View
126
Download
35
Category
Preview:
Citation preview
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC
CURSO DE DIREITO
ANTONIO CARLOS FERREIRA
A ESCOLA POSITIVA NO BRASIL: A INFLUÊNCIA DA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”, DE CESARE LOMBROSO, NO
PENSAMENTO PENAL E CRIMINOLÓGICO BRASILEIRO ENTRE 1900 E 1940
CRICIÚMA, JULHO DE 2010.
1
ANTONIO CARLOS FERREIRA
A ESCOLA POSITIVA NO BRASIL: A INFLUÊNCIA DA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”, DE CESARE LOMBROSO, NO
PENSAMENTO PENAL E CRIMINOLÓGICO BRASILEIRO ENTRE 1900 E 1940
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau superior no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.
Orientadora: Prof. MSc. Mônica Ovinski de Camargo Cortina
CRICIÚMA, JULHO DE 2010.
2
ANTONIO CARLOS FERREIRA
A ESCOLA POSITIVA NO BRASIL: A INFLUÊNCIA DA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”, DE CESARE LOMBROSO, NO PENSAMENTO PENAL E
CRIMINOLÓGICO BRASILEIRO ENTRE 1900 E 1940
Trabalho Monográfico aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do grau superior no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Criminologia.
Criciúma, 08 de Julho de 2010.
BANCA EXAMINADORA
Profª. MSc. Mônica Ovinski de Camargo Cortina – UNESC – Orientadora
Prof. Paulo Henrique Burg Conti – Mestre – UNESC
Prof. Alfredo Engelmann Filho – Especialista – UNESC
3
Dedico este trabalho à minha família e à minha namorada, pelos inúmeros sacrifícios realizados para que este trabalho se tornasse realidade e pelos quais serei eternamente grato.
4
É constante, desde o surgimento da criminologia, o repetitivo clamor contra um aumento da criminalidade e pela necessidade de uma reação contra este fenômeno. Podemos considerar que o tão estudado e propalado problema da criminalidade, de seu aumento inexorável, é uma invenção antiga do discurso criminológico, no sentido de produzir um dispositivo que isola e descarta de seu contexto político a oposição à lei, à ordem capitalista, ao sistema de propriedade, etc. (RAUTER, 2003, p. 69)
5
RESUMO
Com o avanço da ciência nesse último século, principalmente no que tange ao funcionamento do cérebro humano e as recentes descobertas sobre a informação genética, vislumbra-se a possibilidade de que, a médio prazo, seja possível determinar as principais características dos indivíduos, entre estas, sua potencialidade delitiva. Dessa forma, é de suma importância o estudo da única experiência legislativa e doutrinária nacional, criada à partir dos postulados Positivistas Antropológicos, que supostamente possibilitariam a identificação de indivíduos com potencial delitivo. Deste modo, este trabalho tem como objetivo identificar os principais institutos penais e criminológicos brasileiros que sofreram influência do Positivismo Antropológico entre 1900 e 1940, com base na obra “O homem delinquente”, de Cesare Lombroso, a qual data de 1876. Tal estudo foi realizado através do método dedutivo teórico, por meio de pesquisa bibliográfica e estudo legislativo. Os resultados alcançados pela pesquisa apontam para a forte influência do pensamento de Cesare Lombroso não apenas no pensamento criminológico brasileiro, como também no Código Penal brasileiro de 1940, em institutos como a individualização da pena e a medida de segurança.
Palavras-Chave: Cesare Lombroso. Positivismo Antropológico. O Homem Delinquente. Criminologia. Código Penal de 1940.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................082 ESCOLA POSITIVA: CONTEXTO HISTÓRICO, PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PRINCIPAIS PENSADORES......................................................................................102.1 Contexto Histórico..............................................................................................102.2 Ascensão do Pensamento Positivista e Rompimento com a Escola Clássica.....................................................................................................................................142.3 Principais Pensadores Positivistas...................................................................222.3.1 Cesare Lombroso.............................................................................................232.3.2 Enrico Ferri.......................................................................................................252.3.3 Raffaele Garofalo..............................................................................................263 A VIDA E OBRA DE CESARE LOMBROSO – PRINCIPAIS CONCEITOS DESENVOLVIDOS NA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”...................................283.1 Vida e Obra de Cesare Lombroso.....................................................................293.2 Desenvolvimento das Idéias de Lombroso......................................................333.3 Principais Conceitos Desenvolvidos na Obra “O Homem Delinquente”, de Cesare Lombroso......................................................................................................384 CONTEXTO HISTÓRICO E BASES TEÓRICAS DA CRIMINOLOGIA E DO DIREITO PENAL BRASILEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX: INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO POSITIVISTA DE CESARE LOMBROSO NA PRODUÇÃO TEÓRICA E LEGISLATIVA BRASILEIRA DA ÉPOCA..............................................504.1 O Brasil do Início do Século XX.........................................................................504.2 O Pensamento Positivista Lombrosiano na Criminologia e no Direito Penal Brasileiro no Início do Século XX............................................................................554.3 O Pensamento Positivista Lombrosiano no Código Penal Brasileiro de 1940: A Personalidade do Criminoso, a Periculosidade e a Aplicação da Pena Indeterminada............................................................................................................604.3.1 Personalidade do Delinquente........................................................................614.3.2 A Periculosidade..............................................................................................654.3.3 Pena Indeterminada.........................................................................................705 CONCLUSÃO..........................................................................................................776 REFERÊNCIAS........................................................................................................80
7
1 INTRODUÇÃO
A escolha pelo tema deve-se ao fato de que em tempos onde há um
propalado aumento da criminalidade e a opinião pública preconiza o
“endurecimento” das leis, torna-se mister explorar o passado em busca de exemplos
que comprovem que a justiça não se faz por meio de medidas exclusivamente
penais que visem apenas o isolamento e a aniquilação de pessoas que são
classificadas como indesejáveis, visto que tal iniciativa pode transformar-se em um
instrumento de discriminação e neutralização de caráter político.
O período entre 1850 e 1950, mundialmente, caracterizou-se como um
momento turbulento e repleto de guerras e revoltas sociais. A crise econômica e
política que varreu os continentes, somada à miserabilidade proporcionada pelo
capitalismo em maturação, criou um ambiente caótico, que levou os Estados ao
limiar de suas capacidades. Neste lapso temporal de 100 anos, o mundo presenciou
o início de duas guerras mundiais, incontáveis golpes de estado, o enfraquecimento
do liberalismo estatal, a emergência do estado do bem estar social, o fortalecimento
do capitalismo e do socialismo, o progresso científico, entre outros acontecimentos.
No cerne de um período tão conturbado, as mudanças sociais ganharam
uma dinâmica mais acelerada. Estas ocorreram em várias frentes e não se
restringiram geograficamente. As idéias e teorias surgidas na Europa eram
rapidamente divulgadas em outros lugares do globo. Em especial as descobertas
científicas.
Assim, quando Césare Lombroso publicou seus primeiros artigos
científicos, afirmando ser possível identificar o potencial delitivo de indivíduos
através de suas características físicas, de pronto estudiosos brasileiros
demonstraram interesse, uma vez que a criminalidade era uma das grandes
preocupações da época, tal como é hoje.
O pensamento lombrosiano, tendo em vista o panorama mundial da crise,
encontrou no Brasil do início do século XX, um lugar tão propício para sua
divulgação e aplicação quanto à Itália do final do século XIX.
Assim sendo, o objetivo geral desta monografia é identificar qual o
impacto legislativo e doutrinário que os conceitos teóricos de Césare Lombroso, em
especial os elaborados na obra “O Homem Delinquente”, exerceram sobre as
8
concepções brasileiras do Direito Penal e da Criminologia nas primeiras décadas do
século XX.
Para cumprir com o objetivo proposto, a pesquisa se dividirá em três
capítulos. No primeiro capítulo estudar-se-á a origem e produção teórica da Escola
Positiva e o contexto histórico em que esta se originou. Far-se-á ainda, uma breve
síntese acerca dos principais colaboradores daquele movimento teórico, quais
sejam: Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Raffaele Garofalo.
No segundo capítulo analisar-se-á a vida e obra de Cesare Lombroso,
bem como os mais importantes postulados de sua obra principal: “O Homem
Delinquente”.
Por fim, ao terceiro capítulo, estudar-se-á o Brasil do início do século XX,
onde apresentar-se-á um panorama social, político e econômico do período entre
1900 e 1940, necessário para a compreensão do pensamento criminalista da época.
Em seguida, analisar-se-á a produção doutrinária penalista brasileira e identificar-se-
á, no Código Penal de 1940, a existência de institutos penais que sejam derivados
do pensamento Positivista Antropológico, de Cesare Lombroso.
O método empregado será o dedutivo, em pesquisa do tipo qualitativa,
teórica, com emprego de material bibliográfico e documental-legal.
Assim, o estudo do referido tema é de suma importância, pois possibilita
uma melhor compreensão acerca dos institutos utilizados no direito penal atual e nos
postulados teóricos da criminologia, evitando a simples reprodução por parte dos
operadores do direito de conceitos e teorias que já se mostraram inadequados e
promovendo um profundo entendimento, que possibilite o avanço das ciências
criminais.
9
2 ESCOLA POSITIVA: CONTEXTO HISTÓRICO, PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PRINCIPAIS PENSADORES
A Escola Positiva foi um importante marco intelectual, que colocou o
indivíduo criminoso no centro dos estudos e pesquisas relacionadas à prática
delitiva. Entretanto, além de um movimento teórico, a referida corrente consagrou-
se também como um retrato dos anseios e preocupações da sociedade e dos
estados europeus do final do século XIX.
Desta forma, para um completo entendimento acerca da postura adotada
por seus teóricos, bem como dos postulados elaborados pela Escola Positiva,
imprescindível compreender o contexto histórico em que esta foi desenvolvida, uma
vez que os fundamentos do positivismo penal foram consequência direta do
momento social, político e econômico vivenciado na Europa do período.
Com este capítulo analisar-se-á o surgimento da Escola Positiva na
Europa, através do estudo do contexto histórico em que ocorreu, qual seja, a
segunda metade do século XIX, com especial ênfase à Itália, considerada o berço
do movimento teórico em questão. Ainda, identificar-se-á os postulados formulados
pelo positivismo penal, bem como os principais estudiosos, responsáveis pela
elaboração e divulgação do referido movimento teórico.
2.1 Contexto Histórico
Embora as origens da Escola Positiva remetam à segunda metade do
século XIX, é necessário retroceder um pouco no tempo, com o intuito de traçar um
panorama apurado, que permitirá um melhor entendimento acerca do momento
social, político, econômico e cultural encontrado na Europa da época.
No início do século XVIII, uma nova ordem social foi estabelecida, onde
os burgueses, graças a proeminência do capitalismo, passaram a ocupar um local
de destaque no ditame dos rumos da civilização. Neste novo modo de vida, o
acúmulo de riquezas e o consumo foram abertamente estimulados e a propriedade
adquiriu uma nova face, transformando-se em sinônimo de poder e status social
10
(AQUINO, 1996, p. 207-210).
Neré traça o cenário da época:
De 1871 a 1914, a Europa, sobretudo a Europa ocidental, em pleno desenvolvimento, exerce no mundo uma influência preponderante. Suas frotas dominam os mares, suas indústrias e seus bancos controlam os mercados, seus progressos técnicos e científicos contribuem para o seu poder e lhe asseguram o brilho. (1991, p.206).
Ainda sob influência dos ideais liberais, que preconizavam a não
intervenção do Estado na economia, ocorreu uma busca incessante pelo capital e
por meios de fomentar o mercado, levando a Europa da segunda metade do século
XIX à uma ânsia expansionista poucas vezes vislumbrada na história. Os países do
velho continente se digladiavam em busca de recursos e vantagens que permitissem
um crescimento sólido e confiável (AQUINO, 1996, p. 207-208).
Neste bojo de novidades, algumas nações restaram relegadas ao
segundo plano, tais como Alemanha e Itália, que acabaram prejudicadas na
expansão de seus domínios devido ao atraso de suas unificações. Tais países
mostraram-se insatisfeitos pela condição periférica a qual foram submetidos, o que
gerou forte instabilidade política entre todos os estados europeus (AQUINO, 1996, p.
211).
Enquanto a riqueza encontrava-se monopolizada pelas grandes
corporações que surgiram, grande parte da população conhecia as mazelas da
pobreza, uma vez que a mão de obra abundante reduziu drasticamente o salário
pago aos trabalhadores. Tornou-se visível a real extensão dos efeitos deste novo
meio de produção. Como consequência da miserabilidade, não havia demanda
suficiente para a grande produção industrial, o que ocasionou uma profunda crise
econômica e social, que teve início em 1873 e seguiu até o final do século XIX
(AQUINO, 1996, p. 211-215).
Frente às condições sub-humanas as quais a população européia era
submetida, a ocorrência de uma profunda crise econômica, bem como a eclosão de
diversos levantes sociais, ocorreu um aumento na criminalidade. Tal fato gerou
preocupação não apenas entre a população, mas também entre os Estados, uma
vez que seus efeitos se estenderam para a economia e política, dificultando a
governabilidade, de forma que as ciências sociais foram mobilizadas na tentativa de
encontrar uma solução para o problema (BITENCOURT, 2000, p. 52-53).
11
A Itália, desgastada pelo longo e tortuoso processo de unificação, também
enfrentou a crise econômica e social européia. Importante salientar que o estado
italiano acabou sofrendo um impacto de maiores proporções, pois sua unificação
ocorreu de forma tardia se comparado aos outros países europeus. Tal fato
ocasionou sérias deficiências na expansão necessária ao fomento de seu mercado e
à prosperidade do capitalismo, agravando os efeitos da crise (NERÉ, 1991, p. 311-
314).
A recém conquistada unificação, gerou forte instabilidade política interna,
uma vez que conflitos políticos ainda eram comuns entre os diversos territórios,
antes independentes, e que agora compunham um único país. Os graves problemas
econômicos e políticos exerceram reflexos imediatos sobre a população italiana. Da
mesma forma que no restante do continente, os problemas sociais se agravaram e
as condições de miserabilidade atingiram níveis alarmantes. No entanto, estes
fatores foram exponenciados pelas dificuldades derivadas da unificação tardia do
país, o que aumentou a criminalidade de forma bem mais severa do que no restante
da Europa (NERÉ, 1991, p. 314-318).
As condições extremas encontradas na Itália da segunda metade do
século XIX, favoreceram a produção científica, uma vez que fez com que se
buscasse alternativas urgentes para a resolução das inúmeras dificuldades
enfrentadas pelo país.
Apesar da crise, a segunda metade do século XIX foi uma época de
grande desenvolvimento científico. A Europa encontrava-se estupefata ao tomar
conhecimento da teoria evolucionista de Charles Darwin, que explanava em sua
obra “A Origem das Espécies”, o longo processo de seleção natural e a influência
exercida pelos caracteres hereditários sobre o indivíduo. Tais postulados minaram a
concepção clássica sobre o livre arbítrio humano, isento de influências externas
(GOMES, 2007, p.95).
Em todos os campos do conhecimento técnico-científico ocorreram
enormes avanços, estimulados principalmente, pelos investimentos industriais.
Inicialmente, o fomento científico ocorreu unicamente em áreas técnicas, que
visavam o aprimoramento da capacidade produtiva. Entretanto, logo os
investimentos e pesquisas abrangeram diversas áreas do conhecimento,
ocasionando significativo progresso científica (NERÉ, 1991, p. 206-208).
Todavia, apesar do desenvolvimento científico alcançado, as ciências
12
jurídicas encontravam-se em crise. A industrialização e o crescente número de
miseráveis, revelou uma estrutura penal frágil e incapaz de solucionar o problema da
criminalidade apenas através de métodos dedutivos e abstratos (GOMES, 2007,
p.94).
Ainda sobre o assunto, complementa Ferri (1933 apud GOMES, 2007, p.
95):
Estes princípios e critérios gerais da justiça penal no século XIX, cimento das aplicações práticas, deram resultados desastrosos, a saber: aumento contínuo da criminalidade e da reincidência, associações de delinquência habitual e profissional nos centro urbanos ou nos latifúndios isolados, aumento progressivo da delinquência dos menores e das mulheres, prisões com frequência mais cômodos que as casas do pobres e honrados, agravamento financeiro dos contribuintes, defesa ineficaz frente aos criminoso mais perigosos e perda de muitos condenados menos perigosos, que poderiam ter sido reutilizados como cidadão aptos para a vida honrada do trabalho.
Deste modo, observa-se que o enrijecimento penal é apresentado como
solução para o aumento da criminalidade desde o século XIX. No entanto, apesar
das diversas tentativas realizadas de aumentar a punição aplicada aos crimes, sua
eficácia é contestável, tendo em vista que nunca houve comprovação da existência
da relação entre a diminuição da criminalidade e o enrijecimento penal.
Influenciadas principalmente pela descobertas proporcionadas pelo
tecnicismo e experimentalismo, bem como por novos enunciados científicos, tal qual
a teoria da seleção natural, as ciências sociais adotaram métodos empíricos e
científicos para o estabelecimento de seus enunciados. Era a influência do
movimento denominado Positivismo Científico, como ensina Luíz Fávio Gomes: “[...]
o positivismo (do último terço do século XIX) afastou da atividade científica tudo o
que não é experimentável, tudo o que fica fora do campo da observação [...]” (2007,
p.80).
Assim, frente ao processo de profundo avanço cultural e científico
ocorrida na Europa, o direito penal também apresenta novas teorias e assume um
novo papel social:
É inequívoco que o processo de modernização do direito penal somente teve início com o Iluminismo, a partir das contribuições de Bentham (Inglaterra), Montesquieu e Voltaire (França), Hommel e Feuerbach (Alemanha), Beccaria, Filangieri e Pagano (Itália). Houve preocupação com a racionalização na aplicação das penas, combatendo-se o reinante arbítrio judiciário. A inspiração contratualista voltava-se ao banimento do terrorismo
13
punitivo, uma vez que cada cidadão teria renunciado a uma porção de liberdade para delegar ao Estado a tarefa de punir, nos limites da necessária defesa social. A pena ganha um contorno de utilidade, destinada a prevenir delitos e não simplesmente castigar (NUCCI, 2008, p. 60-61).
Deste modo, o delicado momento político e econômico enfrentado pelo
continente europeu suscitou o discurso sobre a necessidade de criação de medidas
urgentes para o incremento do controle social penal. A resposta acabou surgindo por
meio da ciência, que despontava como detentora universal das soluções, propondo
a resolução dos problemas através do conhecimento. Este novo modelo de
entendimento da realidade se estendeu para todos os ramos do saber, influenciando
decisivamente o pensamento jurídico e penalista da época.
2.2 Ascensão do Pensamento Positivista e Rompimento com a Escola Clássica
Ao observar os pensadores de cada época, verifica-se a utilização de
abordagens diferentes à situações similares enfrentadas pela humanidade no
decorrer da história. Em geral, é possível noticiar um contínuo processo de
aprimoramento do pensamento humano, motivado por uma incessante busca por
soluções que proporcionem melhores condições de vida para seus pares.
A série de eventos ocorridos na Europa do século XIX, desencadeou a
busca por meios alternativos na elaboração e aplicação das ciências jurídicas, em
especial, do direito penal, conforme ensina Luiz Régis Prado: “O século XIX marca o
surgimento de inúmeras correntes de pensamento estruturadas de forma
sistemática, conforme determinados princípios fundamentais. São as escolas penais
[...]” (2008, p. 79).
Dentre estas, duas merecem destaque especial: a escola clássica e a
escola positiva. Ambas travaram um intenso embate doutrinário e teórico durante o
século XIX e apresentaram, cada uma ao seu modo, alternativas para o problema
penal enfrentado pela Europa da época.
Em um continente onde os ideais iluministas e liberais dominavam o
pensamento científico e filosófico, reduzindo o poder intervencionista do Estado, a
Escola Clássica surgiu como forma de combater e desestimular o absolutismo
14
estatal através do direito penal. Neste sentido explica Luíz Flávio Gomes: “A escola
clássica nasceu como reação ao absolutismo do Estado” (2007, p.91).
Vera Regina Pereira de Andrade traça um panorama do surgimento da
escola clássica:
A Escola Clássica se originou no marco histórico do Iluminismo e de uma transformação estrutural da sociedade e do Estado, inserindo-se, em seus momentos fundacionais, na transição da ordem feudal e o Estado absolutista (o “Antigo regime”) para a ordem capitalista e o Estado de Direito liberal na Europa, e se desenvolveu ao longo do processo de consolidação dessa nova ordem (1997, p. 45-46).
Deste modo, embora seja possível observar pontos em comum entre as
obras deste período, há divergências quanto aos autores que fariam ou não parte da
denominada Escola Clássica. Isso ocorre porque os critérios de identificação desta
não são claros e específicos.
Em sua maioria, os autores englobados neste período publicaram suas
obras por volta do fim do século XVIII até a metade do século XIX e adotavam as
teorias penais retribucionistas, onde a pena teria apenas caráter castigador. Embora
esta seja uma visão extremamente simplista da real função do direito penal, é
inegável que exerceu um papel importante no direito penal, em especial, na
definição do princípio da proporcionalidade da pena, uma vez que defendia que a
punição fosse proporcional ao dano causado (GOMES, 2007, p.91).
Inicialmente, a Escola Positiva definiu quem pertencia à Escola Clássica,
ao identificar os autores que, embora não possuíssem idéias similares ou
estudassem a mesma área jurídica, compartilhavam do método dedutivo, abstrato e
racionalista e partiam do pressuposto da existência do livre arbítrio, onde o indivíduo
apenas agia de acordo com sua consciência, sem interferências externas (GOMES,
2007, p.90).
De qualquer modo, há algumas características marcantes nos
fundamentos teóricos desta escola, todavia, em uma profunda análise das obras do
período, chega-se à conclusão de que a Escola Clássica partiu de apenas dois
pressupostos fundamentais, que originaram todos os outros postulados. O primeiro
seria o caráter transcendental do Direito, onde as normas base para todo o
ordenamento jurídico emanariam da lei natural e por isso seriam imutáveis e válidas
independente do tempo ou lugar. O segundo pressuposto estaria ligado ao livre
15
arbítrio dos indivíduos, que exerceriam suas escolhas com base unicamente em
suas consciências, sem intervenções externas (GOMES, 2007, p.92).
No entanto, além destes postulados fundamentais, também verifica-se a
existência de inúmeros conceitos originados do caráter transcendental do Direito e
do livre arbítrio do indivíduo. Luiz Régis Prado apresenta alguns deles:
Os postulados basilares dessa escola são: a) o Direito tem uma natureza transcendente, segue a ordem imutável da Lei natural: O direito é congênito ao homem, porque foi dado por Deus à humanidade desde o primeiro momento de sua criação, para que ela pudesse cumprir seus deveres na vida terrena. O direito é a liberdade. Portanto, a ciência criminal é o supremo código da liberdade, que tem por objeto subtrair o homem da tirania de si mesmo e de sua próprias paixões. O Direito Penal tem sua gênese e fundamento na lei eterna da harmonia universal; b) o delito é um ente jurídico, já que constitui a violação de um direito. É dizer: o delito é definido como infração. Nada mais é que a relação de contradição entre o fato humano e a lei; c) a responsabilidade penal é lastreada na imputabilidade moral e no livre arbítrio humano; d) a pena é vista como meio de tutela jurídica e como retribuição da culpa moral comprovada pelo crime. O fim primeiro da pena é o restabelecimento da ordem externa na sociedade, alterada pelo delito. Em consequência, a sanção penal deve ser aflitiva, exemplar, pública, certa, proporcional ao crime, célere e justa; e) o método utilizado é o dedutivo ou lógico-abstrato; f) o delinquente é, em regra, um homem normal que se sente livre para optar entre o bem e o mal, e preferiu o último; g) os objetos do estudo do Direito Penal são o delito, a pena e o processo (2008, p. 79-80).
Apesar das controvérsias acerca desta escola, alguns autores foram
consagrados como símbolos do movimento clássico, exercendo grande influência na
sua fundamentação e divulgação. Entre estes, pode-se citar o Marquês de Beccaria,
que abordou no conjunto de sua obra a necessidade de mudanças na lei penal, a
qual deveria ser completa ao antecipar condutas, tipificando todas as práticas
delitivas possíveis e suas respectivas penas, em uma forma primitiva de reserva
legal e na tentativa de evitar lacunas e dúvidas em relação à lei. Este autor ainda
defendeu mudanças na aplicação do direito penal, destacando a importância de um
modelo de justiça imparcial e humana, imputando penas correspondentes ao ato
delitivo praticado e com caráter eminentemente retributivo. Esta postura influenciou
diretamente a mentalidade penalista da época, se apresentando como fator
determinante na reforma penal do século XVIII, que instituiu o fim dos suplícios,
consolidando a Escola Clássica (FARIAS JÚNIOR, 2001, p. 26-27).
Além de Beccaria, houveram diversos outros pensadores espalhados pela
Europa, que também são considerados pertencentes à Escola Clássica, entre eles
Pellegrino Rossi, Carmignani, Enrico Pessina, Emanuel Kant e Francesco Carrara
16
(FARIAS JÚNIOR, 2001, p. 27).
O pensamento clássico foi um dos principais responsáveis pelo
surgimento e popularização da Ciência Penal, uma vez que exerceu forte influência
no uso do penalismo para a defesa do indivíduo em face do absolutismo estatal
através da humanização e proporcionalização da norma penal, limitando a atuação
do Estado e proporcionando as bases para a expansão do pensamento liberal
(GOMES, 2007, p.94).
Apesar da importância histórica devida à Escola Clássica, na segunda
metade do século XIX esta encontrava-se em crise, pois embora o modelo
apresentado pelos clássicos demonstrasse aparente perfeição teórica, o continente
europeu encontrava-se em um momento conturbado, com a eclosão de inúmeros
distúrbios sociais. O pensamento clássico foi criticado por apresentar fragilidade
prática, tendo em vista que vislumbrava na justiça retributiva a solução para a prática
delitiva, ignorando o aspecto preventivo da lei penal (GOMES, 2007, p.90).
Esta forte crítica contribuiu para o início do declínio do movimento
clássico, pois alegava-se a existência de uma séria lacuna nos modelos da Escola:
Embora preconizasse o livre arbítrio e a responsabilidade moral dos indivíduos,
tornou o delito o seu principal objeto de estudo, ignorando a figura do delinquente no
processo, afastando-se da realidade e consequentemente de resultados práticos
(COSTA, 1980, p.192).
Alessandro Baratta apresenta algumas considerações sobre o
pensamento clássico acerca do delito:
Como comportamento, o delito surgia da livre vontade do indivíduo, não de causas patológicas, e por isso, do ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral pelas próprias ações, o delinquente não era diferente, segundo a Escola Clássica do indivíduo normal. Em consequência, o direito penal e a pena eram considerados pela Escola Clássica não tanto como meio para intervir sobre o sujeito delinquente, modificando-o, mas sobretudo como instrumento legal para defender a sociedade do crime, criando, onde fosse necessário, um dissuasivo, ou seja, uma contra motivação em face do crime (1997, p.31).
Assim, o enfraquecimento do movimento clássico cumulado com o
momento histórico e científico encontrado na Europa durante a segunda metade do
século XIX, forneceu os pilares teóricos necessários para o surgimento e
fortalecimento da Escola Positiva frente ao pensamento clássico. Enquanto isso, a
divulgação das idéias evolucionistas de Charles Darwin, amparadas pela teoria da
17
seleção natural, afastou a idéia do livre-arbítrio tão propagada pelos autores
clássicos, uma vez que o a conduta de um indivíduo estaria propensa a sua carga
hereditária. Neste momento iniciou-se a transição entre a Escola Clássica e a
Positiva.
Importante salientar que na segunda metade do século XIX, o Estado
absoluto e opressor já não mais existia, fora substituído pelo Estado
Intervencionista. O principal objetivo dos teóricos penais não era mais a defesa do
indivíduo em face da opressão do Estado, e sim o combate à criminalidade
crescente. O criminoso voltou a ser objeto de atenção dos penalistas e buscou-se
novos métodos para a solução dos problemas jurídicos e sociais emergentes
(COSTA JÚNIOR, 2003, p. 15-16).
Deste modo, diante do frenesi científico instaurado na Europa da época,
os próprios Estados se viram forçados a consultar especialistas com o intuito de
resolver questões burocráticas através do meio científico. Não tardou para que o
cientificismo da época influenciasse decisões políticas e servisse como justificativa
para atos de poder com objetivos escusos (ANITUA, 2008, p. 297).
Tendo em vista a combinação destes fatores, na segunda metade do
século XIX surgiu a Escola Positiva Italiana, precursora do positivismo criminológico,
como reação ao pensamento Clássico (GOMES, 2007, p.97).
Sobre os fatores que influenciaram o fortalecimento da Escola Positiva,
discorre Vera Regina Pereira de Andrade:
Inserida no horizonte histórico de transformações nas funções do Estado que apontavam para o intervencionismo na ordem econômica e social, sob a égide de novas ideologias políticas de cunho social ou socialista; de crise do programa clássico no combate à criminalidade; de predomínio de uma concepção positivista de Ciência e declínio do jusnaturalismo ao lado do evolucionismo de Darwin e a obra de Spencer, a Escola Positiva partirá de pressupostos muito característicos que, distanciando-se daqueles que condicionaram a Escola Clássica, explicam, também, o fulcro das críticas a ela dirigidas (1997, p. 60-61).
Ainda sobre o assunto, Luíz Régis Prado nos apresenta as teorias que
influenciaram a Escola Positiva:
Com o despontar da filosofia positivista e o florescimento dos estudos biológicos e sociológicos, nasce a escola positiva. Essa escola, produto do naturalismo, sofreu influência das doutrinas evolucionistas (Darwin, Lamarck); materialista (Buchner, Haeckel e Molenschott); sociológica (Comte, Spencer, Ardig, Wundt); frenológica (Gall); fisionômica (Lavater) e
18
ainda dos estudos de Villari e Cattaneo (2008. p. 80).
A escola positiva originalmente surgiu no momento em que o foco dos
estudos penais se voltou para o criminoso e a motivação que o levaria a delinquir. A
tentativa de entender a motivação delitiva humana é realizada desde tempos
remotos e gerou teorias e especulações dos mais diversos povos, que tentavam
encontrar uma causa para a prática criminosa (BRANCO, 1975, p. 39).
Com relação à mudança de foco, ensina Gabriel Ignácio Anitua:
As novas justificativas teriam como objeto de estudo não mais a sociedade nem o Estado nem as leis e nem como eles afetavam os indivíduos, mas sim o comportamento singular e desviado que, além do mais, devia ter uma base patológica no próprio indivíduo que o adotava (2008, p. 297).
No entanto, apesar da incessante busca pela motivação do criminoso,
apenas os avanços científicos do século XVIII e XIX é que possibilitaram a
observação empírica e a tentativa de constatar as reais motivações que levariam o
indivíduo a delinquir. Tal possibilidade, cumulada com o momento histórico turbulento
em que a Europa se encontrava, elevou o interesse sobre o assunto, com a
promessa positivista da “cura” para a prática delitiva. Inicialmente, as teorias eram
absurdas, como a fisiognomonia, que afirmava que a semelhança na fisionomia de
indivíduos com animais perigosos, seriam um indicativo da tendência delitiva
daqueles. Posteriormente, as teorias foram abrandadas, o que fez com a Escola
Positiva se tornasse popular, aumentando o seu prestígio (BRANCO, 1975, p. 40).
Os responsáveis pela nova direção dada às teorias, foram considerados
os fundadores da Escola Positiva, conforme ensina Arno Dal Ri Júnior: “Fundada por
Cesare Lombroso e continuada através dos escritos de Enrico Ferri e Raffaele
Garofalo, a escola Positiva propôs-se como uma alternativa à Escola Clássica, no
final do século XIX.” (2006, p. 214).
A Escola Positiva defendia que a ciência penal precisava de um método
mais eficiente do que o dedutivo-lógico para tratar das questões pertinentes ao
crime. Era necessário a utilização das mais recentes descobertas científicas,
combinadas com a observação, análise e experimento sobre a realidade e só após
este processo poderia se estabelecer teorias (COSTA, 1980, p. 224).
O identificador comum que une os autores desta escola é o método
utilizado para a realização das pesquisas: o científico. Para os positivistas, este seria
19
o único meio confiável, que permitiria a obtenção de resultados seguros e precisos,
que levariam os positivistas a compreensão da realidade, permitindo o
estabelecimento das leis que regeriam os fenômenos sociais (GOMES, 2007, p.99-
100).
Acima de tudo, os positivistas buscavam a defesa da sociedade contra o
criminoso, conforme explica Gabriel Ignácio Anitua:
De acordo com essa nova disciplina, haveria um suporte científico para adequar as penas às necessidades sociais de defesa, mas também às características de cada delinqüente, algo que não poderia ser sustentado com os princípios liberais do Iluminismo. As penas deveriam ajustar-se ao grau de periculosidade social de cada indivíduo e isso seria transferido para a idéia de “tratamento”, que permitiria um maior controle das condições internas de prisões e manicômios (2008, p. 299).
Deste modo, a Escola Positiva estabeleceu um marco intelectual
importante nos estudos humanos, ao buscar a constatação da realidade através da
experimentação científica, conforme complementa Anitua: “A idéia de ciência como
centro do naturalismo positivista [...] daria lugar ao pressuposto básico da
anormalidade individual do autor do comportamento delinqüencial como explicação
universal da criminologia.” (2008, p. 297).
Assim, surgiu uma nova etapa nos estudos sobre o delito, pautada pelo
cientificismo e empirismo, onde a dedução abriu espaço para a observação e
constatação. Neste sentido afirma Molina:
A etapa científica, em sentido estrito [...] começa no final do século passado com o positivismo criminológico, isto é, com a Scuola Positiva italiana que foi encabeçada por Lombroso, Garófalo e Ferri. Surge como crítica e alternativa à denominada Criminologia Clássica, dando do lugar a uma polêmica doutrinária conhecidíssima, que é, em última análise, uma polêmica sobre métodos e paradigmas, do Científico (o método abstrato e dedutivo dos clássicos, baseado no silogismo), frente ao método empírico-indutivo dos positivistas (baseado na observação dos fatos, dos dados) (2008, p. 145).
O positivismo afirmou que o indivíduo não seria livre, uma vez que estaria
submetido a forças que não controla, derivadas de sua mente. No caso do
criminoso, por se encontrar em um grau menos desenvolvido na escala de evolução,
estes impulsos seriam destrutivos, o que os levaria a prática delitiva (PRADO, 2008,
p.83).
Na prática, além de novos conceitos doutrinários, a teoria positiva criou
20
sistemas diferentes de punição e reordenou o modo como os direitos fundamentais
eram observados. Inúmeros mecanismos foram criados com o intuito de resumir o
ato delitivo a uma mera conseqüência de patologias individuais, de forma a afastar a
participação da sociedade no fomento das condições que levam o indivíduo a
delinquir, colocando a necessidade da defesa da ordem social acima dos direitos
individuais (MOLINA, 2008, p. 147).
Os postulados da Escola Positiva vão de encontro aos da Escola
Clássica. É veementemente refutada a questão do livre arbítrio do indivíduo. Assim,
com base nesta afirmação, torna-se possível questionar toda a produção teórica
clássica, conforme afirma Costa:
A escola positiva é determinista, vendo o crime como fenômeno social e a pena como instrumento de defesa societária e recuperação dos infratores. [...] Para os positivistas, o livre arbítrio é uma ilusão subjetiva desmentida, articulando os seguintes preceitos: a) os homens não são moralmente responsáveis pelas ações praticadas; b) todos os homens, que mentalmente são doentes mentais, ou perturbadores de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, são legalmente responsáveis por suas condutas, ainda que por variantes diferentes; c) a responsabilidade penal tem base na responsabilidade social, e a defesa social é feita conforme o grau de sensibilidade ou de inaptidão à vida social; d) o crime é o produto do atuar biopsicossocial (1980, p. 224).
Além disso, a defesa social é colocada acima dos direitos do indivíduo, de
forma que seria mantida através do Direito Penal, por meio do estudo do crime, do
delinquente, da pena e do processo, com a utilização do método empírico. Assim, a
pena não teria caráter eminentemente retributivo, mas também preventivo (PRADO,
2008. p. 82).
Por fim, quanto às principais contribuições da escola positiva, ensina Luíz
Régis Prado:
Convém observar que a escola positiva teve enorme repercussão, podendo-se indicar algumas de suas contribuições: a) a descoberta de novos fatos e a realização de experiências, ampliando o conteúdo do Direito; b) o nascimento de uma nova ciência causal-explicativa: a criminologia; c) a preocupação com o delinquente e com a vítima; d) uma melhor individualização das penas (legal, judicial e executiva); e) o conceito de periculosidade; f) o desenvolvimento de institutos, como a medida de segurança, a suspensão condicional da pena, o livramento condicional e o tratamento tutelar ou assistencial do menor (2008. p. 82).
Deste modo, embora possam ser apontadas diferenças entre o
pensamento clássico e o positivista, diversos aspectos de suas teorias convergem
21
quanto à finalidade: encontrar maneiras de manter o controle social penal através do
estudo dos elementos envolvidos na prática delitiva. A divergência entre as Escolas
se restringiu muito mais quanto ao método utilizado e ao objeto de estudo do que
quanto ao objetivo perseguido em si.
Entretanto, mesmo entre os pensadores da Escola Positiva existiam
variações no que tange aos postulados teóricos e métodos utilizados em suas
pesquisas, conforme verificar-se-á no próximo item.
2.3 Principais Pensadores Positivistas
Lombroso, Garofalo e Ferri foram os três principais representantes da
Escola Positiva, sendo que cada autor enveredou por um meio diferente na busca
pelas causas da prática delitiva. Observa-se no pensamento positivista a forte
presença do empirismo e o uso da ciência para a resolução dos problemas da
época. Através da observação e da análise científica, os positivistas buscaram o
estabelecimento de leis que regulariam o comportamento criminoso. Tal descoberta
permitiria, com base em uma constatação da ocorrência de elementos da realidade,
projetar situações futuras.
Luíz Régis Prado apresenta as três grandes fases da Escola Positiva:
A orientação positivista – de caráter unitário e cosmopolita – apresenta três grandes fases, tendo cada qual um aspecto predominante e um expoente máximo. São elas: a) fase antropológica: Cesare Lombroso (L´uomo Delinquente, 1876); b) fase sociológica: Enrico Ferri (Sociologia Criminale, 1892); e c) fase jurídica: Raffaele Garofalo (Criminologia, 1885). (2008, p. 80).
Frisa-se que a Escola Positiva, além de estabelecer um novo sistema
teórico, também criou uma ciência autônoma, responsável por analisar o crime e o
criminoso, que foi denominada por Garofalo como Criminologia. Foi à partir dos
estudos antropológicos de Lombroso, sociais de Ferri e jurídicos de Garofalo, que
este novo campo ganhou notoriedade e passou a equivaler-se, em seu conteúdo
teórico, ao direito penal (BRANCO, 1980, p. 61).
As primeiras tentativas em explicar cientificamente as causas do delito,
22
analisavam unicamente o autor, sem levar em consideração o contexto em que este
existia, aproximando a culpabilidade do atavismo (CONDE, 2008, p. 31).
Inicialmente, o positivismo penal propunha que a delinquência seria
inerente ao indivíduo e poderia ser identificada pela ocorrência das características
físicas descritas por Lombroso. Logo, tal teoria foi desenvolvida e aprimorada pelos
demais pensadores positivistas, entre estes Ferri e Garofalo, o que garantiu
credibilidade e verossimilhança às teorias da Escola e à Criminologia. Assim, com o
fortalecimento desta, não correspondia mais ao Direito Penal, de forma exclusiva, a
criação de meios que defendessem a sociedade dos criminosos (CONDE, 2008, p.
31).
Dito isso, a escola positiva teve origem a partir do conjunto da obra de
Lombroso, Ferri e Garofalo, que desenvolveram os principais conceitos da
criminologia moderna e estabeleceram o criminoso como o elemento principal no
estudo penal e criminológico.
2.3.1 Cesare Lombroso
Cesare Lombroso nasceu em 06 de novembro de 1834 na cidade italiana
de Verona. Durante sua vida, exerceu as profissões de professor, médico psiquiatra,
antropólogo e político. É considerado o fundador da Escola Positiva e elaborou a
idéia mais marcante deste movimento. Sua principal teoria fora formulada com base
na antropologia e estabelecia a relação entre características físicas e mentais com a
pré-disposição delitiva. Para o autor, alguns indivíduos não seriam completamente
desenvolvidos, e tal situação seria identificável através de algumas características
físicas. Embora posteriormente as teorias de Lombroso tenham sido contestadas e
desacreditadas cientificamente, seu principal legado foi a necessidade de se estudar
a origem do criminoso (DAL RI JÚNIOR, 2006, p. 214).
Ao analisar a produção teórica de Lombroso, verifica-se que este
estabeleceu através da observação de características físicas humanas, uma série de
“estigmas”, que se repetiam em pessoas que haviam cometido delitos. A presença
destas particularidades anatômicas seria um indício da existência de um grupo de
indivíduos que não haviam evoluído por completo, sendo que tal condição, seria a
23
responsável por sua delinqüência (MOLINA, 2008, p. 148-149).
Este indivíduo parcialmente evoluído, foi denominado por Lombroso como
homem atávico ou criminoso nato. Seu desenvolvimento incompleto, se daria por um
atraso com relação ao restante da espécie, o que explicaria seu comportamento
agressivo e sua tendência destrutiva, com forte tendência à pratica delitiva. A
possibilidade de prévia identificação do indivíduo criminoso, gerou interesse popular
pela produção teórica deste autor e fomentou o estudo da antropologia, psiquiatria e
criminologia da época (BRANCO, 1975, p.41).
Os estudos de Lombroso, também atacavam o livre-arbítrio, tão defendido
pela Escola Clássica, ao afirmar que a motivação humana é direcionada por forças
inatas, conforme explica Luíz Régis Prado:
[...] deve-se o ensinamento de que o homem não é livre, mas sim determinado por forças inatas (Le crétinisme en Lombardie, 1859), a aplicação do método experimental no estudo da criminalidade e a teoria do criminoso nato, segundo a qual o delinquente é um primata ressuscitado por um fenômeno de atavismo. Após descobrir entre criminoso submetidos a exame clínico um grande número de portadores de certas anomalias – anatômicas, fisiológicas e psicológicas - , que os tornam inaptos à vida social – estes foram denominados criminosos natos (expressão de Ferri) (2008. p. 80-81).
Lombroso é tido como o primeiro representante da Escola Positiva, ao
alegar, de forma pioneira, que as características naturais do ser humano, seriam a
principal força motriz da prática criminosa, subjugando o livre-arbítrio. Dessa forma,
o indivíduo estaria submetido a impulsos inatos, que influenciariam seu
comportamento e determinariam se este teria uma tendência à pratica delitiva.
Com as críticas recebidas acerca de sua principal teoria, Cesare
Lombroso ampliou o rol de características que direcionariam um indivíduo à prática
delitiva e possibilitariam sua identificação. Em uma clara referência à obra de Ferri e
Garofalo, terminou por incluir os aspectos sociais e climáticos em que o agente se
encontrava, como elementos que influenciaram ou não o determinismo criminal. No
entanto, o extenso número de indícios que possibilitariam a identificação do
criminoso nato, apesar de aumentar a eficiência da teoria, reduziu a credibilidade da
produção científica de Lombroso.
24
2.3.2 Enrico Ferri
Personagem importante da Escola Positiva, Enrico Ferri, enfatizou outro
aspecto na formação do criminoso, que contribuiria tanto quanto o antropológico: o
sociológico. Desta forma, o delinquente estaria direcionado à pratica criminosa
também pelo meio social em que vive. Embora não discordasse da teoria
lombrosiana, Ferri considerava-a incompleta, uma vez que afirmava que o indivíduo
criminoso não poderia ser analisado fora do ambiente em que se encontrava e que
este também exerceria influência na pré-disposição delitiva. No entanto, da mesma
forma que Lombroso, Ferri defendia a inexistência do livre-arbítrio, entendendo que
o ser humano possuía apenas independência aparente (BRANCO, 1975, p. 41-42).
Arnaldo Dal Ri Júnior apresenta este personagem histórico:
Nascido em San Benedetto Po em 1856, foi penalista e político. Foi deputado a partir de 1886 pelo partido radical, depois pelo socialista, no qual exerceu a liderança da corrente integralista. Dirigiu, de 1900 à 1905, o jornal “L´Avanti”. Foi autor de numerosas obras de direito e de processo penal, assim como estava entre os primeiros a desenvolver a sociologia jurídica criminal. Importante, mesmo não podendo ser aplicado, foi o projeto que propôs em 1921, de substituição do sistema penal italiano por um sistema de sociologia criminal baseado não somente em medidas de defesa social (Prevenção). Aderiu ao fascismo poucos anos antes de morrer, em 1929, em Roma (2006, p. 214).
Ainda sobre o assunto, Vitorino Prata Castelo Branco revela mais detalhes sobre o Ferri:
O berço da criminologia científica foi a Itália, e o maior propugnador da sua difusão foi Enrico Ferri, o famoso autor da Sociologia Criminal (1900), que tanta repercussão causou no mundo. Professor de Direito Penal e de Processo Criminal na Universidade de Roma, foi ele o primeiro diretor da “Scuola di Applicazione Giuridico Criminale”, instalada em 18 de fevereiro de 1912, na Faculdade de Direito daquela Universidade, com a presença do ministro da Justiça, do 1º Ministro, do Presidente do Senado, dos presidentes dos tribunais romanos, do chefe do Ministério Público, do reitor e decanos das diferentes faculdades, dos maiores advogados e de muitos convidados. Seu discurso, calorosamente aplaudido, especialmente quando disse que estava colhendo, naquele momento, os frutos de trinta anos de sementes plantadas [...] (1980, p. 61-62).
25
Em sua obra, Ferri afirmava que pelo fato do indivíduo não poder conter
seu ímpeto delitivo, este não deveria ser punido. Ao invés disso, deveria ser apenas
afastado do convívio social e mantido em presídios, através de medida de
segurança. Da mesma forma, defendia a instituição de um código de defesa social
com o intuito de substituir o código penal (BRANCO, 1975, p. 42).
A pena teria como objetivo proteger a sociedade do criminoso e seria
aplicada em caráter preventivo e repressivo. Da mesma forma, a cominação da pena
deveria ser realizada de forma diferente entre criminosos ocasionais e habituais, de
forma a desestimular a prática delitiva (COSTA, 1980, p. 225-226).
Quanto ao delito, Ferri elaborou uma análise minuciosa acerca de sua
estrutura, conforme explica Costa:
Os pressupostos do delito são reduzidos por Ferri a três classes fundamentais: a) fatores antropológicos; b) fatores físicos; e c) fatores sociais. Os primeiros são inerentes a pessoa do delinquente e catalogam inicialmente a constituição orgânica, o segundos logo se situam na constituição psíquica (anomalia da inteligência ou dos sentimentos) e os últimos nas características pessoais (v.g. Raça, idade, sexo, condição biológico-social: estados civil, profissão, domicílio, classe social, instrução e educação) (1980, p. 222).
Ferri complementou a teoria de Lombroso sobre o criminoso nato,
ampliando os elementos que influenciariam a predisposição delitiva. Entre estes,
ressaltou o aspecto sociológico, onde afirmava que o meio social no qual o indivíduo
se desenvolve exerceria uma grande influência sobre o comportamento do mesmo.
Os postulados de Enrico Ferri foram depois utilizados pelo próprio Lombroso, no
desenvolvimento de suas pesquisas e em sua produção teórica, inclusive para a
identificação do comportamento e das características da figura do delinquente nato.
2.3.3 Raffaele Garofalo
Raffaele Garofalo foi um professor, magistrado e senador italiano, nascido
em Nápoles, que também exerceu papel fundamental na Escola Positiva e no
fortalecimento da Criminologia. Por sua condição de jurista, sua obras possuíam
amplo conteúdo jurídico. Através da antropologia, da sociologia criminal, e das
ciências jurídicas, Garofalo estabeleceu os fundamento básicos para a Criminologia
26
moderna (DAL RI JÚNIOR, 2006, p. 218).
No conjunto de sua obra, analisou a figura do homem atávico pela ótica
jurídica, discorrendo sobre os desdobramentos legais que a situação ocasionava.
Para o autor, a prática delitiva deveria ser mensurada através da análise da
gravidade do ato, cominada com a periculosidade do agente (BRANCO, 1975, p. 42-
43).
Arno Dal Ri Júnior sintetiza o conteúdo teórico de Garofalo:
Refém do evolucionismo, a obra de Garófalo parece ignorar as complexidades familiares, sociais e econômicas. A questão econômica, em particular, possuía uma influência, tanto que o mal-estar a esta conexo apresenta-se na sua obra como banalmente atribuído à desproporção entre desejos e meios para os satisfazer. Trata-se de uma perspectiva bizarra, sobretudo se considerado o momento histórico, caracterizado por graves problemas sociais ligados ao crescimento desordenado da indústria italiana, em que o autor a escreveu. Por esta razão, pode-se afirmar que a originalidade do magistrado italiano manifestou-se sobretudo na tentativa de descrever “personalidades delinqüentes”, estranhas a qualquer vibração afetiva, que – tendo sido identificadas já na literatura do século XVI – aparecem constantemente na literatura médica dos séculos XIX e XX, fazendo com que se fale, ainda hoje, de personalidades psicopatas, de distúrbios de personalidade e de sociopatas. (2006, p. 219)
Ainda sobre Garofalo, Luiz Régis Prado explana acerca de sua influência
na Escola Positiva:
[...] Garofalo opera a sistematização jurídica da escola, estabelecendo a periculosidade como base da responsabilidade; a prevenção especial como fim da pena; a noção de delito-obstáculo, de caráter preventivo (2008, p. 81-82).
Da mesma forma que os demais pensadores positivistas, Garofalo
afirmou que o direito apresenta-se como uma ferramenta na defesa da sociedade
quanto ao indivíduo delinquente. Ao transgredir as normas de convivência, este
deveria ser privado do vínculo com a sociedade, uma vez que sua existência
ameaçaria todo o equilíbrio social estabelecido. No entanto, ao demonstrar a
intenção de reparar o dano causado, deveria-se restabelecer o vínculo e oportunizar
ao agente delitivo a oportunidade de retornar ao convívio social de forma monitorada
(COSTA, 1980, p. 219-220).
Em análise à trajetória do estudo penal e criminológico, verificar-se-á que
o surgimento e ascensão da Escola Positiva foram fomentadas por uma série de
fatores sociais, políticos, econômicos e culturais, que levaram o Estado à busca de
27
um marco teórico que legitimasse seu caráter intervencionista, visando aprimorar os
instrumentos de controle social e penal, bem como manter a ordem política vigente.
O continente europeu encontrava-se em uma profunda crise ao final do
século XIX. Os modelos penal e prisional mostraram-se inadequados e ineficientes
para a contenção da crescente criminalidade do período. Assim, na ânsia por
soluções, a Escola Positiva surgiu com um discurso reacionário, que propunha
mudanças na postura estatal e doutrinária. Entre os pensadores deste novo
movimento, frisa-se a participação de Cesare Lombroso, que elaborou a polêmica
teoria do Criminoso Nato e influenciou todo o pensamento científico posterior.
3 A VIDA E OBRA DE CESARE LOMBROSO – PRINCIPAIS CONCEITOS DESENVOLVIDOS NA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”
Cesare Lombroso foi um personagem histórico que figura como tradução
de sua época, onde o pensamento mecanicista e científico superou o filosófico e
racionalista, que anteriormente imperava. Assim, na Europa da segunda metade do
século XIX, as pessoas esperavam com expectativa as teses e teorias científicas
fomentadas pela efervescência cultural da ocasião, que buscavam uma explicação
para os monumentais eventos do Universo, bem como para os acontecimentos
diários mais triviais. Com isso, na mesma frequência em que novas teses e teorias
eram formuladas e publicadas, estas eram desacreditadas e esquecidas.
Neste momento de extrema produtividade cultural, Lombroso intrigou a
comunidade científica ao afirmar que havia encontrado as causas para a
delinquência, bem como os caracteres que a identificariam, de forma que o crime,
um dos maiores problemas da história da humanidade, poderia enfim ser
solucionado.
Para comprovar suas alegações, Cesare Lombroso apresentou uma série
de estudos realizados através da observação de indivíduos encarcerados, doentes
mentais e soldados. Os resultados de suas pesquisas revelaram que os criminosos
possuiriam características que permitiriam identificar seu potencial delitivo, de forma
que, podia-se concluir pela existência de um indivíduo cuja tendência ao crime seria
inata. Posteriormente este indivíduo foi denominado por Enrico Ferri como
28
Delinquente Nato.
Neste contexto, o objetivo deste capítulo é estudar a vida e obra de
Cesare Lombroso, bem como alguns postulados da obra “O Homem Delinquente”
que posteriormente foram adotados pelo Direito Penal e pela Criminologia Brasileira,
no início do século XIX.
3.1 Vida e Obra de Cesare Lombroso
Para plena compreensão acerca de sua produção teórica, é necessário
um breve apanhado acerca da história de vida de Cesare Lombroso, o que permitirá
um maior entendimento acerca de seu interesse pela conduta criminosa e pela
identificação do delinquente nato.
Lombroso nasceu em Verona, Itália, em 06 de novembro de 1835. Aos
completar dezoito anos ingressou na Universidade de Pavia, matriculando-se no
curso de medicina. Em 1858, aos vinte e três anos, foi laureado médico, iniciando
em seguida o exercício da profissão na área da psiquiatria (ROQUE, 2010, p. 9).
Logo após o início de suas atividades como psiquiatra, Lombroso passou
a prestar assistência médica em penitenciárias da região de Turim. Seu grande
talento para a medicina, bem como seu interesse pelo comportamento humano,
renderam-lhe uma nomeação como médico militar. Assim, durante o período em que
atuou nas diversas instituições militares, realizou inúmeras observações acerca dos
soldados que atendia, de forma que, posteriormente utilizou as características
destes como parâmetro para o que considerava “homens normais”. Em 1865, aos
trinta anos, assumiu a cátedra da Faculdade de Medicina de Turim, função esta que
exerceu até o fim de sua vida, em 19 de outubro de 1909 (ANITUA, 2008, p. 303).
Após sua passagem como médico militar, Lombroso dedicou-se a
psiquiatria por diversos anos, até ser nomeado diretor do manicômio da cidade de
Pesaro, na Itália. Tal fato proporcionou uma aproximação com a questão dos
doentes mentais, de forma que esta ligação entre este e seus pacientes originou
uma série de estudos e trabalhos científicos. A experiência nesta área foi importante
na produção de trabalhos que relacionavam a demência com a delinquência
(ROQUE, 2010, p. 9).
29
Em 1867, o médico italiano esboçou algumas idéias sobre a motivação do
criminoso em seu artigo intitulado Diagnosi Médico-Legali Studiate Co Metodo
Experimentale (COSTA, 1980, p. 200).
Após uma reflexão sobre as observações e experiências realizadas, uma
análise aprofundada acerca de seus artigos inicias publicados e sua experiência
como diretor do Manicômio da Cidade de Pesaro, redigiu seu primeiro trabalho
voltado a doença mental, o livro “Gênio e Loucura”, de 1870 (ROQUE, 2010, p. 9).
Em 1871 escreveu a obra “O homem Branco e O Homem de Cor”, onde
ao estudar características destes indivíduos afirmava que os negros e os habitantes
do sul da Itália seriam inferiores aos demais, em uma postura claramente
preconceituosa. Entretanto, tendo em vista a repercussão negativa do livro,
Lombroso passou a adotar uma abordagem mais branda em suas publicações,
tornando-as mais palatáveis e menos ofensivas. De fato, a própria origem do autor o
obrigou a desenvolver uma postura menos agressiva, uma vez que possuía
descendência judaica e conhecia os perigos do anti-semitismo e do preconceito em
geral (ANITUA, 2008, p. 304-305).
Em 1872 elaborou um estudo sobre o crânio e as circunvoluções
cerebrais do criminoso, do homem branco e do homem de cor e de 1873 a 1875
realizou a publicação de inúmeros artigos científicos no periódico italiano Rendiconti
de L´Institut des Sciences et des Lettres de Lombardie. Os últimos artigos
publicados neste serviriam de base para a obra “O Homem Delinquente”, de 1876
(COSTA, 1980, p. 193).
Álvaro Mayrink de Costa ainda cita outras publicações do mestre italiano:
Lombroso com Diagnosi Médico-Legali Studiate Col Metodo Experimentale (1867) dá à luz idéias originais sobre a explicação dos fenômenos da criminalidade. Foi, porém, a 1º de janeiro de 1870, após uma autópsia, que encontrei a fosseta occipital média, no crânio do delinquente do nome Vilella e prosseguindo suas investigações, publicou o Tratado Antropológico Experimentale del l´Uomo Delinquente (1874), no qual retratava a pesquisa efetuada em 832 delinquentes. É na segunda edição de “L´Uomo Delinquente Rapporto al´Antropologia, ala Jurisprudência e alle Discipline Carcerarie”, que são ventilados os fenômenos e causas da criminalidade. Procurava mostrar as contradições na administração da justiça, tentando separar o delinquente do delito, como se este fosse um incidente na vida daquele. Sustentava a possibilidade da existência de certa predisposição natural para o crime, em certos tipos de indivíduos, e procurava ligar as tendências de certos delinquentes à primeira infância. A noção de degeneração foi introduzida por Lombroso na explicação do delito, concluindo que a degeneração é uma parada no desenvolvimento e que a tendência criminosa é um fenômeno atávico (1980, p. 200-201).
30
Na década seguinte, em 1880, Cesare Lombroso e Enrico Ferri fundaram
o Archivio de Psichiatria e Antropologia Criminale na Itália, com o intuito de
consolidar a escola positiva frente a escola penal dominante, a néo-clássica de
Carrara, de forma que refutariam diversos preceitos deste movimento, tais como a
imutabilidade do direito no tempo, a aplicação da pena proporcional ao delito e a
justiça retributiva. O pensamento de Lombroso ganhou notoriedade com o aumento
da criminalidade na Europa e o descontentamento popular frente a impotência do
poder estatal em conter o aliciamento dos jovens ao crime (COSTA, 1980, p. 194).
Suas idéias também originaram o Museu Psiquiátrico de Direito Penal, em
Turim. As inúmeras publicações de Lombroso e a aceitação de suas teses,
ocasionaram, em conjunto com as obras de Enrico Ferri e Raffaele Garofalo, a
criação da Escola Positiva de Direito Penal, baseada em uma interpretação
inspirada no positivismo de Augusto Comte e fundamentada em observações e
investigações científicas. Dentro da escola positiva, o pensamento lombrosiano
localiza-se no movimento denominado positivismo evolucionista ou antropológico e
contou com grande influência do trabalho de Charles Darwin (ROQUE, 2010, p. 6-7).
Ainda sobre o tema, Gabriel Ignácio Anitua complementa:
A nova disciplina científica conseguiu, desse modo, concentrar-se no estudo clínico do homem delinquente, que já nascera assim e cujos comportamento deveriam ser evitados. Boa parte dos cientistas europeus envolveu-se nessa tarefa, reunido em congressos de antropologia criminal. O primeiro ocorreu em Roma, em 1885, e o último em Colônia, em 1912. Não foi por acaso que esse tipo de congresso tenha acabado junto com o começo da Primeira Guerra Mundial e com o término da vida de Lombroso, cuja fama lhe havia granjeado, também, uma grande quantidade de críticas ao seu monocausalismo. Para respondê-las, em seu importante livro póstumo O delito, suas causas e seus remédios, de 1911, ele ampliou essas causa reduzidas a um princípio, o atavismo, e enumerou-as em devidas ao clima, à geologia, à raça, à civilização e à imprensa, à densidade de população e à imigração, à subsistência, ao alcoolismo e a outras drogas, à falta de educação, à condição econômica, à religião, à orfandade, à herança, à idade, ao sexo, ou à imitação. Ele apressou-se em fornecer explicações sobre o delito associativo e o delito político (2008, p. 305-306).
O conjunto da obra de Cesare Lombroso é vasto e abrange diversos
livros, artigos e publicações científicas. Entre suas principais obras publicadas se
destacam: “Gênio e Loucura”, de 1870; “O Homem Branco e o Homem de Cor”, de
1871, “O Homem Delinquente”, de 1876; “O Delito”, de 1891; “O Anti semitismo e as
Ciências Modernas”, de 1891; “A Mulher Delinquente, a Prostituta e a Mulher
Normal”, de 1893; “As Mais Recentes Descobertas e Aplicações da Psiquiatria e
31
Antropologia Criminal”, de 1893; “Os Anarquistas”, de 1894 e por fim, “O Crime,
Causas e Remédios”, de 1894 (ROQUE, 2010, p. 10).
Além dos colaboradores habituais, no decorrer de sua vida também
contou com o auxílio de suas filhas Gina Lombroso Ferrero e Paola Lombroso
Carrara. A primeira foi biógrafa de seu pai e responsável pela divulgação inicial de
suas idéias, tendo participação direta em muitas obras de Cesare Lombroso. Já
Paola Lombroso seguiu o caminho da pedagogia e psicologia infantil, tornando-se
uma notória profissional, com evidente influência de seu pai. Dos cinco filhos do
autor, apenas estas alcançaram a fama no meio científico (ROQUE, 2010, p. 9).
Do mesmo modo, os genros do médico também se mostraram grandes
colaboradores de sua produção teórica. Tanto Guilhermo Ferrero, historiador e
grande divulgador da teoria lombrosiana, casado com Gina Lombroso Ferrero,
quanto Mário Carrara, notável criminalista e defensor do pensamento de Lombroso e
casado com sua outra filha, Paola, tiveram grande importância na divulgação da
produção científica do mestre italiano (ROQUE, 2010, p. 9).
Entretanto, mesmo com a importante contribuição de Lombroso e sua
família na Antropologia e nas Ciências Criminais, figurando como destacados
autores científicos na Itália, estes se viram obrigados a fugir do país e refugiar-se na
Suíça, por serem de origem israelita e sofrerem perseguição pelo regime fascista de
Benito Mussolini (ROQUE, 2010, p. 9).
O pensamento do autor transcendeu sua época, exercendo enorme
influência na produção científica posterior à sua divulgação. Em toda a literatura
especializada lançada à partir do século XIX, observa-se menções à teoria
lombrosiana, sejam críticas, ressalvas ou complementos. De certa forma, Cesare
Lombroso também se utilizou de tais obras para corrigir as incongruências de sua
teoria, permitindo a ampliação de suas hipóteses iniciais e a aproximação do
delinquente ao doente mental (ANITUA, 2008, p. 305).
Por mais que a tese central da teoria lombrosiana tenha sido duramente
criticada, o delinquente nato, em sua definição, fomentou a discussão sobre o poder
penal e permitiu a evolução do pensamento jurídico, elevando a antropologia
criminal e a criminologia em si, ao status de ciências (ANITUA, 2008, p. 298-299).
Na trajetória pessoal de Cesare Lombroso transparece o desenvolvimento
de suas idéias. Assim, a sua produção científica acompanhou o exercício da
psiquiatria e o contato que este teve com os mais diversos pacientes no decorrer de
32
sua carreira, que invariavelmente, se tornavam objeto de estudo. Tal fato evidencia,
apesar das lacunas teóricas de suas teorias, sua incessante busca pela
determinação e identificação do potencial delitivo dos indivíduos.
3.2 Desenvolvimento das Idéias de Lombroso
Uma breve análise da obra do médico italiano, deixa claro o
aperfeiçoamento de suas idéias, que partiram da simples observação das
similaridades entre os criminosos e os doentes mentais e foram sendo aprimoradas
até a elaboração da complexa teoria do delinquente nato. Entretanto, para melhor
compreensão da essência da obra “O Homem Delinquente”, e por consequência dos
principais conceitos trabalhados nesta, é imprescindível o estudo das influências e
motivações que levaram Lombroso a escrever e publicar o referido livro. O primeiro
ponto a ser explanado é o da Frenologia.
A Frenologia surgiu durante o século XIX e foi uma teoria elaborada por
Francisco José Gall, médico alemão naturalizado francês, que afirmava ser possível
identificar qualidades e defeitos de um indivíduo, ou seja, sua personalidade, através
da análise de suas características cranianas. Na ocasião de seu surgimento, a teoria
obteve grande sucesso e aceitação entre a comunidade científica européia,
entretanto, com a realização de mais pesquisas, concluiu-se a falta de fundamento
fático e científico da frenologia, desacreditando-a. Cesare Lombroso, entretanto, foi
um dos teóricos que não abandonou os estudos frenológicos, de forma que iniciou o
desenvolvimento de sua teoria sobre o atavismo através da análise de crânios e a
relação das características destes com a ocorrência de determinadas condutas
humanas, entre estas a delinquência. Todavia, ele restringiu sua pesquisa para a
mente delinquente, na procura de elementos que levariam tais indivíduos a prática
delitiva, ou que indicassem uma pré disposição para tal (BRANCO, 1975, p. 40-41).
Esta postura pode ser observada posteriormente em sua obra “O Homem
Delinquente:
Desta pervertida afetividade, deste ódio excessivo e sem causa, desta falta ou insuficiência de freios, desta tendência hereditária múltipla deriva a irresistibilidade dos atos dos dementes morais. [...] Não podem dirigir à sua vontade os impulsos do ciúme, da sensualidade, sem poder resistir a eles. São ingratos, impacientes, vaidosos, desde seus atos mais maldosos
33
(LOMBROSO, 2010, p. 217).
A frenologia e a existência de características físicas que indicassem
potencial delitivo demonstraram fundamento, aos olhos de Lombroso, na realização
de uma autópsia em um famoso criminoso italiano chamado Vilela. Durante o
procedimento, o médico italiano pensou ter encontrado a fosseta média da crista
occipital, elemento este, presente em algumas raças primitivas e animais. Tal
descoberta lhe permitiu lançar as bases para a teoria do Delinquente Nato, que
afirmava existir indivíduos atrasados evolutivamente, que teriam características
físicas e psicológicas em comum com os selvagens. Este fato explicaria a crueldade,
violência e agressividade de alguns indivíduos, o que indicaria consequentemente, a
tendência para a prática delitiva (BRANCO, 1980, p. 80-81).
Tal tese foi posteriormente desenvolvida em diversas obras, inclusive em
seu livro mais marcante, “O Homem Delinquente”:
Fica então demonstrado que em uma certa cota de criminosos a raiz do crime remonta desde os primeiros anos do nascimento, intervenham ou não causas hereditárias, ou para dizer melhor, que se há alguns causados pela má educação, em muitos não influi nem mesmo a boa. A sua grande ação benéfica surge exatamente do fato de ser geral a tendência criminosa no menino, de modo que sem essa educação não se poderia explicar a normal metamorfose que acontece na maior parte dos casos. (LOMBROSO, 2010, p. 85).
Após a descoberta inicial, o autor iniciou suas observações com o exame
de milhares de criminosos, comparando sua composição física com a de homens,
que para o médico, seriam o parâmetro do indivíduo “normal”. Nesta primeira etapa
empírica, verificaria que cada criminoso possuía elementos físicos que
comprovariam sua tendência para a prática delitiva (COSTA, 1980, p. 194).
Em seguida, realizou minuciosas análises de crânios, cérebros e vísceras
dos criminosos, comparando-os novamente com seus parâmetros de normalidade.
Como resultado, obteve o reforço de suas conclusões anteriores, onde os agentes
delitivos também apresentariam anomalias internas que os difeririam dos indivíduos
não criminosos. Por fim, realizou estudos sobre a composição biológica e
psicológica do homem criminoso, observando a ocorrência de tatuagens, a
insensibilidade física, a crueldade e outras características que afastariam o homem
normal do delinquente (COSTA, 1980, p. 194).
Através destas pesquisas e seus resultados, Lombroso propôs
34
inicialmente o estudo da delinquência, suas causas e efeitos. Entretanto, o objeto de
sua pesquisa foi alterado para a figura do delinquente, onde este foi estudado em
três facetas principais: anatomia, fisiologia e psiquiatria. Antes de analisar os
primeiros resultados, Cesare acreditava que o delinquente não era diferente do
louco ou do insano moral (ANITUA, 2008, p. 303).
Neste sentido, eis uma de suas conclusões acerca do criminoso:
Em suma, a aberração do sentimento é a nota característica dos criminosos, como dos dementes, podendo uma grande inteligência coincidir com uma tendência criminosa e demente, mas nunca com íntegro sentimento afetivo. [...] Isto também fica de acordo com o fato de que certamente terá sensibilizado os meus leitores desde os primeiros capítulos: que as alterações da testa predominam mais do que as das faces, que a da cabeça e dos olhos sobre todas as outras. [...] As alterações faciais, especialmente as oculares, ao invés do sentimento, que tanto são frequentes e inseparáveis no verdadeiro criminoso-nato, e que têm, de outra parte, uma base orgânica. Tem certamente uma conexão com a sensibilidade obtusa e naquela reação, ora excessiva ora muito escassa. Conseguimos recolher provas experimentais disso (LOMBROSO, 2010, p. 58).
Apesar de não exercer função jurídica, o médico italiano era um profundo
conhecedor do universo penal de seu tempo, principalmente pelo contato com
indivíduos encarcerados e doentes mentais, de modo que foi um dos pioneiros na
promoção, desenvolvimento e metodização dos estudos criminológicos, permitindo o
fortalecimento desta disciplina. Sua principal contribuição para o estudo penal foi
determinar o criminoso como objeto de estudo (COSTA, 1980, p. 195).
Nos anos seguintes à autópsia de Villela e suas pesquisas com detentos
e doentes mentais, Lombroso publicou inúmeros artigos e realizou diversas
conferências na tentativa de demonstrar que o atraso evolutivo seria a chave para
compreender a delinquência. Assim, esta se daria de forma errática, devido a um
comportamento anormal em uma sociedade civilizada, que remontaria ao mundo
dos primatas ou aos hominídeos pré-históricos. Para o médico italiano, seguindo o
raciocínio de Darwin, o criminoso estaria um passo atrás na evolução da espécie.
Todas as conclusões obtidas com esse raciocínio foram reunidas no livro “O Homem
Delinquente” (ANITUA, 2008, p. 304).
Nesta obra, que data de 1876, Cesare Lombroso sustenta a existência do
criminoso nato, de forma que a causa do crime seria identificada na pessoa do
próprio agente delitivo (ANDRADE, 1997, p. 64).
35
Sua tese partiu do determinismo orgânico e psíquico que o atavismo
ocasionaria em alguns indivíduos. O autor realizou suas pesquisas através do
método empírico, traçando uma série de confrontações entre grupos de criminosos e
não criminosos, buscando suas diferenças e similaridades (ANDRADE, 1997, p. 64).
Álvaro Mayrink de Costa explana brevemente acerca da metodologia
utilizada na obtenção dos dados que fundamentaram a referida obra:
Sobre a capacidade craniana procurou estabelecer paralelos pelo volume do crânio entre os homicidas e os autores de lesões corporais, entre os ladrões medíocres, entre os incendiários e os violadores. Tal estudo teve a participação de Ferri e foi feito sobre 699 delinquentes, divididos entre incorrigíveis ou natos e delinquentes de ocasião e sobre 711 soldados e 321 loucos (1980, p. 202).
Deste modo, Cesare Lombroso buscou anomalias anatômicas,
fisiológicas e psíquicas, que comprovariam a sua tese acerca da existência do
indivíduo determinado à conduta delitiva (ANDRADE, 1997, p. 64-65).
O ponto principal da tese era o atavismo, apontado como a causa
principal para a presença das características físicas e comportamentais presentes
nos delinquentes. O atavismo dessa forma, seria o responsável pela tendência
criminosa e pela aproximação dos delinquentes aos selvagens (ANDRADE, 1997, p.
65).
Entretanto, ao receber críticas quanto a fundamentação de suas teorias,
Lombroso ampliou as causas da criminalidade, incluindo, além do atavismo, a
epilepsia e a loucura moral. A Criminologia, dessa forma, nasceu com as
publicações e teorias lombrosianas, inicialmente como um estudo antropológico que
pretendia, através de um método científico, causal e explicativo, definir o fenômeno
do indivíduo delinquente (ANDRADE, 1997, p. 65).
Na existência de um criminoso nato, a principal causa seria atávica. Para
Lombroso o atavismo teria origem no passado ancestral e na constituição
cromossômica do indivíduo. O primeiro trabalho científico que categoricamente
estabeleceu esta relação foi o de Cesare Lombroso, que através da teoria da
evolução das espécies, alegava a existência de indivíduos menos desenvolvidos na
escala evolutiva, com algumas características biológicas e psicológicas peculiares,
que o aproximariam dos selvagens e dos doentes mentais. Seguindo a orientação
de Lombroso, conclui-se que qualquer indivíduo portador de doença que altere seu
36
comportamento ou discernimento, tal como a epilepsia, seria um criminoso em
potencial (BRANCO, 1980, p. 107-108).
A teoria lombrosiana obteve sucesso pela repercussão gerada em torno
dos ditames morais e metafísicos vigentes, sendo responsável pelo abalo do
conceito de livre arbítrio, tão defendido pela doutrina religiosa e pela escola clássica
(ANITUA, 2008, p. 305).
Cesare Lombroso afirma:
Nas pessoas sãs é livre a vontade, como diz a metafísica, mas os atos são determinados por motivos que contrastam com o bem-estar social. Quando surgem, são mais ou menos freados por outros motivos, como o prazer do louvor, o temor da sanção, da infâmia, da Igreja, ou da hereditariedade, ou de prudentes hábitos impostos por uma ginástica mental continuada, motivo que não valem mais nos dementes morais ou nos delinquentes natos, que logo caem na reincidência (2010, p. 223).
Todavia, neste ponto reside a grande reação desfavorável à teoria
lombrosiana, pois se a tese do médico italiano despreza o livre arbítrio em favor do
determinismo orgânico, o criminoso não poderia ser responsabilizado por seu atos.
Ocorre que em nenhum momento Cesare Lombroso explicita essa posição,
afirmando apenas, que o delinquente deveria ser afastado do convívio social. Ainda,
embora não se manifeste a favor da pena de morte, alega que esta e a prisão
perpétua seriam as únicas soluções para proteger a sociedade da criminalidade
(ROQUE, 2010, p. 7-8).
Entretanto, apesar das intensas observações realizadas pelo autor, não
se pode comprovar a existência de um criminoso nato. A real definição para o
fenômeno que o autor estudou, seria criminoso por tendência ou criminoso em
potência, pois ainda que um determinado indivíduo possua todas os elementos que
o caracterizariam como Delinquente Nato, este seria inocente até praticar um delito.
Assim, por mais que uma pessoa tenha condições para se tornar um criminoso, o
condicionamento que esta recebeu no decorrer da sua vida, pode evitar que esta
exerça a sua tendência e pratique o crime (BRANCO, 1980, p. 109).
É importante salientar que as pesquisas de Lombroso foram realizadas há
mais de cento e cinquenta anos atrás, quando ainda não haviam sido inventados
exames genéticos, ou métodos científicos avançados que garantissem dados
seguros e precisos, de forma que o médico italiano baseou sua tese unicamente na
observação (ROQUE, 2010, p. 10).
37
As pesquisas de Lombroso se estenderam para além do criminoso,
englobando ainda a insanidade. Sobre o tema, estes foram os maiores estudos
realizados no mundo até então. Como consequência de suas idéias, debates eram
constantemente realizados e diversas sociedades de antropologia criminal foram
criadas para discutir suas teses (BRANCO, 1980, p. 81).
Após alcançar sucesso e aceitação absoluta na Europa, os adversários
de Cesare Lombroso se dedicaram a demonstrar as incongruências de sua teoria,
sendo a principal dela, a não confirmação da existência do criminoso nato.
Demonstraram isso através do exame da população de uma pequena cidade, onde
seriam encontrados diversos indivíduos com as características descritas por
Lombroso, vivendo pacificamente. Do mesmo modo, encontrava-se entre a
população carcerária, diversos indivíduos não descritos pelo autor (BRANCO, 1980,
p. 81).
Os constantes adendos à teoria do atavismo, bem como a posterior
inclusão de um vasto número de características que permitiriam a identificação do
criminoso nato, em resposta às críticas recebidas, fez com que o pensamento
lombrosiano caísse em descrédito. Verifica-se que em uma tentativa de convalidar
suas teses e hipóteses, Lombroso acabou por ampliar demais sua teoria, de forma
que, em suas publicações finais, qualquer indivíduo poderia ser considerado um
criminoso nato, pois apresentaria ao menos uma das características que, de acordo
com o autor, seriam indícios de tendência à prática delitiva. Assim, a generalização
pode ser apontada como o ponto fraco da produção teórica de Cesare Lombroso,
conforme se verifica em sua principal obra: “O Homem Delinquente”.
3.3 Principais Conceitos Desenvolvidos na Obra “O Homem Delinquente”, de Cesare Lombroso
A obra “O Homem Delinquente”, de 1876, é a obra mais marcante de
Cesare Lombroso. Não apenas pelo seu valor teórico, uma vez que foi
revolucionária no sentido de promover uma profunda análise sobre o
comportamento criminoso, mas também pelo fato de que possibilitou um vislumbre
acerca de qual seriam as consequências de se conseguir identificar pessoas com
38
tendência ao crime.
Assim, o que se iniciou com um breve estudo sobre o comportamento e
características de detentos, criminosos e deficientes mentais, acabou se tornando
uma das grandes obras da Criminologia e do Direito Penal, pois ainda hoje suscita
inúmeros dilemas éticos, morais e legais.
Ao estudar o delinquente de ocasião, o delinquente nato e o delinquente
moral, Lombroso determinou algumas características diferenciadoras entre estes,
tais como o crânio, fisionomia, ocorrência de tatuagens, reações vasculares,
agilidade, sexualidade, senso moral, afetividade, religiosidade, megalomania,
inteligência, astúcia, premeditação, espírito associativo e vaidade criminal. Cada um
destes traços, se manifestaria de maneira diferente nos referidos delinquentes,
entretanto, todas estas, de alguma forma, existiriam no interior dos estudados,
incorporando-se a estes (COSTA, 1980, p. 201).
Durante a obra, o autor coloca em xeque a responsabilidade moral e o
livre arbítrio dos indivíduos, imputando o determinismo como fator fundamental na
prática da conduta delitiva, de forma que a pena aplicada ao infrator deveria ter
unicamente a função de defesa social, promovendo a seleção natural e conservação
da espécie (COSTA, 1980, p. 199).
Ao início de seus estudos sobre o homem criminoso, Lombroso partiu de
quatro hipóteses principais: O delinquente seria nato; suas características seriam
idênticas aos do louco moral, de forma que ambos seriam iguais; apresentaria base
epiléptica, e por fim, teria uma série de anomalias, que possibilitariam sua
identificação. Com o passar do tempo e os dados obtidos nas pesquisas, as
hipóteses inicialmente propostas foram refinadas, de forma que o autor estabeleceu
o atavismo como a base principal de seus estudos (COSTA, 1980, p. 199).
As observações que serviram de base para os estudos antropológicos do
médico italiano, direcionariam à constatação do indivíduo com tendência criminosa.
Álvaro Mayrink de Costa apresenta as características de tal indivíduo:
Os estudos antropológicos levaram a escola ao reconhecimento da existência de um tipo humano irresistivelmente levado ao crime pela própria organização, de um criminoso nato, que em 1887, era assim descrito: a) Psiquicamente: Pequena capacidade craniana. Mandíbula pesada e desenvolvida. Grande capacidade orbitária. Índice orbitário análogo ao dos cretinos. Arcadas sobreciliares salientes. Crânio frequentemente anormal, assimétrico. Pouca ou nenhuma barba. Cabelos abundantes. Orelhas em forma de asa. Fisionomia ordinariamente feminina no homem e viril na mulher. Predominância do mancinismo na população do Crime. Pequena
39
força muscular nas mãos. Grande agilidade. b) Moralmente: Profunda depressão moral, manifestada, desde a infância, pela vileza, crueldade, inclinação para o roubo, vaidade excessiva, astúcia, mentira, aversão pelos hábitos de família, caráter impulsivo e relutância por toda a espécie de educação. O criminoso-nato é invejoso, vingativo, odeia por odiar; é indiferente às punições e sujeito a explosões de furor sem causa, as quais, por vezes, são periódicas. É preguiçoso, libertino, imprevidente, poltrão, versátil, jogador. Não é suscetível de remorsos e abandona-se muitas vezes com alegria às suas inclinações malévolas.c) Intelectualmente: O criminoso-nato quando sabe escrever, tem uma forma de letra característica, e adorna a assinatura de arabescos. A sua linguagem peculiar, muito espalhada e extremamente análoga nos diversos países, tem por caracteres diferenciais as abreviaturas, a designação de cada coisa por algum de seus atributos e, paralelamente, o uso frequente de arcaísmos (1980, p. 194-195).
No intuito de justificar suas teorias, Lombroso se utilizava da observação
no campo da medicina legal, onde tentava estabelecer a relação entre caracteres
físicos e fisiológicos dos indivíduos criminosos com a predisposição delitiva. A teoria
do atavismo, embora analisasse também o aspecto psicológico dos delinquentes,
trazia dados pseudo-científicos apenas com relação a características biológicas,
como o tamanho da mandíbula, a conformação do cérebro, estrutura óssea e
hereditariedade biológica. A relação existente entre tais caracteres e o delito, bem
como as caraterísticas psicológicas dos criminosos analisados, foi realizada de
forma puramente argumentativa, sem dados que comprovassem suas alegações
quanto a isto (ROQUE, 2010, p. 7).
Embora as circunstâncias sociais e educacionais exercessem influência
sobre a formação do indivíduo podendo direcioná-lo para o crime, para Lombroso, a
tendência atávica seria a principal responsável pelo delito. A delinquência, dessa
forma, seria uma doença e como tal deveria ser isolada até ser encontrado um
tratamento eficaz para a sua “cura” (ROQUE, 2010, p. 7).
Deste modo, antes mesmo do indivíduo delinquir, seria possível identificá-
lo e promover seu afastamento da sociedade. Assim, ao mesmo tempo em que o
atavismo seria a explicação para a delinquência, também possibilitaria a
identificação do criminoso através dos caracteres demonstrados pelo autor nesta
obra. Inicialmente, partiu-se apenas da “fissura occipital média” como sendo a
principal característica do delinquente, entretanto, logo se adotaria diversos outros
elementos que caracterizariam os delinquentes natos, permitindo sua localização
(ANITUA, 2008, p. 304).
Com “O Homem Delinquente”, o autor pretendia estudar a biologia e
40
psicologia do criminoso. Deste modo, abriu sua obra discorrendo acerca do
caractere mais evidente e que apresentaria maior importância psicológica do que
anatômica no delinquente: a tatuagem (LOMBROSO, 2010, p. 30).
A tatuagem no delinquente nato seria um indicativo de sua insensibilidade,
característica esta que o aproximaria de seus ancestrais selvagens e comprovaria o
atavismo. Além disto, Lombroso também reconheceu que a tatuagem poderia ser
motivada por fatores diversos, tais como a religião do indivíduo, homenagens para
suas paixões amorosas, espírito imitativo, ociosidade, participação de algum grupo
ou associação criminosa, ou ainda por simples vaidade (COSTA, 1980, p. 196).
Assim, através das diversas tatuagens encontradas durante as pesquisas
realizadas, Lombroso realizou uma classificação dos tipos de criminosos existentes,
com base nos caracteres apresentados (ROQUE, 2010, p. 7).
As obervações do autor acerca das tatuagens dos detentos, o levaram a
concluir que existem temas que sempre se repetem, que apresentariam cunho
criminal e indicariam ânimo violento, intenção vingativa, ou propósitos amorais,
deixando evidente a personalidade, desejos e anseios dos detentos (LOMBROSO,
2010, p. 31).
O conteúdo do desenho exposto na pele do delinquente, a região do
corpo onde esta foi praticada, e o número de tatuagens ostentadas possuem grande
importância antropológica, porque além de revelarem pontos importantes da
personalidade do criminoso, poderiam fornecer diversas informações sobre sua vida,
o que permitiria criar um perfil do agente delitivo. A partir disso, seriam descobertos
traços fundamentais de sua identidade, os lugares onde esteve, se faz parte de
alguma organização criminosa, se esteve encarcerado anteriormente, se já exerceu
alguma profissão antes de ser condenado, os crimes praticados, bem como a
vaidade instintiva presente no criminoso e sua insensibilidade a dor, que o
aproximaria de seus ancestrais selvagens (LOMBROSO, 2010, p. 31-36).
As tatuagens revelariam tanto sobre os criminosos, que muitos deles,
contrariando sua natureza e na tentativa de escapar das condenações e do cárcere,
evitariam as tatuagens, alterando as já existentes ou tentando removê-las
(LOMBROSO, 2010, p. 37).
Além das tatuagens, um outro elemento físico que seria essencial para a
determinação do caráter criminoso de um indivíduo, seriam os traumas que este
possui em seu corpo, tais como fraturas e cicatrizes. Tais características seriam
41
indícios de uma vida criminosa com diversos embates e lutas e não seriam
comumente encontradas em cidadãos honestos e pacíficos (LOMBROSO, 2010, p.
45).
Quanto a comunicação, os delinquentes possuiriam de certa forma um
dialeto próprio, repleto de gírias, jargões e palavras que apenas os criminosos
entenderiam. Não que a gíria seja excepcionalmente um indicativo de tendência
criminosa, mas, tal como as profissões possuem seus termos e expressões próprias,
o crime também possuiria o seu (COSTA, 1980, p. 196).
Uma das características marcantes nos jargões utilizados pelos
delinquentes seria o de designar um objeto pelo seus atributos, da mesma forma
como procederiam as línguas arcaicas e dialetos primitivos (LOMBROSO, 2010, p.
173).
Uma das principais funções do jargão para os delinquentes, seria a
necessidade de ocultar informações de pessoas não iniciadas no crime, dificultando
o andamento de investigações policiais (LOMBROSO, 2010, p. 176-177).
Entretanto, apesar desta função fundamental para o criminoso, existiria
uma explicação diversa para a utilização de linguagem tão diferente por parte dos
delinquentes, mesmo ao se referir a acontecimentos e situações triviais. Eles
conversariam e trocariam informações de forma diferente, porque pensariam e
sentiriam de forma diferente. São selvagens, fora de seu habitat e por isso
necessitariam de um dialeto próprio que os manteria a salvo de seus inimigos
(LOMBROSO, 2010, p. 181).
Quanto aos aspectos psicológicos do delinquente, seus sentimentos
sempre seriam norteados por um traço doentio, que se apresentaria de forma
excessiva e instável, variando do amor ao ódio em poucos segundos. Sua
instabilidade se refletiria na falta de jeito em lidar com as pessoas e em sua
alienação social (LOMBROSO, 2010, p. 113).
Assim, tendo em vista a ausência de interação social e a fragmentação do
grupo familiar, característicos dos delinquentes, estes se entregariam de forma
irresponsável e inconsequente a outras paixões. Entre estas, poderia-se citar o
orgulho e a vaidade, que possuiriam lugar de destaque na mente criminosa e que se
manifestariam na consideração excessiva pela própria pessoa, no egoísmo
exagerado e na percepção de que suas necessidades teriam mais importância que
as de outrem (LOMBROSO, 2010, p. 113).
42
Outra característica bem evidente no delinquente seria o orgulho que este
tem em delinquir, bem como das consequências que tal ato traz para o criminoso
(LOMBROSO, 2010, p. 114).
Deste modo, tendo em vista a vaidade exagerada nutrida pelos
delinquentes, natural que qualquer ofensa a sua pessoa, por menor que seja, viria
seguida de um sentimento de vingança desproporcional em face de quem causou a
ofensa. Tal sentimento ultrapassaria o limite da auto preservação e lançaria o
criminoso em um frenesi que só terminaria ao conseguir completar o ato de
vingança. Esta prática comum entre delinquentes, demonstraria o total desprezo
pelo sistema judiciário e aproximaria o criminoso dos antigos povos selvagens, que
resolviam qualquer problema através da violência (LOMBROSO, 2010, p. 115-116).
A insensibilidade, que se manifestaria fisicamente no delinquente através
da resistência a dor, também possui consequências psicológicas. Esta se
manifestaria na insensibilidade moral que anularia a capacidade de sentir empatia e
colocar-se no lugar da vítima, de forma que o sofrimento alheio não lhe causaria
nenhuma reação. Tomaria forma então, os instintos selvagens do homem primitivo,
onde a única coisa que importa seria a satisfação do desejo fugaz e inconsequente.
Assim, a crueldade demonstrada se tornaria um troféu para o criminoso, onde este
sentiria orgulhoso do seu ato de selvageria (LOMBROSO, 2010, p. 116-117).
O álcool e o jogo seriam outros prazeres aos quais os delinquentes se
entregam sem freios. O primeiro exerceria complexo efeito sobre o criminoso, uma
vez que, além de ser causa do crime, também seria seu efeito. Além disso, o bar
seria o principal ponto de encontro com outros delinquentes, onde estes aplicariam
os ganhos obtidos com o delito e, na companhia de seus cúmplices, planejariam
novas ações criminosas (LOMBROSO, 2010, p. 118).
O álcool também poderia ser apontado como a causa de inúmeras
doenças encontradas nos delinquentes e nas prostitutas. Também se verificaria nos
criminosos desejo similar ao da bebida em relação aos jogos de azar. (LOMBROSO,
2010, p. 118-119).
Tal desejo se manifestaria através do desprendimento em
constantemente apostar todo o montante conquistado através do crime, em
contraponto com a cobiça sem limites pelos objetos alheios. Como consequência, a
maioria dos criminosos, independente de seu sucesso na empreitada criminosa,
terminariam suas vidas na miséria, sem poder usufruir do produto de sua
43
delinquência (LOMBROSO, 2010, p. 120).
Os criminosos não se importariam com as consequências do delito,
visando apenas o prazer momentâneo, satisfazendo seus ímpetos mais fugazes e
frívolos. Assim, o homem comum, que comete um crime influenciado por violenta
paixão ou emoção, se assemelharia ao delinquente comum, por não discernir os
desdobramentos de seu ato criminoso (LOMBROSO, 2010, p. 124).
Por este conjunto de características, Lombroso afirma que o delinquente
se assemelharia mais aos selvagens do que aos dementes, uma vez que o senso
moral também se mostraria fragilizado ou ausente nos selvagens. Entretanto, sua
maior semelhança residiria na irracionalidade e instabilidade dos sentimentos, forte
desejo pelos jogos de azar, a coragem inconsequente e a insensibilidade física e
psicológica (LOMBROSO, 2010, p. 125-126).
A preguiça seria outra característica marcante nos delinquentes, que não
sentiriam motivação alguma para a prática do trabalho contínuo e honesto. Se estes
exercessem alguma função contínua, serviria apenas para sua subsistência. A única
motivação do criminoso seria a prática delitiva (LOMBROSO, 2010, p. 135).
No que tange ao remorso nos criminosos, Lombroso afirma que estes não
o sentiriam. Tal fato poderia ser verificado na aplicação da pena, uma vez que, na
ocasião desta, os criminosos concordariam com o quantum imposto, mas negariam
a prática do delito. Se o delinquente sentisse remorso, em primeiro lugar confessaria
a prática do crime e depois contestaria a pena, justificando sua ação perante a
sociedade. Ao negar a autoria do crime, o criminoso demonstraria que não se
arrependeu (LOMBROSO, 2010, p. 160-161).
Similar aos selvagens, o criminoso não sentiria remorso, apenas orgulho
de seus crimes e a crença de que justiça é sinônimo de vingança, violência e força,
de forma que o senso moral seria inexistente nestes indivíduos. Na maioria das
vezes, os delinquentes acreditam que praticam ato nobre e heróico, mesmo que o
delito tenha ocorrido por meio de emboscada. (LOMBROSO, 2010, p. 170).
Cesare Lombroso afirma ainda que os delinquentes acreditam que suas
ações seriam justificáveis, demonstrando uma noção moral deturbada, uma vez que
seus atos frequentemente se mostrariam desproporcionais e cruéis, independente
de suas intenções. Assim, os criminosos se mostrariam surpresos frente a
condenação, sempre afirmando que teria sido cometida injustiça contra eles, se
apresentado como vítimas. Para confirmar suas alegações de injustiça, citariam
44
casos onde ocorreram crimes mais graves e os autores saíram impunes, como se tal
fato os redimisse de sua conduta criminosa (LOMBROSO, 2010, p. 163-164).
Entretanto, é importante salientar que esta idéia equivocada de justiça
presente nos criminosos, não poderia ser diretamente relacionada com o caractere
hereditário. Esta poderia ser explicada mais facilmente através dos
condicionamentos aos quais o indivíduo foi exposto durante a sua vida e que
acabaram por desvirtuar seu conceito de justiça e correição (LOMBROSO, 2010, p.
164).
Alguns criminosos acabariam por se especializar em algum tipo
específico de delito, fato este que os tornariam muito hábeis na realização do crime
em que são especialistas. Entretanto, isso não comprovaria que são dotados de
grande inteligência, uma vez que sua habilidade na prática delitiva seria derivada
unicamente da repetição. Soma-se a isso o fato de que, embora muitos delinquentes
desenvolvam golpes engenhosos e lucrativos, o montante conseguido com o crime
logo seria desperdiçado com os vícios do jogo e do álcool, ou ainda com prostitutas,
fato que corroboraria a tese do déficit intelectual dos criminosos (LOMBROSO,
2010, p. 138-139).
Lombroso também afirmava a existência de um índice cada vez maior na
reincidência dos criminosos. De forma que, quanto mais os institutos jurídicos e
sistemas prisionais são aprimorados, maior seria a reincidência. Isso ocorreria
porque o encarceramento não ressocializaria o delinquente, tendo exatamente o
efeito contrário. Afirmava ainda que não se deveria esperar que a evolução nos
sistemas carcerários prevenissem ou diminuíssem a ocorrência de crimes e a
reincidência (LOMBROSO, 2010, p. 153-155).
O criminoso, enquanto encarcerado, entraria em contato com outros
delinquentes e infelizmente aprenderia com estes. Assim, aprimoraria a forma de
delinquir e agiria com menos riscos e maiores vantagens, de forma que o sistema
prisional, além de não ajudar os detentos, ainda os tornariam mais perigosos e mais
instruídos no mundo do crime (LOMBROSO, 2010, p. 156).
Ao analisar a alta reincidência observada, Lombroso verificou que,
resguardados os crimes políticos, os demais reincidentes poderiam ser
considerados delinquentes natos, uma vez que sua tendência para delinquir
encontraria-se explícita e não poderia ser controlada através do condicionamento
moral. Assim, em uma análise aprofundada, chegou a conclusão de que quase não
45
haveriam detentos que não fossem reincidentes (LOMBROSO, 2010, p. 156-158).
Os delinquentes não possuiriam vínculo de lealdade para com os seus
pares e cúmplices. Da mesma forma que repudiam a delação de outros criminosos,
não hesitariam em delatar para garantir benefícios pessoais, vingar-se de um
desafeto ou simplesmente para não serem os únicos a cumprirem a pena imposta.
Assim, ficaria evidente a flexibilidade moral que rege a mente e o espírito do homem
criminoso, que permitiria a este variar seus valores e sua visão de mundo
dependendo da situação em que se encontrasse. A delação entre criminosos seria
uma das principais causas de mortes e atentados dentro das instituições carcerárias
(LOMBROSO, 2010, p. 167-168).
Lombroso afirmava que a associação entre diversos criminosos para a
prática delitiva potencializaria a tendência criminosa dos indivíduos participantes,
tornando-os mais perigosos, instáveis, cruéis e selvagens. No caso da associação
criminosa, as tendências presentes no homem delinquente seriam exponenciadas
pela disciplina e segurança que o grupo delinquente proporcionaria ao indivíduo. A
principal função da criação destas associações seria justamente apropriar-se do
alheio e fazer frente à defesa legal (LOMBROSO, 2010, p. 185-186).
Algumas características seriam comuns nas associações criminosas. O
autor verificou a ocorrência da divisão de tarefas para o crime, com delinquentes
especialistas em diversas frentes, sendo que tal distribuição seria feita de forma
impessoal pelo líder do bando e seria seguida sem perguntas. O líder do grupo
também seria figura constante nas organizações delinquentes, de forma que
geralmente tal função seria exercida por um indivíduo carismático, cruel e com poder
ditatorial, exatamente como nas tribos selvagens. Verificou também que os grupos
criminosos sempre possuiriam financiadores externos e protetores, em caso de
perigo (LOMBROSO, 2010, p. 186-187).
Lombroso afirmou que alguns homens nasceriam com tendência para o
crime. Em contrapartida, existem diversos criminologistas que refutam tal teoria, pois
todos seríamos criminosos potenciais, apenas contidos pela educação e sociedade
em que fomos concebidos (BRANCO, 1980, p. 107).
Se o criminoso nato for realidade, o próprio conceito de criminoso teria de
ser revisto, pois ninguém pode ser considerado criminoso ou culpado, antes mesmo
de praticar o ato delitivo. Apesar dos inúmeros condicionamentos recebidos durante
a vida para evitar a prática da violência, é inegável o fato de que o homem é guiado
46
por seus instintos, os quais ainda preponderariam em algumas situações. Assim, se
não existe o criminoso nato, com certeza há o criminoso por tendência (BRANCO,
1980, p. 107).
O homem comum sente a necessidade de punir o delinquente afastando-
o do convívio social, uma vez que não existem outros meios conhecidos para
encerrar a atividade criminosa, senão o cárcere ou a morte. As pessoas acabam por
se tornar escravas do medo e do sentimento da vingança, o que turva seu
discernimento e impede que encontrem soluções para a criminalidade
(LOMBROSO, 2010, p. 194).
No decorrer da obra, Cesare Lombroso aborda a questão da
criminalidade e desenvolve suas teorias de maneira sutil, evitando afirmações
polêmicas, que fujam do senso comum. Entretanto, quando faz referência a
possíveis soluções para a criminalidade, deixa claro que as únicas medidas
aplicáveis são a morte ou o afastamento dos delinquentes, através da prisão
perpétua (ROQUE, 2010, p. 8).
Embora o médico italiano aponte a hereditariedade como um fator
importante na formação do indivíduo criminoso, tal situação não justificaria o declínio
deste para a prática delitiva. Mesmo com sua teoria apontando para a existência do
criminoso-nato, Lombroso afirma que outros elementos influenciariam a
concretização das tendências delinquentes ou as inibiriam, de forma que tal
condição não serviria de desculpa para o criminoso (ROQUE, 2010, p. 8).
Para Lombroso, os fatores que influenciariam negativa ou positivamente
os indivíduos para a prática delitiva seriam diversos, tais como o clima, o grau de
cultura e civilização do grupo social, a densidade da população, alcoolismo, situação
econômica e religião. Por se tratar de complexa análise com a presença de
incontáveis variáveis, restaria comprometida a criação de um método para identificar
e localizar delinquentes natos. Da mesma forma, os inúmeros fatores listados, que
variam regionalmente, tornariam ineficiente um Código Penal aplicado a um vasto
país (ROQUE, 2010, p. 8).
Assim, ante a complexidade da análise dos fatores psicológicos e físicos
envolvidos na prática delitiva, o autor de um crime deveria, ao invés de ser
encaminhado a um juiz, ser encaminhado a um médico, para que este determinasse
a real extensão da tendência criminosa do delinquente, e consequentemente aplicar
uma pena correspondente a sua situação (ROQUE, 2010, p. 11).
47
Neste ponto, a teoria de Lombroso gerou grande repercussão e diversas
posturas doutrinárias diferentes, pois ante a existência de um criminoso nato, sem
capacidade de conter sua delinquência, este não poderia ser responsabilizado por
seus atos, uma vez que sua ação estaria acima de sua vontade. A justiça penal tem
a prerrogativa de punir apenas quem possui livre arbítrio, no exercício total de seu
juízo. Assim, para Lombroso, não deveriam existir códigos penais com listas de
crimes e punições, e sim códigos de segurança social, garantindo o afastamento dos
possíveis infratores do convívio social (BRANCO, 1980, p. 81-82).
A obra “O homem Delinquente” é, primeiramente, um retrato do delito e do
delinquente italiano da época, ao buscar justificativas para as ações dos sistemas
punitivos que exerciam veladamente o preconceito e o racismo, características estas
que acabaram por serem assimiladas pela teoria lombrosiana (ANITUA, 2008, p.
299).
As teorias de Lombroso acabaram desacreditadas, tendo em vista que os
métodos empregados na coleta dos dados não apresentavam a precisão necessária
e os próprios resultados obtidos contrariavam a teoria. Porém um dos fatores que
mais gerou descrédito foi que Lombroso pretendeu-se absoluto quanto ao seus
enunciados, conforme explicam Francisco Muñoz Conde e Winfried Hassemer:
Muitas teorias biológicas de criminalidade posteriores a Lombroso e seus seguidores incorreram no mesmo erro, apresentando seus resultados como absolutos, em vez de oferecê-los com modéstia e realismo metódico, o que, em verdade, são: um elemento parcial dentro de um mais amplo sistema explicativo. [...] O mesmo pode ser dito sobre as teses que baseiam as tendências criminais na constituição corporal ou em determinadas anomalias da personalidade, pois tudo isso pode explicar alguns casos individuais, mas não admitem generalizações, nem oferecem resposta válida para todo tipo de criminalidade. (2008, p.33).
Um indivíduo deve responder pela prática de uma conduta delitiva,
apenas na medida de sua culpabilidade. É interessante observar que ao adotar as
teorias positivistas, em especial à lombrosiana, acaba-se por relevar o ato delitivo
praticado pelo indivíduo, em conseqüência da importância despendida a valoração
das características biológicas e comportamentais anteriores ao ato, ou seja, analisa-
se a pessoa e não a ação, o que acaba por corromper as funções da pena, aqui
explicitadas por Érica Mendes (2008, p. 347): “[...] um importante setor da doutrina
atribui à pena uma finalidade de prevenção geral positiva ou integradora: através
dela assegura-se a confiança dos cidadãos na validade da norma, justificando sua
48
imposição por sua utilidade social [...]”.
Majoritariamente a doutrina defende que a prática de uma determinada
ação ou omissão apenas pode ser considerada delitiva, se reunir tipicidade,
antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade. Desta feita, não cabe a análise
unicamente da periculosidade do indivíduo para a definição do “quantum” de sua
pena (CARVALHO, 2008, p. 33).
Assim, através da análise empírica de indivíduos reclusos nas
penitenciárias e manicômios italianos no final do século XIX, e cruzando os dados
obtidos com observações realizadas anteriormente com soldados e marinheiros,
Cesare Lombroso acreditou ter encontrado elementos que permitissem a
identificação de criminosos natos, de forma que seria possível, até mesmo,
mensurar sua capacidade delitiva.
Com base nessas observações e análises, fundamentou sua teoria
atávica. Os resultados obtidos nas referidas pesquisas, juntamente com as
hipóteses e considerações de Lombroso acerca do tema, foram reunidas e
publicadas sob o título “O Homem Delinquente”. Seu livro mais polêmico e que pode
ser apontado como síntese de toda sua produção científica.
De acordo com a referida obra, alguns caracteres biológicos, sociais e
psicológicos estariam obrigatoriamente presentes nos indivíduos criminosos. Tais
postulados lançaram as bases para a Escola Positiva e para o Positivismo
Antropológico.
Embora a teoria do delinquente nato tenha sido desacreditada por se
basear em dados imprecisos e adotar hipóteses amplas demais, as observações
realizadas por Cesare Lombroso acerca dos criminosos, influenciaram direta ou
indiretamente toda a produção legislativa e doutrinária posterior, que acolheu alguns
postulados de Lombroso na criação e utilização de diversos institutos penais,
visando, principalmente, o incremento das técnicas de controle social.
49
4 CONTEXTO HISTÓRICO E BASES TEÓRICAS DA CRIMINOLOGIA E DO DIREITO PENAL BRASILEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX: INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO POSITIVISTA DE CESARE LOMBROSO NA PRODUÇÃO TEÓRICA E LEGISLATIVA BRASILEIRA DA ÉPOCA
A influência das idéias de Cesare Lombroso se fez presente nos estudos
criminológicos do início do século XX na Europa, onde era proposta uma relação
entre características físicas e comportamentais dos indivíduos com o seu potencial
delitivo. Tal relação ocasionou o fortalecimento do pensamento biológico e
determinista, com a premissa básica de que as causas para a prática delitiva eram
patológicas, sendo o criminoso um ente nascido com predisposição a delinquir e, por
este motivo, deveria ser afastado da sociedade.
A meta deste capítulo é identificar o impacto legislativo e doutrinário que
os conceitos teóricos de Lombroso, em específico os acima referidos, exerceram
sobre as concepções brasileiras acerca do Direito Penal e da Criminologia nas
primeiras décadas do século XX.
4.1 O Brasil do Início do Século XX
Antes de abordar a influência que a obra “O Homem Delinquente” exerceu
sobre o Direito Penal e a Criminologia brasileira, importante delimitar o contexto
histórico em que o Brasil estava inserido.
De plano cumpre anotar que tal como a Europa da segunda metade do
século XIX, as primeiras décadas do século XX para o Brasil foram de turbulência
social, econômica e política, em contraponto com a efervescência cultural e científica
da época. Embora os motivos que originaram a crise brasileira tenham sido diversos
dos europeus, bem como o período em que esta ocorreu, as consequências foram
50
similares e ocasionaram o uso de inúmeros postulados do positivismo antropológico
de Cesare Lombroso e vários institutos criados pela Escola Positiva.
O progresso foi a principal característica econômica, social e política da
ocasião nos centros urbanos do país. Uma década após a Proclamação da
República, o Brasil passou por radicais mudanças que o colocaram mais próximo
das potências mundiais. Entre as referidas medidas, pode-se citar a alteração no
regime político, que passou da monarquia para a república presidencialista; o fim do
trabalho escravo e o desembarque dos grupos imigrantes provenientes da Europa
(NEVES, 2003, p. 15).
Entretanto, nas localidades afastadas que compunham o Brasil rural, o
progresso não conseguiu romper a tradição secular de subserviência e poder
concentrado nas mãos de poucos, resquícios do regime monárquico. Assim, o
contraste entre o desenvolvimento do campo e da cidade perdurou por todo a
primeira metade do século XX e mostrou-se peça essencial no entendimento do
referido período (NEVES, 2003, p.16).
Em um lapso de tempo relativamente curto, de aproximadamente dez
anos, o Brasil passou de uma monarquia com valores e instituições arcaicas, a uma
república que buscava adaptar a vida pública e privada aos ideais e ensinamentos
dos países tidos como líderes mundiais em seus seguimentos, visando o progresso
e a civilidade. Ainda verifica-se um otimismo sem precedentes nesta época,
embalado pelas notícias das descobertas científicas que prometiam a resolução
para todos os males da humanidade (NEVES, 2003, p. 19).
No que tange a época ensina Vitorino Prata Castelo Branco:
A mesma atividade progressista se realizou no campo da Filosofia e do Direito, no mundo e no Brasil. As instituições jurídicas foram ampliadas e grandes mestres trataram das mais profundas questões legais. No campo do Direito Penal e da Criminologia, esta já vista em outra parte desta obra, o progresso foi imenso em todos os países adiantados. No Brasil, desde Pimenta Bueno, Clemente Pereira, Bernardo Vasconcelos, Batista Pereira, Vicente Piragibe, Vieira de Araújo, Galdino Siqueira, Sá Pereira, Alcântara Machado, Nelson Hungria, até uma infinidade de mestres contemporâneos. Tamanho progresso não trouxe, porém tranquilidade ao mundo, cada vez mais inquieto. No campo social e político, as idéias socialistas passaram a estremecer as estruturas estabelecidas, o pensamento marxista desenvolveu a luta de classes, jogando umas contra as outras, convulsões sociais abalaram sociedade e governos e o conjunto de nações dividiu-se em blocos ocidentais e orientais, em eternas guerras e guerrilhas. Enormes gastos, em armamentos, com prejuízo para as populações, baixaram e ainda baixam, consideravelmente os padrões de vida. Os costumes patriarcais de estabilidade e honestidade, com a família tradicional, se desagregam, os instintos se libertam, o sexo e a violência predominam. Até
51
mesmo a Igreja, que tinha por missão pregar o amor entre os homens, esqueceu a sua finalidade, e pela voz de seus pastores, auxilia a desunião geral. Há, no mundo, uma crise moral de grandes proporções (1980, p. 114).
Entre 1900 e 1918, a economia brasileira apesar dos avanços propiciados
pelo ânimo do novo século, ainda era predominantemente agrária, tendo como
principal produto o café. No campo político, a elite cafeicultora dominava o cenário,
através do coronelismo no âmbito municipal e da troca de favores entre as
oligarquias em âmbito estadual (VICENTINO, 1998, p. 86).
Embora o modelo de regime político vigente fosse a república, não podia
identificar-se a existência da democracia, uma vez que as eleições eram usualmente
fraudadas e o voto era realizado de forma aberta e não secreta, de forma que os
eleitores eram pressionados a votar em determinado candidato através da coerção.
Um outro fator que facilitava a realização de fraude nas eleições era o pequeno
contingente eleitoral, uma vez que um dos requisitos para exercer o direito de voto
era ser alfabetizado, o que reduzia o número de eleitores (VICENTINO, 1998, p. 86-
87).
O contraste existente entre os centros urbanos e o Brasil rural,
anteriormente mencionado, demonstra sua importância no campo político do país no
período, onde o coronelismo e os jogos de influência entre personalidades políticas
influentes de cada estado brasileiro definiam o rumo que o país tomaria, inclusive
com a escolha dos nomes dos candidatos à presidência. Tal fato é facilmente
verificável ao analisar-se que anteriormente ao Golpe de Estado de 1930, houve
uma predominância de presidentes paulistas e mineiros, com a exceção de um
presidente carioca, o que demonstrava a força destas oligarquias estaduais
(RESENDE, 2003, p. 112).
Neste período, o país encontrava-se em grave crise financeira,
consequência dos enormes gastos públicos e do declínio da exportação de café, o
que colocou em risco a situação financeira do Brasil e a hegemonia das elites
cafeicultoras. A complicada situação econômica fez com que se adotasse uma série
de medidas econômicas, com a criação de uma política de redução das despesas
públicas, aumento de impostos, combate à inflação e a busca pela valorização da
moeda brasileira (VICENTINO, 1998, p. 88-90).
Importante salientar que embora o país continuasse sendo considerado
52
um território periférico e sem grande influência mundial, finalmente se livrou do jugo
controlador da Inglaterra, abrindo suas fronteiras para investimentos e parcerias com
demais países, principalmente com os estadunidenses. Socialmente, verifica-se a
ocorrência de um período turbulento, com o aumento no atrito entre o proletariado e
os empresários. As relações desiguais de consumo e produção, bem como o fim da
escravatura, criaram uma massa de indivíduos socialmente rejeitados, que não
possuíam capacidade de produção e não conseguiam a inserção no mercado de
trabalho da época, fato este que fomentou a pobreza e a criminalidade no período
(NEVES, 2003, p. 20-21).
Seguiu-se um período conturbado, com manifestações e revoltas
populares que visavam expressar a insatisfação com a recém adotada república e
sua postura de “proteção” aos interesses e anseios das elites, enquanto as porções
desfavorecidas da população sofriam com altos impostos e o desamparo estatal.
Para as camadas populares, a transição entre monarquia e república não alterou o
cotidiano, uma vez que continuavam excluídas do cenário político e econômico
brasileiro (VICENTINO, 1998, p. 96).
O êxodo rural é outro fenômeno que ganhou proporções consideráveis
nesta época, pois com as notícias das fortunas ganhas do dia para a noite e o
aumento da necessidade de mão de obra barata, os habitantes do interior foram
impulsionados a migrar para os grandes centros urbanos, na busca por melhores
condições de vida (NEVES, 2003, p. 21).
Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Brasil caminhou em
direção a um modelo de governo mais voltado ao aspecto social. Assim, a classe
média e o capitalismo se viram ameaçados pelo fortalecimento do modelo socialista
e do proletariado. Logo reagiram, propondo um modelo de Estado ainda mais liberal
e desvinculado dos ideais socialistas (VICENTINO, 1998, p. 108).
Posteriormente, entre o período de 1919 e 1930, os cafeicultores, que
correspondiam à elite econômica da época, tiveram seu poder significativamente
reduzido com a crise do café, enquanto outros grupos sociais, que até então
encontravam-se reprimidos pelo modelo estatal da época, ganharam destaque e
representatividade no campo político e econômico brasileiro. Entre estes últimos,
pode-se citar os comerciantes, industriais e o operariado, que cada um a seu modo,
buscaram formas de defender seus interesses e aproveitar o vácuo deixado pela
redução da influência e poder das elites agrárias brasileiras (VICENTINO, 1998, p.
53
108).
Neste sentido, ensinam Marieta de Moraes Ferreira e Surama Conde Sá
Pinto:
Do ponto de vista econômico, a década de 1920 foi marcada por altos e baixos. Se nos primeiros anos o declínio dos preços internacionais do café efeitos graves sobre o conjunto da economia brasileira, como a alta da inflação e uma crise fiscal sem precedentes, por outro também se verificou uma significativa expansão do setor cafeeiro e das atividades a ele vinculadas (2003, p. 389).
Assim, com o crescente descontentamento popular frente às medidas
adotadas pelo regime republicano, novos levantes surgiram com o intuito de
enfraquecer o poder político dominante e garantir um novo modelo de Estado, que
atendesse as reivindicações dos grupos revoltosos. Entre os movimentos
antigovernistas de destaque, pode-se citar a Coluna Prestes, A Revolta do Forte de
Copacabana, o Movimento Tenentista, A Guerra do Contestado, entre outros
(VICENTINO, 1998, p. 105).
Todavia, embora tais movimentos não tenham obtido êxito em destituir os
governantes e alterar o regime político da época, em 1930, a situação se tornou
insustentável. Após uma eleição presidencial, onde o vencedor teria sido eleito
através de fraude, ocorreu um golpe de Estado com a participação das Forças
Armadas e o apoio das classes médias urbanas e do operariado, onde foi instituído
um governo Provisório sob a liderança de Getúlio Vargas (VICENTINO, 1998, p. 108-
109).
Sobre o tema ensina Ângela Maria de Castro Gomes:
Dessa forma, ao mesmo tempo que a revolução instituía seus poderes discricionários, assumia um compromisso com a revisão da legislação vigorante e com a reintegração da nação num regime legal, através do processo político de convocação de uma constituinte. O Governo Provisório se definia a priori como um período passageiro, um expediente revolucionário que deveria substituir até que os legítimos representantes da nação – os deputados constituintes eleitos – assumissem a tarefa da construção de uma nova ordem legal (1996, p. 14).
No período posterior à Revolução de 1930, conhecido como a Era Vargas,
foi estabelecida uma ditadura de extrema direita, com a centralização do poder
político, a extinção dos órgãos legislativos federais, estaduais e municipais, e a
suspensão dos direitos constitucionais. Este período também foi tumultuado
54
socialmente, uma vez que a oposição à Getúlio Vargas se deu de forma
extremamente violenta em algumas frentes, tais como na Revolução
Constitucionalista e na Intentona Comunista. Entretanto, ao contrário do que
propunham, tais movimentos apenas fortaleceram o governo de Getúlio Vargas, pois
suas ações garantiram a este a possibilidade de decretar o Estado de Sítio e
aumentar ainda mais o seu poder, unindo o país perante um inimigo externo comum:
a ameaça comunista (VICENTINO, 1998, p. 121).
Sobre o tema, ensina José Henrique Pierangeli:
Em 1937, por um ato de força, o Presidente Getúlio Vargas, com apoio do General Góis Monteiro, este Ministro da Guerra, e de outras patentes militares que com o Ministro tinham se reunido a 27 de setembro de 1937, resolveu romper com a ordem constitucional, sob fundamento de que, assim procedendo, se poria fim à ameaça comunista, que mesmo após a chamada Intentona Comunista, de 1935, ainda se fazia presente (2001, p.77).
Além disso, apesar do caráter centralizador e repressivo de seu governo,
Getúlio Vargas possuía grande apoio popular, uma vez que através de medidas
como a promulgação dos direitos trabalhistas e o aumento do salário mínimo,
conquistou a confiança e apoio da parcela menos favorecida da população
(VICENTINO, 1998, p. 118).
Deste modo, o turbulento período enfrentando pelo Brasil entre 1900 e
1940, fortaleceu a política da segurança nacional, que visava, da mesma forma que
a Escola Positiva, o aprimoramento dos instrumentos de defesa social. Conforme
referido anteriormente, as similaridades entre o Brasil e a Itália, não se limitaram a
crise econômica, social e política enfrentada, pois em ambos os países, o resultado
do conturbado período foram ditaduras de extrema direita, com Benito Mussolini
governando o estado italiano e Getúlio Vargas liderando o estado brasileiro.
Frisa-se ainda, que as duas nações se utilizaram dos postulados
desenvolvidos pela Escola Positiva e pelo Positivismo Antropológico de Cesare
Lombroso na criação de suas legislações penais e em sua produção doutrinária
penal e criminológica.
4.2 O Pensamento Positivista Lombrosiano na Criminologia e no Direito Penal Brasileiro no Início do Século XX
55
Os postulados desenvolvidos por Césare Lombroso, também conhecidos
como Positivismo Antropológico, geraram grande repercussão no meio científico na
Itália do final do século XIX e início do século XX. Entretanto, tendo em vista o
conteúdo das idéias e a verdadeira revolução que elas propunham, o pensamento
lombrosiano logo foi divulgado em outros países, inclusive no Brasil. Assim, poucos
anos após a publicação do livro “O Homem Delinquente”, os criminalistas brasileiros
já tinham conhecimento acerca da obra e posicionavam-se doutrinariamente acerca
dos conceitos desenvolvidos nesta.
Algumas obras exercem impacto tão forte sobre o mundo científico, que
acabam por transcender os limites do meio acadêmico, tornando-se de
conhecimento popular e superando a barreira do tempo. Tais trabalhos deixam de
ser simples artigos científicos e se transmutam em marcos intelectuais de sua
época. Um livro que se enquadra nessa categoria é “O Homem Delinquente”, de
Cesare Lombroso, que figurou como tradução dos anseios e aspirações da
comunidade científica e do homem europeu comum do final do século XIX (SOUZA,
1982, p. 39).
A repercussão gerada pelo conjunto da obra de Lombroso, em especial
pelo referido livro, colocaram o criminoso no centro da discussão penal e
criminológica, de forma que médicos e juristas passaram a elaborar teses e realizar
inúmeros estudos na busca por evidências que corroborassem ou desacreditassem
os postulados lombrosianos. Em terras brasileira não foi diferente, onde inúmeros
médicos e cultores do direito criminal decidiram investigar as alegações do mestre
italiano, fato este que gerou um período de grande efervescência nas Ciências
Criminais (BRANCO, 1980, p. 63).
Entre os estudiosos que se dedicaram ao estudo positivista lombrosiano
durante as primeiras décadas do século XX, pode-se citar os nomes de Braz
Florentino, Tomaz Alves, Joaquim Augusto de Camargo, Lima Drummond, Vieira de
Araújo, Macedo Soares, Viveiros de Castro, Esmeraldino Bandeira, Pedro Lessa,
Viveiros de Castro, Sílvio Romero, Artur Orlando, Tobias Barreto e Cândido Motta
(PRADO, 2008, p. 82).
Ainda pode-se atribuir estudos e teses baseadas nas observações e
postulados lombrosianos a Leonídio Ribeiro, Teodolindo Castiglione, Agostinho José
Souza Lima, Ferreira de Abreu, Raimundo Nina Rodrigues, Basílio Machado,
56
Bittencourt Rodrigues, Severino Prestes, Reynaldo Porchat, Oliveira Fausto, Miranda
de Azevedo, Pedro de Toledo, Pereira de Carvalho, Domingos Jaguaribe e Américo
de Campos. Assim, tendo em vista a grande quantidade de autores que trabalharam
o tema, verifica-se a repercussão gerada pelo assunto e a intensidade com que foi
estudado (BRANCO, 1980, p. 63).
Entretanto, mesmo com o vasto rol de autores que trabalharam com o
positivismo lombrosiano, a maioria não pode ser classificada como autênticos
positivistas, uma vez que muitos dos trabalhos publicados por estes tinham como
objetivo apenas a demonstração do novos postulados ou a realização de
comentários acerca da lei penal e suas aplicações, em cotejo com a teoria
positivista.
Contudo, importante frisar que diversos autores do cenário científico
nacional aceitaram as teses positivistas lombrosianas e passaram a defender os
conceitos embutidos no pensamento de Cesare Lombroso. Tal movimento em prol
do positivismo culminou com a criação da Sociedade de Antropologia Criminal,
Psiquiatria e Medicina Legal, em 1895, na cidade de São Paulo; da Sociedade de
Medicina Legal e Criminologia, na cidade de Salvador, em 1914; e do Instituto
Brasileiro de Criminologia, no Rio de Janeiro, em 1931, bem como diversos institutos
dedicados às pesquisas na área das Ciências Criminais e Antropológicas no país
(SOUZA, 1982, p. 40).
Algumas publicações brasileiras da época tentaram estabelecer uma
relação entre a criminalidade e a raça, de forma que tais postulados, foram pioneiros
na tentativa de demonstrar esta característica como um indicativo da pré-disposição
delitiva. Destacam-se entre tais obras “Criminologia e Direito”, de Clóvis Bevilacqua
e “Germes do Crime”, de Aureliano Leal, ambos de 1896, bem como a tese de
doutorado do escritor Júlio Afrânio Peixoto, intitulada “Epilepsia e Delito”, de 1897 e
ainda “Classificação do Delinquente”, de Cândido Motta, também de 1897 (ANITUA,
2008, p. 353).
Entre os primeiros divulgadores do positivismo penal e das teorias
lombrosianas, o recifense João Vieira de Araújo é apontado como o pioneiro no
estudo dos fundamentos elaborados pelo mestre italiano, bem como na defesa do
pensamento deste, não apenas no Brasil, como também no estrangeiro. Em meados
do século XX, era o representante mais conhecido da criminologia brasileira no
exterior, tendo participado na elaboração dos anais da União Internacional de Direito
57
Penal (“Legislation Pénale Comparée” - 1898) e publicado diversos artigos
internacionais de cunho positivista. O referido autor foi um dos grandes nomes na
luta pela aceitação, na legislação penal brasileira, de institutos de inspiração
positivista. Suas obras principais foram: “Ensaio de Direito Penal”, de 1884, “Nova
Escola de Direito Criminal”, de 1888 e “Código Criminal Brasileiro” de 1889 (SOUZA,
1982, p. 40-41).
No que se trata de pioneirismo, Tobias Barreto também tem papel
fundamental no estudo dos preceitos lombrosianos. Todavia, este apresenta-se
como o primeiro crítico da teoria de Cesare Lombroso, ao relegar as teses
desenvolvidas pelo médico italiano à condição de meras alegações sem
embasamento científico, em seu livro “Menores e Loucos”, de 1884 (SOUZA, 1982,
p. 41-42).
Outro nome que se destaca na promoção do positivismo criminológico
brasileiro, é o de Raimundo Nina Rodrigues, que realizou inúmeras pesquisas e
publicou inúmeros artigos científicos e obras com observações e conclusões
baseados em sua experimentação. O cerne do pensamento deste autor foi buscar o
mais eficiente tratamento penal para os criminosos, através da análise
antropométrica e psiquiátrica destes, ou seja, um método derivado diretamente dos
postulados lombrosianos (ANITUA, 2008, p. 353-354).
Um caso em particular, envolvendo Nina Rodrigues, ilustra bem a
influência dos postulados lombrosianos em seu trabalho. Em 1897, ao término da
Guerra de Canudos, o médico baiano solicitou a cabeça do líder do movimento,
Antônio Conselheiro, que havia sido morto no conflito, com o intuito de realizar uma
minuciosa análise craniana, em busca de características que apontassem atavismo
ou loucura. Entretanto, apesar dos esforços de Nina Rodrigues, os exames e
medições realizados no crânio de Antônio Conselheiro não apresentaram nenhum
indício que comprovasse que este fosse um criminoso nato (MACHADO, 2005, p.
83-84).
Embora Nina Rodrigues seja reconhecido como o fundador da
criminologia brasileira moderna, é impossível ignorar o forte conteúdo racista
presente no conjunto de sua obra, o que termina por ofuscar sua produção científica.
O autor afirmava que a população negra e “mulata” possuía capacidade mental
incompleta, de forma que deveriam ser aplicadas regras diversas a estes indivíduos.
Entretanto, sustentava que tal fato não significava que estes não deveriam ser
58
punidos (ANITUA, 2008, p. 353-354).
De todos os autores que se dedicaram ao estudo da criminologia e direito
penal da época, Nina Rodrigues é o que mais se apropriou dos conceitos lançados
por Lombroso, de forma que foi considerado por este como o principal apóstolo da
antropologia criminal no Novo Mundo. Apesar do reconhecimento internacional, sua
fama não era de conhecimento público no Brasil. Suas principais obras foram: “O
Animismo Fetichista dos Negros Baianos”, de 1896, “Os africanos no Brasil”, de
1907, “O Problema Médico Judiciário no Brasil”, “O Alienado no Direito Civil
Brasileiro”, de 1959, “As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal”, de 1894, “A
Loucura nas Multidões”, “A Paranóia dos Negros”, “Negros Criminosos do Brasil”, e
“As Coletividades Anormais”, de 1939 (BRANCO, 1980, p. 64-65).
A obra de Pedro Lessa também profere diversos ensinamentos de Cesare
Lombroso, entretanto, com a ressalva de que sua teoria ainda carecia de
comprovação e portava inconvenientes excessos. Embora tenha adotado uma
postura mais conservadora e cética quanto ao positivismo e à antropologia criminal,
foi um dos principais responsáveis pelo popularização das teorias penais positivas
no Brasil (SOUZA, 1982, p. 43).
Cândido Nazianzeno Nogueira da Motta, por sua vez, embora tenha sido
discípulo de Pedro Lessa, adotou uma postura mais extremada do que a de seu
mestre na defesa do positivismo e dos postulados lombrosianos. Tal intensidade lhe
rendeu popularidade internacional no ramo do Direito Criminal e diversas
publicações internacionais, bem como grande reconhecimento pela sua contribuição
aos estudos criminais. Sua principal obra é “Classificação dos Criminosos”, de 1890
(SOUZA, 1982, p. 44).
Na Bahia, o nome de Artur Ramos de Araújo Pereira também se destaca
como grande colaborador na divulgação dos preceitos positivistas lombrosianos.
Sua principal contribuição para a Criminologia e para as Ciências Criminais
brasileiras se deu no estudo do negro e do índio brasileiro. Todavia, novamente o
teor racista e discriminatório das obras acabam por ofuscar o real valor de sua
produção científica (BRANCO, 1980, p. 65).
Outro seguidor da Escola Baiana e defensor dos preceitos lombrosianos é
Júlio Afrânio Peixoto, que trilhando o caminho de Nina Rodrigues, estudou e concluiu
pela existência de características que indicavam pré-disposição delitiva. O
diferencial de Afrânio Peixoto foi o volume de sua produção intelectual, sendo que
59
este publicou cerca de quinhentas obras no decorrer de sua vida, entre elas as mais
importante são: “Epilepsia e Crime”, com prefácio de Nina Rodrigues, de 1898;
“Psicopatologia Forense”, de 1916; “Novos Rumos da Medicina Legal”, de 1932 e
“Criminologia”, de 1933 (SOUZA, 1982, p. 49-50).
Já no Rio de Janeiro, Roberto Lyra, que embora doutrinariamente tenha
se aproximado mais do positivismo sociológico de Ferri do que do positivismo
antropológico de Lombroso, merece menção especial, pois foi o principal
responsável pela criação do Instituto Brasileiro de Criminologia, tornando-o
referência mundial no estudo criminológico e divulgando os conceitos e teses
lombrosianas. Soma-se o fato de que organizou o primeiro curso de criminologia no
Brasil, o que lhe garante um lugar no panteão de autores que tiveram participação
na divulgação do pensamento lombrosiano no país (BRANCO, 1980, p. 65-66).
Leonídio Ribeiro Filho também possui importante participação na
popularização dos conceitos lombrosianos. Além de autor de inúmeras obras onde
divulga e defende o pensamento positivista antropológico, teve fundamental papel
na aplicação prática dos ideais de Cesare Lombroso, sendo que foi o responsável
pela criação, junto ao Instituto de Identificação da Polícia Civil do Distrito Federal, do
primeiro Laboratório de Antropologia Criminal do país, em 1932. Suas principais
obras são: “Medicina Legal”, de 1933, “O Novo Código e a Medicina Legal”, de 1943,
“Enrico Ferri e a doutrina Lombrosiana”, de 1956 e “Criminologia”, de 1957 (SOUZA,
1982, p. 50-51).
Os postulados desenvolvidos por Césare Lombroso ao longo de suas
publicações científicas, em especial os conceitos desenvolvidos na obra “O Homem
Delinquente”, foram amplamente discutidos pelos criminalistas brasileiros.
Inicialmente, foram amplamente aceitos e divulgados, entretanto, ao serem
realizadas pesquisas para a análise dos resultados obtidos por Lombroso, muitos
penalistas brasileiros passaram a adotar uma postura mais comedida com relação
ao pensamento lombrosiano, refutando ou aceitando apenas em partes suas
hipóteses.
Embora posteriormente os fundamentos do Positivismo Antropológico
restaram desacreditados, é inegável que o debate gerado pelo pensamento de
Cesare Lombroso fomentou o desenvolvimento das Ciências Penais de forma nunca
antes vista, levando à criação de inúmeros Institutos de Criminologia no Brasil e
incitando a realização de pesquisas e estudos acerca do criminoso. Neste sentido,
60
pode-se afirmar que o positivismo antropológico logrou o benefício de estimular o
avanço da Criminologia e as reflexões sobre a questão criminal, mesmo que seja no
sentido de provocar críticas e propor novos estudos para examinar o fenômeno da
violência e o tratamento dado pelo Estado para as pessoas designadas como
criminosas.
4.3 O Pensamento Positivista Lombrosiano no Código Penal Brasileiro de 1940: A Personalidade do Criminoso, a Periculosidade e a Aplicação da Pena Indeterminada
A influência do Positivismo Antropológico no Brasil, atingiu o seu apogeu
com a promulgação do Código Penal brasileiro de 1940. Nesse momento ocorreram
as condições ideais para a utilização dos postulados lombrosianos: uma extensa
crise política, econômica e social, aumento da criminalidade, existência de um
inimigo externo, iminência de uma guerra mundial e necessidade de repressão
social, tendo em vista a instauração de um regime ditatorial.
Os agentes a serem criminalizados são definidos consciente ou
inconscientemente com base em critérios preconceituosos e segregacionistas, que
visam a alienação de indivíduos não desejáveis e que influenciam diretamente a
criação das leis penais, bem como a definição dos bens jurídicos a serem protegidos
e as condutas definidas como criminosas (ANDRADE, 1997, p. 278).
A lei penal, acima de tudo, é um instrumento de controle social. Tal fato é
facilmente verificado em uma breve análise da legislação penal, onde observa-se a
aplicação de medidas enérgicas na tentativa de contenção das condutas usualmente
relacionadas à grupos e classes sociais marginalizadas, que precisam ser mantidas
sob controle. Deste modo, às práticas contra o patrimônio individual e aos crimes
contra o Estado são previstas penas exemplares, enquanto que para crimes
característicos das classes sociais “dominantes”, tais como a corrupção, evasão de
divisas, ou a sonegação fiscal, se aplicam medidas brandas, que não levam em
conta o dano causado pelo autor, ou a quantidade de pessoas lesadas (ANDRADE,
1997, p. 279).
Ainda neste sentido, Vera Regina Pereira de Andrade complementa:
61
[...] os resultados da análise teórica e de uma série inumerável de pesquisas empíricas sobre os mecanismos de criminalização tomados em particular e em seu conjunto podem ser condensados em três preposições que constituem a negação radical do mito do Direito Penal como direito igualitário que está na base da ideologia da defesa social.a) O Direito Penal não defende todos e somente os bens essenciais nos quais todos os cidadão estão igualmente interessados e quando castiga as ofensas aos bens essenciais, o faz com intensidade desigual e de modo parcial (fragmentário);b) A lei penal não é igual para todos. O status de criminal é desigualmente distribuído entre os indivíduos;c) O grau efetivo de tutela e da distribuição do status de criminal é independente da danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei pois estas não constituem as principais variáveis da reação criminalizadora e de sua intensidade (ANDRADE, 1997, p. 282).
Na divulgação dos fatos relativos a vida dos indivíduos criminosos,
estudiosos em geral reportavam uma realidade exagerada negativamente, onde os
aspectos sociais e psicológicos indesejados pela população dominante eram
apresentados de forma inverossímil, na tentativa de demonstrar a existência de
grupos perigosos, que precisariam ser controlados ou afastados do convívio social.
Tal prática fortaleceu as idéias e teses mais extremadas sobre a criminalidade,
garantindo ao positivismo as condições perfeitas para o seu desenvolvimento, de
forma que não poderia haver outra explicação para o comportamento do referido
grupo a não ser a ocorrência de atraso evolutivo (ANITUA, 2008, p. 316).
No Brasil do final do século XIX, as teorias positivistas foram amplamente
adotadas, pois além de se encaixar nas necessidades da elite da época, também
legitimavam a alienação dos indivíduos considerados indesejados. Em um país
recém saído do modelo de produção escravagista, onde a população negra não
estava adaptada ao modelo de trabalho capitalista, mostrava-se urgente a criação
de institutos que garantissem o controle e a disciplina dos antigos escravos, de
forma que a lei penal encontrava-se intimamente ligada à questão racial (ANITUA,
2008, p. 353).
Neste sentido, Eugênio Raul Zaffaroni apresenta o controle social como
uma prática historicamente presente:
As dificuldades eram criadas sempre pelos indesejáveis que reincidem em comportamentos de menor gravidade ou que, simplesmente, se manifestam de forma indisciplinada. Estes seriam os inimigos ou estranhos mais complicados, pois requerem vigilância, uma vez que, aos olhos do poder, são sempre potencialmente perigosos. As dificuldades foram acentuadas com o crescimento das cidades e o consequente enfraquecimento do
62
controle social rural, espontâneo e estrito; se, no começo, também os indesejáveis era eliminados, o caráter gregário do ambiente urbano, que além disso favorece a circulação de informações, foi pouco a pouco tornando mais difícil o apelo a esse método: não só aqueles indesejáveis tendiam a aglutinar-se e multiplicar-se como a população dificilmente toleraria a matança indiscriminada e em massa (2007, p.36).
Assim, o positivismo jurídico, em especial o antropológico, exerceu papel
fundamental no direcionamento dos institutos penais aos interesses da elite da
época, legitimando o Estado na criação, regulação e execução da lei penal. Os
preceitos de Lombroso seguiam os procedimentos médicos e afirmavam que, tal
como uma pessoa doente, o criminoso deveria ser identificado e “curado” de sua
condição delitiva, ou, no insucesso desta última, afastado definitivamente do
convívio social (ANITUA, 2008, p. 378-379).
Quanto às primeiras tentativas da normatização positivista no Brasil,
ensina Moacyr Benedicto de Souza:
Os primeiros esforços para a normatização, no Brasil, dos princípios da Escola Positiva, datam do final do século passado. O então vigente Código de 1890, eivado de erros e defeitos de natureza técnico-jurídica, além de seu caráter excessivamente liberal, condizente, porém, com a realidade política dominante no mundo de então, passava pelo crivo de uma crítica acerba. Por consequência, o governo Floriano Peixoto cuidou de dar ao país um novo estatuto penal, encarregando o positivista Vieira de Araújo de elaborar o respectivo projeto. Apresentado este ao Congresso Nacional em 1893, foi, entretanto rejeitado. Dos pareceres a ela oferecidos, dois, pelo menos, calaram bastante no espírito da comissão legislativa encarregada de estudá-lo: o do Instituto da Ordem dos Advogados, de autoria de Batista Pereira, responsável pelo código que seria substituído e opositor declarado do positivismo penal, e o redigido pelo Professor João Monteiro, em nome da Faculdade de Direito de São Paulo (1982, p.63).
A influência do positivismo antropológico no diploma penal é inegável,
estando presente em diversos institutos, tais como na influência da personalidade do
criminoso e de sua periculosidade como fator determinante no quantum da pena, ou
na individualização da pena em si, de modo que tornava-se possível ignorar a
vedação constitucional de prisão perpétua ao cumular-se a aplicação da pena com a
medida de segurança. O auge da influência positivista antropológica na legislação
penal, entretanto, ocorre com a criação do Código Penal de 1940 (PIERANGELLI,
2006, P. 195).
Em 1937, ante o turbulento período após o rompimento da ordem
constitucional e a implantação do regime ditatorial com a presidência de Getúlio
Vargas, foi solicitado ao professor paulista Alcântara Machado que elaborasse um
63
projeto de Código Penal. Após concluída a tarefa, em 1940, o projeto foi submetido à
uma comissão revisora composta pelos professores Vieira Braga, Nelson Hungria,
Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra, sob a supervisão geral do Ministro da Justiça,
Francisco Campos. Além destes, a Comissão Revisora também contou com a
participação do professor Antônio José da Costa e Silva, que informalmente prestou
algumas sugestões acerca do projeto. Em seguida, com as observações realizadas
pela Comissão Revisora, Alcântara Machado novamente redigiu seu projeto,
entretanto, a comissão ignorou a nova redação dada por este e apresentou o projeto
definitivo em novembro de 1940, que foi publicado no mês seguinte (PIERANGELLI,
2001, p.78-79).
Sobre o Código Penal de 1940 elucidam Eugênio Raul Zaffaroni e José
Henrique Pierangeli:
O código de 1940 possui uma parte especial ordenada da mesma maneira que apresentava o projeto Galdino Siqueira, ou seja, encabeçada com os delitos contra a pessoa, mas com uma estrutura decididamente neo-idealista, própria do código italiano de 1930. É um código rigoroso, rígido, autoritário no seu cunho ideológico, impregnado de “medidas de segurança” pós-delituosas, que operavam através do sistema “duplo-binário” ou da “dupla via”. Através deste sistema de “medidas” e da supressão de toda norma reguladora da pena no concurso real, chegava-se a burlar, dessa forma, a proibição constitucional da pena perpétua. Seu texto corresponde a um “tecnismo jurídico” autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas (própria do Código Rocco), desemboca numa clara deterioração da segurança jurídica e converte-se num instrumento de neutralização de “indesejáveis”, pelas simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada (2006, p 194).
Deste modo, evidente a utilização por parte dos legisladores brasileiros de
diversos elementos do Positivismo Antropológico na elaboração do Código Penal de
1940, principalmente com a justificativa de promover a Defesa Social. Em especial,
pode-se identificar inúmeros institutos do Diploma Penal brasileiro que fazem
referências explícitas ou implícitas aos conceitos desenvolvidos na obra “O Homem
Delinquente”.
Por razões didáticas, optou-se por identificar e discorrer sobre apenas
três destes institutos trazidos no Código Penal brasileiro e que fazem menção aos
postulados elaborados na referida obra: a análise da personalidade do delinquente
na dosimetria da pena, a verificação da periculosidade e a possibilidade da
cumulação da pena com a medida de segurança, o que na prática corresponde à
pena indeterminada.
64
Tais institutos foram escolhidos pela facilidade na identificação e
assimilação com os elementos trabalhados no livro “O Homem Delinquente”, bem
como por ostentarem de forma mais evidente a influência lombrosiana.
4.3.1 Personalidade do Delinquente
A criminalização de uma conduta, qual seja, imputar a um grupo de
pessoas a condição de criminosos, é exercida por um estrato social específico, que
é escolhido e treinado de forma consciente e inconsciente para perpetuar o status
quo, reproduzindo uma política de controle social através da legislação penal que
visa a proteção de interesses escusos (ANDRADE, 1997, p. 276).
Tal prática explicaria a predominância de indivíduos pertencentes à
classes menos favorecidas nos cárceres, pois o objetivo principal da legislação
penal seria exatamente oprimir e controlar estes grupos sociais. Assim, as teorias da
Criminologia Positivista que afirmam que fazer parte de uma determinada parcela da
sociedade é um indicativo de potencial delitivo caem por terra (ANDRADE, 1997, p.
276-277).
Deste modo, o processo de criminalização e o aparato penal e
criminológico estariam baseados em modelos e estereótipos que não podem ser
tomados como regra geral e que se forem seguidos, apenas realimentam o sistema,
criando um círculo vicioso (ANDRADE, 1997, p. 277).
O positivismo antropológico, ao transferir o foco de estudo do crime para
o criminoso, tomou um receoso caminho, que faz com que o julgamento de uma
conduta delitiva se dê muitas vezes com base unicamente no indivíduo, deixando de
lado o fato típico cometido, baseando-se no determinismo e na defesa social.
(ANDRADE, 1997, p. 70).
A personalidade do criminoso conquistou uma posição de destaque no
pensamento positivista antropológico, pois, juntamente com os caracteres físicos,
possibilitaria maior eficiência na identificação e tratamento do potencial delitivo.
Assim, mostrou-se de grande importância o estudo sobre a personalidade do
indivíduo delinquente na determinação das causas que o direcionavam para a
prática do fato típico, de modo à evitá-las (SOUZA, 1982, p. 69).
65
Além disso, a Escola Positiva, como um todo, proporcionou a mudança do
objeto de estudo dos penalistas, relegando o crime ao segundo plano e dando
destaque para o criminoso, de forma que o autor do fato anti-social passou a ser o
centro das pesquisas e trabalhos científicos (SOUZA, 1982, p. 69).
A personalidade é fator determinante na conduta de um indivíduo, sendo
que apenas através de seu estudo é que se pode tentar compreender as reais
intenções e motivações de uma ação praticada. Neste sentido, Cesare Lombroso foi
o primeiro autor a reconhecer a importância do estudo da personalidade criminosa
na busca por respostas à prática delitiva (SOUZA, 1982, p. 70).
Cristina Rauter estabelece a relação entre o comportamento da
população brasileira e suas práticas culturais, que eram tomados como indícios de
sua personalidade delinquente:
O olhar dos criminólogos se volta para os costumes brasileiros: o carnaval, os sambas, os cangaceiros nordestinos, a miscigenação. Todos estes são indícios de uma incapacidade para o controle moral, que explica também a indolência para o trabalho, a tendência para o desrespeito à autoridade e finalmente para o crime (2003, p. 37).
No pensamento lombrosiano, o delinquente possui alguns traços
marcantes em sua conduta social, evidenciando sua personalidade anormal. Tal
postura seria consequência do atraso evolucional, de forma que merece destaque
no estudo do indivíduo criminoso (SOUZA, 1982, p. 70).
Seguindo os preceitos positivistas lombrosianos, a legislação penal
brasileira também coloca em destaque a personalidade do autor de fato típico, de
forma que esta exerce influência direta na dosimetria da pena.
De fato, desde o Projeto Alcântara Machado havia a preocupação em
diagnosticar a personalidade do agente, conforme explica Moacyr Benedicto de
Souza:
A lei penal brasileira empresta destaque especial à personalidade do agente. Já no Projeto Alcântara Machado, em sua nova redação, a preocupação com esse complexo que constitui a personalidade do delinquente teve relevo acentuado. No artigo 41, ao cuidar da aplicação da pena, atribui-se ao juiz, como primeira preocupação, o atendimento à personalidade do agente e, no artigo seguinte discrimina os requisitos que o julgador deve ter em conta para formar sua convicção sobre tal personalidade: “I – a sua idade, educação e situação econômica, antecedentes judiciais ou penais e procedimento na vida individual, familiar e social; II – o seu comportamento e estado de ânimo antes, durante e depois do crime; e III – quaisquer outros elementos que contribuam para o
66
conhecimento do seu temperamento e caráter” (1982, p. 71).
Embora o Código Penal de 1940 não tenha adotado os detalhes
expressos originalmente no Projeto Alcântara Machado, também colocou a
personalidade do agente como item a ser observado no momento da dosimetria da
pena. Tal característica foi exposta em três pontos distintos do referido instituto.
Inicialmente, encontrava-se expressa no artigo 42, onde era permitido ao juiz a
avaliação da personalidade do agente, com base em critérios pessoais e subjetivos,
com o intuito de ajustar a sanção ao autor do delito em questão (SOUZA, 1982, p.
71).
Assim, o Código Penal de 1940 teria adotado amplamente os
pressupostos positivistas antropológicos e apresentaria claras influências do Código
Penal Italiano de 1930, ou seja, um produto do fascismo e do totalitarismo. Deste
modo, evidencia-se a pretensão autoritária e a criação de inúmeros mecanismos que
perpetuariam a pena imposta, permitindo a neutralização de “indesejáveis”,
utilizando-se dos conceitos estabelecidos pela Escola Positiva (PIERANGELI, 2007,
p. 194).
Posteriormente, a personalidade também foi abordada no artigo 49 do
Código Penal de 1940, onde ao discorrer sobre o Concurso de Circunstâncias
Agravantes e Atenuantes,o legislador elencou a personalidade do agente como um
dos três elementos preponderantes a serem analisados na definição do quantum
penal (SOUZA, 1982, p. 71,72).
Por fim, o artigo 77 dispunha a personalidade como fator a ser analisado
na definição da periculosidade do indivíduo infrator, delegando ao juiz a análise da
personalidade do agente para verificar se este apresentava a possibilidade de
praticar crimes novamente. Ou seja, segue a máxima do pensamento lombrosiano
sobre a pré-disposição delitiva com uma roupagem diferente, relegando aos
magistrados a definição de critérios que interferem diretamente na dosimetria da
pena. Neste mesmo artigo ainda, verifica-se um rol de condutas que indicam uma
periculosidade maior do agente, entre eles pode-se observar a perversão, malvadez
e insensibilidade moral. Não por acaso, tais tendências foram apontadas no livro “O
Homem Delinquente”, de Cesare Lombroso, como características do criminoso nato
(SOUZA, 1982, p. 72).
Sobre o tema, ensina Cristina Rauter:
67
Um dispositivo como a medida de segurança é o resultado prático de cerca de quatro décadas de discussões nos meios jurídico brasileiros, é a adoção de um novo critério de julgamento, baseado não no ato criminoso, mas na personalidade do delinquente. Além disso, corresponde a uma transformação na concepção de pena e de sua ação sobre uma personalidade considerada anormal [...] (2003, p. 74).
A individualização da pena, tal como previsto no artigo 42 do Código
Penal de 1940, possui evidente inclinação positivista antropológica, aumentando a
importância da figura do juiz, que pode, baseado em uma análise puramente
subjetiva da personalidade do agente, ajustar a sanção aplicável ao fato
(ANDRADE, 1997, p. 70).
Tal instituto encontra-se entre os mais polêmicos dentro do Direito Penal,
uma vez que visa uma adequação da pena ao crime praticado e daquela ao
criminoso. A individualização vislumbra-se como a solução para o problema da
aplicação da sanção penal ao agente, ao estabelecer critérios flexíveis que permitem
um ajuste correspondente ao fim a que se propõe (SOUZA, 1982, p. 84).
Sobre os fundamentos teóricos da individualização da pena, ensina Rivail
Carvalho Rolim:
Na realidade, nas teorias do positivismo penal do início do século XX estavam presentes os pressupostos de que os fatores biológicos determinavam o comportamento das pessoas, que que elas transgrediam a lei em função de uma evolução às avessas, pois retornavam ao primitivismo e à selvageria. (2006, p.187)
Por volta do século XVIII, por conta dos estudos penais classicistas, a
única preocupação do sistema penal era a repressão ao delito, de forma que ao
estabelecer sanções ao criminoso, as únicas considerações realizadas quanto à
pena a ser aplicada eram realizadas com base nas condições e características do
crime cometido. Ou seja, analisava-se unicamente o crime (SOUZA, 1982, p. 85).
Já no fim do século XIX, a Escola Positiva mudou o foco de estudo das
ciências criminais do crime para o criminoso, fazendo com que a principal função da
pena fosse a reeducação do criminoso. Pela primeira vez as condições do criminoso
passaram a ser vistas de forma especial, uma vez que determinariam o quantum
penal. Por tal motivo, era necessário dotar o magistrado de autonomia para ajustar a
pena de acordo com as características do detento, para que este pudesse ser
reintegrado ao quadro social da forma mais eficiente possível (SOUZA, 1982, p. 85).
68
O Código Penal de 1940 adotou a individualização da pena como um
princípio doutrinário, sendo considerado um dos mais importantes institutos do
diploma. Como mencionado anteriormente, encontrava-se previsto no artigo 42,
onde foi garantido ao juiz a possibilidade de interferir na aplicação das sanções com
base em seu critério. Além da legislação penal, a jurisprudência dos tribunais decidia
pela anulação de processos onde não se realizava a individualização da sanção
aplicável (SOUZA, 1982, p. 87).
Acerca dos elementos analisados na individualização da pena,
complementa Rivail Carvalho Rolim:
Entretanto, se por um lado o positivismo penal do inicio do século XX dava grande ênfase À existência de sinais físicos para definir o criminoso, por outro abria espaço também para se considerar o ambiente social como responsável pela geração de pessoas criminosas, pois havia o entendimento de que o meio provocava o enfraquecimento dos hábitos, a perpetuação dos vícios e das taras (2006, p. 188).
O legislador, por meio do diploma penal, estabelece os critérios básicos
aplicados na definição da conduta tipificada como crime, cabendo ao juiz analisar as
especificidades do caso concreto e ajustar a sanção proposta com base nos
antecedentes pessoas, saúde, situação econômica, personalidade, entre outras.
Neste ponto, importante frisar a importância que a personalidade do criminoso
possuiu na individualização da sanção, pois forneceria os dados básicos
necessários para formar o entendimento do juízo. Ocorre que, deturbando-se a idéia
inicial da Escola Positiva, o instituto da individualização terminou por ser usado
como instrumento de majoração indiscriminada da pena (SOUZA, 1982, p. 86).
Ainda sobre o tema, leciona Moacyr Benedicto de Souza:
Diz o artigo 42: “Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau de culpa, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime: I – determinar a pena aplicável, dentre as cominadas alternativamente; II – fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável” (1982, p. 88).
O arbítrio do juiz encontra limites expressos no artigo 42, onde é
determinado quais elementos objetivos e subjetivos devem ser analisados na
formulação de seu juízo e na individualização da pena. Entre os ditames que
necessitam de especial atenção, frisa-se a antecedência do agente e sua
personalidade. No que tange a antecedência, esta não deve ser restrita ao aspecto
69
criminal, de forma que toda a situação econômica, social, profissional e familiar do
agente deve ser sopesada, em clara referência aos preceitos positivistas
antropológicos. Outro aspecto previsto pelo legislador que possibilita ao magistrado
adequar a sanção aplicada é a intensidade do dolo ou grau de culpa do criminoso
(SOUZA, 1982, p. 88-89).
Assim, apesar da possibilidade de contar com o auxílio de peritos, mostra-
se indispensável um profundo conhecimento acerca dos fenômenos psíquicos e
sociais no exame da personalidade de qualquer indivíduo. Entretanto, geralmente o
magistrado não se encontra revestido de tal conhecimento, o que resulta em uma
análise imprecisa ou equivocada. Tendo em vista o caráter eminentemente subjetivo
da análise da personalidade de um agente, a formação jurídica do juiz e os fatos
levantados processualmente não são suficientes para que o magistrado efetue a
referida análise. Neste contexto, ganha força a figura do especialista, do perito, que
exerceria papel fundamental em tarefa tão ardilosa e importante, que possui
desdobramentos em praticamente todos as etapas processuais penais
subsequentes (ANITUA, 2008, p. 380).
4.3.2 A Periculosidade
Outro aspecto que também foi tratado com destaque no pensamento
lombrosiano foi a periculosidade, que seria a medida do potencial delitivo de um
determinado indivíduo. Esta teria importância pois disponibilizaria um tratamento
adequado ao criminoso e permitiria verificar se este poderia ser reintegrado a vida
social ou deveria ser mantido afastado da sociedade de forma indeterminada. O
positivismo antropológico não se baseia na possibilidade, mas sim na probabilidade
do indivíduo voltar a delinquir (SOUZA, 1982, p. 79).
Assim, a periculosidade poderia se manifestar de duas maneiras distintas:
anterior e posterior ao crime. A posterior ao crime se verificava como a mais comum
e tratava dos indivíduos que já praticaram o crime. Através da análise deste, se
verificava o grau de perigo que tal indivíduo representa à sociedade. Já a anterior ao
crime, não era tão comum quanto a mencionada anteriormente e visava a prevenção
social, antevendo a prática do crime em um indivíduo que possuía potencial para
70
cometê-lo (SOUZA, 1982, p. 79).
A periculosidade anterior ao delito encontra amparo em diversas
legislações pelo mundo, em institutos como o crime putativo ou crime impossível.
Alguns autores afirmam que a periculosidade pré delitiva pode ser verificada,
inclusive, na modalidade tentada dos crimes, uma vez que aplica-se uma sanção a
um delito que não ocorreu, punindo-se uma conduta pela probabilidade de ela se
repetir (SOUZA, 1982, p. 79).
A Escola Positiva foi quem delimitou o conceito moderno de
periculosidade, ao estabelecer o delinquente como centro do estudo penal. Assim,
pela doutrina positivista, o criminoso precisava ser reprimido por apresentar fatores
biopsicológicos e sociais que o impeliriam a prática delitiva e o tornariam perigoso,
sendo que tal conceito permitiu, além da legitimidade para punir o agente, a
mensuração da pena e a determinação da forma como esta seria aplicada (SOUZA,
1982, p. 79).
Deste modo, verifica-se a utilização da criminologia e do direito penal pelo
Estado na legitimação de uma política segregadora, que utilizava a ordem social e
segurança nacional como justificativas para criar um sistema legislativo e doutrinário
que visava afastar os “inimigos comuns”. Neste sentido, os juristas brasileiros que
seguiam as doutrinas positivistas e lombrosianas obtiveram êxito em estimular
algumas reformas no que tange a doutrina, legislação e instituições, mesmo após o
declínio de tais teorias na Europa. (ALVAREZ, 2002).
Em análise aos postulados do positivismo antropológico, chega-se a
síntese dos seguintes requisitos na mensuração da periculosidade: A personalidade
do indivíduo sob o ponto de vista antropológico, psíquico e moral, sua vida anterior,
conduta posterior, motivação na prática do ilícito penal e o fato criminoso em si
(SOUZA, 1982, p. 80).
Na legislação brasileira a periculosidade é o marco da medida de
segurança. O juiz, em análise ao criminoso, projeta o futuro do indivíduo acusado
verificando a probabilidade deste incorrer novamente em ilícito penal. Da mesma
forma que a análise do referido instituto se dá sobre situações futuras, as sanções
também são aplicadas neste sentido, com finalidade unicamente preventiva, em
caráter evidente de Defesa Social. Os positivistas entendiam que não apenas a
medida de segurança deveria possuir tais características, como também a pena
aplicada, de modo que ambas servissem para o mesmo propósito: a prevenção
71
(SOUZA, 1982, p. 80-81).
Acerca do tema, ensina Cristina Rauter:
O arbítrio do juiz é enormemente aumentado em razão desta capacidade de julgar tecnicamente, que a ciência da criminologia lhe outorgou. A personalidade perigosa é definida como aquela em que existe uma tendência delituosa, tendência essa avaliada pelo juiz com o auxílio de seus peritos auxiliares (os psiquiatras, principalmente) (2003, p. 71)
O Código Penal Brasileiro de 1940, apesar de adotar os contornos
positivistas no que tange aos requisitos na mensuração da periculosidade, não
unificou, em teoria, a aplicação da pena e da medida de segurança em um mesmo
instituto, de forma que, cada uma possui finalidades, características e requisitos
distintos. Todavia, é evidente a influência dos postulados de Lombroso na
determinação dos itens a serem analisados na periculosidade (SOUZA, 1982, p. 82).
No que tange ao exame da periculosidade, explica ainda Cristina Rauter:
A noção de periculosidade não equivale exatamente a um diagnóstico psiquiátrico, mas os considerados doentes mentais são também vistos como perigosos, juntamente com os reincidentes, os condenados por crimes organizados e, o que é mais importante: todo e qualquer criminoso, desde que o juiz o avalie como virtual reincidente (2003, p. 71).
Tal instituto encontra-se expresso nos artigos 77 e 78 do referido diploma
legal, conforme segue:
Art. 77. Quando a periculosidade não é presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o indivíduo, se a sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizam a suposição de que venha ou torne a delinquir [...]Art. 78. Presumem-se perigosos:I aqueles que, nos termos do art. 22, são isentos de pena;II - os referidos no parágrafo único do artigo 22;III - os condenados por crime cometido em estado de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual a embriaguez;IV - os reincidentes em crime doloso;V - os condenados por crime que hajam cometido como filiados a associação, bando ou quadrilha de malfeitores (BRASIL, 1940).
Havia menção à periculosidade em demais artigos do Código Penal de
1940, entre eles o artigo 57 e 60, onde foram disponibilizados aos agentes que, em
tese, não voltariam a delinquir, o benefício da suspensão condicional da pena e do
livramento condicional (SOUZA, 1982, p. 82).
Sobre o tema, Cristina Rauter complementa:
72
A adoção da medida de segurança representa a incorporação ao direito penal de um critério de julgamento que não se refere ao delito, mas à personalidade do criminoso. O julgamento do juiz refere-se a um tipo de anormalidade reconhecida no delinquente, a periculosidade. (2003, p. 71)
Conforme referido anteriormente, com o intuito de legitimar as idéias
positivistas, o Estado brasileiro lançou mão de um instrumento em particular para a
manutenção da defesa social, a criação de um inimigo em comum. Sobre o tema,
ensina Eugênio Raul Zaffaroni (2007, p. 57): “A técnica völkisch (ou popularesca)
consiste em alimentar e reforçar os piores preconceitos para estimular publicamente
a identificação do inimigo da vez.”
Algumas legislações empregam a periculosidade pré-delitual como base
na determinação de sanção em alguns casos. O mesmo ocorreu no Brasil, com o
Código Penal de 1940. Embora em regra a periculosidade pós-delitual seja
reconhecida como parâmetro para aplicação da medida de segurança, o diploma
legal pátrio também previu duas hipóteses em que a referida medida se baseava na
periculosidade anterior ao delito. Eram os casos de tentativa absolutamente
impossível, prevista no artigo 14; e instigação ou auxílio para o crime que não
chegou a ser tentado, previsto no artigo 27. Assim, clara a influência lombrosiana
neste instituto, pois admitia-se a periculosidade sem o cometimento de crime algum
(SOUZA, 1982, p. 83).
O Código Penal de 1940 adotou o sistema progressivo de pena, que tinha
por objetivo principal a ressocialização do criminoso. Com base nos critérios
anteriormente apresentados, o magistrado iria proceder a análise acerca da
periculosidade do agente. Se este fosse considerado perigoso, deveria cumprir sua
pena em regime fechado. Durante sua permanência neste regime, realizaria exames
biopsicossociais regularmente, que analisariam sua personalidade e eventuais
progressos em sua conduta.
4.3.3 Pena Indeterminada
Cesare Lombroso acreditava, devido a influência de sua formação
médica, que a prática delitiva era uma doença da mente e como tal poderia ser
tratada e curada. Assim, este desenvolveu um modelo de tratamento penitenciário
73
que se assemelhava ao tratamento psiquiátrico, qual seja, um método de tratamento
através da observação dos indivíduos, diagnóstico acerca de suas necessidades,
classificação e por fim o tratamento elaborado com base nas informações coletadas,
visando a cura do criminoso. Em suma, o médico italiano pretendia, tal como na
medicina, encontrar uma “cura” para a condição de criminoso e se não conseguisse,
agiria tal qual em uma epidemia, isolando os portadores da doença e controlando os
focos de contágio (ANITUA, 2008, p. 379).
Assim, um dos conceitos trabalhados na obra de Lombroso é o de afastar
do convívio social aqueles que, por algum motivo, não pudessem livrar-se de seu
ímpeto criminoso. Para tanto, seria necessário a criação de um instituto que
permitisse a aplicação de uma pena indeterminada, ou seja, uma sanção sem limites
temporais. Esta consistiria em delegar ao juiz a função de meramente verificar a
existência de periculosidade e, encontrando indícios que formassem seu
entendimento, decretaria o afastamento do agente delitivo do convívio social, sem
delimitar quanto tempo este ficaria recluso. Quem controlaria a duração da sanção
neste caso, seria a própria administração penitenciária, que através de
acompanhamento regular observaria a cessação da punição assim que o agente se
mostrasse apto ao convívio social (SOUZA, 1982, p. 91-92).
Neste sentido, afirma Cristina Rauter:
Uma vez considerado “perigoso”, o destino do criminoso é a medida de segurança. E neste ponto surge uma aparente incongruência do “novo código”, que faz conviver este novo dispositivo, curativo e preventivo, com a velha pena, punitiva e intimidatória [...] Na verdade, a extrema ambiguidade com que são definidas as medidas de segurança acaba por deixar claro que sua intenção primeira é a vigilância e não o tratamento [...] (2003, p. 72-73).
No Brasil, em tese, tal instituto não encontrou amparo legal. Entretanto,
na prática, pôde ser observado em alguns casos. A sentença indeterminada no país
foi responsável por inúmeros debates desde o final do século XIX, todavia sempre
foi recusada com a justificativa de que colocaria em risco a liberdade individual dos
cidadãos brasileiros (SOUZA, 1982, p. 94).
Sobre as iniciativas legislativas acerca do tema, ensina Moacyr Benedicto
de Souza:
No plano legislativo, a pena relativamente indeterminada aparece, pela primeira vez, no Projeto Sá Pereira, com a relegação. Esta sanção era prevista sempre que coubesse a pena privativa de liberdade superior a
74
cinco anos, devendo-se levar em conta, ainda, a gravidade do delito, a personalidade do agente e seu desajuste social, bem como as condições em que o fato se dera. Essa pena, a ser cumprida em estabelecimento penal agrícola, não podia exceder à metade do máximo da pena cominada na lei (arts. 85 a 88) (1982, p. 94-95).
O autor ainda complementa:
O Projeto Alcântara Machado limitou a indeterminação tão somente às medidas de segurança detentivas, ao fixa que “Não se revogará qualquer das medidas detentivas, enquanto não se verificar, mediante exame das condições em que estiver o agente, haver cessado a periculosidade” (art. 83) (1982, p. 95).
Por fim, o Código Penal de 1940 acompanhou o entendimento
anteriormente firmado pela jurisprudência e doutrina, não incorporando a pena
indeterminada ao ordenamento jurídico brasileiro. Tal medida pode apenas ser
aplicada com ressalvas no que tange a medida de segurança, expressa no artigo 81
do referido diploma penal (SOUZA, 1982, p. 95)
Sobre a pena indeterminada, salienta Giúlio Battaglini:
O legislador repele o instituto da chamada pena indeterminada, considerando-a exatamente uma contradictio in adiecto. A pena, por sua natureza [...], não pode ser senão determinada; se for indeterminada já não será pena, mas medida de segurança (1973, p. 656).
Ocorre que, ante à lacuna deixada pelo legislador, existem casos onde
verifica-se a aplicação da pena indeterminada através da culminação da pena com a
medida de segurança, o que permitiria manter o indivíduo infrator detido sem limite
temporal.
Uma vez que a medida de segurança perdura enquanto houver a
periculosidade do agente, esta poderia ser aplicada por tempo indeterminado, já que
a cessação da internação ocorria por despacho do magistrado, após realizada
perícia médica e ouvido o Ministério Público e o diretor do estabelecimento
responsável pela aplicação da medida, nos termos do artigo 91, § 4º do Código
Penal de 1940. Frisa-se que tal procedimento perdura até os dias de hoje.
Apesar dos postulados do Positivismo Antropológico de Lombroso
apresentarem exageros, é inegável a sua importância frente aos inúmeros institutos
criados com base em sua teoria e aplicados em escala mundial. Entretanto, a maior
das contribuições deste movimento teórico foi deslocar o objeto de estudo das
ciências criminais do delito para o criminoso, alegando ser necessário resolver os
75
problemas do delinquente antes de resolver a delinquência em si (SOUZA, 1982, p.
164).
A adoção dos postulados positivistas e, por consequência, do
pensamento lombrosiano pelo poder legislativo brasileiro, seguiu uma mudança de
paradigma mundial, com o endurecimento das leis penais e a definição do criminoso
como principal elemento na definição das políticas de segurança públicas (SOUZA,
1982, p. 164).
Quanto a influência positivista na legislação penal brasileira, a doutrina
aponta a adoção do sistema duplo-binário, a implantação das penas com caráter
eminentemente retributivo; a análise exclusiva da periculosidade do autor do fato
típico para determinar o “quantum” de sua pena; a utilização de postulados
subjetivos e vagos na dosimetria penal e na determinação da periculosidade; e a
determinação da medida de segurança pós-delituosa com caráter indeterminado.
A defesa social apresentou-se como a principal justificativa na elaboração
do Código Penal brasileiro de 1940, onde o interesse da sociedade prevaleceria
sobre o interesse do indivíduo, elemento de um regime autoritário e centralizador,
qual seja uma ditadura.
Entre os institutos do referido diploma penal, identificou-se três em
especial, que derivam diretamente dos postulados elaborados por Cesare Lombroso
em seu livro “O Homem Delinquente”: a análise da Personalidade do Delinquente na
dosimetria da pena, a verificação da periculosidade e a possibilidade da cumulação
da pena com a medida de segurança.
A combinação dos diversos conceitos teóricos estabelecidos pela Escola
Positiva e por Cesare Lombroso com os institutos e mecanismos doutrinários e
legais brasileiros, tiveram como conseqüência a clara deterioração da segurança
jurídica e a conversão da criminologia e do direito penal em um instrumento de
neutralização de indesejáveis.
Entretanto, a divulgação do pensamento lombrosiano no Brasil também
proporcionou grande avanço nas ciências criminais, pois fomentou o debate acerca
dos resultados obtidos nas pesquisas de Lombroso e instigou a formulação de novas
teorias acerca do comportamento delinquente por parte dos criminalistas. Como toda
teoria científica, as hipóteses do autor encontraram defensores e críticos, que
defendiam seus pontos de vista através da publicação de artigos científicos e da
criação de institutos de estudo criminológicos.
76
5 CONCLUSÃO
Neste trabalho, buscou-se estudar a influência que os postulados
positivistas antropológicos de Cesare Lombroso, em especial os desenvolvidos em
sua obra mais emblemática, “O Homem Delinquente”, exerceram sobre o
pensamento penal e criminológico no Brasil, entre 1900 e 1940.
Deste modo, partiu-se da análise do contexto histórico em que Lombroso
vivia, bem como do principal movimento teórico originado por suas teses e
experimentos, qual seja, a Escola Positiva.
A partir da referida análise, verificou-se que o conturbado momento
político e econômico em que se encontrava o continente europeu, criou um ambiente
propício para a propagação da miséria e a fomentação de levantes sociais.
Entretanto, ao mesmo passo em que os países da Europa encontravam-se à beira
de um colapso estatal, o conhecimento técnico e científico enfrentava um momento
de grande desenvolvimento, impelido pelos constantes investimentos privados na
busca por meios de produção mais eficientes. Logo, acreditou-se que, além das
questões mercantilistas, a ciência poderia também apresentar soluções para tudo o
que incomodava o europeu do final do século XIX.
Este período contrastante, onde o retrocesso político, econômico e social
convivia com o progresso científico e tecnológico, impeliu Cesare Lombroso a
buscar soluções, por conta própria, para os anseios do homem de sua época. Para
isso, utilizou-se das mais recentes descobertas da ciência, elaborou uma teoria
revolucionária (atavismo) e foi defendido por outros autores, como Enrico Ferri e
Raffaele Garofalo, os quais se opuseram ferozmente ao pensamento criminal
dominante da época. Posteriormente, a corrente teórica destes autores foi
denominada como Escola Positiva.
Vencida esta primeira etapa do trabalho, com o entendimento necessário
77
acerca da conjuntura histórica que motivou Cesare Lombroso à análise do
criminoso, procedeu-se o estudo acerca da vida e obra do autor, com ênfase em sua
obra mais controvertida: “O Homem Delinquente”.
Assim, através do estudo acima mencionado, acompanhou-se a trajetória
de Lombroso desde seu nascimento até a morte, passando pelos momentos mais
marcantes de sua vida profissional e acadêmica que, de alguma forma, contribuíram
explicitamente no conjunto de sua obra. Deste modo, estudou-se sua experiência
como médico militar, diretor de manicômio, seu trabalho em penitenciárias, o contato
com a Frenologia e a teoria da evolução das espécies e, por fim, o exercício da
cátedra de medicina legal na universidade de Turim.
Em seguida, analisou-se o conjunto de sua obra, com um breve apanhado
acerca de seus principais livros e artigos científicos, concluindo a análise com os
principais postulados desenvolvidos na obra “O Homem Delinquente”. Neste último
ponto, vislumbrou-se um aprofundado estudo de Lombroso acerca das
características biológicas, psicológicas e sociais, que motivariam o comportamento
criminoso de alguns indivíduos.
Passada esta segunda etapa do trabalho, onde foi conhecida a trajetória
de Lombroso, bem como a produção teórica deste e os principais postulados de sua
obra mais divulgada, “O Homem Delinquente”, seguiu-se ao desfecho do trabalho,
na proposta de identificar na produção legislativa e doutrinária brasileira do início do
século XX, as influências do pensamento lombrosiano, em especial dos conceitos
desenvolvidos na referida obra.
Assim, com um aprofundado estudo bibliográfico, que examinou ainda o
momento histórico brasileiro, identificou-se enorme influência do pensamento
positivista no Direito Penal e na Criminologia brasileira no período compreendido
entre 1900 e 1940, de forma que o ápice desse fenômeno ocorreu na edição do
Código Penal de 1940, com a inclusão de institutos claramente baseados em
preceitos do Positivismo Antropológico.
No que tange à Criminologia brasileira, inúmeros autores não apenas
defenderam, como também divulgaram o pensamento lombrosiano, alcançando
reconhecimento internacional com suas idéias. Quanto ao Direito Penal brasileiro,
verificou-se que o regime ditatorial que promulgou o Código Penal de 1940, fez uso
de alguns postulados de inspiração lombrosiana.
Entre os principais defensores da antropologia criminal, importante frisar
78
os nomes de: Nina Rodrigues, Teodolindo Gastiglione, Augusto de Camargo, Vieira
de Araújo, Viveiros de Castro, Tobias Barreto, entre outros, que defendendo ou
criticando, discorreram acerca das teorias lombrosianas e auxiliaram no
desenvolvimento das Ciências Criminais brasileiras.
Entretanto, também verificou-se que a influência de Cesare Lombroso não
se limitou à doutrina brasileira, de forma que os conceitos trabalhados na obra “O
Homem Delinquente”, estiveram presentes em diversos institutos do Código Penal
de 1940. Ocorre que no Brasil a questão do criminoso nato foi tratada de forma
diversa, recebendo contornos raciais e sendo utilizada para afastar inimigos do
regime.
Assim, o que se verificou, é que ao contrário do inicialmente proposto por
Lombroso, os postulados utilizados no referido diploma penal não foram aplicados
com o intuito de identificar e isolar os criminosos natos. Na prática, apenas legitimou
um regime autoritário a isolar os “inimigos da vez”, fossem eles negros, índios ou
antigovernistas. Tudo de forma legal, através da utilização de critérios subjetivos na
dosimetria da pena, majorando-a, ou na determinação da periculosidade do agente,
cumulando a aplicação da pena com a medida de segurança, podendo afastar um
indivíduo do convívio social de forma perpétua.
O que se verifica atualmente, com o desenvolvimento da medicina
genética, psiquiátrica e neurológica, é um retorno aos postulados formulados por
Césare Lombroso, uma vez que este foi um dos primeiros autores a trabalhar de
forma sistemática com a hipótese da identificação de pessoas com capacidade
delitiva.
Embora as teorias de Lombroso, principalmente a do atavismo, tenham
sido desacreditadas pelos autores da época, recentes pesquisas científicas1 alegam
existir indivíduos que nasceriam com predisposição delitiva por diversas causas, tais
como: predisposição genética para a agressividade, desequilíbrio hormonal,
transtornos psíquicos, entre outros. Os cientistas atualmente trabalham na
identificação de genes ligados a agressividade e ao comportamento anti social, não
descartando, porém, a influência do ambiente social e familiar no período de
1 Nesse sentido, consulte-se o artigo de Adrian Raine, professor dos Departamentos de Criminologia, Psiquiatria e Psicologia, University of Pennsylvania, Filadélfia, EUA, intitulado “O crime biológico: implicações para a sociedade e para o sistema de justiça criminal”. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2008, vol.30, n.1 [citado 2010-06-09], pp. 5-8 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082008000100003&lng=pt&nrm=iso Acesso em: 24 jun 2009.
79
desenvolvimento e formação do caráter, que podem alterar a disposição gênica.
Assim, tornam-se comuns novas incursões pelas obras de Cesare
Lombroso, pois estas forneceram as bases para a criação de inúmeras teorias e
tratamentos para a criminalidade, que partiam do pressuposto que a condição de
criminoso seria inata a determinados indivíduos, o que pode vir a ser confirmado, em
breve, pela ciência.
6 REFERÊNCIAS
ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Rio de Janeiro: Dados, v. 45, n. 4, 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S001152582002000400005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 25 maio 2009.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
ANITUA, Gabriel Ignácio. História dos pensamentos criminológicos. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
AQUINO, Rubim Santos Leão de; ALVARENGA, Francisco Jacques Moreira de; FRANCO, Denize de Azevedo; CAMPOS LOPES, Oscar Guilherme Pahl. História das Sociedades: Das Sociedades Modernas às Sociedades Atuais. 31. ed. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1996.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 1997.
BATTAGLINI, Giulio; COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1973.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
BRANCO, Vitorino Prata Castelo. Criminologia. 1. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980.
80
______. Curso Completo de Criminologia da Sociedade Brasileira de Direito Criminal. 1. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1975.
BRASIL. Código Penal: Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 01 de julho de 2010.
CARVALHO, Érika Mendes de. Punibilidade e direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
CONDE, Francisco Muñoz; HASSEMER, Winfried. Introdução à Criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
COSTA, Álvaro Mayrink de. Criminologia. v. 1, 2. ed. Rio de Janeiro: Rio, 1980.
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal: Curso Completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
DAL RI JÚNIOR, Arno. O Estado e Seus Inimigos: A Repressão Política na História do Direito Penal. Rio de Janeiro:Revan, 2006.
FARIAS JÚNIOR, João. Manual de Criminologia. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2001.
FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 387-433.
GOMES, Ângela Maria de Castro. Confronto e compromisso no processo de constitucionalização (1930-1935). In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Republicano: Sociedade e Política (1930-1964). t. 3, v. 3, 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. p. 7-72.
GOMES, Luíz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito Penal: Introdução e Princípios Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
81
LOMBROSO, Cesare; ROQUE, Sebastião José. O Homem Delinquente. São Paulo: Ícone, 2010.
MACHADO, Maíra Rocha. A pessoa objeto da intervenção penal: primeiras notas sobre a recepção da criminologia positivista no Brasil. Revista Direito GV, São Paulo, v.1, n.1, p. 79-90, abril/jun.2005.MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
NERÉ, Jacques; CAJADO, Octavio Mendes. História Contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991.
NEVES, Margarida de Souza. Os Cenários da República: O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 14-44.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
RAUTER, Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
RESENDE, Maria Efigênia Lage de. O processo político na Primeira república e o liberalismo oligárquico. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 89-120.
82
ROLIM, Rivail Carvalho. Culpabilização da pobreza no pensamento jurídico-penal brasileiro em meados do século XX. In: KOERNER, Andrei (org.). História da Justiça Penal no Brasil: Pesquisas e Análises. São Paulo: IBCCRIM, 2006. p. 177-201.
ROQUE, Sebastião José. Prefácio à obra o Homem Delinquente. In LOMBROSO, Cesare. O Homem Delinquente. São Paulo: Ícone, 2010.SOUZA, Moacyr Benedicto de. A Influência da Escola Positiva no Direito Penal Brasileiro. São Paulo: EUD, 1982.
VICENTINO, Cláudio. História Memória Viva: Brasil: Período Imperial e Republicano. São Paulo: Scipione, 1998.
ZAFFARONI, Eugênio Raul. O inimigo no direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. 224 p.
83
Recommended