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A Integração Passiva no âmbito da Globalização:
os ajustes estruturais na América Latina
Eduardo Costa Pinto e Paulo Balanco (UFBA)
Resumo: neste artigo procura-se localizar as origens do processo de retrocesso vivido pela
América Latina desde meados dos anos 1970. Considera-se, como procedimento
metodológico, a crise dos países latino-americanos como parte integrante da própria crise de
superprodução, atrelada ao excesso de capacidade e de produção, experimentada pelo
capitalismo no mesmo período. Sendo assim, localiza-se o endividamento como a componente
estrutural principal que, na era da globalização, conforma uma integração passiva da região ao
circuito de valorização do capital, principalmente, a partir da assunção do modelo de
desenvolvimento liberal na década de 1990.
JEL: P16; ÁREA: A mundialização e a América Latina
Palavras chave: Crise, Globalização Capitalista, América Latina, Integração Passiva
I – Introdução
A regressão social e econômica vivenciada pelos países da América Latina, durante as
duas últimas décadas, não consegue ser explicada pela tese da herança cultural, associada à
suposta incompatibilidade, entre os valores ibéricos tradicionais, o pluralismo político e a
liberdade de mercado. Na verdade, as crises sociais e econômicas recorrentes, o crescimento
da instabilidade e da vulnerabilidade, o retrocesso e a maior desarticulação social
materializadas a partir das décadas de 1980 e 1990, só conseguem ser apreendidas, em sua
totalidade, a partir da percepção das modificações associadas à dinâmica de acumulação do
capitalismo contemporâneo que abriram espaço para a globalização financeira e, por
conseguinte, para a emersão do rentista à posição hegemônica na disputa entre frações da
classe dominante.
Tal configuração está eminentemente vinculada à contestação da hegenon, ao excesso de
capacidade, à crise de lucratividade e à retomada da hegemonia norte-americana e, mais
recentemente, à política externa americana pós-dissolução do pacto de Varsóvia e do fim da
União Soviética. Neste cenário, propugna-se o aprofundamento da dependência dos países
2
latino-americanos, amplificada pela integração passiva da região nos anos 1990 (adoção de
estratégias liberais de desenvolvimento) no processo de acumulação capitalista.
Nesse contexto, tornaram-se necessárias medidas, por parte do capital, de reorientação da
acumulação em direção a formas alternativas de recuperação da lucratividade e da ampliação
da ideologia liberal, atreladas a transformações políticas no âmbito das relações nacionais e
internacionais. Desde então ocorreu, nos países latino-americanos, um aumento da
dependência econômica e do aprofundamento do quadro social desigual. Para estes países, a
cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um processo estrutural de
reprodução da dependência e da crise associado ao endividamento.
Este artigo enseja analisar o aprofundamento da dependência estrutural dos países latino-
americanos, principalmente do México, da Argentina e do Brasil, aos países centrais na fase
da globalização do capitalismo e seus efeitos deletérios na articulação social da região. Para
tanto, elegeu-se como variável explicativa relevante o processo do endividamento estrutural
da região associado à dinâmica dos fluxos de capital, vinculada às mudanças nas políticas
internas e externas dos Estados Unidos. Perseguindo este objetivo, e considerando o grau de
complexidade que cerca esta problemática, metodologicamente, alocou-se o objeto aqui
destacado em uma dialética materialista histórica, implicando, por conseguinte, na
necessidade de uma caracterização do capitalismo na fase de globalização e a integração
passiva dos países latino americanos nessa dinâmica.
Para este propósito, além desta introdução, discute-se na segunda seção deste artigo, o
papel da crise econômica e política na conformação de novos padrões de valorização do
capital e seus impactos sobre os países latino-americanos, nas últimas três décadas do século
passado, destacando: o papel do endividamento no processo de acumulação, a questão da
hegemonia no quadro das relações entre as nações e o novo papel das instituições
supranacionais. Na terceira seção, avalia-se a assunção dos modelos de desenvolvimento
liberal (ajustes estruturais) nos países da América Latina, a partir dos anos 1990, e seus efeitos
deletérios na articulação econômica e social da região. Por fim, na quarta seção, procura-se
alinhavar algumas idéias a título de conclusão.
II – A Globalização e sua face excludente: a regressão latino-americana
A expansão econômica do pós-segunda guerra esteve vinculada à capacidade do núcleo de
países capitalistas avançados de realizar e sustentar altas taxas de lucro, produzindo
excedentes relativamente elevados a partir do uso de capital fixo/estoque de capital
3
(instalações e equipamentos).1 As elevadas taxas de lucro alcançadas pelas economias
avançadas proporcionaram a possibilidade da manutenção de altos índices de investimentos,
gerando uma aceleração da produtividade associada a um crescimento rápido dos salários
reais sem ameaçar os lucros (BRENNER, 2003). Nesse período, a maioria das economias
capitalistas avançadas, e alguns países periféricos latino-americanos, tais como México, Brasil
e Argentina, que engendraram os modelos de desenvolvimento cepalinos de substituição de
importações, vivenciaram um longo boom econômico. Nos países centrais verificou-se uma
elevação historicamente inéditos dos índices de crescimento do investimento, de produção, de
produtividade e dos salários em associação com pequenos índices de desemprego e processos
recessivos reduzidos.
A expansão econômica dos anos dourados foi materializada a partir da articulação entre
crescimento das taxas de lucro e dos salários reais nos países centrais – economia da demanda
efetiva. Essa articulação só se tornou factível em virtude de determinados eventos políticos, a
saber, a segunda guerra mundial e a posterior consolidação do bloco socialista, conformando a
divisão do mundo em dois pólos. No pólo capitalista, os Estados Unidos, buscaram configurar
o êxito econômico para seus aliados e concorrentes como forma de consolidar a ordem
capitalista – um mundo seguro para a livre empresa – e combater o regime comunista. Nesse
cenário, o estado americano, já consolidado enquanto hegemonia, arquitetou uma cooperação
antagônica entre os principais países capitalista, isto é, uma cooperação entre Estados
capitalistas concorrentes (THALHEIMER apud MEYER, 2000), alçando o crescimento
econômico a uma questão de segurança nacional.
O boom econômico na América Latina no pós-segunda guerra assume características
bastante diferenciadas da dos países centrais, em virtude da sua condição de economia
industrial dependente2. Nessa condição não se verifica, na região, a construção de uma
economia de demanda efetiva ampla como nos países centrais do capitalismo, já que a
construção da industrialização não significou uma forte elevação dos níveis salariais, nem
uma ampla redução do exército industrial de reserva da região, apesar da elevação ingente dos
índices de crescimento do investimento, de produção e de produtividade na região.
1 Entre 1950 e 1973, a taxa de lucro líquido, em média anual, foi de 24,35% nos EUA, 23,1% na Alemanha e 40,4% no Japão (BRENNER, 2003) 2 “O movimento interno do capitalismo dependente para a resolução de seus problemas de realização encontra
três formas possíveis de solução: a exportação de mercadorias e de capitais; o consumo estatal e o
aprofundamento do consumo suntuário” (MARTINS, 2000, p.8).
4
Deste modo, a dinâmica do crescimento regional foi atrelada à substituição do modelo de
desenvolvimento “para fora” (primário-exportador), das vantagens comparativas ricardianas3,
pelo modelo de substituição de importações cepalino (industrialização dependente), assentado
na tese da deterioração dos termos de troca4. A industrialização dependente só consegue se
consolidar através da ampliação do consumo das camadas médias e do esforço para aumentar
a mais-valia absoluta e relativa (superexploração do trabalho), condição necessária para
baratear as mercadorias, configurando, portanto, um modelo de demanda efetiva incompleto
(MARINI, 2000).
O processo de expansão mundial não ocorreu de forma simultânea no núcleo dos países
avançados e muito menos ainda nos países periféricos da América Latina. Na verdade, os
EUA, pelas suas condições econômicas e materiais hegemônicas no final da segunda guerra
mundial, saíram na frente no processo de expansão, provocando um crescimento
temporalmente desigual entre os Estados Unidos, Europa e Japão e mais tardiamente alguns
países periféricos (Brasil, México e Argentina). Quando a Europa e o Japão, num primeiro
momento, e alguns países periféricos, num segundo lapso de tempo, atravessam os seus auges
expansionistas a economia doméstica americana já vivencia um processo de declínio relativo.
Essa dinâmica mundial diacrônica garantiu a contínua vitalidade das forças dominantes dentro
dos Estados Unidos, pois o desenvolvimento mais tardio da Europa e do Japão e
posteriormente da América Latina, em relação ao norte-americano, representou oportunidades
de expansão externa para as empresas multinacionais e os bancos americanos, configurando
canais de lucratividade para os seus investimentos diretos (BRENNER, 2003).
Deste modo, o êxito econômico americano estava atrelado ao sucesso de seus concorrentes
e aliados capitalistas. Isto propiciou um maior grau de cooperação e coordenação
internacional - Plano Marshall, sistema financeiro internacional “regulado” e até mesmo
maior conivência com o protecionismo dos estados periféricos aliados - , marcado por altos
níveis de apoio político-econômico dos norte-americanos a seus aliados e concorrentes, ainda
que sob hegemonia dos Estados Unidos. Nesse período a hegemonia americana é exercida
3 Para Ricardo quanto mais livres forem as fronteiras dos estados, mais eficiente seria a alocação do mercado no
âmbito internacional, já que a alocação produtiva nacional dependeria apenas da sua maior produtividade
marginal em determinados produtos com relação aos produtos forâneos. O que engendraria o bem estar no
sentido paretiano através de uma divisão internacional do trabalho benéfica para o conjunto das nações. 4 A tese da deterioração dos termos de troca reverte o argumento, com a idéia de que não apenas a transferência de ganhos não ocorre, mas ocorre, ao contrário, é a transferência dos ganhos de produtividade principalmente do
setor exportador, que era ilha de alta produtividade, em forte contraste com o atraso do restante do sistema
produtivo. das regiões atrasadas às desenvolvidas (BIELSCHOWSKY, 1988).
5
através de um comportamento dual: coercitivo e persuasivo, com o aspecto persuasivo
ocupando maior destaque na política internacional norte-americana (MEYER, 2000).
Essa configuração econômica e política internacional abriu a possibilidade da
industrialização dependente, principalmente do México, Brasil e Argentina, através da
importação de capitais externos, sob a forma de financiamento e de investimentos diretos na
indústria. O afluxo de capitais forâneos, na região, ocorreu em virtude do processo de
concentração do capital em escala mundial, a saber: as grandes corporações financeiras e não-
financeiras estadunidenses e européias tinham em mãos uma abundância de recursos, que
necessitavam de valorização. O que acaba por direcionar o fluxo de capital dessas empresas
para os países periféricos de maneira preferencial para o setor industrial.
O mecanismo de superexploração do trabalho na indústria periférica articulado com a
necessidade de exportar, por parte dos países centrais, equipamentos e maquinários, que já
eram obsoletos antes de terem sido amortizados completamente, em virtude do acelerado
progresso técnico, garantia possibilidades de atraentes lucro para o capital forâneo que
investisse no setor industrial dos países periféricos. Na verdade, verifica-se que “a
industrialização latino-americana corresponde assim a uma nova divisão internacional do
trabalho, em cujo âmbito se transferem aos países dependentes etapas inferiores da produção
industrial” (MARINI, 2000, p.145).
O desenvolvimento desigual, entre os Estados Unidos, os países centrais (Japão e Europa)
e os países periféricos, resultante do crescimento do comércio e da divisão internacional do
trabalho, o qual, no primeiro momento, possibilitou a expansão econômica dos anos
dourados, começa a apresentar efeitos econômicos desfavoráveis. A partir da segunda metade
da década de 1960, os produtores da Europa ocidental e do Japão começam a suprir frações
cada vez maiores do mercado mundial, inclusive com bens similares àqueles que já eram
produzidos pelos Estados Unidos. “Assim, os bens que eles agora acabaram exportando
tenderam a duplicar, em vez de complementar, os produtos dos titulares americanos nos
mercados existentes, incitando a redundância, o excesso de capacidade e de produção”
(BRENNER, 2003, p.55)
Desde meados da década de 1970, as taxas de acumulação do capital nos países avançados
começaram a apresentar trajetórias de desaceleração, indicando o começo de um excesso de
capacidade e de produção, na medida em que os preços do setor manufatureiro mundial
haviam sido incapazes de crescer de acordo com os salários e os custos de instalação de
equipamentos. Isto ocorreu em virtude da confrontação em preços no mercado mundial, dos
6
produtos americanos, pelos fabricantes localizados em blocos econômicos de
desenvolvimento mais tardio, mais notadamente pelos fabricantes japoneses e alemães.
Com a queda das taxas de acumulação no âmbito da produção, a superestrutura financeira
envereda por uma trajetória de descolamento atrofiado relativamente à esfera produtiva. A
origem desta atrofia deve ser localizada na obstrução encontrada pelo capital para retornar aos
patamares pretéritos da taxa geral de lucros obtidos com a produção de mercadorias. Esta
dificuldade leva o capitalismo a voltar-se preferencialmente para alternativas de lucro
centradas em fundamentos financeiros, primeiro como capitais de empréstimos e, depois,
como capitais voláteis especulativos (“exportação de capitais”), configura-se uma dinâmica de
acumulação predominantemente financeira (BALANCO & PINTO, 2004).
O avanço econômico do Japão e da Alemanha, nos anos 1970, começou a confrontar a
hegemonia econômica estadunidense no pólo capitalista. Ademais, a derrota no Vietnã, a crise
dos mísseis em Cuba e o fortalecimento militar da União Soviética e da China colocaram a
prova a hegemonia geo-política americana. Diante de um quadro que se revelou reticente no
que tange à fixação de novas taxas de expansão da economia e no que se refere à hegemonia
norte-americana, importantes e contraditórias transformações estruturais de grande
envergadura foram introduzidas com o objetivo de reorientar a acumulação, principalmente
do capital americano, articulada com políticas de ampliação do poder norte-americano através
de medidas unilaterais e coercitivas. Tais transformações estão vinculadas à quebra dos
cânones keynesianos, abrindo espaços para a acumulação rentista e para o aumento da
extração de mais-valia tanto relativa, via reestruturação produtiva, quanto absoluta, por meio
da flexibilização do trabalho.
A partir de meados da década de 1970 o governo norte-americano adotou diversas
medidas políticas que buscando consolidar sua posição central no sistema, qual seja, o
aumento da mobilidade de capital para financiar os déficits de seu balanço de pagamento
através do crescimento da emissão de títulos da dívida pública do Tesouro. Isto facilitou seus
planos para a economia doméstica (crescimento da demanda) e, ao mesmo tempo, fortaleceu
os interesses financeiros domésticos dos principais bancos de Nova York. O ponto culminante
dessas políticas foi a elevação ingente das taxas de juros americanas (“diplomacia do dólar
forte5”), imposta por Paul Volker, no ano de 1979, que teve como objetivo estratégico
enquadrar os países sócios e os principais competidores econômicos do mundo capitalista. É
5 “O enfraquecimento do dólar como padrão monetário internacional obrigou os Estados Unidos a um exercício
extremo de poder, concentrando na defesa da função de reserva universal de sua moeda nacional”
(BELLUZZO & ALMEIDA, 2002, p.11)
7
importante perceber que essa reorientação da política de retomada da hegemonia americana
associa-se à luta entre as frações de classes dominantes no espaço intra-estatal americano e,
por conseguinte, materializa a hegemonia da alta finança.
A política Volker praticamente decretou o default da maioria dos países latino-
americanos na década de 1980. Os países da região, em sua maioria, tinham contraído
empréstimos, ao longo dos anos 1970, aproveitando a liquidez financeira do mercado
internacional, passando a priorizar o endividamento como estratégia principal de
desenvolvimento econômico. No final desse período a região ingressou num regime de
financiamento Ponzi6, que, naturalmente, caracteriza-se pela extrema fragilidade a choques
externos. Acontece que a montanha de dinheiro, que fluiu para a região, foi contratada para
começar a vencer em períodos relativamente curtos e a taxas de juros flutuantes (LIBOR e
prime rate americana). Evidentemente, com o choque externo do aumento ingente das taxas
de juros internacionais, em 1979, estes países não foram capazes de viabilizar excedentes
necessários ao pagamento regular do serviço da dívida. Esse choque provocou, sobretudo para
os países endividados, a assunção de crises cambiais e fiscais intensas, associadas à iminência
do desmoronamento de seus respectivos sistemas nacionais (BELLUZZO & ALMEIDA,
2002).
Nesse contexto de crise estrutural materializam-se, na maioria das economias capitalistas
avançadas e, principalmente, periféricas, nos anos 1980 e 1990, uma desaceleração acentuada
dos índices de investimento e de produtividade, um declínio dos salários reais, uma elevação
relevante dos índices de desemprego e uma sucessão de recessões e crises financeiras, o que
acabou por se refletir num baixo dinamismo econômico, de grande parte das economias
avançadas e periféricas nesse período7. Gerou assim, como conseqüências típicas dos
processos recessivos, resultados sociais amplamente negativos. Essa nova dinâmica da
acumulação provocou uma intensificação do conflito político-econômico internacional dos
países capitalista avançados frente a um mercado mundial de crescimento econômico muito
mais lento, em especial quanto às regulamentações para o investimento, o comércio e o
dinheiro internacional.
Estas transformações estruturais de grande envergadura alçaram o capitalismo a um novo
patamar conhecido como globalização. A partir desse momento, anos 80, os países da
6 Segundo Minsky essa etapa corresponde ao processo de endividamento em que a tomada de novos créditos
decorreu da necessidade de se cobrir o serviço da dívida passada. 7 Entre os países avançados a desaceleração dos níveis de atividade tornou-se a regra neste período, a exceção
fica por conta dos EUA, em virtude de sua posição hegemônica no sistema capitalista. Esta manutenção do nível
de atividade americana é oriunda de seus ganhos de corretagem sobre o capital financeiro nacional e
internacional e das políticas keynesianas parciais configuradas a partir de gastos bélicos.
8
América Latina adentraram numa fase denominada de “década perdida”, passando a vivenciar
profundas mudanças, as quais, na maior parte das vezes, representaram um aumento da
vulnerabilidade econômica e da ampliação do quadro social amplamente desigual conhecido
desde a superação do período colonial. Avaliada por qualquer indicador de desempenho
econômico, a década revela um quadro de crise profunda e persistente. A cristalização deste
quadro deletério deu-se mediante a fixação de um processo estrutural de reprodução da
dependência e da crise associado ao endividamento, o qual representou a colocação em
prática pelos países centrais de medidas voltadas para o enfrentamento da queda da
lucratividade associadas à acumulação rentista e ao aumento da exploração do trabalho.
Não demorou muito para a América Latina sentir o impacto da política internacional
americana. Foi um nocaute atrás do outro! O primeiro grande país da região a cair foi o
México que decretou a moratória em 1984. Os efeitos da queda mexicana fragilizaram os
outros países latinos, já que, com a decretação do default, minguaram ainda mais os fluxos
financeiros para a região. Entre 1984 e 1989 o saldo da conta capitais em porcentagem do PIB
na região – média entre Colômbia, Chile, Peru, Argentina, México e Brasil – foi negativo em
1,6%. Logo toda a região foi guiada à crise no balanço de pagamentos, aprofundada pela
recessão mundial, e a ampliação da deterioração dos termos de troca. Diante dessa restrição
de capitais, quase toda região teve que buscar empréstimos junto ao FMI e Banco Mundial. A
contrapartida requerida por estas instituições foi a implementação de políticas econômicas8
voltadas a exportação. Na verdade, estas políticas tinham com único propósito criar receitas
em divisas estrangeiras necessárias ao pagamento do serviço da dívida. Vale ressaltar que o
pagamento dos juros aos credores absorveu uma parcela significativa da elevação das
exportações nos anos 80. Com a deterioração dos termos de troca, em especial, nas
commodities agrícolas e industriais, verificou-se uma corrosão dos esforços exportadores,
pós-85, realizados na região.
O esforço exportador foi viabilizado a partir da implementação de recessão econômica de
longo alcance. Os grandes países latino-americanos, Argentina, Brasil e México, em
diferentes momentos dos anos 1980, vivenciaram crises internas agudas cujas características
principais foram recessões e nível de inflação galopante. Entrementes, no geral, embora
tivessem parcialmente superado os efeitos mais deletérios, a dura realidade do endividamento
8 As políticas implementadas apresentaram as seguintes diretrizes: i) políticas fiscais e monetárias restritivas; ii) redução do salário real. Estes dois elementos provocaram a redução do consumo e do investimento; iii)
desvalorizações cambiais, como uma forma de incentivar as exportações e diminuir as importações. Para tanto,
foram realizadas maxi desvalorizações cambiais, em vários países da região, que tiveram como efeito negativo a
elevação das taxas de inflação.
9
já se tornara estrutural. “Nesta altura, a dependência crucial dos capitais de financiamento
para garantir a reprodutibilidade da própria dívida, e possibilitar pequenos períodos de
recuperação limitada, constituíra-se como inexorável e seria decisivo no novo ambiente que
se formaria entre o final dos anos 80 e início dos anos 90 do século passado” (BALANCO &
PINTO & MILANI, 2003, p. 05).
As crises que se sucederam em diversos países da região serviram como uma
pavimentação social para uma assunção social do modelo de desenvolvimento liberal na
década de 1990. Os ajustes macroeconômicos heterodoxos, da década de oitenta, não
conseguiram compatibilizar o ajustamento do balanço de pagamento e a reordenação das
finanças públicas. Na verdade, o conflito distributivo, que foi modelado pelo regime
monetário inflacionário dos anos 80, na América Latina, foi a primeira etapa da renúncia da
soberania monetária dos Estados que delegaram, em grande parte, ao FMI e Banco Mundial o
engendramento das políticas econômicas na região, que convergiram para os interesses dos
que enriqueceram com os títulos da dívida. Assim, as políticas neoliberais foram ganhando
legitimidade na sociedade e nas classes hegemônicas financeira de cada país.
O ajustamento dos anos 80, na região, patrocinou a reestruturação corrente e patrimonial
do grande capital; em contraponto, provocou o desequilíbrio do setor público. Deste modo,
esse processo preservou os lucros e o patrimônio do setor privado, como proporcionou o
reequilíbrio em conta corrente. Entrementes, concomitantemente, engendrou o agravamento
das incertezas associadas à alta inflação, à percepção da precariedade da situação cambial, o
aprofundamento da vulnerabilidade do setor público e das empresas estatais (BELLUZZO &
ALMEIDA, 2002).
As políticas monetárias desse período, implementadas para assegurar a continuidade do
pagamento dos serviços da dívida externa, reduziram a nada a esperança que a democracia
poderia modificar de maneira substancial o rumo da história social na América Latina
(PEREIRA, 2001).
O quadro capitalista que passou a ser denominado de globalização foi acelerado nos anos
1990, impulsionado pela vitória inequívoca dos Estados Unidos na disputa bipolar. A derrota
do grande “inimigo totalitário” incitou uma maior agressividade dos países capitalistas
centrais, principalmente dos EUA, visando à integração completa dos países dependentes ao
mercado mundial através da “exportação de capitais”. Nesta oportunidade, o capital-dinheiro
mudara a forma de seu movimento: em vez de empréstimos externos, como assinalado na
década anterior, agora passava-se a privilegiar os investimentos financeiros especulativos de
curto-prazo. Trata-se de uma situação nova. Quando prevalecera o mecanismo dos
10
empréstimos, a remuneração do capital dinheiro era fixada pelas taxas de juros vigentes no
mercado internacional, aquelas determinadas pelas principais praças financeiras, tais como
Londres e Nova York. Além disso, como os empréstimos, teoricamente, representavam o
movimento de entrada de massas de capitais para dentro dos estados tomadores por iniciativa
interna (governos e empresas), não havia necessidade de mudanças das normas regulatórias
do mercado financeiro nacional.
O ciclo de absorção de capital externo, iniciado nos anos 1990, apresenta características
particulares, o que contribui, inclusive, para dificultar a prospecção dos riscos envolvidos em
seu momento inicial. Nas décadas de 1970 e 1980 os empréstimos e financiamentos eram as
principais formas de ingresso de capital na América Latina e, portanto, a dívida externa
constituía uma aproximação razoável do passivo externo total dos países da região.
Recentemente, isso já não é mais verdade, uma vez que os investimentos diretos (muitos
vezes resultantes de operações de privatização) ou investimento de portfólio (como por
exemplo aplicações em bolsa de valores) constituem parte substancial do capital que vem do
exterior. Como esses passivos não são contabilizados na dívida externa, os dados referentes ao
estoque e ao serviço da dívida, assim como suas relações com as exportações ou PIB,
subestimam significamente a extensão do problema (NOGUEIRA, 1993) .
Não surpreende, portanto, que o Banco Mundial, o FMI e a OMC, instituições
“supranacionais”, tenham se fortalecido ao longo da década de 1980, uma vez que elas
desempenham funções relevantes para o ajuste integrativo dos espaços mundiais, à luz das
novas condições de produção e reprodução do capital. Para tanto, verifica-se que os
movimentos efetuados por estas instituições estão associados ao capitalismo, enquanto eixo
da esfera econômica; à democracia liberal, no campo político; aos valores culturais coerentes
com a ideologia liberal. Estas linhas devem ser seguidas pelos países que solicitam
empréstimos ou ajuda financeira em momentos de captação de investimentos produtivos ou
crises cambiais (OLIVEIRA, 1998).
Para assegurar a rentabilidade máxima do capital, em sua forma financeira, os EUA
impôs, via Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do
Comércio (OMC), a desregulamentação financeira e os ajustes estruturais, reformas
necessárias à acumulação do capital-dinheiro na sua forma especulativa. Isto conformou um
novo quadro político-econômico que se materializou na aplicação do chamado receituário
neoliberal. Com o intuito de consolidar este ideário, o FMI e o Banco Mundial impõem os
ajustes estruturais aos países que enfrentam dificuldades no balanço de pagamentos. Em
linhas gerais, as principais estratégias das reformas institucionais liberais estão associadas: (a)
11
à liberalização do comércio, à revisão das políticas de preços e à diminuição dos subsídios
com o objetivo de permitir a operacionalização das vantagens comparativas; (b) à eliminação
das restrições ao investimento externo e ao alento a intermediação financeira com taxas de
juros reais positivas com o intento de remover a repressão financeira e fomentar a livre
circulação de capitais; (c) à redefinição do papel do setor público (redução dos programas
sociais universalizantes, eliminação de subsídios aos bens e serviços públicos, políticas
focalizadas, redução do déficit fiscal) (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987).
Além do Banco Mundial e do FMI, as novas formas de integração capitalista se
sustentam, também, através da OMC. Estas instituições formam um tripé “virtuoso” para a
produção e reprodução do capitalista. Após a Rodada Uruguai e a criação da OMC, as
economias nacionais foram obrigadas a adotar uma nova regulação comercial do
investimento, dos serviços e da propriedade intelectual. Essas regras da OMC facilitaram e
facilitam as práticas monopolistas das grandes empresas internacionais, ao mesmo tempo em
que não impedem o protecionismo e a regulação nacional das grandes potências. Verifica-se
claramente que as instituições “supranacionais” viabilizam a instrumentalização do novo
processo integrativo do capital dos espaços mundiais, conformando um processo de
centralização capitalista acelerada, ampliando a concentração do poder econômico e político
num espaço restrito, qual seja, o Estado norte-americano.
III- A inserção passiva latino-américa dos anos 1990: ajustes estruturais neoliberais e a
desarticulação social
A década de 1990 foi marcada por profundas transformações estruturais no âmbito
intra e interestatal, quais sejam, a implosão do mundo socialista, a forte desaceleração das
economias desenvolvidas, a queda relevante das taxas de juros internacionais, a iminente
integração de novos espaços à dinâmica do capital através da reestruturação das dividas
externas, a reestruturação produtiva das multinacionais nos espaços periféricos e a busca
americana de mercado exterior para novos excedentes exportáveis. Neste contexto, os EUA
vêm ampliando sua capacidade autônoma para determinar políticas internas e externas e
estabelecer, através da coerção, a dominação sobre estados nacionais mais débeis. Essa
hegemonia pode ser observada através da imposição por parte dos EUA, aos países devedores,
das chamadas políticas neoliberais. O FMI e o Banco Mundial instrumentalizam a
implantação dos modelos de desenvolvimento liberal nos países periféricos, já que estes são
constrangidos por seu endividamento estrutural. Desta forma, os governos latino-americanos,
12
entre o final dos anos 80 e início dos 90, começaram a aderir aos ajustes estruturais que se
configuram em planos de estabilização econômica e reformas institucionais voltadas,
principalmente, à flexibilização do mercado de trabalho.
As economias dos países centrais, sobretudo o Japão e o Estados Unidos,
atravessaram, no início dos anos 1990, situações econômicas restritivas. Os EUA vivenciaram
uma forte recessão entre 1990-92, enquanto no Japão ocorreu um “estouro” da bolha
especulativa. Isto provocou uma deflação da riqueza mobiliária e imobiliária nos mercados
globalizados. Numa situação como esta os Bancos Centrais desses países reduziram suas taxas
de juros significativamente, buscando equalizar os desequilíbrios correntes e do balanço
patrimonial de empresas, bancos e famílias (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002).
Essas reduções dos juros dos países centrais proporcionaram uma grande elevação da
liquidez internacional. Parte desse capital direcionou-se para a América Latina9, engajando-a
assim em um novo ciclo de absorção de capitais externos, configurando-se como um novo
porto bastante rentável para os capitais forâneos. Isto pode ser considerado uma reviravolta
com relação aos anos 1980, uma vez que a região praticamente não participou da rápida
expansão dos fluxos financeiros na economia internacional daquela década. Na verdade, esse
afluxo de capital, inclusive com períodos de superabundância, potencializa a integração da
região à dinâmica de acumulação do capital. Quer seja como espaço de reprodução da
acumulação fictícia ou como espaço de realização das mercadorias do setor manufatureiro
americano, através do ajuste importador realizado pela América Latina ao longo, de boa parte,
dos anos noventa.
Esse fluxo de capital só foi potencializado a partir da adoção de medidas de abertura
comercial e financeira nos países da região em concomitância com a reestruturação da dívida
através do Plano Brady, o que provocou uma grande guinada nas políticas da região. Além da
abertura aos fluxos de capitais, a dinâmica financeira foi impulsionada pela securitização da
dívida externa utilizando-se a emissão de bônus negociáveis no mercado financeiro americano
e pelas inovações financeiras (derivativos, mercados futuros, etc.). Nesse novo cenário
internacional, a América Latina sai da posição de exportador líquido de capitais para tornar-se
receptor, principalmente, de capitais de curto prazo (hot-money).
Vale destacar que a intensa abertura comercial e financeira, desse período, também está
atrelada à estratégia comercial americana voltada para a recuperação da competitividade das
9 A partir de 1990, o continente se inseriu no mercado internacional como receptor de investimentos de portfólio
e o saldo da conta de capitais foi de 1,4% (UNCTAD, apud MEDEIROS, 1997, p. 293). Desta forma, o crédito
interno, entre 1988 e 1993, aumentou de 22% para 30 % do PIB, enquanto o índice dos preços dos valores
negociados em bolsa incrementou-se mais de três vezes e meia - “efeito riqueza”.
13
suas exportações assentada na desvalorização do dólar em relação ao iene, entre 1992 e 1995
(queda de mais de um terço na relação dólar/iene). Isto constituiu um elemento central para o
entendimento da mudança do contexto macroeconômico dos anos 80 em relação aos anos 90 e
da atual inserção internacional latino-americana (MEDEIROS, 1997; BRENNER, 2003).
O ingresso de capitais na região, portanto, funcionou como elemento chave para a
acumulação do capital forâneo. Pelo lado da acumulação financeira, verificou-se que os
capitais voláteis especulativos foram recompensados com altas taxas de juros (D-D’). A
entrada de capitais, em consonância com a abertura comercial, também possibilitou constantes
equalizações dos déficits em transação corrente provocados pelo aumento das importações.
Isto, conseqüentemente, beneficiou o capital produtivo estrangeiro através da elevação das
exportações para a região. Portanto, o intenso processo de abertura financeira e econômica da
América Latina está associado às estratégias da hegemon voltadas às altas finanças e ao
capital manufatureiro norte-americano.
A grande maioria dos países da região abraçou, se bem que seletivamente e com diferentes
graus de intensidade, os ajustes estruturais, que consistiam, sinteticamente, em privatizações e
desregulamentações, na flexibilização do mercado de trabalho, em diminuição do papel do
Estado e na abertura comercial, como uma nova estratégia alternativa para alavancagem do
desenvolvimento. Assumia-se, portanto, a retórica de que o excessivo intervencionismo
estatal e seus déficits fiscais eram os principais empecilhos para os países latinos adentrarem
numa nova fase de prosperidade. Deste modo, nessa perspectiva, a estabilidade monetária, o
equilíbrio fiscal e a competitividade internacional seriam os elementos para a modernização
da periferia. O modelo de “desenvolvimento” neoliberal aplicado na região assentou-se no
binômio da abertura e da competitividade atrelado à estabilidade inflacionária.
As políticas econômicas, da década de 1980, que tinham como objetivo fulcral garantir
o pagamento dos serviços da dívida através de superávits comerciais recorrentes e elevados,
tiveram como efeito colateral processos hiperinflacionários agudos e violentos no Brasil, na
Argentina e no México, que promoveram uma aguda instabilidade e crise econômica e, por
conseguinte, social. O combate à inflação, na década de 1990, foi a pedra de toque da
construção do modelo neoliberal, uma vez que a sociedade latina, dos mais diversos países,
entendia que os problemas internos estavam associado basicamente à inflação. Os
diagnósticos que levaram às políticas de desregulamentação foram os que atacaram a inflação
como fonte do problema que haviam levado à estagnação econômica, à deterioração dos
serviços estatais e da infra-estrutura do estado e ao empobrecimento generalizado da
população. Os argumentos do imposto inflacionário e do ataque à intervenção econômica
14
estatal, cujo déficit seria a fonte da inflação, ganharam grande aceitação no imaginário
coletivo da população da região. O que, em certa medida, facilitou a aceitação, por parte da
sociedade, da adoção de estratégias liberais de desenvolvimento em quase todo território
latino (SADER, 2003).
Esta aquiescência foi reforçada pela rápida redução da inflação10
na região, associada
ao aumento do crédito proporcionou um círculo virtuoso de aumento do consumo e
crescimento da produção e do emprego. A estabilidade monetária se converteu no principal
bem público da América Latina, garantindo a eleição e reeleição de vários presidentes: Carlos
Menem na Argentina, Fernando Henrique Cardoso no Brasil, Alberto Fujimori no Peru e a
manutenção do partido governista no México. Ademais, os Ministros da Fazenda e
presidentes de bancos centrais que implementaram a austeridade fiscal e monetária foram
saudados como heróis pelos investidores estrangeiros, que trouxeram quantidades de capital
sem precedentes para a região. No entanto, esse crescimento logo se mostrou efêmero, diante
dos problemas surgidos pela própria operacionalização do modelo neoliberal, quais sejam, a
deterioração das contas externas e das finanças públicas e a elevadíssima dependência de
capital especulativo forâneo. Sendo assim, as economias latino-americanas assumiram uma
cara espasmódico ao longo da década de 1990.
A abundância de capitais internacionais, provocada pelas políticas monetárias menos
restritivas dos países centrais, viabilizou a implantação dos modelos liberais na Argentina, no
México e no Brasil. Vejamos algumas características especificas da implementação desse
modelo nas maiores economias da região.
No México a gravidade da crise da dívida adiou o início das reformas liberalizantes
salvo o programa de desestatização. As reformas se iniciam no período 1983-1988, sendo
aprofundadas, entre 1989 e 1995, com assunção no Governo do tecnocrata Salina que
governou o México, entre 1988 e 1994, imbuído da missão de concluir a abertura e a
desregulamentação, e de consolidar a integração da economia mexicana à dos EUA, com a
inserção do país à NAFTA. Alçando assim o México ao “Primeiro Mundo”! As privatizações
foram conduzidas gradualmente, tendo em vista a difícil negociação com trabalhadores,
sindicatos e Congresso, para obter emendas constitucionais e novas leis que fossem retirando
da exclusividade do Estado ou do capital nacional em atividades econômicas. A consolidação
da abertura comercial, em 1987, e a valorização cambial a partir de 1988 formaram as vigas
10
As políticas econômicas ortodoxas conseguiram alcançar seu intento monetário: conter a inflação. No México
a inflação de reduziu de 60,9%, na média entre 1980-95, para 5,1% em 1995. No Brasil e na Argentina essa
redução foi ainda maior, de 2.862,4%, em 1990, para 6%, em 1995, e de 2.314,%, em 1990, para 3,4 %, em
1995, respectivamente. (CEPAL, 2003)
15
mestras para a política de estabilização praticada entre 1987 e 1989. A desregulamentação
financeira e as crescentes entradas de capitais de curto prazo expandiram o crédito ao setor
privado, financiando as crescentes importações, privatizações e a especulação bursátil. A
integração mexicana à NAFTA, atrelou o país, cada vez mais, à dinâmica da economia norte-
americana, como um departamento de produção no exterior, em incessante busca de trabalho
barato. O modelo de reestruturação produtiva adotada, implicou, num primeiro momento, na
desestruturação de partes da cadeia produtiva. Num momento seguinte, a reestruturação feita
sob o comando do capital internacional assentado nas maquiladoras (a legislação mexicana
permite que sejam controladas em até 100% por capital estrangeiro) substitui, com
importações crescentes, o que antes era fornecido pela produção interna (CANO, 2000).
Na Argentina hiperinflação de 1989 consubstanciava um processo de desorganização
econômica e social, a saber: produção paralisada, redução drásticas dos salários reais,
incremento da miséria e do descontentamento social. Na campanha eleitoral Carlos Menem
assume um programa tipicamente peronista de incremento salarial e da revolução produtiva.
Após sua vitória eleitoral Menem muda radicalmente este programa e implementa o mais
severo programa de ajuste estrutural da América Latina, uma “terapia de choque” ao estilo
monetário ortodoxo de Chicago. Em 1991, o Ministro da Economia Domingo Cavalo
implementa o Plano de Conversibilidade, o que limitou as funções do Banco Central a uma
caixa de conversão. Esta política teve como o objetivo essencial garantir o pagamento dos
débitos externos, um interesse que se atrelava fortemente aos interesses financeiros argentinos
e internacionais. A manutenção da Lei de Conversibilidade por mais de dez anos, os
sucessivos ajustes fiscais, as privatizações de todo o patrimônio público, as reduções do valor
dos salários e aposentadorias aprofundaram as dificuldades e jogaram a crise para adiante, que
estoura em 2001.
O Brasil foi um dos últimos países da região a substituir o modelo de Substituição de
Importação pelo modelo de desenvolvimento neoliberal. Isto não acontece por acaso. Na
verdade, entre o final dos anos 1980 e início dos anos 1990, verifica-se um vácuo de poder no
ponto hierárquico mais alto do sistema capitalista brasileiro dependente. Configurando assim,
um disputa de hegemonia interna produtivista e financeira para controlar as estratégias de
desenvolvimento nacional. O Governo Collor foi a representação desse interregno sem
hegemonia consolidada no plano interno. À medida que no Brasil a estratégia liberal vai
ganhando a disputa de poder internamente, configurou-se um novo modelo de
“desenvolvimento” liberal (Plano Real) assentado na abertura e na competitividade, tendo
como suposto da estabilidade inflacionária. Na década de 1990, verificou-se uma mudança
16
desfavorável no padrão de comércio internacional, qual seja, a perda de competitividade das
exportações manufatureiras e a expansão das exportações de produtos agrícolas, refletindo na
reprimarização das exportações. Os ganhos de competitividade brasileiros foram associados à
expansão dos produtos agrícolas tendem, inclusive, a significar uma incerteza crítica no
processo de ajustamento das contas externas, uma vez que se amplia a deterioração dos
termos das trocas comerciais. Para Gonçalves (2000, p. 118), o baixo dinamismo das
exportações manufatureiras, na década de 1990, demonstra o “desmantelamento do aparelho
produtivo” atribuído “especialmente à apreciação cambial e às baixas taxas de investimento”.
Do ponto de vista estrutural, na década de 1990, na América Latina, verificou-se uma
mudança desfavorável no padrão do comércio internacional, qual seja, perda de
competitividade das exportações manufatureiras e expansão dos produtos agrícolas para
exportação – o que levou ao aumento da participação dos produtos com baixo valor agregado
nas exportações. Isto acontece fortemente no Brasil e na Argentina e com muito menos
intensidade no México, em virtude das características especificas das maquiladoras na
estrutura produtiva desse país. Os ganhos de competitividade do Brasil e da Argentina
associaram-se à expansão dos produtos agrícolas que tendem, inclusive, a significar uma
incerteza crítica no processo de ajustamento das contas externas, em virtude de uma possível
deterioração dos termos das trocas comerciais. O baixo dinamismo das exportações
manufatureiras nesses dois países, dentre outras coisas, demonstra o desmantelamento do
aparelho produtivo atribuído especialmente à apreciação cambial e às baixas taxas de
investimento (GONÇALVES, 2000; TEUBAL, 2000-2001; SALAMA, 2002 e 2003).
O modelo macroeconômico, com livre mobilidade de capital e câmbio fixo ou quase-
fixo, que foi utilizado na maioria dos países do continente, em boa parte dos anos 90,
apresentava a seguinte dinâmica: a entrada de capitais viabilizada pela liquidez internacional e
pelos spreads exigidos pelos investidores estrangeiros, num primeiro momento, proporciona o
aumento das reservas internas, em virtude do regime cambial. Isto provocaria o aumento do
crédito e da liquidez monetária interna que poderia engendrar um aumento no nível de preço.
Para reverter essa possível situação o Banco Central enxuga a liquidez através da venda de
títulos públicos, políticas de esterilização. Para tanto, faz-se necessário elevar a taxa de juros
com o intuito de atrair compradores para os títulos do Governo. Este processo de esterilização
impacta no aumento da dívida interna e, por conseguinte, provoca a elevação ingente de
pagamento de juros, acentuando o déficit orçamentário. Ademais, com a valorização cambial
17
os países da região criam uma situação de déficits comerciais recorrentes e intensos11
,
provocados pelo incremento do diferencial entre taxa de câmbio real e nominal. Como estes
déficits comerciais e orçamentários foram financiados ao longo da década de 1990? Os
comerciais foram financiados pelo lado da conta de capital e financeira do balanço de
pagamentos através da entrada continua de capital forâneos, em grande monta voláteis. Os
orçamentários foram financiados através da emissão de novos papeis da dívida, apresentando
cada vez mais maior rentabilidade para esse tipo de título. No que tange à questão distributiva,
esse modelo macroeconômico provoca um ingente deslocamento das rendas nacionais para as
frações de classe rentista internas e, sobretudo, internacionais.
Evidentemente, para que esse quadro se tornasse viável, o movimento de entrada e
saída dos capitais nos espaços nacionais teria que ser a mais ampla possível. Daí, o caráter
volátil que o capital-dinheiro passou a ter e, por conseqüência, a ampliação da vulnerabilidade
dos países recebedores destes capitais. Aqui se revela novamente, sob outras condições, o
papel da dívida12
como componente estrutural decisivo. Os novos capitais passavam a entrar
por períodos relativamente curtos, sem compromisso com a alteração da estrutura produtiva
interna, quando muito, os mesmos passavam a ser utilizados para o cumprimento das
obrigações do serviço da dívida externa que continuava como regularidade. Ao mesmo
tempo, praticando a arbitragem, estes capitais, agora especulativos, não tinham prazos nem
critérios definidos para sair e quando o faziam, em função de melhores oportunidades em
outras regiões do planeta, ou por conta da deterioração das contas externas dos países onde se
encontravam, abria-se um ataque especulativo que levou os países latino-americanos a
enfrentarem crises agudas (México 1994, Brasil 1999, e Argentina 2001).
Nesse modelo as taxas de juros reais, que funcionara como instrumento de atração de
capitais forâneos em abundancia naquele momento, assume um caráter basilar. Na medida em
que “garantia” o afluxo de capital. “As taxas reais não podem ser reduzidas abaixo de
determinados limites estabelecidos pelos spreads exigidos pelos investidores estrangeiros
para adquirir e manter em carteira um ativo denominado em moeda fraca, artificialmente
valorizado” (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002, p. 367). Neste contexto, a política de
elevação da taxa de juros, no âmbito interno, é utilizada para conter a inflação e, no espaço
11 As políticas de valorização cambial e a abertura comercial provocaram o aumento da taxa de crescimento das
importações que excedeu notoriamente às das exportações. Entre 1990 e 2000, o déficit comercial, com relação
ao PIB, foi de 0,9% e o déficit da conta capital foi de 2,6% do PIB, ambas em média anual. Isto demonstra o
aumento da vulnerabilidade externa na economia Latino América (CEPAL, 2003). 12
A dívida externa bruta da América Latina saltou de U$ 460,9 para U$ 727,8 bilhões, entre 1991 e 2001. A
Argentina e o Brasil desembolsaram mais de 40% de sua riqueza nacional em pagamentos da dívida. Entre 1991
e 2001 a dívida externa bruta desembolsada saltou de 32,3% para 52%, na Argentina, e de 30,4% para 43,4%, no
Brasil
18
externo, para atrair capitais forâneos. O ingresso desses capitais dependeria de projeções das
taxas de juros determinadas pelos mercados, o que acaba por reduzir a capacidade de gestão
monetária dos Estados nacionais, já que uma expectativa de redução das taxas de juros ou de
outras medidas que reduzam lucratividade bursátil, tenderia a consubstanciar crise financeira.
Comprometendo assim a possibilidade de crescimento econômico consistente na região.
Esses movimentos, de curto prazo, de aceleração e desaceleração da economia latino-
americana, foram uma característica recorrente nas economias da região. Nem mesmo as
mudanças dos regimes cambiais, nem as políticas de metas inflacionárias, nem os regimes
fiscais mais draconianos, engendrados no final dos anos 1990 e início dos 2000, conseguiram
reverter, de forma estrutural, a vulnerabilidade externa e a fragilidade financeira do setor
público nos países da região. A experiência vem demonstrando que o câmbio flutuante, apesar
de atenuar os efeitos internos das crises cambiais, não tem conseguido insular a política
monetária e dar-lhe uma maior autonomia; a cada ataque especulativo contra as moedas
locais, as autoridades monetárias, tanto em função da fuga de capitais quanto de seus
impactos sobre a inflação, terminam por elevar a taxa de juros, com todas as conseqüências
conhecidas sobre o nível de atividade, do emprego, da renda e da dívida pública
(CARVALHO, 2003; CARNEIRO, 2003; FILGUEIRAS & PINTO, 2003).
Os países dependentes ficam agora prisioneiros de dois movimentos: a continuidade
do pagamento do serviço da dívida e, ao mesmo tempo, a remuneração generosa do capital
estrangeiro especulativo. Para isso foram obrigados a encaminhar políticas de ajuste
macroeconômico cujas principais características foram os combates violentos a inflação
mediante medidas restritivas da atividade interna, o crescimento do endividamento interno por
conta da oferta de títulos públicos a juros estratosféricos e, não menos importante, a adoção de
regimes cambiais fixos ou quase-fixos voltados para a valorização das moedas nacionais
frente ao dólar. Estes três fatores combinados constituem uma garantia de que os capitais
especulativos serão remunerados a taxas de juros reais as mais amplas possíveis. Portanto, o
combate à inflação, via recessão e mediante a sobrevalorização cambial, esteve voltado,
sobretudo, para a viabilização desta rentabilidade excepcional. A América Latina, na década
de 1990, se integra a dinâmica de valorização do capital, por um lado, sob um circuito
financeiro/fictício (D-D’) e, por outro lado, como um espaço de realização das mercadorias
dos países industrializados.
Em suma, os ajustes estruturais implantados na maioria dos países latino-americanos
proporcionaram “enormes transferências de renda, poder e riqueza para o establishment
político e econômico”. Implicando a “marginalização e exclusão da maioria da população” e a
19
desvalorização das políticas sociais universalizantes (TEUBAL, 2000-2001, p. 461). Estas
medidas políticas liberais provocam um incremento na exploração do trabalho, evidenciado
através da redução dos salários reais dos grupos de rendimentos mais baixos, uma maior
regressividade na distribuição da renda e a elevação do desemprego em suas várias formas.
Conformando um modelo desenvolvimento neoliberal definido como desarticulado
setorialmente e socialmente 13
.
Os programas de ajustes estruturais na América Latina, em certa medida, não
apresentaram como componente principal o avanço tecnológico, que provocaria o aumento da
taxa de mais-valia relativa. Na verdade, a busca pela lucratividade, no âmbito produtivo, na
região, esteve assentado no incremento da taxa de mais-valia absoluta, que se vinculou à
redução dos salários reais. Engendrado pelo processo de flexibilização. Não obstante, tanto a
taxa de mais-valia relativa quanto à taxa de mais-valia absoluta podem ser engendradas
concomitantemente (TEUBAL, 2000-2001).
Com a acumulação regional assentada na flexibilização do mercado de trabalho e na
valorização fictícia, materializa-se um aumento da heterogeneidade no continente, tanto
interno a cada país quanto à diferentes países, pois a renda vem sendo distribuída de forma
cada vez mais regressiva. Deste modo, a desigualdade, nos países latino-americanos, se
acentuou14
, tanto nos que tiveram êxito nos ajustes estruturais quanto nos menos exitosos. O
abismo entre os mais abastados e os mais pobres cresceu de forma acentuada mesmo tendo
13 O conceito de desarticulação vincula-se à dissociação da demanda originária da renda salarial a dinâmica
econômica, que se volta às exportações ou ao consumo de grupos de rendas médias e mais elevadas. Essa
dinâmica tende a retroalimentar-se ainda mais, ampliando as desigualdades de renda. Nessa estrutura, de
desarticulação o salário deixa de ser a alavancagem do crescimento, o que tende a provocar uma queda nos
rendimentos salariais e uma elevação do desemprego. Ademais essa dinâmica pode provocar o
desbalanceamento entre o departamento de produção e consumo dentro do país. Sendo assim, o conceito de
“(des)articulação social setorial”, que ainda não foi delimitado completamente, “refers to the degree or rate de
exploitation prevailing in different economies [taxa de mais-valia relativa ou absoluta que depende da luta de
classe] (...) and also includes important demand elements [principalmente a renda salarial no modelo construído por Kalecki] (…) that influences the industrial structure of the economy” (TEUBAL, 2000-2001, p.463). 14 A distribuição da renda encontra-se em níveis piores hoje, na maioria dos países do continente, do que nas
décadas de 80 e 90. Segundo a Cepal (2003), os 20% mais pobres e os 20% mais ricos da população detinham,
respectivamente, em porcentagem da renda total: na Argentina, 6,8 e 45,3, em 1980, e 6,0 e 56,0 no ano de 1999;
no Brasil, 3,3 e 59,2 , em 1980, e 3,5 e 61,9, em 1999. Neste país, apesar de certa melhora na renda dos mais
pobres, ocorreu um aumento na renda dos mais ricos, com um provável descolamento de renda das classes
médias brasileiras para as classes mais pobres e mais ricas, o que não se configura como melhor forma para
obtenção de equidade na renda; 7,8 e 41,2, em 1984, e 6,7 e 49,0, em 2000, no México, uma das piores
evoluções na distribuição de renda, só perdendo para a Venezuela. Uma das poucas exceções foi o Chile e a
Colômbia que lograram uma melhora dos índices de equidade social. No conjunto da América latina a herança
da desigualdade social e suas conseqüências continuam sendo levadas às futuras gerações. A pobreza e a
indigência da população urbana, entre 1994 e 1999, diminuiu de 32% e 12% para, respectivamente, 30% e 9%. Embora se perceba uma pequena melhoria neste período, a pobreza ainda manteve-se muito acima dos níveis de
1980 (25% e 9%), enquanto a indigência urbana se manteve na mesma posição. Com a população rural, o quadro
é ainda pior: entre 1994 e 1999, a pobreza e a indigência caíram de 56% para 54% e de 34% para 31%,
respectivamente; em relação a 1990, ambas também pioraram (CEPAL, 2003).
20
ocorrido maior crescimento do produto e recuperações parciais de salários em alguns dos
países latino-americanos que adotaram as políticas liberalizantes. Dentre os países principais,
a evolução do salário mínimo real urbano mostrou a superação dos níveis salariais de 1990 -
com exceção do México e Uruguai. Entrementes, no cotejo entre os níveis de 1980 e de 2000,
encontrou-se reduções significativas: no Brasil (-5,42%), na Argentina (-32,80%), na
Venezuela (-98,47%), no México (-235,27%) e no Peru (-460,51%) (CEPAL, 2003).
O baixo crescimento econômico, juntamente com abertura comercial, as privatizações das
empresas estatais e a fragilização dos sindicatos, na América latina, implicaram diretamente e
indiretamente no aumento das taxas de desemprego e contribuíram para a desestruturação do
mercado de trabalho15
, com a substituição de ocupações mais estáveis e de melhor qualidade
por outras mais precárias. O que existe subjacente a este processo é a busca por parte das
empresas multinacionais, aqui implantadas, em aumentar a taxa de exploração do trabalho,
mais-valia relativa e absoluta, viabilizada pela flexibilização do mercado de trabalho na
América Latina.
Nesse contexto, de aumento do desemprego e queda da renda das famílias, em
justaposição com a piora dos serviços públicos sociais (saúde e educação, principalmente) que
vêm se configurando, no decurso dos últimos vintes anos, na América latina, conforma uma
contra-face de profunda deterioração social hodiernamente associada à prostituição, à
violência, ao tráfico e à corrupção que atinge praticamente todo os espaços urbanos e parte do
rural da América Latina, variando apenas em grau entre diferentes países (CANO, 2000).
V – Conclusão
Na análise aqui efetivada procuramos identificar as razões que conduziram à posição
degenerescente trilhada pela América Latina desde os anos 70 do século passado. E as razões
profundas explicativas dessa situação só podem ser descortinadas se procedermos a uma
15 A taxa de desemprego urbano aberto, em média ponderada, da América Latina, ao longo da década de 80, se
reduz de 6,1 a 5,8, entre 1980 e 1990 apesar de todo colapso das várias políticas macroeconômicas e da crise do
endividamento na região. No decorrer dos anos 90 a taxa de desemprego eleva-se, de 5,8 para 8,4, no cotejo
entre 1990 em 2001, confirmando que as políticas neoliberais tendem a acentuar o desemprego, seja pelo seu
aspecto estrutural, seja pela sua dimensão conjuntural. A maior era a da Argentina (passa de 2,6 em 1980 para
7,4 em 1990, e mais do que dobra, 17,4, em 2001); vale ressaltar que este foi o país que implementou de forma
mais intensa o ajuste; a do México, embora fosse uma das mais baixas (por problemas metodológicos), cai de 4,5
em 1980 para 2,7 em 1990, mantendo-se praticamente estável 2,5 em 2001; a taxa do Brasil, também apresenta
problemas metodológicos15, passa de 6,3 em 1980 para 4,3 em 1990, elevando-se para 6,2 em 2001. A queda do desemprego no México e a certa estabilidade do Brasil são explicadas em grande parte pela violenta precarização
e informalização dos seus mercados de trabalho, na medida em que se empregam cada vez mais pessoas sem
vinculo empregatício e com relações de trabalhos precários.
21
análise totalizadora na qual a América Latina seja compreendida como parte inelutável do
sistema capitalista internacional. Dessa forma, podemos concluir que o quadro econômico e
social presenciado nos países latino-americanos, de forma quase homogênea, nada mais
significa do que a expressão das novas formas de valorização do capital.
Vale ressaltar que essa nova dinâmica está associada às transformações nas relações de
poder entre países centrais e periféricos. Quer dizer que os EUA, que desde meados dos anos
1980 tem procurado reforçar sua posição de centro hegemônico, o fizeram em bases político-
militares mais profundas e restritivas depois da derrocada da União Soviética e, mais
recentemente, após o atentado de 11 de setembro de 2001. Essa ação corresponde à imposição
de um dispositivo imperialista inerente ao enfrentamento da crise.
Assim, como parte deste processo, o envolvimento da América Latina na operação de
salvamento dos capitalismos centrais deu-se através da constituição de um endividamento ao
mesmo tempo crônico e estrutural. Ocorreu, então, o aprofundamento da integração da
América Latina através da retomada das “exportações de capitais” dos países centrais para os
países dependentes, as quais adquiriram duas formas, a saber, primeiramente, os empréstimos
externos e, depois, já no limiar dos anos 90, os movimentos de capitais especulativos e
voláteis.
A impossibilidade de desatrelar-se deste endividamento permanente foi cristalizada
mediante a aplicação de políticas de ajuste macroeconômico e de corte neoliberal emanadas
dos países centrais, medidas que garantiram a reprodução do endividamento como elemento
estrutural dessa nova dinâmica.
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TEUBAL, Miguel. Structural adjustment and social desarticulation: the case of Argentina.
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Anexos
Tabela 1 – Taxa de Lucro, PIB, Estoque de Capital, Salário Real e Taxa de desemprego
dos países centrais
Fonte: Brenner (2003, p. 46)
Tabela 2 – Evolução do PIB e da Dívida Externa Bruta desembolsada (Brasil, México e
Argentina)
Evolução do PIB Dívida Externa Bruta Desenb. (milhões U$)
México Brasil Agentina Brasil Agentina
1980-1990 1,9 1,6 -0,7 - -
1990 5,1 -4,6 -2,0 123.439 622.233
1991 4,2 1,0 10,6 115.096 61.334
1992 3,7 -0,3 9,6 123.439 62.766
1993 1,8 4,5 5,9 123.910 72.209
1994 4,4 6,2 5,8 153 85.656
1995 -6,5 4,2 -2,9 165.447 98.547
1996 -6,1 2,5 5,5 186.561 110.613
1997 6,8 3,1 8,0 208.375 125.052
1998 5,1 0,2 3,8 259.496 141.929
1999 3,6 0,9 -3,4 241.468 145.289
2000 6,7 3,9 -0,8 236.157 146.575
2001 -0,3 1,3 -4,4 226.067 140.214
2002 0,9 1,5 -10,8 227.689 134.174
Empresas privadas
1950-70 1970-93 1950-70 1970-93 1950-70 1970-93 1950-70 1970-93
Taxa de lucro liquida 12,9 9,9 23,2 13,8 21,6 17,2 17,6 13,3
Produção 4,2 2,6 4,5 2,2 9,1 4,1 4,5 2,2
Estoque de capital líq. 3,8 3,0 6,0 2,6 - - - -
Sálario real 2,7 0,0 6,3 2,7 6,3 2,7 - -
Taxa de desemprego 4,2 6,7 2,3 5,7 1,6 2,1 3,1 6,2
ALEMANHA JAPÃO G-7EUA aa
24
Tabela 3 – Formação Bruta de Capital em proporção do PIB (México, Brasil e
Argentina)
Investimento/PIB
México Brasil Agentina
1980 24,2 27,8 28,8
1985 17,5 20,5 17,4
1990 17,9 20,7 14,0
1998 21,5 21,4 20,7
1999 22,3 19,7 18,7
2000 23,1 19,8 17,6
2001 21,9 19,7 15,5
2002 21,3 18,6 11,1
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