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Evolução biológica
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CINCIAS FSICAS E MATEMTICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
CIENTFICA E TECNOLGICA
A EVOLUO BIOLGICA AOS OLHOS
DE PROFESSORES NO-LICENCIADOS
ANA PAULA NETTO CARNEIRO
Florianpolis, 2004.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CINCIAS FSICAS E MATEMTICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
CIENTFICA E TECNOLGICA
A EVOLUO BIOLGICA AOS OLHOS
DE PROFESSORES NO-LICENCIADOS
ANA PAULA NETTO CARNEIRO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica eTecnolgica da Universidade Federal de SantaCatarina como requisito parcial para obtenodo ttulo de Mestre em Educao Cientfica eTecnolgica.
Orientadora: Prof. Dra. Vivian Leyser da Rosa
Florianpolis, 2004.
Queridos alunos do Curso deComplementao para Licenciatura
em Biologia, lhes dedico este
trabalho, pois foi por vocs que o
realizei.
Resumo
Considerando os conceitos relativos Evoluo Biolgica como
fundamentais para a compreenso das Cincias Biolgicas, bem como os problemas,
registrados na literatura da rea, que envolvem seu ensino e aprendizagem, o
presente trabalho tem por objetivo principal identificar as concepes que
professores do ensino mdio de Biologia possuem a respeito do tema Evoluo
Biolgica. Para isso utilizei, como material de anlise, 75 textos sobre o tema
produzidos por professores de Biologia no licenciados da Rede Estadual da Bahia
quando cursaram a disciplina de Gentica e Evoluo de um Curso de
Complementao para Licenciatura em Biologia ministrado pela UFSC entre 2001 e
2002. Nesses textos, foi identificada uma srie de equvocos conceituais
relacionados ao domnio do conhecimento cientfico e dificuldades de abordagem do
tema Evoluo Biolgica, no contexto do ensino de Biologia. Alguns desses
equvocos esto relacionados ao objeto de estudo da Evoluo Biolgica, noo e
significado da seleo natural e ao domnio das evidncias evolutivas. Tal
constatao vem ao encontro de outros trabalhos de pesquisa realizados no Brasil a
respeito do ensino de Evoluo Biolgica. Apesar do papel central ocupado pela
Biologia Evolutiva entre as cincias da vida, ela ainda no representa nos currculos
educacionais, uma prioridade altura de sua relevncia intelectual e de seu potencial
para contribuir para as necessidades da sociedade, medida que esta fundamenta os
estudos que permitem que a Biologia desenvolva muitas de suas aplicaes sociais,
como por exemplo, a compreenso e combate das doenas genticas, sistmicas e
infecciosas e pelo melhoramento de safras e diminuio dos prejuzos causados por
patgenos, insetos e ervas daninhas. possvel relacionar as concepes expressas
pelos professores/alunos com o desenvolvimento do pensamento evolutivo biolgico
buscando identificar suas origens no contexto histrico. Este enfoque objetiva
enfatizar a importncia do conhecimento do desenvolvimento do pensamento
evolutivo para o ensino e aprendizagem do tema Evoluo Biolgica, apontar
algumas implicaes que este tipo de abordagem apresenta, bem como ressaltar a
necessidade de uma formao docente que contemple tal prtica.
Abstract
This dissertation aims at identifying and discussing concepts about Biological
Evolution as expressed by secondary level Biology teachers, taking into
consideration that, although this knowledge is considered to be fundamental for the
full understanding of Biological Sciences, educational research in this area points to
a number of problems involving its learning and teaching. Empirical data was
obtained from texts written by Biology teachers working in public schools in the
State of Bahia (Brazil), during a course about Genetics and Evolution, as part of an
in-service teachers training inniciative promoted by Federal University of Santa
Catarina, in 2001-2002. These teachers were originally professionals in different
fields (such as Veterinary Sciences, Nursing and Pharmacy) and received their
formal training for teaching by means of distance learning. Contents of their written
texts were analysed and it was possible to identify a number of misconceptions
related to teachers poor scientific understanding of Evolution process, as well as
problems concerning its teaching. Some of those misconceptions were related to the
object of study of Evolution, others to the notion and meaning of natural selection
and also to the understanding of Evolution evidences. These aspects can be related
to other similar findings in the literature. A central role is assigned to Evolution in
life sciences, but not in science education curricula. Its intelectual relevance and its
potential to contribute for society needs should be explored in many ways (for
example, for the understanding of human genetic and infectious diseases, as well as
its contribution to obtain improved crops and to fight pathogens and insects in
agriculture). With the present study, it was possible to relate misconceptions
expressed by teachers to the historical development of ideas about Evolution,
looking for possible connetions between its origins in both contexts (history of
science and science education). It is proposed that teaching and learning about
Biological Evolution could profit from the knowledge about its historical origins.
This study points to some implications of this approach and emphasizes the need of
incluiding historical aspects of science developments in Science teachers education.
Agradecimentos
A concretizao deste trabalho s foi possvel graas contribuio de
muitas pessoas. A elas dedico meu reconhecimento e peo desculpas pelas
ausncias.
Agradeo.
Professora Doutora Vivian Leyser da Rosa, orientadora, pela dedicao,
empenho, compreenso, amizade, competncia e profissionalismo demonstrados
nesta caminhada, contribuindo em muito para meu aperfeioamento.
Ao professor Demtrio Delizoicov, por ter sido membro de minha banca de
qualificao e pelo importante papel que desempenhou na minha deciso de optar
pela rea de educao.
professora Ilada Rainha de Souza por ter sido membro de minha banca de
qualificao e pelo inestimvel auxlio em todos os momentos em que este se fez
necessrio.
Ao professor Luiz O. Q. Peduzzi pelos emprstimos de materiais de pesquisa
e pelo incentivo. Agora est pronta!
A todo o corpo docente do PPGECT que demonstrou competncia e
profissionalismo; em especial aos Professores Arden, Pinho, Angotti, Bazzo e Edel.
Sandra, secretria do curso, por sua incansvel presteza e carinho.
Aos colegas do curso, em especial amiga Lidiane, com os quais tive a
oportunidade de conviver e de compartilhar esta caminhada.
Aos professores/alunos do Curso de Complementao de Licenciatura em
Biologia por terem aceitado fazer parte deste trabalho. Sem eles, ele no existiria.
Aos meus pais, Manoel e Teresa, irms e familiares pelo incentivo, apoio e
compreenso demonstrados, mesmo distncia, durante o curso.
Ao Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica e Tecnolgica do
CED/CFM da Universidade Federal de Santa Catarina, pela oportunidade de realizar
este trabalho.
CAPES, pela concesso de bolsa de estudos durante o curso.
A todos que de alguma forma contriburam, direta ou indiretamente, para a
concretizao de mais esta fase, OBRIGADA.
Weu,Bem mais importante que ser um anjo bom,
ser um homem bom. Obrigada por tudo.
SUMRIOResumo
Abstract
Agradecimentos
Apresentao...........................................................................................................15
CAPTULO I - Evoluo Biolgica......................................................................19
1.1. Evoluo Biolgica: Importncia e Significados ..........................................19
1.2. Desenvolvimento do Pensamento Evolutivo Biolgico.................................26
1.2.1. Concepes Naturalistas - Perodo de Inferncias Mltiplas.................27
1.2.2. Concepes Criacionistas - Perodo de Respostas Prontas.....................31
1.2.3. Concepes Evolucionistas - Perodo de Libertao..............................34
1.2.3.1. Evoluo Biolgica antes de Darwin...........................................35
1.2.3.2. Evoluo Biolgica a partir de Darwin........................................48
1.2.4. Tendncias atuais da Pesquisa Evolutiva Biolgica...............................56
CAPTULO II - Evoluo Biolgica e Ensino.....................................................58
2.1. O atual contexto do Ensino de Evoluo Biolgica.....................................58
2.2. Ensino do tema Evoluo Biolgica - Uma argumentao histrica do
desenvolvimento do pensamento Evolutivo Biolgico.................................65
CAPTULO III O cenrio da Pesquisa...............................................................69
3.1. Curso de Complementao para Licenciatura em Biologia...........................69
3.2. O curso de Complementao para Licenciatura de Biologia, Qumica, Fsica
e Matemtica..................................................................................................75
3.3. O Acompanhamento da Tutoria.....................................................................81
3.4. O tema Evoluo Biolgica no Curso de Complementao..........................90
3.5. Educao a Distncia.....................................................................................93
CAPTULO IV Diferentes Concepes sobre o Tema Evoluo Biolgica.....96
4.1. Concepes a partir dos textos elaborados pelos professores/alunos............96
4.2. Concepes a partir dos questionrios respondidos pelos professores/
alunos...........................................................................................................109
CAPTULO V - Consideraes Finais.................................................................117
VI - Referncias Bibliogrficas.............................................................................123
VII -ANEXOS........................................................................................................128
Anexo 1. Grade Curricular do Curso de Complementao de Licenciatura em
Biologia.
Anexo 2. Plano de Ensino da Disciplina de Tpicos Essenciais em Biologia
Anexo 3. Plano de Ensino da Disciplina de Gentica e Evoluo
Anexo 4. Proposta de atividade para as Disciplinas de Tpicos Essenciais em
Biologia e Gentica e Evoluo
Anexo 5. Texto de Divulgao Cientfica Trs Aspectos da Evoluo (Gould,
1997).
Anexo 6. Questionrio de Pesquisa.
Anexo 7. Trabalho apresentado no VIII EPEB USP, sob o ttulo: O tema Evoluo
Biolgica entre professores de Biologia no Licenciados Dificuldades e
Perspectivas (Rosa, 2002).
Anexo 8. Trabalho apresentado no 49 ENPEC, sob o Ttulo: Trs Aspectos da
Evoluo Concepes sobre Evoluo Biolgica em textos produzidos
por professores a partir de um artigo de Stephen Gould. (Carneiro, 2003).
Nothing in biology makes sense except in the light of evolution."
T. Dobzhansky (1973)
Apresentao
Pensar o ensino de Cincias sempre foi algo muito presente em minhas
atividades acadmicas e em minha prtica docente. Meu trabalho de concluso de
curso foi desenvolvido na rea de ensino de Biologia, e buscou reativar um
laboratrio de cincias de uma escola da rede pblica estadual de Santa Catarina,
bem como investigar algumas prticas docentes ligadas a atividades experimentais.
Conclui meu curso de graduao em dezembro de 2000 e, a partir de maio de 2001,
passei a atuar, como tutora, em todas as disciplinas de Biologia oferecidas no Curso
de Complementao para Licenciatura em Biologia, oferecido aos professores do
ensino mdio do Governo do Estado da Bahia, na modalidade distncia. Surgiu
ento, a oportunidade de aproximar a prtica profissional de algumas reflexes que
caracterizaram a presente pesquisa.
Com o ingresso no Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica e
Tecnolgica, as experincias, como tutora, passaram a ser associadas ao contexto da
pesquisa sobre Ensino de Cincias, mais especificamente sobre ensino de Biologia,
privilegiando as abordagens sobre Evoluo Biolgica, por entender que este um
tema pouco trabalhado no ensino mdio, devido a questes ligadas, entre outras,
principalmente a problemas relacionados falta de domnio do conhecimento
cientfico por parte dos docentes.
Nesse perodo, em contato com os professores/alunos1 do Curso de
Complementao e com as atividades por eles elaboradas, foi possvel detectar
1 No presente trabalho de pesquisa, os alunos do Curso de Complementao foram designados como
professores/alunos porque os mesmos exercem simultaneamente a funo docente. A designao de
professores, ser relativa aos professores que ministraram as disciplinas do Curso. Quando houver referncias
a alunos, ser relativas aos que cursam o ensino mdio.
diversas questes ligadas a concepes sobre Evoluo Biolgica que no
correspondem ao conhecimento cientfico, podendo ser assim, consideradas
equivocadas. A anlise de textos sobre o tema Evoluo Biolgica, elaborados por
estes professores/alunos, sinalizou a necessidade de um estudo mais aprofundado
sobre tais concepes, processo que resultou na presente dissertao.
O objetivo geral deste estudo o de contribuir para o entendimento dos
problemas que permeiam a abordagem docente do tema Evoluo Biolgica, a partir
da identificao e anlise de diferentes concepes expressas por professores de
Biologia do ensino mdio. Entendo que, a partir da identificao das concepes,
corretas ou equivocadas, expressas por estes professores/alunos, ser possvel traar
um quadro de importantes questes ligadas a este tema, como por exemplo, a idia
de progresso e o conflito com crenas religiosas. As origens de tais concepes
podem estar relacionadas s lacunas na formao inicial dos professores de Biologia.
A partir desse quadro, podero ser traadas estratgias para identificar e oferecer
contribuies para superar tais concepes, bem como, apontar questes que possam
ser contempladas em programas de formao continuada.
A amostra utilizada nessa pesquisa extremamente peculiar do ponto de vista
das caractersticas dos professores/alunos, quando comparada a pesquisas similares.
Peculiar ao ponto de ser considerada nica. Apesar de o grupo ser formado por
professores de Biologia em exerccio na rede pblica estadual da Bahia, o mesmo
heterogneo em sua formao inicial, pois poucos so bacharis em Cincias
Biolgicas (8%), a maioria sendo formados em reas afins como Agronomia (23%),
Enfermagem (28%), Farmcia (15%), Medicina Veterinria (14%) e Odontologia
(12%). Alm desse diferencial, somente em 2001 estes professores iniciaram a
licenciatura em Biologia em um curso com durao de um ano que no iria ser
oferecido novamente na modalidade relatada no presente trabalho. Estas
caractersticas da amostra permitem algumas inferncias diferentes das que
aconteceriam se a amostra fosse composta somente por professores oficialmente
habilitados para as funes docentes e com formao inicial em Cincias Biolgicas.
Levando em conta a heterogeneidade dos quadros funcionais, principalmente
nas redes de ensino pblicas brasileiras, a anlise feita a partir dessa amostra ser de
extrema relevncia, pois permitir uma melhor compreenso do contexto do ensino
do tema Evoluo Biolgica, possibilitando avaliar de que forma as concepes de
profissionais de diferentes formaes, quando tratam do tema Evoluo Biolgica,
podem vir a interferir na sua atuao docente.
Pretende-se, a partir deste estudo, oferecer alguns indicativos para que o
ensino e a aprendizagem deste tema, considerado central para o entendimento da
Biologia, se tornem mais efetivos e plenos de significados, para professores e
alunos.
Para tanto, no primeiro captulo, escolhi enfatizar a natureza, importncia e
significados da Evoluo Biolgica a fim de contextualizar a relevncia dos
conceitos evolutivos para a compreenso da Biologia, bem como, o
desenvolvimento histrico do pensamento evolutivo biolgico. Demonstrar a
trajetria desses conceitos ao longo do tempo permitir o entendimento da cincia
enquanto uma construo humana configurada por um contexto scio-cultural.
Perceber o tema Evoluo Biolgica no processo de ensino/aprendizagem a partir do
seu desenvolvimento histrico pode contribuir para seu entendimento. Nesse
sentido, Leite (2004) argumenta que Histria da Cincia pode ser utilizada como um
recurso no ensino de Cincias Naturais e de Biologia, visando superar as concepes
inadequadas sobre a natureza da Cincia e tambm como um expediente a fim de
melhorar a educao cientfica, no esquecendo de enfatizar a necessidade de que os
professores devam ser preparados para trabalhar nesta perspectiva.
No segundo captulo dessa dissertao, a abordagem est centrada nas
questes que envolvem o ensino e aprendizagem do tema Evoluo Biolgica. Com
base na bibliografia disponvel e registrada em anais de eventos realizados nos
ltimos anos no Brasil, apontarei algumas das principais dificuldades identificadas
no ensino mdio.
No terceiro captulo, inicialmente relatarei as peculiaridades do contexto onde
a pesquisa se desenvolveu, procurando localizar o leitor em relao a aspectos sobre
a amostra utilizada. A seguir, caracterizarei o curso de Complementao para
Licenciatura em Biologia, Qumica, Fsica e Matemtica e, finalmente, farei uma
breve apresentao sobre o que preconizado pela modalidade Educao a
Distncia.
No quarto captulo, apresentarei uma anlise das diferentes concepes que
os professores/alunos da amostra estudada, possuem sobre o tema Evoluo
Biolgica. Mostrarei que tais concepes esto tanto identificadas com os conceitos
atualmente compartilhados, na comunidade cientfica, sobre os processos e
mecanismos da Evoluo Biolgica, como tambm apresentam elementos
vinculados ao senso comum e crenas religiosas, conforme aponta a literatura da
rea.
No quinto captulo, baseada no estudo realizado, ofereo algumas
consideraes finais procurando estabelecer conexes com as discusses
apresentadas ao longo desta dissertao e aponto perspectivas de novas pesquisas
sobre o ensino do tema Evoluo Biolgica.
CAPTULO I
Evoluo Biolgica
Neste captulo, no primeiro tpico, abordarei a importncia e
significados da Evoluo Biolgica para o contexto das Cincias Biolgicas. No
segundo tpico, ser dado destaque para o resgate histrico do desenvolvimento do
pensamento sobre a origem das espcies. O intuito destas abordagens melhor
compreender os fatos cientficos atualmente aceitos sobre Evoluo Biolgica, bem
como, relacionar o contexto histrico de seu desenvolvimento com questes ligadas
ao ensino e aprendizagem deste tema, neste e nos demais captulos desta dissertao.
No desconsiderando que existam referncias mais atuais sobre o tema e
enfoques mais ligado Filosofia da Cincia, estas abordagens tm como fontes
principais as obras de Mayr (1998), Futuyma (1992, 2002), Stebbins (1970) e
Dobzhansky e cols. (1988).
1.1. Evoluo Biolgica: Importncia e Significados
Ao iniciar uma abordagem sobre a importncia e o significado da Evoluo
Biolgica para o contexto das Cincias Biolgicas, primeiramente cabe lembrar a
afirmao feita por Theodosius Dobzhansky (1973) na clebre frase Nada em
Biologia faz sentido se no for luz da Evoluo. Em outras palavras,
Dobzhansky afirma que na Biologia, a realidade da Evoluo Biolgica que em
ltima instncia confere coeso e vincula, direta ou indiretamente, cada um a todos
os outros estudos biolgicos.
Em um mundo que pode ter de dez a trinta milhes de espcies distintas, que
exploram de diversas formas um grande nmero de habitats, a variedade de
possveis interaes entre as populaes e o meio ambiente enorme (Dobzhansky e
cols. 1988).
Atualmente, temos conscincia da enorme diversidade de seres vivos, todos
eles descendentes de um antepassado comum que viveu em um tempo remoto.
Segundo Ayala (1983), at o sculo XIX, o conjunto das explicaes dos processos2
que permitiram toda esta diversidade, era chamado de Teoria da Evoluo
Biolgica, no sentido de que poderia existir alguma probabilidade de que as
explicaes fossem incorretas. Apesar do termo Teoria da Evoluo Biolgica ser
usual nos meios de ensino e de pesquisa, j no se duvida que a Evoluo Biolgica
seja efetivamente um fato. Aceitar algo como um fato, significa admitir sua
existncia a despeito do que sabemos ou compreendemos a respeito. Nenhum debate
cientfico recente tem posto em dvida o fato ou a realidade objetiva da Evoluo
Biolgica, embora haja divergncias a propsito de sua reconstituio histrica ou
sobre seus mecanismos causais. No entanto, polmicas cientficas sobre "como" ou
"por que" a Evoluo Biolgica ocorreu no passado e continua a ocorrer no presente,
no a suprimem como um fato. Bilogos modernos aceitam a Evoluo Biolgica
como um fato to bem demonstrado como os fatos da histria antiga (Stebbins,
1970).
Futuyma (1992) argumenta que a Evoluo Biolgica um conjunto de
afirmaes interligadas sobre seleo natural e outros processos que a causam,
segundo uma gama de evidncias amplamente aceitas, assim como a teoria atmica
e a teoria da mecnica newtoniana so conjuntos de afirmaes que descrevem
causas e fenmenos qumicos e fsicos. A afirmao de que organismos
descenderam, com modificaes, a partir de ancestrais comuns - a realidade
histrica da Evoluo Biolgica no uma teoria. Apesar de nem todas as
evidncias evolutivas poderem ser testadas empiricamente, ela um fato, tanto
2 No presente trabalho, quando em referncia Evoluo Biolgica, o termo processo ser utilizado comosinnimo para os termos mecanismos e/ou fatores.
quanto o fato das revolues da Terra ao redor do Sol. Assim como o sistema
heliocntrico, a Evoluo Biolgica comeou como uma hiptese e atingiu o status
de fato medida que evidncias a seu favor se tornaram to poderosas que
nenhuma pessoa destituda de preconceitos e munida de conhecimento pode negar
sua realidade. Os oponentes atuais da Evoluo Biolgica, quase sem exceo,
sustentam suas posies no com base em argumentao lgica, mas em emoes e
crenas religiosas. Como exemplo, temos a teoria do Design Inteligente. Segundo
Dembski (1999) e Behe (1997), esta teoria sustenta que causas inteligentes seriam
responsveis pela origem do universo e da vida, em toda a sua diversidade. Seus
defensores argumentam que ela uma teoria cientfica, oferecendo provas empricas
da existncia de Deus ou de aliengenas super inteligentes. Acreditam que o Design
Inteligente seja detectvel empiricamente na natureza e em sistemas vivos. Os
argumentos a favor dessa teoria parecem ser os argumentos criacionistas sem
referncias Bblia. Entre outros aspectos, rejeitam a noo de seleo natural, por
entender que esta nega a possibilidade do universo ter sido projetado ou criado.
Para as Cincias Biolgicas, a Evoluo Biolgica representa um elemento
unificador atravs do qual muitos e diversos fatores como as semelhanas
anatmicas e fisiolgicas entre diferentes espcies, os conhecimentos sobre
embriologia animal, a diversidade de espcies e os registros fsseis entre outros, so
integrados e explicados (Futuyma, 1992). Por esta razo, segundo Valotta (2000), a
compreenso da Biologia moderna incompleta sem o entendimento da Evoluo
Biolgica. Contudo, apesar de ser considerada um dos pilares da Biologia por
cientistas e filsofos como, por exemplo, Francis Jacob e Stephen Jay Gould, a
Evoluo Biolgica no tem merecido o mesmo status quando se trata de ensino de
Biologia em nossas escolas onde, quando no suprimida, muito pouco abordada
(Pacheco e Oliveira, 1997).
A Evoluo Biolgica, um fato e no uma hiptese, o conceito central e
unificador da Biologia (Gayon, 2001) e, segundo Futuyma (1992), como todos os
conceitos importantes, a Evoluo Biolgica gera controvrsia; como muitos
conceitos importantes, ela tem sido usada como uma base ou fundamento intelectual
para pontos de vista filosficos, ticos ou sociais. Em seu sentido mais amplo, a
Evoluo Biolgica meramente mudana e, deste modo, uma idia de ampla
penetrao - galxias, linguagens e sistemas polticos evoluem. Evoluo Biolgica
a mudana nas propriedades das populaes dos organismos que transcendem o
perodo de vida de um nico indivduo. A ontogenia de um indivduo no
considerada evoluo; organismos individuais no evoluem. Para as populaes,
somente as mudanas que so herdveis de uma gerao para outra, via material
gentico, so consideradas mudanas evolutivas. A evoluo biolgica pode ser
pequena ou substancial, ela abrange tudo, desde as pequenas mudanas at
alteraes sucessivas que levaram os primeiros proto-organismos a se
transformarem em caramujos, abelhas, girafas...(Futuyma, 1992 p.7)
A unidade, a diversidade e as caractersticas adaptativas dos organismos so
conseqncias da histria evolutiva e s podem ser plenamente compreendidas nessa
perspectiva. A cincia da biologia evolutiva o estudo da histria da vida e dos
processos que levaram sua unidade e diversidade. Nesse sentido, Futuyma (2002)
enfatiza que, atualmente, trs grandes temas permeiam as Cincias Biolgicas:
funo, unidade e diversidade.
O tema funo refere-se aos processos que fazem os organismos funcionar.
Muitos desses processos so adaptaes: caractersticas biolgicas que favorecem a
sobrevivncia e a reproduo. J a questo da unidade diz respeito ao fato de que
algumas dessas caractersticas so encontradas apenas em certos grupos de
organismos, enquanto outras so compartilhadas por quase todos os seres vivos.
Futuyma (2002) ainda aponta o tema da diversidade, uma vez que espantosa a
variao das caractersticas biolgicas, entre milhes de espcies na Terra.
A partir do conceito evolutivo de espcie, proposto pelo paleontlogo George
Gaylord Simpson em 1944, uma espcie uma linhagem evoluindo separadamente
de outras. Portanto, numa perspectiva em longo prazo, a Evoluo Biolgica a
descendncia, com modificaes, de diferentes linhagens a partir de ancestrais
comuns e, desta forma, a histria da Evoluo Biolgica tem dois componentes
principais: a ramificao das linhagens e as mudanas dentro delas (incluindo a
extino). Espcies inicialmente similares tornam-se cada vez mais diferentes, de
modo que, decorrido tempo suficiente, elas podem chegar a apresentar diferenas
profundas (Simpson,1944).
Segundo Stebbins (1970), a Biologia Moderna possui dois conceitos
unificadores: o da organizao e o da continuidade. Quando se fala em organizao,
fala-se que as propriedades da vida no dependem apenas das substncias de que a
matria viva composta, e isto em qualquer nvel. Os seres vivos devem sua
natureza maneira pela qual os componentes se organizam em padres ordenados,
bem mais permanentes do que as prprias substncias. O outro conceito unificador,
segundo Stebbins (1970), o da continuidade da vida atravs da hereditariedade e da
Evoluo Biolgica. Segundo este conceito, h semelhanas entre organismos
porque estes receberam de algum ancestral comum, genes que so semelhantes por
serem constitudos pelos mesmos cidos nuclicos e pelo modo como estas
substncias esto organizadas. Quando organismos aparentados diferem uns dos
outros, isto significa que, em linhagens distintas da sua descendncia de um
ancestral comum, ocorreram mudanas nos genes e essas mudanas se fixaram em
populaes inteiras.
Os processos da Evoluo Biolgica, tais como mutaes e isolamento
geogrfico, incluem tambm a seleo natural, que responsvel pelas adaptaes
dos organismos a diferentes ambientes. Segundo Futuyma (1992), nem a seleo
natural, nem qualquer outro processo evolutivo, como por exemplo, as mutaes,
so providenciais; a seleo natural, por exemplo, meramente a sobrevivncia e
maior reproduo de alguns organismos em comparao a outros, sob quaisquer
condies ambientais que estejam prevalecendo no momento. Deste modo, a seleo
natural no pode equipar uma espcie para encarar novas contingncias futuras e
tambm no tem propsito ou direo - nem mesmo a sobrevivncia da espcie.
Assim como os ambientes variam, tambm o fazem os agentes da seleo natural
tais como recombinao e mutao. Deste modo, embora tendncias possam ser
percebidas na Evoluo Biolgica de certos grupos de organismos, no se pode
esperar uma direo consistente na Evoluo Biolgica de qualquer linhagem, muito
menos uma direo a causas finais e eficientes (Gould, 2001).
Freire-Maia (1986) coloca, como proposio geral, que a mutao a
matria-prima da Evoluo Biolgica e que ela ocorre ao acaso, no sentido que seu
aparecimento no responde s necessidades adaptativas. Entretanto, salienta que tal
acaso no tem o sentido de que no haja limitaes de freqncia, de tipo e de
amplitude. Segundo o mesmo autor, a constituio da matria determina o espectro
das mutaes possveis, sendo, desta forma, um fator limitante e, at certo ponto,
dirigente da Evoluo. Considera tambm que a seleo natural conduz as variaes
genticas atravs de canais adaptativos, produzindo a Evoluo Biolgica, sendo
ento aceita como anti-acaso, o qual, atuando sobre o acaso das mutaes,
conseguiria dar direo aos processos evolutivos e criar novidades pequenas ou
grandes de uma simples raa geogrfica aos vertebrados, aos mamferos, ao
homem. Freire-Maia (1986) entende ainda que dizer que a seleo natural antia-
caso significa conferir a capacidade de ir contra o acaso, a algo que deriva do acaso
das mutaes e das variaes ambientais. O autor no v como o antia-caso possa
realizar criaes em nvel megaevolucionrio, dando orientaes a longo prazo e
criando algo completamente novo na base do que j existia.
Segundo Freire-Maia (1986), na evoluo dos seres vivos, operam lado a lado
fatores estocsticos (acontecimentos causais, que ocorrem ao acaso) e
determinsiticos, que correspondem, at certo ponto, ao que, inspirado em
Demcrito, Monod (1970) chamou de acaso e necessidade. Freire-Maia (1986)
considera a deriva gentica o fator evolutivo que acontece ao mais puro acaso e que,
portanto, no constri nada alm do acidental.
Segundo autores como Barahona (1998) e Gould (2001), a falta de
propsito dos processos que levam Evoluo Biolgica no facilmente aceita. A
Evoluo Biolgica j foi igualada com progresso das formas de vida inferiores s
superiores, mas impossvel definir quaisquer critrios no arbitrrios pelos quais
tal progresso possa ser medido. A prpria palavra progresso implica direo, se
no mesmo o avano em relao a um objetivo, mas nem direo nem objetivo so
fornecidos pelos mecanismos da Evoluo Biolgica. Isso era to evidente para
Darwin que, segundo Futuyma (1992) ele escreveu, em seu caderno de notas, nunca
dizer superior ou inferior, em referncia s diferentes formas de vida.
Darwin, quando publicou sua principal e mais conhecida obra sob o ttulo Da
origem das espcies por meio da seleo natural, ou a preservao das raas
favorecidas na luta pela vida, que passou a ser conhecida historicamente apenas
como A origem das espcies, defendeu que os organismos so produtos de uma
histria de descendncia com modificao a partir de ancestrais comuns, e que o
principal processo da Evoluo Biolgica o da seleo natural das variaes
hereditrias (Gould, 2001). Segundo El-Hani e Videira (2000), a obra de Darwin
tem sua contrapartida nos dois principais campos de estudo que constituem a
Biologia Evolutiva atual: o estudo da histria evolutiva e a elucidao dos processos
evolutivos.
Em outras palavras, a Evoluo Biolgica trata de como teriam ocorrido as
transformaes gradativas na matria viva, de modo a possibilitar a vida, bem como
dos caminhos percorridos pelos seres vivos at chegar diversidade atual (Silva e
Cols., 1997).
1.2. Desenvolvimento do Pensamento Evolutivo Biolgico
Em toda a disciplina cientfica, as idias predominantes e mesmo as questes
formuladas so produto do desenvolvimento histrico (Fleck, 1986). Assim, para
entender a Evoluo Biolgica, essencial conhecer um pouco de sua histria.
Escrever sobre a histria do desenvolvimento do pensamento evolutivo
biolgico requer que alguns perodos intelectuais do conhecimento cientfico sirvam
como referncias. Nesse sentido, a cultura dos sculos V e IV a.C., o absolutismo da
Idade Mdia e a revoluo cientfica do sculo XVII, so exemplos de meios
intelectuais marcadamente diferentes.
O resgate histrico-intelectual que fao desses perodos no presente trabalho,
tem como foco principal as idias sobre Cincias Biolgicas, procurando, em
especial, referncias sobre a Biologia Evolutiva ou indcios que poderiam levar ao
seu desenvolvimento. Para isso, de forma geral, divido a histria intelectual do
desenvolvimento do pensamento evolutivo biolgico em trs perodos distintos,
conforme a maior ou menor tendncia ao desenvolvimento desse pensamento: (1)
um perodo de inferncias mltiplas, caracterizado pelas concepes naturalistas, (2)
um perodo de estagnao, caracterizado pelo cristianismo e (3) um perodo de
libertao, caracterizado pelo evolucionismo. Os autores que subsidiaram o resgate
aqui constitudo so Chassot (2002), Gleiser (1997), Dobzhansky e cols. (1988) e
Mayr (1998).
Inicialmente, examinarei o modo de ver do homem primitivo, em relao ao
mundo. Segundo Chassot (2002), a sobrevivncia dos povos primitivos dependia
dos conhecimentos que eles detinham sobre a natureza, o que os tornava
marcadamente naturalistas. A seguir, examinarei a forma como a concepo
criacionista permitiu ou dirigiu o olhar do homem sobre o mundo. Segundo Chassot
(2002), ao contrrio da Concepo Naturalista, a ao divina ou sobrenatural
sobrepe-se explicao dada pelo fenmeno natural. Finalmente, e de forma
mais extensa, examinarei o desenvolvimento das concepes evolucionistas.
1.2.1. Concepes Naturalistas Perodo de Inferncias mltiplas
H milnios, muito antes de existir o corpo de conhecimento que hoje
chamamos de cincia, a relao dos seres humanos com o mundo era bem diferente
da atual (Gleiser, 1997). At o sculo VI a.C., a natureza era a nica responsvel
pela sobrevivncia do homem, que vivia de forma bastante rudimentar. Atribuir
aspectos divinos natureza era uma forma do homem aliar-se a ela para no sofrer
os efeitos de catstrofes tais como vulces, tempestades ou furaes sobre suas
casas, plantaes e animais. O grau de deificao atribudo Natureza era
determinado pela localizao, clima ou isolamento geogrfico de cada grupo.
As Concepes Naturalistas tm como pressuposto, desde o pensamento
grego, que a Natureza segue leis naturais, racionais e necessrias. Nada aconteceria
ao acaso, pois o mundo seria regido por uma harmonia preestabelecida uma
espcie de acordo natural entre os seres vivos e seu ambiente, como se tudo j
estivesse organizado, pronto, sob a lei de foras naturais. A natureza, sob essa tica,
concebida como se progredisse, gradativamente, das coisas inanimadas para as
criaturas vivas (Cunha e cols. 2003).
Gleiser (1997) ressalta que uma demonstrao dessa forma de pensar o
princpio da Gerao Espontnea ou Abiognese, formulado por Aristteles,
segundo o qual alguns seres vivos desenvolver-se-iam a partir da matria inorgnica
em contato com um princpio ativo existente nas coisas. Assim, a vida surgiria de
suas adjacncias imediatas e sempre que as condies naturais do meio fossem
favorveis. Os insetos e os vermes, por exemplo, surgiriam da gota de orvalho e do
lodo. Os ratos e os peixes, por outro lado, surgiriam da areia e da lama.
A Concepo Naturalista apresenta variaes, conforme se acentua o papel da
vida orgnica ou dos elementos fsico-qumicos como causadores da realizao dos
fenmenos, ou mesmo, quando no h prioridade de um sobre o outro. Segundo
Dobzhansky e cols. (1988), tais variaes so o Animismo, o Vitalismo e o
Finalismo.
Segundo Dobzhansky e cols. (1988), no incio da histria da humanidade, o
Animismo permitia que o homem primitivo interpretasse a natureza. Acreditava-se
que tudo estava animado e vivificado, que os objetos da natureza eram, em sua
singularidade e em sua totalidade, seres animados, como o deus sol, a divindade
lunar, o trovo, a montanha sagrada, os espritos da gua, do fogo, do vento e outros.
Portanto, a concepo da poca era a de que tudo na natureza tinha vida. Mesmo as
rochas e o firmamento seriam habitados por espritos e deuses, e a natureza era
entendida como viva e criativa. A animao de todos os seres era concebida de
forma natural e prevalecia a crena de que os fenmenos e as foras da natureza
eram capazes de intervir nos assuntos humanos. O Animismo atribua, portanto, at
matria inanimada e mais elementar, qualidades biolgicas como a vida mais
desenvolvida, ou qualidades psicolgicas, como a conscincia, e a intencionalidade
do prprio homem. No existia diferena entre ser animado e inanimado, ser
consciente e inconsciente. como se natureza e divindade se confundissem: Deus
era inerente ao natural.
J no Vitalismo, somente os seres vivos possuam vida e conscincia. Os
seres vivos seriam animados por uma fora vital, uma espcie de centelha divina,
alguma coisa fora do domnio da cincia. Assim, todas as funes e os processos da
vida baseavam-se, portanto, na existncia de um componente no-fsico para
explicar a vida, o princpio vital inerente aos organismos vivos, independente de
causas externas e de origem de seus complexos fenmenos (Cunha e cols. 2003).
Segundo Chassot (2002), para essa concepo, a matria de que so feitos os
seres vivos, uma planta, por exemplo, exibia algo mais que um simples arranjo
diferente de tomos. Suas propriedades se deviam a substncias especiais e no s
leis da Fsica e da Qumica, por serem essas mesmas leis insuficientes para explicar
o fenmeno da vida. Os seres vivos, movidos por essa fora desconhecida, seriam
capazes de reagir naturalmente e de maneira independente a qualquer tipo de
circunstncias que os afetasse. Em resumo, por muitos anos, permaneceu uma
indistino entre os fenmenos vitais e os fenmenos relacionados vida consciente.
O Finalismo, por sua vez, concebia uma finalidade ou propsito intrnseco
nas coisas, que seriam movidas por causas externas, como se tudo fosse
necessariamente dirigido para o melhor fim e visando a perfeio. assim que essa
concepo influenciou as cincias naturais, de tal modo que o conjunto dos
fenmenos (especificamente, os processos vitais) era explicado em vista de um fim
determinado, previsto, e numa ordem hierrquica: cada coisa era colocada numa
ordem de continuidade, da mais inferior a mais complexa, visando perfeio. Cada
coisa era, tambm, colocada tendo em vista uma funo, um fim a ser alcanado. Na
concepo Finalista, por exemplo, a evoluo orgnica estava orientada para um
claro propsito de especializao e aperfeioamento, comeando com o ser
considerado mais imperfeito at chegar ao mais perfeito (Chassot, 2002).
A concepo, ainda hoje expressa, de que a Evoluo Biolgica acontece para
atender determinadas necessidades tendo, portanto, uma direo e uma finalidade
especfica, parece ter sua origem no pensamento finalista. Esta forma de pensamento
no justificaria de outra maneira que algumas espcies tenham, por exemplo,
determinadas funes sensoriais mais desenvolvidas do que outras espcies se no
fosse para atender sua necessidade de sobrevivncia. No entanto, a sobrevivncia de
tais espcies s ocorre porque elas possuem capacidades especficas.
O pensamento Finalista aparece em Aristteles, no sculo IV a.C., quando
ele, por exemplo, concebe que o olho teria como propsito final a viso, isto , o
olho existiria para realizar sua finalidade que ver. Aristteles tambm considerava
que os seres vivos se desenvolvem numa ordem do menos perfeito, ou mais simples,
ao mais perfeito ou mais complexo. Na mesma linha de raciocnio, segue Teofrasto
de Eresos (372-288 a.C.), discpulo de Aristteles e de Plato, denominado o
fundador da Botnica. Teofrasto classificou os vegetais segundo a hierarquia
finalista, em rvores, arbustos, subarbustos e ervas, classificao que hoje j no
mais vlida na Botnica. Nessa concepo, no h uma ordem natural, uma escala
harmnica que vai de um ser a outro, no aparecendo qualquer caracterstica que
anuncie uma transformao, uma construo, nenhuma espcie de relao de troca
entre seres vivos e elementos do ambiente (Gleiser, 1997).
O que une as Concepes Animista, Vitalista e Finalista a existncia de um
princpio vital, imaterial, para explicar os fenmenos naturais. A natureza possui
vida e conscincia e as vontades dos homens e das coisas entrecruzam-se numa
emaranhada rede.
Segundo Gleiser (1997), o Vitalismo e o Finalismo mesmo com uma base
anti-evolucionista, em especial com Plato e Aristteles, possibilitaram ao homem
perceber a existncia de coisas inanimadas com movimentos prprios, com uma
ordem, uma hierarquia e uma finalidade apesar de ter em comum uma causa natural.
Esta viso era regida por divindades da mitologia grega (Zeus, Atenas, Apolo,
Netuno), como o princpio ordenador ltimo, pois no detinham conhecimento sobre
a matria que constitui a vida.
1.2.2. Concepes Criacionistas - Perodo de Respostas Prontas
As idias fundadas numa lei natural, imutvel e perfeita, atravessaram
sculos, at que a noo do princpio vital fosse questionada, concebendo-se tais leis
como submetidas ao contnua de um poder no plano Criador, mediante a
interveno de Deus. Surgiu, assim, uma nova concepo o Criacionismo. Chassot
(2002), afirma que, ao contrrio da Concepo Naturalista, no Criacionismo a ao
divina ou sobrenatural sobrepe-se explicao dada pelo fenmeno natural.
Em conseqncia disso, a idia implcita nessa concepo torna intil
qualquer investigao cientfica a respeito da origem da vida, por justamente
assentar sua base em um princpio dogmtico, ou seja, a criao pelo divino. Como
exemplo dessa concepo, temos a explicao criacionista da origem da vida e a
classificao botnica de Lineu (nos seus primeiros estudos), para quem as
diferentes espcies seriam tantas quantas sassem da criao divina e assim seriam
encontradas na natureza. Com base no Criacionismo, o contnuo surgimento de
novas espcies nunca ocorre, j que todas foram criadas de uma s vez por Deus
durante os seis dias da criao (Mayr, 1998).
Mas no Criacionismo, a exemplo das Concepes Naturalistas, permanece a
idia de uma harmonia pr-determinada, na qual Deus Criador justifica a criao.
Tambm, fica de fora qualquer idia de transformao, pois as formas aparecem
independentes uma das outras, ainda sem qualquer referncia causalidade
evolutiva. O avano do Cristianismo, ao contrrio das concepes anteriores, est
em afirmar a possibilidade de uma criao adquirida pouco a pouco, trazendo a idia
de sucesso histrica para a explicao dos fenmenos que antes eram concebidos
como atemporais. Segundo Gleiser (1997), no simplesmente no dogma de que o
mundo foi criado em sete dias, portanto, que est a nfase do Criacionismo, mas no
que ele passou a representar, pois o conceito grego de um mundo eterno e esttico
foi substitudo por um mundo temporal, quando a concepo criacionista conquistou
o Ocidente. O conceito at ento existente foi substitudo pelo conceito de criao.
Nesse sentido, pensar na ocorrncia de mudanas sucessivas localizadas em tempos
diferentes, pode ter contribudo para o desenvolvimento do pensamento evolutivo
biolgico.
Segundo Chassot (2002), como a Bblia explicava to bem todos os
questionamentos sobre as origens, no era em absoluto necessrio, e at mesmo
impossvel, questionar o por que ou pensar em Evoluo Biolgica. O mundo
criado por Deus era o melhor dos mundos possveis e o homem deveria portar-se
nele conforme as orientaes postas por Deus. A natureza servia para atender o
homem em suas necessidades, contrariamente s Concepes Naturalistas.
No havia conflito entre a religio crist e a cincia na poca da Renascena.
Principalmente no sculo XVIII, ambas foram sintetizadas como Teologia Natural,
onde os filsofos naturalistas estudavam as causas prximas, pelas quais as leis
divinas se manifestavam. Nenhum outro desdobramento no Cristianismo foi to
importante para a Biologia como a viso de mundo conhecida como Teologia
Natural, mas a liberdade intelectual e uma viso mais aberta dos acontecimentos
naturais, que eventualmente a Teologia Natural tenha fornecido, no ocorreu
efetivamente at o sculo XVII. A Teologia Natural uma viso de mundo que veio
suplementar a viso de mundo posta pela Bblia, pois explicava os fenmenos
naturais a partir dos preceitos bblicos. A natureza e seus fenmenos eram vistos
como uma extenso ou manifestao do que a Bblia dizia. Era como se a Bblia
continuasse a ser escrita. Esta viso de mundo, mesmo dentro da rigidez dos
preceitos cristos e da falta de necessidade de explicaes, representou uma maneira
de o homem entender melhor o que j estava posto como verdade absoluta pelas leis
do Cristianismo, uma tentativa de burlar a estagnao intelectual imposta pelas
explicaes bblicas (Cunha e cols., 2003).
Chassot (2002) afirma que ningum foi mais importante para a Teologia
Natural do que Santo Toms de Aquino (1227-1274). A viso de mundo teleolgico
tornou-se predominante no mundo ocidental por meio de seus escritos, nos quais
defende que deve haver uma ordem e uma harmonia no mundo, o que leva a crer
que deva existir um ser inteligente que dirige todas as coisas naturais ao seu fim.
Segundo Chassot (2002), inquestionvel o fundamento que a Teologia
Natural forneceu para a Biologia Evolutiva. Apesar da Evoluo Biolgica
praticamente no ter recebido qualquer ateno antes de 1859, a Biologia Evolutiva
beneficiou-se grandemente com a Teologia Natural, pois as questes por ela
levantadas a respeito da forma como o poder criador adaptou todos os organismo,
uns aos outros e ao seu ambiente, conduziram a estudos sobre os instintos animais e
sobre adaptao das flores para a polinizao pelos insetos e s correspondentes
adaptaes dos polinizadores. Somente no perodo darwiniano que os estudos
sobre adaptao foram retomados com a mesma fora que o foram na Teologia
Natural. Todos os telogos naturais descreviam, na poca, o que hoje entendemos
por adaptao darwinista. Segundo Mayr (1998), quando a mo do criador foi
substituda, no esquema explicativo, pela seleo natural, foi possvel incorporar
na Biologia Evolutiva, quase inalterada, a maior parte da literatura da Teologia
Natural sobre os organismos vivos.
Portanto,o pensamento evolutivo, que se originou a partir de uma concepo
naturalista livre, foi doutrinado por uma concepo criacionista. Posteriormente,
desenvolveu-se uma concepo de Teologia Natural onde s questes naturais
recheavam as concepes postas pela Bblia.
1.2.3. Concepes Evolucionistas: Perodo de Libertao
Na busca do contexto histrico do desenvolvimento do pensamento
evolutivo, destacam-se duas concepes antagnicas a respeito das origens das
espcies. A primeira delas, como visto nas Concepes Naturalistas e Criacionistas,
no concebe a Evoluo Biolgica como determinante da diversidade dos seres
vivos, enquanto que a outra, a evolucionista, encontra na teoria da Evoluo
Biolgica, os argumentos para justificar tal fenmeno.
Segundo Mayr (1998), a Evoluo Biolgica, de certa maneira, contradiz o
senso comum. Entenda-se aqui, senso comum como o conhecimento oriundo da
observao ingnua da regularidade da ocorrncia de certos fenmenos naturais,
diferentemente do conhecimento cientfico que, segundo Chassot (2002), surge da
necessidade do homem deixar de ocupar uma posio passiva em face dos
fenmenos que o rodeiam, dinamizando sua racionalidade para, de uma forma
sistemtica, metdica e crtica, desvelar o mundo a fim de compreend-lo, explic-lo
e domin-lo. Para Lima (1999), o senso comum o conhecimento concebido a partir
da percepo que o sujeito tem sobre a natureza e a experincia, a principal fonte
de produo desse conhecimento. Portanto, o senso comum no contexto da Evoluo
Biolgica pode ser entendido como um conhecimento que surge como conseqncia
da necessidade de resolver problemas imediatos que aparecem na vida prtica e que
so decorrentes do contato direto com os fatos e com os fenmenos que acontecem
no dia-a-dia. Ainda no contexto da Evoluo Biolgica, o conhecimento fruto do
senso comum impregnado por crenas religiosas e utilizado para explicar questes
controversas como diferentes teorias sobre a origem das espcies.
O uso dos conhecimentos cientficos de forma parcial ou inadequada tambm
leva a origem desse tipo de conhecimento. Por exemplo, muito mais fcil dizer que
a espcie humana veio dos macacos do que explicar que a espcie humana possui
um ancestral em comum com os macacos, pois tal colocao pressupe outras
questes imediatas tais como definir ancestral comum, saber quem esse ancestral
comum e explicar como a cincia chegou a tal concluso.
Segundo Mayr (1998), foi necessria uma verdadeira revoluo intelectual,
antes que a idia de Evoluo Biolgica fosse concebida. O maior obstculo para o
estabelecimento da teoria da Evoluo Biolgica no final da Idade Mdia, residia no
fato de que ela no pode ser observada diretamente como os fenmenos fsicos, tais
como o cair de uma pedra, ou gua fervente, ou qualquer outro processo que
acontece em segundos, minutos ou horas. Em vez disso, a Evoluo Biolgica s
pode ser inferida. Alm desse obstculo, a viso de mundo que prevalecia na cultura
ocidental tambm era incompatvel, na poca, com o pensamento evolutivo. Tal
viso, fortemente Criacionista, apoiava-se, segundo Mayr (1998), em duas teses
maiores. A primeira era a crena de que o universo, em cada um de seus detalhes,
havia sido concebido por um poder criador inteligente. A segunda, era a idia de um
mundo imutvel, de durao limitada. Estas idias eram to arraigadas na mente
ocidental que parecia inconcebvel que pudessem ser desalojadas.
1.2.3.1. Evoluo Biolgica antes de Darwin
No resgate da histria do desenvolvimento do pensamento evolutivo, a falta
de registros ou esquemas explicativos sobre fenmenos observados indica que a
cincia das civilizaes primitivas no avanou significativamente. Mas, a partir dos
sculos VI, V, e IV a.C., a caracterstica politesta dos gregos antigos, em contraste
com o monotesmo do judasmo, cristianismo e islamismo, permitiu o
desenvolvimento da filosofia e da cincia primitiva. A liberdade em acreditar em
todas as foras, sobrenaturais e naturais, caracterizada pelas concepes
Naturalistas, permitia total liberdade para que diferentes pensadores chegassem a
diferentes concluses e, nessa poca, destacam-se em especial trs perodos: o da
histria natural, o da filosofia e o biomdico.
Segundo Mayr (1998), na biologia grega destaca-se um perodo da histria
natural, histria esta baseada em conhecimentos e observaes sobre plantas e
animais locais. Estes conhecimentos, contudo, no representavam mais do que uma
imagem tnue de um conjunto muito maior de conhecimentos que viriam a ser
postulados em diferentes reas da Biologia em outras pocas. Nesse perodo, era
permitido fazer analogias sobre diversos fatores biolgicos e comportamentais entre
os animais e os homens, fato que veio a contribuir com o desenvolvimento de
pesquisas nas reas de anatomia e medicina.
Mayr (1998) ressalta que possvel destacar ainda, na biologia grega, a
tentativa de explicar muitos fenmenos diferentes a partir de um fenmeno
unificador, uma causa nica, da qual tudo o mais se originava. Para isso, filsofos
gregos como Thales, Anaximandro, Anaxmenes e seus seguidores, relacionaram os
fenmenos naturais com causas naturais como a gua, a terra, o ar ou uma matria
indefinida, e no a espritos, deuses ou outros agentes sobrenaturais, marcando assim
os primrdios da cincia.
Em especial, nos sculos VI e V a.C. estabeleceu-se uma Tradio Filosfica.
Nesse perodo, Empdocles postulou que a combinao variada dos quatro
elementos (fogo, ar, gua e terra) conduzia, por vezes, maior homogeneidade e,
por vezes, maior mistura, e teria dado origem a todo o mundo material.
Ainda nesse perodo, Demcrito parece ter sido o primeiro filsofo a indagar
se a organizao dos fenmenos naturais resultava puramente do acaso, ou se ela era
uma necessidade dos componentes elementares, os tomos. Nesse sentido, a
dualidade entre acaso e necessidade representa, desde ento, um tema de
controvrsias entre filsofos. Segundo Mayr (1998), 2.200 anos mais tarde, foi
Darwin quem mostrou que acaso e necessidade no so as duas nicas opes, e que
o processo de seleo natural afasta o dilema de Demcrito.
Os filsofos dessa poca pensavam que podiam encontrar explicao para
fenmenos biolgicos, como locomoo, nutrio, percepo e reproduo, por um
pensamento concentrado somente sobre o problema. Porm, foi somente com a
emancipao da cincia experimental, durante a Idade Mdia e a Renascena, que a
forma de encontrar respostas para os problemas somente a partir da filosofia,
comeou a mudar. Segundo Mayr (1998), a prolongada tradio de fornecer
explicaes apenas filosofando teve um crescente efeito deletrio sobre a pesquisa
cientfica nos sculos XVIII e XIX. Os filsofos daquela poca rejeitavam as
descobertas experimentais, por conflitarem com suas dedues. Um bom exemplo
desta postura so as objees que os filsofos essencialistas moveram contra
Darwin. A aproximao filosfica dedutiva ajudou a fazer novas e mais precisas
indagaes, o que levou a estabelecer as bases para uma abordagem com um carter
mais cientfico, que ultimamente vem se destacando em relao filosfica.
O perodo da Tradio Biomdica da escola de Hipcrates (em torno de 450-
377 a.C.), foi marcado pelo desenvolvimento de um grande corpo de conhecimentos
e teorias anatmico-fisiolgicas. Pesquisas sobre anatomia e fisiologia humana
eram o maior interesse da Biologia desde o perodo aristotlico at o sculo XVIII,
mas, para o pensamento ocidental, o mais importante ainda era o desenvolvimento
da filosofia. No entanto, o corpo de conhecimento formado sobre anatomia e
fisiologia humana durante este perodo, forneceu a base para o ressurgimento da
anatomia e da fisiologia durante a Renascena.
Segundo Mayr (1998), Plato e Aristteles, mais do que quaisquer outros,
tiveram notvel influncia nos caminhos que a cincia seguiu. O essencialismo de
Plato (427-327 a.C.) contribuiu de forma bastante inadequada para a Biologia e
foram necessrios mais de dois mil anos para que esta se livrasse das amarras que
sua viso essencialista implantou em diversas reas do pensamento biolgico. A
afirmao de Plato de que nenhum conhecimento verdadeiro pode ser adquirido
pelas observaes dos sentidos, a sua nfase na alma e no arquiteto do Cosmo,
permitiu, por meio do neoplatonismo, uma conexo com o dogma cristo que
dominou o pensamento do homem ocidental at o sculo XVII e constituiu, tambm,
um atraso para o desenvolvimento das Cincias Biolgicas. O aparecimento do
moderno pensamento biolgico , em parte, a emancipao do pensamento
platnico.
J em Aristteles (384-322 a.C.), em razo de seu vasto conhecimento
biolgico, e de seu inegvel empirismo, encontramos enorme contribuio para o
entendimento do mundo vivo, o que determina que quase toda a abordagem sobre
histria da Biologia deva iniciar-se por Aristteles. Segundo Mayr (1998),
Aristteles foi o primeiro a distinguir diversas disciplinas da Biologia e a dedicar-
lhes tratamentos monogrficos (De partibus animalium, De generatione animalium,
e outros). Ele foi o primeiro a descobrir o grande valor heurstico da comparao e
conhecido como o fundador do mtodo comparativo. Foi o primeiro a detalhar a
vida de grande nmero de espcies animais, dedicou um livro inteiro Biologia
reprodutiva e s histrias da vida e interessou-se muito pelo fenmeno da
diversidade orgnica e pelo significado das diferenas entre animais e plantas.
Mesmo dois mil anos antes da teoria da Evoluo Biolgica ser proposta, Aristteles
fez um ordenamento dos animais invertebrados, superior ao feito, muitos sculos
depois, por Carl Linnaeus (1707-1778).
Segundo Mayr (1998), Aristteles se caracterizava pela procura de causas,
no se satisfazia em saber o como e ousou formular porqus. Ele entendia
claramente que os organismos vivos no se originam de matria bruta e que um
princpio ativo deveria estar presente. Ao princpio ativo, que desempenhou em seu
pensamento o mesmo papel que exerce o programa gentico na Biologia moderna,
ele chamou de eidos. Para Aristteles, todas as estruturas e atividades biolgicas tm
um significado biolgico, ou, como hoje postula a Evoluo Biolgica, um
significado de adaptao.
Aristteles pensava que as substncias naturais agem por suas prprias foras
e que todos os fenmenos da natureza so processos ou manifestaes de processos
e, uma vez que todos os processos tm um fim, ele considerava o estudo dos fins
essencial para o estudo da natureza.
As questes aristotlicas do por que desempenharam um importante papel
heurstico na histria da Biologia, sendo o porque a questo mais importante
colocada pela Biologia Evolutiva. Mas a crena de Aristteles num mundo
essencialmente perfeito exclua qualquer crena numa Evoluo Biolgica. Segundo
Mayr (1998), o grande pecado de Aristteles foi o de acreditar que poderia tratar o
macrocosmo e o microcosmo do mesmo modo e aplicar seu conhecimento biolgico
bem desenvolvido Fsica e Cosmologia. Os maus resultados dessa generalizao
das leis de Aristteles no passaram, nos sculos XVI, XVII e XVIII, despercebidos
por autores como Francis Bacon e Descartes, que no lhe pouparam crticas.
Depois de Aristteles, houve a continuao das trs tradies biolgicas
gregas. A histria natural, em particular a descrio e classificao das plantas, foi
desenvolvida por Theofrasto (371-268 a.C.) e Dioscrides (50-70 d.C.), e a Zoologia
por Plnio (23-79 d.C.). A tradio biomdica alcanou seu mximo
desenvolvimento com Galeno (131-200 d.C.), cuja influncia durou at o sculo
XIX.
Segundo Mayr (1998), a partir do sculo XIV, um novo esprito parece ter
despertado no Ocidente. A poca das viagens, a redescoberta do pensamento dos
antigos, a Reforma, as novas filosofias de Bacon e Descartes, o desabrochar da
literatura secular e, finalmente, a revoluo cientfica nas Cincias Fsicas,
acentuava a necessidade de um tratamento racional dos fenmenos da natureza. As
explicaes sobrenaturais j no eram to aceitveis, como o eram at o final do
sculo XIII. Segundo Mayr (1998), nada de propriamente importante aconteceu na
Biologia depois de Lucrcio e Galeno, da Antiguidade at a Renascena.
No perodo da Renascena, ocorreu um movimento de volta natureza com a
retomada do interesse pela histria natural. Nesse sentido, as viagens em busca de
novos mundos tiveram um papel muito importante, pois contriburam de forma
libertadora. O entusiasmo pela extraordinria diversidade biolgica foi ainda mais
estimulado na Europa pelo sucesso de viagens como as Cruzadas, Viagens de
Mercadores Venezianos, Travessia dos Navegadores Portugueses, dos Novos
Mundos e de exploradores individuais que traziam cada vez mais informaes de
plantas e animais exticos de outros continentes, que passavam a ilustrar vastas
colees. Uma das conseqncias imediatas dessas viagens foi o conhecimento da
diversidade da vida animal e vegetal em todas as partes da Terra que geraram
publicaes contemplando diversas reas da Biologia, em especial a Zoologia
(Mayr, 1998).
Segundo Futuyma (1992), a Anatomia tambm foi ponto de interesse no
perodo Renascentista, mas era ensinada nas escolas mdicas medievais de forma
muito tmida. No havia a ousadia de descobrir novas informaes por meio da
prtica da dissecao, mas de enfatizar o que Galeno j havia deixado. Quem
primeiro ousou fazer dissecaes, elaborar novos instrumentos e publicar um
trabalho sobre anatomia foi Andr Vesalius (1514-1564), que corrigiu inmeros
erros de Galeno. Porm, mesmo ele fez um nmero restrito de descobertas e retinha
o arcabouo aristotlico das explicaes fisiolgicas. Foi com Vesalius que a prtica
da observao se estabeleceu, em detrimento do excessivo apego ao terico. Os
seguidores de Vesalius deram seguimento ao desenvolvimento dos estudos da
anatomia humana e alguns deles contriburam, embora no expressivamente, para a
Anatomia comparativa e para a Embriologia. A importncia maior do
desenvolvimento desses estudos est em ter proporcionado uma base para o
ressurgimento da Fisiologia, e por ter deixado registros que mais tarde deram
sustentao Evoluo Biolgica.
Segundo Mayr (1998), as Cincias Aplicadas, isto , a tecnologia e as artes da
engenharia, prepararam o caminho, durante a Renascena, para um modo
inteiramente novo de encarar as coisas. As contribuies mais positivas da revoluo
cientfica, no que concerne Biologia, referem-se ao desenvolvimento de uma nova
atitude em relao pesquisa. A lgica foi colocada em segundo plano em
detrimento da observao e experimentao, isto , da coleta de dados empricos.
Isso favoreceu a explicao das regularidades nos fenmenos do mundo, por meio
das leis naturais, cuja descoberta se tornou a tarefa dos cientistas. Na Biologia, a
rea mais frutfera foi a da Fisiologia, que foi interpretada atravs de uma
abordagem mecanicista. A publicao dos Principia de Newton, em 1687, que
propunha uma mecanizao de todo o mundo inanimado em bases matemticas,
reforou grandemente esta abordagem. Tornou-se norma comum explicar tudo em
termos fsicos de foras e movimentos, por mais inadequada que fosse essa
explicao. Um bom exemplo, dentro da Biologia, a explicao aceita, por mais de
150 anos, dos mamferos e aves terem sangue quente devido frico do sangue nos
vasos sanguneos. Explicaes fisicistas fceis foram grande empecilho para a
pesquisa biolgica, principalmente durante os sculos XVII e XVIII. Segundo Mayr
(1998), s recentemente os bilogos tiveram a fora intelectual para desenvolver um
paradigma explicativo que leva plenamente em considerao as propriedades nicas
do mundo vivo como o funcionamento do DNA, e que ao mesmo tempo
plenamente consistente com as leis da Qumica e da Fsica.
Curiosamente, a revoluo cientfica newtoniana contribuiu para maior
interesse na diversidade biolgica, pois permitiu o desenvolvimento do microscpio
no final do sculo XVII, entre outros instrumentos. A microscopia, mesmo que no
incio um pouco limitada, abriu um novo e promissor campo para a Biologia,
permitindo o desenvolvimento da Citologia e da Gentica.
A descoberta da grande diversidade biolgica deu-se graas aos herbalistas e
enciclopedistas que ressuscitaram a tradio de Theofrasto e Aristteles. Dessa
forma, foi possvel constatar que o mundo da criao era muito mais rico do que
supunham e julgavam.
Segundo Futuyma (1992), o crescimento das colees cientficas de plantas e
de animais levou a uma necessidade premente de um sistema de classificao que
iniciou com Cesalpino (1509-1603) e alcanou o apogeu com Carl Linnaeus. O
trabalho sobre sistemtica, por ele desenvolvido, foi notoriamente reconhecido, mas
em uma fase de sua vida, foi acusado de ser altamente escolstico. Na qualidade de
naturalista, Lineu observou a ntida descontinuidade entre as espcies, e admitia a
impossibilidade de uma espcie mudar para outra. A sua insistncia na estrita
delimitao das espcies, pelos menos nos seus primeiros escritos, foi o ponto de
partida para o desenvolvimento subseqente de uma teoria evolucionista.
Muitos cientistas da poca no se restringiram somente a descrever espcies.
Alguns deles, como J. G. Klreuter (1733-1806), embora partindo do interesse
tradicional na natureza das espcies, forneceram contribuies pioneiras para a
Gentica, a fertilizao e para a Biologia das flores. Esses estudos tiveram
continuidade com C. K. Sprengel (1750-1816), atravs de diversos experimentos de
fertilizao das plantas. O trabalho desses dois pesquisadores, em especial,
constituiu parte dos fundamentos sobre os quais Darwin mais tarde baseou a sua
pesquisa experimental sobre a fertilizao (e a fertilidade) nas plantas (Mayr, 1998).
Uma tradio em Histria Natural, muito diferente da de Carl Linnaeus, foi
iniciada por Georges Buffon (1707 -1788), cuja Histoire Naturelle, publicada em 44
volumes entre 1749 e 1804, era lida por praticamente todo europeu educado. Buffon
teve uma enorme influncia liberal no pensamento contemporneo, em reas to
diferentes como a cosmologia, o desenvolvimento embrionrio, as espcies, o
sistema natural e a histria da Terra. Apesar dele no ter avanado na Teoria da
Evoluo Biolgica, certamente preparou terreno para que Lamarck postulasse sua
teoria da Evoluo Biolgica, com todos os estudos que realizou e os registros
desses estudos que deixou em suas obras.
A descoberta das leis reguladoras da diversidade tornou-se um desafio para os
estudiosos dessa rea e, enquanto desenvolviam seus estudos, contrariamente ao
pensamento prevalente sobre a criao, proporcionavam muitas evidncias para a
Teoria da Evoluo Biolgica.
O interesse dominante do sculo XVIII era a descrio, a comparao e a
classificao dos organismos. No fugindo dessa influncia, a Anatomia passou a
ser cada vez mais comparativa e desenvolveu um mtodo novo no estudo da
diversidade. O mtodo comparativo iniciou-se na segunda metade do sculo XVIII
e, ainda hoje, um dos grandes mtodos da cincia, juntamente com a
experimentao.
George Cuvier (1769-1832), no incio do sculo XVII, valendo-se do mtodo
comparativo e dando nfase aos invertebrados, demonstrou a ausncia de quaisquer
intermedirios entre os maiores filos dos animais, o que o permitia refutar a scala
naturae. Estudos anatmicos comparativos posteriores a 1859 forneceram, todavia,
com toda certeza, algumas das evidncias mais convincentes em favor da teoria
darwiniana da descendncia comum (Mayr, 1998).
Segundo Chautard-Freire-Maia (1990), no contexto dos conhecimentos
evolutivos, podemos considerar que a revoluo inicial foi dada pela primeira teoria
da Evoluo Biolgica formulada em 1800 por Jean Baptiste de Monet, o Cavaleiro
de Lamarck (1744-1829). Segundo Futuyma (1992), Lamarck foi o primeiro
defensor da Evoluo Biolgica a no adotar solues de compromisso e o que
primeiro apresentou uma exposio ampliada de sua teoria em Philosophie
Zoologique (1809). Segundo Chautard-Freire-Maia (1990), Lamarck fez com que,
no incio do sculo XIX, a Evoluo Biolgica fosse um tpico de discusso,
ocasionando uma revoluo contra a viso cientfica dominante, que era fixista.
Quando Lamarck desenvolveu suas idias heterodoxas, tinha mais de
cinqenta anos de idade. Os estudos que desenvolveu na rea da Geologia o
convenceram que a Terra era muito antiga e que as condies sobre ela sofriam
variaes. Por entender que os organismos esto adaptados ao seu ambiente, chegou
concluso que eles tambm deveriam alterar-se para manterem tal adaptao.
Assim, Lamarck props uma teoria de transformao, que postulava uma tendncia
intrnseca dos organismos a buscarem a perfeio, bem como uma habilidade para
ajustarem-se s condies do meio. As idias de busca pela perfeio e de
capacidade de ajuste s condies do meio pelos organismos, so concepes sobre
Evoluo Biolgica que se originaram nessa poca e persistem at os dias de hoje.
Lamarck foi, ento, o primeiro cientista a propor uma Teoria da Evoluo
Biolgica. Seus esforos, no sentido de explicar sua teoria, no tiveram maior
sucesso principalmente porque dependiam de crenas convencionais na poca, tais
como a herana dos caracteres adquiridos que tambm foram utilizadas por Darwin
na Hiptese da Pangnese. O grande mrito de Lamarck, no entanto, no pode ser
encoberto por isso. Lamarck foi o primeiro a inferir que os organismos vivos passam
por mudanas adaptativas. Hoje, o significado maior de Evoluo Biolgica est
centrado justamente nas mudanas que levam adaptao dos organismos. Lamarck
tambm ficou reconhecido em razo de suas mltiplas contribuies para o
conhecimento da Biologia, em especial para a Botnica e para a classificao dos
invertebrados.
Segundo Mayr (1998), credita-se a Lamarck, por vezes, o fato de haver
inaugurado uma nova era da Biologia com a sua Teoria da Evoluo Biolgica e por
haver cunhado o termo Biologia em 1802 (proposto independentemente tambm
por Burdach, em 1800, e por Treviranus, em 1802). A teoria evolucionista de
Lamarck teve um impacto muito pequeno sobre a comunidade cientfica da poca, e
at o incio dos anos 1800, o que existia era a Histria Natural e a Filosofia Mdica,
em detrimento das Cincias Biolgicas, como hoje conhecida. Para surgir, a
Biologia teve que esperar pelo estabelecimento da Biologia Evolutiva, e pelo
desenvolvimento de reas como a Citologia.
Curvier tambm muito contribuiu para o avano das Cincias. Em relao s
suas contribuies para a Evoluo Biolgica, ele desempenhou um duplo papel.
Enquanto contribua de forma indireta, produzindo algumas das melhores evidncias
para a Evoluo Biolgica atravs de seus estudos de Anatomia Comparada,
Sistemtica e Paleontologia, tambm tecia forte oposio teoria proposta por
Lamarck. Esse fato fez com que os biologistas franceses, influenciados pelas
concepes conservadoras de Curvier, fossem os ltimos cientistas de um pas
europeu cientificamente ativo a aceitar a Evoluo Biolgica.
Segundo Mayr (1998), apesar de Lamarck ser mais lembrado como algum
que no estava certo, ele tem mrito inquestionvel como o primeiro cientista que
advogou a Evoluo Biolgica e props um mecanismo para comprov-la. A
herana das caractersticas adquiridas, base da teoria de Lamarck, era uma crena
geral que foi incorporada por Darwin em A origem das Espcies. Lamarck no
afirmou que os seres vivos tinham descendido de ancestrais comuns, mas sim que as
formas de vida inferiores surgem continuamente a partir da matria inanimada por
gerao espontnea, e progridem inevitavelmente em direo a uma maior
complexidade e perfeio, atravs de poderes conferidos pelo supremo autor de
todas as coisas isto , por uma tendncia inerente em direo complexidade.
Ainda segundo Mayr (1998), Lamarck sustentou que o caminho particular da
progresso guiado pelo ambiente, e que um ambiente em mudana altera as
necessidades do organismo, ao que o organismo responde mudando seu
comportamento e, conseqentemente, usando alguns rgos mais que outros. Em
outras palavras, uso e desuso alteram a morfologia, que transmitida para as
geraes subseqentes. Essa teoria claramente se aplicaria mais aos animais do que
s plantas.
As idias de Lamarck foram pouco aceitas devido ao fato de que os
naturalistas no reconheciam evidncias de Evoluo Biolgica, e no porque a
teoria de Lamarck defendia a herana de caractersticas adquiridas. Cientistas como
Georges Curvier (fundador da anatomia comparada e um dos bilogos e
paleontlogos mais respeitados do sculo XIX) e Charles Lyel, em seu Principles of
Geology, criticaram duramente Lamarck e tentaram demonstrar evidncias contra a
Evoluo Biolgica.
Apesar da Teoria da Evoluo Biolgica no ter surtido a merecida
repercusso quando Lamarck a postulou, a idia no pereceu com sua morte em
1829, permanecendo viva na Alemanha, na Inglaterra e na Frana.
Mas, no sculo XVIII, o mundo estava em evidente progresso em diversas
reas da sociedade e do pensamento humano, e foi nesse contexto que o pensamento
evolutivo comeou a tomar corpo com a teoria proposta por Lamarck. No difcil
imaginar que o pensamento evolutivo tambm tenha sido influenciado pela idia de
progresso vigente na poca, que era em direo a um contnuo melhoramento do
homem (Gould, 1992).
Segundo Mayr (1998), se a Evoluo Biolgica implicasse no conceito de
progresso contnuo, que ainda hoje constitui uma das concepes sobre este tema, e
figura tambm como uma das mais combatidas por alguns estudiosos, - entre eles
Stephen Jay Gould - os grandes naturalistas do sculo XVIII teriam feito esta
ligao. Mas nem o naturalista George Buffon, Needham, Robinet, Fiderot, Bonnet
ou Haller converteram o conceito poltico-filosfico de progresso vigente na poca,
em uma teoria cientfica. Efetivamente, somente depois de instalada a reao ao
Iluminismo, com a usurpao do poder na Frana por Napoleo, que Lamarck
desenvolveu a sua teoria da Evoluo Biolgica.
Os naturalistas consideravam a idia de progresso bastante incompatvel com
os incontveis fatos indicadores de uma evoluo regressiva (como o parasitismo e
rgos vestigiais). Talvez o maior fator restritivo tenha sido o poder do
essencialismo. Havia um pensamento de rejeio a qualquer mudana que no fosse
pelo crescimento e a considerao de que a natureza uniforme em suas obras, no
podendo, portanto, haver variao de gerao para gerao.
De forma contrria ao pensamento essencialista, Gottfried Wilhelm Leibniz
(1646-1716) considerava que a natureza tinha uma potencialidade ilimitada e que,
em razo disso, tenderia a um contnuo e infinito progresso. A futura histria da
Biologia Evolutiva foi afetada por dois elementos da filosofia de Leibniz. O
primeiro deles, o conceito de continuidade e gradualismo. Ele afirmava que tudo na
natureza avana gradualmente, e no aos saltos, e que essa regra controladora das
mudanas fazia parte de sua lei da continuidade. Segundo Mayr (1998), a rejeio ao
platonismo, por Leibniz constituiu uma importante e indispensvel contribuio para
o pensamento evolucionista, constituindo-se em uma extraordinria argumentao
de Darwin. Herbert Spencer (1820-1903), dentre outros filsofos que tambm
compartilhavam as idias de Leibniz, afirmava ainda que o progresso no um
acidente, mas uma necessidade benfica. O segundo conceito foi o de uma
orientao interna para o progresso, seno para a perfeio. Afirmava que as
mudanas aconteciam a partir de uma direo pr-determinada.
O Iluminismo foi um perodo intelectualmente liberal onde qualquer dogma
previamente aceito, fosse ele teolgico, filosfico ou cientfico, era criticamente
posto em discusso. O Iluminismo no foi um movimento homogneo e, dentre
algumas concepes iluministas, destaco a idia filosfica de igualitarismo de
Condorcet (1743-1794) considerando que esta, por sua essncia, impediu o
desenvolvimento do pensamento evolutivo biolgico. O igualitarismo de Condorcet
reconhecia apenas trs tipos de desigualdades. As desigualdades relativas ao status
social, riqueza e educao, no aceitando, porm, qualquer diferena nos dotes
nativos. A igualdade s poderia ser estabelecida se essas trs desigualdades no
existissem.
Nesse contexto, um conceito como seleo natural, ou mesmo Evoluo
Biolgica, no faria qualquer sentido. O conceito de Evoluo Biolgica preconiza
mudanas que levam as diferentes espcies e a seleo natural, por sua vez, admite
que presses ambientais selecionem os organismos em funo da variabilidade que
apresentam. Dentro dessa concepo igualitarista, as desigualdades (entenda-se
variabilidade), necessrias para que ocorra seleo natural e Evoluo Biolgica,
no eram aceitas.
No entanto, como resultado das pesquisas e de importantes mudanas do
meio cultural e intelectual durante os sculos XVII, XVIII e comeo do sculo XIX,
estas idias foram, aos poucos, sendo substitudas por uma viso mais aberta de
mundo.
1.2.3.2. Evoluo Biolgica a partir de Darwin
A discusso sobre a teoria da Evoluo Biolgica s comea a ganhar novo e
maior destaque quando Charles Robert Darwin (1809-1882) e Alfred Russel
Wallace (1823-1913) publicaram e apresentaram, juntos, seus trabalhos sobre a
teoria da Evoluo Biolgica em uma reunio na Linnaean Society de Londres em 1
de julho de 1859. Em razo da apresentao e da publicao dos artigos dele e de
Wallace no terem tido a repercusso esperada, Darwin publica em 24 de novembro
de 1859, um resumo de seu livro, sob o ttulo A Origem das Espcies por meio da
Seleo Natural, ou a Preservao das Raas Favorecidas na Luta pela Vida. Essa
publicao foi merecedora de enorme repercusso e ainda hoje alimenta a
controvrsia a que deu origem a causa da diversidade biolgica.
Wallace merecedor de crditos como co-propositor do principal mecanismo
da Evoluo Biolgica seleo natural pois sua teoria foi to cuidadosamente
formulada quanto a de Darwin. Porm, Wallace, apesar de ter continuado seus
estudos sobre tpicos evolutivos por boa parte de sua vida, nunca fez nenhuma
publicao to expressiva como fez Darwin em A Origem das Espcies.
A Origem das Espcies contm duas teses separadas: a de que todos os
organismos descendem com modificao a partir de ancestrais comuns e a de que o
principal agente de modificao a ao da seleo natural sobre a variao
individual. Darwin foi o primeiro a ordenar em grande escala as evidncias da
primeira tese, recorrendo para isto, aos registros fossilferos, distribuio
geogrfica das espcies, anatomia e embriologia comparadas e modificao
observada em organismos domsticos.
indiscutvel a importncia de A Origem das Espcies, no apenas para as
Cincias Biolgicas, mas para todos os ramos do pensamento humano, e mais uma
vez se verifica o quanto a humanidade investe na busca do prprio entendimento.
Com Darwin, o universo dos seres vivos foi colocado dentro dos domnios das leis
naturais.
As evidncias da Evoluo Biolgica, apresentadas e discutidas por Darwin
causaram grande impacto e obtiveram alto grau de convencimento na poca, com
exceo de alguns poucos cientistas proeminentes. De forma contrria, o processo
da seleo natural idia original de Darwin como o principal agente causador da
Evoluo Biolgica, no convenceu a muitos e, at o final dos anos vinte do sculo
XX, s caiu em descrdito.
Em seu livro A origem das Espcies, Charles Darwin convenceu
muitos bilogos de que houve Evoluo Biolgica e estabeleceu a teoria da seleo
natural para explic-la. Darwin rejeitou as teorias dos saltos dos essencialistas, e
insistiu na Evoluo Biolgica completamente gradual, rejeitando, dessa forma, a
teoria lamarckiana, que concebia uma orientao intrnseca e automtica para a
perfeio. Props uma causalidade estrita e separada para cada mudana evolutiva.
Alm dos postulados de Darwin sobre seleo natural, outra revoluo dentro
da rea biolgica, incorporada mais tarde teoria da Evoluo Biolgica, foi a da
redescoberta dos trabalhos de Johann Mendel (1822-1885), em 1900. A mais
importante contribuio individual da Gentica, extrada dos trabalhos de Mendel,
substituiu o conceito antigo de herana atravs da mistura de sangue pelo conceito
de herana atravs de partculas (os genes). O desenvolvimento da gentica, a partir
desses estudos, permitiu reinterpretar a teoria da Evoluo Biolgica de Darwin
luz das novas descobertas sobre a hereditariedade, sintetizando diversos
conhecimentos isolados.
O ponto frgil de sua teoria, isto , a falta de conhecimento sobre a natureza
da hereditariedade, foi removido quando, nas dcadas de 1920 e 1930, os princpios
mendelianos da hereditariedade foram corretamente aplicados a populaes e
utilizados para explicar a variedade gentica na natureza. Segundo Stebbins (1970),
um conflito que existia no primeiro quarto do sculo XIX entre naturalistas
darwinistas e geneticistas mendelianos pioneiros foi resolvido por essa investigao
da gentica populacional.
Segundo Mayr (1998), Evoluo Biolgica consiste nas mudanas de
adaptao e na diversidade e Darwin, em conseqncia da leitura dos Principles, de
Lyell, e dos seus estudos sobre a fauna das Ilhas Galpagos e da Amrica do Sul,
voltou sua ateno para a origem da diversidade, isto , para a origem de novas
espcies. A primeira revoluo darwiniana, a da descendncia comum, concebia que
todos os organismos derivavam, inclusive o homem, em ltima instncia, de uns
poucos ancestrais primitivos, ou possivelmente de uma nica primeira vida. Esta
concepo relegou o homem, sob uma viso materialista, ao mesmo plano de todos
os demais organismos vivos, contrariamente ao dogma cristo e filosofia de
Descartes.
A revoluo darwiniana, a da causalidade evolutiva, tinha dois pontos a
serem esclarecidos para Darwin. O primeiro era a produo abundante de variao
gentica, que Darwin no sabia explicar a origem uma vez que lhe faltava o
conhecimento sobre a natureza biolgica da hereditariedade. O segundo ponto era a
sobrevivncia diversificada e a reproduo, ou seja, a seleo entre a
superabundncia dos indivduos produzidos em cada gerao. Esta seleo natural
no era um fenmeno ao acaso, como Darwin tantas vezes foi acusado de haver
admitido, mas causada estritamente pela interao entre herana gentica e fatores
ambientais.
Chauthard-Freire-Maia (1990) chama a ateno que a extraordinria
contribuio de Mendel veio contrapor-se idia prevalecente na poca, de que a
herana se dava atravs da fuso de elementos paternos e maternos.
A partir do sculo XIX, tomando como essncia as noes de Darwin sobre
seleo natural e as noes sobre gentica, destaca-se, respectivamente, duas
correntes: a Corrente Selecionista e a Corrente Mutacionista.
Os argumentos para a corrente Mutacionista comearam a surgir a partir das
descobertas das leis de Mendel. Um outro paradigma evolutivo foi proposto quando
ficou entendido que a herana era particulada e que inovaes hereditrias surgem
espontaneamente por alteraes sbitas dos genes, conhecidas como mutaes. Esta
hiptese de Evoluo Biolgica por mutao competiu com sucesso, nas primeiras
dcadas desse sculo, com as idias de Lamarck e Darwin.
A teoria darwiniana da descendncia comum foi uma das teorias mais
heursticas que jamais foi proposta (Mayr, 1998). Ela mobilizou diversas reas da
Biologia, principalmente a Anatomia Comparada, em prol da determinao do
parentesco e das provveis caractersticas dos ancestrais comuns, tarefa esta
inacabada at os nossos dias, pois ainda permanecem diversas dvidas sobre o
ancestral comum de diversos grupos de plantas e de animais.
A mutao era a fora diretora da Evoluo Biolgica. A seleo natural
somente contribuiria para eliminar as mutaes no vantajosas de uma populao.
Ou seja, o progresso evolutivo ocorre quando surge uma mutao valiosa
substituindo sua antecessora menos valiosa. H. de Vries, W. Bateson e T.H. Morgan,
todos reconhecidos geneticistas e cientistas, foram defensores da corrente
mutacionista.
Segundo Mayr (1998), os argumentos que levaram queda do mutacionismo
foram desenvolvidos no fim da dcada de 1920 e comeo da dcada de 1930. Eram
argumentos matemticos baseados no fato de que Evoluo Biolgica das
populaes ocorre pela disperso de caracteres favorveis e, desse modo, dos genes
favorveis responsveis por eles. Para que a disperso de uma nova mutao seja
imediatamente favorecida, seria necessrio levar em conta, entre outros fatores, o
tamanho populacional, o nmero de geraes, a taxa em que a mesma mutao
reaparece, o grau em que favorece seus portadores. A interao desses fatores
determinante da taxa e da direo das modificaes das freqncias gnicas.
Pensando assim, parecia que a Evoluo Biolgica poderia ser redefinida
como uma mudana nas freqncias gnicas, uma vez que tais mudanas so a base
da mudana de formas e de hbitos que ocorrem nos organismos. No necessrio
que os genes sejam mutaes recm-surgidas, podemos dizer que est ocorrendo
Evoluo Biolgica desde que suas freqncias aumentem ou diminuam,
comumente devido a modificaes ambientais. Segundo Ayala e Valentine (1979),
tornou-se evidente como os indivduos de uma populao de reproduo sexual no
so todos geneticamente idnticos, o nmero total de genes que podem ser herdados
pela gerao seguinte muito maior que o nmero de genes de um nico indivduo.
O conjunto gnico, ou seja, todos os genes de uma populao, em qualquer
momento, constituem um reservatrio de toda a variabilidade gentica da populao.
O nvel mais bsico da Evoluo Biolgica dado pelas mudanas nas freqncias
de genes que constituem o conjunto gnico.
A teoria de como as freqncias gnicas se modificam foi elaborada
princi
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