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RAQUEL RODRIGUES FRANCO
A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO DIREITO DE BRINCAR
Londrina
2008
RAQUEL RODRIGUES FRANCO
A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO DIREITO DE BRINCAR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Cleide Vitor Mussini Batista.
Londrina 2008
RAQUEL RODRIGUES FRANCO
A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO DIREITO DE BRINCAR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.
BANCA EXAMINADORA TITULARES ______________________________________
Profa. Dra. Cleide Vitor Mussini Batista Universidade Estadual de Londrina ______________________________________
Prof. Dr. Lourenço Zancanaro Universidade Estadual de Maringá
______________________________________
Prof. Dr. João Batista Martins Universidade Estadual de Londrina
Londrina, 31 de março de 2008.
Ao meu irmão Ricardo Rodrigues Franco (in
memoriam). Muitas e muitas saudades do seu
sorriso e da sua presença marcante e
inesquecível.
À todas as crianças que ainda hoje não podem
usufruir do seu direito de brincar.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram
para a realização deste trabalho e, com isso, ajudaram-me nesta etapa fundamental
e valiosa da minha vida. Estas pessoas, ao longo desse caminho, ajudaram-me a
acreditar na minha capacidade intelectual e, além disso, estenderam suas mãos
para me amparar em momentos difícieis.
À minha mãe guerreira; ao meu pai lutador; à minha linda e amada
sobrinha Maria Clara, a qual, com sua chegada, adoçou a nossa vida. Ao meu
companheiro, amigo e cúmplice, André que, com o apoio e o carinho soube
contornar comigo muitos momentos desafiadores.
À CAPES e à Secretaria Municipal de Educação da cidade de
Londrina que permitiram a minha dedicação integral à investigação desse trabalho.
À todas as professoras da Escola Municipal “Maria Shirley Barnabé Lyra” que
apoiaram meus estudos possibilitaram a minha licença.
À Professora Dra. Cleide Vitor Mussini Batista pela constante
orientação nesse trabalho, por sua competência, compreensão e sensibilidade. A
minha gratidão será eterna por ter me aceitado como aprendiz e por ter acreditado
na minha capacidade.
Às professoras Zoca e Olga que, acima de tudo, são exemplos de
educadoras. As suas caminhadas indicam passos certos para construir uma atuação
profissional digna e competente. Além disso, me mostraram que é possivel educar
com companheirismo, carinho e amizade.
À minha inseparável companheira acadêmica Marizete Araldi e sua
“Grande Família”: Edson, Geovana e Caio. Todos essencialmente lúdicos!
Ao Professor Doutor João Batista Martins que me acompanhou com
olhos atentos e que, com suas contribuições, trouxe brilho para esse texto. À
Professora Doutora Angela Lara pelas contribuições, sensibilidade e dedicação com
que contribui com esse trabalho. Enfim, ao Professor Doutor Lourenço Zancanaro
pelo apoio e carinho.
Para jesus, maria santissíma e almas benditas.
FRANCO, Raquel Rodrigues. A fundamentação jurídica do direito de brincar. 2008. 252f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
RESUMO Esta dissertação sustenta-se no pressuposto de que a infância é, na sociedade contemporânea, um lugar de direitos e liberdades onde as crianças são consideradas sujeitos de direitos e não meros objetos de intervenção adulta. A infância marca uma etapa da vida humana e, nesta medida, a criança é considerada como ator social que reproduz e produz-se a si mesma. Sustenta-se também que ela como sujeito de direitos e liberdades, é considerada um “outro” dentro da comunidade humana e isso significa a construção e consolidação das singularidades próprias desta etapa. A alteridade compõe um universo de cultura que passa a ser valorizado pelo adulto. Os estudos sobre a infância entrelaçam o público e o privado nos quais a família e o Estado surgem como cenários institucionais a partir dos quais ocorrem as vivências infantis e a formação de discursos que justificam as práticas voltadas para a criança. A construção e a consolidação dos seus direitos fortaleceram a concepção de criança como sujeito de direitos e de liberdades, segundo um lento processo histórico e social que reconheceu e legitimou o surgumento dos direitos de proteção e os atuais direitos de participação. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) resultante desta caminhada histórica e social em prol dos seus direitos imprimiu marcas significativas para o chamado processo de libertação das crianças. Até a chegada desta Convenção, a trajetória contemplou dois textos declaratórios que a precederam (em 1924 e 1959). Estes textos indicavam a confirmação dos direitos da criança de acordo com princípios protecionistas e éticos. Somente com a Convenção de 1989, a criança é concebida dentro como um verdadeiro sujeito de direitos conferindo-lhe um status jurídico e social de marco libertador. Isso indica os esforços e compromissos em não apenas afirmar seus direitos, mas também em conferir-lhes um estatuto jurídico próprio, eficaz e libertador no qual ela é vista como cidadã. Ela passa a ser considerada não apenas pela sua vulnerabilidade e necessidades biológicas e sociais, mas também por suas potencialidades expressas no seu modo de ser e estar no mundo. Nesse contexto, destacamos o papel especial do direito de brincar estabelecido na Convenção do Direitos da Criança (art.31), na Constituição Federal do Brasil de 1988 (art.227) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (art.16, IV). O brincar é um direito fundamental de liberdade que encontra respaldo nos princípios da dignidade e do valor inestimável da infância para a formação de pessoas cidadãs. A escola, como segmento da sociedade, deve garantir e promover o direito de brincar para garantir um direito maior que é o direito à infância. O brincar tem seu valor, pois é a maneira pela qual a criança sente, expressa e experimenta o mundo, além de ser um elemento formador da personalidade e identidade infantil. Dessa forma, o brincar como um direito também deve encontrar espaço dentro do contexto escolar como linguagem primordial da criança para que ela se desenvolva social, fisicamente e cognitivamente. O contexto escolar deve planejar o currículo e organizar o trabalho pedagógico tendo como pressuposto os interesses peculiares da criança que recebe. Assim, é que o brincar como um direito e expressão primordial da criança deve ser contemplado como um dos eixos norteadores do trabalho pedagógico. Destaca-se a importância do currículo, da organização do trabalho pedagógico bem como o da formação lúdica do educador que deve ser um parceiro competente, facilitador e estimulador de vivências lúdicas em todo o processo de educação da criança. Palavras-chave: Infância. Direitos. Brincar. Currículo. Formação do professor.
FRANCO, Raquel Rodrigues. The juridical basis of the right to play . 2008. 252p. Dissertation (Master’s degree in Education) – State Universtiy of Londrina, Londrina, 2008.
ABSTRACT This dissertation stands itself in the assumption that the childhood is, in the contemporary society, a place of rights and freedoms where the children are considered individuals of rights and not only objects of adult intervention. The childhood marks a stage of the human life and, in this way, the child is considered as a social actor that re-produces and produces him or herself. It is also sustained that the child is an individual of rights and freedoms, considered an “other” inside the human community and that means the construction and consolidation of the typical singularities of this stage. The alterity composes a culture universe that it starts to be valued by the adult. The studies on the childhood intertwine the public and the private in which the family and the State appear as institutional sceneries from which the experiences of the child and the speech formation, which justifies the practices towards him/her, occur. The construction and consolidation of his /her rights strengthens the child conception as an individual of rights and freedoms, according to a historic and social slow process that recognized and legitimated the appearance of the protection rights and the current participation rights. The International Convention on the Rights if the Child (1989) resultant from this historic and social walk on behalf of the Child rights caused significant marks for the called children liberation process. Up to this Convention arrival, the trajectory considered two declaratory texts which preceded it (in 1924 and 1959). These texts indicated the confirmation of the children rights according to ethical and protective principles. Only after the Convention of 1989, the child is idealized in it as an actual individual of rights by providing them with a juridical and social status with a libertarian hallmark. This indicates the efforts and commitments in not only to state their rights, but also provide them with their own juridical statute, efficient and libertarian, in which the child is seen as a citizen. The child starts to be considered not only for his/her biological and social vulnerability and necessities, but also for their potential expressed on their way of being in the world. In this context, we highlight special role of the right to play established in the Convention on the rights of the child (article. 31) in the Federal Constitution of Brazil in 1988 (article.227) and in the Child and Adolescent Statute (article 16, IV). Play is a fundamental right of freedom which is supported by the dignity principles and by the inestimable value of the childhood for the citizen people formation .The school, as a society segment, must guarantee and promote the right to play in order to guarantee a bigger right which is the childhood one. Play has its value, because it is the way that the child feels, express and try the world, apart from being a forming element of the child personality and identity. Thus, play as a right must find room inside the school context as the child’s primordial language so that he/she develops him/herself social, physically and cognitively. The school context must plan the curriculum and organize the pedagogical work by having as presupposition the peculiar interests of the child that it receives. So, play as a right and a primordial expression of the child, must be considered as one of the pedagogical work guidelines. It is highlighted the curriculum and pedagogical work organization importance as well as the educator ludic formation, who must be a competent partner, and also ludic experiences facilitator and motivator in the entire child’s education process. Keywords: Childhood. Rights. Play. Curriculum. Teacher formation.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Hunt. Parasol Girl (s/d) .......................................................................13 Figura 2 – Hansen. Lille Pige Med Kop (1850) ....................................................14 Figura 3 – Järnefelt. Portrait of Artist's Son (1896)..............................................41 Figura 4 –Bouguereau. Pause for Thought (s/d) .................................................44 Figura 5 – Quino (2003, s/p)................................................................................45 Figura 6 – Bouguereau (1825-1905). The Shell (s/d) ..........................................46 Figura 7 – Kling. Friends, Gansu Province, China (2006, p.19)...........................48 Figura 8 – Sully. Mother and Child (1827) ...........................................................51 Figura 9 – Quino (2003, p.86)..............................................................................53 Figura 10 – Quino (2003, p.104)..........................................................................55 Figura 11 – Tonucci. Brincar em segurança (2005, p.75)....................................56 Figura 12 – Copley. The Copley Family (1776/77) ..............................................57 Figura 13 – Claxton. The Wonderland (s/d).........................................................59 Figura 14 – Tonucci (2003, p.14).........................................................................60 Figura 15 – Tonucci (2005, p.147).......................................................................61 Figura 16 – Renoir. Menina com regador (1876).................................................15 Figura 17 – Kling. Girl carrying mare’s milk. Altai Mountais, Mongólia
(2006, p.92) ....................................................................................65
Figura 18 – Kling. Kyrgyz girl with mirror, China (2006, p.31) .............................68 Figura 19 – Lawrence. The Calmady Childrens (1801) .......................................71 Figura 20 – Velázquez. Infante Philip Prosper (1660) .........................................73 Figura 21 – Tonucci. A criança tem um corpo e uma história (2003, p.97) .........74 Figura 22 – Anker. The Crèche (1890) ................................................................77Figura 23 – Agnolo Bronzino. Ritratto di Bia, figlia di Cosimo I dé Médici (1542) 78 Figura 24 – Tonucci. Notas para uma nova cultura da infância (2005, p.197) ....79 Figura 25 – Quino (2003, p.84)............................................................................82 Figura 26 – Quino (2003, p.410)..........................................................................84 Figura 27 – Quino (2003, p.413)..........................................................................86 Figura 28 – Quino. Declaração dos Direitos da Criança UNICEF (2003) ............16 Figura 29 – Sargent (1856-1923). Carnations (s/d) .............................................96 Figura 30 – Quino. Declaração dos direitos da Criança comentada por
Mafalda e seus amigos para a Unicef (2003, p.426).......................93
Figura 31 – Quino (2003, p.289)..........................................................................98 Figura 32 – Kling. Heart-to-heart, Pujili, Ecuador (2006, p.120) ..........................99 Figura 33 – Lobo. O direito de ser criança (s/d) ..................................................100 Figura 34 – Kling. Grandmothers with grandchildren, China (2006, p.15) ...........107 Figura 35 – Picasso. Paul as Arlequin (1924)......................................................17 Figura 36 – Harlow (1787-1819). Retratos de duas crianças (s/d) ......................124Figura 37 – Kling. Blowing bubbles, China (2006, p.9) ........................................125 Figura 38 – Tonucci. A criança: aquela que é vista de cima (2003, p.6) .............126 Figura 39 – Picasso. Maya com boneca (1938) ..................................................18 Figura 40 – Lobo. O direito de brincar .................................................................143 Figura 41 – Tonucci. O direito ao jogo (2005, p.38) ............................................145 Figura 42 – Kling. Yao games, Thailand (2006, p.115) .......................................146 Figura 43 – Kling. There’s Dalai Lama!, Kalachakra Initiation, Mongólia
(2006, p.13) ....................................................................................148
Figura 44 – Kling. H’Mong acrobats, Thailand (2006, p.22) ................................150 Figura 45 – Kling. Kazakh girl with her lamb, Mongolia (2006, p.134).................155 Figura 46 – Tonucci. É melhor com os avós (2005, p.81) ...................................158 Figura 47 – Tonucci. Adultos mais infantis (2005, p.169)....................................158 Figura 48 – Barber (1845-894). Compulsory Education (s/d) ..............................161 Figura 49 – Tonucci. Se vocês constroem nós não podemos brincar
(2005, p.137)...................................................................................162
Figura 50 – Quino (2003, p.243)..........................................................................163 Figura 51 – Tonucci. Direitos e deveres (2005, p.181)........................................164 Figura 52 – Kling. Guess who? Bodnath, Nepal (2006, p.22)..............................166 Figura 53 – Tonucci. Um dia para brincar (2005, p.64) .......................................167 Figura 54 – Quino. Toda Mafalda (2003, p.380)..................................................169 Figura 55 – Quino. Toda Mafalda (2003, p.251)..................................................170 Figura 56 – Kling. May, Altai Mountains, Mongolia (2006, p.99)..........................173 Figura 57 – Kling. Twins, Suzhou, China (2006, p.5) ..........................................19 Figura 58 – Tonucci. Direitos e deveres (2005, p.181)........................................175 Figura 59 – Quino. Toda Mafalda (2003, p.373)..................................................177 Figura 60 – Millais. Bubbles (s/d) ........................................................................179 Figura 61 – Brueghel. Jogos infantis (1560) ........................................................180 Figura 62 – Quino. Toda Mafalda (2003, p.265)..................................................182
Figura 63 – Bonnington. Henry V (1827) .............................................................184 Figura 64 – Quino. Toda Mafalda (2003, p.308)..................................................186 Figura 65 – Elementos que fazem parte do universo lúdico................................186 Figura 66 – Renoir. Child with Toys (1895) .........................................................191 Figura 67 – Quino. Toda Mafalda (2003, p.259)..................................................192 Figura 68 – Barber. Monster (1866) ....................................................................193 Figura 69 – Quino. Toda Mafalda (2003, p.365)..................................................194 Figura 70 – Moyles (2002, p.28). A espiral do brincar 192 .................................199 Figura 71 – Moyles (2006, p.15). Um modelo simples de currículo dos
primeiros anos ................................................................................201
Figura 72 – Tonucci. Na escola, o corpo não serve de nada (2003, p.110) ........203 Figura 73 – Tonucci. Bastam três anos de formação para o maternal
(2003, p.142)...................................................................................204
Figura 74 – Tonucci. Adotei um livro (2006, p.150) .............................................205 Figura 75 – Tonucci. Animação ou reanimação? (2003, p.93) ............................206 Figura 76 – Jacques Laurent Agasse. The Playground (1830)............................20 Figura 77 – Tonucci (2003, p.152).......................................................................215
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ART – Artigo de lei ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) CDC – Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989 CF/ 88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 DDC – Declaração sobre os Direitos da Criança de Genebra de 1924 DUDC – Declaração dos Direitos da Criança de 1959 LDB – Leis de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) ONU – Organização das Nações Unidas RCCDC – Relatório Consolidado ao Comitê sobre os Direitos da Criança de outubro
de 2003
S/D – Sem data S/P – Sem número de página. UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e para a
Cultura
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .....................................................................................................21
1 MINHA TRAJETÓRIA.......................................................................................24 2 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA...............................................................27 3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ....................................................................32 4 CONTEXTUALIZAÇÃO METODOLÓGICA......................................................35 CAPÍTULO 1 – IMAGENS DA INFÂNCIA ...........................................................40 1.1 IMAGENS DA INFÂNCIA .......................................................................................40
1.2 A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA ..............................................................................49
1.2.1 Delineamentos de Alguns Conceitos...........................................................49
CAPÍTULO 2 – BAMBINI SI DIVENTA!...............................................................63 2.1 A INFÂNCIA E A CRIANÇA: DISTINÇÃO CONCEITUAL..............................................63
2.2 AS CRIANÇAS NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE PODER......................................70
2.3 DO ADULTO EM MINIATURA Á EXALTAÇÃO DA INFÂNCIA .......................................76
CAPÍTULO 3 – A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E OS SEUS DIREITOS........87 3.1 INSTRUMENTOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA......87
3.1.1 A Declaração sobre os Direitos da Criança de Genebra (DDC, 1924) ........89
3.1.2 A Declaração Universal dos Direitos da Criança (DUDC, 1959) .................90
3.1.3 A Convenção Internacional dos Direitos da Criança (CDC, 1989) ..............96
3.1.4 A Libertação das Crianças: o Tempo e o Espaço da Criança cidadã..........101
CAPÍTULO 4 – A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS NO BRASIL .......111 4.1 OS DIREITOS DA CRIANÇA NO BRASIL: UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A MUDANÇA
DE PARADIGMA.............................................................................................111
4.1.1 O Código Mello Matos.................................................................................115
4.1.2 Código de Menores de 1979 .......................................................................115
4.1.3 A Doutrina da Proteção Integral na Constituição Federal de 1988..............116
4.2 A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS.............................................................120
4.3 O ECA E OS FUNDAMENTOS LEGAIS DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL..........128
CAPÍTULO 5 – O DIREITO DE BRINCAR ..........................................................140 5.1 O BRINCAR E A LEGISLAÇÃO..............................................................................140
5.2 A CRIANÇA E O SEU DIREITO DE BRINCAR ...........................................................143
CAPÍTULO 6 – O DIREITO DE BRINCAR NA ESCOLA ....................................174 6.1 PENSANDO A INFÂNCIA E O DIREITO DE BRINCAR .................................................174
6.2 JOGAR E BRINCAR: É POSSÍVEL DEFINIR O BRINCAR? ...........................................178
6.3 O BRINCAR E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL......................................................191
6.4 BRINCAR NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO: PORQUE BRINCAR NA ESCOLA? ................197
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................208 REFERÊNCIAS....................................................................................................216 ANEXOS ..............................................................................................................233 ANEXO A – Declaração dos Direitos da Criança (1959) ......................................234
ANEXO B – Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) ................237
13
Introdução
Figura 1 – Esther Anna Hunt. Parasol
Girl (s/d).
Deus brinca. Deus cria, brincando. E o homem deve brincar para levar uma vida humana, como também é no brincar que encontra a razão mais profunda do
mistério da realidade, que é porque é “brincada” por Deus
(LAUAND, 2006, p.31).
14
Capítulo 1
Imagens da Infância
Figura 2 – Constantin Hansen. Lille Pige Med Kop (1850).
[...] a infância é um outro: aquilo que, sempre além de qualquer tentativa de
captura, inquieta a segurança de nossos saberes, questiona o poder de nossas
práticas e abre um vazio em que se abisma o edifício bem construído de nossas
instituições de acolhimento. Pensar a infância como um outro é, justamente, pensar essa inquietação, esse questionamento e esse vazio. É insistir uma vez mais: as crianças,
esses seres estranhos dos quais nada se sabe, esses seres selvagens que não
compreendem a nossa língua (LARROSA, 2004, p.184)
15
Capítulo 2 Bambini si diventa
Figura 16 – Auguste Renoir. Menina com
regador (1876). A criança está docemente cônscia da própria
importância. Embora seja figura sólida, apresenta-se com o frágil encanto das
flores. Os pés pequenos e firmes, enfiados nas práticas botinhas, estão de algum modo enraizados no jardim e a renda do vestido
harmoniza-se com as flores; assim, também a menina é decorativa. Com enorme perícia, Renoir a mostra não entre as flores e
relvados, e sim no caminho que vai para longe da pintura, até o futuro desconhecido
no qual a garota já não será parte do jardim, mas uma espectadora, uma adulta, que
desfrutará apenas a lembrança do tempo presente ali descrito (BECKETT, 1994, p.299).
16
Capítulo 3
A criança contemporânea e os
seus direitos
Figura 28 – Quino. Declaração dos
Direitos da Criança comentada por Mafalda e seus amigos para a Unicef (2003, p.420)
De acordo com o regime dos Antigos, assim como de acordo com o dos Modernos, a criança constitui,
pois, um paradoxo. Sob o regime antigo da alteridade, porque a criança é um “outro” apesar de idêntico. Sob o regime moderno da identidade,
porque é um “mesmo” todavia diferente (RENAUT, 2002, p.15).
17
Capítulo 4 A criança como sujeito de direitos
Figura 35. Pablo Picasso. Paul as Arlequin
Por tanto, la Convención Internacional de los
Derechos del Niño no acepta el reconocimiento de la idea del niño como un adulto en miniatura, sino como
un “ser humano de pleno ejercicio”, y, en consecuencia, radicalmente otro y radicalmente él mismo. Yo mismo y otro al mismo tiempo, otro que viene de mí mismo y que no es yo mismo. (…) Unos niños irreductibles a nuestro propio deseo sobre
ellos, a la utilización que podemos hacer de ellos y a su enrolamiento en nuestros asuntos afectivos y económicos. Unos niños que se resisten a nuestros fantasmas de adultos todopoderosos. Unos niños que nosotros, de una manera deliberada, nos tenemos que negar a utilizar como objetos de satisfacción, como fuerza de trabajo o como justificación de nuestra propia existencia…Unos niños como “acontecimientos” […]. Unos niños que siempre se resisten – como el pedagogo sabe bien – a los proyectos, aunque sean legítimos, que los adultos pueden tener respecto a
ellos. (MEIRIEU, 2004, p.21)
18
Capítulo 5 O Direito de Brincar
Figura 39 – Picasso. Maya com boneca
(1938).
Art. 31. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística. Os Estados Partes promoverão oportunidades adequadas para que a criança, em condições de igualdade, participe plenamente da vida cultural, artística, recreativa e de lazer (Convenção Sobre os Direitos da Criança, 1989).
19
Capítulo 6
O Direito de Brincar na Escola
Figura 57 – Kling (2006, p.5). Twins,
Suzhou, China.
Queremos habitar o paradoxo: sabemos ser um mito a infância feliz. Mas acreditamos
que sonhá-la seria um dos caminhos possíveis para a maturidade e para a generosidade com as gerações futuras.
Você vem?
20
Considerações finais
Figura 76. Jacques Laurent Agasse. The
Playground (1830).
Brincar é estar juntos, olhar-se e querer-
se bem.
21
INTRODUÇÃO
A infância brasileira sentiu a reorganização institucional e legal
iniciada a partir da redemocratização do país incluindo, nas suas perspectivas,
mudanças decisivas. No entanto, na luta pelos direitos da criança, a abordagem
pode acontecer por meio de uma perspectiva que passe do plano ideal para o real.
Isso quer dizer que, ao considerar o tema dos direitos da criança1, é preciso lembrar
que se pode falar em direitos consubstanciados na Carta Magna de 1988, no
Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), e justificá-los com argumentos convincentes;
outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva capaz de transformar essas nobres
aspirações em exigências concretas e reais vivências no universo da criança. Em
meio a esses avanços legais e sociais, concernentes ao status da criança na
contemporaneidade, o paradoxo mostra-se claro entre o que é enunciado na lei e a
sua consecução, entre teoria e prática, entre as promessas e as poucas realizações.
O direito de brincar é reconhecido na Convenção Internacional dos
Direitos da Criança (CDC, 1989, art.31) e no art. 227 da Constituição Federal
(CF/88) e na legislação infraconstitucional, especialmente no Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA, art.16, IV), mas isso não significa que hoje contamos com a
sua plena aplicabilidade no contexto institucional da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental como um direito de liberdade da criança. O brincar é considerado
como um direito de liberdade a ser exercido pela pessoa da criança que, como
sujeito de direitos, deveres e liberdades, é considerada como cidadã desde o seu
nascimento. Em relação ao contexto escolar, há certa tendência de valorizar a
educação formal em detrimento das culturas lúdicas infantis2 que vise a ampliar e
estimular o pleno desenvolvimento da criança como pessoa em condição peculiar de
1 Nas últimas décadas do século XX, foram muitas as conquistas legais no campo dos direitos da criança. Internacionalmente destacamos a Declaração sobre os Direitos da Criança de 1924 (Genebra), a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989. Outros exemplos, no ordenamento jurídico brasileiro, são as leis sobre o Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/90) e a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93). 2 Entendemos que não há apenas uma cultura lúdica infantil, pois há múltiplas infâncias e modos de vivê-la. De acordo com Brougère (1998, p.107), “a cultura lúdica é, antes de tudo, um conjunto de procedimentos que permitem tornar o jogo possível”.
22
desenvolvimento. Nos referimos, aqui, à predominância de atividades de leitura, de
escrita, de matemática dirigidas pelo educador e que impõem a homogeneização
dos tempos, dos espaços e vivências infantis. No entanto, não significa que esses
conhecimentos não devam estar presentes na educação da criança pequena, mas
sim de que eles respeitem a sua necessidade de brincar como forma de constituir-se
como ser social e pessoal.
A escola, como segmento da sociedade, deve ser um dos contextos
a favor dos direitos da criança, especialmente do direito de brincar visto que há uma
crescente diminuição nos centros urbanos dos espaços públicos3 destinados para
que a criança brinque de forma segura. Isso não significa que a criança esteja
deixando de brincar, mas que a falta de espaços lúdicos determinam outras formas e
modos de brincar.
O objetivo geral dessa pesquisa é investigar a fundamentação
jurídica do direito de brincar exposto na Declaração sobre os Direitos da Criança
(1924), na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), na Convenção
Internacional dos Direitos da Criança (1989), na Constituição Federal do Brasil (art.
227) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8069/90, art.16, IV).
Contemplamos os seguintes objetivos específicos:
a) Sumarizar as representações da idéia de infância e de criança
como uma construção social, apresentando uma tecitura de imagens simbólicas
onde a infância aparece como um campo dinâmico e complexo;
b) Discutir o processo de construção/consolidação dos direitos da
criança nos instrumentos jurídicos internacionais e nacionais relacionando-os com a
idéia da infância como lugar de direitos e liberdades;
c) Estudar os fundamentos jurídicos do brincar como um direito de
liberdade estabelecendo um diálogo com as contribuições da Psicologia e da
Pedagogia que entendem o brincar como um elemento fundamental para o
desenvolvimento e aprendizagem da criança;
d) Apontar o espaço escolar como um lugar privilegiado para a
promoção dos direitos da criança, especialmente o direito de brincar, destacando o
3 Este é apenas um dos fatores que dificultam as brincadeiras infantis. Outros fatores são a desvalorização do brinquedo e do brincar, dos elementos da cultura lúdica infantil, o esgotamento dos tempos da criança tomados por atividades impostas pelos adultos e o trabalho infantil.
23
papel especial do educador como um agente estimulador de vivências lúdicas no
processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança que, acima de tudo, tem o
direito a uma infância plena e feliz4.
4 Garantir o direito à infância é, também, assegurar o direito da criança de brincar. Defendemos, em comunhão com outros autores, que o direito à infância plena e feliz significa reconhecer o valor desse tempo vivido por cada ser humano e que deixará marcas na sua constituição como sujeito. Isso não significa desconsiderar o contexto opressor em que vivem muitas crianças no mundo todo, mas sim a busca de um ideal que passa pela aplicação dos direitos elencados em inúmeras legislações voltados, não somente para as crianças, mas também para os adultos.
24
1 MINHA TRAJETÓRIA
Nasci num bairro pobre da periferia da cidade de Londrina. Brinquei
na rua, apostei corridas, fazia excursões solitárias num córrego que ficava próximo à
minha casa onde eu criava muitos “peixinhos” (que mais tarde eu aprendi na escola
que eram girinos!), subi em árvores, tive muitos amigos e também muitas decepções
que fazem parte da infância de qualquer criança que nasce numa família de classe
média. Apesar das nossas condições econômicas, a família reuniu-se em torno de
minha educação, ou melhor, da minha educação escolar para que eu pudesse
“vencer na vida”.
Pertenço àquelas famílias onde todos elegem um para seguir os
estudos e os outros precisam trabalhar “para tocar o barco”. Com os esforços de
todos e distribuições de tarefas tais como “levar para a escola”, consegui terminar o
“colegial” numa escola privada. Essa trajetória seria corriqueira, senão pelo fato de
que essa escola era confessional onde só estudavam “meninas”. Nessa escola, tive
a oportunidade de participar de outros contextos que não pertenciam a minha classe
social, o que nem sempre era confortável para mim, mas que me deixaram boas
lembranças. Nessa escola, cursei o Magistério, razão pela qual eu ficava o dia todo
na instituição. E foi ali que minha decisão pela docência se iniciou5.
Ao terminar o curso, com 17 anos, logo ingressei como professora
de 1ª a 4ª série na Rede Municipal de Londrina e fui “amarrar o meu barco” numa
escola pertencente a uma comunidade muito carente, mas que possibilitou o meu
crescimento profissional e a possibilidade de acompanhar por um tempo o poder de
transformação que uma instituição escolar opera num contexto adverso. Naquela
época, eu já percebia as mudanças (lentas) que a escola e os professores operavam
naquela comunidade onde a violência e tantos fatos tristes povoam a história das
crianças. E isso certamente, era capaz de abalar qualquer formanda (ou novata,
como diziam os professores mais “antigos” da escola). Apesar das dificuldades,
sensibilizei-me com aquele contexto e com aquelas histórias. Dei espaço para que
5 Essa decisão começou ali, mas certamente posso dizer que cada vez que inicio um dia com as crianças na escola, retomo essa decisão. Isso porque, cada dia possui novidades que me desafiam e me inserem num processo onde eu não sou a educadora, mas sim um contexto onde estou sendo a educadora que precisa continuamente buscar caminhos para suas dúvidas e inquietações. Por isso, todos os dias eu decido continuar sendo educadora.
25
tudo isso fizesse parte do meu desafio de me educar junto com aquelas crianças.
Não posso medir o tanto que aprendi com elas e a extensão das marcas que
deixaram na minha trajetória, mas certamente não foram poucas. Talvez a principal
marca foi um intenso processo de humanização pessoal e profissional.
Nesse tempo, fiz uma escolha inusitada: decidi cursar Direito. E
quando essa decisão foi conhecida pelas pessoas, não consigo deixar de me
lembrar de suas feições de interrogação, de dúvida e surpresa. Alguns afirmavam
que valia a pena cursar Direito porque “aquele que opta pela Educação, está morto”
ou “opta por sofrer a vida inteira”. Assim, eu freqüentava as aulas da Universidade,
ou seja, de manhã o mundo dos direitos e à tarde o mundo real onde a maioria
desses direitos estabelecidos em lei são negados, pois nem mesmo são conhecidos,
e cedem a “outras leis” criadas pelo contexto da comunidade.
Porém, ao terminar o curso fiz a opção de continuar na carreira do
magistério e, mais uma vez, voltei aos bancos da Universidade para conhecer mais
sobre as dimensões educacionais. Na verdade, voltei porque a formação que eu
tinha até então não era mais capaz de responder às minhas inquietações como
professora. Instigada, decidi cursar Pedagogia. Claro! Mais uma vez confundi muitas
pessoas que falavam “Você vai fazer outro curso?!”. Confesso que essas coisas, às
vezes, me incomodavam.
Ao longo do curso, outra novidade! Ingressei no Programa de
Mestrado em Educação da UEL apresentando a intenção de pesquisar o tema dessa
dissertação. A novidade para mim representou um desafio que foi enfrentado
também por muitos professores da graduação que achavam que “era estranho eu
fazer o mestrado sendo aluna do curso de Pedagogia”. Mais estranho ainda era
quando eu tentava explicar a temática da minha pesquisa! Algumas pessoas
achavam interessante, outras apontavam a não pertinência do tema, especialmente
porque articular Direito com a temática do brincar parece ser uma tarefa irrealizável!
Mas eu e minha orientadora6 acreditamos e construímos um trabalho que,
reconhecidamente, não é ausente de contradições e de limites. Falar de direitos da
criança, do brincar e de infância é entrelaçar caminhos que conduzem a outros
tantos caminhos inconclusos... É falar de algo que, para muitos, ainda é considerado
como “menor” com bem diz a Dra. Cleide. Mas, felizmente, tive professores que 6 Não posso deixar de registrar aqui o fato de que os membros da banca de seleção para ingresso no Programa também acreditaram na minha proposta de trabalho.
26
oportunizaram o aprofundamento de muitas temáticas desenvolvidas nas disciplinas
do programa e que faz parte, direta ou indiretamente, do texto desse trabalho.
No ano de 2007 concluí meu curso de Pedagogia e voltei para a
escola onde leciono. Como sempre gostei “das crianças”, como dizem minhas
colegas de profissão, eu sempre opto por trabalhar com as crianças de 6 anos. Mas
certamente, os retornos “à realidade”, não são fáceis de enfrentar, pois quanto
maiores os nossos conhecimentos, maiores são nossas responsabilidades. No
entanto, eu amo a sala de aula (desculpem o termo nada científico!) e o encontro
com trinta crianças todos os dias. Isso certamente, tem seu peso na minha formação
em processo e na formação das crianças. O meu olhar não consegue naturalizar a
oportunidade que esses encontros representam.
Certas palavras
Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança, devem ser sacralmente
pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança.
Entretanto são palavras simples:
definem partes do corpo, movimentos, atos do viver que só os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença dos séculos.
E tudo é proibido. Então, falamos.
(Carlos Drummond de Andrade, s/d)7
Assim, nessa breve (e acidentada) trajetória, muitos ganhos e outras
perdas, fazem parte dessa minha história escrita por muitas mãos e que conta com
os companheiros de confiança.
7 Disponível em: http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema050.htm. Acesso em 10/01/2007.
http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema050.htm
27
2 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA
Embora à criança seja garantido o direito de brincar, ponto pacífico
na legislação, a questão que norteia essa pesquisa é se ela pode exercer este
direito dentro do espaço da escola. Reconhecemos que a criança brinca
independentemente da haver uma legislação ampla que garante o brincar como um
direito de liberdade. Mais ainda, reconhecemos que, apesar de condições sociais e
econômicas adversas, ela consegue brincar com os elementos que fazem parte de
seu contexto.
É indiscutível que o brincar tornou-se um direito da criança, devendo
ser garantido e efetivado dentro do contexto escolar para garantir o direito à infância.
Nos dizeres de Machado (1998, p.26), “a cada indivíduo-criança neste mundo cabe
o direito de sonhar uma infância plena e feliz”. No entanto, há muitas barreiras que
impedem que o brincar seja vivenciado no espaço institucional como um direito de
liberdade da criança. Isso porque, há uma desvalorização do brincar que é
concebido como algo sem importância, pertencente ao domínio da não-seriedade e
que, portanto, não tem lugar na escola que dissocia o brincar e o aprender. Escola
que, segundo Oliveira (2006), não tem espaço para a alegria e o humor
caracterizando-se como “mal-humorada”.
Nesse sentido, é que fomos levadas a investigar a fundamentação
jurídica do direito de brincar, destacando-o como um direito de liberdade essencial
para o desenvolvimento social e educacional da criança. Para essa investigação
transitamos em outros campos do conhecimento, tais como a Pedagogia, o Direito, a
Psicologia etc, para fundamentarmos a temática dessa pesquisa de modo mais
articulado e denso. Além disso, essa pesquisa considera o espaço da escola como
um lugar privilegiado para a promoção desse direito. A criança também precisa
contar com um educador competente para estimular, garantir e permitir que ela
expresse sua ludicidade como forma de ser/estar no mundo. Como o poeta Carlos
Drummond, queremos uma escola mais viva, dinâmica onde haja espaço para o
humor que representa a disposição do espírito, a capacidade de perceber, de
apreciar ou expressar o “estranhamento” e o encantamento com um mundo repleto
de contradições, de novidades, de alegrias e tristezas.
28
Para Sara, Raquel, Lia e todas as Crianças
Eu queria uma escola que cultivasse
a curiosidade de aprender
que em vocês é natural.
Eu queria uma escola que educasse
o vosso corpo e os vossos movimentos:
que possibilitasse o vosso crescimento
físico e sadio. Normal.
Eu queria uma escola que vos
ensinasse tudo sobre a natureza,
o ar, a matéria, as plantas, os animais,
o vosso próprio corpo. Deus.
Mas que ensinasse primeiro pela
observação, pela descoberta,
pela experimentação.
E que dessas coisas vos ensinasse
não só a conhecer, como também
a aceitar, a amar e a preservar.
Eu queria uma escola que vos
ensinasse tudo sobre a nossa história
e a nossa terra de uma maneira viva e atraente.
Eu queria uma escola que vos
ensinasse a usar bem a nossa língua,
a pensar e a expressar-se
com clareza.
Eu queria uma escola que vos
ensinasse a pensar, a raciocinar,
a procurar soluções.
29
Eu queria uma escola que desde cedo
usasse materiais concretos para que
vocês pudessem ir formando
corretamente os conceitos
matemáticos, os conceitos
de números, as operações...
Usando palitos, tampinhas,
pedrinhas...só porcariinhas!...
fazendo com que vocês aprendessem
brincando...
Oh! Meu Deus!
Deus livre vocês de uma escola
em que tenham que copiar pontos.
Deus livre vocês de decorar,
sem entender, nomes, datas, fatos...
Deus livre vocês de aceitarem
conhecimentos "prontos",
mediocremente embalados
nos livros didáticos descartáveis.
Deus livre vocês de ficarem
passivos, ouvindo e repetindo, repetindo
repetindo, repetindo...
Eu também queria uma escola
que ensinasse a conviver, a cooperar,
a respeitar, a esperar, a saber viver
em comunidade, em união.
Que vocês aprendessem
a transformar e a criar.
Que vos desse múltiplos meios de
expressar cada sentimento,
30
cada drama, cada emoção.
Ah! E antes que eu me esqueça:
Deus livre vocês
dos professores incompetentes.
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, s/d)8
Dessa maneira nos perguntamos: qual a fundamentação jurídica do
direito de brincar? Qual a sua relação com a construção/consolidação dos direitos
voltados para a infância? Como a escola, lugar priviliegiado de promoção dos
direitos da criança, planeja seus espaços, tempos e vivências para garantir o direito
de brincar? Sendo o educador agente especial para a promoção do direito de
brincar, como pensar na sua formação profissional e na sua postura para permitir e
estimular o brincar como um direito, bem como expressão de sua liberdade e
cidadania?
Conforme estabelece o art. 227 da CF/88 a educação e o cuidado
com a criança é tarefa a ser compartilhada pelo Estado, família e sociedade. A
escola, como segmento da sociedade, tem a responsabilidade de promover a
educação da criança respeitando-a como sujeito de direitos e liberdades
conquistados nos diversos instrumentos jurídicos internacionais e nacionais.
Promover o direito de brincar como um direito essencial da criança é reconhecer as
suas necessidades, direitos e, ainda, reconhecer sua capacidade de imaginar, criar
e recriar um mundo que lhe é próprio.
Por isso, apontamos como dever a aplicabilidade do direito de
brincar no contexto escolar mediante ações concretas e de mudança de postura de
todos os responsáveis pela sua educação. Assim, destacamos a concepção de um
educador competente, engajado e responsável, pois ele é um agente especial
promotor desse direito. Portanto, o direito de brincar ressalta a valorização da
infância, a importância da cultura lúdica infantil no trabalho pedagógico bem como a
pessoa, a identidade e a formação do educador. Garantir à criança o brincar como
8 Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/012/12drummond.htm. Acesso em 10/11/2007.
http://www.espacoacademico.com.br/012/12drummond.htm
31
um direito é erguer a bandeira de luta na qual o educador assume a sua identidade,
a sua essência e a razão do seu existir na sua relação com a criança-cidadã.
Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo.
É triste ter meninos sem escola, mas mais triste é vê-los enfileirados em salas sem ar,
com exercícios estéreis, sem valor para a formação humana.
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, s/d)
São estas razões que motivam esta pesquisa como um diálogo entre
a Educação e o Direito, na intencionalidade de consolidar cada vez mais o
reconhecimento e valorização do brincar como um direito que deve estar presente
desde a criação do currículo até a atuação do educador e das crianças no espaço
institucional.
32
3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Na introdução desta pesquisa, encontram-se as motivações que
conduziram à colocação do problema de pesquisa e do seu caráter interdisciplinar.
O Capítulo I e Capítulo II apresentam como ponto de partida desse
processo de construção de conhecimento e de pesquisa, as linhas gerais do
processo de construção da idéia de infância com base em estudos da Psicologia,
Sociologia, Filosofia e História. Procura apontar os questionamentos significativos
que fundamentam a concepção atual que entende a infância como uma categoria
social distinta do mundo adulto. A idéia central reside no entendimento de que o
desenvolvimento da criança alia fatores biológicos e fatores sociais nos quais a
criança é considerada como a personagem principal de sua formação individual e
social. Assim, foram considerados os seguintes elementos de estudo: a infância
como uma construção social; o papel da família e da escola na educação e cuidados
da criança; a questão da corporeidade como um dado empírico importante; e, por
fim, a progressiva construção de discursos para justificar a criança como um “outro”
semelhante na comunidade dos adultos.
O Capítulo III discute o processo de construção/consolidação dos
direitos da criança nos instrumentos jurídicos internacionais e nacionais
relacionando-os com a idéia da infância como lugar de direitos e liberdades. Neste
sentido, procura apresentar as discussões dos três documentos internacionais que
deram respaldo ao reconhecimento dos direitos da criança-cidadã e da elaboração
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Complementar nº 8.069/90) vigente no
Brasil. Lançamos os fundamentos para discutir a construção/consolidação do
reconhecimento dos direitos de proteção na Declaração de Genebra em 1924 até a
sua aliança com os direitos de liberdade proclamados pela Convenção Internacional
dos Direitos da Criança de 1989. Os direitos de liberdade fundamentam,
internacional e nacionalmente, o direito de brincar, pois confere à criança a liberdade
de ação e a possibilidade de escolha por si própria de acordo com o seu melhor
interesse9, não esperando pela intervenção do adulto, mas contando com o seu
9 Grifo do autor.
33
dever de apoio e estímulo para garantir sua aplicabilidade nos contextos de
educação e de cuidados.
No Capítulo IV discutimos a concepção da criança como sujeito de
direitos dentro do ordenamento jurídico nacional que tem como paradigma a doutrina
da proteção integral. Procuramos expor neste capítulo o que pode ser entendido
pela expressão “sujeito de direitos e de liberdades”. Para tal, traçamos de forma
breve a passagem da doutrina da situação irregular vigente sob a égide do Código
de 1927 e o Código de Menores (Lei nº 6.697/79) para a atual doutrina da proteção
integral (ECA/90). Esta última rompe com a idéia estigmatizante de menor e
considera a criança e o adolescente, em etapas diferentes de desenvolvimento,
como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento a quem deve ser garantido
todos os direitos com absoluta prioridade.
Na seqüência, o Capítulo V apresenta os fundamentos jurídicos do
brincar como um direito de liberdade estabelecendo um diálogo com as
contribuições da Psicologia e da Pedagogia que entendem o brincar como um
elemento fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem da criança. Dessa
forma, fundamenta os aspectos jurídicos constitucionais e infraconstitucionais do
direito de brincar como um direito de liberdade da criança procurando demonstrar
que os valores da dignidade, do respeito e da liberdade pertencem à criança como
sujeito de direitos e liberdades. Expõe o direito de brincar como um elemento de
liberdade necessário à formação da autonomia da criança-cidadã que, desde a sua
tenra infância, é sujeito competente para manifestar suas opiniões que devem ser
ouvidas e consideradas pelo adulto. De maneira geral, podemos destacar que este
capítulo é o resultado do aprimoramento de todas as idéias lançadas nos capítulos
anteriores. Procuramos expressar as nossas reflexões com uma boa dose de
criatividade e fundamentação para falar de algo que, nós educadores, acreditamos
ter um valor inestimável para a criança.
No Capítulo VI, apontamos o espaço escolar como um lugar
privilegiado para a promoção dos direitos da criança, especialmente, o direito de
brincar, destacando o papel especial do educador como um agente estimulador de
vivências lúdicas no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança que,
acima de tudo, tem o direito a uma infância plena e feliz. Na elaboração deste
capítulo, abordamos o brincar como um direito, entrelaçando o apender, também
como fundamental par o desenvolvimento pessoal e social da criança. Assim, os
34
temas envolvem o direito à educação de excelência, os espaços do brincar e da
importância do mesmo para o desenvolvimento e aprendizagem da criança, bem
como da formação do profissional de educação que atuará neste contexto
educacional como um agente competente para a promoção dos direitos da criança.
Dessa forma, acreditamos ser possível apontar que o progressivo reconhecimento
dos direitos da criança acompanha a progressiva valorização do educador que,
antes de tudo, tem uma identidade profissional, é pessoa, cidadão e que foi criança
um dia. Nesses termos, o educador não deve ser aquele que apenas considera o
brincar como um dever imposto por lei, mas como realidade que comunica ao
mundo adulto as linguagens do mundo de imaginação e de fantasia da criança.
Assim, na luta pela efetivação do direito de brincar não haverá vencedores, mas sim
protagonistas de um cenário de muitas contradições que é a escola.
35
4 CONTEXTUALIZAÇÃO METODÓLOGICA
Principiar a discussão do tema proposto para essa dissertação
implica em dizer o caminho de pensamento trilhado. Dessa maneira, nos indagamos
sobre aquilo que dá início a esse processo de construção de conhecimento e de
pesquisa. Neste momento, não encontramos nenhuma dificuldade em dizer que o
ponto de partida é a própria criança, nas suas dimensões concreta, espiritual, social
e histórica. O interesse pelo mundo da criança10, o qual nos fascina e faz com que
nossa caminhada de estudos seja tão apaixonante, é a causa, o princípio e o
fundamento deste trabalho.
A criança como causa e fundamento indicam o nosso movimento em
direção a um caminho que nos leva a aprender mais sobre a sua sabedoria, sobre
os seus desejos, dores, enfim, para escutar aqueles que, para muitos adultos, não
têm a capacidade de expressar a sua voz, a sua fala. Iniciar o trabalho procurando
entender a criança, a sua sabedoria, a sua perspectiva é um grande desafio. Um
desafio que nos mostra a infância como um princípio que contém em si um mundo
complexo e dinâmico. A criança é o princípio sem fim. O fim da criança é o princípio do fim. Quando uma sociedade deixa matar as crianças é porque começou seu suicídio como sociedade. Quando não as ama é porque deixou de se reconhecer como humanidade. Afinal, a criança é o que fui em mim e em meus filhos enquanto eu e humanidade. Ela, como princípio, é a promessa de tudo. É a minha obra livre de mim. Se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a violentou antes, e o que vejo é o que sobrou de tudo o que lhe foi tirado. Mas essa que vejo na rua sem pai, sem mãe, sem casa, cama e comida, essa que vive na solidão das noites sem gente por perto, é um grito, é um espanto. Diante dela, o mundo deveria parar para começar um novo encontro, porque a criança é o princípio sem fim e seu fim é o fim de todos nós (SOUZA, s/d).
A abordagem metodológica utilizada neste trabalho é a
multirreferencial que foi elaborada por Jacques Ardoino. Essa abordagem permite
10 Heywood (2004, p.10) afirma que a fascinação pelos anos da infância é um fenômeno relativamente recente e que destaca o sentimento de que as crianças são especiais e diferentes e, portanto, dignas de ser estudadas por si sós.
36
analisar os fenômenos na sua complexidade, isto é, possibilita ao pesquisador
explicitar os fenômenos humanos em dimensões mais profundas e: [...] pressupõe a conjugação de uma série de abordagens, disciplinas etc. de tal forma que elas não se reduzam umas às outras e nos levem a um tipo de conhecimento que se diferencia daquele que é concebido na ótica do cartesianismo e do positivismo, caracterizando-se, principalmente, pela pluralidade e heterogeneidade (MARTINS, 2004, p.85).
A perspectiva multirreferencial propõe um outro olhar sobre o
conhecimento “[...] mais plural, a partir da conjugação de várias correntes teóricas, o
que se desdobra em nova perspectiva epistemológica na construção do
conhecimento sobre os fenômenos sociais, principalmente educativos” (MARTINS,
2004, p.86). A partir desse olhar, o objeto de conhecimento é estudado não de forma
linear e com a separação entre o sujeito e o objeto que supõe a neutralidade, ao
contrário, trataremos da temática como algo complexo que não pretende esgotar e
responder a todas as questões, mas de apontar um pensamento onde está sempre
presente a dificuldade e onde o ponto de vista do pesquisador está implicado ao
longo da análise. Cabe ressaltar que a análise multirreferencial não tem como pretensão “esgotar” seu objeto de estudo. Analisar11, nesse contexto, não se define mais por sua capacidade de recortar, de decompor, de dividir-reduzir em elementos mais simples, mas por suas propriedades de “compreensão”, de “acompanhamento” dos fenômenos vivos e dinâmicos (ARDOINO apud MARTINS, 2004, p.91).
A complexidade, todavia, não está presente no objeto de estudo,
mas sim no olhar do pesquisador e na maneira como ele aborda os fenômenos
(MARTINS, 2004, p.89), implicando-se a si próprio no processo ao estabelecer
relação com o objeto transparecendo suas “motivações mais profundas”, “seus
desejos (inconscientes!)”, “suas projeções pessoais” e “sua trajetória pessoal”. O termo complexidade traz em seu cerne confusão, incerteza e desordem. Para Morin, ele expressa “nossa confusão, nossa incapacidade para definir de maneira simples, para nomear de forma clara, para pôr ordem em nossas idéias” (MORIN apud MARTINS, 2004, p.88).
11 Grifo do autor.
37
Ao contrário, permite ao pesquisador transitar em outras áreas do
conhecimento para dialogar com elas. Isso não significa que as pesquisas feitas no
interior de cada área do conhecimento sejam parciais, pois é esperado e produtivo
que cada uma busque a fundamentação com seus conhecimentos específicos a
partir de suas abordagens teórico-metodológicas. Contudo, a articulação de
conhecimentos por meio do diálogo entre outras áreas do conhecimento permite a
fundamentação mais densa e articulada do conhecimento que não é livre de
contradições e diferenças. A perspectiva multirreferencial, à medida que postula que o conhecimento sobre os fenômenos educativos (...) deve ser construído através da conjugação e de aproximações de diversas disciplinas, inscreve-se num universo dialético e dialetizante, no qual o pensamento e o conseqüente conhecimento são concebidos em contínuo movimento, num constante ir e vir, o que possibilitará a criação e, com ela, a própria construção do conhecimento (MARTINS, 2004, p.90).
Isso se justifica, especialmente, nesse trabalho que trata das
temáticas que envolvem a infância e a doutrina jurídica que possuem estudos
teóricos nem sempre articulados com outras áreas. Bazílio e Kramer (2003) apontam
que essa desarticulação permite a dupla fragmentação nos estudos da infância e
adolescência que são compostas de múltiplas facetas de análise. Nesse sentido,
esses autores denunciam que essa fragmentação se mostra especialmente quando
não se aborda tal temática “[...] como uma categoria social constituída na história e
influenciada por fatores de caráter econômico, sociológico e político” sendo o seu
estudo, por vezes, “[...] reduzido ora a faixas etárias, ora a níveis de escolaridade,
ora a estratos ou grupos sociais que têm uma marca em comum” (BAZÍLIO;
KRAMER, 2003, p.14).
As pesquisas e discussões acumuladas sobre a temática da infância
como categoria social nem sempre são analisadas dentro de outros estudos,
especialmente dentro do campo jurídico que possui uma abordagem metodológica
baseada no positivismo e na suposta neutralidade do pesquisador. Nesse sentido,
ao se analisar a lei, nem sempre a ótica contempla a sua realização nos mundos dos
fatos, restando apenas a sua análise doutrinária instrumentalista onde “[...] os
objetivos da ciência seriam a descrição imparcial, a predição e o controle sobre a
realidade” (MARTINS, 2004, p.86).
38
Essa pesquisa ao conjugar estudos sobre a infância pretende
conjugar as contribuições de outras áreas do conhecimento não de forma linear e
exaustiva, mas no sentido de articular a concepção de infância e o direito de brincar.
O trabalho do pesquisador aproxima-se do bricoleur (LAPASSADE apud MARTINS,
2004, p.90), isto é, ele utiliza-se de várias linguagens para compreender o objeto de
estudo “[...] sem misturá-las, sem reduzi-las umas às outras” compondo, como
aponta Martins, “um conhecimento ‘bricolado’, ‘tecido’ ”. Esse direito é reconhecido
como experiência de cultura, como um dos elementos fundamentais para o
desenvolvimento infantil e amplamente reconhecido em legislações internacional e
nacional. Porém, a realidade ainda nos mostra que embora seja garantido
legalmente tal direito e mesmo que pesquisas demonstrem a sua importância para o
universo infantil, há a sua desvalorização. Um dos exemplos ocorre quando crianças
são tratadas como alunos apenas porque deixaram o período da Educação Infantil e
entraram no Ensino Fundamental, onde o trabalho pedagógico e o direito à infância
deixam de ser pressupostos importantes para a criança, cedendo, então, lugar para
o dito “trabalho sério”.
Assim, a temática da infância e do direito de brincar envolve para
sua fundamentação a articulação de outras áreas do conhecimento, reconhecendo o
caráter plural do fenômeno cultural e social que envolve tais temáticas. A tecitura
desse texto não possui uma linearidade, pois falar de tais temáticas envolve idéias
contraditórias, que se complementam ou excluem-se entre si. Portanto, o texto
pretende transitar entre essas áreas explicitando outros ângulos distintos que não se
reduzem uns aos outros destacando o valor plural da concepção de infância e do
brincar como um direito. Por essa razão, utilizamos também, um conjunto de
suportes tais como a poesia, pinturas e fotos para enriquecer o texto e expressar,
pelo seu poder, o que a linguagem não consegue dizer. A partir disso, o texto
“negocia” com a realidade, “[...] buscando ‘pedaços de teorias heterogêneas’,
estabelecendo um conhecimento plural da realidade” (MARTINS, 2004, p.90).
Constatamos, também, o valor das produções acadêmicas em
relação ao seu poder de materializar e legitimar discursos e práticas voltados para a
infância. No decorrer do processo investigativo realizamos a busca por textos de
livros e materiais publicados em periódicos que versavam sobre a concepção de
infância. Diante do grande número de publicações, restringimos alguns textos de
acordo com o seu conteúdo, em relação aos problemas apresentados e abordagens
39
teóricas que lhes davam sustentação. Destacamos os artigos publicados nos
Cadernos de Pesquisa cujo tema de destaque foi “Sociologia da Infância: novos
enfoques” e o Dossiê “Sociologia da Infância: pesquisas com crianças”. Além dessas
publicações, estabelecemos um diálogo entre outros autores referendados ao longo
do texto.
40
CAPÍTULO 1 IMAGENS DA INFÂNCIA 1.1 IMAGENS DA INFÂNCIA
As crianças, esses seres estranhos dos quais nada se sabe, esses
seres selvagens que não compreendem a nossa língua. Com essa frase magistral,
Larrosa (2004), desafia-nos para entender o enigma da infância que, em parte,
constitui o próprio enigma do mundo adulto com seus saberes e verdades bem
construídos. O autor convida para colocarmo-nos diante da janela que se abre para
o grande horizonte da infância. Isso significa que a história da infância não existe
como espaço histórico isolado ou autônomo (RENAUT, 2002).
Esse horizonte amplia o nosso saber e, ao mesmo tempo, convida-
nos ao questionamento e ao vazio. Leva-nos a uma aventura por um universo que
“além de qualquer tentativa de captura, inquieta nossos saberes, questiona o poder
de nossas práticas e abre um vazio em que se abisma o edifício bem construído de
nossas instituições de acolhimento” (LARROSA, 2004, p.184). A criança é, para nós
adultos, um outro incompreensível no nosso universo em desencanto, pois ela
representa “uma ameaça à mesmice, à regra; encarna a exceção, o caos”
(GIMÉNEZ; TRAVERSO, 1999, p.240). Interessante, pois, entender as crianças
como “[...] donas de uma contracultura que os adultos por vezes pretendem regrar,
tomar posso, ‘amenizar’ ou enquadrar em seus padrões culturais” (MACHADO,
1998, p.32).
O adulto passa a ser o intérprete, ou seja, aquele que dialoga com
as formas de vida da infância, reapropriando-se, recriando-a e reconstelando-a
como um dos elementos da finalidade do seu próprio ciclo vital (KENNEDY, 1999).
Por isso, estudar a infância implica em desvelar a nossa própria condição humana
“subvertendo a aparente ordem natural das coisas”. Falar de criança é revestir-se de
um olhar crítico que “[...] vira as coisas pelo avesso, que desmonta brinquedos,
desmancha construções, dá volta à costura do mundo [...]” e que nos mostra a
possibilidade aprender com crianças sem nos infantilizar (KRAMER, 2007, p.17).
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A criança representa o diferente, o que está longe do modo de pensar, de avaliar e, portanto, de projetar do adulto. Aliás, podemos afirmar que a criança é a “mais diferente” de nós adultos produtivos, representando todas as diversidades de sexo, idade, censo, capacidade, raça ou religião. Quem aprende a compreender as crianças se abre para todos (TONUCCI, 2005, p.23).
A janela desse mundo abre-se e somos convidados a trilhar um
caminho construído por aquilo que entendemos por infância, bem como pelas
imagens, objetos e “pistas” que as crianças legaram ao mundo. A aventura é
desafiadora, pois a nossa interpretação nem sempre corresponde à realidade
daquilo que realmente a criança é e do modo como ela experiencia o mundo.
Figura 3 – Järnelfelt Eero. Portrait of Artist's Son (1896).
No entanto, nos parece certo que as estradas deste caminho nos
mostram que o passado não é tão longínquo assim e, o presente, nem sempre é tão
atual. Isso porque, ao “caminhar este caminho” nos deparamos com concepções
que, embora pertenceram a outros tempos históricos, mantém-se na
contemporaneidade, pois velhas maneiras de pensar a infância ainda persistem no
século XX (HEYWOOD, 2004, p.11).
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Algumas dessas concepções, antigas ou atuais, produzem imagens1
criadas pelo adulto cada qual “com argumentações de diferentes níveis de discurso:
desde as teorias até as opiniões das pessoas comuns” (SACRISTÁN, 2005, p.23).
Essas imagens dão corpo a um conjunto de representações da infância que se
apresentam de maneiras diversas. As maneiras de conceber ou de pensar a infância
podem ser distintas, ampliadas, reduzidas ou recompostas conforme a atividade
imaginativa do adulto e das relações de poder que este exerce sobre a criança. Isso
nos leva a pensar que ao adentrar no campo teórico dos estudos sobre a infância é
preciso estar atento para as maneiras como os discursos operam regimes de
verdade2 fazendo com que muitos conceitos sejam tidos como naturais e não como
algo em relação com o contexto histórico e social em que a criança vive. Nas relações com os outros na vida diária, contam as representações simples do mundo, adquiridas, às vezes, quase sem a consciência de que estamos aprendendo com elas, que são extremamente valiosas para efeitos práticos, embora estejam desordenadas, sejam formalmente insustentáveis e até contraditórias entre si. Vemos e nos comportamos com os demais apoiados em uma bagagem experimental muito mais elementar e menos elaborada, mas imensamente útil. Os significados da infância para as pessoas comuns, e até mesmo para os professores, são extraídos da própria experiência e da vida cotidiana que, ao ser assimilada, é reproduzida. As crianças e os alunos são pensados por nós adultos, desejamos que cheguem a ser de uma forma determinada e os vemos segundo as categorias cognitivas e sentimentais que elaboramos (SACRISTÁN, 2005, p.21).
Os elementos criados pela imaginação adulta ao longo do tempo
constituiu representações extremamente valiosas porque carregam em si as
mensagens, ideais e experiências que condicionam o cotidiano concreto da criança.
Essa bagagem experimental forma um contexto imensamente útil, pois nos fornece
a possibilidade de novas releituras tão necessárias para desterritorializar,
1 No segundo capítulo desdobraremos a idéia de construção social das “imagens” simbólicas da infância e de criança. Porém, destacamos que ao falarmos em “imagens da infância” não significa que os argumentos teóricos apresentados sejam apenas frutos da imaginação adulta. Ao contrário, entendemos que são “invenções do real que pretendem representar” (SARMENTO, 2007, p.45) para fundamentar discursos voltados para essa categoria social. 2 Emprestamos estes termos de Bujes utilizados nos artigos “Que infância é esta” (2000) e “Alguns apontamos sobre relações infância/poder numa perspectiva foucaltiana” (2003), ambos referendados ao final desse trabalho. Para ela, a cada época histórica têm matrizes ou modelos hegemônicos que orientam o que se pode dizer sobre certos objetos. Foucault (1993, p.12 apud BUJES, 2000, p.13) chamou isso de “regimes de verdade” que é “[...] isto é, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir entre sentenças verdadeiras e falsas, os meios pelos quais cada um deles é sancionado”.
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desfamiliarizar e levar ao estranhamento (LARROSA, 2004) a pretensa certeza
daquilo que conhecemos sobre a infância e sobre a criança. Tudo que nos é familiar tende a ser visto como natural; quando isso ocorre, naturalizamos o que nos rodeia, os contatos e as relações que mantemos com o que nos cerca, como se sua existência fosse resultado da espontaneidade, como se sempre tivesse existido e, inevitavelmente, tivesse de existir (SACRISTÁN, 2005, p.11).
Heywood (2004, p.24) confirma que “a maioria das pessoas parte do
pressuposto de que suas idéias e práticas em relação à infância são ‘naturais’,
chocando-se ao descobrir que outras sociedades divergem delas”. Ao naturalizar a
existência e concepções de infância, a tendência é aceitar de maneira espontânea
um modo de ser criança, bem como os limites e possibilidades de relações entre
elas, adultos e coetâneos.
Por essas razões, consideramos importante iniciar o nosso trabalho
procurando estabelecer as linhas gerais sobre a concepção de infância, não como
um conjunto de idéias fechadas e prontas, mas sim como reflexões que nos ajudam
a entender o que ela representa na contemporaneidade. Com isso, reconhecemos
que a infância, como um dos objetos de estudo desse trabalho, é um campo
problemático que precisa ser constantemente questionado, principalmente, quanto
aos conceitos que os discursos apontam para entendê-la. No decorrer desse capítulo, percebemos que o campo de estudos
sobre a concepção de infância imprimiu múltiplos significados e discursos acerca da
criança. Heywood (2004, p.6) aponta que a questão acima formulada é capaz de
produzir conceitos e idéias que “mais cedo ou mais tarde, terão conseqüências
sobre as crianças reais”.
Os conceitos e idéias forjados com base na pergunta sobre a
concepção de infância ligam-se a muitos outros conhecimentos produzidos e
voltados para a criança, condicionando as maneiras reais de viver esse período de
desenvolvimento humano. Por isso, é pertinente nos questionar sobre quais as
lentes que enxergamos a infância? Os discursos e as idéias criam não só as realidades que de alguma forma nos determinam como também as idéias que nos permitem ver as realidades de uma determinada forma e, nesse sentido, é possível dizer que essas idéias são um elemento do mundo existente. Ao
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outro, que é o menor, nós percebemos e tratamos em função dos discursos que construímos ao longo da história da cultura, que nos falam de diferentes visões da infância (SACRISTÁN, 2005, p.18)3.
E a possibilidade de indagar a idéia estranhamente familiar e
curiosa: o que é uma criança? É uma indagação que aparentemente antecipa uma
resposta óbvia que não implica certas contradições. Quem não sabe o que é uma
criança?
Figura 4 – William-Adolph Bouguereau. Pause for Thought (s/d).
[...] as perguntas “O que é uma criança” e ”O que é infância” são evidentemente questões práticas de concepção social ou mesmo legal, quando levantadas com referência ao que definirá a extensão temporal da infância ou, mais especificamente, quando acaba a infância (WARTOFSKY, 1999, p.113).
Além de tentar capturar aquilo que é a criança cabe nos questionar o
que quer uma criança. Não somente o que ela quer bem como a maneira como ela
vê e concebe o mundo. Isso nos leva a entender que a criança é um ser
3 Grifo do autor.
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competente, ativo e dinâmico na construção do seu contexto em permanente relação
com ele. As crianças não devem ser concebidas como seres inacabados que
representam um estado incompletude. Ao contrário, ela possui a integridade da
condição humana e, portanto, assim como o adulto ela pensa, quer e tem desejos. Tal como Freud perguntava “o que quer uma mulher?”, cabe indagar: o que quer uma criança? Isso supõe que a criança tem um querer, ou seja, tem desejos. Admitir um querer específico das crianças é revolucionário, haja vista o longo tempo durante o qual se acreditou que as crianças eram um reflexo dos adultos, uma versão em miniatura e mal dissociada deles. Percebidas, na melhor das hipóteses, como seres incompletos e imperfeitos, seu valor não se definia pelo que eram no presente, mas pelo que viriam a ser no futuro (FORTUNA, 2005, p.19).
Figura 5 – Quino (2003, s/p)
São muitas as vozes adultas que proclamam respostas mecânicas,
uniformes e até divergentes entre si sobre a maneira de conceber a infância e a
criança. No entanto, não significa que essas tentativas de compreender o complexo
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mundo da infância sejam inúteis, pois todas têm sua dimensão de qualidade e
importância. Sobre importâncias
Um fotógrafo-artista me disse outra vez
Veja que pingo de sol no couro de um lagarto é para nós mais importante que o sol inteiro no corpo do mar.
Falou mais:
que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem como barômetros etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida
pelo encantamento que a coisa produza em nós.
(MANOEL DE BARROS, 2006, p.9)
Figura 6 – Bouguereau (1825-1905). The Shell (s/d).
Ao longo deste trabalho investigativo, procuramos interagir com elas
sem, no entanto, ter como objetivo encontrar respostas fixas, definitivas e perfeitas
sobre os conceitos de criança/infância. As interações com os textos nos levaram a
perceber rotas muito ricas e plurais da construção da infância no Ocidente. De
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acordo com Mota e Cruz (2004, p.166), pertencemos ao Mundo que “a si mesmo se
chama de ‘Ocidente’”, ou seja, “aquilo que resultou da Cultura Grega, do Império
Romano e do Cristianismo”. Segundo esses autores, ao se falar em “Ocidente”,
referimo-nos a uma “cultura”, entendida como “forma de sentir, pensar o Mundo e
agir nele” (p.167). Em cada texto lido e estudado emergiam dos seus fundamentos e
discursos múltiplas imagens de crianças e múltiplas imagens de infâncias. Concepções costumeiras sobre o início identificam-na com a falta de experiência, com a necessidade de ajuda, com aquilo do qual não se pode muito esperar, com algo destituído de maior potencialidade, com o desencadeamento de uma seqüência previamente determinada, com a parte de um todo já delineado, ou ainda com algo do qual não se espera mais do que o cumprimento do seu papel. [...] Afirma-se que a criança carece de experiência, que necessita do auxílio do adulto, que não se deve sobre ela criar expectativas grandiosas, que dela não se pode exigir mais do que o seu papel permita realizar. Há também quem considere a infância um período de ausência de responsabilidades, de falta de autonomia, de não-seriedade. Há ainda quem julgue a criança incapaz de compreender ou fazer-se compreensível pela não-incorporação de um repertório lingüístico considerado apropriado, como se só se pudesse falar com uma única linguagem (LEAL,1999, p.19).
Sacristán (2005) aponta que não existem infâncias prototípicas
uniformes ou ideais. As infâncias são plurais, marcadas por diferenças de classe
social, de contextos culturais, criando muitas visões de infância. Assim, é que a
distinção entre crianças e adultos não se baseia somente numa única idéia de
infância.
Com isso queremos dizer que não há uma única forma de vivê-la,
mas sim uma diversidade considerável de formas e modos de desenvolvimento da
criança em permanente relação ao seu pertencimento cultural. Esse pertencimento
modela a criança e isso contrapõe-se a um conceito universal de infância que
desconsidera o poder das variáveis existentes no universo cultural do qual ela faz
parte. Segundo Barbosa (2006, p.73): Falar de uma infância universal como unidade pode ser um equívoco, ou até um modo de encobrir uma realidade. Todavia, uma certa universalização é necessária para que se possa enfrentar a questão e refletir sobre ela, sendo importante ter sempre presente que a infância não é singular nem única. A infância é plural.
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Figura 7 – Kling. Friends, Gansu Province, China (2006, p.19).
Fortuna afirma que o mundo atual é um mundo de incertezas, um
lugar que não oferece respostas fáceis e simples para compreender o que é a
infância. Por essa razão “corre-se um grande perigo ao tentar definir o que é uma
criança de forma conclusiva, uma vez que, enquanto o fazemos, a infância já
mudou!” (FORTUNA, 2004, p.19). A concepção de infância é temática complexa que
comporta múltiplos conceitos de acordo com o contexto em que se origina, isto é, o
conceito de infância e de criança possui uma elasticidade determinada pelos
processos desiguais de socialização das diferentes populações infantis (KRAMER,
1996).
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1.2 A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA
1.2.1 Delineamentos de Alguns Conceitos
A temática e o campo teórico sobre a concepção de infância conta
com as fontes de fundamentação antropológica da Sociologia da Infância4 e outra
fonte de tendência baseada na Psicologia com seus estudos sobre o
desenvolvimento infantil. Observamos outras fontes de campos diferentes do
conhecimento tratando sobre a temática como, por exemplo, a Filosofia da infância
que, segundo Lipman (2000, p.363), é uma abordagem acadêmica que consiste em
esforços para descrever, interpretar, analisar e avaliar a relações que unem a
filosofia e a infância. Trata-se de um ramo da filosofia tradicional cuja investigação
filosófica pertence a uma área particular da experiência humana que é a infância.
Contamos também com historiadores dedicados ao estudo do
assunto, dentre os quais destacamos os trabalhos de Philippe Ariès no seu livro
“História social da criança e da família” publicado em 1962 e Colin Heywood com
seu livro “Uma história da infância”. Entre os pesquisadores brasileiros, citamos os
trabalhos organizados por Mary Del Priore cujo título é “História das crianças no
Brasil”, cuja referência encontra-se no final deste trabalho.
Foi nesse contexto que nos lançamos na intenção de selecionar,
organizar e interpretar os autores, procurando não esgotar todas as suas teorias. Ao
contrário, pretendíamos transitar nas suas argumentações para extrair delas as suas
idéias básicas sobre a concepção de infância e de criança e não discutir
amplamente. O levantamento do conjunto de textos, sua seleção e classificação
foram sendo empreendidos a partir da distinção, em seu conteúdo, de temas,
problemas e abordagens teóricas de análise. Na medida em que as leituras foram
pensadas e problematizadas analisamos os caminhos interpretativos dos autores e,
aos poucos, percebemos as múltiplas concepções de infância e de criança. Os
argumentos dos autores movimentavam-se no sentido de produzir significados da 4 Com apoio na antropologia e nos estudos etnográficos estão os trabalhos da chamada “sociologia da infância”, nos quais se situam as obras de Pinto e Sarmento, pesquisadores do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho e os trabalhos de Alan Prout, Allison James e Chris Jenks que vêm, entre outros, desenvolvendo pesquisas na área da Sociologia da Infância.
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infância, bem como o de reproduzir conceitos que já são amplamente expostos na
literatura, tais como: a criança como tabula rasa, a criança como ser em devir e
como adulto em miniatura. Muitos autores discutiam em seus textos essas idéias
sobre a infância e criança, procurando analisá-las criticamente em face do cotidiano
da escola e da sociedade, que na sua dinâmica são espaços de muitas contradições
e desigualdades. As contradições e as desigualdades revelam-se pelo
distanciamento entre aquilo que é postula em leis e em políticas públicas e o que é
vivenciado efetivamente pelas crianças no seu dia-a-dia.
Para trilhar es
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