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A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL PROCEDIMENTALISTA COMO MEIO DE
CONSTRUÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Newton de Oliveira Lima1
RESUMO: Objetiva-se analisar as possibilidades de instituição de um modelo de
jurisdição constitucional procedimentalista no Brasil, a fim de concretizar direitos
fundamentais dentro de uma visão processualista e democrática e não substancialista de
efetividade dos direitos fundamentais pela jurisdição constitucional.
PALAVRAS-CHAVE : jurisdição constitucional – direitos fundamentais –
procedimentalismo – substancialismo – interpretação democrática
1 PROCESSO CONSTITUCIONAL, CIDADANIA E REALIZABILID ADE DA
JUSTIÇA
1.1 Processualidade e democracia: civismo e institucionalização da política
A fim de proteger os direitos fundamentais do cidadão insertos na Magna Carta,
urge um aprimoramento da proteção jurídico-constitucional dos mesmos, fortalecendo
uma jurisdição constitucional afeita à democratização da sociedade, principalmente
como ação jurídica do cidadão enquanto agente de transformação social.
Assim, a proteção do cidadão pelo direito, e especificamente o direito
constitucional, passa pela questão da renovação das estruturas de poder através da
possibilidade de manuseio de um instrumental garantista previsto na Magna Carta e
orientado com fins a produzir uma jurisdição aberta, participativa, materialmente
democrática, enfim, que somente com essas feições poderá denominar-se cidadã.
A importância do processo constitucional está, assim, assente na possibilidade
do manuseio de um instrumental acessível a qualquer cidadão, e previsto em rol
descritivo no texto constitucional como garantia formal que pode ser concretizável e
exercitável no âmbito de uma cidadania ativa.
1 Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bolsista da CAPES.
Afirma Baracho (2006, p.116): “O cidadão concreto exerce seus direitos e
assume deveres no ambiente político em que realiza práticas sociais. A dinâmica da
cidadania faz-se entendê-la não como um conjunto de valores, de direitos e de deveres
inscritos na Constituição do Estado, mas na prática militante do debate político.”
No intento de sintetizar as condições políticas referentes a essas práticas como o
pluralismo político, o multipartidarismo e a visão geral de um direito oriundo da ligação
com a democracia e o liberalismo, assevera Baracho (2006, p.118): “A participação do
cidadão no poder, como característica da democracia, configura-se pela tomada de
posição concreta na gestão dos negócios da cidade, isto é, no poder. Essa participação é
consagrada através de modalidades, procedimentos e técnicas diferentes.”
Matriz fundante dessa visão processualista sobre a constitucionalidade é a visão
publicista e procedimental de Häberle (1997, p.38), quando assevera que “Democracia
‘é o domínio do cidadão’ (Herreschaft des Burgens), não do Povo, no sentido de
Rousseau. Não haverá retorno a Rousseau. A democracia do cidadão é mais realista do
que a democracia popular (Die Burger-demokratie ist realistischer als die Volks-
Demokratie).”
A matriz processualista na linha de Häberle implica uma visão democrática
sobre a Constituição que incida como um construto de direitos e de instrumentalização
processual de garantias de direitos dentro de uma matriz operante processual: é uma
visão publicista e processualista em suas bases atuacionais. Implica como
desenvolvimento de suas premissas intelectuais estruturantes a construção de uma
cidadania como utilização de um instrumental garantista posto em sua configuração
formal na Carta Constitucional escrita.
Ser cidadão, desenvolvendo a visão de Häberle (1997, p.32), é agir com fulcro
no instrumental posto constitucionalmente, dando-lhe eficácia e atuando como agente
processual constitucional, procurando produzir um discurso jurídico próprio,
implementador de uma interpretação do cidadão sobre as normas e não ser somente um
sujeito-passivo destinatário da interpretação do Estado-juiz.
Um processo de democratização da estrutura jurídica e judiciária passa,
necessariamente, pela construção da cidadania ativa não em termos de ‘luta política’
enquanto representação, nem simplesmente como convivência comunitária em busca de
‘transformações sociais’.
Os comunitaristas de diversos matizes, inclusive os fenômenos em geral do
“direito comunitário”, “direito achado na rua”, são geralmente inconscientes da
processualidade constitucional, pois acreditam que a ação social “consciente” e atuante
possa mudar as instituições de poder, como se o fato de protestos políticos gerassem
ipso factum mudança jurídica. A simples adesão a um projeto político-ideológico não
garante a racionalidade procedimental da institucionalização desse projeto-utópico
enquanto juridicidade, e podem tornar-se meros meios demagógicos de expressão
política ou jurídica (LEAL, 2002, p.79).
Os comunitaristas, então, fundem apressadamente direito e ativismo político,
pois se o primeiro necessita de legitimidade é pela democratização dos métodos e dos
procedimentos de construção e proteção institucional dos direitos subjetivos do cidadão,
e não com atos de caráter predominantemente político ou ideológico que não reflitam
formas de racionalidade jurídica, porquanto nos movimentos sociais existem por vezes
motivações e práticas bem irracionais, ideológicas, para-militares, o que é
explicitamente vedado na Constituição Federal (2007) no art. 5º, inciso XVII.
Metodologicamente, deve-se distinguir entre direito formal-institucionalizado e
direito comunitário. Se esse último for um conjunto de anseio das pessoas oprimidas
que clamam por uma espécie de justiça social, deve-se tentar institucionalizar essa
pretensão jurídica à luz do ordenamento. Todavia, é necessário perscrutar a vontade
dessas pessoas através de um procedimento discursivo de formação de vontade. A
intenção de mudar a realidade social não garante ganho de conscientização, nem
aprimoramento de costumes sociais.
Ora, a democracia é participação consciente em um país realmente consciente
dos valores republicanos. A luta social é importante e uma sociologia jurídica
consciente do dever de transformação deve buscar estudá-las e compreendê-las como,
no mínimo, sintomas de uma reforma social que implique a melhoria estrutural das
condições de existência humana em sociedade.
Incentivar movimentos sociais inconsciente de suas metas e politicamente
irresponsáveis, e por isso mesmo manipulável ideologicamente não faz sentido à luz de
uma visão racional e processual sobre o direito e a política: deve haver a busca da
discussão e da institucionalização racional-procedimental-discursiva dos anseios
jurídicos, não basta o mero reconhecimento do judiciário da “vontade do povo."
Ora, se essa vontade irracional ‘ativista’ mudasse algo, teríamos a muito tempo
mudanças pelo simples fato de haver revoltas: violência não gera mudança estrutural,
gera repressão estatal organizada. Que se façam instâncias de debate público para
esclarecer posições e anseios. Que se instituam instâncias de deliberação púbica:
instrumentos de uma democracia deliberativa e participativa.
O conceito de espaço público é desenvolvido por Habermas (2003, p.149),
quando coloca como premissa crítica básica a visão marxista (partir da análise da visão
política do jovem Karl Marx) de uma instância construída a partir da sociedade
burguesa em crise, da incapacidade da burguesia em instaurar uma instância pública que
gere transformações sociais. A esfera pública burguesa manipula a opinião pública
(HABERMAS, 2003, p.179):
Manipulativo é sobretudo o cálculo sócio-psicológico de ofertas
endereçadas a tendência inconscientes e que provocam reações
previsíveis, sem, por outro lado, poder de algum modo obrigar aqueles
que, assim, se asseguram a concordância plebiscitária: apoiando-se em
parâmetros psicológicos cuidadosamente elaborados e em apelos
experimentalmente comprovados, quer-se que,quanto melhor eles
devam atuar como símbolos da identificação, tanto mais eles percam a
sua correlação com princípios políticos programáticos ou até mesmo
com argumentos objetivos.
Habermas (2003, p.241) coloca que: ‘Perante a esfera pública ampliada, os
próprios debates são estilizados num show. A ‘publicidade’ perde a sua função critica
em favor da função demonstrativa: mesmo os argumentos são pervertidos em símbolos,
aos quais não se pode, por sua vez, responder com argumentos, mas apenas com
identificações.’
Afora o contexto intelectual que Habermas escreveu essas linhas, década de
sessenta para obtenção da livre-docência em Frankfurt e presa ao contexto empírico
alemão que ele pretende alienado de um processo de justificação argumentativa das
posições políticas e dominado pelo “publicitarismo” (HABERMAS, 2003, p.256) e pelo
bombardeamento do indivíduo pela pressão do consumo advinda da indústria cultural
(HABERMAS, 2003, p.284), a tese em geral é válida e retomada por teóricos modernos
e pelo próprio autor em outras obras mais recentes (HABERMAS, 2001, p.141) para
mostrar a insuficiência do conceito de esfera pública na democracia e dos Estados-
nacionais ocidentais no pós-II Guerra Mundial.
Como alternativa para desbastar a alienação da esfera pública pelos discursos
dominantes da mídia mercadológica e do poder político elitista, tem-se que intervir pela
instrumentação do sistema jurídico enquanto espaço de democratização social,
desconstrutor dos discursos dominantes e com capacidade de articulação de um discurso
de confluência das tendências sociais conflitantes e, conseguintemente, como agir
comunicativo na esfera pública, construtora de uma racionalidade lingüística dia-lógica
e não monológica e alienada da comunicação entre as pessoas (HABERMAS, 2002,
p.35).
Para Santos (1988, p.43) a reconstrução da esfera pública, especificando um
desenvolvimento da esfera jurídica, dá-se na estrutura de uma argumentação produzida
como esfera da discursividade tópica (topoí como lugares argumentativos), como
discurso problematizado por uma argumentação participativa, e não abstratizado e
burocratizado em linguagem técnica.
Santos (1988, p.44) critica o processo judicial burguês pelo seu afastamento da
realidade por um molde tecnicista lingüístico, e não de abertura para sínteses analíticas
com os agentes da comunidade, os participantes leigos do processo judicial.
Quanto ao 'direito alternativo', frise-se não se deve pressupor que um juiz possa
de maneira unilateral provocar mudanças em um sentido 'justo", deve-se indagar o que é
justiça para esse juiz; deve-se indagar qual sua procedimentalização discursiva da
matéria posta em discussão, saber se ele exauriu o contraditório e os instrumentos
processuais cabíveis in specie.
O direito alternativo pode, inclusive, gerar conseqüências anti-legais e anti-
constitucionais, pois de sua aplicação podem surtir efeitos de cunho que fira direitos
patrimoniais assegurados expressamente no Código Civil e na própria Constituição,
decisão que levam a construções anti-jurídicas sobre o pretexto de se fazer um direito
“social.”
Querer fazer justiça sem método discursivo e processual-racional de análise da
matéria é puro irracionalismo. Justiça é ‘justeza e justificação’ enquanto metodologia
racional circunscrita de uma problemática concreta, como apregoa Kolm (2000, p.7).
Querer ser o juiz um deus ex machina do processo, não leva a uma
institucionalização da justiça como procedimento democrático: uma 'jurisdição
salvadora' não é solução de salvaguarda democrática nem de transformação social.
Rosemiro Leal, em sua teoria neoinstitucionalista do processo, assevera que não
há ‘jusrisdição salvadora’: existem procedimentos discursivos implementáveis que
podem concretizar a democracia prevista constitucionalmente e construída
discursivamente. Inflar de poderes uma "jurisdição alternativa” é uma forma de "direito
livre" que pode criar uma cultura de subversão da legalidade e da própria
constitucionalidade em prol de fins justos e éticos que no fundo não são construídos
democraticamente, mas milagrosamente por iluminados, por 'dadores de sentidos' tal
quais pitonisas antigas que adivinham o justo (LEAL, 2002, p.104).
Jean Baudrillard (2003, p.55), pensador francês, também não acredita na
convivência como meio de efetividade de transformações sociais. Para ele a mediação
de sentido dos signos dominantes fulminou a idéia de espaço público, o que impede de
se reconstrua a legitimidade da democracia enquanto fonte de poder a partir da idéia de
‘massa’ (BAUDRILLARD, 1996, p.5).
Assim, tanto o uso ‘alternativo’ do direito como o ‘direito comunitário’, como
preconizado por algumas correntes de pensamento jurídico “progressistas” deve ser
concebido com bastante cautela e está passível de acuradas críticas.
Como saída a esse caos da representação política e conseguintemente da crise de
legitimidade em que se encontra a sociedade política, e que já contamina a esfera
jurídica, propõe esse modelo da cidadania participativa enquanto processualidade
jurídico-democrática.
A consciência da capacidade de instrumentação das garantias processuais
constitucionais pelo cidadão é a mais segura politicamente, a mais legítima
juridicamente e a mais eficaz materialmente forma de concretizar os direitos
constitucionais, produzir novos direitos a partir da interpretação constitucional e refazer
a sistemática de garantias e direitos subjetivos pela instrumentação de enquadramento
processual-democrático e jurídico-constitucional, publicizadora da construção de
direitos em uma ordem jurídica democrática.
Como asserta Pierre Bourdieu (2005, p.252), o campo publicista (ao contrário do
direito privado que é essencialmente capitalista) congrega a defesa premente de uma
visão social do direito, desconstrutora das ideologias de dominação, do poder simbólico
de um direito reprodutor de um sistema social excludente da maioria dos cidadãos dos
centros de manuseio do discurso e do instrumental processual jurídicos, sendo, assim,
fundamentalmente injusto.
A noção de inserção no Brasil da construction (construção), enquanto método
hermenêutico-constitucional de construção de direitos fundamentais, implica no
reconhecimento de uma não só atividade criativa e protetora da jurisdição
constitucional, mas outrossim, da configuração de espaço de dialogicidade
processualizada, isto é, da efetivação de uma linguajem jurídica que consiga revelar a
concreção fundamental da dos valores sociais de uma maneira a transformá-la não em
uma revelação de sentido simplesmente hermenêutica de um conteúdo qualquer
(metafísico, sentimental ou cultural pressuposto), mas em uma construção
processualizada, ao máximo participativa, com abertura crítica para todo cidadão atuar
como intérprete da Constituição, como asserta Rosemiro Leal (2002, p.171).
Cidadania com eficácia jurídica, sobremodo de um ponto de vista constitucional
processual, o exercício de efetivação do instrumental constitucional processual. É a
busca de uma justiça “processual” exercida enquanto cidadania ativa, trabalhando com
os instrumentais postos a disposição na lei: somente assim a justiça torna-se um
conceito de poliarquia moral e racional circunscrita, efetivada mediante um método de
justeza e justificação (KOLM, 2000, p.46).
O fato é que, sintetizando o até aqui estudado, pode-se dizer que uma
democracia fundada na publicização como fiscalização do cidadão constantemente
exercida, origina-se do próprio caráter “público” e “fiscalizador” do conhecimento em
Karl Popper (LEAL, 2002, p.159), isto é, a superação da filosofia da consciência e dos
transcendentais gnoseológicos e discursivos, que funcionam como meios retóricos de
“fetichização” das massas, incitam uma tutela estatal e jurisdicional fechada em mentes
de “experts jurídicos” ou em jurisdições ou movimentos sociais ‘salvadores’, dá-se pela
teoria da fiscalização das proposições discursivas do direito e da política que tem
origem na idéia de Karl Popper de um conhecimento objetivo formalizado a fim de
testificar as premissas da cognição erigidas momentaneamente como “certas”
(verdadeiras juridicamente).
Tal idéia de Popper vai influenciar tanto Häberle (1997, p.18) como Leal (2002,
p.159) na busca de elaboração de uma processualidade democrática passível de
construção com bases publicistas, participativas e discursivas – uma abertura na
construção da constitucionalidade dentro de um modelo de processualidade
democrática. Assevera Leal (2002, p.159): ‘só com Popper identificando-se lógica e
método como teoria evolucionária e provisória adotada para a enunciação de
conhecimentos, é que foi superada a essencialização dos métodos (hipótases).’
1.2. Justiça e processualidade constitucional
Se a justiça dá-se em efetividade como justificação e fundamentação
argumentativa, ela somente pode construir-se enquanto uma processualização discursiva
numa estrutura de argumentação justificadora (ATIENZA, 2000, p.174). Como diz
Alexy (2007, p.68), é através de um constitucionalismo discursivo de viés democrático
que se pode desenvolver a argumentação justificadora do processo na jurisdição
constitucional.
A processualidade é que garante a instrumentação do justo à luz do direito pós-
metafísico atual: sem processo de argumentação válido não há construção devida de um
raciocínio jurídico integrador de fatos, valores e normatividade enquanto fatos culturais
(REALE, 1999, p.44), pois a idealidade do justo não é mais assegurada por qualquer
concepção meta-ética ou metafísica jusnatural, ou então, oriunda de uma consciência
transcendental gnoseológica à Kant, o que originou Kelsen, Stammler entre outros
neokantianos (LEAL, 2002, p.60).
Ao contrário, somente uma visão processual assegura a legitimidade da decisão
estruturante de uma justicialidade, o que implica o manuseio do instrumental de ações
posto constitucionalmente à disposição do cidadão.
Cidadania e realizabilidade da justiça são uma estrutura co-pertinente: só há
justiça pública, efetiva, uma razão pública desenvolvida num espaço de co-
relacionamento Estado-sociedade, pela participação cidadã enquanto utilizadores do
processo constitucional ou suas derivações infra-constitucionais (processo civil,
processo penal etc), e somente encontra sentido de existência a esfera pública da
cidadania em referência processualizadora de uma poliarquia moral e racional
circunscrita - conceito de justiça para Kolm (2000, p.7).
Acessabilidade ao judiciário é utilização do instrumental de ações e garantias
posto a lume no ordenamento jurídico ao indivíduo: a noção de uma narrativa
lingüística (discurso jurídico) de justicialidade democrática implementada pela
estruturação da idéia de justiça enquanto processualização cívico-participativa
construtora de direitos fundamentais dentro do devido processo constitucional ou tendo
o mesmo como paradigma dos desenvolvimentos processuais infra-constitucionais.
Justiça a-processual é materialmente injustiça que, privada de seu motor de
desenvolvimento matricial que é a materialidade procedimental dos construtores
efetivos do processo constitucionalizado que são os cidadãos, a justiça realizada pelo
direito entendido não-processualmente eiva-se de uma mentalidade de cunho perigoso
para a democracia e a constitucionalidade, pois o guardião e efetivador da Constituição
passa a ser não o cidadão, mas o simbológico poder de uma jurisdição supra-
democratizada, voltada para a efetivação não-processual da juris-dicção (dizer o direito,
concretizar a normatividade).
Como diz Canotilho (1995, p.415), a democracia não é apenas
institucionalização formal, mas ampliação do cidadão nas instâncias de poder, na
construção da institucionalização do poder: ‘A democracia é, no sentido constitucional,
democratização da democracia (...) Daí o caracterizar-se o principio democrático como
princípio de organização da titularidade e exercício do poder (...)’
1.3. Jurisdição constitucional e processualidade constitucional
A estrutura de um judiciário efetivador de direitos e garantidor de uma justiça
processualizada constitucionalmente deve ser o parâmetro de ação e de garantia da
efetividade da jurisdição constitucional, não somente pela ação do juiz constitucional ou
do magistrado que lhe faz as vezes, mas fundamentalmente pela adoção um possível e
constante diálogo juiz-sociedade no procedimento argumentativo-lingüístico de
implementação de decisórios construtores de direitos fundamentais.
Que a obrigação de fundamentação da decisão prevista constitucionalmente no
art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988 (2007) seja efetivada tendo em vista uma
jurisdicionalidade constitucional aberta, enquanto democrático-participativa, publicista
num sentido material e sociológico: construção de direitos fundamentais enquanto meio
de transformação da realidade social injusta, desigual, alienada das próprias práticas
culturais pela colonização do poder simbólico hegemônico da cultura massificante e
consumista.
Encontrando supedâneo nestas colocações acima, vislumbra-se defender a
instauração da Jurisdição Constitucional como processualidade constitucional para a
proteção e construção dos direitos fundamentais.
Não se quer defender a supressão ou inocuidade da jurisdição constitucional
num sentido fixamente institucionalizado, vulgarmente concebida como “substancial”.
Mas, dentro de um pensamento jurídico pós-metafísico e pós-jusnaturalista, portanto,
processualista, publicista e democrático, não se pode entender a justiça enquanto
implementação pela jurisdição como uma função estanque em sua concepção conceitual
metafísica do ‘justo’ a-processual, arraigada em sua fundamentabilidade hermenêutica
advinda (ou adivinhada) dos magistrados constitucionais ou infra-constitucionais.
Enquanto a estrutura do poder simbólico dos jurisperitos e dos exclusivistas
jurisdicentes não for atacada em sua pretensiosa fundamentabilidade auto-referente,
teoricamente posta a serviço ou de interesses grupais intra-referentes (de classe) ou a
interesses gerais mascarados das elites sociais dominantes (BOURDIEU, 2005, p.227).
Assim, entende-se que a função de uma jurisdição constitucional
processualizada é a construção de direitos fundamentais sob um paradigma
democrático-processualizante, com uma cidadania ativa voltada para a intervenção
processual maximizada e possível co-protagonização da decisão judicial e a
conseqüente construção de direitos pelo cidadão, evitando uma passividade jurídico-
política do mesmo que revela exatamente uma postura de conformismo dominado e de
ausência de uma consciência política da cidadania participativa e ativa juridicamente.
Ora, é de se perceber na dimensão da jurisdição constitucional a dimensão
fundante de toda a jurisdição, para a qual converge em último caso a definição de toda
lide pelo controle de constitucionalidade último exercido pelo Tribunal Constitucional,
ainda que no caso do Brasil se questione tal natureza ao Supremo Tribunal Federal
(BINENBOJM, 2003, p.141), pois ele concentra excessivos poderes de decisão e
cumula competência de corte constitucional com competência de corte judicial recursal
(BONAVIDES, 2003, p.92).
Pelos menos enquanto institucionalização posta pela própria Constituição da
República de 1988 (arts. 102 e 103) em seu sistema de competência jurisdicional e
recursal e função de defesa constitucional Supremo é a Corte Constitucional do Brasil.
A dimensão da processualidade constitucional caracteriza-se pela decisão em
torno da construção de uma constitucionalidade discursiva à Alexy (2007, p.12), com
caráter aberto, institucionalizador da racionalidade pragmática, com a fundamentação
do Estado de Direito Constitucional na discursividade, na resolução dos conflitos pelo
discurso.
Assim, o problema da caracterização de uma jurisdição constitucional passa pela
organização (distribuição de competências e funções institucionais pela lei) e,
principalmente, pela estruturação interna de processualidade discursiva com a abertura
(facilitada pela institucionalização democrática) de participação democratizante dos
cidadãos.
Então, a jurisdição constitucional processualizada é tanto uma visão
constitucionalista e democratizante-publicizante sobre o processo na ordem jurídica no
aspecto endo-processual de construção da legitimidade (democrática) decisória e da
instauração de desenvoltura do procedimento com a participação cidadã na formação da
decisão e na narrativa jurídica (constitucionalização do processo em geral), como é
também uma visão exo-processual ou objetiva-institucional sobre os mecanismos
processuais (formas institucionalizadas de ações procedimentais de defesa e concreção
de direitos fundamentais) e novamente criação pela lei processual de mecanismos de
atuação processualizáveis democraticamente (ampliação da cidadania pelo manejo de
procedimentos pelo cidadão), o que corresponde ao processo constitucional strictu
sensu.
Endo-processualidade constitucional-democrática (movimento de
constitucionalização do processo em geral) é a configuração de uma técnica de
ampliação argumentativa democrática na construção dos direitos fundamentais pelo
cidadão, especificamente pelo aumento da discussão da lide e a construção de uma
narrativa jurídica aberta a fiscalização do cidadão na formação da decisão, incidindo a
teoria neoinstitucionalista do processo de Rosemiro Leal (2002).
É a extensão do publicismo e da processualidade participativa do
constitucionalismo democrático a toda a esfera processual possível do sistema, mediante
técnicas de aprimoramento do nível de democratização da narrativa (discurso) jurídico
com a possibilidade do cidadão participar da construção da decisão e da
procedimentalização judiciais em geral (tantos dos procedimentos típica e
especificamente sediados na Constituição de 1988 como nos infra-constitucionais).
Exo-processualidade constitucional-democrática é a institucionalização de
instrumentais, ações e institutos processuais pela lei que capacitem uma legitimação
atuacional do cidadão no conjunto do ordenamento levando em consideração o manejo
de tais instrumentais, ao tempo em que se preconiza a reforma de institutos processuais
que incitam a concentração de poderes (parca legitimação para a propositura da Ação
Declaratória de Inconstitucionalidade e da Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental).
2 PARA A ESTRUTURAÇÃO DE UMA PROCESSUALIDADE
CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICA
2.1 Endo-processualidade constitucional democrática (constitucionalização do
processo em geral)
A estrutura de processualidade discursiva aplicada ao caso concreto implicaria
um remetimento e a uma situação da questão em voga (lide) à sua matriz jurídico-
constitucional, localizando os pontos controversos em função da principiologia e
valores constitucionais em interligação discursiva com o direito infra-constitucional e, o
que é mais relevante, perfazendo uma processualização da fase cognitiva enquanto
contraditório qualificado e máximo desenvolvimento do devido processo em
consonância com uma interpretação processual-constitucional (ampliação da
metodologia processual dentro do devido processo constitucional).
Em suma, pensar juridicamente a lide em termos constitucionais plenificados e
apriorísticos, tanto em nível de fundamentação material da decisão, através da
metodologia de argumentação jurídica, como no sentido de ampliar a possibilidade de
participação do cidadão no contexto processual, enquanto forma de democratização
processual a até mesmo na produção da sentença jurídica e na revisão da coisa julgada
quando inconstitucional.
O que não se faz, por exemplo, ao olvidar a função altamente processualizável
democraticamente para a construção da decisão judicial que seria a aplicação
maximizada do art. 331, parágrafo segundo, do Código de Processo Civil (2007), a
audiência preliminar como lócus processual de fixação dos pontos controvertidos da
lide, como prevê o texto normativo.
Podemos trabalhar com duas hipóteses plausíveis para esse exaurimento dos
pontos controvertidos na audiência e posterior desdobramentos probatórios e arrazoados
justificatórios de posicionamentos endoprocedimentais dela decorrentes: cogita-se da
construção de procedimentos de democratização da decisão a partir da complexidade da
demanda recebendo um enfoque que conjugue a técnica da ciência e demais saberes
como elementos informativos do julgador (participação dos técnicos no processo), até
como incremento da fundamentação técnica da decisão, e a busca de aperfeiçoamento
das partes interessadas da sociedade na condução dos procedimentos das ações
constitucionais, como o Supremo Tribunal Federal faz ao admitir o amicus curiae nas
demandas, o que traz um ganho em termos de discussão probatória e técnico-
fundamentativa à demanda.
Em suma, a hipótese de um aprimoramento da processualidade democrática da
lide revela a carência de legitimidade democrática do processo, posto que o mesmo não
pode continuar a desenvolver-se como um instrumental voltado para a monologicidade
hermenêutica estabelecida pelo juiz, senhor do processo enquanto hermeneuta
privilegiado que passa a ser um senhor dos sentidos de incidência da norma e da
interpretação do texto normacional.
A teoria neoinstitucionalista do processo (LEAL, 2002) é um instrumental
teórico que propõe um modelo democratizante do processo à luz da maximização das
possibilidades democrático-constitucionais, o que não plenifica o processo como meio
exclusivo de instauração de controle de constitucionalidade, é verdade, pois não estar-se
defendendo a supressão da jurisdição constitucional como garantia de direitos pela
confiança do cidadão na função hermenêutica do magistrado, entretanto, é de se colocar
que a função de proteção de direitos fundamentais implica a participação co-construtiva
dos mesmos pelo cidadão, tendo em constante referência a democratização dos
procedimentos.
2.2 Exo-processualidade constitucional democrática (direito constitucional
processual em sentido estrito)
O processo constitucional em sentido estrito, em função da construção de ações
e procedimentos previstos na Constituição Federal de 1988 implica, pois, um conjunto
de garantias processuais da cidadania, dispostos explicitamente no texto constitucional e
nas legislações complementares que integram o processo constitucional (daí porque
denominar-mos exo-processo constitucional, a processualidade constitucional externa,
objetiva em norma).
O fato é que as formas procedimentais de ações constitucionais para defesa de
direitos e exercício de garantias previstas explicitamente na Constituição pode ser
elencada como a exteriorização de um processo em ditames estritamente vinculados à
constituição, dela dimanando diretamente. São as chamadas ações constitucionais
típicas, assim denominadas por Pacheco (2002, p.29): mandado de segurança,
individual e coletivo, habeas corpus, habeas data, ação popular etc.
As ações constitucionais vinculadas ao controle concentrado, como a Ação
Direta de Inconstitucionalidade, a Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, regidas por leis federais 9.882 de 1999 e 9.868 de 1999 respectivamente,
também integram o processo constitucional e a jurisdição constitucional
(BINEMBOJM, 2001, p.241).
Na instauração procedimental de tais ações é que ocorre a efetividade do
manuseio dos representantes dos cidadãos a fim de conferir a proteção aos direitos
fundamentais expressos na Carta Política, bem como a defesa das prerrogativas
constitucionais de Estado, quando há uma declaração de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade que sirva de interesse ao Poder Público, sob o enfoque, pelo
menos formal, de defesa da coisa pública.
2.3 Justiça constitucional e jurisdição constitucional
O fato da jurisdição constitucional existir, portanto, como exteriorização das
garantias do cidadão, pressupondo que o Estado de Direito serve ao povo enquanto
assegurador do rol de direitos inscritos na Magna Carta, revela a necessidade de uma
processualização instrumentalizadora dessas garantias processuais-constitucionais.
A jurisdição constitucional somente existe como eficácia de tutela mediante
uma processualidade constitucional que a revela enquanto espaço de realização da
cidadania e de construção de direitos fundamentais, mesmo os não explicitados no rol
expresso do texto formal da Constituição.
Assim, dizer o justo constitucionalmente, preconizar o justo enquanto fim do
Direito e fito específico de uma jurisdição constitucional é a tarefa de estruturação de
discursos jurídicos conflitantes dentro de uma estrutura (espaço) processual
possibilitadora de tal discursividade, com capacidade isocrítica constante para os
participantes (LEAL, 2002, p.46).
Ora, o conceito de justiça é a de um discurso construído dentro de uma instância
de poder, e construído dentro de uma processualidade - afinal, definir a justiça é definir
a verdade jurídica, o que somente pode ser feito dentro de análise dos jogos de
linguagem que se cruzam, que se combatem, pois como diz Lyotard (1990, p.42) não
existe um discurso a priori correto, mas narrativas entrecruzantes, e a legitimação dos
procedimentos lingüísticos que se interpenetram dá-se no confronto dos jogos de
linguagem.
Assim, deve haver um esclarecimento e a capacidade de utilizar a linguagem
para se atuar socialmente, as instancias de linguagem jurídicas devem ser manuseadas
com base em um poder de análise da linguagem pelo cidadão.
Somente o processo isocrítico e com estruturação dentro de um paradigma
democrático-constitucional de fiscalização constante das premissas discursivas
produzidas no discurso jurídico-processual pode levar a um processo justo e a um
direito justo em algum sentido.
Assim, justiça, e também justiça constitucional, é a busca da processualidade
para que os agentes partícipes do processo e, lato sensu, toda a sociedade possam
participar e controlar a institucionalização do justo – daí a função da participação do
cidadão na estruturação da jurisdição constitucional como busca de uma justiça
processual.
Paradigma conceitual interessante dessa construção do justo é o traçado por
Kolm (2000, p.18), para quem justiça é poliarquia moral e racional circunscrita,
efetivada dentro de um método de justeza e justificação: justiça é justificação de
posições morais, éticas, filosófica e qualquer idéia que as partes queiram firmar (não há
verdades essenciais), mas construídas dentro de um processo de discussão da
processualidade da narrativa e operando com a justificação à luz do ordenamento
jurídico e seus valores intrínsecos (democraticamente decididos no marco
constitucional).
Não há um conceito apriórico de justo, há entrecruzamentos de narrativas que
constroem discursos que pretendem ser justos, que pretendem defender posições dentro
da linguagem jurídica. Assim, a jurisdição constitucional somente pode ser definida
como um marco procedimentalista, definível, então, como uma jurisdição de construção
e não de decisão unilateral do magistrado: a processualidade das ações constitucionais
típicas e atípicas deve servir a esse propósito, de alargar a participação do cidadão na
construção dos direitos fundamentais.
Uma concepção de jurisdição como processualidade e não como ‘decisionista’
ou ‘substancialista’, implica além do alargamento da participação cívica na esfera da
manipulação (ingresso) das ações previstas no processo constitucional pelo cidadão, na
feitura de formas procedimentais que dêem mais espaço para a participação do cidadão.
A construção de uma jurisdição constitucional democrática passa, assim, pela
possibilidade do cidadão integrar a ordem jurídica como um agente privilegiado no
manejo do instrumental processual constitucional e não como mero espectador,
recebedor de uma prestação jurisdicional advindo de “juízes salvadores”.
Justiça processualizada (não pré-definidora de conceitos) e jurisdição
constitucional procedimentalista (democratizante-publicizante) são faces de uma mesma
moeda, como apregoa Habermas (1997, p.344): o tribunal constitucional move-se
dentro das regras de aplicação do direito, legitima-se nelas (procedimento), mas busca
construir-se como instancia procedimental discursiva, daí, processual-discursiva.
E o papel do cidadão não é o de um virtuose político como queria Rousseau
(HABERMAS, 1997, p.345), nem de um “comunitarismo republicano” tipo
estadunidense (HABERMAS, 1997, p.347), mas de um agente partícipe do discurso,
processualizável e procedimental dentro das regras argumentativas e da reconstrução
discursiva da comunicação social muitas vezes colonizada pelo poder social e
ideológico (HABERMAS, 1997, p.353).
É próprio espaço público burguês-liberal-privatista-alinenado que é reconstruído
discursivamente em parâmetros democráticos. Melhor: ele só ganha sentido
democrático se re-construído discursivamente, e nesse processo de reconstrução
discursiva, o próprio discurso jurídico pré-decidido no texto constitucional também é
constantemente fiscalizável e re-produzido pelo cidadão. E tudo isso dentro de uma
lógica de constante processualização e publicização como radicalização da democracia
cívica, como efetivamente uma sociedade aberta de intérpretes constitucionais,
efetivando o modelo-ideal de Peter Häberle (1997, p.13):
no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados
todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e
grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com
numerus clausus de intérpretes da Constituição (...) A interpretação
constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta (...) os
critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto
mais pluralista for a sociedade.
E mais, a Jurisdição Constitucional deve servir a uma acepção processual de
justiça constitucional dentro de uma teoria processualista da democracia, como bem
coloca Leal (2002, p.98) :
A jurisdição constitucional no direito democrático se opera pelos conteúdos do
devido processo constitucional que é instituição discursiva e legalmente
garantidora, a todos, de correição procedimental permanente da falibilidade do
ordenamento jurídico e de confirmação popular das garantias e direitos
constitucionalmente legislados, e não pela atividade guardiã do Estado-juiz
numa relação jurídica entre pessoas (partes e decididores) sob a presidência
majestática e livremente decisional do julgador.
Esse é o modelo de uma democracia constitucional deliberativa como construção
de direitos pelo cidadão através de sua atuação cívica utilizando o processo
constitucional. Como assevera Carlos Silva (2008), sintetizando o pensamento
republicano sobre a jurisdição constitucional em diálogo com a ‘democracia
deliberativa’, aquela deve ser um meio de expressão da sociedade e de formação da
vontade do cidadão, e não a vontade de uma instância judicial decisora concentrada,
compulsória e unilateral de valores que julga aplicar em prol do ‘bem comum”:
O “republicanismo renovado” vê o Tribunal Constitucional como o garantidor
desta “democracia deliberativa” – “one of the distinctive features of this
approach is that the outcome of the legislative process becomes secondary.
What is important is whether it is deliberation – undistorted by private power –
that gave rise to that outcome” (12). Sob os olhos destes autores o Poder
Judiciário ou qualquer outro órgão não pode funcionar como representantes de
uma sociedade civil “incapaz” (no sentido do Código Civil), mas sim servir de
canalizador da vontade que ela de alguma forma já tem.
2.4 Metodologia de construção de direitos fundamentais numa visão processual-
constitucional
O fato de que as ações constitucionais são manuseáveis pelo cidadão pode
incitar a produção da esfera de juridicidade que satisfaz a premissa democrática com
maior ênfase e que alargue a esfera de concretização dos direitos fundamentais tendo
em vista a cláusula de abertura do art. 5º, parág. segundo, da Norma Ápice de 1988
(2007): "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte."
Ora, a construção de direitos fundamentais é necessária à existência da vida
social na ordem jurídico-democrática, pois é necessário atualizá-la, acompanhando as
mudanças fáticas e reconstruindo o sentido da normatividade, abarcando, dessarte, a
formação de novos direitos fundamentais, estendendo e ampliando o rol dos direitos
elencados no texto constitucional.
A metodologia processual implica numa construção das normas constitucionais
prioritariamente dentro de uma hermenêutica participativa, na possibilidade de
construção democrática da decisão judicial, mas sem pretender reduzir o problema da
complexidade dos casos constitucionais como coloca Dworkin (2007, p.151), nem de
reduzir a matéria jurídica a uma formação de cunho exclusivamente técnico-processual,
mas reconhecer na facticidade da mesma uma estrutura de natureza complexa,
implicando problemas morais, políticos etc.
Daí dizer Baracho (2003, p.537): "os direitos elencados na Constituição podem
ampliar-se, de modo que a juridicidade, a efetividade e a justiciabilidade possam tornar
concretos os direitos da cidadania. A jurisprudência constitucional propiciou a
ampliação dos conceitos básicos de direitos e liberdades fundamentais."
Para a instrumentalização das ações constitucionais, faz-se necessário, também,
a construção da principiologia processual inserta no âmbito da Magna Carta, ora, tal
visão principiológica infere-se do direito de ação, do contraditório e da ampla defesa, do
devido processo legal, enfim, dos norteamentos de princípios existentes na Constituição.
Esse instrumental de garantias e de princípios deve ser utilizado dentro de uma
visão endo-processualista democrática, isto é, na perspectiva de uma democratização da
utilização dos meios principiológicos com alargamento da tonalidade democrática dos
mesmos. Daí a necessidade de se realizar a construção de legitimidade partindo da
estruturação em uma visão discursiva, pois, no fundo, somente entendendo o processo
constitucional como um discurso institucionalizado aberto a todos os participantes da
vida cidadã é que se pode democratizar o direito.
Abertura à participação cidadã implica a busca de uma justiça constitucional
efetivadora de garantias instrumentais enquanto atuação dos poderes públicos à luz de
uma construção democrática de novos direitos fundamentais e de sínteses interpretativas
e criadoras de novos sentidos de incidência para direitos considerados explícitos no
ordenamento constitucional.
Uma teoria processual da constituição deve pontificar, pois, a instrumentalização
basilar de dois princípios-chave: o devido processo legal, inserto explicitamente na
Constituição de 1988 (2007), no art. 5º, LIV: ‘ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal’ e o princípio da proporcionalidade, implícito ao
texto constitucional, mas decorrente de seu sistema global (FREITAS, 1995, p.46), mas
cunho construtor açambarcador de uma mediação de sentido crítica entre casos difíceis
postos à lume na jurisdição constitucional.
O princípio da proporcionalidade está inserto no bojo da sistemática
constitucional, advindo de sua estrutura total como princípio objetivável e como vetor
axiológico possibilitador da construção de novos direitos fundamentais, implícitos na
ordem constitucional. Argumenta Freitas (1995, p.46), conceituando o sistema jurídico:
uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e
de valores jurídicos cuja função é a de, evitando os superando antinomias, dar
cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático
de Direito, assim como se encontram substanciados, expressa ou
implicitamente, na Constituição.
Assim, a partir da conjugação entre processo e proporcionalidade, pode-se dizer
que ocorre uma instrumentação do princípio do devido processo legal-constitucional e
do princípio do contraditório, enfim, unidos e instrumentalizados em função de uma
construção de cunho discursivo, procedimental-processual.
Unir as funções da estrututação principiológica dos direitos fundamentais,
buscando o respeito ao procedimento como regularidade institucional e segurança
jurídica, mas sem olvidar a construção de um processo-discursivo como meio
instrumentalizador dos conflitos.
Para Guerra Filho (2000, p.185) o princípio da proporcionalidade é o mais
importante porque integra a ordem jurídica, assegurando-lhe unidade e coerência,
conferindo àquela estruturação em moldes de uma transformação radical da
procedimentalidade como meio estruturador da emancipação das aspirações sociais,
uma vez que funciona como campo objetivo da querela entre as partes, podendo um
espaço processualizado aferir a importância das suas demandas e o peso relativo dos
valores em jogo.
No entanto, essa proporcionalidade como instrumento de mediação e equilíbrio
entre princípios constitucionais não pode tornar-se um instrumento de extensão
indefinida de poderes aos juízes, porquanto, assim o sendo, subverterá a própria idéia de
vinculação do sistema constitucional ao princípio republicano e democrático, de
vinculação, também do magistrado, aos princípios da fundamentação das decisões, do
devido processo, da democracia participativa, da limitação e divisão dos poderes e o
princípio republicano.
A reconstrução da legitimidade das decisões impõe-se como problema
sociológico-jurídico fundamental, ante a um judiciário abalado em sua credibilidade e
aos poderes públicos esvaziados de efetiva correlação com os processos reais de
formação de vontade política e de opinião pública na atualidade, levam a um apelo no
sentido de uma democratização do judiciário em todos os níveis de ação administrativa
que possui, bem como incita a uma reforma no tratamento dos mecanismos de
participação do cidadão como mais ênfase no processo constitucional, a exemplo da
instituição do amicus curie como possibilidade de extensão de intervenção de terceiros
no âmbito do processo constitucional, ampliando a discussão da lide (STAMATO,
2007, p.242).
Outro meio de democratização do processo constitucional, é a adoção da teoria
do auditório, de Chaim Perelman (ATIENZA, 2000, p.110), onde se defende a estrutura
de argumentação como fonte de legitimação da decisão judicial, argumentação essa que
passa por um controle de qualidade a partir da sociedade como um todo, que funciona
assim, como um auditório universal, capaz de contra-argumentar no âmbito do processo
constitucional- daí a importância da comunicação social, para se atingir um nível
excelente de argumentação, uma verdadeira comunidade ideal de comunicação
preconizada por Habermas (ATIENZA, 2000, p.110) e das teorias de construção endo-
processual (democratizantes das formas processuais praticadas e da decisão judicial
produzida, como a teoria neoinstitucionalista do processo de Rosemiro Leal) e exo-
processual (ampliação da legitimação ativa nas ações constitucionais Adin, ADC,
ADPF etc, reforma no sentido de derrogação de prerrogativas processuais que favoreça
certas partes como o Estado-Administração, transparência e controle das instituições nas
quais se realiza o processo por mecanismos legais e facultáveis de operacionalização
pelo cidadão).
O fato é que o judiciário, principalmente e especialmente o judiciário
constitucional, deveria atuar como promovedor de discussão e de posicionamentos
processuais das partes e da sociedade, servindo de extensão do espaço público
juridicamente enriquecido e desenvolvido como processo constitucional, apenas
atuando construtivamente ‘quando estão ausentes as condições de abertura e de
participação de todos os envolvidos tanto em grau quantitativo como qualitativo’, como
diz Stamato (2005, p.224).
Ao não existirem as condições de desenvolvimento da discussão processual
extensível aos cidadãos é que o judiciário aplica diretamente a proporcionalidade – isso
é o judiciário constitucional minimalista, no modelo proposto por Ely (LEAL, 2007,
p.147) nos Eua e em conjugação com as teses democratizantes de estruturação do texto
(norma) e da processualidade constitucionais já expostas, da lavra principalmente de
Habermas, Carlos Nino, entre outros, no sentido de processualização da jurisdição
constitucional e de construção de um espaço de discussão aberto, público,
constantemente controlado e re-avaliado não somente pelas instituições estatais mas
pela ação interferente do poder argumentador da sociedade como um todo em cada um
de seus membros, daí a concepção ideal de cidadania ativa.
Cattoni de Oliveira (2002, p.78), ao discorrer sobre a relação entre processo
legislativo e processo judicial-constitucional, almeja encontrar na processualidade
discursiva em todos os níveis institucionais uma base de legitimação para a atuação
democrática da sociedade civil e do controle desta sobre o judiciário :
O que garante a legitimidade das decisões são antes garantias processuais
atribuídas às partes e que são, principalmente, a do contraditório e a ampla
defesa, além da necessidade de fundamentação das decisões. A construção
participada da decisão judicial, garantida num nível institucional, e o direito de
saber sobre quais bases foram tomadas as decisões dependem não somente da
atuação do juiz, mas também do Ministério Público e fundamentalmente das
partes e dos seus advogados.
3 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A DEMOCRATIZAÇÃO DO
PROCESSO CONSTITUCIONAL
Levando em consideração a necessidade de democratização do processo judicial
como um todo, em suas formas externas (exo-processuais) e em sua feitura interna, em
sua hermenêutica estruturante e concretizadora do texto legal e constitucional, é de se
conceber que além do esforço da cidadania e dos meios de comunicação no sentido de
uma mudança estrutural da instituição pública onde se processam as lides, é de se
cogitar que os órgãos institucionais sejam receptivos a esse movimento de
democratização, que é uma exigência constitucional a partir de uma implementação
decididamente publicista da concepção democrática assentada na Magna Carta, e atuem
no sentido dessa modificação de modus operandi na condução do processo, a fim de
garantir a manutenção de sua própria legitimidade (AGRA, 2005, p.307).
Assim, imprescindível uma mudança na postura do judiciário, que enquanto
depositário formal da função judicativa e dentro de sua competência constitucional de
efetivador dos direitos, pela interpretação ‘oficial’ da norma legal, deve alargar sua
esfera de democratização na construção da decisão judicial e na condução do processo
em geral, mormente no caso da matéria constitucional, já que na debilidade social da
cidadania ativa como autotuteladora da efetividade constitucional, faz-se necessária a
presença de um judiciário que atue tanto no controle difuso como no concentrado de
maneira a salvaguardar as garantias fundamentais e democráticas do cidadão ainda
refém da miséria, da ignorância e da falta de consciência para o exercício da cidadania.
Assim, deve haver um judiciário concretista de direitos (ativista), atuante na
construção de direitos fundamentais a partir de uma visão hermenêutica sobre o texto
constitucional, que não se reduz à literalidade de sua redação nem esgota a possibilidade
de interpretação dos direitos fundamentais dentro do numerus clausus explicitado na
norma escrita da Norma Ápice.
A atividade judicial em geral e a jurisdição constitucional atuam como defesa e
concretização dos direitos fundamentais, inclusive os das minorias, em sua senda de
efetividade das conquistas de liberdade e da existência oriundas das transformações
sociais, o que implica na efetivação de tais direitos pelo ativismo, sendo que este deve
ser efetivado em substituição ou no máximo em conjugação ao processo constitucional
(e infra-constitucional) democratizado endo e exo-processualmente (hermenêutica
participativa endo-processualmente realizada e democratização das formas processuais
exo-processualmente efetivada).
Existe um fator de valorização da jurisdição constitucional que deve ser posto
em voga: nos casos difíceis postos a lume perante a Corte Constitucional existem
questões técnicas, filosóficas, técnico-jurídicas, e principalmente morais não podem
simplesmente ser colocadas diretamente à uma solução democrática, pois remontam ao
fato de que sua complexidade exige exatamente o processo como instancia qualificado
do debate, onde não conta tão-somente a participação processuais de interessados e
amicus curiae, mas a integridade técnica no trato da matéria, com a participação de
técnicos e peritos que se debrucem sobre a causa.
O fato da estrutura complexa e técnica de determinadas matérias de direito não
desqualifica o princípio democrático aplicado ao processo, mas, pelo contrário, elucida
a participação dos interessados na lide e circunscreve a demanda dentro de padrões
racionais e procedimentais de análise, eivando o processo de uma racionalidade
procedimental que também é um ganho em termos de segurança e racionalidade para a
própria democracia, mormente o princípio da fundamentação da decisão, a qual deve ser
fundamentada com razões plausíveis, o que implica também tecnicismo na discussão da
lide – o equilíbrio entre tecnicismo e democratização deve ser buscado dentro do
princípio da proporcionalidade.
Filosoficamente cogitando, a hermenêutica não se reduz também a uma
hermenêutica participativa, democratizante, e a moral não é apenas construção com
bases políticas consensuais e democráticas, mas existem questões morais que vão além
da moralidade construída socialmente, assim como deve haver um resguardo na posição
técnica dentro do processo, o que por si somente garantem e legitimam a existência de
uma jurisdição constitucional como foro de discussão das matérias complexas em sua
faceta procedimental-democratizante por um lado e técnico-procedimental por outro.
Não que a moralidade e a técnica não devam ser tratadas dentro da
procedimentalização da estrutura jurídico-processual (MAIA, 2008, p.87), pelo
contrário, é na processualidade democrática que a moralidade encontra um ponto
necessário de discussão de seus fundamentos, mas estes, por si só, existem, quer seja
dentro da subjetividade do indivíduo ou da objetividade de uma teoria ou realidade para
além dos processos racionais e democráticos. Assim, tudo pode submeter-se ao processo
‘democrático’, mas nem tudo pode ser construído por ele e nem tudo dele decorre: a
hermenêutica e a tecnicidade não se esgotam na democratização.
Outro fator de complexidade é a demanda constitucional por si mesma, onde os
direitos fundamentais em jogo e sua interpretação com base em princípios
constitucionais que refletem valores os mais complexos socialmente, devem ser
analisados de modo a se perceber o choque de bens e valores jurídico-constitucionais e
realizar-se a regulação com base em critérios metodológicos, como os propostos por
Alexy, Müller, Canotilho, ou com base no método hermenêutico da construção de
direitos fundamentais (DWORKIN, 2000) enfim, com base não apenas no processo
democratizado, mas em formas metódicas estruturantes e concretizadoras da
normatividade constitucional que tratam do aspecto técnico da demanda.
Complexidade da demanda, como reflexo da complexificação das relações
sociais na pós-modernidade, e processo judicial democrático e aberto à crítica dos
cidadãos se exigem mutuamente: uma solução de compromisso entre ambos é a chave
da renovação da jurisdição constitucional. A razão de ser do processo é o tratamento
racional da demanda, expondo a complexidade à baila das exigências democráticas na
construção do procedimento (endo-processualidade democrática) e à força da análise
técnica acerca da matéria.
O fato, assim, é que o Supremo Tribunal Federal vem demonstrando em algumas
decisões conjugar ambas as facetas – a democrática e a técnica, em alguns nos casos
complexos postos sob sua análise nos últimos tempos. No caso da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3510 a larga presença de amicis curiae tanto em favor
Presidente da República e do Congresso Nacional, como em favor do Ministério
Público Federal (autor da Adin), implicou na presença de partes que elevaram a
discussão a um patamar ético-filosófico-científico e democratizaram o processo que
tratava de tema controverso, qual seja a utilização de células-tronco em pesquisas
biológicas.
O fato é que no referido processo houve também a utilização da audiência
pública para a discussão de pontos de vista sobre matérias controversas, como o início
da vida e o próprio conceito e significação ético-filosófica da vida humana, o que
mostra que nos casos constitucionais a matéria não se restringe a técnica processual,
mas a conotações filosóficas, morais, políticas enfim, que repercutirão em toda a
sociedade, inclusive historicamente, direcionando-a em novos rumos e renovando
estruturas sociais retrógradas.
Outro caso paradigmático de incidência do instituto processual do amicus curiae
no processo civil pátrio é o da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) n. 54, interposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, com
o fim de obter interpretação conforme a Constituição (art.1º, III; art.5º, II; art. 6º, caput
e art. 196) dos arts. 124, 126 e 128, I e II do Código Penal (2007), o que implicaria no
reconhecimento da constitucionalidade da interrupção da gravidez em que haja
anemcefalia fetal diagnosticada, o que não seria aborto, portanto, tratar-se-ia de respeito
à dignidade materna e não ilicitude penal.
Nesse segundo caso em comento, o STF foi mais cauteloso em conceder a
intervenção de amicus curiae, negando-a em diversos momentos processuais, mas
realizou uma interpretação construtiva da incidência dos artigos art. 1º, III; art. 5º, II;
art. 6º, caput e art. 196 da Constituição Federal (2007), concedeu-se liminar para a
autorização da retirada do feto (depois cassada).
Decidiu-se que o direito à vida da mãe e o direito a dignidade do feto (que deve
nascer somente quando houver viabilidade) superou a interpretação restritiva dos artigos
do Código Penal que permitem aborto somente em caso de estupro e risco de vida
materna. Essa interpretação constrói um espaço de juridicidade até então deixado em
aberto, que é a possibilidade de ampliação da autorização de cirurgias autorizatórias de
interrupção de gravidezes inviáveis ou de risco tanto para a progenitora como para o
feto, e que constitui grave problema de saúde pública no Brasil.
4 CONCLUSÃO
O espaço público numa democracia deve ser a instância crítica das mazelas sociais,
através da juridicização das demandas políticas elo cidadão ativo que deve participar do
processo como co-construtor da decisão judicial e como utilizador do instrumental
processual posto a disposição na legislação em prol da defesa de direitos fundamentais.
Ora, para a construção meios de tutela da cidadania deve haver a legitimação de
procedimentos judiciais na esfera da institucionalização das vias de participação
democrática: a questão da vinculação com a democracia deve se sobrepor à pretensão de
construção de um processo de cunho não participativo, em que o juiz, mormente o juiz
constitucional, situe-se num plano de efetivação de direitos fundamentais a partir de sua
visão hermenêutica sobre o processo constitucional.
Se as questões complexas nas democracias contemporâneas das sociedades pós-
metafísicas e multiculturais devem ser tratadas como questões de direito (envolvendo
uma pretensão de justiça), como quer Dworkin (2000, p.103) e não como matéria de
lutas políticas que muitas vezes resvalam na radicalização dos valores e incitam
discriminação e desejo por decisões judiciais conservadoras, como se observa no
recrudescimento da direita norte-americana e sua pressão política sobre o judiciário
constitucional (SANDEL, 2005, p.281).
Assim, pode-se dizer que uma teoria processual do direito constitucional implica
na construção de um sistema de contraditório cada vez mais eficiente e aberto à crítica
intersubjetiva e democraticamente auto-fiscalizatório (Leal-Popper), construído
enquanto sociedade aberta de interpretação (Häberle), capaz de dar azo a demandas
complexas (hard cases, num sentido dworkiano) e de concretizar prioritariamente
direitos sociais enquanto conquistas democráticas (Canotilho-Bonavides), tudo isso a
partir de uma idéia de hermenêutica concretizadora e, por assim dizer, estruturante
(MÜLLER, 2007, p.101) e construtiva (DWORKIN, 2007).
Essa hermenêutica concretizadora passa tanto por um paradigma de
interpretação com a maximização do tratamento discursivo da decisão judicial no
sentido de buscar sua construção enquanto um meio de expressão e de participação
maximizada do cidadão na discussão processual, na medida de criação de ampliação das
possibilidades de incidência do principio da proporcionalidade – a conjugação do
mesmo com o devido processo legal dentro dos mecanismos postos a disposição do
magistrado.
Isso aprimoraria hermeneuticamente o tratamento em termos de contraditório e
ampla defesa, perfazendo uma endo-processualidade constitucional democratizante
(extensão dos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório de forma
maximizada a todo o processo e à estrutura processual produtiva da decisão judicial,
como preconiza Rosemiro Leal, 2002).
Deve haver também um aprimoramento da exo-processualidade constitucional
(mecanismos em geral do processo constitucional strito sensu, desenvolvimento das
formas processuais decorrentes diretamente da Constituição), nos moldes de uma
modificação nas legislações pertinentes, no sentido de aprimorar as possibilidades de
manejo pelo cidadão das ações constitucionais e no sentido de reformar o processo em
geral para acaba com prerrogativas de recurso e de outras naturezas procedimentais, em
termos de agilização e descentralização de procedimentos, que favoreçam o cidadão e
não o Estado-Administração.
O STF vem tutelando os direitos fundamentais em sede de processo constitucional,
buscando em algumas decisões a construção de direitos fundamentais a partir de uma
ótica construtiva e ampliadora da participação do cidadão na implementação das formas
processuais como se mostrou na análise realizada acima da ADIN n. 3510 e da ADPF n.
54, daí a importância do instituto processual do amicus curiae como fator de
acompanhamento pelos cidadãos das demandas complexas em sede constitucional e da
interpretação construtiva como meio instituidor de direitos fundamentais.
ABSTRACT : Objective to analyze the possibilities of institution of a model of
procedural constitutional jurisdiction in Brazil, in order to inside materialize basic rights
of a vision democratic and not substantial procedure and of effectiveness of the basic
rights toward constitutional jurisdiction.
KEYWORDS : constitutional jurisdiction – basic rights – procedural constitutionalism
– substantial constitutionalism – democratic interpretation
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