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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
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A Interdisciplinaridade Aplicada no Programa Sala de Apoio à Aprendizagem
Noemi Ferreira Felisberto Pereira Universidade Federal da Integração Latino-Americana – noemi.ferreira@unila.edu.br
Tatianne Akaichi
Universidade Estadual de Londrina – tatianne.akaichi@gmail.com
Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade
1 Introdução
A Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED) vem desenvolvendo ações educativas
destinadas a diminuir o índice de repetência e melhorar a qualidade de ensino aos egressos da primeira fase
do Ensino Fundamental. Uma dessas ações foi a criação do Programa Sala de Apoio à Aprendizagem
(PSAA) no ano de 2004, visando atender alunos com dificuldades de aprendizagem nas disciplinas de língua
portuguesa e matemática da 5ª série do Ensino Fundamental.
As Salas de Apoio de Matemática trabalham formas espaciais, operações básicas e elementares de
cálculos, enquanto que as de Língua Portuguesa trabalham conteúdos relacionados à oralidade, à leitura e à
escrita, de acordo com a necessidade e especificidade de cada educando. Os alunos são encaminhados para
as Salas de Apoio depois que o professor regente do turno regular diagnosticar falhas na aprendizagem e
preencher a ficha de encaminhamento disponibilizada pela própria SEED.
Assim, esse estudo surgiu de uma pesquisa que tinha como objeto averiguar a metodologia adotada
no PSSA. Durante a investigação, percebeu-se que, independente da metodologia, o conteúdo era abordado
de maneira diversa, a depender do professor. Ou seja, ainda que fossem disponibilizados os mesmos
suportes, havia docente que adotava procedimentos mais complexos no processo de ensino e aprendizagem -
o que despertou o interesse em estudar a pertinência da interdisciplinaridade no contexto observado.
2 Material e Métodos
Os procedimentos metodológicos utilizados na consecução desse estudo foram: pesquisa
bibliográfica, que teve por objetivos assinalar conceitos e diferentes visões sobre a dificuldade de
aprendizagem e interdisciplinaridade; pesquisa documental, tendo por base as Resoluções nº 007/2011 e nº
371/2008 do Governo do Paraná que criam o Programa Sala de Apoio à Aprendizagem e regulamentam sua
implantação; pesquisa de campo.
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O contexto da pesquisa de campo foi o Colégio Estadual Tancredo de Almeida Neves, situado em
Foz do Iguaçu, mais especificamente as turmas de salas de apoio de língua portuguesa do período matutino e
vespertino durante o segundo semestre de 2010. Importante ressaltar que as turmas da SAA tinham docentes
diferentes e, para manter o anonimato, elas foram identificadas somente com as letras iniciais do primeiro
nome.
Neste estudo, optou-se pela abordagem qualitativa, por ser um aparato pertinente para a investigação,
uma vez que esse tipo de pesquisa enfatiza mais o processo do que o produto. Assim, utilizou-se como
técnicas para captação de dados a observação participante, que consiste na participação real do
conhecimento na vida da comunidade, do grupo ou da situação determinada (Gil, 1999), e a entrevista, pois,
ao lado da observação, ela representa um dos instrumentos básicos para a coleta de dados, dentro da
perspectiva aqui adotada, a qual permite a triangulação dos dados.
3 Dificuldade de Aprendizagem
A dificuldade de aprendizagem, frequentemente, é definida como distúrbios de aprendizagem ou
transtornos de aprendizagem. A maior parte da literatura trata esses termos como sinônimos, apesar de
alguns autores afirmarem que os distúrbios têm uma conotação mais ampla e complexa que vai além da
dificuldade de aprendizado e pode ser considerado até como fator mais ligado a concepções médicas,
significando, por conseguinte, algo patológico. Nesse contexto,
A utilização dos termos distúrbios, problemas e dificuldades de aprendizagem é um dos aspectos menos conclusivos para aqueles que iniciam a formação em Psicopedagogia. Aparentemente os defensores da abordagem comportamental preferem a utilização do termo distúrbio, enquanto os construtivistas parecem ser adeptos do termo dificuldade. Embora aparentemente a distinção feita entre os termos dificuldades e distúrbios de aprendizagem esteja baseada na concepção de que o termo “dificuldade” está mais relacionado a problemas de ordem psicopedagógica e/ou sócio - culturais, ou seja, o problema não está centrado apenas no aluno, sendo que essa visão é mais frequentemente utilizado em uma perspectiva preventiva; por outro lado, o termo “distúrbio” está mais vinculado ao aluno, na medida em que sugere a existência de comprometimento neurológicos em funções corticais específicas, sendo mais utilizado pela perspectiva clínica ou remediativa. (FRANÇA apud NUTTI 2006, p. 1)
Nesse sentido, convém afirmar que os adeptos da Teoria Comportamental preferem empregar a
expressão distúrbios de aprendizagem e os simpatizantes da Teoria Construtivista a dificuldade de
aprendizagem.
Constatando-se que é muito tênue a linha que separa as definições distúrbios de aprendizagem e
dificuldade de aprendizagem, esse trabalho abordará ambos os termos como tendo a mesma roupagem.
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Cabe ressaltar, que nessa pesquisa a dificuldade de aprendizagem não equivale à falta de inteligência,
mas “qualquer dificuldade observável pelo aluno para acompanhar o ritmo de aprendizagem de seus colegas
da mesma faixa etária.” (MARTIN e MARCHES apud COLL et al, 2004 p.24).
De fato, estes autores afirmam que “as dificuldades e os atrasos na aprendizagem não são decorrência
da falta de habilidades intelectuais, comunicativas ou afetivas do aluno, mas são resultados das interações
entre suas características pessoais e os diferentes contextos nos quais o aluno se desenvolve, especialmente a
família e a escola” (COLL, p. 51, 2004).
Logo, percebe-se que é importante também identificar se o contexto social e educacional em que o
aluno está inserido influencia na internalização do conhecimento, ou seja, se a percepção do aprendizado
pelo aluno pode ser prejudicada pelos problemas contextuais externos do cotidiano do aluno.
Historicamente, a criança com dificuldades de aprendizagem era ignorada/excluída no contexto
escolar – e por vezes é – pois ainda existem alguns educadores que a considera a única culpada por não
progredir no processo de ensino-aprendizagem.
Nessa conduta equivocada, esses poucos docentes deixam de promover a integração desse aluno no
grupo escolar agravando as deficiências de aprendizagem que o mesmo já possui. Há que se destacar que a
integração não basta por si só, é necessário que o processo de ensino e aprendizagem contemple as
necessidades educacionais de todo o grupo.
Krepsky (2004, p. 27) afirma “que durante muito tempo a responsabilidade do insucesso escolar foi
imputada fundamentalmente ao aluno”. Essa concepção atribui ao aluno toda a responsabilidade pelos
déficits de aprendizagem e insiste em concentrar o problema ou falhas do aprendizado em situações que
dependia única e exclusivamente de mudanças de atitudes somente do estudante.
Contudo, esse pensamento está ultrapassado e estudos já comprovaram que a metodologia, o
relacionamento professor/aluno, o contexto escolar, entre outros, influenciam o processo de
ensino/aprendizagem sendo, portanto, a dificuldade de aprendizagem consequência resultante de uma soma
de fatores.
Logo, para identificar e sanar os problemas ligados às deficiências de aprendizado, deve-se partir do
pressuposto que é necessário analisar se a prática pedagógica e o conteúdo lecionado é compreensível ao
aluno e se potencializa a internalização do conhecimento.
Não se pode olvidar que deve haver uma busca contínua de melhorias nas ações do processo de
ensino-aprendizagem. Nesse contexto, a interdisciplinaridade se apresenta como um viés a ser investigado e,
se pertinente, aplicado como mola propulsora na superação das dificuldades de aprendigem.
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4 Interdisciplinaridade O termo interdisciplinaridade foi difundido no Brasil, em meados da década de 70, com a
obra “Interdisciplinaridade e a Patologia do saber”, de Hilton Japiassu. Esse autor define interdisciplinaridade como
[...] o nível em que a colaboração entre as diversas disciplinas ou entre os setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações propriamente ditas, isto é, a uma certa reciprocidade nos intercâmbios, de tal forma que, no final do processo interativo, cada disciplina saia enriquecida. Podemos dizer que nos reconhecemos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que ele conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicas, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de faze-los integrarem e convergirem, depois de terem sido comparados e julgados. (JAPIASSU, 1976 apud TRINDADE, 2004)
Partindo dessa visão, a interdisciplinaridade é arquitetada a partir da interação entre
disciplinas, que ao tomarem empréstimos de conceitos e técnicas específicas de cada especialidade, acabam
por construir um novo conhecimento.
No final dos anos 70, surgiu a obra de Ivani Catarina Fazenda, intitulada “Integração e
interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia”. A principal base teórica utilizada pela
autora para elaborar o seu conceito de interdisciplinaridade é Japiassu (1976). Por isso, os pressupostos
teóricos de Fazenda também são baseados nas trocas de saberes, na parceria e no diálogo entre as
disciplinas.
Nesse sentido, a autora define que a “interdisciplinaridade é um termo utilizado para caracterizar a
colaboração entre as diversas disciplinas ou entre setores heterogêneos de uma mesma ciência [...],
caracteriza-se uma por intensa reciprocidade nas trocas, visando um enriquecimento mútuo” (FAZENDA,
1979 apud TRINDADE, 2004).
Outros estudiosos (Frigotto, 2004; Etges, 2004; Follari, 2004; Jantsch, 2004; Bianchett, 2004) trazem
uma definição mais histórica de interdisciplinaridade, e pautam-se e menos na parceria e denominam as
abordagens anteriores como “filosofia do sujeito” e como a-históricas.
Para Jantsch e Bianchett (2004, p. 16 e 17), a produção do conhecimento não estará garantida
somente com o trabalho em parceria, pois, se assim fosse, negar-se-ia a “percepção de que, no diferentes
momentos históricos, a produção da existência e, por decorrência, do conhecimento, processou-se de
diferentes formas e meios, sempre com base nas condições objetivas de cada contexto” (JANTSCH;
BIANCHETT 2004, p. 17). Esses autores ainda salientam que
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Não é, ao nosso ver, uma trabalho em equipe ou em “parceira” que superará a redução subjetivista própria da filosofia do sujeito. Isto posto, podemos dizer que a “interdisciplinaridade” da parceria, ao contrário do que supõem os que se orientam pela filosofia do sujeito, não abarca, ordena e totaliza a realidade supostamente confuso do mundo científico. Ou seja, a fórmula simples do somatório de individualidades ou de “sujeitos” pensantes (indivíduos) – que não apreende a complexidade do problema/objeto – não é milagrosa nem redentora. Muito menos o será o ato de vontade que leva um sujeito pensante a aderir a um “projeto em parceria”. (JANTSCH; BIANCHETT 2004, p. 12)
Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade implica “a constituição do objeto e a compreensão do
mesmo, aceitando-se, com isso, a tensão entre o sujeito pensante e as condições objetivas para o
pensamento.” (JANTSCH; BIANCHETT 2004, p. 11 e 12).
Já para Etges (2004), a interdisciplinaridade é, em primeiro lugar, uma transposição do saber na
exterioridade para as estruturas internas do indivíduo, constituindo o conhecimento. Na concepção do autor,
“o conhecimento é a unidade efetiva do exterior e interior. Ora, este processo de interiorização do exterior
posto é um ato de transposição de um contexto para outro, numa palavra, um ato interdisciplinar.” (ETGES,
2004, p. 73).
Dessa forma, a aplicação da interdisciplinaridade única e exclusivamente com interação entre
conteúdos de distintas disciplinas escolares se revelaria insuficiente para sanar as dificuldades apresentadas
pelo aluno no processo de aprendizagem. Não basta partir apenas do sujeito e do conteúdo que ele deve
internalizar, há que se fazer convergir outros fatores nos quais estão inseridos tanto o sujeito quanto o objeto
determinantes para a formação do conhecimento.
4.1 A interdisciplinaridade e a prática pedagógica
Ainda que a interdisciplinaridade seja conceituada de formas distintas por renomados autores, sua
inserção na prática pedagógica é defendida por todos, tais como Etges (2004), Fazenda (1993), (Frigotto,
2004, Severino, 2004). Para esse último,
A questão na esfera do ensino se torna ainda mais crucial, dado o efeito multiplicador da ação pedagógica. A educação, em todas as suas dimensões, torna ainda mais patente a necessidade da postura interdisciplinar: tanto enquanto objeto de conhecimento e de pesquisa como espaço e mediação de intervenção sociocultural. (SEVERINO, 2004, p. 173)
Nesse diapasão, Frigotto (2004) afirma que, “a necessidade de interdisciplinaridade na produção do
conhecimento funda-se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo, una e diversa e na
natureza intersubjetiva de sua apreensão” (FRIGOTTO, 2004, p. 27). Para ele, a interdisciplinaridade no
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campo educacional não é apenas uma questão de método de investigação ou técnica didática, ainda que se
manifeste enfaticamente neste plano.
Nesse sentido, Etges (2004) afirma que a interdisciplinaridade não poderá jamais consistir na redução
das ciências a um denominador comum, mas ela deve ser um mediador que possibilita a compreensão da
ciência.
Todavia, como bem observa Frigotto (2004),
o limite mais sério, para a prática do trabalho pedagógico interdisciplinar, situa-se na dominância de uma formação fragmentária, positivista e metafísica do educador e de outra nas condições de trabalho (divisão e organização) a que está submetido. [...]. O especialismo na formação e o pragmatismo e o ativismo que impera no trabalho pedagógico constituem-se em resultado e reforço da formação fragmentária e forças que obstaculizam o trabalho interdisciplinar. (FRIGOTTO, 2004 p. 46)
Nesse contexto, a interdisciplinaridade “é contra um saber fragmentado, em migalhas, pulverizado
numa multiplicidade crescente de especialidades [...], contra um divórcio crescente [...] contra o
conformismo das situações adquiridas ou impostas” (JAPIASSU, 1976 apud TRINDADE 2004, p. 73).
Portanto, a superação da visão simplória da interdisciplinaridade, como sendo a redução das
disciplinas a um ponto convergente, requer, necessariamente, a eliminação de problemas estruturais na
formação dos docentes e na divisão e organização da estrutura de ensino na prática pedagógica.
Nesse sentido, pode-se afirmar que um dos pilares do equívoco na formação dos professores está no
estudo compartimentado do conteúdo escolar. Isso é determinante para uma incorreta concepção e projeção
das ações pedagógicas pelo professor.
Por isso que Fazenda (1993) defende a aplicação da interdisciplinaridade como valor a ser observado
na formação geral de educadores, como no meio permitir uma educação permanente.
Absorção do conhecimento é um processo complexo que requer medidas adequadas que sejam
implantadas tendo como pressuposto fundamental as estruturas internas do professor e do aluno, as
condições efetivas para a aquisição do conhecimento. O educador deve conhecer e compreender
adequadamente o objeto, em suas variadas facetas, para só então direcioná-lo ao discente. Pois,
O processo de conhecimento social vem, então marcado pelos interesses, concepções e condições de classe do investigador. O conhecimento não tem como ser produzido de forma neutra [...] é justamente nesse âmbito que percebemos que a interdisciplinaridade na produção do conhecimento é uma necessidade imperativa. (FRIGOTTO, 2004, p. 31)
De fato, a prática pedagógica pode ser otimizada se basear-se na interdisciplinaridade. Devendo essa
ser tomada em sua significação mais ampla, considerando-se o momento histórico; as dificuldades e as
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condições reais de aprendizagem; as especificidades do aluno e do grupo escolar; bem como o grau de
dificuldades do conteúdo, em termos de assimilação.
A integração das diversas competências e a consideração dos variados aspectos sociais que
interferem no processo de ensino-aprendizagem são fatos que devem ser indissociáveis do cenário
pedagógico, arquitetado de modo a ser democrático e acessível a todo o sujeito. Buscando atingir esse
objetivo que o PSAA surgiu como estratégia pública educacional, visando superar obstáculos que se
apresentam no curso da internalização do conhecimento. De todo o exposto, sabendo-se que a
interdisciplinaridade é mola propulsora para eliminar as dificuldades de aprendizagem, convém analisar sua
aplicabilidade nas salas de apoio, o que se faz a seguir.
5 A Interdisciplinaridade e Sala de Apoio à Aprendizagem
O Programa Sala de Apoio à Aprendizagem surgiu a partir da constatação de um conjunto de
situações que afetam diretamente a aquisição do conhecimento: as dificuldades de aprendizagem de crianças
que frequentam as séries finais do Ensino Fundamental.
Assim, o PSAA propõe uma organização diferente do ensino regular, de forma que o processo de
ensino- aprendizagem tem nuances diferentes. A quantidade de alunos por sala de aula é reduzida, há
materiais pedagógicos diversificados e laboratório de informática.
Entretanto, da observação feita na pesquisa de campo, constatou-se que, embora as condições de
trabalho fossem iguais e as especificidades do alunado similares, as docentes empregavam formas
completamente distintas na prática pedagógica. De fato, ainda que ambas tivessem, como eixo norteador, a
pedagogia Histórico-Crítica1, cada docente abordava o conteúdo de maneira diferente.
Observou-se que a docente RA2, no desenvolver de sua aula, instigava a participação do alunado,
numa dimensão dialógica. Segundo ela, em seu plano de aula, essa sopesava as condições histórico-sociais
dos discentes, bem como as características pessoais desses, tais como a timidez, a autoestima, e a
valorização do conhecimento já adquirido por esse.
Nesse cenário de busca de maximização da aprendizagem, pode-se afirmar que
O Ato de ensinar é o processo de transposição do saber posto, é essencialmente um processo de deslocamento do saber para estruturas, que especialmente em estágios que correspondem ao início da vida escolar, agem ao nível de coordenações sensíveis, motoras ou representativas. O processo
1 Nomenclatura elaborada por Demerval Saviani, filósofo da educação que a entende como um ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. 2 Para manter o anonimato as duas docentes envolvidas nesta pesquisa foram identificada somente com as iniciais dos nomes.
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contrário fixa os educandos em seus mundos limitados. É o construto que precisa ser transcodificado em metáfora. O mundo vivido, do análogo, do imediato são contextos que a atividade interdisciplinar precisa atingir, para dissolvê-los e transformá-los em estruturas do pensamento, de ciência, de conhecimento. (ETGES, 2004, p. 77)
Nesse sentido, como salientou essa professora, “é indispensável que o educador crie novos caminhos
para buscar e transmitir com mais criatividade e eficácia o conteúdo tão necessário.” Na perspectiva da
interdisciplinaridade, constatou-se que a educadora procurava tornar o conteúdo didático mais atrativo ao
aluno, menos abstrato e mais significativo.
Através de materiais lúdicos, a professora trabalhava o conteúdo de maneira mais dinâmica e
interativa. Explorava os conhecimentos de outras matérias já internalizados pelo aluno como forma de
facilitar o aprendizado.
A título de exemplo, pode-se citar a utilização de quebra-cabeças, com peças que possuíam duas
faces – uma com dados de gramática e a outra com as operações básicas da matemática: se o aluno não
soubesse como efetuar a separação silábica, poderia chegar à resposta da questão se soubesse o resultado do
cálculo matemático.
Igualmente, ao trabalhar a produção de textos, a docente solicitava aos alunos que contassem fatos
ocorridos em seu bairro, no seu cotidiano. Invocava acontecimentos históricos e geográficos notórios para
que o aluno conseguisse produzir textos a partir de suas próprias experiências e da vivência seus familiares.
Através dessa estratégia, ela conseguia fazer com que os alunos rompessem a barreira do medo e
conseguissem escrever, fazendo o encadeamento lógico de ideias. À medida que os educandos evoluíam na
escrita, ela introduzia aspectos formais da língua portuguesa e os alunos aprendiam com desenvoltura.
A prática de trabalho por meio de textos abordou aspectos gramaticais contextualizados ajudando,
pois, os alunos que são atendidos nas SAA a vencer a visão compartimentada e ampliar a visão de mundo.
Em outras palavras, foi uma forma de ensinar estratégias para o aluno achar os conectivos certos e a
sequência lógica do texto em situações reais do uso da linguagem.
Esse contexto demonstra que o processo de organização pedagógica, didática e metódica deve ser
indissociável da produção e reprodução do conhecimento dos sujeitos sociais envolvidos na aprendizagem.
“O educador tem que aprender a fazer a articulação entre o sujeito que aprende e o sujeito da
aprendizagem.”3 (FRIGOTTO, 2004, p. 46).
Nas palavras da professora RA, o aproveitamento do conhecimento que o aluno já tem, a
consideração do contexto no qual ele está inserido e a prática pedagógica mais flexível tendem a tornar o
3 Grifos do autor
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aprendizado “mais gostoso, fazendo o aluno ter certeza de que ele conseguirá chegar à solução do problema
lhe apresentado em sala de aula. Assim, vamos aumentando o grau de dificuldade e daqui a pouco ele está
participando e fazendo ou buscando fazer tudo o que é proposto.”
Entretanto, as mesmas conclusões não surgiram da observância do trabalho da professora ELI. De
fato, a abordagem do conteúdo era menos complexa e dissociada da efetiva participação do aluno. Não fazia
com que os discentes resgatassem experiências e conhecimentos. Não houve interação com outras
disciplinas ou mesmo exposições que tornassem o aprendizado menos dramático e mais atrativo. O conteúdo
era repassado “em moldes”, limitava-se a demonstrar as especificidades das estruturas formais da língua
portuguesa, mesmo quanto trabalhava com produção de textos. As discussões em sala de aula eram menos
profundas e os alunos participavam em menor grau.
Para ELI, no processo de ensino-aprendizagem, a utilização de “atividades xerocadas, fora do livro
didático, diversifica a estratégia de ensino existente na sala de aula regular”. Todavia, a observação da
dinâmica da aula dessa professora permitiu aferir que, embora os textos apresentados por ela aos alunos
fossem diversos dos existentes no livro didático, a abordagem não extrapola o texto, não agregava outras
informações.
Assim, perceberam-se condutas e visão de mundo bem diferentes nas duas profissionais que atuam
nas SAA, sendo que uma busca transcender a fragmentação do ensino enquanto que a outra entrega o
conteúdo pronto e acabado.
Nesse contexto, é oportuno salientar que o “trabalho interdisciplinar não se efetiva se não formos
capazes de transcender a fragmentação e o plano fenomênico, heranças fortes do empirismo e do
positivismo.” (FRIGOTTO, 2004, p.28)
Assim, a falta de articulação contextualizada do conteúdo, a desconsideração do aluno como sujeito
predisposto a aprender, somados à formação fragmentária do professor, comprometem a superação dos
obstáculos que acarretam a dificuldade de aprendizagem. Deixam-se de lado ferramentas importantes e de
fácil uso na prática pedagógica, entre elas a interdisciplinaridade. Essa implica na articulação de ações
disciplinares que buscam um interesse em comum. Dessa forma, a interdisciplinaridade é uma estratégia
eficaz e uma maneira eficiente de se atingir metas educacionais, tornar acessível o objeto, priorizando o
sujeito no processo de ensino-aprendizagem.
De toda forma, um ensino de qualidade para todos requer “uma ação pedagógica intencional,
sistemática, um trabalho docente planejado” (CANDAU, 1996 p. 167). Nesse sentido, a interdisciplinaridade
se apresenta como uma solução viável, pois faz convergir diversos aspectos, não só estritamente
educacionais, como também histórico-sociais, na disseminação do conhecimento.
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6 Considerações Finais
De todo o exposto, constata-se que, no contexto das Salas de Apoio à Aprendizagem, o termo
interdisciplinaridade deve ser tomado em seu sentido mais amplo, que envolve os sujeitos e a realidade
histórico social na qual estão inseridos. Dessa forma, tendo a interdisciplinaridade, como princípio norteador
da prática pedagógica, é possível a construção de um conhecimento expandido, rompendo a visão fechada e
estanque das disciplinas. Essa conotação permite visualizar a dimensão teórica da interdisciplinaridade
sendo concretizada na prática.
O Programa Salas de Apoio à Aprendizagem é um campo fértil para a postura interdisciplinar, uma
vez que restou evidenciado que essa propicia superação das dificuldades apresentadas pelo alunado. A
interdisciplinaridade - inter-relacionando os saberes de diversas disciplinas - propicia a construção de mapas
mentais pelo educando.
Assim, as ações pedagógicas desenvolvidas na perspectiva interdisciplinar têm uma dimensão
discursiva que potencializa a internalização de saberes e amplia a visão de mundo do discente. E nesse
sentido, a sociedade ganha, já que sob essa vertente, o processo de ensino-aprendizagem torna-se mais
qualificado formando cidadãos críticos e conscientes.
Portanto, resta notório que a interdisciplinaridade, em si, prioriza o sujeito, parte da especificidade
desse para tornar o objeto acessível a ele. Sob essa vertente, não basta apresentar o conteúdo, é preciso
torná-lo compreensível, significativo e menos abstrato ao aluno. A adoção da interdisciplinaridade para luta
contra a dificuldade de aprendizagem não é medida aconselhável, é medida que se impõe, seja por
potencializar o ensino-aprendizagem, seja por tornar o conhecimento mais democrático e acessível.
Referências:
CANDAU, V. M. (org.). Rumo a uma nova didática. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
COLL, C. et al. Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais. Tradução: Fátima Murad. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
ETGES, N. J. Ciência, Interdisciplinaridade e Educação. In: JANTSCH, A. & BIANCHETTI, L. (Org.) Interdisciplinaridade para além da filosofia do sujeito. 7.ed. RJ: Vozes, p. 51-84, 2004.
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FOLLARI, R. Algumas considerações práticas sobre interdisciplinaridade. In: JANTSCH, A. & BIANCHETTI, L. (Org.) Interdisciplinaridade para além da filosofia do sujeito. 7.ed. RJ: Vozes, p. 97-110, 2004.
FAZENDA, I. C. Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1993.
FRIGOTTO, G. A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas ciências sociais. In: JANTSCH, A. & BIANCHETTI, L. (Org.) Interdisciplinaridade para além da filosofia do sujeito. 7.ed. RJ: Vozes, p. 25-49, 2004.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
JANTSCH, A. & BIANCHETTI, L. (Org.) Interdisciplinaridade para além da filosofia do sujeito. 7.ed. RJ: Vozes, p. 11-24, 2004.
KREPSKY, Marina Cruz. Dificuldades de aprendizagem: movimentos discursivos na voz dos alunos. Blumenau, 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, 2004.
NUTTI, J. Z. Distúrbios, transtornos, dificuldades e problemas de aprendizagem: um painel provisório de definições e teorias explicativas. Multiciência (ASSER), v. 7, p. 121-130, 2006.
SEVERINO, A. J. O uno e o Múltiplo: O sentindo antropológico do interdisciplinar. In: JANTSCH, A. & BIANCHETTI, L. (Org.) Interdisciplinaridade para além da filosofia do sujeito. 7.ed. RJ: Vozes, p. 179-175, 2004.
TRINDADE, I. L. A contextualização no novo ensino médio: conhecendo obstáculos e desafios no discurso dos professores de ciências. Belém, 2004. Dissertação (Mestrado em Educação e Ciências e Matemáticas) – Universidade Federal do Pará, 2004.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Resolução nº 371/0. Criar as Salas de Apoio à Aprendizagem, a fim de atender os alunos da 5ª série do Ensino Fundamental, nos estabelecimentos que ofertam esse nível de Ensino, no turno contrário ao qual estão matriculados. Paraná, 2008.
______ Resolução nº 007/2011. Critérios para a abertura da demanda de horas-aula, do suprimento e das atribuições dos profissionais das Salas de Apoio à Aprendizagem do Ensino Fundamental, da Rede Pública Estadual de. Paraná, 2011.
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