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8/9/2019 A traduo do som por imagens
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Universidade Federal de Minas Gerais
Escola de Belas Artes
Programa de Ps-graduao em Artes
A Traduo do Som por Imagens
Pedro de Filippis Sette e Cmara
Belo Horizonte, julho de 2010
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The Painting of Sounds, Noises and Smells
A relao simbitica entre som e imagem gerou, ao longo do tempo, vertentes de
pesquisa que nos servem de base para melhor compreendermos a evoluo do
pensamento sobre tal relao. Os experimentos resultado dessas pesquisas caracterizam
bem a esttica do movimento responsvel.
O futurismo italiano do incio do sculo XX foi o movimento precursor. No manifesto
The Painting of Sounds, Noises and Smells de 1913, Carlo Carr deixa clara a
obsesso pela desmistificao das relaes entre os sentidos e suas tradues plsticas.
Segundo o autor, antes do sculo XIX, pintar era a arte do silncio, os Renascentistas
nunca visaram a possibilidade de pintar sons, rudos e odores nos seus quadros.
Mesmo no sculo XX, os Impressionistas falharam ao tentar combinar tal relao. Carr
critica deliberadamente o mtodo ingnuo e conservador dos artistas do movimento que
tentaram traduzir os sons e odores em suas obras.
No manifesto, Carlo Carr intima interpretao da arte futurista com a quebra dos
valores acadmicos, serenos e mumificados, que segundo ele, so puramente
intelectuais e no traduzem fielmente a real sensibilidade do artista futurista que pinta
sons, rudos e odores. Segundo ele:
Any succession of sounds, noises and smells impresses on the mind anarabesque of form and color. We Futurists painters maintain that sounds,noises and smells are incorporated in the expressions of lines, volumesand colors just as lines, volumes and colors are incorporated in thearchitecture of a musical work. (CARR, The Painting of Sounds, Noises
and Smells, 1913)
Outro autor do mesmo movimento responsvel por pesquisas que reforaram as idias
de Carlo Carr foi Luigi Russolo, pintor e compositor futurista autor do manifesto
L'Arte dei Rumori (A arte dos rudos), no qual defende que a vida contempornea era
demasiado ruidosa e que os rudos deveriam ser utilizados na msica. Ao aprofundar
durante anos os conceitos de rudo com os seus instrumentos prprios intitulados
intonarumori, Russolo volta suas pesquisas para as artes plsticas ao pintar o quadro
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La musica em 1911, no qual tentou traduzir os efeitos harmnicos, meldicos e
rtmicos da msica em uma tela.
La musica, Luigi Russolo (1911)
Os manifestos do movimento futurista do incio do sculo XX refletem claramente a
ansiedade pela ruptura do conservadorismo que dominava as classes consumidoras de
arte naquele momento. O prprio fato da revoluo ter-se dado em forma de manifesto
comprova a revolta dos artistas futuristas que, de certa forma, no enxergavam brechas
para propor uma arte que contradizia quase toda esttica abordada at o momento. O
manifesto The Painting of Sounds, Noises and Smells no foge dessa crise, ele vai
alm ao propor a compreenso de uma relao abstrata que abrange todos os sentidos
humanos e que requer uma grande sensibilidade artstica.
The eye and the ear
Outro exemplo claro dessa relao simbitica expressada por artistas do sculo XX o
filme The eye and the ear, realizado pelo casal polons Franciszka e Stefan
Themerson na Inglaterra, entre 1944 e 1945. O filme se apresenta como um
experimento que busca propiciar, atravs dos recursos audiovisuais, uma impresso para
o olho que se compara a experincia vivenciada pelos ouvidos. Para esse propsito
foram selecionadas quatro msicas do compositor polons Karol Szymanowski
Sopiewnie.
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As quatro msicas servem de base para diferentes mtodos de interpretao
cinematogrfica adotados pelos realizadores. Essas interpretaes so narradas em off
como um recurso no-diegtico e livre de referncias geogrficas. Elas ocorrem antes de
cada experimento, que se apresentam por animaes ou construes abstratas usando a
gua como principal elemento de interao.
Na primeira msica aplicado o mtodo de interpretao emocional, no qual as imagens
tentam traduzir o que a letra da msica passa atravs de uma relao puramente
semitica. A letra no est presente nessa verso da msica, o violino que substitui a
melodia da voz, permitindo s imagens um total domnio do imaginrio, antes criado
pela resposta emocional letra.
A letra da msica nos descreve uma floresta densa com arbustos que se contorcem,
assim como a imagem, que nos apresenta uma animao de uma planta se expandindo e
se contorcendo criando novos ramos e folhas. Essa imagem intercalada com a imagem
de folhas que caem na tela em sincronia com o solo do violino, que tambm soa como
uma queda nas notas tristes e derramadas.
A gua um elemento presente nessa primeira parte, ela reflete os momentos de tenso.
No primeiro momento, a gua aparece ao fazer flutuar um galho cheio de folhas em uma
sequncia rodada de trs pra frente e em alta velocidade, com ondas que se retraem
devido ao movimento invertido do galho, sempre sincronizadas com os momentos de
maior tenso musical. Os cortes secos tambm so bem pontuados pela trilha, que em
seguida entra em sincronia novamente com as ondas na gua, fazendo parecer que os
instrumentos provocam o movimento, que
agora ganhou uma dimenso bruta e tensa.Ao final da primeira msica pode-se
perceber a sombra de um cavalo direita do
enquadramento, este mereceu a cena final
justamente por ser o mesmo animal
mencionado na ltima linha da letra da
msica original.
The eye and the ear: 1
st
song
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Na segunda msica analisada a partitura. Nesse mtodo, cada grupo de instrumentos
est representado por uma figura ilustrativa diferente, a projeo simultnea de vrias
figuras reflete o volume da orquestra. O compasso marcado por barras visuais.
As formas obtidas nesse segundo trecho resultaram de vrias tcnicas
experimentadas por Franciszka e Stefan Themerson. Segundo Marcin
Gizycki em seu artigo sobre os autores no site da galeria londrina Lux,
as formas de linhas no centro da animao foram feitas com bastes de
vidro. As formas triangulares com efeito esfumaado resultaram de um
feixe de luz emitido por lmpadas pequenas cruzando lentes especiais.
Outras formas foram concebidas atravs da sobreposio de papis
cortados cruzando um feixe de luz.
A projeo das formas acompanhada pela projeo de fragmentos da
obra Nativit do pintor italiano Piero della Francesca. No quadro, Piero
retratou arcanjos tocando alades e cantando para um recm nascido em
um cenrio buclico com animais e campos floridos ao fundo, o que
justifica o uso da trilha St. Francis, de Karol Szymanowski, na qual a
letra insiste ao repetir citaes sobre pssaros, flores e bichos, arcanjos
cantando glria do poder divino. As imagens em close-up das faces
dos arcanjos cantando entram em sincronia com a voz da msica, dando
vida s vozes da obra de Piero e instigando crena da trilha diegtica
direta. The eye and the ear: 2nd song
A projeo trabalhada em sincronia com a trilha, os instrumentos e vozes so
ilustrados pelas diversas formas que interagem de acordo com a dinmica da msica. Oefeito esfumaado triangular surge no meio do enquadramento e na hora do efeito
vibrato da voz, com a inteno clara de real-lo entre as demais figuras representativas.
Na terceira msica, os instrumentos so representados por formas geomtricas que
variam a sua espessura de acordo com o tom. A voz marcada por linhas horizontais,
que tambm oscilam de acordo com a variao do tom. Para simplificar o problema de
coordenar vrios grupos de instrumentos ao mesmo tempo, como violino 1 e 2 por
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exemplo, foram adotadas apenas formas geomtricas bsicas que se sobrepe indicando
esses vrios grupos.
Essa parte especfica, a nica que no manteve relaes indiretas com o tema ou letra
da msica, dessa forma, podemos concluir que as relaes histricas esto totalmente
afastadas somente nesse trecho do experimento. Essas relaes so cruciais para
interpretarmos a natureza e finalidade de um processo experimental como esse que, por
hora, promete uma traduo literal da estrutura musical executada, livre de referncias
culturais.
The eye and the ear: 3rd song
O trecho aposta na sincronia com a trilha, porm percebe-se que h momentos
asincrnicos nos quais elementos esto visveis sem a presena da trilha e vice-versa.
A quarta e ltima msica adota duas interpretaes distintas: o tema e o ritmo. Ainterpretao do tema da trilha que fala sobre o
afogamento proposital da rainha Wanda, que
tambm d o nome msica. O afogamento
representado artisticamente por imagens
melanclicas de uma mo sob a gua. A
interpretao rtmica, que sugerida pelo
movimento montono das ondas na gua emsincronia com o tempo da msica. The eye and the ear: 4th song
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Citando novamente o artigo de Marcin Gizycki sobre o filme, ele descreve que nessa
parte foi usado um recipiente de vidro cheio de gua, onde as ondas foram provocadas
por pequenas bolas de argila. Todo o processo foi filmado com a cmera de baixo do
recipiente apontada para cima.
Em seu artigo, Gizycki faz uma observao relevante sobre a obra, ele diz que o filme
se assimila a outros de autores como Oskar Fischinger, Len Lye ou Norman McLaren,
mas que se destaca em um ponto, enquanto esses mencionavam a tentativa de criar
equivalncias visuais e sonoras, os Themersons trataram o assunto de forma mais
cientfica. Sua experincia, como eles mesmos a intitularam, foi uma forma de analisar
visualmente uma estrutura musical, com comentrios que explicavam precisamente cada
mtodo e elemento utilizado. Em 1983 Stefan Themerson publicou a seguinte nota
sobre seu filme:
Experiment exercising to see the result. We planned Europa not as anexperiment in this sense but as a work of art. Yet The Eye and the Ear wasdone as a consciously designed experiment. Not every avant-garde dealtwith experiments and not every experiment equalled avant-garde. (StefanThemerson, 1983).
O filme The eye and the ear foi o ltimo do casal Franciszka e Stefan Themerson.
A traduo do som por imagens
Considerando toda a abordagem da relao simbitica entre som e imagem levantada
aqui e suas possibilidades narrativas, foi produzido um vdeo curto que oferece uma
discusso mais aprofundada acerca da influncia das relaes culturais na traduo do
som por imagens.
Na terceira parte do filme abordado The eye and the ear essas influncias foram
descartadas pela narrativa por se submeterem linguagem das imagens universais como
traduo da estrutura musical. Outro filme que pode servir de exemplo para ilustrar essa
discusso a animao Synchromy de Norman McLarem, que tambm nos apresenta
uma traduo imagtica literal do som projetado ao usar a tcnica de pintar as mesmas
formas na partes visuais e nas partes sonoras da pelcula.
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No entanto, no vdeo produzido para esse artigo, mesmo com a presena da sincronia
entre som e imagem, uma trilha puramente diegtica e a traduo literal do som por
imagens, possvel relacionar os dois sentidos apenas por referenciais culturais,
afastando as conexes racionais estabelecidas.
Vdeo: Estudo sobre a imagem dos sons
Nesse exemplo produzido, o som, afastado da imagem, encontra outros meios de
estabelecer conexes que reconstituem a unidade. O organograma abaixo pode
exemplificar melhor a relao proposta:
IMAGEM RELAES CULTURAIS SOM
Madeira Tribal PercurssivoCouro Ritual Xil acstico
Mo Brasil Couro
Temperatura da cor frica Loop
Estabelecidas essas conexes, pode-se concluir que a imagem e o som independem de
relaes tcnicas e racionais para propiciarem uma experincia de equivalncia sonora e
imagtica. Nesse caso, a equivalncia fruto da conexo cultural distinta de cada
elemento.
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Referncias Bibliogrficas
CARR, Carlo. The Painting of Sounds, Noises and Smells. Itlia, 1913.
RUSSOLO, Luigi. L'Arte dei Rumori. Itlia, 1913.
GIZYCKI, Marcin. The Films of Stefan and Franciszka Themerson. Londres, 1987.Disponvel em:http://www.luxonline.org.uk/articles/the_films_of_stefan_and_franciszka_themerson(1).html
RODRIGO, Jlio. Som e Imagem na arte do sculo XX, uma relao simbitica.Brasil, 2010. Disponvel em:
http://dieelektrischenvorspiele.wordpress.com/2010/05/08/som-e-imagem-na-arte-do-seculo-xx-uma-relacao-simbiotica/
The Themersons Films. Disponvel em:http://www.themersonarchive.com/Untitled%20Document.htm
Art Now: Lightbox Stefan and Franciszka Themerson. Disponvel em:http://www.tate.org.uk/britain/exhibitions/artnow/themerson/default.shtm
http://www.luxonline.org.uk/articles/the_films_of_stefan_and_franciszka_themerson(1).htmlhttp://www.luxonline.org.uk/articles/the_films_of_stefan_and_franciszka_themerson(1).htmlhttp://www.luxonline.org.uk/articles/the_films_of_stefan_and_franciszka_themerson(1).htmlhttp://dieelektrischenvorspiele.wordpress.com/2010/05/08/som-e-imagem-na-arte-do-seculo-xx-uma-relacao-simbiotica/http://dieelektrischenvorspiele.wordpress.com/2010/05/08/som-e-imagem-na-arte-do-seculo-xx-uma-relacao-simbiotica/http://dieelektrischenvorspiele.wordpress.com/2010/05/08/som-e-imagem-na-arte-do-seculo-xx-uma-relacao-simbiotica/http://www.themersonarchive.com/Untitled%20Document.htmhttp://www.themersonarchive.com/Untitled%20Document.htmhttp://www.tate.org.uk/britain/exhibitions/artnow/themerson/default.shtmhttp://www.tate.org.uk/britain/exhibitions/artnow/themerson/default.shtmhttp://www.tate.org.uk/britain/exhibitions/artnow/themerson/default.shtmhttp://www.themersonarchive.com/Untitled%20Document.htmhttp://dieelektrischenvorspiele.wordpress.com/2010/05/08/som-e-imagem-na-arte-do-seculo-xx-uma-relacao-simbiotica/http://dieelektrischenvorspiele.wordpress.com/2010/05/08/som-e-imagem-na-arte-do-seculo-xx-uma-relacao-simbiotica/http://www.luxonline.org.uk/articles/the_films_of_stefan_and_franciszka_themerson(1).htmlhttp://www.luxonline.org.uk/articles/the_films_of_stefan_and_franciszka_themerson(1).htmlRecommended