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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014.ISBN: 978-85-7506-232-6
A FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO DO LOTEAMENTOCEVAL – PELOTAS/RS
Gilciane Jansen
Universidade Federal de Pelotas
gilciane.jansen@hotmail.com
INTRODUÇÃO
O trabalho tem por finalidade discutir sobre a produção do espaço urbano,
tendo como foco o Loteamento Ceval na cidade de Pelotas-RS. Dessa forma, buscou-se
compreender como ocorreu a produção do espaço urbano do Loteamento Ceval,
enfatizando o papel dos agentes modeladores do espaço urbano envolvidos na construção
do loteamento. Primeiramente, o trabalho buscará realizar uma revisão conceitual de
termos que envolvem a temática sobre a produção do espaço urbano, tendo como ponto de
partida a definição de produção do espaço a partir de Henri Lefèbvre. Ao longo dessa
primeira etapa, se buscará realizar de forma dialética uma interlocução que contribua para a
compreensão sobre o que abordam os autores a respeito da produção do espaço urbano
(teoria) e a materialização do que eles descrevem na produção do espaço urbano do
Loteamento Ceval o que culminará com a formação desse território (prática).
No segundo momento, será abordado o estudo de caso do Loteamento Ceval
que discutirá sobre a formação desse território.
CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA
Para entendermos sobre a produção do espaço urbano, é mister que se discuta
sobre a produção do espaço, o que é o espaço urbano e mais propriamente como ocorre
essa produção do espaço urbano. O intento, para embasar teoricamente este estudo é
buscar em autores que trabalham com a temática do espaço urbano tais como: Henri
Lefèbvre, Ana Fani Alessandri Carlos, Roberto Lobato Corrêa, entre outros autores, subsídios
para contribuir na constituição desse artigo sobre a produção do espaço urbano, mais
propriamente do Loteamento Ceval.
Primeiramente, abordando sobre a produção do espaço, entende-se que essa
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idéia não é nova e que pensadores como Marx, Lênin, Luxemburgo, Harvey e Lefèbvre já se
preocupavam com essa temática. Porém, Lefèbvre é quem mais trabalha com a temática da
produção do espaço. Este pensador diz que o espaço não é produzido por si só, isto é, o
espaço não se (re)produz sozinho ou isolado. Infere-se que, para o espaço ser produzido é
necessário que se tenham relações sociais que o movimentem e o tornem dinâmico. Assim,
para este pensador, a produção do espaço envolve a produção social, que mais tarde
tomará maior proporção e ele chamará de espaço social. De acordo com Lefèbvre (1974, p.
103 apud MARTINS, 2004, p. 26):
O conceito de espaço social se desenvolve, se amplificando. Ele se introduz no
seio do conceito de produção e mesmo o invade; ele se torna o conteúdo, talvez
essencial. Ele engendra então um movimento dialético muito específico, que não
abole certamente a relação ‘produção-consumo’ aplicada às coisas (os bens, as
mercadorias, os objetos de troca), mas a modifica, amplificando-a. Uma unidade
se entrevê entre os níveis freqüentemente separados da análise; as forças
produtivas e seus componentes (natureza, trabalho, técnica, conhecimento) as
estruturas (relações de propriedade), as superestruturas (as instituições e o
próprio Estado).
Para complementar a ideia de Lefèbvre, o espaço é um produto social, criado
para ser usado, para ser consumido, pois, entende-se que é um meio de produção e como
meio de produção não pode ser separado das forças produtivas e seus componentes que
lhe dão forma. No livro Henri Lefèbvre e o retorno à dialética de José de Souza Martins
(1996, p. 58) este menciona como o espaço é produzido da seguinte forma:
O homem age sobre a natureza na atividade social de atender suas
necessidades. Constrói relações sociais e concepções, idéias, interpretações que
dão sentido àquilo que faz e àquilo de que carece. Reproduz, mas também
produz, isto é, modifica, revoluciona a sociedade, base de sua atuação sobre a
natureza, inclusive a sua própria natureza. Ele se modifica, edifica sua
humanidade, agindo sobre as condições naturais e sociais de sua existência, as
condições propriamente econômicas.
Nessa perspectiva entende-se que, o homem tem necessidades seja de habitar,
comer, vestir-se, trabalhar e este deve suprir de alguma forma as suas necessidades básicas.
De acordo com isso, pode-se inferir que, no Loteamento Ceval a dinâmica não foi diferente,
uma vez que, o habitar (moradia) era uma necessidade imediata que deveria ser suprida de
alguma forma, seja com a ajuda do poder público ou somente com a mobilização dos
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próprios moradores (grupos sociais excluídos). Desse modo, entende-se que, o espaço é
produzido de acordo com idéias, vontades e necessidades do homem e que a cidade é vista
como o lugar onde as diversas classes sociais vivem e se reproduzem (Corrêa, 1995).
Percebe-se que, no caso do Loteamento Ceval, objeto desse estudo, que a maior
necessidade dos moradores era a de uma moradia adequada, para que esses indivíduos
pudessem ter acesso e direito à cidade de forma plena. Diante do exposto, é importante
mencionar o Estatuto da Cidade que é a Lei Federal Brasileira nº 10.257, aprovada em 2001,
que tem como objetivo principal superar a desigualdade urbana no Brasil. Além disso, é
colocado no Estatuto da Cidade (2001, p.3) que:
Entre os desafios encarados pelo governo está o de trabalhar para reverter uma
característica marcante das suas cidades e comum em outras tantas cidades do
mundo: a segregação socioespacial. Bairros abastados que dispõem de áreas de
lazer, equipamentos urbanos modernos coexistem com imensos bairros
periféricos e favelas marcadas pela precariedade ou total ausência de
infraestrutura, irregularidade fundiária, riscos de inundações e escorregamentos
de encostas, vulnerabilidade das edificações e degradação de áreas de interesse
ambiental.
Estes problemas relatados acima envolvem todas as cidades, porém os grupos
sociais excluídos são os mais prejudicados, pois estes habitam lugares insalubres onde há
carência de infraestrutura urbana. O caso dos moradores do Loteamento Ceval não foge à
regra, uma vez que, estes moravam à margem do Canal São Gonçalo e se apropriaram de
uma área pública com a intenção de obterem melhores condições de vida e habitação.
Entende-se que, o direito à cidade deve ser garantido para todos os cidadãos, porém há um
descaso do poder público, que faz vistas grossas quanto essa questão.
A autora Ermínia Maricato coloca no Estatuto da Cidade (2001, p. 5) que: “Nossa
sociedade é historicamente desigual, na qual os direitos, como por exemplo: à cidade, ou à
moradia legal, não são assegurados para a maioria da população”. Esta citação coloca um
grande embate presente no espaço urbano, que envolvem todos os agentes sociais
modeladores do espaço, mais precisamente os grupos sociais excluídos que são mais
vulneráveis e suscetíveis ao acesso à moradia.
De outro modo, é mister compreender o que é o espaço urbano que de acordo
com Corrêa (1995, p. 1) é:
O conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si. Tais usos definem
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áreas, como: o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais,
de serviço e de gestão; áreas industriais e áreas residenciais, distintas em termos
de forma e conteúdo social; áreas de lazer; e, entre outras, aquelas de reserva
para futura expansão. Este conjunto de usos da terra é a organização espacial da
cidade ou simplesmente o espaço urbano fragmentado. Eis o que é espaço
urbano: fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto
de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade em uma de suas
dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais.
Conforme a citação, é importante mencionar que o espaço urbano é um campo
de lutas, uma vez que, os espaços melhores e com melhor infra-estrutura são destinados
aos mais abastados e os espaços menos relevantes e sem amenidades, aos que não
possuem condições financeiras de pagar por melhores espaços de moradia, este aspecto
demonstra a segregação sócio espacial que há em todas cidades. Por isso, a importância de
se colocar em prática a Lei do Estatuto da Cidade contribuindo para que se tenha igualdade
urbana.
Infere-se que, a produção do espaço urbano do Loteamento Ceval se deu num
campo de lutas, pois os moradores apropriaram-se do terreno do poder público que seria
destinado para a construção de um condomínio para a classe média e lutaram
incessantemente para permanecerem naquele espaço. Isto demonstra que há uma luta
constante dos menos abastados pelo direito à cidade, que na maioria das vezes
encontram-se nas bordas do tecido urbano, mais precisamente nas áreas periféricas da
cidade, onde a infra estrutura é extremamente precária ou inexistente. Dessa maneira, o
espaço urbano é produzido de forma heterogênea e fragmentada pela própria sociedade
que segrega socialmente uns(pobres) e contempla outros (ricos). Em virtude disso, Santos
(2008, p. 45) coloca:
A produção do espaço urbano está intimamente ligada ao jogo de interesses
entre os seus agentes e partícipes, fruto das relações simbólicas e contraditórias
do capitalismo em suas múltiplas facetas. O espaço urbano é artificial, é
construído no meio antes natural e, em seguida manipulado numa teia de ações
sociais, onde as relações entre os atores envolvidos nem sempre resultarão na
aplicabilidade das soluções que visem os anseios da maioria.
Entende-se com isso, que a maioria é sempre representada pelos mais
vulneráveis, logo os menos abastados, os quais estão imbuídos de muitas necessidades e
anseios principalmente pelo acesso e direito à uma moradia digna.
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Segundo Vara (2009, p.38):
A produção e reprodução do espaço obedecem à normas ou leis que submetem
a sociedade que o produziu. A apropriação do espaço não é igualitária, coletiva.
Ela é, na verdade racionalmente seletiva através de vários agentes que detêm o
poder do capital, sejam eles públicos ou privados.
De acordo com o citado anteriormente, percebe-se que o espaço urbano não é
produzido isoladamente, pois há agentes envolvidos que contribuem para a fragmentação
do espaço urbano. Uma vez que, estes agentes possuem intenções associadas à terra
transformada em mercadoria. Mas, quem são estes agentes sociais modeladores da cidade?
São: os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais; os
proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o Estado e os grupos sociais excluídos.
Segundo Corrêa (1995, p. 1):
Os grandes proprietários industriais e as grandes empresas comerciais são, em
razão da dimensão de suas atividades, grandes consumidores de espaço.
Necessitam de terrenos amplos e baratos que satisfaçam requisitos locacionais
pertinentes às atividades de suas empresas – junto a portos, a vias férreas ou
em locais de ampla acessibilidade à população. Os proprietários de terras atuam
no sentido de obterem a maior renda fundiária de suas propriedades,
interessando-se em que estas tenham o uso mais remunerador possível,
especialmente uso comercial ou residencial de status. Por promotores
imobiliários, entende-se um conjunto de agentes que realizam, parcialmente ou
totalmente, as seguintes operações: incorporação; financiamento; estudo
técnico; construção ou produção física do imóvel; e comercialização ou
transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro, agora acrescido de
lucro. O Estado atua também na organização espacial da cidade. Sua atuação
tem sido complexa e variável tanto no tempo como no espaço, refletindo a
dinâmica da sociedade da qual é parte constituinte. Por fim, os grupos sociais
excluídos são aqueles que não possuem renda para pagar o aluguel de uma
habitação digna e muito menos para comprar um imóvel. Este é um dos fatores,
que ao lado do desemprego, doenças, subnutrição, delineiam a situação social
dos grupos excluídos.
Tentaremos a partir do exposto por Corrêa realizar de forma dialética um
raciocínio que enfatize os principais agentes modeladores na produção do espaço urbano
do Loteamento Ceval.
Neste trabalho pode-se enfatizar que, os grupos sociais excluídos, ou melhor o
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grupo de moradores do atual Loteamento Ceval, não possuíam condições de adquirir um
imóvel, uma vez que, moravam às margens do São Gonçalo, onde a topografia é muito baixa
e que ocorrem constantes enchentes. Por esse motivo, a decisão de apropriarem-se de um
terreno do poder público (Prefeitura de Pelotas) localizado nas proximidades do local
anterior de moradia. Nesse caso, a Prefeitura de Pelotas era proprietária da terra que foi
apropriada pelo grupo de moradores, e o principal destino da terra era a construção de
apartamentos para a classe média1.
Com isso, percebe-se que, o principal destino da terra, num primeiro momento,
era ser transformada em mercadoria gerando capital, e não abrigar os menos abastados.
Nesse caso o grupo social excluído (moradores) passam a ser uma ameaça para a Prefeitura,
uma vez que estes, se apropriaram do espaço destinado à construção dos apartamentos
para classe média.
Para a autora Ana Fani Carlos (1994, p. 86):
O uso do solo urbano será disputado pelos vários segmentos da sociedade de
forma diferenciada, gerando conflitos entre indivíduos e usos. Esse pleito será,
por sua vez, orientado pelo mercado, mediador fundamental das relações que
se estabelecem na sociedade capitalista, produzindo um conjunto limitado de
escolhas e condições de vida.
Este conjunto limitado de escolhas e condições de vida no espaço urbano,
condiciona-se aos grupos sociais excluídos que não podem pagar pelos espaços melhores
equipados da cidade, isto é, aqueles em que há infra estrutura urbana adequada e
amenidades. Isto faz com que esses grupos habitem espaços precários da cidade,
principalmente onde há riscos ambientais como: enchentes, desabamentos de terra. Por
esse motivo o pleno direito à cidade já torna-se uma luta, onde de um lado estão os mais
abastados e de outro os “excluídos”, isto torna o espaço cada vez mais fragmentado e
desigual. De acordo com isso, entende-se que, cada agente social possui um interesse
específico pela terra, o que torna o espaço urbano não coletivo, mas individual.
Assim, nesse campo de lutas trava-se uma batalha entre os moradores da
margem do Canal São Gonçalo, posteriormente, do Loteamento Ceval, querendo
permanecer no terreno e de outro a Prefeitura de Pelotas buscando alternativas para que o
grupo se retirasse.
1 Baseado em informação verbal de uma moradora do Loteamento Ceval. Retirado da dissertação de Maria de Fátima Santos da Vara denominada: “Estratégias da população de baixa renda na produção do espaço urbano: o caso do Loteamento Ceval em Pelotas-RS”.
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Conforme Heidrich (1998 apud OLIVEIRA, 2002, p. 45) coloca que:
Pode-se identificar territórios toda vez que, uma coletividade humana se
apropria de um lugar e ali passa a estabelecer relações de posse e de domínio.
Essa concepção leva em conta que um território é apropriação e
estabelecimento de relações de poder no seu interior.
Então, pode-se dizer que esse grupo social excluído foi em busca de um espaço
o qual pudesse viver de forma digna, transformando-o em território.
De acordo com Corrêa (1995, p.4):
É na produção da favela, em terrenos públicos e privados que os grupos sociais
excluídos tornam-se, efetivamente, agentes modeladores. A ocupação destes
terrenos que dão ensejo à criação das favelas é uma forma de resistência à
segregação social e sobrevivência ante a absoluta falta de outros meios
habitacionais. Aparentemente desprovida de qualquer elaboração espacial, as
favelas acrescentam uma lógica que inclui a proximidade a mercados de
trabalho. Outro fenômeno observado é a progressiva urbanização da favela, até
se tornar um bairro popular. Isto se explica pela ação dos moradores que
pretendem a melhoria das condições de vida, conjuntamente com o Estado que,
por motivos diversos, destina recursos à urbanização das favelas.
Pode-se dizer que, inicialmente quando da ocupação, o atual Loteamento Ceval
era considerado uma favela, porque as moradias eram pequenos casebres de madeira e
inexistia infra estrutura. Segundo o Observatório de Favelas que é uma organização social
de pesquisa e de proposições políticas sobre as favelas, a favela é: “Um espaço destituído
de infra-estrutura urbana- água, luz, esgoto, coleta de lixo; sem arruamento; globalmente
miserável; sem ordem; sem lei; sem regras; sem moral. Enfim, expressão do caos”.
Conforme o Estatuto da Cidade (2001, p.13):
A urbanização ou requalificação urbanística e social de favelas pode ser uma boa
proposta quando ela está bem localizada na cidade e seus moradores têm oferta
de emprego, além de serviços e equipamentos coletivos nos arredores.
Acredita-se que, a persistência e luta que os moradores travaram com a
Prefeitura foi um dos motivos que levou à urbanização da área. Pois, a área é bem localizada
e possui oferta de emprego para os moradores.
Diante disso, os agentes sociais modeladores do espaço envolvidos nesse estudo
foram basicamente dois: os grupos sociais excluídos e o poder público local.
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O grupo social excluído (moradores) necessitavam habitar um espaço que
promovesse melhores condições de vida. Por isso, se apropriaram da área da Prefeitura e
produziram seu espaço no local. Assim, eles obtiveram o direito à cidade.
Apreende-se que, a ação da Prefeitura foi necessária para a efetiva constituição e
construção do Loteamento Ceval, porém foi desnecessário o longo período de descaso com
os moradores. Uma vez que, estes não estavam se apropriando de uma área privada, mas
pública. Além disso, a intenção era de moradia, pois careciam de melhores condições de
vida, não havia um outro propósito.
Com isso, propõe-se que, para que se tenha um espaço urbano menos desigual
e mais humanitário é necessário que se coloque em prática o que esta proposto no Estatuto
da Cidade, o que vem a calhar com a sugestão de desenvolvimento sócio espacial proposto
pelo professor Marcelo Lopes de Souza no livro Mudar a cidade. O desenvolvimento sócio
espacial requer planejamento e gestão do sistema urbano, pois estes são as ferramentas
para que se tenha melhoria da qualidade de vida e aumento da justiça social. Este
desenvolvimento é promotor da igualdade social, isto é, do direito à cidade de forma plena.
Segundo Souza (2008, p.62):
A respeito da qualidade de vida entende-se que esta corresponde à crescente
satisfação das necessidades- tanto básicas quanto não básicas, tanto materiais
como imateriais de uma parcela cada vez maior da população. Quanto ao
aumento da justiça social, trata-se de uma discussão mais complexa.
Resumidamente a justiça social parte da premissa da igualdade dos indivíduos
enquanto seres humanos merecedores de tratamento igualmente digno e
respeitoso.
Entende-se essa colocação de forma que, o indivíduo “excluído” não possui um
tratamento digno e respeitoso. A premissa da igualdade ainda é pouco difundida na
sociedade capitalista que preza a desigualdade social.
No Brasil a questão da exclusão social difunde-se nos anos 1990 remetendo-se a
ideia de diferenciação social, não realização dos direitos de cidadania, vulnerabilidades e
privações.
De acordo com o dicionário de sociologia, exclusão social é a situação
decorrente da desigualdade social e da excessiva concentração da renda de uma sociedade
nas mãos de poucas pessoas. Nesse caso, grande parte da população se vê excluída dos
benefícios dessa sociedade e impossibilitada de satisfazer suas necessidades básicas, como
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nutrição, vestuário, educação e saúde. Com a globalização, o termo abrange também
aqueles que não conseguem emprego por não terem uma preparação adequada para as
novas funções criadas pela sociedade global. Segundo Leal ( 2011, p. 166):
Faz parte de qualquer sociedade capitalista o jogo de excluir e incluir, como duas
faces necessárias da mesma moeda. Assim, o problema da exclusão nasce com a
sociedade capitalista típico dela, mas juntamente com o problema da inclusão.
Poderíamos dizer que a própria gênese do capitalismo está na expropriação do
trabalhador de seus meios de produção- uma forma de exclusão- para em
seguida, incluí-los como trabalhadores assalariados.
Diante disso, entende-se que, os indivíduos estão incluídos mesmo que de forma
perversa na sociedade. Martins (1997, p. 32) afirma que: “ a sociedade capitalista desenraíza,
exclui, para incluir, mas incluir de outro modo, com suas próprias regras, segundo sua
própria lógica”.
De acordo CARLOS (1994, pág. 95):
O modo como a sociedade vive hoje é determinado pelo modo como o capital se
reproduz, em seu estágio atual de desenvolvimento. Isto quer dizer, também,
que o trabalhador não foge ao “controle” do capital, nem quando está longe do
local de trabalho, pois o espaço da moradia tende a se subjugar às necessidades
e perspectivas da acumulação do capital. Por outro lado, o trabalhador também
terá acesso à moradia, e possibilidades limitadas de escolha para morar. O
modo de vida urbano, sob o capitalismo, impõe disciplina.
Entende-se que, a lógica capitalista é tão perversa que influi diretamente até
mesmo no lugar de moradia que é colocada como o valor de uso para os grupos sociais
excluídos. Para possuírem uma vida digna é necessário que tenham um espaço de moradia
do mesmo modo, porém o capital limita essa possibilidade. A proposta do desenvolvimento
sócio espacial é uma forma de gestão que pode ser adotada pelas cidades, contribuindo
para que esse processo desigual seja amenizado e se torne mais igualitário.
De acordo com Souza (2008, p.63) a autonomia individual e a coletiva é movida
pelos indivíduos. Quanto a isso ele coloca que:
A autonomia individual é a capacidade de cada indivíduo estabelecer metas para
si próprio com lucidez, persegui-las com máxima liberdade possível e refletir
criticamente sobre a sua situação e sobre as informações de que dispõe,
pressupõe não apenas condições favoráveis, sob o ângulo psicológico e
intelectual, mas também instituições sociais que garantam uma igualdade
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efetiva de oportunidades para todos os indivíduos. A autonomia coletiva
depreende não somente instituições sociais que garantam a justiça, a liberdade
e a possibilidade do pensamento crítico, o que implica a ausência de opressão
“de fora para dentro, de uma sociedade sobre a outra, de uma classe ou grupo
social sobre o outro. Essa autonomia diz respeito à liberdade que o indivíduo
possui e consequentemente a proteção de ações nocivas dos outros.
Na sociedade atual é necessário que se difunda cada vez mais a ideia do
desenvolvimento sócio espacial para que os indivíduos saibam desenvolver a autonomia
individual e, posteriormente uma autonomia coletiva que faça com que estes sejam os
provedores da melhora da sua qualidade de vida e aumento da justiça social, em outras
palavras autores da sua própria história.
ESTUDO DE CASO
O Loteamento Ceval (Figura 1) localiza-se no bairro Simões Lopes em Pelotas.
Anteriormente, essa área pertencia a empresa Bung Alimentos, antiga Ceval e foi comprada
pela Prefeitura Municipal de Pelotas. Em 2002, os moradores localizados à margem do Canal
São Gonçalo começaram uma mobilização para apropriarem-se do terreno da Prefeitura,
pois o motivo principal para a ocupação eram as constantes enchentes que atingiam as
moradias. Essa área que os moradores ocuparam estava destinada à construção de
apartamentos para a classe média, o que não se efetivou com a apropriação da área pelos
moradores de baixa renda. Segundo Vara (2009, p.65): “ verificou-se que a maioria das
famílias (35%) possui renda per capita entre R$127,00 e R$ 175,00”. Pode-se inferir que este
valor, destinava-se basicamente para suprir as necessidades mínimas com alimentação e
saúde.
Figura 1: Mapa do Loteamento Ceval, 2009
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Fonte: Secretaria Municipal de Habitação (SMH) de Pelotas, 2009
Pode-se analisar na figura 1, que o Loteamento Ceval está dividido em 7 quadras
e lotes numerados e bem distribuídos, além de possuir área de lazer para os moradores.
Mas pode-se dizer que esse processo só ocorreu devido apropriação da área pelo grupo
social.
Na dissertação de Mestrado Maria de Fátima S. da Vara coloca que: “a Prefeitura
de Pelotas, promovia reuniões constantes tentando sugerir outros locais de moradia, o que
era refutado pelos moradores”. O principal embate era que as propostas de outros locais de
moradia eram distantes do centro da cidade e de seus locais de trabalho. Do momento da
apropriação do terreno em 2002 até 2006, os moradores viveram sem assistência do poder
público local, pois, não havia infra estrutura e as moradias eram casebres de madeira
(Figura 2). Com isso, devido não possuir energia elétrica no terreno, o atual Loteamento
Ceval, era chamado de Vila Fantasma, porque os moradores utilizavam velas para iluminar
a total escuridão2.
2 Informações retiradas da dissertação de Mestrado de Maria de Fátima Santos da Vara sobre o Loteamento Ceval.
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Figura 2: Casebres improvisados no Loteamento Ceval na ocasião da invasão – 20043
Fonte: Eneida Rodrigues Tavares, 2004
Segundo Vara (2009, p. 60):
Na paisagem do Loteamento Ceval foi possível identificar muitas crianças
descalças, cachorros, sujeiras e trânsito de pessoas, bicicletas, charretes, motos
e de vez em quando, algum carro, geralmente, velho. Também pode-se verificar
um número significativo de cavalos e charretes nos pátios, além de muitos
papelões, pneus e sujeiras.
Esta observação permite perceber como vivem os grupos sociais excluídos,
nesse caso moradores do Loteamento Ceval. Sabe-se que, houveram melhorias nas
condições de vida, pois eles foram atendidos pelo poder público local, suprindo a
necessidade de moradia e infra estrutura.
Porém, as necessidades financeiras ainda permanecem impressas nesse espaço,
sendo necessário a coleta de materiais recicláveis com carroças e/ou charretes para o
sustento das famílias. Este material muitas vezes é colocado junto às moradias o que causa
3 Figura retirada da Dissertação de Mestrado em Geografia de Maria de Fátima S. da Vara.
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um aspecto de sujeira. Infere-se que, esta paisagem está vinculada ao modo de vida desses
moradores, pois é dessa forma que eles organizam seu espaço, suprindo suas necessidades
da forma que conseguem.
A autora da dissertação sobre o Loteamento Ceval Maria de Fátima da Vara
(2009, p.70) destaca a notícia retirada do Jornal Diário Popular:
Abandonados. Assim se sentem os moradores do loteamento Ceval, localizado
no início da avenida Brasil no Simões Lopes. Desde 2002, quando aportaram por
ali fugidas da enchente que arrasou a vila da Ponte (nas margens do canal São
Gonçalo), as 45 famílias esperam pela demarcação dos lotes. Enquanto isso, não
podem construir casas definitivas, nem têm acesso à luz, água ou esgoto. (Diário
Popular, Quarta – Feira, 24 de janeiro. 2004).
Em 2006, depois de quatro anos de total descaso do poder público local com os
moradores da Ceval, iniciou-se a construção das moradias com um cômodo e banheiro,
instalou-se água, esgoto, rede elétrica e foi feito o arruamento (Figura 1). O Loteamento é
composto por seis ruas identificadas pelos seus respectivos números, que delimitam sete
quadras com o total de 115 casas edificadas pela Secretaria Municipal de Habitação.
Segundo Vara (2009, p. 72): “Inicialmente o projeto previa a construção de 70
casas adquiridas pelo Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSHIS), mas
depois houve a necessidade de assentar moradores de outros locais da cidade nessa área”.
Percebe-se que, com a luta do grupo de moradores da Ceval outros indivíduos também
puderam ter acesso à moradia, aumentando assim o número de habitações. O programa
habitacional foi executado pela Secretaria Municipal de Habitação (SMH) com parcerias com
a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Sistema Tecnológico de Construção Ltda (SISTECOM).
Pode-se dizer que, primeiramente o grupo social excluído, neste caso os
moradores do Loteamento Ceval, foram os primeiros agentes modeladores e produtores
daquele espaço urbano, posteriormente o poder público agiu naquele espaço com a função
de estruturador e organizador, construindo moradias e infra estrutura para os moradores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para concluir, é importante ressaltar que esse campo de lutas que é o espaço
urbano na sua forma desigual e fragmentada é produzido pelos agentes sociais
modeladores principalmente por aqueles que utilizam a terra como mercadoria que são os
grandes proprietários industriais, as grandes empresas comercias; os proprietários de
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terras; os promotores imobiliários e o Estado. Os grupos sociais excluídos, entende-se que,
necessitam da terra para moradia. Por isso, essa luta que trava-se entre os agentes
principalmente os que querem obter a terra como mercadoria transformando-a em capital e
os que lutam pelo acesso à moradia por necessidade. Nesse caso a luta travou-se entre a
Prefeitura e os moradores do Loteamento porque de um lado a Prefeitura brigava pela terra
como mercadoria e de outro os moradores lutando pela terra como moradia. Percebe-se
que os agentes que tem como objetivo transformar a terra em mercadoria são os principais
responsáveis pela desigualdade urbana e conseqüente segregação sócio espacial. O grupo
social excluído, os moradores do Loteamento Ceval tiveram uma autonomia coletiva
(proposta do desenvolvimento sócio espacial), uma vez que estes buscaram obter qualidade
de vida atendendo as necessidades básicas, principalmente a de moradia e conjuntamente
procuraram aumentar a justiça social que visa a igualdade dos indivíduos enquanto seres
humanos merecedores de tratamento igualmente digno e respeitoso. Com isso, os
moradores formaram o território do Loteamento Ceval de forma humana e igualitária.
REFERÊNCIAS
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A FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO DO LOTEAMENTO CEVAL – PELOTAS/RS
EIXO 3 – Desigualdades urbano-regionais: agentes, políticas e perspectivas
RESUMO
Para compreendermos como ocorreu a formação territorial do Loteamento Ceval é mister que nos
reportemos aos agentes modeladores do espaço que, segundo Roberto Lobato Corrêa no livro
Espaço Urbano são definidos como: os proprietários dos meios de produção; os proprietários
fundiários; os promotores imobiliários; o Estado e os grupos sociais excluídos. A problemática em
questão está particularmente na produção do espaço urbano que não ocorre de forma pacífica e
igualitária, pois os interesses que envolvem os incluídos não são os mesmos dos excluídos
causando divergências. Principalmente, porque os incluídos detêm o capital e os excluídos o
trabalho. Assim, pode-se dizer que a formação do território do Loteamento Ceval baseou-se na
busca dos grupos sociais excluídos por melhores condições de moradia e infraesturura, visando
uma vida digna e mais igualitária. O objetivo geral que norteia a discussão busca compreender
como ocorreu a formação do território do Loteamento Ceval. Os objetivos específicos são: analisar
os agentes envolvidos na formação do território do Loteamento; verificar a situação de moradia e
infraestrutura do Loteamento Ceval; e compreender os motivos que levaram os moradores há
habitarem o Loteamento Ceval. O método científico empregado é o Materialismo Histórico e
Dialético de Marx, em que o sujeito constrói o objeto e o objeto passa a influenciar o sujeito, pode
entender que, o objeto está no sujeito e o sujeito está no objeto é uma relação construtiva e
dialética de ambos promovendo a autonomia do sujeito. Esse método ainda tem como uma de
suas características principais a dialética e a ação do sujeito que produz o espaço. Por isso,
adotou-se esse método, pois é a que mais se adéqua ao estudo. Pois, entende-se que, houve uma
autonomia do grupo social excluído que produziu o espaço do Loteamento Ceval, mais
precisamente o território. A metodologia utilizada baseia-se em: pesquisa bibliográfica relacionada
a produção do espaço e território, pesquisa cartográfica da área de estudo e observação em
campo.Os principais resultados obtidos contribuem para afirmar que o capital está concentrado
nas mãos da classe dominante, estes detêm o capital caracterizando-se como a classe capitalista,
diferentemente da classe proletária que detêm a mão de obra - o trabalho. A tênue distinção entre
as classes sociais gerou conjuntamente uma problemática urbana - a fragmentação do espaço
urbano. De acordo com isso, infere-se que, o espaço urbano é produzido desigualmente, pois há
os que estão incluídos, a classe dominante que habita os melhores espaços da cidade e os
excluídos (operários) que moram em áreas precárias de infraestrutura. O Loteamento Ceval é fruto
dessa lógica desigual, pois formou-se de maneira precária, uma vez que os moradores,
anteriormente habitavam as margens do Canal São Gonçalo. Assim, apropriaram-se de uma área
pública onde atualmente é o Loteamento exigindo do poder público moradia digna e infra
estrutura no local. Isto foi adquirido pela população somente depois de longos anos de espera e
muita luta.
Palavras-chave: territórios; grupos excluídos.
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