecionar apenas crianças com potencial
acadêmico para as salas de aulas regulares, e segregar os menos inteligentes em
classes especiais.
Mrech (2001) analisa que os profissionais da educação e da área de saúde,
após a aquisição de maior conhecimento, passaram a contestar a atribuição de
responsabilidade pelas dificuldades decorrentes da deficiência à própria pessoa com
deficiência. Com essa nova consciência, perceberem então que a integração dessas
pessoas não eram apenas problemas individuais ou da família, mas sim de toda a
sociedade. Como resultado surgiu, um novo paradigma, o da Inclusão, onde se
busca trabalhar, no campo educacional, de uma maneira que inclua tanto alunos
com deficiência quanto alunos ditos normais. Esse paradigma visa substituir a
prática pedagógica concebida sob o viés clínico por outra voltada para o contexto
educacional.
Nesta perspectiva, Karagiannis et al (1999) argumenta que a inclusão não é,
e não deve se tornar, uma maneira de reduzir gastos orçamentários. A inclusão
genuína não quer dizer inserção de alunos com deficiência em salas do ensino
regular sem qualquer tipo de apoio, pois a inclusão deve ser vista como uma forma
de servir adequadamente a todos os alunos.
Nessa direção Miranda (2003) assinala que o efeito real de uma prática
educacional inclusiva não será percebido se esta for encarada como o cumprimento
da lei, ou se for por meio de decreto e portarias que venham obrigar as escolas do
ensino regular a aceitarem os alunos com deficiência ou com necessidades
especiais de aprendizagem. Não é a presença física do aluno com uma, ou mais,
deficiência que irá garantir a inclusão. O que irá garantir a inclusão é a preparação
da escola para trabalhar com alunos diferentes do que aqueles aos quais está
habituada, independente das características e grau de diferença. É possível verificar
na literatura que no cotidiano da escola, os alunos com deficiência e inseridos em
salas de aulas regulares vivem experiências escolares de estrutura precária, que
fazem com que estes se sintam à margem das atividades, uma vez que muito pouco
é feito em relação a adaptação às suas dificuldades e necessidades especiais de
educação.
Para Martins (2003), inclusão é um processo dinâmico, onde não é suficiente
que alunos com deficiência sejam inseridos fisicamente num ambiente comum a
33
todos, pois este seria apenas o primeiro passo. A inclusão é, além de tudo, um
processo envolvente, participativo e com amplitude educacional profundamente
social, pois através dele os alunos aprendem a viver suas diferenças, com
experiências que enriquecem mutuamente, possibilitando o desenvolvimento de
atitudes de confiança, intercomunicação, respeito e aceitação do outro, sendo o
elemento básico desse processo a interação entre as diferentes pessoas de um
grupo. Para tanto é importante o estabelecimento de vínculos e de interdependência.
O ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos, independendo de
talentos, deficiências, origem cultural, social e econômica, no sentido mais amplo,
devendo acontecer em salas de aulas que promovam o atendimento a todas as
necessidades dos alunos que ali se encontram para aprender, não só questões
curriculares como também em questões sociais de acordo com Karagiannis et al.
(1999).
Os autores ainda defendem que quando a educação se dá de forma inclusiva,
todos ganham. Os alunos com deficiência ganham, pois têm oportunidades de
preparação para a vida em comunidade e, em geral, quanto mais tempo passam em
ambiente inclusivo, melhor é seu desempenho nos âmbitos da educação, social e
ocupacional. As demais crianças passam a ter a oportunidade de aprender umas
com as outras, e com isso desenvolver valores e habilidades necessárias para a
inclusão social na vida adulta. Os professores ganham por melhorarem suas
habilidades profissionais, que são estendidas a todos os alunos. A sociedade ganha
por ter o valor social da igualdade funcionando na prática.
Nessa perspectiva O’Brien e O’Brien (1999) pontuam que os alunos com
deficiência podem contribuir de forma peculiar na construção da comunidade
escolar, pois sua presença em salas de aulas regulares auxilia a todos na percepção
de que, apesar das diferenças, pode haver convivência e colaboração.
De acordo com os autores, entre os benefícios da Educação Inclusiva está a
descoberta de pontos em comum entre aqueles que, à primeira vista, pensam ser
tão diferentes entre si. Outro benefício está na percepção do orgulho em ajudar o
outro a conquistar coisas aparentemente impossíveis, como quando uma criança ou
adolescente ajuda seu colega com deficiência a superar um obstáculo ou a cumprir
uma tarefa, criando valores importantes como promover igualdade. É pela interação
com o outro diferente que aprendemos a superar nossas próprias dificuldades, a
34
resolver possíveis problemas de relacionamento, a promover a igualdade e a
combater a segregação.
Atitudes positivas em relação à pessoa com deficiência serão desenvolvidas e
postas em prática quando adultos direcionarem as crianças nesse sentido. Ao
conviver com a diferença, aprende-se a aceitá-la e a respeitá-la, uma vez que
costuma-se não temer aquilo que se conhece.
Para que haja a verdadeira inclusão, é necessário que haja a integração
professor-aluno, analisa Maciel (2000). Para isso, é necessário que o professor da
sala regular, assim como os orientadores pedagógicos, tenham conhecimento a
respeito das deficiências, desde suas características e das necessidades especiais
de educação da pessoa com deficiência, até as potencialidades de cada aluno. É
preciso que o professor tenha ampla visão da área, sendo que esta deve advir de
sua formação acadêmica, e esta deve ser atualizada periodicamente por meio de
cursos, seminários e formação continuada.
Michels (2005, p. 474) analisa que:
Para obter sucesso no processo de inclusão, a instituição deve adaptar-se para melhor atender a todos os alunos, modificando desde o aspecto físico até a metodologia psicopedagógica, oferecendo apoio, treinamento e suporte aos professores, pais e alunos.
A Educação Inclusiva é um sistema que busca considerar as necessidades de
todos os alunos, independendo de suas necessidades. É, na realidade, um
movimento que questiona as práticas de exclusão e que considera as diferenças
como algo inerente ao ser humano (MICHELS, 2005).
O princípio fundamental da Educação Inclusiva, de acordo com as
recomendações da Conferência de Salamanca (1994) é de que todas as crianças
devem aprender juntas, sempre que possível, independendo de quaisquer
dificuldades e diferenças que possam existir entre elas. As escolas inclusivas devem
reconhecer e responder às mais diversas necessidades de seus alunos,
assegurando uma educação de qualidade a todos, através de currículo apropriado,
arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parceria com a
comunidade. É orientado que dentro das escolas de Educação Inclusiva, as crianças
com necessidades educacionais especiais recebam suporte extra requerido para
assegurar uma educação efetiva.
35
Pacheco (2007) argumenta que uma das condições para uma Educação
Inclusiva bem-sucedida é possibilitar o acesso de especialistas que tenham o
conhecimento e a experiência, no sentido de apoiar os professores no atendimento a
todos os envolvidos no processo. Para o autor, as escolas precisam de profissionais
qualificados, e que possam oferecer apoio nas tarefas de identificação, intervenção
e orientação através de técnicas, procedimentos e ferramentas, para possibilitar
melhores ações junto aos alunos.
O autor refere que para haver a inclusão de pessoas com deficiência no
sistema de educação regular, é necessário a existência de serviços de apoio de
especialistas das mais variadas áreas, tais como psicólogos, fisioterapeutas e
pedagogos. Tais serviços devem ter postura colaborativa e trabalhar de maneira
coordenada com os professores, e com isso criar o conhecimento compartilhado,
fator indispensável para enfrentar os mais variados desafios que a inclusão
apresenta.
A inclusão, seja escolar ou social, deve acontecer de modo a garantir à
pessoa com deficiência, interação com o mundo que a cerca e do qual faz parte,
para que possa contribuir com seus pares na construção de relações, onde cada vez
mais, o diferente seja visto apenas como diferente, não como uma anormalidade.
4.3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A educação de um indivíduo, conforme refere Mazzotta (1987), procede de
situações capazes de transformá-lo ou de lhe permitir transformar-se. Procede
também de situações que podem ser informais e não-programadas ou formais e
programadas. As informais e não programadas são aquelas que decorrem da vida
propriamente dita, das interações da vida do homem em sociedade, enquanto que
as programadas e formais são aquelas decorrentes de planejamento, e que se dão
através de instituições sociais, tais como escolas, organizações governamentais e
organizações não-governamentais (ONG). Enquanto a primeira se dá ao acaso e
visa adaptação e sobrevivência, a segunda busca dirigir e orientar o indivíduo para
determinados fins. Em qualquer das situações, a educação implica num
relacionamento entre pessoas, que exercem influência entre si, de forma recíproca.
36
O autor refere que a educação tem como princípio fundamental o crescimento do
indivíduo, e busca, por diversas formas, desenvolvê-lo para que este venha a ser
uma pessoa no sentido mais amplo da palavra.
A educação de pessoas com deficiência não é diferente. Ocorre da forma
informal e não-programada por meio das interações com o meio (família, vizinhos e
sociedade em geral), e da forma programada e formal, em Escolas Especiais e em
Escolas de Ensino Regular, por meio de profissionais da educação.
Para Sousa (1996) ensinar é atribuir significado na construção do homem por
meio do diálogo pedagógico, onde a criança, que é aprendiz, interage com o
professor, que é a pessoa que detém o saber sistematizado.
O educador tem por tarefa profissional elaborar e programar ações que
proporcionem ao aluno a aprendizagem e o desenvolvimento, o que faz dele um
profissional que age e não apenas observa, pontua Bartalotti (2004).
O profissional que trabalha na educação de pessoas com deficiência é
denominado, nas classes iniciais, de professores de Educação Especial. Tal
profissional desempenha papel importante, tanto no tocante a educação formal
quanto no tocante a formação informal. Por ser o profissional que mantém contato
de forma mais prolongada junto à pessoa com deficiência, atuando não somente em
questões pedagógicas, mas também em assuntos sociais, familiares e pessoais, sua
formação deve se dar de forma a direcionar o trabalho a ser desenvolvido junto a
pessoas com deficiência e a comunidade escolar em geral (OMOTE, 2001).
De acordo com Magalhães (2001), em decorrência das mudanças sociais e
tecnológicas, houve mudanças na formação de professores e nos paradigmas
tradicionais da educação, mostrando que há um movimento de idéias que defendem
a Educação Inclusiva, o que conseqüentemente leva a ênfase dos aspectos
inclusivos na formação do professor. Ao professor cabe promover a inclusão, e para
tal, em sua formação, deve ter suas competências desenvolvidas para estimular e
propiciar a aceitação da diversidade na comunidade escolar. A autora defende que a
formação deve se dar de forma continuada, e que todo professor deve ser um
multiplicador, atuando junto à equipe pedagógica e demais membros da comunidade
escolar, desempenhando assim papel de conscientizador das diferenças e defensor
da real inclusão.
Saad (2003) pontua que é a partir do reconhecimento das diferenças
existentes entre alunos, decorrentes dos processos individuais de socialização e de
37
desenvolvimento, que a escola e seus professores vão potencializar as capacidades
de cada aluno, independente de ser aluno com deficiência ou não. Quando se
conhecem, e se reconhecem as particularidades individuais, se torna possível traçar
planos pedagógicos que respeitem essas individualidades, proporcionando assim
desenvolvimento cognitivo, interpessoal e inserção social, evitando o preconceito e a
exclusão.
Mrech (2001) argumenta ser necessário trabalhar o conceito de deficiência
junto aos professores, educadores especiais ou não. Para a autora não é de
estranhar que crianças em idade escolar sejam vistas pelos professores, do ponto
de vista médico, uma vez que há no modelo de educação atual uma tendência de
aprendizagem contínua, onde não há espaço para as diferenças e as peculiaridades
existentes no processo de aprendizagem, que pode variar de um indivíduo para
outro, sendo essas diferenças muitas vezes tratadas como deficiência ou
insuficiência. Para que haja mudança efetiva no modo de ver e de trabalhar a
educação da criança com deficiência, é necessário um sistema de atualização
constante, além da desconstrução dos mitos em torno das deficiências. A autora
defende que, para a efetivação da Educação Inclusiva, haja a formação de
professores que saibam trabalhar com classes heterogênicas, com conteúdos
curriculares diferenciados e adaptados, que utilizem estratégias de ensino que
melhor se adaptem às necessidades de cada aluno em específico.
Nesse sentido Mendes (2001) refere que na formação de profissionais da
Educação, o desafio é mudar conceitos pré-existentes a respeito das deficiências.
As dificuldades na formação do educador decorrem em parte da natureza complexa
do tema, que a ciência ainda não delimitou, ou mesmo descreveu, de forma
satisfatória, havendo assim várias perspectivas segundo as quais é possível analisar
e descrever a condição de pessoa com deficiência, como por exemplo, pela
abordagem da medicina, da psicologia, da estatística e da sociologia. A autora cita
que um dos erros mais freqüentes nos cursos de formação do educador é o enfoque
em apenas uma das muitas abordagens, o que pode proporcionar um olhar simplista
ou inadequado. A formação na área de Educação Especial deve proporcionar ao
estudante informações sobre as diferentes concepções, o que irá favorecer uma
visão multifatorial, permitindo assim uma construção própria do conceito, porém de
forma ampliada e mais eficaz quando da busca por melhores ações e métodos
educacionais.
38
Martins (2003) defende que para educar uma pessoa com deficiência mental,
é necessário aceitá-la em suas características e necessidades educacionais
individuais e buscar, ao mesmo tempo, projetar, ajustar e aplicar programas e ações.
É importante que o educador reconheça que a escola, em seus planejamentos,
devem se adaptar ao aluno com deficiência mental, e não o contrário. A autora
assinala que as deficiências individuais devem deixar de ser vistas como
responsabilidade única do indivíduo que a apresenta, e devem passar a ser vistas
como uma dinâmica interativa entre o indivíduo e o meio onde vive sendo o
educador o responsável pela harmonização do ambiente e do processo educativo.
A formação do professor de Educação Especial deve ser sistemática e
permanente, assinala Freire (2001). Não basta apenas um curso ou uma
capacitação, uma vez que as questões da educação são muitas e, de modo geral,
pautadas por questões cotidianas. É necessário que a formação seja vinculada à
prática e que se dê na ação do professor com a criança, assim como a partir dessas
interações.
Professores que atuam na Educação Especial, além de necessitarem de
formação básica em Pedagogia, devem ter formação específica para atuar junto às
pessoas com deficiência. No caso da deficiência mental, é necessário conhecer
sobre tal para que não se confundam problemas de ensino/aprendizagem
decorrentes destas com o que é barreira para todo e qualquer aluno, tenha ele
deficiência ou não. No caso da formação do professor do ensino regular, esta
também deve abranger o atendimento de alunos com deficiência, pois estes através
da Educação Inclusiva, mais cedo ou mais tarde estarão em uma sala de aula
regular. Para tornar um professor capaz de atender a um aluno com deficiência, o
curso de formação tem de estar inteiramente voltado para práticas que acompanham
a evolução das ciências da educação e que não excluem qualquer aluno (BATISTA;
MANTOAN 2006).
Conforme define Ferreira (2003), incluir não é só matricular o aluno com
deficiência na escola regular, mas sim ver a inclusão desse aluno como um
movimento social. Para tanto é necessário que uma nova cultura educacional seja
desenvolvida, com recursos apropriados e com uma política de formação e
desenvolvimento do profissional educador.
39
CAPÍTULO 5 - PRECONCEITO E EXCLUSÃO
Quando se pensa na diferença, associa-se a uma imagem de algo que não se
assemelha ou que não se enquadra em determinado padrão, naquilo que não é
comum e que se distingue entre outros, ou seja, naquilo que não é normal, conforme
assinala Meletti (2003). Quanto mais algo se aproxima do normal, mais aceito é,
enquanto que quanto mais distante, mais repelido e afastado do convívio é. Tanto a
aceitação quanto o afastamento acontecem nas relações humanas. Toda condição
de diferença traz conseqüências para as interações sociais, sendo que estas são
tecidas a partir de esferas particulares e individuais, se estendendo para esferas
sociais mais amplas.
Em decorrência, acontecerá a categorização de pessoas e na atribuição de
normalidade, ou do que se considera como normal e natural. Quando um indivíduo
reconhece determinadas características, o faz dentro de atributos que concebe,
tendo como base categorias formadas ao longo do tempo. Dependendo de como
esse processo foi construído, irá considerar como ameaça ou não ao seu padrão de
normalidade, podendo dar lugar ao estigma e preconceito, resultando na exclusão
daquele que não se enquadra.
Ao buscar entender melhor a relação entre preconceito e deficiência, e o
impacto do primeiro sobre as pessoas com deficiência, principalmente no tocante à
educação escolar, é preciso entender o que torna o outro um estranho, um diferente
(BARTALOTTI, 2004).
Para que a diferença seja identificada, é necessário que haja a eleição de
padrões e critérios que estabeleçam o que é normal, para que depois se defina o
desvio, ou o que é diferente.
Amaral (1995) defende que para falar em diferenças, precisa-se falar de
semelhança e de homogenia, e para entender o que é normal e normalidade, deve-
se entender os critérios que determinam o desvio. A autora cita três critérios, sendo
que o primeiro critério para se constatar a divergência de uma norma, de um desvio,
é o critério estatístico, onde por meio de fórmulas matemáticas se determinam a
média e a moda. A média pode ser definida como um valor que se situa entre o
maior e o menor valor de ocorrência numa curva de valores, enquanto que a moda
se refere ao máximo de freqüência, ou de ocorrência, numa curva de distribuição.
40
Num contexto social, a moda tem grande componente histórico enquanto a média
tem valor mais abstrato.
O segundo critério usado pela autora para entender norma e normalidade, é
denominado como estrutural/funcional e refere-se à vocação de elementos da
natureza e de objetos construídos pelo trabalho humano. Ou seja, tanto a
integridade da forma, física nesse caso, quanto a competência da funcionalidade,
capacidade de fazer, define modos de rendimento ou de desvio. Nesta perspectiva,
as alterações orgânicas decorrentes da deficiência, podem acarretar diferenças na
estrutura do corpo, afetando aspectos motores, físicos e sensoriais.
O terceiro critério se refere à comparação entre determinada pessoa, ou
grupo, e o tipo ideal que é construído pelo grupo dominante, que acaba por segregar
aquele que não se encaixa nesse ideal.
Assim, a normalidade se dá dentro de padrões que se repetem e que foram
construídos ao longo da história da sociedade humana, podendo apresentar
variações ao longo do tempo.
Velho (1985, p. 11) observa que:
O problema de desviantes é, no nível do senso comum, remetido a uma perspectiva de patologia (...) tradicionalmente o indivíduo desviante tem sido encarado a partir de uma perspectiva médica preocupada em distinguir o ‘são’ do ‘não-são’ ou do ‘insano’.
Os grupos sociais humanos definem padrões que se enquadram como
normais ou não. Uma pessoa é considerada normal quando está incluída dentro dos
padrões estabelecidos, e quando os transgridem são estigmatizados e excluídos. Os
estigmas são construções históricas, pré-concebidas e com forte influência na
sociedade atual, sendo um constructo social internalizado que define o que é
“normal”. A pessoa estigmatizada está fadada a ocupar lugar de desvantagem e de
descrédito no que concerne às oportunidades que consideram como padrão de
qualidade àquilo que é norma (MATTOS, 2000).
Rodrigues (2001) analisa que na base do preconceito estão as crenças, ou
estereotipia, sobre características pessoais que atribui-se a uma pessoa ou a um
grupo. Por meio de representações mentais de um grupo, ou de seus membros,
tende-se a enfatizar o que há de similar entre as pessoas, e a agir de acordo com
esta percepção, podendo ser de forma positiva ou negativa. Em relação ao termo
41
estereótipo, o autor refere que este foi usado pela primeira vez pelo jornalista Walter
Lippman, nos anos de 1930, ao imputar de certas características a pessoas as quais
se atribuem determinados aspectos físicos, de personalidade ou comportamento, ou
seja, um meio de simplificar a visão de mundo.
Nesse sentido, Jodelet (2002, p. 59) assinala que: “O preconceito é um
julgamento, positivo ou negativo, formulado sem exame prévio a propósito de uma
pessoa ou de uma coisa e que, assim, compreende vieses e esferas específicas”.
Nessa formulação, conforme pontua a autora, estão compreendidos vieses e
esferas específicas, pois comporta uma dimensão cognitiva, específica em seus
conteúdos e dimensões afetivas ligadas a valores, assim como comporta uma
dimensão conotativa, ligadas a aspectos positivos ou negativos.
Karagiannis et al. (1999) e Maciel (2000) referem que o processo de exclusão
social de pessoas com deficiência, é verificado na história da sociedade humana
desde muito cedo, sendo estas pessoas marginalizadas e privadas de sua liberdade.
Tais ações, decorrentes de idéias carregadas de preconceito e de falta de
conhecimento, impediam que a pessoa com deficiência tivesse qualquer chance de
desenvolvimento. No passado, foi decidido que algumas pessoas, adultas e
crianças, deveriam ser excluídas da convivência com a comunidade e das salas de
aulas regulares por serem consideradas uma ameaça à sociedade. Esse processo
de exclusão tinha como objetivo ajudar e controlar, porém o controle se sobrepôs à
ajuda, fomentou o preconceito e a discriminação, resultando na exclusão.
Vash (1988) refere que a questão do preconceito ser determinado
biologicamente é plausível de questionamento, se considerado que a espécie
humana, instintivamente, evita e rejeita organismos que possam ameaçar ou
prejudicar a sobrevivência da espécie. Porém não há como afirmar que isso seja um
determinante para o preconceito. A autora cita que outra linha de questionamento é
a perspectiva psicossocial. As pessoas tendem a evitar e a desvalorizar pessoas
que sejam diferentes, sendo que isto acontece principalmente quando a diferença
ocorre no extremo inferior da distribuição da média, ou seja, quando a pessoa
diferente tem a menos alguma coisa que a maioria tem a mais.
Uma pessoa pode ter seu desenvolvimento impedido ao ser aprisionada em
conceitos e significações sociais que trazem como conseqüência o preconceito, o
estigma e o estereótipo, sobretudo se for uma pessoa com deficiência.
42
Na perspectiva de Amaral (1994), o preconceito pode ser uma atitude
favorável ou não, e que acontece anterior a qualquer conhecimento, no sentido de
pré-concepção de um ideal. O estereótipo pode ser considerado como a
concretização de um julgamento qualitativo, e tem como base o preconceito. Na
prática, podemos dizer que, em relação à pessoa com deficiência, o preconceito
pode ser na forma de aversão ou de comiseração, e o estereótipo será a
conseqüência disso.
Conforme Crochik (1997), as atitudes preconceituosas estão diretamente
relacionadas às reações diante ao estranho, diante do que não é conhecido, e uma
vez que aquilo que não se conhece parece ameaçador, repele-se. O autor assinala
que o preconceito diz respeito a um mecanismo de defesa desenvolvido pela pessoa
no sentido de defesa diante de ameaças imaginárias. Muitas vezes tais defesas se
tornam tão resistentes que impossibilitam a visão da realidade e o conhecimento do
outro.
Conforme Sartre (1979), para que se possa conhecer a si mesmo, é
necessária a existência do outro, pois é necessário passar por esse outro para que
se tome conhecimento do que é do indivíduo e o que é do seu semelhante. Dessa
forma, a presença do outro se torna personalizante, sendo que, ao mesmo tempo,
passa segurança, pois é no outro que confirma-se a imagem e o existir no mundo.
Nesse sentido, Vayer e Roncin (1989) assinalam que ao se reconhecer no
outro, o indivíduo encontra semelhanças e diferenças. Quando a semelhança é
grande, pode-se entender isso como uma ameaça à existência, sendo que o mesmo
acontece quando a diferença é percebida, porém, neste caso, a nossa tendência é
de não reconhecer o outro como igual ou como um ser não pertencente ao coletivo,
o que gera a não aceitação, ou a negação do outro, do diferente.
Seguindo esta linha de pensamento, o diferente nunca passa despercebido,
e se a diferença for decorrente de uma deficiência, costumeiramente, assusta.
Para Sawaia (2002, p.120): “O homem ao defronta-se com aquilo que não
conhece e domina, perde a capacidade de controle, fica inseguro e muitas vezes
desesperado”.
Conforme Amaral (1995, p. 112) a diferença significativa, no que compete ao
físico ou às habilidades não passa em branco: “... muito pelo contrário: ameaça,
desorganiza, mobiliza. Representa aquilo que foge ao esperado, ao simétrico, ao
43
belo, ao eficiente, ao perfeito... e, assim como quase tudo que se refere à diferença,
provoca a hegemonia do emocional.”
Conforme Sawaia (2002, p. 110): “A exclusão não é um estado que se
adquire ou do qual se livra em bloco, de forma homogenia. Ela é um processo
complexo, configurado nas confluências entre o pensar, o sentir e o agir(...)”.
A autora ainda afirma que as pessoas incluídas de algum modo, pois mesmo
quando somos excluídos de uma categoria, somos logo incluídos em outra. A
pessoa com deficiência, quando excluída da categoria de “normalidade”, está
automaticamente incluída na categoria da insuficiência e da privação.
Nesse sentido Castel (2000, p. 18) pontua que:
A primeira razão para se desconfiar da exclusão é justamente a heterogeneidade de seus usos. Ela designa um número imenso de situações diferentes, encobrindo a especificidade de cada uma. Ou seja, a exclusão não é uma noção analítica. Ela não permite conduzir investigações precisas sobre os conteúdos que pretende abranger.
Conforme Castel (2000), pode-se listar três formas de exclusão. A primeira se
dá pela extinção do sujeito ou de uma comunidade específica, como no caso de
banimento e de eliminação. A segunda forma de exclusão é a construção de
espaços fechados que abrigam aqueles que não suportamos em um ambiente
comum a nós. E a terceira forma é aquela em que determinada categoria da
população pode coexistir em uma mesma comunidade que os demais, porém
estarão na categoria de “especiais” tendo assim seus direitos delimitados, bem como
suas atividades sociais.
Wanderley (2002), pontua que excluídos são todos aqueles indivíduos
rejeitados por nossos materiais simbólicos, ou seja, por nossos valores. A autora
pontua que, na verdade, existem valores ou representações e estereótipos
valorizados, que acabam por excluir pessoas, sendo que os excluídos não o são
apenas de forma física, material ou geográfica, mas sim de todas as riquezas
espirituais, o que incorre em exclusão social e cultural.
Amaral (1994) considera que o preconceito em relação à pessoa com
deficiência, recebe grande influência e é perpetuado através de mitos, lendas e
contos literários repassados de geração para geração. Quando um personagem é
punido, é comum que o seja adquirindo uma deficiência, como um mancar ou perda
da visão. Quando se quer descrever uma falha de caráter, esta geralmente vem
44
acompanhada de uma descrição física que tráz uma deficiência, como por exemplo,
uma corcunda ou estrabismo. Tais descrições levam ao temor pelo “defeito” físico e
ao sentimento de que a pessoa com deficiência fez por merecer e foi punida, e não
há punição maior que a exclusão.
Nesse sentido Jodelet (2002) considera que uma educação familiar rígida e
autoritária auxilia em determinar o convencionalismo e o desejo de punir aqueles
que vão contra os valores convencionais. Por meio da educação familiar a pessoa
vai construindo representações de sentimentos negativos, de rejeição ao diferente e
criando imagens de bodes expiatórios.
A educação, de acordo com a autora acima citada, determina um aparato
cognitivo que utiliza clichês e estereótipos, sendo generalista em relação às pessoas
de uma mesma categoria, não levando em conta as diferenças individuais. Ou seja,
todas as pessoas, por serem do grupo “pessoas” têm que ser iguais, sem qualquer
diferença, e se por acaso essa ocorrer aquele que se diferenciar será
desconsiderado e posto à margem. No caso da pessoa com deficiência, esta irá se
tornar sinônimo para “pessoa inválida para o trabalho”, sendo merecedora do
isolamento e da exclusão.
Conforme pontua Castel (2000, p. 32):
parece mais fácil e mais realista intervir sobre os efeitos de um disfuncionamento social do que controlar os processos que o acionam, porque a tomada de responsabilidades desses defeitos pode se efetuar sobre um modo técnico, enquanto que o controle do processo exige um tratamento político.
Diante das perspectivas acima analisadas, pode-se concluir que para
compreender a exclusão, é necessário olhar além dela e analisar sua construção
social, uma vez que a exclusão do diferente cumpre o papel de manter a ordem
social imposta pelo modelo econômico vigente.
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho apresenta-se a trajetória da construção social do
conceito de deficiência e da exclusão social da pessoa com deficiência. Com este
levantamento histórico busca-se compreender o conceito de deficiência, ao longo da
história da organização humana em sociedade, bem como do processo de exclusão
e de propostas de educação da pessoa com deficiência mental.
Nessa trajetória, foi possível vislumbrar que ao longo da história do ser
humano em sociedade a exclusão do diferente é uma constante. Ao concluir este
trabalho, considera-se que alguns pontos devem ser colocados como de
fundamental importância para a compreensão do preconceito quanto às deficiências
e da exclusão da pessoa com deficiência.
Amaral (1997, p. 110) faz uma pergunta pertinente ao tema: “A diferença é,
com freqüência, imediatamente transformada em desigualdade? É!”.
Assim como a autora, considera-se que pessoas diferentes, ou desviantes,
em sua desigualdade, estão sujeitas a uma hierarquia de mando e obediência em
relação aos demais membros da sociedade onde se encontra inserida.
Neste sentido, Saad (2003) aponta uma questão que foi discutida neste
estudo. De acordo com a autora, cada época proporciona o atendimento à pessoa
com deficiência conforme a concepção que a sociedade tem de deficiência em
determinado momento. Se em um momento, como no período entre a antigüidade e
o século XVII, influenciado pelas idéias de Platão e de Aristóteles, o conceito de
inteligência era tido como algo pré-formado, pré-estabelecido e sem influência do
meio, o conceito de deficiência também era tido como resultado de algo pré-
programado, quanto ao qual não havia muito a ser feito, muito menos educar,
restando apenas o isolamento e a compaixão. Nos dias atuais, o modelo médico
adotado na avaliação (e na determinação) diagnóstica, por vezes propicia atitudes
parecidas, fomentando a exclusão e o “não adianta”. Nesta perspectiva, o
diagnóstico inicial, repassado aos pais de uma criança com deficiência, vem
permeado de impossibilidades quanto ao desenvolvimento da criança. Cabe
ressaltar que um diagnóstico deve estar sempre a serviço de um encaminhamento, e
que visa apoiar a criança no desenvolvimento de suas potencialidades.
46
Mesmo em uma sociedade onde se compreende os determinantes
ambientais, ainda é difícil que seus membros reconheçam suas responsabilidades
em relação à exclusão e a inclusão da pessoa com deficiência. No cotidiano, em
uma sociedade permeada pelo preconceito e estereótipo, pode-se constatar atitudes
que formam, e fortalecem barreiras diante da pessoa com deficiência.
No decorrer da história, a pessoa com deficiência foi descrita como um
representante dos pecados dos pais, sendo sua condição uma forma de seus
cuidadores expiarem seus pecados, sendo considerada como estorvo aos seus
familiares e à sociedade em geral, uma vez que era considerada improdutiva e
incapaz, quando não considerada como um criminoso em potencial. Somente no
século XX foi que a pessoa com deficiência adquiriu status de pessoa humana, com
a difusão dos direitos das pessoas com deficiência, embora isto não aconteça de
maneira ampla e irrestrita.
A diferença, tão apregoada e valorizada em termos de individualidade e de
subjetividade, torna-se objeto de rejeição e exclusão quando está relacionada a um
desvio daquilo que é norma, ou “normal”. A diferença, seja estética, intelectual ou
moral, torna-se uma representante do insucesso em relação à normalidade e
constitui-se como fator decisivo dos processos de exclusão.
A educação da pessoa com deficiência teve início no final do Século XIX,
época em que grandes pesquisas e descobertas ocorreram em todas as áreas.
Porém as pesquisas relacionadas à educação de pessoas com deficiência tiveram
início na área da saúde, o que propiciou a percepção da deficiência como falta de
saúde, sendo considerado por muito tempo uma competência da área médica a
determinação da possibilidade de educar ou não à pessoa com deficiência.
Foi após a Segunda Guerra Mundial, por meio da concepção interacionista,
que fatores biológicos hereditários e sociais foram compreendidos como
interdependentes e interativos, que novas perspectivas de educação para pessoas
com deficiência se tornaram possíveis (SAAD, 2003).
Porém as conquistas, tanto sociais quanto educacionais, da pessoa com
deficiência adquiriram maiores proporções a partir de 1975, por meio da Declaração
dos Direitos da Pessoa Deficiente, elaborada e publicada pela ONU. No Brasil, a
pessoa com deficiência tem garantido os direitos civis e o acesso à educação, como
a todo cidadão brasileiro, ou seja, é garantido à pessoa com deficiência o direito à
igualdade.
47
Em um primeiro momento, a educação da pessoa com deficiência acontecia
de forma segregacionista e mais no sentido de treinar do que de desenvolver
potencialidades. Com o Movimento de Integração, aconteceram algumas conquistas
no sentido de socialização da pessoa com deficiência; contudo não houve grandes
avanços em termos de educação, por não ter acontecido o devido preparo das
escolas regulares, especialmente no que se refere à formação de professores, para
ensinarem aos alunos com deficiência. As associações e instituições de apoio à
pessoa com deficiência tiveram grande importância na conscientização dos direitos
da pessoa com deficiência, sendo estes locais os primeiros a oferecerem algum tipo
de educação.
A partir dos anos de 1990, os profissionais ligados à educação passaram a
lutar pela Educação Inclusiva. Conforme Mazzotta (1993), Werneck (2001), Michels
(2005), esta proposta visa incluir a pessoa com deficiência não apenas no contexto
escolar, mas também nos mais variados âmbitos sociais. Os autores pontuam que
através da Educação Inclusiva não há apenas um ganhador, mas sim vários, uma
vez que os processos de educação acontecem de forma dinâmica e passam a afetar
todos os envolvidos.
A exclusão dentro da escola é um assunto que há muito vem sendo discutido
e analisado. Arroyo (1997) assinala que, mesmo com o avanço da conscientização
dos direitos à educação básica, ainda não se conseguiu a estruturação da escola
para a garantia desse direito, continuando as instituições escolares seletivas e
excludentes, uma vez que mantém a mesma postura piramidal, que se preocupa
apenas com o domínio seriado e disciplinar de um conjunto de habilidades e
saberes, sem olhar aos seres envolvidos, quer seja o professor ou o aluno.
Para que a inclusão desejada seja realidade, é necessário, por parte dos
responsáveis pelo processo educativo, aprender a respeitar e interagir com a
diversidade e peculiaridade de cada aluno seja ele pessoa com deficiência ou não.
Tal aceitação irá refletir não apenas no âmbito educacional, como também nas
relações sociais em geral.
Desta forma, considera-se fundamental entender o preconceito e a exclusão
da pessoa com deficiência, pois pode auxiliar na promoção de ações que contribuam
para o combate e a denúncia da exclusão social.
Conforme assinala Xiberras (1993), praticamente todas as esferas sociais
parecem submetidas a algum nível de normalidade, sendo estes níveis, ou limites,
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de normalidade que definem o sucesso ou o insucesso em relação ao que é norma,
tornando o insucesso o principal constitutivo dos processos de exclusão. O acúmulo
de insucesso, ou de deficiências, é uma causa certa de exclusão.
O preconceito existente em relação à pessoa com deficiência está
diretamente ligado a não aceitação daquele que é diferente da norma, assim como
idéias pré-concebidas, que sugerem a incapacidade da pessoa com deficiência.
Assim, compreende-se que todos podem apresentar deficiências, afinal todos
possuem desvios da regra ou da norma. As pessoas não são iguais, de forma
uniforme, porém a deficiência física ou mental traz consigo o estigma de
incapacidade e de improdutividade, o que significa ser um fardo em uma sociedade
que prega a produção e a valorização do ter em relação ao ser. A pessoa com
deficiência deixa de ser pessoa humana e passa a ter uma deficiência, que a
diferencia negativamente dos demais.
A deficiência em si não é a causa da exclusão, mas sim o preconceito,
decorrente da falta de relacionamentos que possibilitem conhecimento sobre a
pessoa com deficiências e suas capacidades.
Nessa perspectiva, Amaral (2001) traz um questionamento pertinente: se o
deficiente não foi seu colega de banco de escola, como pode ser seu colega de
bancada de trabalho? Como pode ser seu amigo? Para que haja maior aceitação, é
necessário haver ações de conscientização, o que proporcionará conhecer as
potencialidades da pessoa com deficiência. Tais ações de conscientização, ou de
educação, devem começar na mais tenra idade, para que na vida adulta a aceitação
da pessoa com deficiência, bem como de todas as demais pessoas que não se
enquadram na norma, não seja apenas um gesto politicamente correto, mas sim
uma atitude ética perante a vida e o outro.
Recorro-se a Vash (1988, p. 25) para defender este argumento:
Se a deficiência não pode ser mudada, ela deve ser aceita como qualquer outra realidade, agradável ou não... O que não precisa ser aceito é a incapacitação desnecessária imposta à pessoa deficiente por um mundo desadaptado ou mal projetado(...).
Em relação à definição e nomenclatura na designação da pessoa com
deficiência, verificou-se que não há consenso entre os autores pesquisados,
resultado das diversas dificuldades que se encontra para o diagnóstico de
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determinadas deficiências, especificamente a mental, uma vez que no Brasil há
pouca pesquisa científica no sentido de construção ou mesmo validação de
instrumentos que proporcionem informações fidedignas para tal.
Outro ponto importante desta pesquisa, são as publicações em torno do tema
deficiência estão, em grande parte, voltadas ao estudo da deficiência mental; isto
pode estar associado ao percentual de pessoas com deficiência mental bem acima
das outras deficiências. Conforme pontua Sassaki (2003), durante os últimos trinta
anos tanto a ONU quanto a OMS consideram que, em número estimado, 10% da
população mundial de qualquer país em tempos de paz, sejam de pessoas com
deficiências, sendo que esse índice estimativo pode variar de um país para outro.
Dentro da estimativa, a deficiência com maior número de ocorrência é a mental, em
50% dos casos. A deficiência física está estimada em 20% dos casos, em 15% dos
casos estima-se a deficiência auditiva, em 10% a deficiência múltipla e em 5% a
deficiência visual.
Assim, considera-se que os objetivos foram alcançados, de forma geral e
específica, uma vez que se compreendeu a construção da deficiência, a mental em
particular, e da exclusão da pessoa com deficiência, ao longo da história do homem
em sociedade. Por fim, decorrente de tal compreensão, tornou-se latente o desejo
de, como psicóloga, fomentar ações que possam resultar em relações de respeito à
singularidade e à diversidade humana, características que considero inerente à
condição do ser humano.
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