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ALIÁS 25-04-2015
Nós somos o asteroide SÉRGIO AUGUSTO - O ESTADO DE S. PAULO 25 Abril 2015 | 16h 00
Há um tremendo desajuste entre o que o homem (agora um techno sapiens)
pode fazer e o que natureza pode suportar
Na antevéspera do Dia da Terra, uma boa e uma má notícia relacionadas com a
defesa do meio ambiente. A boa foi o prêmio Pulitzer de melhor livro de não
ficção conquistado pela jornalista Elizabeth Kolbert, da revista The New Yorker.
A má foi o balanço da ONG Global Witness sobre os ativistas que perderam a
vida no ano passado, enfrentando toda sorte de ecocidas: das 116 vítimas
relacionadas, 29 morreram aqui na terra onde os bosques já tiveram mais vida e
nossa vida mais amoras.
Se levarmos em conta que o desmatamento da Amazônia cresceu 195%, a
epidemia de dengue aumentou 157% em São Paulo, o ministro Mangabeira
Unger considerou estrategicamente correto demitir o quadro técnico da
Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e as reservas hídricas do Sudeste
continuam à mercê de São Pedro, o primeiro lugar na lista da Global Witness
não podia ter vindo à tona em hora mais imprópria.
Para Kolbert, 53 anos, 16 de New Yorker, o Pulitzer representou o coroamento
de um persistente e sólido trabalho de jornalismo explanatório nas áreas
ambiental e científica. Na década passada, ela deu seu primeiro alerta em
Planeta Terra em Perigo, traduzido pela editora Globo em 2008. Agora, com o
premiado The Sixth Extinction, lançado há pouco mais de um ano pela Henry
Holt & Company (319 págs., US$ 7,75 na versão Kindle da Amazon), o alerta
virou ameaça: a Terra corre o risco de “acabar” pela sexta vez.
Não é para já; o processo é lento. A quinta e última extinção em massa de nossa
fauna e flora ocorreu há uns 66 milhões de anos. Mas sinais patentes da
degradação do planeta estão em toda parte e seu impacto na natureza (elevação
da temperatura, seca, acidificação dos oceanos, nevascas e inundações
diluvianas, etc.) há muito dispensa o benefício da dúvida. Mantido o atual ritmo
de destruição, de 20% a 50% das espécies poderão desaparecer até o final deste
século.
Richard Leakey e Roger Lewis publicaram há 20 anos um livro com o mesmo
título (A Sexta Extinção), as mesmas preocupações, mas sem o extenso trabalho
de campo e o charme narrativo de Kolbert. Afinada com o tom elegíaco de David
Quammen (O Canto do Dodô, traduzido pela Cia. das Letras em 2008) e os
ensaios do biólogo Edward O. Wilson, a jornalista aventurou-se por um diário
de viagem enriquecido com entrevistas de pesquisadores e cientistas, a que deu
o apropriado subtítulo de An Unnatural History. Sua “história desnatural”
começa com o sumiço do sapo dourado no vale central do Panamá e dos
morcegos da costa leste dos EUA, e segue a investigar e registrar os efeitos mais
nefastos do entrechoque entre a civilização e a biosfera.
Kolbert leva os leitores aos lugares onde a extinção parece mais visível: à
Grande Barreira de Coral australiana (o ecossistema mais impactado pela ação
humana), à Amazônia (e seu desmatamento incontrolável), aos Andes (e as
espécies que de lá somem ou para lá migram, também por causa de alterações
térmicas provocadas pelo efeito estufa e fatores correlatos), à poluída baía de
Nápoles, a grutas de Vermont onde um fungo de origem desconhecida aniquila
morcegos aos magotes.
Antes do século 18 a ideia de extinção era algo inconcebível. Ninguém, nem o
mais cético dos cientistas, admitia que os seres humanos pudessem ser
responsáveis pela destruição do planeta. Quando os primeiros ossos de
mastodontes foram estudados, em 1739, os elefantes e os hipopótamos levaram
a fama; até que em 1796 o naturalista francês Georges Cuvier, após coletar e
estudar o máximo de fósseis ao alcance de seu microscópio, esclareceu tudo: os
ossos pertenciam a um descomunal elefante de outra era, a uma espécie
desaparecida.
Com o passar do tempo, mais as contribuições de Darwin e Charles Lyell, o
conceito de extinção ganhou status científico. Em meados do século 19 já se
reconhecia que as causas de mudanças bruscas no clima eram decorrência de
fenômenos ocorridos ao longo de milênios.
A primeira extinção foi no Ordoviciano, há uns 450 milhões de anos, quando os
seres vivos da Terra praticamente não saíam da água. A mais devastadora foi a
terceira, no Permiano, há 250 milhões de anos: praticamente 90% das espécies
desapareceram, dizimadas pelo dióxido de carbono despejado na atmosfera por
uma erupção vulcânica de proporções apocalípticas.
A quinta, no Cretáceo, foi aquela causada pela colisão de um asteroide de 10
quilômetros de largura com a Terra, afetando dramaticamente a composição da
biodiversidade do planeta. Ecossistemas marinhos foram totalmente destruídos,
assim como 75% das plantas e espécies animais. Foi nessa que os dinossauros
dançaram.
Se bem que nunca se sabe o que possa vir do espaço, nosso problema nesta era
que uns e outros batizaram, et pour cause, Antropoceno, Homogenoceno e
Catastrofoica é o homem. Segundo o climatologista James Hansen, os estragos
causados pela poluição diária dos humanos na atmosfera e nos oceanos equivale
à explosão de 400 mil bombas de Hiroshima. “Nós somos o asteroide”,
assumem aqueles que entendem muito mais de ecologia que o nosso ministro de
Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, que teima em ver as previsões de
aumento da temperatura global e suas já palpáveis consequências como
“cientifismo positivista” a serviço de interesses econômicos visando controlar os
padrões de consumo dos países pobres.
Não devastamos o planeta porque nossa espécie é naturalmente má ou
gananciosa, mas porque “os humanos são humanos”, escreve Kolbert, “e muitas
das qualidades que nos fizeram bem sucedidos - somos espertos, criativos,
inquietos, cooperativos - podem nos tornar nocivos ao mundo natural”. Nosso
ritmo veloz de avanço e progresso não bate com o compasso mais lento da
evolução natural. Há um tremendo desajuste entre o que o homem (agora mais
do que sapiens, techno sapiens) pode fazer e o que natureza pode suportar. Ou
ele se ajusta ou nem chega à sétima extinção.
Para escritor, tráfico de pessoas, pirataria, escravidão e outros antigos dramas
africanos continuam bem vivos - apenas trocaram de roupa
Novas vestes André de Oliveira
25 Abril 2015 | 16h 00
Vicissitude. O dicionário define a palavra como uma sucessão de alternâncias,
instabilidade que conduz à imprevisibilidade e condição que contraria ou é
desfavorável a algo ou alguém. A história da África tem sido, por vezes, um
vicissitudinário, em que parte de seu povo é levado a uma vida imprevisível de
migrações em decorrência de uma série de alternâncias desfavoráveis:
escravidão, colonização, estabelecimento de fronteiras artificiais, fome, doenças,
guerras civis. Nas últimas duas semanas, 5 mil imigrantes ficaram desalojados e
ao menos sete morreram na África do Sul, vitimados por uma onda de xenofobia
que surpreendeu o mundo. Enquanto isso, no outro extremo do continente,
num único naufrágio no domingo, o Mar Mediterrâneo virou cemitério para 850
imigrantes que, levados por traficantes, tentavam ir da Líbia à Itália em
embarcações precárias. Segunda-feira, na mesma hora em que autoridades
europeias discutiam “soluções” em Luxemburgo, pelo menos outros três barcos
afundaram no Mediterrâneo. Mais 20 mortos.
Em 2014, estima-se que 200 mil pessoas, de diferentes nacionalidades,
atravessaram o Mediterrâneo a caminho da Europa. Mais de 3 mil morreram.
Apenas nos três primeiros meses deste ano, por volta de 35 mil cruzaram o mar,
1.800 nunca chegaram ao destino e o governo italiano diz que de 500 mil a 1
milhão de sírios e africanos estão esperando para se lançar ao mar a qualquer
momento, aproveitando a calmaria das águas trazida logo mais pelo início do
verão.
Como resposta às mortes, a União Europeia anunciou um plano que se
concentra em ações contra os traficantes, na proteção das fronteiras, mas não
trata das causas que levam milhões de desesperados ao mar em busca de uma
sobrevida. Para a ONU, as medidas são insuficientes. “Essas mortes são
resultado de um fracasso contínuo de governança acompanhado por um
fracasso monumental da compaixão”, resumiu o comissário de Direitos
Humanos da ONU, Zeid Ra’ad al-Hussein.
Na África do Sul, que acaba de perder para a Nigéria o posto de maior economia
do continente, os distúrbios começaram depois que o rei zulu Goodwill
Zwelithini disse que estrangeiros deveriam deixar o país. Os imigrantes,
oficialmente pouco menos de 2 milhões, estariam roubando postos de trabalho
de sul-africanos - o país tem taxa de desemprego de 25% e vive momento de
desaceleração econômica. Mas a economia sozinha não explica a perseguição
aos imigrantes no país que há apenas duas décadas se livrou do cruel sistema
oficial de segregação, o apartheid.
“Não existe uma única razão para explicar esse fenômeno, algumas são mais
conhecidas, outras menos”, comenta o escritor moçambicano Mia Couto, de 59
anos, que, em carta aberta ao presidente da África do Sul, Jacob Zuma, cobrou
ações urgentes do governo sul-africano. “Não é possível que moçambicanos
sejam perseguidos nas ruas com a mesma crueldade que os policiais do
apartheid perseguiram os combatentes pela liberdade”, ele disse, lembrando
que o próprio Zuma se exilou em Maputo nos anos 1980.
Falando ao Aliás de Maputo, capital do país, onde vive, o escritor reflete sobre
as vicissitudes atuais e históricas do continente africano - que talvez ele já tenha
brilhantemente resumido no livro de ensaios E Se Obama Fosse Africano:
“Quem vive num labirinto tem fome de caminhos”.
Em um ponto da África, pessoas vítimas da xenofobia; em outro, milhares
morrendo em naufrágios. Como avalia esse momento?
Falamos orgulhosamente do nosso tempo como se não fosse a continuidade de
outros tempos que acreditamos serem do passado. Pensamos que pirataria e
escravatura são coisas de outros séculos. Mas elas estão aí, bem vivas, com
novas vestes.
A maior parte dos imigrantes que tentam cruzar o Mediterrâneo parte da Líbia. É
só coincidência que tenha sido também um dos países da chamada “primavera
árabe”?
Só quem tem uma ideia falseada e simplista do mundo poderia alguma vez
imaginar que as revoltas nos países árabes eram um prenúncio de primavera.
Mais uma vez se reduziu o outro a um estereótipo, mais uma vez se projetou
num universo, que é muito diverso, o olhar de outra realidade. Sua pergunta
pressupõe ter havido ou poder ter havido uma “primavera árabe”. Esse
pressuposto parte da ideia de que existe um único mundo árabe. Parte também
de outro princípio que reduz à dimensão da política aquilo que é uma
combinação bem mais intrincada de componentes religiosos, culturais e
históricos. Eu acho que a grande lição dos últimos anos é que temos que
reaprender a olhar o mundo. O que implica aceitar que não sabemos ver.
Comparar países de um mesmo continente só pode ser um risco. É obra de
adivinho.
Há quem defenda a abertura das fronteiras europeias, pelo menos agora, para
combater essa tragédia humanitária. O que acha?
Não creio que seja viável. Qualquer nação precisa ter normas para o fluxo de
entradas e saídas. Para entrar no Brasil eu preciso pedir um visto, por exemplo.
Uma medida de liberalização total pode reforçar uma reação xenófoba dos
setores de extrema direita que olham a Europa como uma fortaleza. Custa-me
estar a falar de longe, não sou europeu, não vivo por dentro a realidade da
Europa. Mas eu creio é que não se pode fingir que nada se está a passar,
deixando essa imigração entregue a traficantes que sacrificam vidas humanas às
portas da Europa.
Uma espécie de Plano Marshall para a África seria uma solução viável?
Eu não sei se as soluções podem vir de fora. Não virão. Parte dos problemas
estruturais que a África enfrenta resulta não apenas do passado colonial, mas do
modo como essa relação colonial se prolonga até hoje. Os programas de
reajustamento estrutural, por exemplo, criaram situações de fragilização do
Estado em nações cuja circunstância histórica colocava o papel do Estado como
um passo crucial. O Plano Marshall (programa de ajuda financeira dos Estados
Unidos a países europeus destruídos na 2.ª Guerra Mundial) encontrou na
Europa uma realidade que não se vive hoje em toda a África. As soluções para
serem duradouras e verdadeiras precisam nascer dentro da África. E em alguns
casos elas estão nascendo. Existe uma África positiva que é pouco reportada,
mas é o estereótipo de um continente obscuro que prevalece. E, infelizmente,
casos como a violência recente na África do Sul contra imigrantes só consolidam
esse clichê.
Como explicar surtos de xenofobia na África do Sul, 20 anos pós-apartheid?
Não existe uma única razão para explicar esse fenômeno. São várias, umas bem
conhecidas, de natureza política e social. Por exemplo, a governação pós-
apartheid poderá não ter estado atenta aos segmentos mais pobres da
sociedade. Digo “segmentos” com relutância, porque se trata da maioria dos sul-
africanos. Criaram-se expectativas entre os pobres que não foram cumpridas.
Mas essas razões só funcionam porque, por trás delas, existem outros motivos,
menos visíveis. Um deles é o da manipulação, que dá jeito a encontrar um bode
expiatório para expurgar esse mal-estar. Os culpados estão encontrados: são os
que chegam de fora. Pouco importa que não seja verdade, que eles apenas
ocupem um pequeno nicho do mercado de trabalho.
A perseguição começou após um rei zulu dizer que estrangeiros deveriam ir
embora.
É outra parte da explicação. Uma razão histórica. No passado, povos da África
do Sul construíram um império que se estendeu sobre os territórios vizinhos,
como Moçambique e Zimbábue. Esse império durou mais de um século e
consolidou sentimentos de superioridade sobre os vizinhos, que eram os
“bárbaros”. Estamos perante uma sociedade que se assenta (como todas as
sociedades) entre a modernidade e formas mais antigas de poder. Essa linha
fronteiriça atravessa a alma de muitos sul-africanos e os divide entre súditos e
cidadãos. O rei dos zulus pode não ser reconhecido formalmente como um
poder instituído na África do Sul. Mas está legitimado pela história e pelas
pessoas. Pareceu muito estranho que o governo sul-africano insistisse tanto
para que o rei viesse a público e acalmasse os ânimos.
Por quê?
Porque isso pode indiciar certa desistência de exercer a autoridade. Mas pode
também traduzir o reconhecimento de que afinal essas formas mais antigas
mandam mais do que as instituições políticas modernas. Acho que é preciso
questionar essa prevalência dos valores morais e religiosos sobre o que
acreditamos ser o domínio do quadro institucional moderno. O que manda em
nós é sempre mais antigo, sujeito a outras racionalidades.
O PIB da África do Sul é um terço do PIB de toda a África subsaariana. O que o
país representa para seus vizinhos?
Um poeta moçambicano já falecido, Rui Knoplfy, dizia que a África do Sul era a
nossa Europa. Ele traduzia esse sentimento de periferia que olha para um lugar
que atua como um centro. O caso da África do Sul coloca na mesa isso que
chamamos de prosperidade. Essa prosperidade é um dado estatístico ou traduz-
se em felicidade para todos? Os últimos anos mostram como o olhar
economicista falhou na sua avaliação do mundo e nos seus prognósticos. À
África do Sul falta, como à maior parte das nações, aliar a condição econômica à
justiça social. Só isso poderá trazer estabilidade. Mas também esse meu juízo é
incompleto, um discurso simplista, bom para sair à rua e fazer os outros saírem
à rua. As coisas são sempre um pouco mais complexas.
Como o apartheid afetou Moçambique?
Causou uma guerra de agressão e desestabilização que demorou quase 20 anos.
Foi o inimigo mais poderoso da nossa independência, proclamada em 1975. Os
moçambicanos fizeram o que os outros antes tinham feito conosco: demos asilo
aos combatentes pela liberdade sul-africanos. Tratamo-los como se fossem parte
de nós mesmos. Eu estava, nessa altura, impedido de entrar na África do Sul.
Mas convém dizer que esse racismo às claras não era um mal exclusivo do
apartheid. Os Estados Unidos até recentemente praticaram uma discriminação
bem semelhante.
Que desdobramentos podemos esperar para a questão da xenofobia na África do
Sul?
Os trabalhadores estrangeiros na África do Sul estarão sujeitos ao medo. Poderá
não suceder na mesma escala, mas fenômenos pontuais de violência
continuarão a acontecer. Pode haver, em cascata, uma resposta de vingança das
nações africanas cujos cidadãos foram atingidos. Quando se deixa suceder uma
coisa como essa as feridas são imprevisíveis e difíceis de curar. O problema não
foi ter acontecido. Foi deixar que acontecesse.
Miragem americana LÚCIA GUIMARÃES - O ESTADO DE S. PAULO 25 Abril 2015 | 16h 00
A desigualdade econômica está nos palanques de democratas e republicanos,
mas nunca foi tão difícil escalar a pirâmide social nos EUA
O que têm em comum a candidata democrata Hillary Clinton e seus ferrenhos
adversários no campo republicano? Uma preocupação com a desigualdade
econômica. Ou melhor, uma preocupação em demonstrar preocupação com a
desigualdade econômica. É difícil imaginar que defensores de cortes de
impostos para os ricos e cortes drásticos na assistência pública passem a noite
acordados com o fato de que a renda média das famílias americanas é hoje mais
baixa do que era há 25 anos.
E, assim, a desigualdade vai se tornando o pretinho básico da campanha
presidencial de 2016. Ao anunciar a candidatura com um vídeo sem nenhuma
proposta concreta, que um comediante comparou a um comercial de seguro
saúde, entre as poucas afirmações que Hillary Clinton fez foi: “As cartas do
baralho continuam a favorecer aqueles no topo”. Seus opositores republicanos
chegam ao mesmo ponto por uma via oposta. Alegam que intervenção demais
por parte do governo engessa a economia e aumenta a desigualdade. O público
não pede licença para discordar. Em janeiro, o Pew Research Center revelou que
69% dos americanos, além de se preocuparem com o crescimento da
desigualdade, acham que o governo deve intervir para diminuir a distância entre
ricos e pobres. E 54% preferem aumento de impostos sobre os ganhos dos ricos
para assistir os pobres.
Na quarta-feira, Bill de Blasio, o prefeito de Nova York eleito em 2013 com o
slogan Dickensiano “Um Conto de Duas Cidades”, lançou o mais ambicioso
programa urbano de redução da desigualdade já apresentado no país. Ele quer
alçar 800 mil nova-iorquinos da pobreza ou quase pobreza nos próximos dez
anos. Batizado de PlaNYC, o plano do prefeito é promover a sustentabilidade
ambiental casada com a econômica em iniciativas como construir moradia
acessível, usar energia renovável e melhorar o transporte para o trabalho.
Mesmo quem aplaude a meta de reduzir radicalmente as emissões causadoras
do efeito estufa até 2050 espera mais detalhes específicos.
Não faz muito tempo, o prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz foi convidado
para uma festa por um anfitrião que ele identifica como “membro do 1%”, o
rarefeito grupo no topo da pirâmide econômica que inspirou o epíteto
propagado pelo movimento Occupy. O anfitrião estava preocupado com a
crescente desigualdade de renda e misturou bilionários a acadêmicos num
grupo que supostamente tinha em comum a preocupação com o tema.
À medida que a noite avançava, o economista e professor da Universidade de
Columbia foi ficando mais perplexo. Além de ouvir comentários sobre o povo
“preguiçoso” que espera almoço grátis e preocupações com a eficácia de paraísos
fiscais, Stiglitz conta que ouviu não uma, e sim várias referências a Maria
Antonieta e à guilhotina. Alguns detentores da maior concentração de renda de
qualquer país afluente faziam, sem qualquer senso de ironia, piadas sobre
perder a cabeça por excessos como o da aristocracia na Revolução Francesa.
O episódio da festa abre o novo livro de Stiglitz, The Great Divide: Unequal
Societies and What We Can Do About Them (A Grande Cisão: Sociedades
Desiguais e o Que Nós Podemos Fazer a Respeito). Mas, se marcham contra o
racismo e a violência policial, pelo meio ambiente e a favor do casamento gay, os
americanos talvez não marchem por uma causa mais difícil de encapsular, como
a desigualdade. Fora o breve período do movimento Occupy, que tomou praças
e ruas em inúmeras cidades, entre 2011 e 2012, e tentou narrar, fora do
establishment político, o resultado da bolha que levou ao crash de 2008, não há
sinal de que as cabeças de vento da festa de Stiglitz serão separadas de corpos
ou fortunas.
Ao contrário de países europeus, não há nos Estados Unidos uma cultura de
inveja dos ricos. Depois de 35 anos de aumento da desigualdade num país que
se olhava no espelho e via o triunfo da classe média, o cidadão que passa a vida
lutando para chegar ao fim do mês não costuma alimentar ressentimentos
contra a afluência. A desconexão entre a realidade - os Estados Unidos têm hoje
a mais baixa taxa de oportunidade de progresso econômico do mundo
desenvolvido - e o otimismo da cultura do sonho americano é comprovada por
estudos como o feito pelos psicólogos Michael Norton e Dan Ariely, em 2011.
Eles pediram a 5 mil americanos para adivinhar a porcentagem de riqueza
acumulada por segmentos da população. O cidadão médio supõe que os 20%
mais ricos controlam 59% da riqueza. Na realidade, controlam 84%.
Mais economistas têm sido atraídos para o estudo da desigualdade e as
consequências do fenômeno sobre a estabilidade social e a prosperidade dos
países. Até o Fundo Monetário Internacional, espantalho favorito da esquerda,
mercador ambulante da austeridade, começou a bater à porta de países
emergentes alertando para os efeitos da explosão de desigualdade. Sociólogos
falam em “feudalismo constitucional”, uma democracia no papel em que o
sistema político é tão corrompido por dinheiro que a representatividade é
erodida. Ou, como gosta de dizer Stiglitz, de um homem, um voto, estamos
passando a um dólar, um voto.
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