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História da educação e historiografia da educação social
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A INFÂNCIA TECIDA: ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS DA FÁBRICA CEDRO E CACHOEIRA (1890 -1915)
Manoel Julio de Paula (autor) Maria Cristina Soares de Gouvêa (co-autora)
Universidade Federal de Minas Gerais juliogalhardiafae@hotmail.com
crisoares43@yahoo.com.br Palavras-chave: escola; sujeitos; século XIX.
OBJETIVO:
Inserida no recorte temporal cujo período delimita-se entre 1890 a 1915, a
pesquisa em andamento tem como escopo principal analisar a infância a partir da ação
de duas componentes socializadoras, ou seja, a escola e a fábrica. Para isso buscar-se-á
concentrar nossa análise nas escolas de primeiras letras criadas para as crianças
trabalhadoras da fábrica de tecido Cedro e Cachoeira, situada na cidade de
Caetanópolis, MG. Ao analisar tais escolas objetivaremos compreender o processo de
escolarização da criança trabalhadora e as estratégias de viabilização da instrução
elementar para esta população. Portanto, através deste estudo almeja-se investigar os
espaços e instâncias de inserção e formação da criança naquele período histórico,
destacadamente as tensões entre a escola e o trabalho. Tentando compreender, dessa
forma, que tessitura de infância resultava do imbricamento de ações advinda do tempo
fabril e escolar. Portanto, buscar-se-á compreender em que medida a experiência trazida
por aquelas crianças, experiência essa forjada a partir do embates e lutas travadas no
interior do processo fabril, contribuirão, ou não, na constituição de sujeitos, não
somente os sujeitos da fábrica, mas os da escola, fruto da relação dialógica entre fábrica
e escola.
APRESENTAÇÃ/PROBLEMATIZAÇÃO
“[...]Lamentável é ainda alguns paes descuidarem-se assim
dos seus filhos, permitindo-lhes tempo para apprenderem cousas
dessa natureza [ o vício do jogo], quando o verdadeiro caminho para
a felicidade dos mesmos são a escola ou a aprendizagem de um
officio, onde o exemplo do trabalho patentea ao homem a estrada do
bem e do dever”... (grifo nosso) (Jornal Folha do Cedro, 3 de
agosto de 1913)
A gênese da modernidade que se realiza no século XIX esteve nas profundas
mudanças políticas, sociais e econômicas ocorridas em diferentes partes do mundo a
partir do século XVI, em especial, no ocidente, como as viagens ultramarinas, as
reformas religiosas, o desenvolvimento científico, as revoluções, as distinções entre o
público e o privado, a redefinição dos núcleos familiares, as alterações de trabalho, entre
outras. Até início do século XVIII, a modernidade ainda não era um modo de vida, “mas
já havia se tornado uma idéia associada àquela de progresso. Entretanto, no século XIX,
as principais nações européias se auto-referem como civilizadas, como também se
reconhecem universalizadas na modernidade”, demarcando assim, uma construção
histórica do termo. (Veiga, 2004: 36).
Na “esteira” dessa “onda modernizante” é certo que no final do século XIX e
início do século XX, a infância e a sua educação irão integrar os discursos sobre a
edificação da sociedade moderna. Farão parte do modelo geral referencial das
instituições e da estrutura do Estado para uma nação avançada, que se difunde no
processo de transformação mundial ocorrido durante a Era dos impérios, assim
denominada por Eric Hobsbawm, para o período de 1870 a 1914. Os tentáculos dessa
transformação provinham do continente europeu, onde se situava o núcleo do
capitalismo mundial. Hobsbawm (apud Kuhlmann Jr & Fernandes, 2004: 26).
Além disso, deve-se ainda anotar que as instituições educacionais e outras
propostas para a infância foram fomentadas nas Exposições Internacionais, que
ocorreram em diversos países desde a Exposição de Londres, em 1851, e adentraram o
século XX. As exposições universais tiveram uma repercussão significativa em seu
tempo; na sua organização, transparecia uma intenção didática, normativa,
“civilizadora”, junto aos diferentes países e setores sociais. A educação era identificada
como um dos elementos do progresso cultuado, ao lado da eletricidade, das máquinas,
das inovações tecnológicas, dos produtos industriais. Nesse sentido o século XIX pode
ser compreendido como o período de institucionalização da educação escolar, uma vez
que é neste momento que os diferentes países, principalmente os europeus, buscaram
organizar sistemas de ensino voltados para a educação das crianças e democratização do
acesso à escola, definindo leis de obrigatoriedade escolar (Gouvêa, 2003, p. 202).
Ao focar luz sobre “terras tupiniquins” é certo que aqui, seguindo aos
acontecimentos internacionais, pode-se dizer que também o século XIX se constituiu
como um período definidor do processo de escolarização brasileiro.
Conforme nos lembra Inácio (2003:36) a estruturação do Estado Nacional
brasileiro no século XIX esteve voltada para a criação de diversas práticas de atuação
sobre a população. Uma delas se refere a um novo modo de inserção do Estado no
campo da instrução elementar, e a segunda, à elaboração de leis como estratégia de
ordenação do social. Portanto, a autora afirma que o processo de escolarização
vinculou-se à afirmação e ao fortalecimento dos Estados Modernos. Ela acrescenta que
no Brasil do oitocentos, o processo de escolarização foi um dos elementos centrais na
afirmação do Estado Imperial. Dada as amplas funções atribuídas à instrução no
movimento de construção da nação brasileira, sua organização e regulamentação não
poderiam ficar senão a cargo do governo. Diante disso, verificou-se uma crescente
participação do Estado no campo da instrução elementar.
Entretanto, o processo de escolarização brasileiro foi marcado não pela
linearidade, não sem dificuldades, mas pelo entrecruzamento de propostas e idéias
eivadas por percalços, precariedades e tensões (Gouvêa, 2007; Veiga, 2006, Faria Filho
& Gonçalves, 2004). O que se viu no estudo da escolarização da infância brasileira ao
longo do século XIX, foi um longo e tortuoso processo de afirmação da forma escolar,
que iria conviver durante todo o período com outras estratégias e espaços sociais de
formação da população infantil. A escolarização da infância brasileira foi marcada por
embates, resistências e dificuldades características na consolidação da instituição, diante
de um Estado dotado de poucas condições de investimento, com um projeto de
educação ao mesmo tempo inclusivo e excludente.
Visando superar diversos mitos acerca da escolarização brasileira, estudos
recentes vêm mostrando que, ao contrário do que se pensava, a escola do século XIX,
no Brasil, objetivando garantir a moralização e instrução das classes pobres, tomadas
como potencial fonte de agitação social, ou incapazes de afirmarem-se como
civilizadas, foi dirigida também à população pobre, na medida em que constituiu como
espaço privilegiado de formação e controle dessas camadas da sociedade. Estes estudos
também vêm mostrando que, contrariamente ao que se defendeu no meio acadêmico, o
Estado brasileiro investiu sim na instrução elementar. Parece que o problema não estava
no fato do Estado se recusar investir na instrução elementar, o que não verdade, mas sim
na fragilidade orçamentária do mesmo. Devido a essa fragilidade de orçamentos os
recursos destinados à instrução elementar apareciam como irrisórios. Outro mito que
também “vem caindo por terra” está ligado à proibição de crianças negras freqüentarem
a escola. A historiografia mais recente vem mostrando que, ao contrário do que se
pensa, as crianças negras freqüentaram_ e não de forma esporádica_ os bancos
escolares. Na verdade, a proibição estava em torno da criança escrava, e não da criança
negra. (Gouvêa, 2007). E curiosamente, estudos vêm também mostrando que houve
freqüência, mesmo que de forma bastante diminuta, de crianças escravas na escola
De maneira bastante perfunctória pode-se dizer que, em relação à escolarização
da infância mineira, Minas Gerais também seguiu de forma muito semelhante ao que se
viu no resto do país. Entretanto, essa região devido ao seu processo de ocupação
territorial possuía características bastante distintas das outras províncias. Neste Estado,
que se estabeleceu como capitania em 1720 e veio a se formar em torno dos chamados
“desclassificados do ouro1, a instrução escolar desempenhou papel de suma
importância.
Segundo Greive (2006:50) a rotina da extração aurífera esteve associada a uma
movimentação urbana bastante significativa de outras localidades da colônia ocorrendo
evidentemente grandes tensões devido às aglomerações, às disputas locais e à
heterogeneidade étnica e social das pessoas que chegavam às Minas em busca de
riqueza. Por todas essas peculiaridades as autoridades imperiais acreditavam que pela
via da instrução, desenraizar-se-iam a brutalidade e a barbárie da sociedade mineira.
Através da instrução objetivou-se ordenar o social mineiro, reformar os costumes,
erradicar a ignorância e a miséria do povo. “Na perspectiva iluminista abraçada por
intelectuais e políticos mineiros a questão estava diretamente relacionada à instrução”
Faria Filho (apud Inácio, 2003:34).
Minas Gerais possuía, no início do período imperial, uma rede de instrução
elementar muito pequena, composta de poucas escolas, herdadas do período colonial.
Mas, com a Lei Geral sobre instrução primária promulgada em 15 de outubro de 1827_
que determinava a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e
lugares mais populosos do Império_ a instrução elementar presente desde os tempos da
colônia deveria ter novos contornos a partir do segundo quartel do século XIX. (Inácio,
2003: 37) Em Minas Gerais das 33 escolas já existentes criou-se mais 54, totalizando 87
escolas de primeiras letras, que poderiam ser freqüentadas por meninos e meninas2
Tempos depois, a Lei número 13 promulgada em 1835 determinou em seu artigo
1º que a instrução primária fosse dividida em dois graus_1º e 2º graus_ fazendo
distinção entre aquilo que era ensinado nas escolas para meninas daquilo que era
ensinado nas destinadas aos meninos3. A mesma lei estipulava o número de freqüência
mínima em sala de aula_ freqüência mínima de 24 alunos _, estabelecia as faixas etárias
que poderiam freqüentar aulas das escolas elementares, e também em seu artigo 7º
criava a Escola Normal em Minas.
Em termos gerais o duro processo de escolarização no Estado mineiro e no
Brasil sofreu inúmeras resistência seja por motivos culturais, políticos, geográficos ou
sócio-econômicos. A resistência ao envio dos filhos à escola ancorava-se em vários
fatores, tais como a ainda a não legitimidade da forma escolar como espaço de formação
de aprendizagem para a vida adulta, o ainda não reconhecimento da aprendizagem como
necessária à adultez, a recusa por parte das famílias da interferência do poder público
em seus assuntos domésticos _se constituindo uma luta do “governo do estado contra o
governo da casa”_, também a deficiência de materiais nas escolas e a falta de
capacitação moral dos mestres.(Gouvêa, 2007; .Faria Filho& Gonçalves, 2004; Faria
Filho, 2000)
Não se pode, porém generalizar tal aspecto, pois, se por um lado parte das
famílias resistia ao envio dos filhos às escolas elementares, outro contingente
demandava a abertura de escolas pelo Estado, como também o pagamento de
professores das escolas privadas, através de petições e abaixo-assinados. Gondra e
Lemos (apud Gouvêa, 2007).
No Brasil, também a lei de obrigatoriedade escolar competiu com o trabalho de
crianças e jovens, seja o doméstico, seja o como empregado. Na vasta documentação
relativa à instrução elementar, a discussão é recorrente; os governantes reclamavam da
infrequência escolar e da falta de cumprimento da lei, enquanto os pais alegavam a
necessidade do trabalho dos filhos. Moura (apud Veiga, 2004: 70) afirma ser possível
encontrar em São Paulo crianças no trabalho industrial a partir dos anos 70 do século
XIX, o que também ocorreu em outras localidades como Minas Gerais.
Apesar do trabalho infantil, no final do século XIX, ter sido concebido como
atividade que afastava dos vícios e que exercia um controle sobre a marginalidade
social, como alerta (Veiga, 2004), não deixou, porém de receber críticas por afastar as
crianças da escola. Talvez seja para se defenderem dessas críticas que vários
empregadores do século XIX e do início do século XX, no Brasil, com tons
“paternalistas ou benfeitores”, vão criar escolas para seus empregados. Um dos mais
famosos industriais foi Jorge Street, que junto à sua fabrica de tecidos no Belenzinho,
construiu, nos primeiros anos do século XX, uma grande vila operária com escola,
creche, igreja, clube recreativo (De Decca, 1991:10).
Parece que em outras partes do país outras fábricas vão seguir o exemplo
mostrado anteriormente, criando em seu interior escolas para as crianças operárias e
filhos de operários. Como parece ter sido o caso da fábrica Cedro e Cachoeira, situada
na cidade de Caetanópolis, Minas Gerais.
A FÁBRICA CEDRO E CACHOEIRA
Na metade do século XIX se direcionou esforços no sentido de desenvolver uma
indústria significante no Brasil. As décadas de 1860/70 presenciaram a construção da
primeira estrada de ferro brasileira, o início da navegação a vapor, a construção de
novos portos, a expansão das indústrias têxteis e de alimentação. No entanto o maior
crescimento houve na indústria têxtil. (Baer, 1983:10). O Brasil Imperial sofreu então o
seu “boom têxtil” surgindo alhures fábricas direcionadas para produção têxtil. Num
curto interstício de tempo já tínhamos um significativo número de indústria desse ramo
em funcionamento, tanto é que, se “havia duas fábricas têxteis em 1850, esse número
crescera para 44 em 1881” (Ibidem, p.10)
Douglas Cole Libby4 analisando o processo de crescimento das indústrias
têxteis, em Minas Gerais, afirma que alguns fatores foram fundamentais para que tal
impulso industrializante lograsse êxito. O primeiro se reside no fato de que com o fim
da guerra civil dos Estados Unidos e a subseqüente reorganização da produção
algodoeira daquele país praticamente fecharam as portas para a matéria prima brasileira
no mercado europeu no início da década de 1870. A redução drástica das exportações
redundou na queda vertiginosa dos preços internos do algodão que, por sua vez,
passaram atrair investimentos que pudessem tirar proveito da situação. Outro fator que
se configurou de fundamental importância para o “sucesso do setor têxtil” foi a guerra
contra o Paraguai na medida em que esta juntamente com outros fatores conjunturais
parecem ter mudado a atitude de determinadas camadas da elite brasileira quanto à
legitimidade do papel do Brasil como fornecedor exclusivo de matérias-primas
agrícolas, dentro do esquema liberal clássico da divisão internacional do trabalho. A
idéia de que o destino do país poderia perfeitamente incluir certo desenvolvimento
industrial ganhava adeptos. E um terceiro fator apontado por esse autor está ligado ao
fato de que em Minas existia uma grande oferta de mão-de-obra livre disponível. Dessa
forma, é digno de registro que já por volta do ano de 1882, das 45 fábricas existentes no
Brasil, 12 localizavam-se na Bahia, 11 no Rio de Janeiro, 9 em São Paulo e 8 em Minas
Gerais. Nessa província, o Inquérito de 1882 mencionava oito fábricas de tecidos
localizadas em Juiz de Fora, Curvelo, Machado, Cipó, Itabira, Sabará e Montes Claros.
(Foot & Leonardi, 1882:34)
É dentro desse contexto que o ano de 1872 efetivamente marca o ingresso da
província de Minas na era da produção fabril de tecidos. (Libby, 1988:227). E é ainda
nesse ano, mais especificamente, no dia 12 de agosto, que se implantou a Fábrica Têxtil
Cedro, localizada no município de Sete Lagoas, fruto de um empreendimento realizado
pela família Mascarenhas. Esta fábrica iniciou seu funcionamento com apenas 18 teares
e implantara um novo estilo de trabalho realizado somente por homens livres. (CIA
CEDRO E CACHOEIRA:CENTENÁRIO DA FÁBRICA DE CEDRO HISTÓRICO:
1872-1972:74).
Dois anos depois, outros quatro membros da família Mascarenhas: Bernardo,
Francisco, Dr. Pacífico e Vitor Mascarenhas juntamente com Luiz Augusto V. Barbosa,
um quinto sócio, resolveram matricular no tribunal do comércio da capital do Império a
20 de agosto de 1874, sob o nº 14.254 a fábrica denominada Santo Antônio do Curvelo,
no entanto, tal denominação não prevaleceu e foi substituída pelo nome Fábrica
Cachoeira que localizara a 8 quilômetros da cidade de Curvelo. Esta fábrica iniciara
com 52 teares quase o triplo da quantidade inicial instalada na Cedro.
Mais tarde, objetivando somar forças para responder melhor às ameaças de
concorrência e obter maior desenvolvimento em menos tempo, se direcionou esforços
em busca de uma junção entre as fábricas Cedro e Cachoeira. E, por conseguinte, no ano
de 1883 concluiu-se a fusão das mesmas passando doravante essas duas fábricas a
pertencer à Companhia de Sociedade Anônima Cedro e Cachoeira com sede na cidade
de Caetanópolis, a 5 Km de Paraopeba, a qual existe até nos dias atuais.(Ibidem: 112)
Sampaio (apud Versiani, 2000:216) verificando a composição da mão-de-obra
no interior das fábricas têxteis brasileiras no final do século XIX verificou que havia o
predomínio de relações de trabalho capitalistas-salários e /ou pagamento por peças.
Além disso, afirma que a origem desse operariado está mencionada com clareza nos
documentos por ele utilizados: “eram recrutados entre as camadas mais pobres da
população e, especialmente nos orfanatos da cidade”. A menção a orfanatos aponta
para o um grande emprego de menores, o que é confirmado na “fala” de abertura da
Assembléia provincial de 1889, onde consta que as fábricas de tecidos baianas
empregavam “inclusive menores que de tenra idade vão se habituando ao trabalho e
nobilitando-se na luta pela vida”. (Ibidem, p.217)
Seguindo a tendência da época, também o emprego de menores foi amplamente
utilizado pela fábrica Cedro e Cachoeira, conforme se verifica em 1882 na resposta aos
quesitos da comissão de inquérito da Cedro ao declarar no artigo 8º que emprega-se nos
diversos trabalhos da fábrica 130 pessoas, homens e mulheres, sendo 60 menores. Ou
seja, quase 50% da força de trabalho se constituía em menores- (Cia Cedro E
Cachoeira:Centenário Da Fábrica De Cedro Histórico: 1872-1972:130). E se levarmos
em consideração a observação de que a definição do termo “menor” “ parece ter-se
estendido às crianças com 14 anos de idade ou menos, significa que boa parcela da
mão de obra poderia ainda ser adolescente” (Libby, 2002:235)
Dados colhidos até o momento dão conta que os menores que trabalhavam na
fábrica poderiam tanto ser filhos de operários da mesma como ser oriundos de orfanatos
existentes naquela época. Os documentos também vêm mostrando que muitos destes
menores vieram de localidades tais como as regiões de Cordisburgo, Conceição do
Serro, Gouvêa, São Gonçalo e Datas. E é certo que para aqueles oriundos de orfanatos a
fábrica disponibilizava de dormitórios para abrigá-los. Conforme o trecho da carta
escrita a 18 de março de 1890 pelo gerente da cachoeira a seu companheiro da cedro:
“Tenho muita necessidade de tecelonas e se puder vir cinco tanto melhor, uns dois ou
três meninos, para quem tenho casa e emprego para todos.”[grifo nosso] (Cx. De
correspondência Rec. 1890).
No ano de 1883 dos 264 trabalhadores da fábrica 101 eram menores e 163
adultos, ou seja, cerca de 40% da mão de obra era composta por menores. Já para o ano
subseqüente a quantidade de menores caiu um pouco, perfazendo naquele momento
35% da mão-de-obra.
No que tange às faixas etárias de trabalhadores menores que ingressavam na
fábrica é correto que também variaram muito. Para o período de 1890-1915 verifica-se
que a maioria das crianças que ingressaram na fábrica estava entre as faixas etárias
compreendidas entre 12 e 13 anos. Esta faixa, no período analisado, perfazia um total de
17% daquela mão-de-obra. Porém, era também bastante expressivo o número de
crianças que começaram a trabalhar aos 11 anos de idade. Essa faixa etária representou
uma média de 13% do total dos menores analisados. Não menos importantes também
foram as faixas etárias de 15, 14 e 10 anos que representaram 12% cada uma. Todavia,
não são raras as vezes em que os documentos revelam o uso da força de trabalho de
meninos a partir dos 8 e 7 anos no processo produtivo, perfazendo um total de 5% e 2%
respectivamente
Ao analisar o regulamento da fábrica é possível apreender que às 06:00hs5 em
ponto, quando então eram soados os sinos, as crianças deveriam se apresentar
imediatamente aos porteiros das fábricas os quais realizavam a chamada e anotavam os
possíveis faltosos no livro de ponto. ( Art. 2º das atribuições dos porteiros). Após a
tiragem de faltas elas se dirigiam cada uma para seus setores. Umas para as áreas
externas das fábricas e outras para o interior das mesmas. Lá poderiam exercer diversas
funções tais como ajudantes, tecelãs, gordoeiros, carpinteiros, turma da conservação de
estrada, engomadores etc...
As crianças que trabalhavam no interior da fábrica eram distribuídas em boxes
onde ficavam expostas à vigilância atenta dos mestres de seção. Qualquer ato que fosse
considerado como rebeldia, falta de atenção no trabalho ou desleixo, poderia redundar
em admoestação ou multa por parte de seus superiores. Além dos olhares dos mestres de
seção elas ainda eram observadas pelos feitores de meninos e pelos mestres gerais que
tinham como atribuição fazer que todos estivessem em seus lugares conforme o horário
do corpo da fábrica (Art. 4º das atribuições do Mestre Geral).
A jornada de trabalho era longa e rígida. Fora o horário de almoço, cerca de 1h
diária conforme o regulamento da fábrica, não havia tempo para descanso e distração.
As crianças eram obrigadas a trabalharem confinadas nos pequenos boxes e submetidas
a um ambiente dotado de pouca ventilação e bastante barulho. Nas épocas das chuvas a
fábrica tornava-se escura a ponto de ter que, em algumas vezes, parar os teares do
centro6. Em alguns casos essas goteiras no telhado estragavam as traves de sustentação
do teto, colocando em risco a integridade física dos operários7.
O ambiente no qual estavam submetidas essas crianças era grandemente
insalubre, pois, os gerentes diversas vezes faziam referências a inúmeras moléstias tais
como, intermitentes, epidemias de bronquites, sarampo, gripe espanhola, tuberculose,
dentre outras. Não eram raras as vezes que estas epidemias causavam óbitos. Como foi
o caso relatado no aprestamento para o Relatório Anual da cachoeira no ano de 1891
onde o gerente revelava que
“Conserva-se regular, a não ser um outro caso destacado de
intermttente, e epidemia de sarampos que no mês de novembro e
desembro agravou com intensidade. Morrerão repentinamente três
mulheres durante o anno, e algumas crianças em conseqüência de
bronchite” ..
Os acidentes de operários nas máquinas também eram freqüentes. Documentos
dão conta que em alguns casos os acidentes com os maquinários redundavam na perda
de braços do trabalhador. No aprestamento para o relatório Anual da Cachoeira de 1890
o gerente relatou da seguinte forma:
“Tenho a lamentar um único incidente sério [grifo nosso], de
que foi victima um operário que foi ñ desculpável imprudência
perdeu um braço no descaroçador de algodão. A amputação foi
executada pelo distinto medico Dr. Augusto Clementino, auxiliado
pelos pharmaceutico jota e Ermelindo, tendo agido muito bem, a
victima do desastre acha-se restabelecida.”
Dos boxes as crianças_ tal proibição também valia para os adultos_ somente
poderiam sair mediante ordens. Caso fossem flagradas juntas a outras máquinas, que
não a de sua responsabilidade, ou em outras repartições conversando ou ainda em
distração poderiam receber multas de 200 réis e caso fosse reincidência o valor subia
para 400 réis. (Art. 4º e 10º regulamento interno).
Durante o tempo em que estivessem nos boxes deveriam permanecer de pé por
longo tempo, pois lhe era tolhido o direito de trabalhar assentada. (Art. 12). Em apuros
pior ainda ficariam aquelas que, por ventura, fossem flagradas lendo revistas, livros ou
jornais durante a labuta. Tal transgressão também era inadmissível na visão dos
patrões.8. (Art. 11). Não bastassem todas as proibições eram ainda obrigadas a estarem
vestidas descentemente, “suas roupas não poderiam estar rotas, maltrapilhas ou
excessivamente imundas”.
Caso quisessem visitar as latrinas deveriam, após autorização dos mestres, se
dirigirem para aquelas exclusivamente reservadas às crianças, e lá deveriam ter o
cuidado de não sujá-las com restos de algodão, carretéis e massarocas, caso contrário,
poderiam também ser multadas.
Quando o relógio da fábrica registrava 18:00 hs9 então os sinos novamente
soavam marcando o fim de mais uma jornada de trabalho e os trabalhadores se dirigiam
ao portão de saída sob os atentos olhares do pessoal da portaria de modo a impedir que
qualquer objeto fosse subtraído da fábrica. Dali as crianças operárias seguiam para suas
residências ou para os conventos e acomodações masculinas destinados a elas. Havia
aquelas que, depois de uma cansativa jornada de trabalho, ainda tinham que enfrentar os
bancos da escola noturna que funcionavam nas dependências da fábrica. Escola essas
que foram implantadas tanto na unidade da Cedro quanto na da Cachoeira. No Livro
Centenário da Fábrica Cedro Histórico: 1872-1972 consta que as fábricas “sustentaram
duas escolas noturna (SIC) de primeiras letras para os dois sexos que são freqüentadas
por 70 alunos.” (p. 89). Consta também no mesmo histórico que por volta do ano de
1881, dos 130 empregados na fábrica, 63 sabiam ler e escrever.
No que tange à inauguração das escolas da fábrica as fontes até agora
selecionadas já permitem que façamos algumas reflexões acerca desta questão
Analisando o importante trabalho de Domingos Giroletti Fábrica Convento
Disciplina , 2002, percebe-se que esse autor afirma que a escola instalada na unidade da
Cedro teve sua inauguração a partir do ano de 1884. Entretanto, ao realizarmos o
cotejamento com os documentos encontrados no Museu Décio Mascarenhas, localizado
nas dependências da fábrica, estas fontes trazem fortes indícios que a inauguração da
escola da Cedro tenha sido anterior à data fornecida pelo autor. Ao verificarmos o
Relatório Anual do ano de 1884 redigido a 17 de março do referido ano _os relatórios
da Cedro e Cachoeira sempre fazem referência ao ano imediatamente antecedente_
pôde-se verificar que já em 1883 funcionava escolas nas dependências da Cedro “para
os operários de ambos os sexos que são freqüentadas por 60 meninos e 27 meninas”
Já em relação à escola da unidade da Cachoeira as fontes ainda não estão muito
claras quanto ao início do seu funcionamento. No entanto, no Relatório Anual de 1885 o
gerente da Cachoeira relatava que “funciona(va) regularmente a aula nocturna de
primeiras letras freqüentada por 25 alunnos do sexo masculino”. O que leva-nos a
pensar que o ano de 1884 tenha se configurado o marco inicial de inauguração da
referida escola, haja vista, o Relatório Anual de 1884 não fazer nenhuma referência à
escola. Além disso, diferentemente da unidade da Cedro, a escola da unidade Cachoeira
teve seu público interno composto somente pelo gênero masculino, o que nos permite
então já perceber os aspectos diferenciadores entre as duas escolas. Curiosamente, os
documentos até agora selecionados dão a ver que desde o início da instalação das
fábricas as meninas já faziam parte do corpo de trabalhadores das mesmas. Isso nos
remete a questionamentos sobre o porquê da exclusão do seguimento feminino no
primeiro ano de funcionamento da escola? Mas, as fontes mostram que a partir do ano
de 1885 o ensino estendeu-se também para o sexo feminino com “105 alunnos de
ambos os sexos” 10.
No que tange às condições materiais em que eram realizadas as aulas, vale dizer,
que as fontes são ainda pouco reveladoras, necessitando o entrecruzamento com outros
documentos. Mas, já é possível perceber, a partir das mesmas, que os alunos após um
dia de intenso trabalho aprendiam nas aulas noções básicas de “leitura elementar,
doutrina, escriptas e arithimetica”. Tais aulas, pelo menos até ano de 1905, data em
que se inaugura a luz elétrica nas fábricas em análise, se davam sob precárias condições
de iluminação. Às 21hs se apagavam as luzes da vila operária marcando o término de
mais um intenso dia. Isto sugere que as aulas se davam entre as 18:00h e 21:00h. Dessa
forma, os corpos desses menores se submetiam a um alongamento do tempo de
disciplina. Primeiro o tempo da fábrica e depois o tempo da escola. Que resultados se
obtinham da dupla ação escola e fábrica sobre os corpos dessas crianças? A experiência
que essas crianças construíram a partir das lutas e embates no interior do processo de
produção poderia ter servido como aspecto diferenciador e original na constituição do
sujeito aluno? E como se dava essa relação? Quais estratégias adotadas pelos
professores daquelas escolas que poderiam dar conta de prender a atenção de um
público escolar que vinha de uma longa e rígida jornada de 12 horas de trabalho? O que
se aprendia de fato no interior da sala de aula? A escola, aos moldes da fábrica,
imprimia uma disciplina rígida ao público que a freqüentava? Havia mecanismos de
recompensas e práticas de emulação por parte da escola? E caso existissem, eram
eficientes? Ao pensarmos os sujeitos dessa escola, que identidade pode-se esperar desse
imbricamento fábrica e escola? A do operário do qual se requer atitude,
responsabilidade e comportamento próximo a do adulto? Ou do aluno cuja relação entre
docente e aluno “naturalmente” produz uma representação que se aproxima daquela
entre a mãe que ensina e conduz e do filho que aprende e é conduzido? Ou uma síntese
dessas duas instâncias? Estas e outras são perguntas que estarão norteando nossa
pesquisa.
Quanto ao funcionamento das escolas os documentos também vêm mostrando
que o mesmo se deu de forma irregular. Vários são os relatos de gerentes denunciando a
paralisação das aulas devido à falta de professor qualificado. No relatório Anual de
1889 o gerente da Unidade da Cachoeira dizia que,
“A muito resente-se (SIC) este estabelecimento de um bom professor
para a aula nocturna de operários, essa lacuna foi preenchida com o
contrato feito com Nereu Cecylio dos Santos, nas mesmas condições
do professor do Cedro. Até o meio do anno funcciona muito
irregularmente a aula de operários, e d’ahi em diante, por falta de
professor que inspira confiança, foi a aula suprimida, inaugurando-se
de novo agora.” (In: Copiador de cartas de 1890 do Museu- p. 12 a 14)
Outros documentos também dão conta que durante o ano de 1889 a aula noturna
para o seguimento feminino, por falta de uma professora, esteve suspensa por quatro
meses. Entretanto, voltou a funcionar “d’desde julho com freqüência de 76 alunnas, a
cargo de uma boa normalista”. No que se refere à escola para o sexo masculino, o
aspecto moral do professor também foi fundamental para o seu funcionamento. Os
documentos mostram que a escola esteve paralisada por algum tempo “por falta de um
professor idôneo, mas d’esde 15 de setembro [do ano de 1889] funciona regularmente”.
Os dados colhidos até agora também dão conta que a partir de 15 de novembro
de 1889, data da proclamação da república, o Estado passou a assumir o controle da
escola inaugurando o sistema de aula mista “sustentada pelo Estado e tem freqüência
de 30 alunnos. (In: Copiador de cartas de 1890 do Museu- p. 12 a 14)
A expressão “sustentada pelo estado” pode nos sugerir que a partir daquela data
os recursos destinados para a manutenção da escola e pagamento do corpo docente
saíram da esfera privada para as mãos do Estado. Entretanto, parece que a questão não
foi tão simples assim. As fontes mostram que mesmo sendo público o cargo de
professora da escola noturna da fábrica, os salários da mesma eram providos a cargo da
fábrica.
A documentação também vem mostrando que a passagem de “escola separada
por sexo” para “escola mista” não foi um mecanismo linear. Estamos querendo dizer,
que as fontes sugerem que nas fábricas em análise os dois sistemas, ou seja, o
“separado por sexo” e “misto” parece terem coexistido. Essa constatação nos permite
fugir de esquemas que percebem as transformações ocorridas na escola numa
perspectiva evolucionista e linear. Como podemos verificar no relato do gerente da
unidade da Cedro, quando este diz que
“Com a remoção da professora publica da eschola mixta ficou a
cadeira de S. Gonçalo do Serro, está essa escholla paralisada. A
eschola nocturna do sexo femino [feminino?] era regida pela
professora publica à expença (sic) d’esta fabrica, é agora regida pela
professora particular D. Maria de Jesus Brandão dos santos.
Freqüência:
Escolla nocturna do sexo masculino 35 alunos
Escolla nocturna do sexo feminino 46 alunas” (In: Copiador de
cartas de 1890 do Museu- p. 12 a 14)
Analisando o Livro de Matrículas de Alunos da Cedro de 1909 (constante no
Museu Décio Mascarenhas) é possível já perceber que as turmas iam de 1ª a 3ª série
com o ano escolar dividido em quatro trimestre. As aulas nesse período passaram a ser
ministradas pela professora Maria Emília Martins Pereira auxiliada pelo inspetor escolar
distrital Manoel Antonio da silva. Na classe coexistiam juntos, meninos e meninas
perfazendo um total de 65 alunos. Já para o ano de 1910, as fontes mostram que as três
séries iniciais foram acrescidas da 4ª série e o número de alunos subira para 108
indivíduos, quase o dobro de 1909. Parece que o problema com professores por fim
terminara, pois, verificando os documentos percebemos que a equipe docente
permanecera inalterada até pelo menos o final de 1919, sendo substituída, em 1920, pela
professora Anésia França Ribeiro e pelo inspetor de alunos Augusto Horta
Já para o ano de 1911 o número de alunos caíra para 86 integrantes, o que pode
ser fruto de uma evasão escolar ou possivelmente porque os alunos da 4ª série já
tivessem neste ano concluídos o curso, não havendo, porém, um recompletamento da 1ª
série. Já os anos de 1912, 1913, 1914 e 1915 constam que o número de alunos era de 98,
99, 81 e 108 integrantes respectivamente.
METODOLOGIA
Em relação aos aspectos metodológicos é digno de nota que a referida pesquisa
encontra aporte na análise de fontes primárias a ser encontradas no Museu Décio
Mascarenhas situado na cidade de Caetanópolis e periódicos localizados em Paraopeba.
Através do exaustivo trabalho de pesquisa no museu supracitado, foi possível
entrarmos em contato como uma vasta quantidade de documentos que no seu conjunto
vêm nos ajudando a construir e tecer o objeto de pesquisa em tela Documentos tais
como os jornais a Gazeta de Paraopeba (1917) e Folha do Cedro (1913), dentre outros,
vem revelando questões como representação social do trabalho e escola, assim como
também tem permitido apreender a situação sanitária da fábrica e da vila operária
próxima a mesma. Dessa forma, tais periódicos nos informam acerca das inúmeras
doenças acarretadas pela população operária e as várias estratégias destinadas à
erradicação dessas enfermidades.
Já documentos tais como o Livro de Ponto tem nos permitido analisar valores de
salário pagos aos operários da fábrica Cedro e Cachoeira. Nele estão anotados de forma
clara os salários pagos aos funcionários da Cedro e Cachoeira o que ajudará a responder
um dos objetivos propostos. Também estamos de posse de tabela montada por nós
através da análise do livro de registro de operários, a qual tem nos permitido saber a
origem, a idade e a residência das crianças operárias. O documento intitulado Relação
das Machinas e do Pessoal da Fábrica, por sua vez, que se encontra cuidadosamente
conservado, descreve tanto as funções exercidas em cada seção do setor produtivo
quanto a relação de operários a elas relacionados.
Existe também na fábrica um interessante manuscrito datado de 10 de fevereiro
de 1901, onde estão registrados duas colunas onde estão lançados os chamados
“ajudantes grandes” e os “ajudantes menores da fábrica. Este documento tem nos
ajudado a pensar, obviamente cotejado com outros documentos, a presença da criança
na fábrica. Outros documentos, como os relatórios anuais da Cia. Cedro e Cachoeira,
que vão do ano de 1883 a 1922 e se encontram na sede da fábrica, em Belo Horizonte,
têm revelado tanto questões acerca de efetivo e necessidade de pessoal/ equipamento
quanto registros acerca de acidentes, doenças e mortes de operários _sejam eles adultos
ou crianças.
Há também o Livro de Matrícula cuja informação contida no mesmo tem nos
ajudado a pensar a escola de primeiras letras da fábrica Cedro e Cachoeira. Este
documento está nos permitindo quantificar a proporção de meninos em relação às
meninas; analisar questões tais como idade, freqüência e origem social do aluno;
perceber como se dava a distribuição do corpo discente na sala de aula, entre outras
coisas.
Os relatórios anuais, copiadores e cartas dos gerentes da fábrica, vêm também
revelando, mesmo que de forma perfunctória, relatos acerca dos professores, efetivo do
corpo discente, necessidade e pré-requisito de docente, outras coisas.
Há também os copiadores e caixa de correspondência que revelam o cotidiano
da fábrica e as necessidades de recomposição de mão-de-obra. Nunca é demais também
dizer que estamos de posse da localização das várias caixas de dossiês, já registrados e
numerados por nós, os quais permitem entender a trajetória profissional dos operários
desde seu ingresso até sua saída da fábrica.
È verdade que estamos cônscios de que os registros de nascimentos do período
analisado por nós eram em sua maior parte deficientes. Como corolário de tal
deficiência, tínhamos indivíduos com idade biológica bastante distinta ao constado no
registro de documento. Destarte, poderíamos cair no ingênuo risco de estarmos
analisando crianças que na verdade já se encontravam em suas fases adultas. Não
obstante, salientamos que a análise das fontes mostra que há fortes indícios de crianças
no setor de produção, uma vez que, amiúde os gerentes abordam em documentos mortes
de crianças, necessidade de corretivo em crianças operárias refratárias a “mentalidade”
da fábrica. Além disso, as fontes apontam para as necessidades de alojamento e escola
para as crianças e por fim mostram as funções que as mesmas exerciam na fábrica. E
ainda ressaltamos que há uma gama de documentos iconográficos que registram de
maneira bastante nítida, diversas crianças em suas telas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Queremos reiterar que tais análises são ainda frutos de pesquisa em andamento e
estamos cônscios que é mister a análise de outras fontes. Pois, acreditamos que é a partir
do cotejamento com outros documentos que será possível, talvez, preencher as várias
lacunas ainda existentes. Também estamos conscientes que muitas das afirmações
colocadas por nós nesta comunicação serão ratificadas ou escusadas a partir do
entrecruzamento com os novos dados os quais certamente ajudarão fornecer luz sobre os
vários indícios que por ora se apresentam.
FONTES PRIMÁRIAS
–Aprestamento para o Relatório Anual de 1890- In: Copiador de Cartas da Cachoeira –1891-1892. –Aprestamento para o Relatório Anual de 1889- In: Copiador de Cartas da Cachoeira –1890. –Livro de Matrícula de Alunos da Cedro 1910 -1922 –Relação das Machinas e do Pessoal da Fábrica do Cedro 1915 –Relatório Anual da Cia Cedro e Cachoeira de 1883 –Relatório Anual da Cia Cedro e Cachoeira de 1884 –Relatório Anual da Cia Cedro e Cachoeira de 1885 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAER, Werner: A industrialização e o desenvolvimento econômico do Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Ed. Da Fundação Getúlio Vargas, 1983. 562 p. Companhia de Fiação e tecidos Cedro e cachoeira: centenário da Fábrica de Cedro histórico: 1872-1972 DE DECCA, Maria auxiliadora Guzzo.Indústria, trabalho e Cotidiano: Brasil 1889 a 1930. São Paulo: Atual, 1991.(História em documentos) .95p ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora em Inglaterra. Lisboa: Editorial Presença, 1975. FARIA FILHO, Luciano Mendes; GONÇALVES, Irlen Antônio. Processo de escolarização escolar: o caso de Minas Gerais (1835-1911). In: FARIA FILHO, Luciano Mendes de (Org.). A infância e sua educação: materiais, práticas e representações [Português e Brasil]. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 159-188. ________ Instrução elementar no século XIX. In:500 anos de educação no Brasil. LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive (Org.).Belo Horizonte: Autêntica, 2000b, p.135-150. FREITAS, Marcos Cezar de. História da infância no pensamento social brasileiro . Ou, fugindo de Gilberto Freyre pelas mãos de Mário de Andrade. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org). História Social da Infância no Brasil. 3 ed.São Paulo: Cortez Editora, 2001. GIROLETTI, Domingos. Fábrica Convento Disciplina.Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991.
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Pesquisadores em História Econômica/ Editora da Universidade de São Paulo/ imprensa
Oficial, 2002).
1 Uma discussão interessante sobre a tensa e conflitante ocupação e o caráter social das Minas colonial pode ser verificada na obra de Laura Vergueiro. Opulência e miséria das Minas Gerais. 2ed. São Paulo: Brasiliense, 1983 e também na obra de Laura de Melo e Souza. . Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. 1. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1983. 323 p 2 No que tange à escolarização feminina estudos mostram que, por uma série de motivos, vilipendiou-se tal mecanismo. Embora houvesse por parte do Estado incentivo em escolarizar as meninas e houvesse, por outro lado, demanda por parte das famílias em matricular esse seguimento, a lei de obrigatoriedade escolar para elas somente foi promulgada em 1883 mesmo que, de forma facultativa, parcela dessas meninas já viesse ocupando os bancos de algumas escolas elementares. Ver (Veiga, 2006:55; Gouvêa 2004) 3 Essa lei rezava a não obrigatoriedade da instrução feminina. Além disso, estabelecia que o conteúdo ensinado nas escolas de meninas também deveria ser diferente ao ensinado para os meninos onde de acordo com o artigo 3º “nestas Escollas as ensinarão, além das materias do 1º grào, ortografia, prosodia, noçòes gerais dos deveres moraes, religiosos, e domésticos”. Ver In: M.S. Inácio. O processo de escolarização e o ensino de primeiras letras em Minas Gerais (1825-1852). 2003, p.42. 4 LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. 1988. 5 Segundo Vaz , 1990(194) o horário de corpo das fábricas era de 06:00 às 18:00hs, o que perfazia 12 horas de trabalho diários. No entanto, em artigo do jornal Folha do Cedro de 12 de maio de 1912 anuncia-se que “ A directoria da cedro num belo e inspirado gesto altruísmo dando arrhas das suas alevantadas idéias de progresso acaba de adoptar o dia de dez horas de trabalho, nas três fábricas de sua propriedade, Cedro, Cachoeira e São Vicente. Estando determinado o começo do serviço às 06:00 hs da manhã e o descanso às 05:00 hs da tarde, desde do dia 08 do corrente”. 6 No relatório Anual de 1905 o gerente da Cedro relata que com a instalação da luz elétrica no referido ano o problema de iluminação foi resolvido. IN: Relatório Anual de 1905. 7 IN: Relatório Anual de 1905. 8 Vale dizer que o cotidiano dos adultos era bastante parecido com o das crianças, havendo diferença, no entanto para as punições cometidas nos artigos 1º a 3º do regulamento interno. No entanto, queremos aqui fazer uma discussão centrando no caso específico da criança na fábrica. 9 Em 1905 com a chegada da luz elétrica a fábrica passou a adotar o trabalho noturno, os registros não mostram, porém se havia crianças trabalhando ou não, à noite. 10 Documentos encontrados no Livro de Relatórios e Balanços da Cia Cedro e Cachoeira 1883-1892 (Sede da fábrica
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