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A Educação Especial diante das Reformas da Educação Profissional
Odair Antonio Fernandes1
Resumo:Neste artigo, busca-se contextualizar e analisar, como a educação
especial se apresenta diante da reforma da educação profissional na década
de 1990. Não temos a pretensão de esgotar a discussão sobre o assunto, mas
tem-se a intenção de apresentar e analisar o foco da polêmica entre o dualismo
exclusão e inclusão diante de uma perspectiva neoliberal. O presente trabalho
discute também o interesse das Agências Multilaterais em desresponsabilizar o
Estado de suas atuações junto à educação. A luz desse contexto é
apresentada como o neoliberalismo através das Agências Multilaterais e de
discurso ideológico transfere a responsabilidade das desigualdades sociais
para a educação, não analisando a desigualdade social em sua totalidade.
Palavras-chave:Educação Especial, Educação Profissional, Inclusão social.
Introdução
Procuraremos, primeiro, identificar as contradições sobre as quais
estão apoiadas algumas das principais teses governamentais em relação ao
processo de inclusão, influenciadas, em grande parte, pelas recomendações
das agencias multilaterais. Em seguida, analisaremos o papel ocupado pela
educação especial nesse processo, apreendendo, de forma mais detalhada, as
orientações que nos documentos oficiais estabelecem a inclusão de pessoas
com deficiência na educação profissional e sua posterior inserção no mercado
de trabalho.
1 Mestrando em Educação, especialista em Educação Especial, especialista em Economia do Trabalho,
técnico pedagógico do Setor de Educação Especial do Núcleo Regional da Educação de Curitiba.
2
A inclusão de pessoas com deficiência e suas contradições nos
discursos oficiais
A década de 1990 pode ser considerada um divisor de águas em
relação à situação social e escolar das pessoas com deficiência. Nunca se
falou tanto em inclusão social e escolar como a partir de então, fazendo surgir
uma ampla mobilização social em defesa de direitos na saúde, educação e
trabalho, entre outras áreas, por segmentos da sociedade civil organizada e
respaldada por políticas públicas nas diferentes áreas.
Como se sabe, na história da atenção social às pessoas com deficiência
evidenciam-se diferentes tipos de exclusão denominadas na literatura de fases,
etapas (extermínio, filantropia, institucionalização, integração/inclusão) ou
paradigmas (da institucionalização, de serviços e de suportes), mas que têm
em comum a realidade da total ou parcial falta de acesso aos bens sociais
como a educação e o trabalho.
Por conta dessa exclusão histórica, a educação inclusiva tem sido tema
recorrente nas agendas governamentais e suscitado reflexões em diversos
segmentos sociais para além dos sistemas de ensino. Justamente por envolver
um grupo-alvo – pessoas com deficiência – cercado de mitos e preconceitos
sociais, esse debate tem gerado inúmeras polêmicas e posicionamentos
divergentes acerca de sua compreensão e das estratégias para colocar a
inclusão em prática, diretamente relacionados à menor ou maior apreensão dos
determinantes histórico-sociais que a regulam.
Os princípios debatidos na Conferência Mundial de Educação para
Todos, em Jomtien, Tailândia no ano de 1990, firmaram-se como fundamentos
presentes nas políticas governamentais para a garantia de acesso e
permanência das necessidades básicas de aprendizagem de todas as
crianças, jovens e adultos, independente de suas diferenças culturais,
religiosas e/ou econômicas.
Jomtien e as propostas de educação inclusiva que a seguiram,
destacando-se a Declaração de Salamanca, no que se refere às pessoas com
deficiência, garantiram o imprescindível espaço para uma ampla discussão
sobre a necessidade de os governos contemplarem propostas que
reconhecessem a diversidade dos alunos, e os meios e modos para garanti-las,
3
o que resultou em um compromisso da maioria deles para trabalhar pela
inclusão educacional.
No documento Diretrizes Nacionais para a Educação Especial do MEC
apresentam-se as seguintes considerações sobre o processo de inclusão:
A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção de um Estado democrático. Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida. Como parte integrante desse processo e contribuição essencial para a determinação de seus rumos, encontra-se a inclusão educacional (MEC, 2001 p. 20).
No mesmo texto, ainda, estabelece-se o princípio da eqüidade como
fundamento para a preservação da dignidade humana, a busca da identidade e
exercício da cidadania, a fim de garantir o direito à educação de pessoas com
necessidades especiais. Advoga-se que,
[...] a consciência do direito de constituir uma identidade própria e do reconhecimento da identidade do outro traduz-se no direito à igualdade e no respeito às diferenças, assegurando oportunidades diferenciadas (eqüidade), tantas quantas forem necessárias, com vistas à busca da igualdade. O princípio da eqüidade reconhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas para o processo educacional (Parecer CNE n.017/2001 p.26 grifo nosso).
Depreendem-se alguns princípios desse posicionamento, importantes a
nossa análise, posteriormente:
o o acolhimento e aceitação da diversidade humana é um princípio
basilar em um Estado democrático;
o a garantia da eqüidade (equiparação de oportunidades) em todas as
dimensões da vida assegura a inclusão;
o a inclusão depende do exercício de valores humanitários como
solidariedade e cooperação da sociedade como um todo;
o a educação é um âmbito determinante para a concretização da
inclusão.
Em pesquisa recente, que trata da análise das políticas de educação
especial a partir da década de 1990, no contexto econômico neoliberal,
Romero (2006) discute que embora o conceito inclusão nos seus
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desdobramentos social, escolar, profissional, entre outros, se cerque de uma
aura de inovação, sendo apontado como „novo paradigma‟ social, ele não
suscita mudanças na estrutura social. A proposta da Unesco (e outras agências
multilaterais) para as políticas educacionais inclusivas são, embasadas num
viés humanitário, amplamente referenciado como parte da condição para o
equacionamento de desigualdades nos países periféricos. Prossegue sua
reflexão demonstrando que nessa ótica são determinantes pessoais, como a
discriminação, o preconceito, a intolerância, em detrimento de determinantes
sócio-históricos, os fatores para explicação e superação dos conflitos entre os
povos, em virtude da desigualdade sócio-econômica. Tal como explicitado por
Jacques Delors em seu livro Educação: um tesouro a descobrir, “a educação
pode ser um fator de coesão se procurar ter em conta a diversidade dos
indivíduos e dos grupos humanos, evitando tornar-se um fator de exclusão
social” (DELORS, 2001, p. 54).
Assim,
Da forma como são enfatizados tais valores, sugere-se um ideário de coesão social, na qual as diferenças concernentes aos diversos grupos, desde que respeitadas, constituiriam-se na condição para a extinção das tensões e exclusões sociais, consideradas tão prejudiciais para o processo de desenvolvimento dos países (ROMERO, 2006, p.113).
Esse paradoxo revela que apenas os aspectos superficiais da inclusão
são tomados para debate. Na análise de Mendes (2001 apud PRIETO, 2004),
“ao mesmo tempo em que o ideal de inclusão se populariza, e se torna pauta
de discussão obrigatória para todos interessados nos direitos dos alunos com
necessidades educacionais especiais, surgem as controvérsias, menos sobre
seus princípios e mais sobre as formas de efetivá-la.”
Embora a inclusão e exclusão estejam ambas articuladas a mesma
realidade, já que ao discutir mecanismos para viabilizar a inclusão social,
econômica, digital, cultural, ou escolar, estamos admitindo a lógica excludente
intrínseca ao modo de produção capitalista, não podemos tomá-las como verso
e reverso da moeda. Edler Carvalho discute que a inclusão não pode ser
considerada o avesso da exclusão, pois, em alguns casos, o avesso pode ser
uma inclusão marginal, “na medida em que a sociedade capitalista desenraiza,
exclui, para incluir de outro modo, segundo suas próprias regras segundo sua
própria lógica. O problema está justamente nessa inclusão”(2004, p.32).
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O texto de diretrizes curriculares para a educação especial da SEED/PR
(PARANÄ, 2006, s/p) aponta que uma análise superficial do processo de
inclusão, pode ter como conseqüência os seguintes equívocos conceituais:
- atribuir um mesmo significado a necessidades educacionais especiais e
deficiências;
- julgar que a inclusão é um processo que se refere apenas a alunos com
deficiência, ignorando o imenso contingente de alunos à margem do
sistema educacional, em decorrência da não-aprendizagem
- reduzir a complexa problemática social da inclusão ao espaço escolar.
Passemos a problematizar cada um desses equívocos, iniciando pelo
último que traz à tona a crença idealista de que, por meio da educação, realiza-
se a inclusão pela limitação teórica que encerra.
Fernandes (2006) afirma que para que não depositemos na instituição
escolar falsas expectativas em relação ao seu papel redentor das
desigualdades sociais, é necessário compreender que, se tornando inclusiva, a
escola não elimina as contradições sociais presentes no atual modo de
produção capitalista, que se alimenta do processo de exclusão de parcelas da
população para manter sua lógica de existência. Para a autora, a
superficialidade dessa reflexão se apresenta problemática à medida que elege
a educação, isoladamente, como sustentáculo do processo inclusivo,
desconsiderando os determinantes históricos que a constituem como
expressão de uma dada sociedade.
Ou seja, a exclusão de uma grande massa de alunos, cujo fracasso
vincula-se não apenas a problemas orgânicos, como os distúrbios e as
deficiências, possibilita ampliarmos o escopo de nossa análise. A não-
aprendizagem tem suas raízes mais profundas entrelaçadas em problemas
estruturais inerentes às desigualdades sociais do modo de produção
capitalista, como a pobreza, a subnutrição, a desagregação familiar, o trabalho
infantil, a drogadição, as carências culturais e afetivas, entre inúmeros outros
que poderiam ser citados.
Como conceito central do processo de inclusão coloca-se a eqüidade
como a via pela qual a inclusão realmente se efetiva, posto que não basta que
haja igualdade de oportunidades (princípio constitucional), mas concretizar
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suas possibilidades assegurando que os “diferentes” tenham garantidas as
condições necessárias ao respeito a sua diversidade. Ocorre que a eqüidade
tem como alvo apenas determinados grupos, identificados como minorias, tais
como indígenas, negros, minorias étnicas, mulheres e pessoas com
necessidades especiais, por exemplo. Portanto, seja no espaço escolar, seja
em âmbito social, a questão da diversidade reduz-se à discussão fragmentada
das condições específicas a serem adotadas para atender às necessidades de
cada um desses grupos, deixando de se realizar a apreensão da totalidade das
desigualdades sociais, ou seja, os reais fatores que implicam na ocorrência das
diferenças (SILVA, 2000, p. 91).
Diante do otimismo político que concedeu à educação uma parcela
significativa do processo de inclusão, buscamos a análise de Silva (2000) ao
discutir a influência direta ou indireta das agências internacionais nas reformas
de cunho neoliberal para o direcionamento das políticas públicas na área
educacional.
A autora demonstra que, a partir de 1990, os países que tomaram
empréstimos do Banco Mundial, e instituições a ele associados, ficaram
condicionados a cumprir metas e prazos relacionados aos programas de
reestruturação capitalista e de ajustes macroeconômicos implementados sob
orientações dessas instituições. Neste sentido, eventos como os de Jomtiem e
de Salamanca serviram de palco para a articulação de consensos dos países
capitalistas sobre prioridades e estratégias de reformas educacionais, dirigidas
aos países periféricos. No discurso, atribuiu-se papel central à educação como
fator desencadeador da inclusão; na prática, essa estratégia de condicionar
políticas públicas ao financiamento na educação, assegurou a estabilidade do
sistema capitalista mundial.
Retomando os possíveis equívocos que uma análise reducionista da
inclusão poderia derivar, rebatemos a leitura da inclusão como um movimento
voltado apenas às pessoas com deficiência, estabelecendo uma relação direta
entre deficiência e necessidade educacionais especiais. Já foi amplamente
discutido pela literatura (CARVALHO, 2001; MARCHESI, 1995) que a adoção
do termo necessidades educacionais trouxe conseqüências danosas à
educação especial: sua abrangência passou a incluir alunos com e sem
deficiência; sua vagueza faz com que constantemente ele tenha que ser
7
explicado para alcançarmos sua definição; sua imprecisão encobre a real
situação de deficiência, como se ela não existisse e, por fim, há uma ampliação
excessiva no universo de alunos a serem atendidos pela educação especial.
Assim é comum observarmos discursos e práticas que embora o movimento da
inclusão tenha como foco inúmeros grupos em situação de exclusão, apenas o
grupo de alunos com deficiências tem suscitado resistências e inseguranças
entre os professores, pelo fato de sua escolarização ter sido desenvolvida,
historicamente, sob a responsabilidade da educação especial.
Para que possamos identificar a contradição expressa no discurso
inclusivo, via práticas da educação especial, é necessário compreendermos
quais os determinantes sociais que conduzem essa modalidade de educação a
oferecer sua contribuição à inclusão de pessoas com deficiência. Nossa análise
não aprofundará aspectos filosóficos, teóricos e legais pertinentes a
organização da educação especial na totalidade, visto nosso interesse
restringir-se às práticas de educação profissional desenvolvidas nesse contexto
de ensino.
As reflexões iniciais sobre a necessidade de discutir a inclusão não
apenas em seus aspectos superficiais (valores e atitudes humanas, locais para
efetivação, grupos-alvo...), mas na totalidade das relações sociais que
constituem a existência material dos homens, explicita nossa adesão ao
materialismo-histórico como matriz teórica que dá sustentação a este texto,
assumindo o caráter histórico do homem na análise de qualquer dado da
realidade humana.
A Educação Especial e a Educação Profissional para alunos com
deficiência
Apenas a partir da década de 1990, a educação especial passa a ser
vista como modalidade de educação, sendo definida oficialmente no Parecer
CNE/CEB No 17/2001 do seguinte modo:
Modalidade da educação escolar; processo educacional definido em uma proposta pedagógica, assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os
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serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica (BRASIL, 2001, p. 39).
Isto posto, torna-se pertinente apresentarmos como é tratada, a
educação profissional do aluno com necessidades educacionais especiais, no
item 9 do mesmo documento:
A educação profissional é um direito do aluno com necessidades educacionais especiais e visa à sua integração produtiva e cidadã na vida em sociedade. Deve efetivar-se nos cursos oferecidos pelas redes regulares de ensino públicas ou pela rede regular de ensino privada, por meio de adequações e apoios em relação aos programas de educação profissional e preparação para o trabalho, de forma que seja viabilizado o acesso das pessoas com necessidades educacionais especiais aos cursos de nível básico, técnico e tecnológico, bem como a transição para o mercado de trabalho (BRASIL, 2001, p. 60).
Embora os referidos textos demonstrem uma clara tendência inclusiva
em que pessoas com deficiência gozam dos mesmos direitos que as demais
pessoas, nem sempre foi assim na sociedade de classes. Nos períodos
denominados escravista e feudal, na literatura, as alusões à apreensão das
diferenças apresentadas por pessoas com deficiência correspondem à
dinâmica de cada sociedade e a sua forma de valorizar o humano na produção
da vida material. Os modos de produção da existência humana tem no século
XVI a passagem do artesanato para a manufatura e, no século XVII, a
transição do trabalho manufatureiro para aquele realizado pela maquinaria
(BIANCHETTI, 1998, p. 39). Essa mudança nas forças produtivas é significativa
para a análise que desejamos empreender, posto que o modo de produção
artesanal está intimamente ligado aos limites e possibilidades do corpo, já que
o ritmo da produção é determinado pelas necessidades de consumo e
resistência física das possibilidades do trabalhador.
No contexto histórico de incorporação social de pessoas com
deficiência, observa-se que seus corpos mutilados e deformados não
constituíram força de trabalho objetiva, sendo totalmente excluídos das cadeias
produtivas dos períodos escravista e feudal.
Com a decadência do feudalismo, as pessoas com deficiência passam
a assumir um novo status social marcado pelas primeiras experiências
educacionais.
9
As práticas de educação especial originadas no século XVI, no
contexto europeu, consideradas pioneiras, foram caracterizadas por um forte
caráter assistencial e filantrópico, por conta da influência extensiva e
sistemática da Igreja nos atendimentos prestados às pessoas com deficiência
em asilos, albergues e instituições especializadas, sob sua manutenção.
Interessante observar que apenas no século XX, quando um novo
paradigma de produção, assentado na integração e na flexibilidade dos
sistemas produtivos, gerados pelas tecnologias, é que surge a retórica da
igualdade de condições de participação e desfrute de todos aos avanços
sociais aplicados ao trabalho, (BIANCHETTI, 1998). Nesse contexto há a
organização da Educação Especial como área da Pedagogia e parte integrante
do sistema de ensino com a finalidade de integrar o indivíduo com deficiência à
educação e ao trabalho.
A partir de então a educação especial esteve orientada por uma
perspectiva de normalização da pessoa com deficiência, pautada em práticas
clínicas e terapêuticas com o aval da Medicina e da Psicologia, em detrimento
da Pedagogia, como área de conhecimento que lhe dá sustentação teórico-
prática.
Essas práticas de normalização conhecidas na literatura como modelo
clínico-terapêutico da deficiência. Normalizar significa equiparar condições
orgânicas, intelectuais ou sociais, tendo-se como parâmetro um padrão, um
modelo, geralmente aceito socialmente como produtivo e mediano. São
realizadas por médicos, terapeutas (psicólogos, fonoaudiólogos,
fisioterapeutas...) e compreendem a ação sobre uma pessoa ou sobre o
ambiente em que ela se insere.
Como se vê, na educação especial, as práticas de normalização2
sempre foram comuns e a busca de uma padronização social do indivíduo que
apresenta uma diferença física, sensorial e/ou intelectual significativa foi a
finalidade dessa modalidade de educação, ao longo da sua organização. A
literatura que trata de sua origem e desenvolvimento como área, quase
sempre, traz uma cronologia a-histórica, em que fatos ou personagens ilustres
2 Embora as práticas de normalização sejam objeto recorrente nos trabalhos de Foucault e teóricos a ele
alinhados, não faremos uso de suas teses explicativas pelo fato de as mesmas estarem distanciadas do
materialismo histórico-dialético, abordagem por nós utilizada.
10
são destacados, sem uma necessária explicação dos fatores que determinaram
suas concepções e práticas em cada período.
Mais recentemente, observamos a preocupação de alguns
pesquisadores, sob a adesão interpretativa do materialismo histórico-dialético,
em demonstrar as relações entre economia, educação/educação especial e
representações sociais. Mais que isso, seus esforços voltaram-se a explicar
como as reformas estruturais centradas na desregulamentação dos mercados,
na privatização do setor público e na redução do papel do Estado, assumem
convergência forçada nas medidas recomendadas à educação pelo Banco
Mundial aos países periféricos, como o Brasil (ROMERO, 2006; SILVA, 2000).
Esses trabalhos nos permitem ampliar nossa análise sobre a função das
políticas de educação profissional para pessoas com deficiência, articulando-as
ao contexto sócio-econômico, desde seu surgimento. Dessa forma buscamos
compreender como, mesmo amplamente propaladas, as políticas inclusivas
não atingem sua finalidade de assegurarem direitos e atenuar as
desigualdades sociais a esse grupo.
A educação especial, tal como se apresenta na atualidade, legitima-se
como subsistema do contexto da educação geral entre as décadas de 1920 e
1950, ambientada na derrocada do paradigma taylorista-fordista e na crise
decorrente da política econômico-social keynesiana do Estado de Bem Estar
Social (Welfare State). Nesse contexto, que articulava a internacionalização do
capital com políticas internas de financiamento público de gastos sociais, o
Estado capitalista entra em colapso, determinando mudanças estruturais no
meio educacional.
Para Silva (2000), duas situações distintas e contraditórias podem ser
percebidas a partir daí. A primeira atribui centralidade à escola diante das
exigências do mercado, impondo a necessidade de um trabalhador mais
qualificado, articulado aos avanços tecnológicos e ao movimento da economia
global. A segunda diz respeito à escola como espaço social que possibilita o
exercício da igualdade de direitos do homem, permite o acesso do aluno e, ao
mesmo tempo, nega-lhe a permanência, ao excluí-lo da aprendizagem em
função de sua classe sócio-econômica ou suas especificidades físicas e/ou
mentais.
11
Do mesmo modo, a autora, que o modelo de flexibilização das relações
de trabalho, imposto pelas relações de produção vigentes na sociedade
capitalista, traz como conseqüência a exclusão imediata do mercado dos
trabalhadores que possuem pouca qualificação e escolaridade. Ainda que haja
um esforço na criação de medidas de requalificação profissional para atender a
essa demanda, por intermédio de cursos e treinamentos, são os trabalhadores
altamente qualificados, com conhecimentos específicos e acesso às
informações, os que são incorporados ao mercado de trabalho.
Assim, há uma massa crescente de trabalhadores que engrossam um
segmento inferior da cadeia produtiva, penalizados pelo desemprego, pela
queda dos salários e pela conseqüente exclusão da produção. Nesse novo
contexto, diz Silva (Ibid, 2000), tanto o Estado como outros setores da
sociedade têm presenciado o surgimento de diferentes tendências e requisitos
de qualificação da força de trabalho. Alguns setores denunciam as
inadequações do sistema escolar para fazer frente às exigências formuladas
por este novo modelo de produção, o do trabalho mais flexível.
Nesse momento histórico, ocorre a expansão da educação especial,
com destaque ao significativo papel desempenhado pelas instituições de
caráter privado, ou vinculadas ao setor público não-estatal, representado
predominantemente pela APAE. Nesse período, há redução dos gastos
públicos nessa área, com incentivo aos sistemas de parceria entre instituições
associações, famílias, empresas, Sistema S, entre outros. Esse fato atesta que
o discurso da inclusão de pessoas com deficiência se propaga articulado a
políticas de educação especial elaboradas na perspectiva do “Estado mínimo”
Assim, durante seu mais de meio século de existência no Brasil, a
educação especial tem suas práticas marcadas pelo assistencialismo,
institucionalização (segregação em classes e escolas especiais) e viés
reabilitador, consubstanciada em total descaso do Estado no provimento de
recursos para seu financiamento.
Na análise de Kassar (1998 apud PARANÄ, 2006), a educação especial,
desde sua origem, esteve marcada pelo pensamento liberal em sua
organização. As principais características desse modelo baseavam-se na
crença da deficiência como um problema individual/familiar, da integração
como dependente dos esforços da pessoa com deficiência e no
12
descompromisso do Estado com sua educação. Atualmente, em que pese uma
orientação inclusiva em sua organização, a educação especial mantém as
bases do pensamento neoliberal, posto que preconiza a organização da
sociedade civil como co-responsável na oferta de serviços de atendimento
especializado, através de ações assistenciais, e/ou filantrópicas, que
colaboram para o afastamento gradativo do Estado de sua responsabilidade e
obrigações sociais para com a educação desse segmento.
Com o movimento da inclusão, orquestrado pelas agencias multilaterais,
produz-se um acalorado debate acerca das mudanças nas representações
sociais das pessoas com deficiência, em diferentes segmentos sociais,
evidenciando que elas podem ser participativas, leia-se produtivas. Essa
concepção de deficiência inverte a ótica da normalização, via reabilitação, da
pessoa com deficiência e propaga a idéia de que sejam propiciadas as
condições, o respeito e a valorização de suas diferenças, oferecendo-lhes
oportunidades iguais, com eqüidade de condições.
Embora a Educação Especial tenha assumido o princípio de que toda
pessoa, para estar integrada à sociedade, deva exercer uma atividade que a
leve a satisfazer suas necessidades como ser humano e tenha desenvolvido
programas de ensino voltados à profissionalização de seus educandos, os
resultados atingidos, até então, não foram consideráveis. Isso pode ser
claramente constatado no enorme contingente de pessoas com deficiência
despreparadas para assumir a competitividade do mercado de trabalho, com a
devida qualificação.
No campo da educação profissional dessas pessoas, se é que
possamos identificá-lo no quadro das políticas públicas, há uma clara
contradição entre o discurso inclusivo e as ações encampadas pela educação
especial, no que se refere à profissionalização.
Em meio a esse complexo quadro de exclusão, a despeito das
contradições reais determinadas pelo capitalismo, propaga-se o discurso da
inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, por meio de
programas e práticas correspondentes ao modo de produção artesanal ou, no
melhor dos casos buscando-se “qualificar” o trabalhador da manufatura. De
acordo com Ross essas práticas não ultrapassam os limites da manipulação
13
mecânica, em detrimento de trabalhos que mobilizem todas as capacidades
humanas, sejam elas físicas intelectuais, afetivas ou sociais (1998, p.88).
Complementa TOMASINI (1998, p. 127) que,
[...] a educação especial tem dado privilégio, em sua práxis pedagógica, ao trabalho manual em detrimento do trabalho intelectual, ao submeter os indivíduos inseridos nas instituições a formas mecânicas de produção, visando exclusivamente à aquisição de competências manuais para execução de tarefas simplificadas. Reduzindo este indivíduo ao “fazer”, tão-somente, deixam de ser mobilizados mecanismos de apropriação da riqueza do mundo social, cultural, e do desenvolvimento da competência política.
Este conjunto de idéias sinaliza para os reais problemas constitutivos
das práticas veiculadas pela Educação Especial, desvinculadas das conquistas
socialmente atingidas pelo atual estágio do desenvolvimento histórico dos
homens que acabam, em última análise, por impedir ou retardar sua propalada
inclusão, reforçando os estereótipos que os definem como inferiores e
desviantes socialmente.
Passemos a apropriação das políticas de educação profissional pela
educação especial, apontando suas principais fragilidades e anacronismos, a
partir de documentos oficiais na área.
Educação Especial e a reforma da educação profissional
A reforma na educação profissional, ocorrida na década de 1990, esta
inserida em uma série de reformas como a da previdência, a universitária, a
privatização de estatais, a flexibilização dos direitos sociais, e outras, que têm
como objetivo a criação de políticas de ajustamento para redução das funções
do Estado. Essas reformas são impostas pelo Banco Internacional de
Reconstrução e de Desenvolvimento (BIRD) e Fundo Monetário Internacional
(FMI) para atender aos propósitos do capitalismo.
Para atingir os objetivos propostos para a reforma da educação
profissional, os currículos passam a ser flexibilizados, contemplando conteúdos
para garantir um novo perfil de trabalhador: amplo, generalista, com uma visão
voltada às possíveis transformações no mundo do trabalho.
14
Com a reforma, a educação não é mais vista como direito universal de
todos, mas sim, como uma questão de eqüidade, conceito que passa a ser
estabelecido com vistas a legitimar o pensamento neoliberal. Assim, a
educação passa a ter o objetivo de atender aos que mais precisam ( as
chamadas minorias, como discutido anteriormente), e não mais a todos,
discurso utilizado até então. Reforça-se, nesse contexto, a Teoria do Capital
Humano que ajusta seus argumentos às novas exigências do mercado,
depositando, mais uma vez, na educação possibilidades de ascensão e
promoção social, na perspectiva individual. As pessoas com boa condição
sócio-econômica deverão custear sua educação.
Atendendo ainda aos preceitos das Agências Internacionais, o Estado
diminui a injeção de recursos e minimiza sua participação na educação,
concentrando políticas nas séries iniciais do ensino fundamental,
compartilhando com a iniciativa privada e o indivíduo a responsabilidade de sua
formação.
O Estado eximindo-se da responsabilidade de proporcionar cursos
profissionalizantes, de forma exclusiva, por afirmar que esta é uma tendência
mundial, faz, em alguns casos, parcerias com a iniciativa privada, ou repassa
integralmente para este setor tal incumbência. Essa situação é evidenciada por
Del Pino (2000, p. 45), quando aponta que “o MEC afirma que a amplitude das
questões pertinentes à qualificação de trabalhadores e trabalhadoras, à
profissionalização e ao emprego, requerem ações de tal grandeza que não
podem mais ser resolvidas pelo Poder Público”.
No intuito de imputar responsabilidades, e eximir-se de culpas, as
Agências Internacionais e o Estado fazem do trabalhador o bode expiatório
para o desemprego em massa e acabam por responsabilizar a educação por
esse fato, reafirmando assim a ideologia hegemônica.
Diante desse contexto de globalização, o ideário neoliberal realiza,
através das imposições das Agências Multilaterais, a separação administrativa
e curricular entre os conteúdos profissionalizantes e os conteúdos de formação
geral. “Com isso, a destinação de cada sistema fica definida: o ensino médio
para os segmentos sociais que têm acesso à educação de nível superior; a
formação profissional técnica para os segmentos sociais cuja única perspectiva
é a permanência no mercado de trabalho (DEL PINO p. 197)”. Estabelece-se,
15
assim, certo distanciamento entre educação profissional e produção de
conhecimentos. O primeiro é restrito às necessidades do mercado, enquanto o
segundo passa a dar condições de uma formação ampla.
No que se refere aos aspectos pedagógicos subjacentes à reforma, sob
a ótica neoliberal o Ministério da Educação (2003, p. 56) apregoa que:
“[...] deve-se elaborar uma Proposta Pedagógica que desenvolva competências.” As quais “[...] envolve o domínio dos quatro pilares que fundamentam a educação, quais sejam: Aprender a Conhecer – desenvolvimento de competência para construir conhecimento, exercitar pensamentos, atenção, percepção; para contextualizar informações e para saber se comunicar; Aprender a Fazer – pôr em prática os conhecimentos significativos aos trabalhos futuros, enfatizar a educação profissional, descobrindo o valor construtivo do trabalho, sua importância, transformando o progresso do conhecimento em novos empreendimentos e em novos empregos; Aprender a Ser – a educação deve preparar o aluno de forma íntegro-física, intelectual e moral, para que ele saiba agir em diferentes condições e situações, por si mesmo; e, Aprender a Conviver – é saber conviver com os outros, respeitar as diferenças, conviver com a diversidade, aprender a viver junto para desenvolver projetos solidários e cooperativos, em busca de objetivos comuns, por meio de solidariedade e compreensão.
A referida proposta do MEC está baseada na pedagogia das
competências ou do “aprender a aprender”, e, como afirma Duarte (2003, p. 11)
“[...] trata-se de um lema que sintetiza uma concepção educacional voltada à
formação, nos indivíduos, da disposição para uma constante e infatigável
adaptação à sociedade regida pelo capital.”
Ainda, nessa perspectiva de atender ao capital, utilizando a educação
como aporte ideológico, Duarte (ibid, 2003, p. 12), alerta que,
Quando educadores e psicólogos apresentam o „aprender a aprender‟ como síntese de uma educação destinada a formar indivíduos criativos, é importante atentar pra um detalhe fundamental: essa criatividade não deve ser confundida com busca de transformações radicais na realidade social, busca de superação radical na sociedade capitalista, mas sim criatividade em termos de capacidade de encontrar novas formas de ação que permitam melhor adaptação aos ditames da sociedade capitalista.
Diante dessa análise, tem-se que a tão propalada pedagogia das
competências, do “aprender a aprender”, admite como mais importante àquilo
que os indivíduos aprendem por si mesmos do que troca de conhecimentos e
experiências realizadas pelas relações sociais.
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Ora, nessa linha de análise, podemos verificar que as escolas especiais,
analisadas sob a ótica segregadora de “separar para preparar” acabam por
reproduzir a proposta neoliberal, uma vez que em seu interior as trocas de
conhecimentos e experiências se tornam limitada aos seus espaços apenas.
Reforçando essa idéia das escolas especiais reproduzirem tais ditames, tem-se
que em suas práticas pedagógicas, voltadas ao ensino profissionalizante, ainda
realizam-se trabalhos artesanais, de forma arcaica, o que explicitamente não
condiz com a realidade de mercado posta na atual sociedade capitalista.
Para exemplificar, citamos experiência da Federação Nacional das
APAEs, organização mais representativa da defesa dos direitos sociais de
pessoas com deficiência intelectual. Desde 2004, a Federação desenvolve
projeto conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego, com abrangência em
todos os Estados, buscando registrar e avaliar as experiências metodológicas
desenvolvidas no movimento apaeano, desde 1997, por ocasião da injeção de
recursos do FAT. Neste período, houve a publicação de um manual de
referência para educação profissional de pessoas com deficiência intelectual.
Atualmente, encontra-se em andamento uma pesquisa para avaliação da
demanda de Trabalho para o alunado das APAEs com a finalidade de subsidiar
o desenvolvimento e a produção de novas metodologias de educação
profissional, direcionadas às necessidades locais, com o objetivo de atender
melhor às demandas e necessidades do mundo do trabalho, aumentando com
isso a chance de colocação laboral de pessoas com deficiência intelectual e
sua inclusão social por meio do trabalho (APAE BRASIL, 2007, p. 2). Essa
ação é um reflexo para enfrentamento dos baixos índices alcançados pelo
Processo de Educação Profissional e Colocação no Trabalho - PECT,
programa que norteou as ações de educação profissional das Apaes, na
década de 1990. O programa caracteriza-se por ser um plano individualizado
de inserção da pessoa com deficiência na sociedade por meio do trabalho,
dividido em três etapas: preparação, qualificação e colocação no trabalho. Em
sua organização teórica prevê desde vivência em atividades práticas de
trabalho para revelar as potencialidades, aptidões e interesse para o exercício
de uma atividade profissional até a qualificação de mão-de-obra, necessária ao
desempenho de uma tarefa específica, para posterior colocação no trabalho
competitivo, última etapa do processo. Na prática, observamos a proliferação
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de oficinas protegidas, geralmente dirigidas por um professor especializado ou
instrutor, onde se realizam atividades artesanais ligadas à marcenaria, pintura,
cestaria, entre outras, nas quais a participação dos alunos é mínima. Do ponto
de vista da produção, os mesmos não detêm o conhecimento da totalidade da
produção da mercadoria em questão e, tampouco do capital levantado com sua
comercialização, ainda que recebam remuneração. Nas palavras da instituição:
A terminologia oficina protegida ou de produção, por si só, demonstra que as atividades laborais desenvolvidas geram uma linha de produção, de pequeno porte, destinada ao consumo interno da própria entidade ou, excedentes comercializáveis e geradores de renda, destinada a auto-manutenção da própria oficina, despesas decorrentes de compra de materiais e o pagamento de dividendos aos trabalhadores co-participantes dessa produção, exemplo, oficinas de cartonagem, bordados, tapeçaria, hortas, entre outras (APAE DE IVAIPORÃ, 2007, online).
Segundo Duarte (2003, p. 12), “o caráter adaptativo dessa pedagogia
esta bem evidenciada. Trata-se de preparar os indivíduos formando neles as
competências necessárias à condição de desempregado, deficiente, mãe
solteira etc.”
Afirma Oliveira (2003, p.18) que, através da falácia imposta pelo ideário
neoliberal, “[...] procura-se, disseminar uma nova formulação simbólico cultural,
cujo principio seja o fato de que a liberdade concorrencial é a única capaz de
garantir a satisfação dos interesses individuais. Ou seja, difunde-se a idéia de
que só pela livre ação do mercado serão garantidos e satisfeitos os desejos do
ser humano.” É através desse discurso que é ampliada a absorção do sistema
educacional, tanto pelo setor privado quanto pelo público não-estatal,
destacando-se as ONGs que, através de parcerias com o setor público,
prestam atendimento a educação especial, o que nos interessa discutir.
Diante do exposto até aqui, verificamos diferentes impactos gerados
pelas novas políticas públicas, implantadas e implementadas, nesse período de
reformas da educação profissional, sobre a educação especial, em específico
no ensino profissionalizante voltado às pessoas com deficiência.
Essa influência pode ser identificada em documentos oficiais e em teses
de autores com grande reconhecimento na área, sobre as quais documentos
oficiais do MEC/SEESP foram sistematizados. Têm destaque no âmbito da
inclusão de pessoas com deficiência no trabalho, a produção de Sassaki (1997,
2000), Brasil (2003) e Carneiro (2005).
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Como dito anteriormente, a atenção social às pessoas com deficiência,
no decorrer da história, apresenta-se na literatura em períodos com
denominações diversas, em que tem destaque na década de 1990 o vigoroso
discurso, preconizado internacionalmente, que caracteriza a fase da inclusão
social. Para Sassaki a inclusão é conceituada como:
(...) processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos (1997, p. 41).
Apesar de a citação apregoar a equiparação de oportunidades para
todos, convocando a parceria de segmentos da sociedade para superar a
exclusão, é clara a limitação presente na exposição desse conceito. Ora, supor
que a inclusão se fará à medida de uma ampla mobilização social é uma
falácia. Principalmente quando vemos o crescente esvaziamento das ações do
Poder Público nesse processo. O neoliberalismo, ideário que dá sustentação
ao capitalismo atual, mascara a exclusão social por meio de ações jurídicas
que tentam legitimar a inclusão sob um consenso populacional, mas,
contraditoriamente, promove a manutenção da exclusão social praticada em
outros períodos históricos.
Essa situação é evidenciada, quando sob a orientação dos órgãos
internacionais, o Estado passa a se desresponsabilizar cada vez mais pela
educação de maneira geral. Na educação especial, esse fato é constatado
quando o Estado transfere as responsabilidades públicas, de atendimento às
pessoas com deficiência, para o terceiro setor, nesse caso, representado por
ONGs como Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE),
Sociedade Pestalozzi entre outras. Diante dessa transferência de
responsabilidades as escolas especiais ampliam seus atendimentos de forma
notável, além de adquirir certa autonomia como afirma Romero (2006, p.139)
que “[...] parte dessas instituições, por estar voltada ao atendimento das
demandas de um grupo específico, tende-se a se autonomizar, no sentido de
buscar, internamente, as respostas para as suas demandas”.
Segundo Ross (2002, p. 218):
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[...] na ótica neoliberal, a institucionalização das pessoas corresponde a uma concepção primitiva e gregária da sociedade. Os neoliberais se opõem à “engenharia mental” dos homens que se reconhecem dispostos a construir uma sociedade através de políticas sociais e de instituições que implementem organizações igualitárias.
Nesse sentido, é evidenciado o risco dessas instituições de não
conseguirem identificar a amplitude existente das relações sociais e de
produção que ocorrem para além de seus espaços, por estarem atuando em
espaço restrito, o que limita ou impede o acesso às pessoas com deficiência
sobre o que é produzido social e coletivamente pelo homem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A década de 1990, como claramente evidenciado nesse artigo, foi um
marco, um verdadeiro divisor de águas para a educação e, consequentemente,
para a educação especial. Reformas foram realizadas no ensino
profissionalizante, a educação especial entra em evidencia no cenário nacional
com as escolas especiais ampliando, significativamente seus atendimentos e o
Estado minimizando sua participação, sob a acusação de não ter competência
para gerenciar as atividades nesse âmbito. Essas situações, vêem-se pautadas
sob um discurso de inclusão social, o qual tem como prioridade o combate às
desigualdades sociais.
Por meio desse complexo contexto, tentamos evidenciar que, por trás
desse discurso falacioso de inclusão, há uma ideologia neoliberal na qual o
Banco Mundial, FMI, UNESCO, CEPAL, dentre outros, sustentam a
contradição de combater a exclusão social via mobilização humanitária numa
sociedade movida por injustiças e alimentada pela exclusão social.
Destarte, demonstramos a conivência do Poder Público para com os
interesses das Agências Multilaterais, no que tange à implementação de
políticas para a reestruturação do ensino profissionalizante. Com a
intencionalidade de eximir o Estado da responsabilidade de proporcionar
cursos profissionalizantes, de forma exclusiva, faz, em alguns casos, parcerias
com a iniciativa privada, ou repassa integralmente para este setor tal
incumbência (DEL PINO, 2000).
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Apresenta-se assim, a face do Estado máximo para o mercado e para a
reestruturação do Capital.
Nessa perspectiva neoliberal, o terceiro setor,
[...] tende a ganhar impulso por conta da disseminação de um consenso que busca situar o segmento numa posição de destaque. Os interlocutores que se dedicam à defesa do terceiro setor o fazem conforme uma série de fundamentações que certamente conduzem para a legitimação, conformação e atuação desse modelo (ROMERO, 2006, P. 129).
À maneira de Romero (2004, p. 109), concluímos que “[...] o ideário da
inclusão educacional, longe de significar a amenização das desigualdades
sociais, expressa uma prática social que confere legitimidade ao sistema de
reestruturação capitalista para manutenção da ordem classista”.
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