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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTOPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MARIA APARECIDA FIGUEIREDO LOUZADA
ANÁLISE DAS PRÁTICAS DA DIREÇÃO DO SINDIUPES E O QUE ESTAS PRÁTICAS PRODUZIRAM NO COLETIVO DE TRABALHADOR@S EM EDUCAÇÃO NA DÉCADA DE 90
Vitória - 2007
MARIA APARECIDA FIGUEIREDO LOUZADA
ANÁLISE DAS PRÁTICAS DA DIREÇÃO DO SINDIUPES E O QUE ESTAS PRÁTICAS PRODUZIRAM NO COLETIVO DE
TRABALHADOR@S EM EDUCAÇÃO NA DÉCADA DE 90
Vitória - 2007
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requi-sito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação. Orientado-ra: Professora Doutora Maria Elizabeth Barros de Barros
MARIA APARECIDA FIGUEIREDO LOUZADA
ANÁLISE DAS PRÁTICAS DA DIREÇÃO DO SINDIUPES E O QUE ESTAS PRÁTICAS PRODUZIRAM NO COLETIVO DE TRABALHADOR@S EM EDUCAÇÃO NA DÉCADA DE 90
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a ob-tenção do Grau de Mestre em Educação.
COMISSÃO EXAMINADORA
Dissertação aprovada em 27 de setembro de 2007
PROFª. DR.ª MARIA ELIZABETH BARROS DE BARROSORIENTADORA
PROFª. DR.ª ANA LÚCIA COELHO HECKERT
PROFª. DR.ª DENISE MEIRELES DE JESUS
Aos trabalhador@s em educação.
Agradeço ao Sindiupes, pela militância que compôs desenhos singulares/coletivos em minha vida. Pelo acesso aos registros fotográficos e documentais.Aos que mais próximos de mim pacientemente se fizeram pre-sentes para e no processo de construção deste trabalho. A Edison, “meu arcanjo”, pela cumplicidade, provocações e in-quietações. À Beth Barros, que com “suas asas” corajamente abarca alguns enormes desafios. Aos meus companheir@s diretos e indiretos de militância sin-dical, em especial aos que se dispuseram compor mais esse processo: Arthur, Dila, Duca, Erineuza, Ilca, Ildebrando, Nelma, Peu e Simone. À Ana Paula, por “incorporar” em suas tantas atividades a de “co-orientação” à sua irmã. À Ana Heckert, por seu modo de intervir. À Denise Meireles, pe-las contribuições finais a esse trabalho.
“Mas já que há de se escrever,que ao menos não esmaguem
as palavras nas entrelinhas.”
Clarice Lispector
RESUMO
Este trabalho pretende analisar as práticas dos dirigentes sindicais do Sindiupes
e o que estas práticas produziram no coletivo de trabalhador@s em educação na
década de 90. Como preâmbulos, apresentam-se alguns percursos e versões cons-
truídas pelo caminhar na/com a militância sindical. Conversas com alguns autores
são realizadas na busca de construção de uma caixa de ferramentas conceituais a
traçar cumplicidade entre um lugar de pesquisadora e de pesquisa. Tendo a carto-
grafia e os instrumentos da Análise Institucional como método, são apresentados os
três encontros realizados com ex-dirigentes sindicais do Sindiupes da década de 90
e as análíses possíveis das conversas com as pessoas e as coisas.
PALAVRAS_CHAVES: Sindicato, Práticas dirigentes e Movimento sindical
ABSTRACT
This work intends to analyze the syndical directors’ practices from Sindiupes (Public
Educational Worker’s Union from the State of Espírito Santo) and what these prac-
tices have produced in the group of educational workers in the 90s. As introduction
we present some ways and versions which were built on the path to/with the syndical
militancy. Talks with some authors are done searching to build a conceptual tool box
and to draw up complicity between the place of researcher and of research. Using
cartography and elements from Institutional Analyses as method, three meetings
with Sindiupes’ ex-directors from the 90s are presented, as well the possible analy-
ses of the conversations with people and things.
KEY WORDS: labor union, directing practices, trade-union movement.
LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1: Assembléia realizada na escadaria da Assembléia Legislativa do ES. Greve de 1999.FIGURA 2: Assembléia geral estadual realizada no centro sindical dos bancários do ES - 1997.FIGURAS 3 e 4: Assembléia geral no aud. Esc. Mª Ortiz. Apresentação do resultado do plebiscito de Gestão Democrática realizado nas escolas do Estado - 1999.FIGURA 5: Assembléia geral na Praça Oito - 1999.FIGURAS 6 e 7: Boletim da opíção sindical “oposição e coerência na luta” dezembro - 1991.FIGURA 8: Mirthes Bevilacqua - diretora da Upes em 1979. FIGURA 9: Congresso da Upes em Vila Velha, 1984. José Aguilar Dalvi ao centro, Nelma Gomes Monteiro e Almerita (falecida). Membros da primeira direção da Upes. À esquerda o representante da CPB, Tomaz Wonghon.FIGURA 10: Eleições da Upes em 1986. Foto divulgada em material de campanha (Praça João Clímaco - em frente ao Palácio Anchieta).FIGURA 11: Dirigentes da oposição sindical coerência e luta e apoiadores na posse da direção eleita para o mandato de 1991 a 1994. Posse reali-zada no auditório do Sindibancários/ES.FIGURA 12: Reunião da Intersindical dos servidores públicos do ES com Lula, no 10º Encontro Nacional do PT em Guarapari – Agosto de 1995.FIGURA13: Assembléia realizada no ginásio Wilson Freitas em Vitória. Divulgada no jornal A Gazeta de 14/05/1992.FIGURA 14: Assembléia geral realizada no ginásio do Clube Álvares Ca-bral em 1993.FIGURA 15: Cartaz divulgado nacionalmente contra a ampliação do go-verno Sarney.FIGURA16: “Adequação” da marca do governo Albuino pela Intersindical dos servidores públicos estaduais.
FIGURA 17: Adesivo confeccionado “as pressas” e distribuido em con-gresso anual do Sindiupes.FIGURA 18: Assembléia realizada em frente ao Palácio Anchieta. O Go-vernador Vítor Buaiz se faz presente e fala à categoria - 1996.FIGURA19: Cartaz da Intersindical divulgado também em jornal o Didata de novembro de 1996.FIGURA 20: Manifestação organizada pela Intersindical na Praça Oito, no mesmo período. FIGURA 21: Capa da primeira versão da cartilha de “conscientização” ela-borada pela Coordenação Municipal de Vitória 1989/1990. Traz a campa-nha de sindicalização da CUT: uma abelha só não faz pressão. FIGURA 22: Passeata pela av. Jerônimo Monteiro até Palácio Anchieta- alunos e pais em apoio à greve realizada pel@s trabalhador@s em edu-cação - 1992.FIGURA 23: Jornal o Didata edição de março/abril de 1993.FIGURA 24: Bloqueio da BR 262 na greve geral “puxada” pelas centrais sindicais brasileiras em 1996.FIGURA 25: Oficina de máscaras - 1999. FIGURA 26: Oficina de gênero e etnia - 1999.FIGURA 27: Capa da segunda versão da cartilha de “conscientização”, agora, como formação básica do Sindiupes, em 1993.FIGURA 28: Calendário de formação política. Divulgado no Didata de se-tembro/outubro de 1997.
SUMÁRIO
UMA PROPOSTA DE TRABALHO .............................................................. 12
1 PREÂMBULOS... (UM) .............................................................................. 15
2 PREÂMBULOS... (DOIS) ........................................................................ 18
3 PREÂMBULOS... (TRÊS) ......................................................................... 23
3.1 Um pouco de uma versão da história d@s trabalhador@s brasileir@s
que contribuíram para minha/nossa formação militante sindical ........... 24
3.2 Como se constitui/institui o serviço público no Brasil? ........................... 36
3.3 Serviço público no Brasil: delineamento .................................................. 39
3.4 Neste histórico, como se organizam @s servidor@s públic@s,
mais especificamente os da educação pelo Brasil? ................................ 43
3.5 Como se organizaram @s professor@s no Espírito Santo? ................... 46
4 CONVERSAS COM ALGUNS CONCEITOS E AUTORES
CONSTRUINDO CUMPLICIDADE .......................................................... 57
5 DA APRESENTAÇÃO DAS CONVERSAS COM/ENTRE
OS DIRIGENTES SINDICAIS .................................................................. 81
5.1 Primeiro encontro .................................................................................... 82
5.2 Segundo encontro ................................................................................... 84
5.3 Terceiro encontro .................................................................................... 86
6 DAS CONVERSAS COM AS PESSOAS E AS COISAS E DOS TRAÇADOS
DAS ANÁLISES POSSÍVEIS .................................................................. 90
6.1 De como a militância sindical vai produzindo a vida ............................... 91
6.2 “Como um coletivo de formiguinhas que trabalham contra tudo e contra
todos” ..................................................................................................... 97
6.3 “Quando a gente se propõe a dirigir um grupo...”..................................... 103
6.4 Das práticas moralistas e éticas, do público e do privado ....................... 109
6.5 Da tutela do sindicato pelo partido .......................................................... 116
6.6 As práticas dirigentes: tutela d@s trabalhador@s em educação? ........... 122
6.7 “O sindicato foi a melhor escola para a formação de novos pensamentos” .... 129
CONSIDERAÇÕES AO TÉRMINO DESTE TRABALHO ............................ 139
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 142
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................................. 144
UMA PROPOSTA DE TRABALHO
Na composição de preâmbulos, foram desenhadas neste trabalho, como desa-
fios as relações do instrumento – palavra falada, na constituição de saberes na/
da militância sindical com os instrumentos teóricos – conhecimentos da Aca-
demia, na construção e descontrução desta escrita. Nesse caminho, foi traça-
da uma versão da história de organização d@s1 trabalhador@s brasileir@s,
da institucionalização do serviço público no Brasil e da organização d@s
trabalhador@s em educação, que compuseram uma forma-ação militante, com
as quais fomos aos poucos nos constituindo dirigentes sindicais, na busca de
situar a relação dos saberes militantes, nessa conversa para, então, analisar
as práticas produzidas na/com a militância sindical entre o coletivo dirigente do
Sindiupes e a categoria profissional.
Os saberes construídos na forma-ação e da produção dos lugares dos diri-
gentes, dos revolucionários e dos partidários, com uma compreensão ma-
cropolítica de movimento, e do diálogo com alguns conceitos que “falam” da
busca de um modo de desenrijecer o corpo nos desafios que algumas leitu-
ras provocam irão compor uma caixa de ferramentas conceituais, no sentido
de analisar as práticas da direção do Sindiupes e o que estas práticas pro-
duziram no coletivo de trabalhador@s em educação, como se propõe esta
dissertação.
Tomarei o conceito de práticas em Foucault, entendendo-as como inseridas
num processo histórico objetivado pelas construções que fazemos delas. E
nessas relações, permeadas pelo poder, conhecidas não como na confor-
mação dos sujeitos e objetos – o poder de “guias e guiados”, “governantes e
governados” e “dirigentes e dirigidos”–, mas como matérias objetivadas pelas
12
1 Aos moldes de Lucia Golvêa Pimentel (1999), utilizo o signo @ para indicar o masculino e o feminino, por conter o “o” e o “a”.
próprias relações que irão constituindo-se a/pela vida, numa processualidade
móvel e flexivel, em que co-existe um poder em exercício.
Por meio dos conceitos da Análise Institucional e da esquizoanálise, como o
de instituição, implicação, transversalidade em Lourau, Lapassade e Guatta-
ri, ao modo que nos sugere Deleuze (1998), funcionando como instrumentos
nessa caixa de ferramentas, a romper com culpabilizações, crenças e repre-
sentações, de uma conformação dicotômica e dual da vida sindical, espera-se
permitir que inquietações sejam formuladas como questões a se constituírem
em análises das práticas dirigentes, apostando numa compreensão de pôr em
funcionamento um processo de análises que possa, talvez, compor um outro
modo sindicato.
Essas práticas dos dirigentes sindicais, como foram construídas? Foram re-
alizados encontros com os ex-dirigentes sindicais do Sindiupes, no sentido
de produzir intercessores para análise dessas práticas. Como por em análise
essas práticas? Analisá-las será como se colocar em jogo, em uma forma não
distanciada do vivido, estando entre um risco constante de se perder e em um
envolvimento de não perder a percepção/escuta do que poderia ser diverso.
Com as intensidades que acredito estarem presentes no registro das imagens e
dos sons, a cartografia a ser traçada neste trabalho, irá se buscar outras formas
“sindicato”, desatreladas das certezas que, muitas vezes, nos marcam.
De uma militância de tempo integral em que a vida sindical torna-se não hí-
brida, mas “a direcionar” os diversos possíveis na/da vida, o quanto esses
militantes sindicais “carregam” o/no corpo as normas e os valores de nos-
sa sociedade e não os vêem como superfícies de inscrições dessas normas
e desses valores? Com qual entendimento de coletivo dirigente trabalham?
Será que “o coletivo de formigunhas que lutava contra tudo e contra todos” se
perde nas lutas por hegemonia interna se despotencializando nos movimentos
em curso?
Uma separação dos lugares dos dirigentes sindicais do Sindiupes e da ca-
1313
tegoria profissional parece fixá-los, como se os dirigentes não fizessem par-
te da categoria profissional. Nessa divisão de lugares, o dirigente de um
lado e a categoria de outro, uma postura de tutela do movimento e d@s
trabalhador@s em educação se exerce mais tacitamente, como vestidos por
“uma paixão” pelo poder e do “poder pastoral” a que se refere Foulcaut, num
exercício sacerdotal do dirigente sindical, em que parece fazer-se ausente o
exercício das práticas processuais. Será que essa divisão de lugares implica
em despotencialização de práticas éticas e coletivas?
Questões como a forma-ação sindical, a análise dos cenários macropolíticos
realizados com brilhantismo, da instituição sindicato como um aparelho da “tá-
tica” individualizante do “poder pastoral”, a defesa do público, a coletivização
da organização e das ações serão postas em análises neste trabalho, como
conflitos traduzidos em medos, rancores e angústias, motivados pela formas
e modelos, em que se afirmava o já dito, a verdade como já comprovada ou a
ser comprovada. O caminho das análises pretende seguir compondo linhas e
redes a “descapturar” os movimentos como estanques, na busca da produção
de possíveis coexistências com as formas, em sua constituição.
As análises, necessariamente, não responderão às questões apresentadas,
mas pretendem pôr em funcionamento um modo de pensar com, possibilitan-
do que outras questões surjam aos que se dispuserem a aventurar-se como
leitor@ deste trabalho.
14
1 PREÂMBULOS... (um)
“... Eu já nem lembro ‘pronde’ mesmo que eu vou
Mas vou até o fim...”
Chico Buarque – Até o fim
Escrever? Pensar e falar; repensar e falar de novo, como é mais fácil! Venho
de uma militância sindical que nos torna pragmáticos, imediatistas, e as pa-
lavras parecem ter exatamente o sentido expresso no bom e amigo “Aurélio”,
como se esses sentidos não fossem produzidos de determinados contextos e
sim impostos como gerais. Elaborar um boletim, um panfleto, uma pauta de
assembléia sempre foi entendido como uma relação direta com o que “preci-
sa ser dito”. E as palavras? Ah! Estavam ali, para expressarem diretamente
o pensamento, pois não considerávamos que possuíamos uma forma própria
de expressar, pelo contrário, achávamos que a nossa linguagem era a única
possível, ou melhor, acreditávamos que as palavras têm o mesmo sentido
para todos. Como se existisse uma linguagem universal, comum a todos que
compõem um país: Língua Nacional?! Será que estamos falando então de
uma linguagem própria? Um “sindicalês”? Parece-me que sim!
Com o mestrado, desde a preparação para a seleção, um certo incômodo
fazia-se presente quando de alguma maneira manifestava pretensão a esse
espaço com os que conviviam comigo: “tem certeza que você vai arriscar!?”,
“Hum, vão te arrancar o couro!”. A compreensão deste espaço – a Academia
– como lugar para/do conhecimento, e para alguns aos poucos se afirmava.
Muitos estranhamentos tiveram início...
Assim fui cumprindo créditos, cursando disciplinas. Mas a Academia parecia
falar também em uma linguagem própria! As palavras não traziam as mesmas
compreensões do meu “sindicalês”. Era necessário estar permanentemente
atenta aos conceitos em suas diferentes contextualizações e produções, às
compreensões e a outros sentidos de uma mesma palavra; um exercício e
15
esforço nada fácil. Primeira perplexidade: as palavras não têm sentido univer-
sal e único! Elas não estão constituídas desde sempre!
Com a qualificação, a Academia pareceu-me uma bruxa das estórias de con-
to de fadas, esta mesma que insistem em fazê-la feia e mal amada: “– Quem
você imagina ser para ousar este espaço?” Aqueles estranhamentos iniciais,
conflitos entre a linguagem da militância sindical e da Academia, tomam con-
tornos e marcas delimitadoras: “– Você é militante!”, como se isso fosse um
impedimento de construção do saber. Mas existe apenas um saber? E então
pensava: “a Academia teima em mostrar-se como um lugar de privilegiados,
de alguns grandes elaboradores, os que pensam, de forma que a vida que
pulsa fora dos muros da Universidade lhes servem apenas como elemento
de reflexão e análise para suas teses e de espaço de confirmação de suas
teorias”. O mundo extra muros da Universidade seria o objeto de estudo dos
pesquisadores, como em Coimbra:
O que verificamos é que a universidade inventa e aperfeiçoa meca-nismos sutis de controle em todos os níveis, já que estando no ápice da estrutura piramidal do nosso sistema escolar, não só se coloca como produtora do saber verdadeiro, como também desqualifica os demais. O saber do trabalho manual, o saber da vida da comunidade, o saber produzido por aqueles que estão excluídos da tão decantada “ascensão social” a universidade se encarrega de isolar e desprezar (COIMBRA,1995, p. 49).
Não se trata de um encantamento com a Academia que se quebrou em um
dado momento, mas sim um desvelamento dessa “fogueira de vaidades” que
constitui também este espaço, tornando-a “endurecida”, como o da militância
sindical. A lógica capitalista da competição, da produção a qualquer custo,
ali também se afirma, da mesma maneira que nas disputas por quem a lide-
ra, quem tem a fala mais aplaudida, mais aceita no meio sindical. Penso e
repenso a todo tempo: “Será melhor cada um em seu lugar: um que elabora,
planeja, ‘pensa’, pesquisa e o outro objeto dessa produção?”
Opto pelo desafio de exercitar, de transitar por esses espaços de saberes e
conhecimentos, afirmando a Academia como também lugar de produções de
16
diferenças. Alguns professor@s e autor@s sinalizam para a possibilidade de
uma outra Academia: um lugar mais permeável com suas práticas transpa-
rentes e éticas, viabilizando e afirmando a importância dessa conversa que
ouso arriscar.
Mas, como expressar um pensamento por meio da escrita? Como expres-
sar as questões que me movem nessa dissertação? Como passar a inten-
sidade do que tenho vivido? Como narrar a experiência de ser sindicalista
de forma a contribuir para que outras práticas no âmbito do sindicalismo
possam se efetivar? Como dialogar com as diferentes linguagens/saberes
da militância sindical e da Academia? Isso faz do processo de escrever
uma tarefa árdua, tornando-a um exercício, sem dúvida, instigante! Assim,
me arrisco na leitura de alguns autor@s. Faço escolhas que me parecem
favorecer este processo.
Sigo um caminho: o de continuar na apresentação de preâmbulos como expli-
citações necessárias aos diálogos, às conversas que busco desenvolver com
este trabalho, chegando à caixa de ferramentas conceitual da qual me faço
cúmplice, da escolha de metodologia, da pesquisa propriamente dita e das
análises que acompanham todo o processo no sentido de focar nas/as práti-
cas da direção do Sindiupes e o que estas práticas produziram no coletivo de
trabalhador@s em educação na década de 90.
17
2 PREÂMBULOS... (dois)
E a vida? E a vida o que é, diga lá, meu irmão?
Ela é a batida de um coração?
Ela é uma doce ilusão?
Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é? O que é, meu irmão?
(Gonzaguinha)
Quem escreve? Faz parte deste preâmbulo, necessário à compreensão de
quem fala e de que lugar fala, relatar um pouco de meu percurso na militân-
cia sindical, de como minha vida se cruza, imbica, se mistura com ela. Vi-
tória, julho de 1983, recém-empossada como professora de Ciências Bioló-
gicas do Ensino Fundamental na Rede Estadual de Ensino – escola Hunney
Everest Piovesan, em Cariacica –, foi a alternativa de trabalho encontrada
para um possível projeto de “levar a própria vida” e também para estudar
um pouco mais.
Em 1984, tornei-me sócia da União dos Professores do Espírito Santo (Upes)
(assim se chamava o sindicato – era ainda uma associação), participando de
meu primeiro Congresso Estadual e no ano seguinte, do Congresso Nacional
da Confederação dos Professores do Brasil (CPB), realizado em Vitória. Pe-
guei “gosto pela coisa”.
Por meio de um Concurso de Remoção no Sistema Estadual de Educação,
comecei a trabalhar na Escola Maria Ortiz, no Centro de Vitória. Escola esta
com uma tradição histórica, sendo a única Escola Normal da capital e dos
municípios vizinhos em anos anteriores. Estando situada ao lado do Palácio
Anchieta – sede de funcionamento dos governos estaduais por muitas déca-
das –, era entendida pela direção sindical como uma escola estratégica para
18
o movimento na realização de paralisações, por ser conhecida como muito
conservadora. O “sucesso” de uma greve podia ser “medido”, quanto à sua
força organizativa, pela participação dos professores da escola Maria Ortiz
no movimento, pois nenhuma outra escola queria ficar com o “título” de mais
conservadora que ela. Minha remoção e entrada na direção da Upes, na ges-
tão de José Aguilar Dalvi, deu-se quase simultaneamente. Portanto, minha ta-
refa de militante sindical era a de sensibilizar e “ganhar” os colegas da escola
Maria Ortiz para a participação nos movimentos puxados pelo sindicato e de-
finidos em assembléia geral da categoria profissional, de âmbito estadual. O
que passou a ocorrer, depois de certo período, é que o estereótipo de grevista
– como o que não gosta de trabalhar, não tem compromisso, é baderneiro – foi
sendo “rompido”, com a reposição de conteúdos e carga horária assumidos
diretamente com os alunos.
A “dureza” exigida implicitamente pelo movimento sindical era então a nossa
escola: uma militante sindical tinha que ser firme, falar forte, bater e “virar a
mesa”, mesmo sendo de uma entidade formada pela maioria de mulheres.
Os valores sociais que nos constituíam, na lógica do capital, implicavam em
manifestação de competência, no sentido de “capacidade” para exercer essa
função, competição, força, e, na apresentação do lugar/espaço de direção,
como espaço/lugar, portanto, masculino, trazendo desafios de romper com
esta lógica por dentro do movimento e, com isso interferir/agir nos modos de
ser e existir no mundo.
Com a intensificação do envolvimento nas atividades militantes, já não basta-
va fazer parte de uma escola estratégica na Grande Vitória. Outras questões
vão tomando corpo como a necessidade de “pertencer” a um dos agrupamen-
tos políticos internos na direção sindical: “– Com qual grupo você está?” “–
Quem defende essa proposta é o grupo A e não o B”. Uma maior cobrança de
participação em uma tendência em um partido político, numa corrente política
sindical na Central Única dos Trabalhadores (CUT), para continuar militando
veio “fechando o cerco” devagar como mais uma forma endurecida de ocupa-
ção de espaço.
19
Em 1987, filiei-me ao Partido dos Trabalhadores (PT). Em 1989, minha casa
virou atelier do Comitê da Educação: quantas faixas, bandeiras e painéis
foram pintados por nós! Formamos um grupo de professor@s “convictos” da
importância de nossa atuação política no movimento sindical. Estudávamos
juntos: conhecemos Lênin, Trotsky, Rosa de Luxemburgo e outros tantos, para
uma “boa formação revolucionária”. Revolução entendida, naquele momento,
como a objetivada no plano macro, como a tomada do poder de Estado pelos
trabalhadores com a “derrota do capital”, segundo Mandel:
A revolução socialista e dos meios de realizá-la - a conquista do po-der político pela classe operária, a destruição do aparelho de Estado burguês, a constituição de um Estado de um novo tipo, que já não é um Estado no sentido estrito do termo: Ditadura do proletariado ou Democracia proletária [...] (MANDEL, 1984, p. 14).
A ditadura do proletariado, a teoria das “pinças”, o socialismo, a solidariedade
dos povos, etc. foram temas de discussão em nosso grupo. A “identificação”
de nosso grupo com a CUT, com os discursos, que, no nosso entendimento,
eram mais coerentes e nos davam credibilidade aos professor@s.
Minha formação acadêmica em Educação Artística foi interrompida em 1988,
no segundo semestre de curso, para que eu pudesse concorrer à presidência
da direção da Upes. Perdi, aliás, perdemos a eleição! Retomei o curso na
universidade, a militância sindical intensificou-se. Eu e meus companheir@s
sindicalistas dirigimos os movimentos de lutas como oposição sindical de-
nominada “Oposição e coerência na luta”, no Sindicato dos Trabalhadores
em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes). Fomos reconhecidos
como oposição cutista e conseguimos, portanto, o apoio da CUT e de seus
sindicatos filiados a nossas ações.
Elegemos nossa chapa de oposição sindical em 1991, à direção do Sindiupes,
tendo na presidência Arthur Sérgio Rangel Viana, liderança forte no movimen-
to estudantil na Universidade Federal do Espírito Santo na década anterior.
Grandes mobilizações, manifestações, assembléias lotaram as arquibanca-
das do ginásio do Clube Álvares Cabral. Greves, muitas! Nosso lema era a
20
defesa da escola pública, gratuita, laica e para todos.
Fomos construindo o termo Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação para
nos denominarmos, evitando usar o termo professores, no sentido de ampliar
o reconhecimento profissional de não apenas “o cuidar da criança” como a
extensão do trabalho doméstico, mas uma composição com os demais traba-
lhadores, com carga horária, salário definido, plano de carreira, etc. Por dois
mandatos consecutivos Arthur Viana esteve na presidência.
O cenário do movimento sindical em 1995-1996 foi se alterando, alterando... e
em 1997, exercia a função de presidente do sindicato. As assembléias já não
eram tão representativas do ponto de vista numérico: de municípios, escolas
e de trabalhador@s em educação como em anos anteriores. Aos chamados
para as mobilizações e manifestações, pouc@s respondiam. Convivíamos
com a implantação de uma tal globalização, privatização, neoliberalismo. O
que havia mudado?
A pós-graduação realizada em Psicologia - Ufes, de 1997 a 1999, tendo
Ana Lúcia Coelho Heckert como orientadora e o contato com outros tantos
professor@s deram-me condições para pensar um pouco sobre essas ques-
tões. A saída da militância sindical em 2000 trouxe-me ainda outras tantas.
A relação cotidiana com o mundo das artes plásticas - com meu companheiro
artista plástico -, as aulas como professora substituta na Ufes, o processo de
seleção para o mestrado e ele próprio tem-me permitido sentir o/no corpo a
vida com suas potencialidades, descolar o perceber da lógica binária e dico-
tômica; do certo ou errado, do bem ou mal.
Este trabalho pretende conversar, analisar nossas práticas de dirigentes do
Sindiupes na década de 90, de minha e de tantas vidas, buscando não cair
em qualquer catarse pessoal/coletiva, mas problematizar alguns aspectos
dessa prática: como esses saberes – o saber da Academia e o saber da
militância – podem dialogar? Como este diálogo pode contribuir para novas
21
relações/produções no debate com a forma de militância que o contempo-
râneo nos convoca? Esta é talvez a “grande” (talvez uma questão menor
no sentido que lhe empresta Deleuze2) questão colocada neste processo
em andamento. Movida por este sentimento de que muito intensamente
se produziu, viveu, amou, odiou, conquistou, perdeu nas relações com/
para @s trabalhador@s em educação, entendo que pôr em análise essas
práticas não é remontar/reviver a história de um período simplesmente,
mas é apostar em novas relações, numa postura que traga incômodo, que
inquiete e possa propiciar novas produções, novos movimentos na prática
sindical hoje.
22
2 Para Deleuze, uma “minoria se define como um conjunto não numerável, qualquer que seja o número de seus elementos. O que caracteriza o inumerável não é nem o conjunto nem os elementos, é antes a conexão, o ‘e’ que se produz entre os elementos, entre os conjuntos, e que não pertence a qualquer dos dois, que lhes escapa e constitui uma linha de fuga. (...) A potência das minorias não se mede por sua capacidade de entrar e de se im-por no sistema majoritário, nem mesmo de reverter o critério necessariamente tautológico da maioria, mas de fazer valer uma força dos conjuntos não numeráveis, por pequenos que eles sejam, contra a força dos conjuntos numeráveis, mesmo que infinitos, mesmo que re-vertidos ou mudados, mesmo que implicando novos axiomas ou, mais que isso, uma nova axiomática.” (DELEUZE, 1998, p.35). Assim, uma questão menor é aquela que escapa da sobrecodificação, foge por entre os dedos, que escapa da imposição das questões que se colocam como referência única, universal e inquestionável.
3 PREÂMBULOS... (três)
“... Esperando, esperando, esperando, esperando o sol
Esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem
Esperando um filho prá esperar também
Esperando a festa, esperando a sorte, esperando a morte, esperando o Norte
Esperando o dia de esperar ninguém, esperando enfim, nada mais além
Que a esperança aflita, bendita, infinita do apito de um trem
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem
Que já vem...”
Chico Buarque – Pedro pedreiro
Como preâmbulos, acredito ser importante para a compreensão deste traba-
lho relatar um pouco de como foram sendo formadas nossas posturas “endu-
recidas” de militante sindical, ou seja, posturas que muitas vezes se fecham
ao diálogo com o que difere. Questões/momentos da história de luta e organi-
zação dos trabalhador@s brasileir@s, “herdeir@s” e construtores históricos
da luta da classe trabalhadora no enfrentamento com o capital, entendido,
neste contexto, como o que expropria e subjuga de forma avassaladora, sem
saída. Trago momentos e concepções com os quais fomos aos poucos nos
constituindo dirigentes sindicais – “exigência de comprometimento e abnega-
ção para ser um bom revolucionári@”.
Portanto, ao (re)visitar esses momentos, essas concepções que direciona-
ram nossas ações, pode-se encontrar contradições e paradoxos nos textos
dos autores que auxiliaram no desencadeamento desses posicionamentos.
Hoje, percebo nas produções e posições expressas por bandeiras de luta
e palavras de ordem e até mesmo por autores que assessoram e analisam
o movimento sindical, como cada político toma sua verdade como a única
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verdade, justificando as agressões verbais e físicas entre campos que se
opõem: tendências, correntes e partidos, tendo as relações de poder firma-
das na primazia do mais forte e do mais fraco, da submissão e da opressão,
do “quem pode mais”, não se diferenciando das posturas e encaminhamen-
tos dos modos de produção capitalista. Então, tomo emprestado, nestes
preâmbulos, um pouco da história d@s trabalhador@s brasileir@s, da insti-
tucionalização do serviço público no Brasil e no Espírito Santo e da organi-
zação d@s trabalhador@s em educação. Tomo como base minha pesquisa
realizada no curso de especialização (1999), situando por quais caminhos
foram se constituindo nossos saberes militantes como antecedentes/precur-
sores em nossa conversa.
3.1 Um pouco de uma versão3 da história d@s trabalhador@s brasileir@s que contribuíram para minha/nossa formação mi-litante sindical
Uma das questões marcantes na história de organização d@s trabalhador@s
brasileir@s foi a vivida pelos imigrantes europeus: portugueses, espanhóis,
italianos, entre outros tantos. A partir do século XIX, eles vieram para serem
assalariados do campo, com a promessa de enriquecimento em um país em
franco desenvolvimento, recém-saído de um regime de trabalho escravocrata,
com a economia voltada à produção agrícola e pecuária.
Grande número desses trabalhador@s, não suportando o peso da jornada
e das condições de trabalho agrícola no Brasil, migrou para as cidades, au-
mentando o percentual de mão-de-obra assalariada no início do século XX.
O país buscava, então, aos modos europeus, mudar sua economia, tornan-
do-se um país industrial. Por incentivo da Igreja Católica, ocorreram suas
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3 A utilização do artigo indefinido “uma” acompanhando Deleuze (1989) permite falar de uma possível versão, mais aberta ao diálogo, mais ampla e não na idéia de que estou trazendo “a” versão que o uso do artigo definido parece reduzir, prender na “arrogância” de ser única.
primeiras corporações operárias, as chamadas Confrarias ou Irmandades,
que tiveram como princípio a reciprocidade, o mutualismo.
O número de fábricas aumentava. O setor têxtil, no qual a exploração do
trabalho feminino e infantil era maior, era também o que mais crescia. @s
operári@s começaram a se organizar de várias formas. As ideologias anar-
quistas e socialistas, predominantes nas organizações de trabalhador@s
européias, marcaram um período centrado na idéia de união e de resistên-
cia em defesa dos interesses de classe contra os interesses do capitalis-
mo. Estas organizações eram autônomas, completamente desvinculadas de
qualquer estrutura governamental ou patronal e de grande solidariedade,
portanto “[Defendiam] a neutralidade dos sindicatos, a ação direta, a gre-
ve geral e a substituição do Estado por federações de trabalhadores, que
produziriam de acordo com suas capacidades e consumiriam segundo suas
necessidades” (LOPES, 1986, p. 14).
De 1908 a 1912, inúmeras manifestações operárias ocorreram, culminando
com a grande manifestação no 1º de maio, em São Paulo. As palavras de
ordem que caracterizavam as reivindicações concretas que faziam eram “Jor-
nada de 8 horas de trabalho”, “Contra a carestia” e pelo “Reconhecimento
das organizações sindicais”. Em 1913, realizou-se o 2º Congresso Operário
Brasileiro, contrapondo-se à tentativa constante do Governo brasileiro de de-
sarticulação das organizações autônomas d@s operári@s.
Em 1920, aconteceu o 3º Congresso Operário Brasileiro, quando se deci-
diu que @s trabalhador@s deveriam se organizar em cada localidade em
sindicatos autônomos, de resistência, por ofício ou indústrias. Ocorreram
conflitos entre os anarco-sindicalistas e os anarco-bolcheviques, culminan-
do, em 1922, com a criação do Partido Comunista do Brasil. Porém, houve
divergência, entre os partidários, sobre qual a forma que deveriam atuar
para “derrotar o capitalismo”: os anarquistas defendiam a ação direta e os
comunistas, que todos os meios deveriam ser utilizados para atingir esse
objetivo. Dentre essas divergências estava a defesa, pelos comunistas, de
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criação de um partido para dirigir a classe operária na tomada do poder e
na ditadura do proletariado, antecedendo uma sociedade sem classes. Esta
crise no movimento sindical agravou-se, dividindo e dificultando lutas em
conjunto ao longo dos anos.
As práticas divergentes da época tomavam exatamente esse sentido de que
era necessário “derrotar o capitalismo”, naquele momento dito sem nenhuma
aspas, sem colocar em análise como nesse ínterim constituíam práticas pou-
co “libertadoras”, também aprisionantes. Não seria essa mesma lógica que
regia as práticas dos dirigentes do Sindiupes nos anos 90? Mais à frente,
neste trabalho, essa questão será retomada.
A crise mundial de 1929 ocasionou a quebra da bolsa de Nova York, provocan-
do queda dos produtos agrícolas no mercado internacional e no Brasil – se-
tores da indústria têxtil, de calçados e papel - gerando desemprego e baixos
salários, trazendo insatisfação à pequena e média burguesia. A conseqüente
revolta armada em diversos lugares do país levou à presidência Getúlio Var-
gas, em novembro de 1930, através da Aliança Liberal – coligação de forças
políticas regionais que o apoiavam.
O movimento operário encontrava-se dividido e desarticulado nesse período.
Segundo a literatura, “ser de esquerda” era pertencer a uma organização ou
pensamento de viés comunista, o que vai caracterizar o movimento operário
por um bom período. Os operários viam com certa simpatia a Aliança Liberal,
porém não participaram diretamente desse processo. A simpatia era devida à
“consideração” de algumas de suas reivindicações pelo novo governo.
Com o caráter intervencionista de Estado, uma série de decretos e leis foi
desencadeada, a partir da regulamentação do Ministério do Trabalho, em de-
zembro de 1930, culminando na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em
setembro de 1943.
Esta legislação sindical vigora até hoje e configura-se como a tradução
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da Carta deI Lavoro, italiana, de 1927 de origem fascista. Propõe uma
organização sindical: vertical, hierárquica, piramidal, atrelada ao governo
- vincula à existência dos sindicatos ao reconhecimento formal do Ministé-
rio do Trabalho e Previdência Social, sendo permitido a estes intervir nas
organizações sindicais.
O Ministério do Trabalho instruía os sindicatos quanto à elaboração de seus
estatutos, que deveriam conter como deveres: a colaboração com os poderes
públicos para o bom desenvolvimento da solidariedade, a defesa dos interes-
ses individuais dos associados ou da categoria, a manutenção dos serviços
de assistência jurídica, a imposição das contribuições a todos que os repre-
sentam. Vejamos no discurso de Getúlio Vargas:
O novo Ministério mantém estreito contato com as indústrias e co-mércio, sem falar nos representantes das classes operárias, pro-curando assisti-los em todos os seus interesses. A norma de ação consiste em substituir a luta de classes, negativa e estéril, pelo con-ceito orgânico e justo da colaboração entre as classes, com severa atenção às condições econômicas do país e aos reclamos da justiça social (GIANNOTTI, 1986, p. 67).
As implantações desses decretos e leis foram acompanhadas de resistências
pelos sindicatos, que não queriam se dobrar às exigências impostas pelo go-
verno de Getúlio Vargas. O movimento operário reagia: reagruparam a Fede-
ração Operária de São Paulo; criaram a Frente Única Antifascista, em 1934,
com 87 sindicatos; realizaram greves gerais e setoriais e intensificaram a luta
pela unidade sindical.
Em contrapartida, na tentativa de cooptação aos novos valores e à nova or-
dem, @s trabalhador@s viam serem implementadas propostas defendidas
pelas lutas. Reivindicações foram, por leis, atendidas, como por exemplo,
carteira profissional, regulamentação da jornada de trabalho de oito horas no
comércio e, logo após, nas indústrias; instituição da Convenção Coletiva de
Trabalho, do salário mínimo e da regulamentação do trabalho feminino.
Cabe ressaltar que a instituição do salário mínimo visava apenas garantir ao
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trabalhador o mínimo para mantê-lo em condições de exercer seu ofício:
Salário mínimo é a contra prestação mínima devida e paga direta-mente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive o rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, às necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte (CLT, 1990: art. 76).
O imposto sindical – mecanismo criado para existência e manutenção dos
sindicatos e de toda essa estrutura sindical de forma compulsória – compre-
ende o desconto de um dia de trabalho de cada trabalhad@r brasileir@ com
carteira assinada no mês de março de cada ano. Este dispositivo resultou em
entidades que se estabeleceram e se encastelaram em patrimônios físicos
“poderosos”, independente da vontade d@s trabalhador@s.
Com o Estado Novo, Era da ditadura de Getúlio Vargas, de 1937 a 1945, o
parlamento, as assembléias estaduais e as câmaras municipais foram extin-
tas. Partidos políticos foram fechados, o presidente intervinha onde julgava
necessário impedir as “forças subversivas” de se estabelecerem. Na Europa,
o fascismo e a guerra entre as burguesias monopolistas das potências capita-
listas evidenciavam a crise das democracias liberais e ameaçavam a primeira
experiência socialista iniciada na União Soviética. Foi um período de forte re-
pressão, com prisões e torturas, corte de toda imprensa que ousasse falar em
linguagem diferente. Getúlio Vargas conseguiu uma certa estabilidade, gra-
ças à conciliação realizada entre as várias frações das classes dominantes
oligárquicas e burguesas. Com campanhas de massa, ficou conhecido como
homem generoso, forte, o “pai dos pobres”, pacifista e conciliador.
No período de 1946 a 1952, com a queda da ditadura de Vargas, a idéia de
redemocratização do Estado passou a vigorar. Eleições puderam ser rea-
lizadas e nova constituição foi elaborada. Expectativas foram geradas: de
ampla democratização do país; de organização livre da classe trabalhadora,
garantindo seus interesses/direitos; extinção das desigualdades e injustiças
sociais. Com a política de liberação cambial, o governo federal, num curto
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prazo de tempo, viu-se às voltas com o desaparecimento de divisas o que o
levou a implantar medidas de confisco cambial, transferindo recursos do setor
agro-exportador para o setor industrial. O governo federal atribuía a alta de
inflação aos aumentos de salários, ocasionando embates com o movimento
operário, que, em algumas categorias, se organizava paralelamente à estru-
tura oficial, sofrendo, muitas vezes, intervenção federal.
As mobilizações populares foram crescendo; vários organismos apareceram
no cenário para lutar pelas questões sociais e contra a carestia. O movimento
operário puxava greves pelo país, apesar de dividido em correntes antagôni-
cas. A corrente nacionalista, composta por liberais, socialistas, nacionalistas
e comunistas propôs uma revolução “antimperialista, nacional e democrática”.
Os renovadores compreendiam os sindicalistas católicos, os defensores da
política de Jânio Quadros e a esquerda, contrária ao PCB, os “amarelos”, as-
sim denominados os sindicalistas da estrutura oficial, oportunistas ligados ao
Ministério do Trabalho. Após o 3º Congresso Sindical Nacional de Trabalha-
dores, realizado em agosto de 1960, dois blocos foram formados. A corrente
dos nacionalistas organizou-se no Comando Geral dos Trabalhadores (CGT)
e os renovadores e “amarelos”, no Movimento Sindical Democrático (MSD).
Ao crescimento da organização popular e sindical respondiam com manifesta-
ções às tentativas de impedir os avanços econômicos e políticos consolidados
com o parlamento e com o governo. Os militares de direita impuseram o golpe
militar, em 31 de março de 1964. Com o golpe, um longo período de repressão
e silêncio desabou sobre @s trabalhador@s e o povo brasileiro. Clandestina-
mente, @s trabalhador@s mantiveram um mínimo de organização:
A ditadura militar, então instaurada, caracteriza-se pela forte con-centração de poder no executivo federal, e é utilizada para resolver as contradições no plano econômico que o impasse político tinha agravado. Os trabalhadores assalariados são silenciados e perdem o direito de barganhar coletivamente aumento de salários, suas prer-rogativas políticas são retiradas. Seus sindicatos, sob intervenção, são colocados sob o controle ainda mais rígido do Ministério do Tra-balho. As Ligas Camponesas são dissolvidas e seus líderes perse-guidos, presos, torturados e, muitos, assassinados.
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Um dos efeitos do golpe militar, não obstante as centenas de cas-sações, prisões e torturas – com relação à produção da época, num primeiro momento – não é o impedimento da circulação das produções teóricas e culturais da esquerda. Ao contrário, apesar da ditadura, há uma hegemonia cultural da esquerda, que é o traço mais visível deste panorama brasileiro de 64 a 69. Entretanto, a cir-culação de tais idéias é totalmente bloqueada às classes populares (COIMBRA, 1995, p. 8).
Em 1968, o Governo Militar intensificou sua ação ofensiva, instituindo o AI-5.
Visando garantir a qualquer modo seu modelo governamental de desenvol-
vimento econômico e social, os governantes militares internacionalizaram a
economia brasileira, fortaleceram o aparato militar e repressivo, criando me-
canismos, os mais diversificados, de controle social, com base na Doutrina
de Segurança Nacional. Esta “febre” se instalou em toda a América Latina.
Em 1973, aconteceram os golpes militares no Chile e no Uruguai e, em 1976,
na Argentina. Sobrepondo-se a todas as leis, a “segurança do regime” foi a
prioridade para o “desejo desenvolvimentista das nações”.
A resistência no início da década de 70, no Brasil, navega por esses dois fenômenos: a luta armada contra a ditadura e os movimentos de contracultura. Todavia, para a sociedade brasileira em geral há um desinteresse pelas diferentes formas de participação e questio-namento social. Diferentemente da década anterior– na qual os mo-vimentos sociais com participação massiva colocaram em evidência o instituinte – o início dos anos 70, no Brasil e em todo o mundo, mostra um refluxo dos temas antes tão inflamadamente debatidos (COIMBRA, 1995, p. 18).
AI-5 passa a ser um dos bens mais estimados não somente pela classe média: expande-se também como valor fundamental para as classes mais empobrecidas da população. Nos horários de novela, de programas tipo Chacrinha, assiste-se a um verdadeiro ritual: to-dos à volta do aparelho. E o reinado da Rede Globo, da aldeia global que se fortalece gradativamente nesses anos 70 e chega ao apogeu nos anos 80 e 90. A modernização tecnológica da área de teleco-municações é um fato, o que traz profundas mudanças em toda a sociedade brasileira (COIMBRA, 1995, p. 24).
Com um cenário de silêncio imposto, os movimentos sociais começaram
a se organizar em torno de um setor da Igreja Católica. É importante res-
saltar que a Igreja, em sua relação direta ou indireta com o poder político
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governamental (fossem estes imperadores, reis ou presidentes), sempre
esteve presente como uma força institucional a defender seus interesses
morais, financeiros e patrimonialistas. Por esta questão, cabe aqui enfati-
zar que um setor da Igreja, por um certo momento, atuou como aliada dos
movimentos sociais, incentivando a formação de Comunidades Eclesiais de
Base (Cebs), baseadas na “teologia da libertação”. Com elas são criados
o Clube de Mães, o Movimento do Custo de Vida, o Movimento de Saúde
e Educação da Zona Leste de São Paulo e as Associações de Moradores,
auxiliando o crescimento das lutas operárias.
Em 1978, com as mudanças do cenário econômico e político internacional,
com o acúmulo da pressão efetivada pela classe trabalhadora, foram criadas
como mecanismo de organização, as comissões de fábrica e as Comissões
Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) – dentro das fábricas ques-
tionavam diretamente os patrões, colocando em cheque principalmente as
condições de trabalho. Novas greves foram deflagradas. Contrariamente à
legislação antigreve e à política de arrocho salarial. Iniciando um novo perío-
do na história do país, foram organizados encontros nacionais e estaduais de
trabalhador@s rurais e urban@s (Enclats e Conclat). Em agosto de 1983, foi
criada a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ficando fora da central, até
1986, somente o setor sindical ligado ao PC do B.
O país alterou-se. As pressões exercidas pelo enfrentamento direto das diver-
sas categorias que se organizaram, se solidarizaram e levaram o Estado au-
toritário a criar a chamada política de “descompressão”, iniciada pelo General
Ernesto Geisel, à lei da anistia, à derrota eleitoral do governo militar em 12
estados brasileiros em 1982 e à suspensão da censura à imprensa. Ocasiona-
ram uma movimentação da sociedade brasileira pela realização das “Diretas
Já” em 1983 e 1984, exigindo-se a democratização do país. A impunidade
se mascarava pelo processo de transição, não ocorrendo, para a população,
neste processo, a ruptura explícita com os militares.
Concomitantemente às mudanças no cenário político, houve alteração do
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cenário econômico para o setor produtivo: este se adapta e cria outras ma-
neiras de combinação entre a garantia do aumento da produção e de dimi-
nuição dos custos, mantendo-se no patamar da qualidade necessária para
a disputa do mercado. É a Reestruturação Produtiva. Junto com ela, @s
trabalhador@s viram chegar o aumento do desemprego, o que gerou um
corte no poder de empregabilidade da mão-de-obra assalariada, com uma
certa “desculpa” de que a mão-de-obra não era qualificada o suficiente para
a demanda emergente deste imenso mercado globalizado.
Neste contexto, a década de 90 trouxe para o movimento sindical o grande
desafio da combinação da permanência de direitos e de não redução de salá-
rios com a manutenção do próprio emprego. Era o projeto neoliberal instalan-
do-se efetivamente com o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
O PSDB, segundo Sader (1995), surgiu do esgotamento do PMDB como par-
tido dirigente da transição democrática no país, agregando “quadros” como
Mário Covas, Pimenta da Veiga e FHC, com o Partido da Frente Liberal (PFL)
fazendo da modernização neoliberal do Estado a principal bandeira política.
O capitalismo, na tentativa de contornar suas próprias crises, fez surgir o
neoliberalismo como reação à crise do Estado de bem-estar social “que, por
sua vez, havia se desenvolvido como forma de contornar as crises violentas
do capitalismo, como aquela de 1929”. (SADER, 1995, p. 187). O Estado de
bem-estar social, conhecido como welfare state, foi constituído principalmen-
te pela Revolução Industrial, pela urbanização e pelas conseqüências sociais
e econômicas de depressões econômicas e pós-guerras. Ele defendia uma
agenda social com o objetivo de procurar melhorar a vida diária e prover
segurança ao indivíduo, por meio de programas econômicos de governo. O
Estado, entendido como interventor, segundo Gentili (1998), caracterizado
pela centralidade da administração das políticas sociais e burocratização dos
serviços estruturais da sociedade, criou as condições de um cenário social,
baseada na confiança que a comunidade acabou depositando nas promessas
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que os governos formularam e que os sindicatos exigiam, por exemplo, os da
educação: uma escola pública gratuita e de qualidade para todos.
Numa análise desses autores, a contraposição ao Estado de bem-estar social
com a do Estado mínimo, entendido como o mediador, por meio das normati-
zações e legislações das relações, era desenvolvida pela política neoliberal.
O neoliberalismo fundamenta-se na desregulamentação da economia, libe-
rando a livre circulação do capital ao bel prazer das regras do mercado; na
privatização das empresas estatais, diminuindo a presença do Estado na eco-
nomia; no corte nas políticas sociais, como saúde e educação; e na redução
da folha salarial do Estado. O Estado configura-se, então, como regulador
das relações mercantilistas, favorecendo o capital internacional, o capital fi-
nanceiro; não mais como agente de investimento direto, “saindo de cena”
com seu deslocamento do protagonismo estatal em matéria de gasto público
social, transferindo-o, por meio de programas de descentralização, para as
próprias comunidades. Exemplificando esta relação mercadológica na edu-
cação, segundo Gentili (1998), não se assegurou qualidade com quantidade,
com ampliação de vagas, gerando a ineficácia da competitividade da escola:
nos altos índices de exclusão, na destinação dos recursos, que não previam
cursos de capacitação para os trabalhador@s em educação, na dispersão do
uso dos espaços escolares, etc. Segundo Sader:
[...] o neoliberalismo é um remédio amargo que os países do Pri-meiro Mundo não tomaram na dosagem que propõem ao Terceiro Mundo, ou se já o tomaram, já passaram a corrigir seus rumos, com a substituição de seus mandatários neoliberais” (SADER, 1995, p.191).
No Brasil, ainda sentimos seus reflexos na continuidade de sua política pelo
governo Lula, mas esta análise extrapola o contexto desta dissertação.
Para o movimento sindical e popular, o PT e o Lula como “oposição” ao pro-
jeto de FHC não se efetivara nas disputas eleitorais, segundo Sader (1995),
por uma articulação do projeto de modernização do Estado sem “mexer” nas
políticas das elites, mas ao contrário, buscando somar-se a elas, com o can-
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didato vindo da esquerda intelectual brasileira, pactuando concessões para
“a derrota da esquerda”. Em seus discursos, FHC posicionava-se para os
setores médios, como o que faria transformações sem convulsões sociais,
no convencimento tanto das elites, como da esquerda; para as classes po-
pulares, resgatava a esperança com a redução da inflação, de melhoria do
poder aquisitivo, salários, etc.
Os intelectuais, os assessores do movimento sindical e as próprias lideran-
ças sindicais ficaram “um tanto perdidos” com a seqüência em que se deu
(e está se dando) o processo de implantação da lógica neoliberal no Brasil.
Em muitas formulações, a discussão encontra-se “presa”, por um bom perí-
odo, à questão da morte ou não do socialismo real na Europa, com a queda
do muro de Berlim. Temos ou não temos “socialismo resistindo” na China,
Cuba e na Albânia? Concomitantemente, as articulações de implantação
do projeto neoliberal foram estendendo suas redes, formando e ganhando
simpatias. As “perdas de direitos” d@s trabalhador@s, como na greve dos
petroleiros de 23 dias em 1995 - deflagrada pela discussão da quebra do
monopólio do petróleo, quando da utilização por parte do governo das forças
armadas, resvalaram como possíveis “silenciadoras”, “desorganizadoras” do
movimento sindical.
O sindicalismo no Brasil, na década de 90, assim como os assessores inte-
lectuais com os quais nos referenciávamos, discutia aquilo que a Academia
trazia de suas últimas e frescas análises, isto é, sentido em várias posições
expressas pela CUT, pela CNTE e pelo Sindiupes, com leituras que se redu-
ziam às análises macropolíticas dos contextos e da construção de saídas,
não se colocando em análise as práticas cotidianas. No período de 1995 a
2000, os congressos anuais realizados pelo Sindiupes contaram com a pre-
sença de alguns desses intelectuais/interlocutores do movimento: Frei Betto,
Pablo Gentili, Gustavo Friedmann, Tomaz Tadeu Silva, Gaudêncio Frigotto,
Emir Sader e Ricardo Antunes. Como exemplo dessas análises macropolíti-
cas cito Friedmann:
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[...] enfrentamos desafios inéditos e profundos, em parte pela ação dos neoliberais, em parte pelas mudanças que estão ocorrendo no mundo da produção. Contudo o cenário não é de uma vitória global das forças conservadoras, mas está definido pela sua capacidade de tomar a ofensiva e disputar corações e mentes da população. Para a esquerda em geral e o movimento sindical em particular, trata-se de reconstruir projetos, renovar-se na discussão das uto-pias e, sobretudo, insistir no combate global à visão e ao programa neoliberal (FRIEDMANN, 1995, p. 22).
Nessas afirmativas, encontram-se as expectativas dos intelectuais às ques-
tões pautadas pelos neoliberais, no plano macropolítico. Para os intelectuais,
o movimento sindical era objetivado como uma organização importante no
combate ao programa neoliberal em seus princípios e em sua forma global de
apresentação. As greves e as manifestações eram os instrumentos de luta,
entendidos por esses intelectuais e pelos dirigentes sindicais como possibili-
dades de reconstrução de projetos e de renovação de utopias. Afirmavam um
dualismo na relação teoria-prática como processos de totalização, em que da
prática, novas teorias, novas verdades poderiam “surgir” ou como se a prática
fosse aplicação de uma teoria (como verdade universal, única). Entende-se,
como em Foucault (1998), a relação teoria e prática como um sistema de
multiplicidades em revezamentos, em que a ação de teoria e ação de prática
revezam-se eventualmente em domínios e discursos diferentes nas relações
que vão sendo construídas, produzidas.
Para os servidores públicos, essa relação entre teoria-prática também se pau-
tava como processos de totalização, assim como eram suas relações totali-
zantes com o Estado, com a população, na hierarquia com seus pares, e não
como relações em redes. Naquele período, encontravam-se fragilizados os
movimentos reivindicatórios dos servidores públicos (entendido como setor
improdutivo na relação com o capital, por não produzirem bens de consumo
ao final de suas jornadas diárias de trabalho). Os próprios servidores, assim
diziam, encontravam-se tensionados pelo programa neoliberal na negação
de suas funções enquanto serviço necessário à população, sentindo o setor
privado como a lhe ameaçar a existência, e não encontravam em seus “repre-
sentantes” intelectuais uma “verdade” no discurso que lhes motivassem.
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Essas questões e a relação público e privado serão abordadas no item a se-
guir como um debate relevante no entendimento das especificidades de cons-
tituição do setor público, pois irão permear o trabalho dos dirigentes sindicais
do Sindiupes, objetivado por esta pesquisa.
3.2 Como se constitui/institui o serviço público no Brasil
Neste item, situa-se um pensamento norteador das ações quanto às concep-
ções do público e privado para os trabalhadores do serviço público, em es-
pecial os da educação, e uma versão do processo de constituição do serviço
público no Brasil, entendendo ser este um caminho para a compreensão e as
análises das práticas da direção do Sindiupes. Este item inicia-se, relatando
como este debate se dava naquele período e como se apresentavam os con-
ceitos do público e privado na pesquisa em questão.
O debate do público e do privado se fez de forma bastante frágil no movi-
mento sindical. Defendía-se o público por ser entendido como “coisa públi-
ca” – jargão do movimento sindical – obrigação do Estado, como garantia
das chamadas políticas sociais: educação, saúde, saneamento, transporte,
segurança, etc. para a maioria da população desprivilegiada pelo capitalis-
mo, que têm nas ações governamentais a esperança de condições mínimas
de vida. O privado estava conceituado como o que está aliado ao capital,
o que quer sempre mais, à espreita de ampliação de sua acumulação fi-
nanceira. Então, o público era sinônimo de estatal e o privado acumulação/
apropriação do capital. As dicotomias e os antagonismos eram a tônica de
nossas práticas discursivas.
O mestrado, sendo mais específica, a minha participação no Núcleo de Es-
tudos e Pesquisas em Subjetividade e Política (Nepesp), no desenvolvi-
mento das pesquisas em escolas municipais da Grande Vitória, provoca
questionamentos como: público é sinônimo de estatal? Qual o sentido do
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público e do privado? Estas questões nos conduziram a um outro campo
de problemas de leituras e muitas conversas. Nessa direção lancei-me na
leitura de alguns autores que poderiam ajudar nessa construção conceitual-
metodológica. Faleiro (1998) traz a origem das palavras público e privado
como gregas, e explicita que
[...] A distinção era clara entre casa (oikos) e a cidade (pólis). A vida pública, comum a todos os cidadãos, era o local da conversação (lexis), e também podia assumir a forma de conselhos e tribunais, onde se exercia a práxis comunitária (práxis). Os cidadãos da polis (bio politiko) eram liberados de qualquer tipo de trabalho produtivo e a participação na vida da cidade dependia da sua autonomia como senhores da casa (pater famílias).Na esfera privada, os homens viviam juntos, unidos por suas ne-cessidades e carências, e esse era o espaço que garantia a vida da pólis (FALEIRO, 1998, p. 42).
Aqui a esfera pública é lugar de liberdade, do visível e a esfera privada, o
espaço da casa, o lugar da necessidade, descanso, que asseguraria a vida
pública. Para os romanos, a esfera pública é definida como a res publica tam-
bém esfera da liberdade. Os imperadores eram como procuradores do bem
comum, do bem público, passando a configurar-se como seu sinônimo.
Retomada na sociedade moderna a separação entre público e privado com
o sistema de produção capitalista, para Arendt, citada por Faleiro (1998),
esta separação aconteceu com a aparição da esfera social, que se interpôs
entre o público e privado, sendo “abstrata e impessoal”, pois não é nem
uma nem outra e é representada pelo Estado. A idéia de representação pú-
blica cabia, até então, a uma pessoa investida de autoridade. No caso do
Estado, a representação é substituída pelo poder público, aparelho forte,
regulamentado por leis e normas. Uma relação dicotômica presentifica-se:
ao aumentar o espaço de um, diminui conseqüentemente o outro; passan-
do a diferenciação do aspecto apenas descritivo para seu aspecto valorati-
vo: “um parece ser oposto ao outro, ou seja, quando um tem valor positivo
o outro tem valor negativo, e vice-versa. Dessa contradição derivam as
concepções da primazia do privado sobre o público e do público sobre o
37
privado” (FALEIRO, 1998, p. 443). Contradições tornaram-se visíveis. No
século XX, esta relação expressou a contradição entre interesse coletivo
e interesse individual.
No capitalismo industrial, a diluição do espaço público com a produção de
novas formas de vida mais intimistas configurou-se num novo delineamen-
to do espaço privado. Pela família patriarcal, autoritária e protetora, passa
o “funcionamento” da segurança da economia, a formação da mão-de-obra.
Reproduzia-se internamente a nova ordem social e econômica pública, não se
isentando de viver seus conflitos “secretos” e também normativos.
Segundo Faleiro (1998), a configuração da sociedade civil torna mais tênue a
linha de demarcação entre o público e o privado, fazendo com que os confli-
tos sociais se imbricassem, pois a vida humana está sempre ligada ao mundo
de homens e das coisas. O Estado passa a assumir o papel do defensor dos
proprietários das riquezas, que querem a cada dia acumular mais riquezas
sob a proteção deste poder político, da ordem.
Este Estado “traz para si” as políticas sociais, que assumem o papel de esta-
tal, a ponto de gerar uma oposição entre estatal e privado, pois, dessa forma,
estaria configurada a usurpação dos espaços de liberdade, de individualidade
e da democracia, esgotando o Estado Keynesiano-liberal e provocando a luta
pelo Estado mínimo, tendo assim garantia da esfera privada de seus espaços,
na divisão, no controle e na limitação do poder estatal. Citando Sader:
Se existe uma esfera estatal, é a do cumprimento de funções su-postamente nacionais, assumidas como prolongamento dos interes-ses do capital privado, por tecnocratas e burocratas aparentemente autonomizados da sociedade. As empresas estatais brasileiras, en-quanto produzem bens e serviços que, na sua esmagadora maioria, se dirigem ao grande capital privado, nacional e estrangeiro, a pre-ços altamente convenientes para eles, preenchem perfeitamente os requisitos do que seja uma esfera estatal. Os órgãos norma-tizadores do Estado, enquanto colocam em prática, conforme os interesses do capital privado, isenções, subsídios, créditos, perdão de dívidas, uma política tributária que recai sobre os que ganham menos e os que não sonegam, cumprem o que se espera da esfera estatal (SADER, 2001, p. 176).
38
Portanto, o espaço público enquanto possibilidade de vida coletiva “contra-
põe-se” ao espaço privado, e também ao estatal, enquanto disfarce extensivo
deste espaço privado. Entende-se o espaço público como o que está “limita-
do” pelos interesses sociais.
Pensando o público como espaço coletivo, de interesse comum a todos, po-
de-se dizer que gestar a vida, as relações que se estabelecem com nossos
pares e com as coisas como modo de funcionamento público não é dicotomi-
zar as relações entre os interesses particulares/individuais e os interesses
dos outros, mas primar pelo exercício da pólis – da política como exercício
ético, coletivo.
Com esses elementos de análise, tenta-se pensar a constituição do serviço
público no Brasil, ou seja, pensar em como se relacionam o público, o privado
e o estatal nos percursos que vão sendo traçados e também a organização
do Estado; como se constituem, como se entrelaçam, buscando entender os
contornos e as formas em que aparentemente têm visibilidade. Como se tem
vivenciado a construção de espaços públicos no Brasil?
3.3 Serviço público no Brasil: delineamentos
Os cargos públicos no Brasil, desde seu primeiro registro, parecem estar
ligados aos interesses privados de satisfação dos objetivos de alguns pou-
cos; num momento aos candidatos à nobreza, em outro aos proprietários de
terras, no cumprimento de favores políticos e burocráticos do “poder repre-
sentativo”, segundo Sader (1990), de maneira que “as coisas mudavam, mas
permaneciam iguais”, como será visto a seguir.
Segundo publicações do Departamento lntersindical de Assessoria Parlamen-
tar (Diap), pelos quais baseiam-se grande parte destes recortes, na época do
Brasil Colônia, o cargo público era propriedade do rei. Este, ao concedê-lo,
conferia a seus favoritos autoridade e nobreza. Era possível comprar um car-
39
go público através de leilão ou diretamente da coroa. No Brasil Império, com
a institucionalização do poder militar dos grandes proprietários de terra, suas
milícias particulares eram incorporadas ao Ministério da Justiça, utilizando-se
do provimento dos cargos para os acordos políticos. No Estado Republicano,
a aliança entre o poder público estatal e o privado estabeleceu-se com as
concessões e o destino das verbas públicas em troca do “voto de cabresto”
de famílias inteiras, que se beneficiavam com os cargos, fazendo crescer
desordenadamente a estrutura administrativa do Estado, caracterizada pelo
clientelismo e nepotismo.
Em 1934, segundo o Diap, a Constituição brasileira garantiu aos funcionários
públicos direitos de jornada de trabalho de oito e seis horas diárias, emprego
com estabilidade. Em sua maioria, os cargos públicos de carreira passaram
a ser preenchidos exclusivamente por concurso público de provas e títulos,
e as leis com estas normatizações foram definidas no primeiro estatuto dos
servidores federais, em 1939, gerando descontentamentos a partir destas
garantias, e, para aliviar as pressões dos que defendiam o clientelismo, em
1946, foi “permitida” a contratação de pessoal para funções temporárias sem
a realização de concurso público, favorecendo milhares de pessoas contra-
tadas como “interinos e extranumerários”, gerando um processo de burocra-
tização estatal galopante.
A relação entre a busca de profissionalização do serviço público e a possibi-
lidade de manipulação deste na garantia de seus interesses se dão de forma
permanente e gera “ganhos e dividendos”, ora para um, os servidores concur-
sados, ora para outro setor, os favorecidos pelo clientelismo. Em 1952, o se-
gundo o Estatuto da Administração Pública Federal foi criado, numa tentativa
de qualificação profissional do quadro de pessoal e de regulamentação de um
sistema de carreira.
Em 1967, através do Decreto lei nº. 200, o regime autoritário admitiu a
contratação pelo regime celetista, com o argumento de que era preciso
“flexibilizar” a administração pública, permitindo o provimento de cargos
40
comissionados. Empresas estatais, fundações e autarquias foram dissemi-
nadas pela União e pelos estados, com a finalidade de dar mais “liberdade
gerencial” aos moldes da iniciativa privada para a administração pública,
mas as excessivas concentrações de poderes e de confiança no Executivo
levaram a uma não efetivação da reforma de 67, por não se estruturarem
em carreiras algumas áreas estratégicas do Estado. Segundo o Diap
Não se conformou sob a direção dos militares uma eficiente buro-cracia de Estado. Não se profissionalizou a administração nem uma carreira gerencial para os seus escalões superiores, a exemplo do que ocorreu na França e Inglaterra. Ao contrário, a flexibilização operada, sem que houvesse um estancamento burocrático autôno-mo, legitimado, que pudesse operar no processo de implementação sob a ótica do interesse público, articulando a formulação de políti-cas com o poder político e os agentes sociais, abriu as portas para o fisiologismo (SANTOS, 1997, p. 43).
Portanto, o quadro do serviço público da União, Estados e Municípios formados
pela administração indireta e direta é, por vezes, entrecortado, confundindo-
se os papéis de suas empresas estatais, fundações, autarquias e empresas
de economia mista. A Constituição de 1988 não conseguiu resolver os pro-
blemas decorrentes desta política de flexibilização e autonomização de tais
entidades. Questões como isonomia salarial e irredutibilidade salarial estão
presentes nas legislações, mas não efetuadas pelos governos. A estabilidade
dos servidores concursados, de carreira e dos celetistas beneficiados por ela
tornou-se objeto de questionamento e motivo de discussões eloqüentes nos
mais variados locais. Sem regulamentação, um direito previsto em lei podia
tornar-se elemento de barganha direta entre os servidores e os dirigentes das
fundações, empresas de economia mista, etc.
O Governo Sarney, com a política do “é dando que se recebe”, argumenta a
assessoria do Diap, deixa alguns resultados positivos no que tange à criação
de algumas carreiras estratégicas até então inexistentes no serviço público.
Já o Governo Collor, afirma, desestruturou setores vitais da máquina estatal.
No Governo Itamar, as iniciativas de reforma voltaram-se para a regulamen-
tação, a criação de alguns órgãos e autarquias e as alterações na estrutura
41
ministerial. Fernando Henrique Cardoso (FHC), como ministro da economia,
já afirmava, segundo Sader (1995), que “a economia privada vai bem, o Esta-
do é que vai mal”. Já indicando no que viria a se constituir o seu governo.
Com o Governo de FHC, construiu-se na sociedade a necessidade de o Brasil
se adequar às novas regras capitalistas, com um dos argumentos de que no
combate ao déficit público, a ser realizado por meio do controle inflacionário,
tem-se a superação da crise. Seguem-se modelos - alemães, franceses ou
americanos- agora também na reestruturação do Estado. Os rumos do Gover-
no de FHC são sentidos na fala de Bresser Pereira:
A crise do Estado impôs a necessidade de reconstruí-lo; a globali-zação tornou imperativo redefinir suas funções. Antes da integra-ção mundial dos mercados e dos sistemas produtivos, os Estados podiam ter como um de seus objetivos fundamentais proteger as respectivas economias da competição internacional.
Depois da globalização, as possibilidades do Estado de continuar a exercer esse papel diminuíram muito. Seu novo papel é o de facili-tar para que a economia nacional se tome internacionalmente com-petitiva. A regulação e a intervenção continuam necessárias, na educação, na saúde, na cultura, no desenvolvimento tecnológico, nos investimentos em infra-estrutura – uma intervenção que não apenas compense os desequilíbrios distributivos provocados pelo mercado globalizado, mas principalmente que capacite os agentes econômicos a competir em nível mundial. No plano econômico, a diferença entre uma proposta de reforma neoliberal e uma social-democrática ou social-liberal está no fato de que o objetivo da pri-meira é retirar o Estado da economia, enquanto o da Segunda é au-mentar a governança do Estado, é dar ao Estado meios financeiros e administrativos para que ele possa intervir efetivamente sempre que o mercado não tiver condições de estimular a capacidade com-petitiva das empresas nacionais e de coordenar adequadamente a economia (PEREIRA, 1997, p. 269).
Segundo Sader (1995), Gentilli (1995) e muitos outros autores, a política ne-
oliberal de não investimentos nos serviços públicos, com cortes de pessoal, e
nas políticas sociais, com a abertura à iniciativa privada de serviços aos que
podem pagar por eles, gerou um empobrecimento e uma desqualificação da
vida da população brasileira em tempo recorde. O serviço público, tratado de
forma universalista em sua relação com os interesses políticos governamen-
tais e partidários, permeado pelas ações do capital, como na privatização das
42
empresas públicas de eletricidade, estradas, telecomunicações e telefonia,
mostrou-se em uma nova configuração, que vai sendo produzida e percebida
como o grande vilão da sociedade brasileira.
Uma concepção foi se formando de que o público, “confundido” com o esta-
tal, é formado por pessoas que apenas “penduram os paletós” nas cadeiras,
transformando o local de trabalho em escritório particular, e mesmo se ausen-
tando para tratar de interesses pessoais. Uma idéia de “máquina pesada”, de
pessoas obsoletas e mal-humoradas, de burocratização dos procedimentos
foi se constituindo. Simultaneamente, o servidor se viu frente ao desafio de
permanecer empregado e estável. Os sindicatos dos servidores investiram
suas energias nas formas conhecidas de enfrentamento, ao mesmo tempo em
que um discurso corrente foi se consolidando no sentido de ineficiência e não
“competitividade” do setor público. A relação com os intelectuais/assessores
não ajudava, pois não havia um pensamento conceitual único, e os dirigentes
sindicais “aguardavam” destes uma “verdade” que não vinha.
Este é um “quadro” de constituição do serviço público no Brasil. Fazendo
parte dele, os dirigentes sindicais do Sindiupes, a partir de 1990, envol-
veram-se mais diretamente com os demais trabalhador@s deste setor. Ao
buscar compreender o processo de organização dos servidores públicos,
a construção dos movimentos de suas lutas, permeio traçar um caminho
para um entendimento das práticas dos dirigentes sindicais do Sindiupes.
3.4 Como se organizam @s servidor@s públic@s, mais espe- cificamente os da educação pelo Brasil
A partir das décadas de 40-50, foram constituídas inúmeras associações de
funcionários públicos, principalmente no setor de educação, concomitante-
mente à medida da organização das próprias redes de ensino público. Implici-
tamente, era vedado ao funcionário público sindicalizar-se. A Constituição de
43
1931 previa a sindicalização, mas proibia genericamente o direito de greve.
O processo de urbanização vivenciado em 1960 gerou um crescimento dos
sistemas de ensino e do número de professor@s. A organização dos profes-
sores primários do Brasil, após a realização de três congressos nacionais,
resultou na criação da Confederação dos Professores Primários do Brasil
(CPPB), mantendo-se à margem das articulações políticas da época. Em
1970, seu nome foi alterado para Confederação dos Professores do Brasil
(CPB), com o objetivo de ampliar sua representação, sendo uma alternativa
nacional para o movimento docente.
O perfil de caráter recreativo e assistencialista das entidades estaduais e
nacionais foi sofrendo as influências das transformações sociais e dos mo-
vimentos d@s demais trabalhador@s no final da década de 70, por meio da
oposição de setores da educação à política de fechamento político do país e
das condições precárias de trabalho, mesmo que, em alguns momentos, de
forma velada, discreta.
Nessa fase, destacam-se na organização dos demais servidores públicos,
a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), a Fe-
deração das Associações dos Servidores das Universidades Brasileiras
(Fasubra) e a Federação das Associações dos Servidores da Previdência
Social (Fenasps).
Várias entidades de trabalhadores em educação foram criadas nesse período,
seguindo o “sindicalismo combativo” de São Paulo – entendido como aquele
que criado no chão das fábricas, organizava greves, enfrentava os governos e
patrões –, como a União dos Trabalhadores do Ensino de Minas Gerais (UTE).
Em outras entidades, foram se organizando oposições sindicais, disputando
internamente o direcionamento das lutas, construindo greves e ocupando as
ruas com manifestações e protestos.
Um dos elementos importantes para esta articulação deu-se pelo não enqua-
44
dramento do setor público dentro da estrutura sindical oficial. Sem Imposto
Sindical, essas organizações sobreviviam da contribuição voluntária de seus
filiados, passando ao largo da obediência ao Ministério do Trabalho, originan-
do formas criativas de elaboração e participação das bases nas decisões e
na gestão sindical. Em algumas entidades, a eleição de representantes por
turnos de funcionamento das escolas demonstrava uma articulação mais es-
treita das entidades com o cotidiano do trabalho escolar.
A configuração da CPB como entidade construtora do sindicalismo combativo
no cenário nacional efetivou-se a partir de muitos embates. Os setores mais
conservadores opuseram-se a esta nova realidade, e somente após exaus-
tivas discussões, configurou-se a filiação a uma central sindical - a CUT, em
um congresso realizado com disputas acirradas, em janeiro de 1988.
A transformação da CPB em Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE) ocorreu no ano seguinte, com a decisão de aglutinar e uni-
ficar @s divers@s trabalhador@s da educação - supervisor@s, orientador@s
educacionais, inspetor@s, professor@s, serventes, auxiliares de secretaria -
em um único sindicato de base estadual; processo ainda em curso em alguns
estados ou não potencializado em outros, como no Espírito Santo.
A CNTE, em conjunto com diversas outras entidades nacionais de setores
ligados à educação, unificou suas lutas desde o início do processo da Cons-
tituinte ainda em 86-87, via Fórum Nacional em Defesa da Educação, com
propostas discutidas e disputadas na sociedade, com várias articulações no
parlamento e em negociações com o Ministério de Educação, como no pro-
cesso de tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB); das
concepções/discussões do financiamento de todo o ensino básico e ensino
superior; do Plano Nacional de Educação (PNE), elaborado após a realiza-
ção de dois congressos nacionais de vários segmentos da sociedade civil
ligados à educação (Coned), que se encontra ainda hoje, “em disputa” no
Congresso Nacional.
45
Na década de 90, emendas constitucionais como a de nº. 14 e a Lei 9424/96
criaram o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e Valorização do Magistério (Fundef), que visava à distribuição dos recursos
disponíveis de acordo com o número de alunos matriculados no ensino funda-
mental dos estados e municípios a cada ano, que agora passou a ser o Fundo
de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), e vem acompanhado do
discurso de ampliar as atenções para a Educação Infantil e ao Ensino Médio
deixados ao largo pelo Fundef.
Os demais setores do serviço público, @s previdenciári@s, policiais federais,
civis e militares, servidor@s da área de saúde e do fisco organizaram-se em
sindicatos nos mais diversos âmbitos: municipais, estadual e federal; constro-
em movimentos reivindicatórios expressos em manifestações, paralisações
de suas atividades, operações padrão, e são tensionados com uma diver-
sidade de questões, gestadas provavelmente pelo debate também frágil da
relação público e privado.
Uma relação público e privado é traçada nesta dissertação com o objetivo de
auxiliar nas análises das práticas dos dirigentes sindicais, de compreensão
destas práticas, de um modo de funcionamento das relações, não de procu-
ra de certo e errado, pois a busca em processo em mim é de não defesa de
modelos e formas. Sem “caça às bruxas”, abertos às análises, convido a um
caminhar pela organização d@s professor@s do Espírito Santo, no intuito de
construir nestes preâmbulos alguns percursos para uma compreensão das
práticas dos dirigentes sindicais do Sindiupes, das leituras dos cenários e dos
seus modos de funcionamento.
3.5 Como se organizaram @s professor@s no Espírito Santo
A organização d@s professor@s do Espírito Santo não se deu de forma mui-
to diferente dos outros estados brasileiros. Em 1958, mais precisamente em
46
17 de abril de 1958, foi criada a União dos Professores Primários do Espírito
Santo (Uppes), com o objetivo de organizar as atividades docentes e encami-
nhar as questões pertinentes ao exercício da função de professoras primárias
no Estado. As relações com os governantes não eram de confronto, mas de
cooperação para o bom desempenho da educação e para, em contrapartida,
alcançarem algumas melhorias na vida funcional, conforme ata de fundação
desta entidade:
[...] Determinou várias professoras para levarem ao Senhor Se-cretário da Educação e Cultura, Emílio Zanotti, a comunicação da fundação da nossa associação: “União dos Professores Primários do Espírito Santo” e estudar, com ele, as possibilidades e auxílio que a nossa união deverá merecer [...] (UPES, 1979 p. ll).
Quando de sua fundação, tendo à frente como presidente a professora Ana
Maria Bernardes da Silveira Rocha, e, nos vinte anos que se seguiram, como
presidentes as professoras Diana Nasser Vanderley, Yracema Conceição Sil-
va, Lucilia Lamego Passos e Adelaide Freitas, esta entidade não agiu diferen-
te das demais associações de educação e de servidores públicos brasileiros.
Em 1979, sob a presidência de Myrthes Bevilacqua Corradi, um movimento
expressivo foi iniciado pela categoria. As movimentações de oposição à situ-
ação política, econômica e social no país parecem ter impulsionado indireta-
mente as ações decorrentes, mas sem a intenção de identificação com elas
por parte de quem as dirigia:
Neste trajeto de marchas e contra-marchas, muito se fez pelo Ma-gistério do Estado. A UPES adquiriu a sua sede própria, instituiu os convênios médico-dentários, reformou estatutos, litigou na justiça atacando a ilegalidade perpetrada contra o professor. Aboliu injus-tiças e fez ver aos governantes a posição ímpar de um professor para o desenvolvimento regional e nacional.
Nos últimos anos, a UPES buscava nova filosofia de união e con-sagramento. A União dos Professores Primários do Espírito Santo passou a ser UNIÃO DOS PROFESSORES DO ESPÍRITO SANTO, reunindo a todos. E foi criado o Clube do Professor, em Jacaraípe, além da intensificação de todas as vantagens e melhorias na área de saúde, higiene e lazer para o Magistério Capixaba.
Mais recentemente, viu-se que a questão do Magistério está inti-mamente ligada com as questões de direito. Partiu-se com vee-
47
mência para as reivindicações diretas, objetivas, subindo escada-rias, buscando soluções, pedindo o resguardo da Justiça... A UPES decidiu-se ser um órgão técnico para servir ao professor, sem matiz político. O presente “Memorial reivindicatório” demonstra o nosso ponto-de-vista atual: requerer, pedir, consultar, exigir, manifestar-se publicamente para que possamos, um dia, nos aproximar da dignificação completa e sem adjetivos do Magistério Capixaba, da melhoria do ensino, pelas melhores condições de vida. Este docu-mento muito significa para a UPES, pois marca uma fase histórica para entidade que é, não somente buscar um ponto da educação, mas abrangê-Ia como um todo integrante do complexo sistema so-cial em que vivemos, passageiramente” (UPES, 1979: IV).
[...] enquanto em outras capitais os professores legitimamente ape-lam para a greve para o equacionamento de soluções, deposita-mos, preliminarmente, um crédito de confiança nos novos admi-nistradores, sabedores que somos da capacidade de todos para o tratamento humano [...] (UPES, 1979: 3).
Quanto à questão de reajuste salarial e correção das distorções,é interessante
ressaltar a referência usada para pleitear um salário à época de Cr$ 6.000,00.
O salário mínimo deveria possibilitar a aquisição de uma casa própria de
42m² por Cr$ 5.000,00, além de incluir alimentação, vestuário, informação
com acesso a um jornal/dia, passagens, entre tantas outras reivindicações.
Os professores, naquele período, reivindicavam, ainda, regulamentação da
carreira do profissional de educação, já que, sem concurso público periódico,
prevaleciam os “monitores”, “credenciados” e aqueles formados pelo decreto
Nº 63.914, de 26 de dezembro de 1968 – Programa de Expansão e Melhoria
do Ensino Médio (Premem) e previdência social para o professor e depen-
dentes. Concordavam com o tema da municipalização do ensino alegando
ser positiva a transferência dos prédios para as prefeituras e a regionaliza-
ção dos currículos escolares acompanhada de um regime estatutário para o
grupo magistério, subsidiado pelo Estado, diferentemente do que ocorreu na
década de 90. Apontavam como solução dos problemas da escola de maneira
geral revitalização do ensino polivalente e criação de escolas técnicas; dimi-
nuição da repetência e evasão escolar; defesa de distribuição de merenda
escolar; necessidade de conservação, construção e aproveitamento das es-
colas; intensificação da cobrança do salário-educação; enquadramento dos
48
professores de classes especiais e o limite do número de alunos excepcionais
por turma, de acordo com sua deficiência.
Nesse cenário, assume a direção da Upes José Aguilar Dalvi, após uma
assembléia dos professores. Para não ser destituído do cargo, o então
presidente, José Maria Coutinho, teria permitido a destruição, sem justifi-
cativas plausíveis para a direção, de documentos e arquivos da entidade,
motivando sua saída, segundo relato de uma dirigente sindical, no primeiro
encontro de dirigentes do Sindiupes dessa pesquisa.
Foram dois mandatos de trabalho buscando-se programar propostas de orga-
nização na linha do sindicalismo combativo que se instituía como alternativa
de organização aos trabalhador@s pelo Brasil. No congresso estadual de
1987, após muitas discussões e divergências, a entidade se filiou à Central
Única dos Trabalhadores.
Esse período foi marcado por greves e grandes manifestações por reajustes
salariais e condições de trabalho. Reformas estatutárias foram realizadas vi-
sando a um melhor funcionamento da entidade, criando instâncias mais de-
mocráticas de participação nas decisões, como congresso estadual; assem-
bléia geral; conselho geral formado pela direção eleita para mandato de três
anos e representação das sub-sedes e de cada coordenação municipal; con-
selho municipal composto do conjunto das representações dos professores
por turnos das escolas; e um conselho fiscal, que, diferentemente da maioria
dos sindicatos, federações e confederações, tem seu mandato de dois anos e
é eleito em separado da direção, nos congressos estaduais da categoria.
Todo este processo de mudanças gerou conflitos que borbulhavam no dia-
a-dia das escolas. A expectativa era, muitas vezes, de que as questões se
resolvessem por si só, sem nenhum envolvimento direto d@s trabalhador@s
em educação no atendimento das reivindicações e da valorização profis-
sional. Com esses elementos instituídos, para uma categoria que se sentia
“cansada” de lutar, uma oposição sindical a esta direção foi se formando.
49
Argumentos: o magistério deveria voltar a se comportar como nos anos que
antecederam à década de 70; as greves seriam desnecessárias e o melhor
seria negociar e manter uma postura mais compreensiva perante as difi-
culdades pelas quais passava o Estado do Espírito Santo, acreditando-se,
assim, conquistar o reconhecimento do trabalho realizado.
Esta oposição sindical ganhou as eleições de 1988, reforçando mecanismos
de menor embate com o governo estadual, com a apelidada “operação tar-
taruga” – redução da hora-aula sem paralisações de dia de trabalho. Com o
slogan, “Educação: não deixe esta chama se apagar”, essa direção defendia
que o professor, entendido como profissional intelectual, deveria lutar apenas
por seus interesses, e não se misturar com outr@s trabalhador@s, como os
da construção civil ou rural, vistos como trabalhadores braçais.
A partir do segundo ano de mandato, a direção de José Guilherme Pires
Encarnação não conseguiu mais manter a direção política que o movimento
“pedia”, entendido, no período, como a de organização da categoria profissio-
nal. O grupo de oposição, ligado ao sindicalismo combativo, passou a fazê-lo,
marcando diferenças e abrindo possibilidades de crescimento e implicação do
magistério no dia-a-dia do sindicato.
A unificação da Upes com a Associação dos Orientadores Educacionais
(AOEC) e dos Supervisores Escolares (Assec), em 1989, e sua transformação
em sindicato (Sindiuppes) ocorreu em congresso realizado em Guarapari, com
adequações estatutárias ao processo que se construía a partir de então.
A bandeira de luta “Em defesa da escola pública gratuita e para todos” pas-
sou a ser o carro chefe de nossas reivindicações. Sob ela se elegeu nova
direção sindical em 1991, tendo à frente Arthur Sérgio Rangel Viana como
presidente. Por dois anos consecutivos, num enfrentamento direto com o
governo de Albuíno Azeredo, duas longas greves foram realizadas. Na se-
gunda greve, o governo estadual permaneceu por quarenta dias sem rece-
ber a direção do sindicato, não a reconhecendo como representante de fato
50
da categoria; para reafirmar sua posição, passou a pressionar os diretores
de escolas, que já eram eleitos diretamente pela comunidade escolar – pais,
alunos e trabalhador@s em educação –, para se assumirem como represen-
tantes e interlocutores da categoria. Com esta movimentação, o magistério
conquistou ganho real de salários, quase atingindo sua meta de um piso sa-
larial – piso do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-
econômicos (Dieese) – proporcional à jornada semanal de trabalho.
Nesse período do governo Albuíno, outras entidades de servidores públicos
intensificaram suas lutas. Com a percepção das medidas do governo, res-
ponsabilizando o serviço público pelos problemas com a máquina estadual,
ou por direitos retirados, seis entidades – Sindiupes; Sindicato dos Servi-
dores Fiscais da Receita Estadual (Sindifiscal), Sindicato dos Servidores
da Administração Indireta (Siseades), Sindicato dos Servidores da Direta,
Autarquias e Fundações (Sindipúblicos), Sindicato dos Policiais Civis (Sin-
dipol) e o Sindicato dos Servidores da Saúde (Sindisaúde), representando
cerca de 95% dos funcionários do ES –, passaram a se reunir e a pensar
saídas conjuntas para os problemas comuns, através da Intersindical dos
Servidores públicos.
Inúmeras foram as atividades conjuntas e as iniciativas de interlocução com a
sociedade. O regime Jurídico Único (RJU, Lei 46/92) foi o resultado de deze-
nas de reuniões e movimentações na busca de avanços na garantia de direi-
tos, tendo-se sempre a preocupação, por parte dos dirigentes das entidades
dos servidores, de se construir uma estrutura estatal eficiente.
Ao fim do governo Albuíno, o cenário econômico, político e social alterou-se
substancialmente. O plano real e a política de submissão do Brasil ao capital
estrangeiro, ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, in-
tensificaram a “imposição de regras” e a definição das políticas públicas como
elemento direto de seu controle. O capitalismo reorganizava-se e buscava
superar sua crise, gerando mecanismos cada vez mais “perversos”.
43
51
Em 1995, assume o governo estadual, pelo Partido dos Trabalhadores, o ex-
prefeito de Vitória, Vitor Buaiz. Uma grande esperança de uma política de
valorização emerge da categoria. Buaiz demonstrara, quando prefeito, esta
prioridade, com a implementação de uma política salarial, a regulamentação
de plano de carreira e a capacitação em serviço. Infelizmente, as políticas
sociais públicas, entendidas como de responsabilidade do Estado – saúde,
saneamento, educação, segurança, etc. –, foram deixadas de lado ainda
no primeiro ano de mandato. O governo “sucumbiu” às vontades do grande
empresariado capixaba e à política neoliberal de FHC. A atenção da crise
financeira estadual foi desviada para o funcionalismo público que passou a
ser o grande vilão da falta de política fiscal, e ainda sobre este foi jogada
a responsabilidade de corroer toda a arrecadação do Estado. Como “saída”
por parte do governo a esta “crise”, uma reforma administrativa se inicia,
retirando os direitos e vantagens pessoais, bem como interferindo em con-
quistas que visavam à ampliação dos espaços de participação democrática
da sociedade no controle social.
O governo Vítor Buaiz deixa para a maioria da população um quadro caótico
em todas as áreas do serviço público. Com a lei das organizações sociais,
aprovada pela Assembléia Legislativa, baseada na visão de Bresser Pereira;
ocorre, no próximo governo, de José Inácio, a abertura das portas à iniciativa
privada de setores fundamentais, como educação, saúde, ciência e tecnolo-
gia. Aos servidores, recai a herança da ameaça constante do desemprego, da
permanência de salários atrasados durante meses consecutivos e de direitos
e vantagens reduzidos ou extintos. Para o Estado, uma dívida ativa girando
em torno de 270 milhões de reais registrados em 1996, cujos grandes deve-
dores foram perdoados ou beneficiados com isenção fiscal.
O Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap), implantado
em 1970, garantia o repasse do ICMS das mercadorias importadas por nossos
portos a juros de 1% ao ano, com prazo de até vinte anos para quitar a dívida,
aos empresários importadores foi mantido pelo governo Buaiz. Assim como,
a política de perdão de boa parte da dívida de inúmeras empresas através de
52
leilões. Essas questões foram divulgadas pelo Sindiupes e pela Intersindical
dos Servidores Públicos em seus boletins e jornais à população.
Com esta postura de não punição aos sonegadores (expressão utilizada nos
referidos boletins), de não cobrança da Dívida Ativa e de não implementação
de uma política de arrecadação fiscal, Vítor Buaiz chega ao fim de seu governo
expulso do PT, com suspeitas de ter crescido sua conta bancária e o volume de
seus bens, com denúncias de alguns de seus secretários terem superfaturado
obras, em troca de benefícios e com alguns processos jurídicos em andamento.
Chegou-se ao final da década de 90 e do século XX. Um confuso cenário po-
lítico, econômico e social foi se formando e se conformando com rapidez. As
informações circulavam mais facilmente com a chegada dos recursos tecno-
lógicos mais acessíveis a um número maior de pessoas. “Dar conta” dessas
alterações foi e é tarefa árdua para @s trabalhador@s em educação, diaria-
mente, em sua jornada, às vezes, tripla de trabalho. O acesso aos computa-
dores, por exemplo, se faz de uma forma mais lenta para esses profissionais,
em suas casas, de maneira particular, e, muitas vezes, chega mais rápido nos
laboratórios escolares, para os alunos, sem que os trabalhador@s em edu-
cação saibam manuseá-los. O uso dos telefones celulares efetivou-se mais
rapidamente, e arrisco dizer que esse recurso tornou-se aliado da “supervi-
são” das tarefas de mãe/dona de casa/profissional de vários turnos, escolas
e redes de ensino diferentes.
A educação pública transformou-se em marketing político. Novas escolas,
aumento do número de vagas, medidas de aprovação 100%, como formas de
combater a evasão e repetência escolar foram anunciadas pelos governantes
e pelos partidos políticos. Responsabilizados pela “ineficiência” da formação
de “bons cidadãos” para a sociedade e do “fracasso” dos serviços públicos
ouvía-se “o setor público precisa ser administrado como no setor privado,
para garantir bons resultados”.
Falava-se de educação de qualidade vinculando-a aos mecanismos que ga-
53
rantissem a permanência dos alunos nas escolas, como o da merenda es-
colar associada ao problema social da falta de emprego, transferindo para
a escola a alimentação da criança. “Ao menos para alimentar as crianças
a escola deve servir”, ouvia-se. Os professores enfrentam no seu cotidiano
a árdua tarefa de educar, e não permitir que as estatísticas de evasão e
repetência sejam alarmantes; as salas de aula com quantidades de alunos
acima da sua capacidade e salários sem reajustes por longos períodos. O
Sindiupes divulgava a não realização de concurso público para o ingresso
na carreira por quatorze anos na rede Estadual, sendo as vagas flexibiliza-
das pelas Designações Temporárias (DTs).
Nesse momento, então, o trabalho e o movimento de organização d@s
trabalhador@s em educação parecia experimentar sentimentos de despo-
tencialização, desqualificação e uma dose muito pequena de prazer. O que
se fazia visível era a ausência de segurança, de condições de trabalho, de
desqualificação profissional, do desrespeito às leis, gerando, com a frag-
mentação da categoria, um sentimento de impotência, de perda de controle
sobre seu próprio trabalho, incertezas, recuos do ponto de vista da organi-
zação e adoecimentos dos profissionais. Será que não “se dava ouvidos”
para as produções de resistência construídas cotidianamente no espaço
escolar, nas assembléias e nos congressos?
O Sindiupes, com uma estrutura administrativa e financeira muito aquém
da necessidade de superação de seus problemas financeiros internos – o
Estado retinha, às vezes, o repasse das consignações –, funcionava em
sede alugada. A Direção deparava-se com dois “grandes desafios”: admi-
nistrar a “máquina sindical” com seus problemas internos que se configu-
ravam nas relações com os funcionários, nas relações com os diferentes
campos que compunham a direção, na falta de recursos financeiros, etc.; e
“responder” às mudanças que também afetavam suas vidas. Nós dirigentes
sindicais desdobrávamos-nos em leituras e discussões com o objetivo de
entender o processo neoliberal em curso que nos “atropelava” pelas mu-
danças de cenário que se sucediam.
54
Portanto, com uma organização de base democrática, acreditávamos haver
espaços para @s trabalhador@s em educação expressarem seu pensamen-
to/ação: congresso anual; assembléia geral e assembléias setoriais; conselho
geral; direção colegiada, eleita a cada três anos; coordenações municipais,
eleita entre os representantes de turno em assembléia; e estes sendo eleitos
por turnos nas escolas. Formávamos um quadro de vinte mil sindicalizados
– sendo o maior sindicato do ES. Entendíamos que realizávamos os enfrenta-
mentos necessários consolidando o sindicato em sua trajetória de existência.
E também acreditávamos dar abertura para outras questões que se apre-
sentavam em diversos contextos, como a de perceber o envelhecimento e o
aumento das aposentadorias entre @s trabalhador@s em educação, repre-
sentando um terço dos sindicalizados, ampliando a demanda de lutas e de
organização para este setor.
Vivenciamos um período de intervenção judicial, no período em que exerci o
mandato de presidente do sindicato, de junho de 1997 a junho de 2000. Por
quê? Um grupo insatisfeito por não ter optado fazer parte da composição de
chapa para a direção e que não articulou uma outra chapa para concorrer às
eleições sindicais, ao perceber que havia dado quorum no pleito eleitoral,
recorreu à justiça para tentar embargar o processo. Por ação liminar, assumi-
ram o sindicato. Este período coincidiu (?!) com a aprovação na assembléia
legislativa de projetos de lei propostos pelo governo Vitor para a educação.
As inquietações vividas nesses três anos foram intensas, geraram dores, pai-
xões, ódios, em um plano gestado pela procura de respostas. Afinal, o que
estava acontecendo? Nossa direção chegou ao início do século XXI ora con-
vergindo, ora dispersando suas energias, resistindo à “perversidade” do pro-
jeto neoliberal e buscando saídas.
Esse cenário nos ajuda a avançar nas nossas análises. Essas questões nos
provocam, nos convocam a análises que nos fazem avançar nas constituições
de outras práticas. Será que erramos? Seria uma questão de erros e acertos?
É preciso pensar este quadro evitando ressentimentos, mas construindo fer-
ramentas de análise que nos ajudem neste processo.
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Com esse objetivo, na seqüência, esta conversa continuará trazendo con-
ceitos além de outros autores, buscando ampliar o que foi situado nesses
preâmbulos, na expectativa de interrogar essas práticas, dar visibilidade,
trazê-las para análise, o que viabilizou a pesquisa que construímos nesta
dissertação.
56
4 CONVERSAS COM ALGUNS CONCEITOS E AUTORES CONSTRUINDO CUMPLICIDADE
Sentindo e entendendo a vida como construção inventiva e coletiva, com-
preendendo o homem/mulher como produtor@s de sua própria história, faço
deste trabalho uma tentativa de mesclar, misturar tudo o que se faz e que se
vive; de colocar também como parte deste processo de análise as conversas
“soltas”, as escutas das experiências, dos olhares pela rua, no ônibus, no
carro, das frases pichadas, das imagens pelos espaços, textos, jornais, li-
vros lidos, numa constituição/instituição de um processo imanentemente rico.
Assim, busco analisar esses processos, o que não significa chegar a algum
lugar antevisto ou “resultado” palpável, pois é o processo de construção que
nos interessa.
Nessa linha, situo como alguns bons encontros4 os que aconteceram/acon-
tecem no mestrado com alguns conceitos de autores ligados aos chamados
“filósofos da diferença”5. Ouso referenciar-me, buscando explicitar o que pro-
voca e move em mim o contato com alguns conceitos, dessa potente caixa de
ferramentas conceitual, no processo da pesquisa desenvolvida. Sinto a aber-
tura de um leque de outros possíveis olhares-pensares-fazeres, não menos
rigorosos em termos conceituais, mas que se abrem ao diálogo com a vida.
Provocada, na postura estética, por algo no plano da inventividade, da criação
do novo, de novas formas, de um deslocar-se, como em Deleuze na entrevista
a Claire Parnet (1988): “não há arte que não seja uma liberação de uma força
de vida. Não há arte da morte”. Não pretendo aqui dissertar sobre a inventivi-
dade como algo do campo da originalidade, do único, ou do “inventar a roda”,
mas das novas posturas cotidianas que falam da intensidade disparadas no
57
4 No sentido espinosano, ou seja, encontro com pessoas, coisas e idéias que provocam nossos senti-dos, nos afetam e potencializam nosso corpo. 5 Refiro-me a alguns filósofos franceses: Felix Guattari, Michel Foucault e Giles Deleuze.
curso da vida, corporificadas pelos vivos num processo de coengendramen-
to com o meio.
Nesse caminho, trago, então, alguns conceitos para esta conversa num diálo-
go com os preâmbulos apresentados: do contexto singular de quem escreve,
de como se processa a relação com a Academia no mestrado e na formação
militante, do percurso desta formação militante, dos saberes construídos e
“moldados” na produção dos lugares dos dirigentes, dos revolucionários,
dos partidários, “guiados” no processo vivido pela compreensão macropolí-
tica de movimento, das lutas, de mundo. Entendo que os preâmbulos situam
e atualizam o processo em curso como um conhecimento necessário. Os
conceitos seguem ampliando esta conversa; “falam” da busca de um modo
de desenrijecer o corpo, como ferramenta a disparar oportunamente o fio
condutor das análises das práticas da direção do Sindiupes e o que estas
práticas produziram no coletivo de trabalhador@s em educação, como se
propõe esta dissertação.
Situo, ainda, o sentido da escolha de alguns conceitos na conversa; dos de-
safios que algumas leituras têm provocado, primeiramente muito mais por um
sentir os conceitos e, em seguida, na busca de ao compreendê-los, tornar
claro o “seu uso” como caixa de ferramentas conceituais.
Portanto, sigo na apresentação destes conceitos. O objeto deste trabalho fala
em análises das práticas dos dirigentes sindicais do Sindiupes. Mas qual con-
ceito de práticas permeia este trabalho? Busco o conceito de prática em Fou-
cault, pois as práticas podem ser entendidas como inseridas num processo
histórico objetivado pelas construções que fazemos delas, como em Veyne,
[...] se conforma a uma certa gramática, que é uma certa política, do mesmo modo que acreditamos falar sem pressuposto, para dizer o que se impõe e que nos causa pesar, só rompemos o silêncio para falar em uma certa língua o francês ou uma língua latina (VEYNE, 1978, p.158)
As práticas discursivas, como o que realmente fazem as pessoas, não se
58
trata de pressupor nada, uma causa, um alvo, um tipo de conduta, mas de
processos que podem ser descritos detalhadamente se observados em todas
as suas formas, combinações e tonalidades explícitas em toda extensão de
suas manifestações.
Esta concepção se diferencia substancialmente da concepção adotada e vi-
venciada na militância sindical expressa em questões formuladas por nós no
período: “O que está por trás desta proposta ou desta ação?”. “O que eles
querem com esse tipo de proposta?”. E ainda: “Aonde querem chegar?”. Na
militância sindical, o sentido da prática nunca estava dado de imediato. Hoje,
romper com esta prática discursiva é compreender a nós mesmos, que formu-
lávamos essas questões e aqueles com quem nos relacionávamos – repre-
sentantes de governos, militantes de outros grupos políticos, etc. – não como
cercados de mistérios, movidos por uma intenção, um motivo escondido, algo
por trás, mas como simplesmente fazem e dizem as pessoas, como põem em
funcionamento as relações, como as objetivam:
[...] Foucault não descobriu uma nova instância “prática”, que era, até então, desconhecida: ele se esforça para ver a prática tal qual é realmente, não fala de coisa diferente da qual fala todo historiador, a saber, do que fazem as pessoas: simplesmente Foucault tenta falar sobre isso de uma maneira exata, descrever seus contornos pontiagu-dos, em vez de usar termos vagos e nobres (VEYNE, 1978, p. 160).
As práticas, portanto, são entendidas como produzidas nas relações com as
“práticas vizinhas”; constitutivas, não preexistentes, mas constituídas em um
dado momento, por tudo o que a circunda, como em Veyne
[...] em uma certa época, o conjunto das práticas engendra, sobre tal ponto material, um rosto histórico singular”, “[...] mas, em uma outra época, será um rosto particular muito diferente que se formará no mesmo ponto e, inversamente, sobre um novo ponto, se formará um rosto vagamente semelhante ao precente (VEYNE, 1978, p. 172).
Assim, em seu processo de constituição, as práticas dirigentes seriam consi-
deradas como não modificáveis, como possíveis de serem revisitadas e alte-
radas através do tempo, mas objetivadas, criadas em cada momento histórico
59
nas relações que se estabelecem. É no exercício de constituição das práticas,
das relações de poder que se apresentam, que se conforma, em um dado
momento, um rosto, uma prática, e em outro momento um outro rosto, uma
outra prática.
Para entender os contornos dessas relações, faz-se necessário “entrar” um
pouco nesta via do conceito de poder, do exercício do poder, como conceito
importante para esta pesquisa/análise. Encontro em Veyne (1978) a afirmati-
va de que estudar o poder é fazê-lo a partir da própria relação de poder não
como conhecida a priori, de antemão, na conformação dos sujeitos e objetos,
mas como matérias objetivadas pelas próprias relações. E ainda, em vez
de se perguntar a sujeitos ideais o que cederam deles próprios ou de seus
poderes para se deixarem sujeitar, é preciso pesquisar como as relações de
sujeição podem fabricar “súditos”. O que realmente importa é o processo em
que se configuram, constituem os objetos e não os objetos, em si.
Para explicitar melhor a compreensão de exercício de poder na qual me referen-
cio, sigo “bebendo diretamente da fonte”. Para Foucault (1998), é necessário
Não tomar o poder como fenômeno maciço e homogêneo de um indi-víduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras, mas ter bem presente que o poder – desde que não seja considerado de muito longe – não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser analisa-do como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede... [em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles] (FOUCAULT, 1998, p. 183).
Nessa configuração, interessa-se, a princípio, analisar como o poder se exer-
ce nas relações sociais: da ordem do consentimento? Esta sendo delegado a/
por alguém? Quando se refere ao exercício de poder como um modo de ação
sobre as ações dos outros, pelos outros, é preciso incluir, neste diálogo, o po-
der em exercício como possível exercício de liberdade, de homens e mulheres
livres “[...] entendendo-se por isso sujeitos individuais ou coletivos que têm
60
diante de si um campo de possibilidades onde diversas condutas, diversas
reações e diversos modos de comportamento podem acontecer” (FOUCAULT,
1995, p. 244), o que não se daria em uma relação de escravidão, quando do
aprisionamento físico e também psicológico dos indivíduos.
Pode-se então chamar estas diversas condutas e reações como resistência?
Segundo Barros,
Não existem relações de poder sem resistência. Se estamos imersos em práticas disciplinares que nos constituem, podemos resistir a elas. Somos livres enquanto podemos resistir a esse poder, analisar e iden-tificar as condições históricas que nos fazem sentir, pensar, compor-tar e ser de uma maneira determinada (BARROS, 1997, p. 106).
Aqui encontra-se a compreensão do exercício de poder. Não é apenas apri-
sionamento, repressão.
Dialogando com Antunes (1991), uns dos autores já citados como referencia-
dos pelo movimento sindical, encontra-se uma outra direção: a resistência
como um instrumento de luta contra algo já dado. Para este autor:
[...] os operários que inicialmente não dispõem de outra coisa senão sua força de trabalho subordinam-se aos interesses e à força do capi-tal, mantendo com este uma relação sempre desigual” e “[...] encon-trarão em suas organizações próprias condições para dispor de um meio de resistência eficaz contra essa pressão constante pela baixa de salários (ANTUNES, 1991, p. 12).
Para Antunes e também para nós dirigentes do Sindiupes, naquele período,
tratava-se de encontrar em um dos lados, no caso o d@s trabalhador@s em
educação e suas instâncias organizativas, a forma, o instrumento de resis-
tência, consequentemente, a resistência entendida como a apropriação de
um mecanismo, algo às mãos, disponível. Ao enfrentamento no plano macro-
político, mais trabalho de conscientização, mais organização, mais recursos
para mais manifestações, paralisações de atividades, etc. Nossas práticas
disciplinares, modelares, coladas aos nossos corpos militantes, não davam
visibilidade ao que nos fazia sentir e agir de uma determinada maneira. Não
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conseguíamos problematizar nossas práticas, mantínhamo-nos, muitas ve-
zes, em posturas de ressentimento ou de queixa.
Acredito que contribuições que “falam sobre” não produzem problematizações
das práticas cotidianas. Um intelectual não está à frente ou ao lado das lutas,
ele faz parte do sistema de poder que barra, que invalida uma prática, um dis-
curso e um saber. Em Foucault, encontro ferramentas para as análises das
práticas dos dirigentes sindicais, não o porquê dessas práticas, mas o como
se processam. Não importa aonde se chega, mas, os caminhos, os modos de
construção das relações, os modos como se põe em fucionamento.
Portanto, retomando a conversa em Foucault (1998), nas relações, o poder
circula como provocação permanente – entendida como processualidade –
não se fixa, se encontra em toda a trama, em toda a rede que se constitui a
sociedade. Mais que analisar o poder do ponto de vista de sua racionalidade
interna, segundo Machado, consiste em analisar as relações de poder, por
meio do antagonismo das estratégias:
[...] E esse caráter relacional do poder implica que as próprias lutas contra seu exercício não possam ser feitas de fora, de outro lugar, do exterior, pois nada está isento de poder. Qualquer luta é sempre re-sistência dentro da própria rede de poder, teia que se alastra por toda a sociedade e a que ninguém pode escapar: ele está sempre presente e se exerce como uma multiplicidade de relações de forças. E como onde há poder há resistência, não existe propriamente o lugar da re-sistência, mas pontos móveis e transitórios que também se distribuem por toda a estrutura social. Foucault rejeita, portanto, uma concepção de poder inspirada pelo modelo econômico, que o considera como uma mercadoria [...] (MACHADO, apud FOUCAULT, 1998, XIV-XV).
As práticas de resistência, então, como as que criam outros modos de ação,
que extrapolam o prescrito, o esperado para uma determinada atividade, no
campo da imprevisibilidade, do não programado formando redes. Ao analisar
o trabalho docente, Heckert considera que:
Deste modo, quando se reitera que na escola pública predominam a impotência, submissão e repetição de processos instituídos, totali-zam-se alguns processos como se eles dissessem tudo sobre o que aí se dá. Quando insistimos nas práticas de resistência que se afir-
62
mam na escola queremos indicar a importância de estarmos atentos, conforme disse Foucault (1983, p. 269), a “[...] ouvir o ronco surdo da batalha”. E para captar este ‘ronco surdo das batalhas’ que pode estar nas entrelinhas das proposições dos planos pedagógicos nas propos-tas oficiais e, sobretudo, no fazer cotidiano dos trabalhadores de es-cola que, neste fazer, reinventam as práticas escolares, é necessário uma atenção redobrada ao modo de produção das práticas escolares (HECKERT, 2004, p. 27).
A questão que aqui é apontada é a da resistência como criação; criação cons-
tante que caminha, que passa, que não se prende a algo específico e está
ligada ao como se exercita o poder, a possibilidade de alterar, transformar
e do como nos instrumentalizamos nas relações. São encontradas “precio-
sidades” nas falas de Deleuze (1994), em sua entrevista concedida a Claire
Parnet, com o contrato de sua exibição apenas póstuma. Sobre a temática da
resistência como criação, ela faz uma pergunta, citando o autor:
CP: [...] a filosofia cria conceitos e se criamos conceitos, resistimos”. Os artistas, os cineastas, os músicos, os matemáticos, os filósofos, toda essa gente resiste. Mas resistem a que exatamente?... A ciência cria conceitos?
GD: ...e... que é resistir? Criar é resistir. É mais claro para as artes. A ciência está numa posição mais ambígua, mais ou menos como o cinema. Ela esta presa a problemas de programa, do capital. As par-tes resistem, mas... Os grandes cientistas também são uma grande resistência. Quando penso em Einstein, em muitos físicos, em muitos biólogos hoje, é claro que... Eles resistem antes de tudo ao treina-mento e à opinião corrente, ou seja, a todo tipo de interrogação imbe-cil... “Eles têm realmente a força para exigir seu próprio ritmo...” “... O homem não para de aprisionar a vida, de matar a vida. A vergonha de ser homem... O artista é quem liberta uma vida potente, uma vida mais do que pessoal. Não é a vida dele... (PARNET, 1994, p. 60).
Para Deleuze, resistir não é se opor a algo. Não é “endurecer” perante a vida. Re-
sistir dá-se pela criação. Criação de uma forma de vida. @s artistas resistem com
suas obras. O fazem, pois se tornam “vulneráveis” ao movimento da vida, como
afirma Rolnik (2003), materializam em suas obras essa potência criadora ativada
nos caminhos percorridos em suas relações com o mundo; suas obras são, portan-
to, sensíveis cartografias. Um pouco mais de Deleuze para esta conversa:
CP: Podemos dizer que você, Félix e Foucault formam redes de con-
63
ceitos como redes de resistência, uma máquina de guerra contra um pensamento dominante e lugares-comuns?
GD: Sim, por que não? Seria bom se fosse verdade. Mas a rede é o único... Se não formamos escolas e as escolas não me parecem algo muito bom, só há o regime das redes, das cumplicidades. Claro, sem-pre foi assim em todas as épocas. O que chamamos de romantismo, por exemplo, o romantismo alemão ou em geral é uma rede. O que chamamos dadaísmo é uma rede. Tenho certeza de que há redes hoje em dia (PARNET, 1994, p. 61).
Deleuze nos indica que não aprisionar-se em técnicas, regras, noções, fór-
mulas e números contábeis que consomem “energias” administrativamente
é estar em movimento, exercer a liberdade de movimentar-se em rede, em
dobras. Dobras entendidas, segundo Foucault (1990), como linhas que se
curvam, não constituindo um interior fechado sobre si mesmo, mas geram um
dentro e um fora simultâneo, gestado pelos agenciamentos dos fluxos e das
forças das relações.
O que essas análises produzem em nós sindicalistas da categoria de
trabalhador@s em educação? Parece que resistir nas práticas dirigentes era
montar um bloco rígido, era “sermos” estes blocos rígidos. Como se nossos
corpos não fossem superfícies de inscrição das normas e dos valores de nos-
sa sociedade, e nestes corpos também não se atualizassem as relações de
poder, de forma com nos oferece Foucault (1983) em suas obras.
Várias questões e conceitos estão presentes nesta conversa com Deleuze,
mas gostaria de ficar com o da resistência como criação potente de vida,
que se transforma, consome, destrói, constrói nas e com as relações entre
os humanos, pois nos instrumentaliza para a análise das nossas práticas de
dirigentes sindicais.
Mas como colocar em análise essas práticas? Como traçar seus contornos?
Como acompanhar seus movimentos? Pensando nestas questões, tomo como
um certo “ancoradouro” provisório considerar que o que importa em toda si-
tuação é a possibilidade de tentar, mesmo que seja considerar o que Guattari
(2005) apresenta como “dramático no militantismo”, ou seja, as pessoas se
64
engajam numa estrutura de organização sindical como que investidas de uma
potência religiosa e anunciam, como nas igrejas, a salvação pela adesão ao
que seria seu ritual, instâncias, ações, pois muitas vezes estamos alinhados
com a mesma lógica que dizemos combater, não percebendo as linhas de
fuga que não se deixam aprisionar e vão desencadeando variações, rupturas,
mutações processuais.
Então, buscando meios para analisar as práticas dirigentes e o que estas
práticas produziram no coletivo de trabalhador@s em educação, encontro
em Lourau, Lapassade e Guattari, nos conceitos de instituição, implicação e
transversalidade – presentes na Análise Institucional francesa –, os instru-
mentos metodológicos para o desenvolvimento desta pesquisa.
Como nos diz Deleuze: “uma teoria é como uma caixa de ferramentas... é
preciso que sirva, é preciso que funcione” (DELEUZE apud FOUCAULT, 1998,
p. 71). Assim, busco “apropriar-me” destes instrumentos, pois entendo que fa-
zem conecções que rizomaticamente rompem de alguma maneira com um ter-
ritório, um estar no mundo – das pessoas, das coisas e das formas. Permitem
intervenções nos corpos e nas análises das instituições dando visibilidade não
a culpas e culpados, mas à percepção de possibilidades coletivas, às possi-
bilidades de diferir, à construção de outras formas e modos de existir. Trazem
para análise a própria análise da implicação permitindo, ao sabor das crises,
diálogos, conflitos e (des)territorializações mais potência6 para a vida.
Neste sentido, situo primeiramente um percurso de constituição da Análise
Institucional(AI), e, em seguida, apresento os conceitos/instrumentos/ferramen-
tas utilizados nesta pesquisa e quais questões se atualizam para este trabalho.
Faço então uma apresentação de duas correntes francesas a partir de Barbier
(1985), Hess (2004), Rodrigues (2004), Rolnik (1981) e Guattari (2005): a
65
6 Entendida na relação como força, o poder de ser afetado: “a cada relação de movimento e repouso, de velocidade e lentidão, que agrupa uma infinidade de partes; corresponde a um grau de potência”, segundo Deleuze, (1997, p. 42).
Análise Institucional socioanalítica e a esquizoanálise. A Análise Institucional
socioanalítica surgiu entre 1962-1968, proposta por Lapassade e Lourau, no
período em que participavam de experiências consideradas inovadoras nas
escolas, agremiações políticas e profissionais, como teoria crítica das formas
sociais. Podemos designá-la como uma intervenção analítica das estruturas
sociais visíveis e principalmente das estruturas sociais invisíveis, “ocultas”
em uma instituição; é, pois um método de intervenção em que o analista se
coloca no grupo social, segundo Hess (2004):
O que Lourau propõe em A análise institucional é um método de in-tervenção em situação que consiste em analisar as relações que as múltiplas partes presentes no jogo social mantêm com o sistema ma-nifesto e oculto das instituições. Outra originalidade do método reside no fato de o analista não mais se situar no exterior dos grupos, coleti-vidades ou organizações que lhe demandam a intervenção, mas como alguém implicado na rede de instituições que lhe dá a palavra (HESS, 2004, p. 23).
A intervenção socioanalítica, chamada de análise por encomenda e da deman-
da, sendo, então, solicitada pela organização entendida como cliente, parte
do dispositivo analisador como instrumento fundamental para a efetivação
da análise e do estabelecimento do contrato formal do processo, entendido
como valores, horários, duração, etc. Isso faz com que a Análise Institucional
socioanalítica seja vista, por um certo período, como um produto acessível no
mercado de bens sociais, ficando suscetível às críticas.
Portanto, sendo tencionada a diferenciar-se das demais correntes, pela práti-
ca de intervenção a pedido, a AI socioanalítica busca explicitar o conceito de
instituição, gerando uma produção teórica e escrita nos anos 70, firmando-se
como método, o que Rodrigues (2004) aponta como conexões entre as for-
mas assumidas por ação, intervenção, teorização, escritura e o diagnóstico do
presente. A AI socioanalítica se apresenta como possibilidade de aquecer os
períodos frios7 nos sistemas sociais, sendo a maior parte de suas encomendas
66
7 Referência ao apelido “efeito quente e frio” dos socioanalistas à alternância de temperaturas nos siste-mas sociais: fases em que ocorrem ou não efervescência revolucionária, segundo Rodrigues (2004).
e demandas apresentadas por estabelecimentos de formação e educação.
Lourau e Lapassade vão adotando estratégias diferentes a partir de um certo
momento. Lapassade, em suas intervenções, caminha para uma tendência
político-existencial, voltada para o corpo e o desejo, mais próxima dos mo-
vimentos da antipsiquiatria, antipedagogia e liberação homossexual. Lourau,
por sua vez dedica-se a trabalhar teoricamente os modos de ação, os efeitos,
o nexo entre análise institucional e questão política, focando seu estudo nos
analisadores sociais, nos acontecimentos.
Rodrigues (2004) situa que, ainda na primeira metade da década de 1970,
os conceitos socioanalíticos deslocam-se do campo psicanalítico, pedagó-
gico, psicoterápico e psicossociológico, passando pelo próprio dispositivo
de intervenção com os conceitos de transversalidade, análise das implica-
ções – saindo do campo das sessões em segredo das supervisões para as
análises públicas; e o analisador como construído no processo de inter-
venção: “são os analisadores que fazem as análises” (LAPASSADE, apud
RODRIGUES 2004, p. 149).
A intensa produção simultânea teórica, prática e política, realizada pelos so-
cionalistas, coloca-se para Rodrigues (2004) como da ordem de proteção/da
égide do conceito de efeito, pois não se furtou/furta de produzir mudanças
nas conceituações, nos modos de intervenção em novos dispositivos entendi-
dos como necessários para as relações entre as práticas e os saberes a cada
nova configuração de forças do campo da intervenção. Assim, como uma
série de efeitos foram denominados pelos analistas institucionais, Rodrigues
(2004) propõe o efeito Lourau: primeiro, pelo esforço em acentuar o nexo
entre gênese teórica e gênese social na trajetória da AI e, em segundo, pela
de sua singular trajetória: de teorização, ação cotidiana e escritura e de sua
capacidade de contagiar-se pela história de seu próprio trabalho.
Na orientação ético-política, a esquizoanálise – desenvolvida por Deleuze e
Guattari, com base em Nietzsche, é construída como reação ao imperialismo
67
do Édipo na psicanálise. Trabalha com o reconhecimento do desejo-máquina,
que é da ordem da produção, num plano de produção não mais imaginário
ou simbólico, mas de um plano real e material “procura atingir os investimen-
tos do desejo inconsciente no campo social, distintos dos investimentos pré-
conscientes de interesse individual” (BARBIER, 1985, p. 62). Portanto, se não
há material inconsciente não há nada a interpretar.
A esquizoanálise objetiva a destruição da culpabilidade, da castração, das
crenças e das representações, segundo Barbier (1985), como um movimento
de forças ativas e forças inerentes, que se organizam e se desorganizam ao
sabor das crises da “hierarquia indivíduo/grupo/sociedade” e dos comprome-
timentos sempre provisórios do movimento interminável de forças fluídas e
instáveis, conformando uma visão vulcânica e movediça do social. Vejamos
um pouco de sua gênese histórica social:
O termo “Análise Institucional” foi criado por Guattari, para nomear uma tendência na ação teórica e prática que se tornou movimento na década de 60, na França. Numa sociedade modernizada e bem sucedida do ponto de vista técnico e econômico e muito defasada nas formas de sociabilidade e nas estruturas psicossociais, um in-tenso movimento de abalos microssociais percorria todo o seu corpo. Questionava-se todas as formas de existência, inclusive a do pes-quisador. Fazia-se necessária a construção de uma ponte conceitual entre os universos heterogêneos das ciências humanas, para captar o movimento de produção da realidade e despistar falsos problemas... (ROLNIK apud GUATTARI, 1981, nota 3, p. 68).
O ano de 1968, no Brasil, foi momento de fortes conflitos em Osasco/SP entre
trabalhadores e a classe patronal, do acirramento das manifestações do movi-
mento estudantil nas grandes capitais e da instituição do AI-5. Na França, em
maio, conforme Rolnik (1981), houve a radicalização e um acirrado processo
de reflexão crítica, não só acerca da atividade de cada um como pesquisador
mas também de todas as suas outras atividades sociais, inclusive a amorosa.
A generalização do movimento que havia gerado entre outras linhas a Análise
Institucional tomou corpo, revelando um novo deslocamento a partir dos limites
e das contradições da “grande ilusão” da revolução institucional generalizada,
a consciência da impossibilidade de conciliação de universos teóricos hetero-
68
gêneos e da necessidade de se construir novos campos teóricos e políticos.
Conforme Rolnik (1981), um método de análise institucional vai-se constituin-
do, então, como válido para a pesquisa teórica nas ciências humanas, para a
intervenção psicossocial e para a experimentação social em geral, um método
de análise:
A análise, instaurando o espaço de uma formulação permanente da demanda inconsciente e a possibilidade de sua leitura através da interpretação da transversalidade, cria condições para que o grupo assuma o sentido de sua práxis. (ROLNIK apud GUATTARI, 1981, nota 3, p. 68).
Segundo Guattari (2005), esse método de análise é posto a críticas ao observar
os caminhos adotados pela análise pssicossociológica e o seu distanciamento
da Análise Institucional socioanalítica e da esquizoanálise:
Fui eu mesmo que, por descuido, lançou o termo “análise institucio-nal”, como “analisador”, “transversalidade” e outros que tornaram-se o filet mignon de muitos professores universitários, psiquiatras e psi-cossociólogos. Eles recuperaram tudo isso rapidamente, traduzindo-o em termos de intervenção psicossociológica: há grupos de Análise Institucional que se fazem contratar pelas grandes empresas para realizar algo de equivalente a uma japoneização da classe operária. Assim isso acabou remetendo a doutrinas de intervenção, a espe-cialistas, a corpos institucionais especializados (GUATTARI, 2005, p. 275-276).
Esses termos criados por Guattari na esquizoanálise aproximam o analista, o
militante ou qualquer outro que esteja engajado em um processo, como pro-
cesso esquizo. Processo este entendido como em conexão com um fluxo que
rompe de alguma forma com a estagnação, com um território, das pessoas,
das coisas, das formas.
“Cola-se” a esta formulação a não reprodução de modelos e de represen-
tações, mas em nível da produção de subjetividade que, segundo o próprio
Guattari (2005), percebida pelas forças sociais que administram o capitalismo
hoje como mais importante que a produção de petróleo e energias, pois falam
da maneira dos indivíduos perceberem e se articularem com o tecido urbano,
69
com o trabalho, com o mundo, configurando a problemática da micropolítica,
entendendo micropolítica como da ordem do processo, dos modos de produ-
ção que engendram e afirmam a vida do “ser humano”, que, ao pensar-agir-
perceber, permite emergir a invenção de si e do outro e a macropolítica como
da ordem do produto, das formas instituídas:
[...] Trata-se sempre de uma intervenção micropolítica abrindo a pos-sibilidade de uma prática ao mesmo tempo de análise e de mudança. Análise reveladora da singularidade do processo de um “agenciamen-to coletivo de enunciação”, não só composto de indivíduos, mas de-pendente e um certo funcionamento social, econômico, institucional, micro e macropolitico que contribui para a mutação pessoal e social e, portanto, para o desbloqueamento das lutas políticas[...] (ROLNIK, apud GUATTARI, 1981, p. 69).
Os planos micropolítico e macropolítico configuram-se como planos das aná-
lises pretendidas nesta dissertação, numa dimensão política geralmente não
pensada por nós militantes, de perceber que o que se faz é sempre provisório,
passível de erros, e deve ser analisado como parte do processo do trabalho e
não como culpabilização ou responsabilidade pessoal, mas como produção de
modos outros que, por seu caráter também precário que podem produzir movi-
mentos que se conectem com outras práticas. Não há função de eternidade na
militância, o que significa entendê-la como processual e criativa e, ao mesmo
tempo, passível de capturas.
Da Análise Institucional socioanalítica e a esquizoanálise, tomo alguns con-
ceitos com os quais, assim entendo, permitem uma articulação possível com
este trabalho na obtenção de um campo metodológico flexível, aberto e mais
permissível ao diálogo dos saberes e dos conhecimentos. Inicio apresentan-
do o conceito de instituição numa necessária articulação com as práticas
concretas que lhe estão associadas a cada momento.
Na trajetória da análise institucional, o uso do termo instituição, segundo Ro-
drigues e Souza (1991), apresentam diferentes níveis de compreensão. Em
um deles, a instituição é entendida como sinônimo de um estabelecimento
que merece ser cuidado, terapeutizado, como os hospitais, empresas, esco-
70
las, etc., e numa ampliação da visão de estabelecimentos, distanciando da
Psicoterapia Institucional as instituições entendidas como organizações com
existência material e jurídica. Num outro viés, a instituição é entendida como
dispositivos instalados no interior dos estabelecimentos, como, por exemplo,
as assembléias, os conselhos de classe, as equipes de trabalho. Neste mo-
mento os dispositivos-instituições transformam-se em técnicas, produzindo o
“perito” ou “especialista” em instituições. Num outro movimento, como con-
ceito, no bojo dos movimentos antiinstitucionais (antipsiquiatria, antiescola,
etc.), passa a ser definida como produção – a instituição como produto da
sociedade instituinte em tal momento da história – conformando-se como um
campo imediatamente problemático, não localizável, numa relação de novas
produções, novas atividades, novas relações.
A Análise Institucional pode intervir em estabelecimentos e com dispositivos,
mas sempre visando a apreender a instituição em seu sentido ativo como “...
certas formas de relações sociais tomadas como gerais, que se instrumen-
tam nas organizações e nas técnicas, sendo nelas produzidas, reproduzidas,
transformadas e/ou subvertidas” (RODRIGUES; SOUZA apud KAMIKHAGI;
SAIDON, 1991, p. 42).
A instituição visa transformar relações e práticas que se apresentam como
forma geral e natural em relações e práticas constituídas, dando visibilidade
a essa relação instituinte-instituído:
Por “instituinte” entenderemos, ao mesmo tempo, a contestação, a capacidade de inovação e, em geral, a prática política como “signifi-cante” da prática social. No “instituído” colocaremos não só a ordem estabelecida, os valores, modos de representação e de organização considerados normais, como igualmente os procedimentos habituais de previsão (econômica, social e política) (LOURAU, 2004, p. 47).
O instituído, então, exerceria uma certa função estabilizadora e o instituinte,
o que daria sentido ao instituído através de sua prática. A potência transfor-
madora está no instituinte, sendo o instituído “resultante” estrutural de um
determinado momento histórico; e, ainda nesta relação, a sociedade estaria
71
em constante movimento de alteração, transformação.
Ao observar as contradições no interior de instituído e do instituinte, Lourau
(2004) afirma que, tanto a Sociologia como a Psicanálise não consideram a
instituição um prédio ou um estabelecimento, mas uma dinâmica contraditória
construindo-se na (e em) história ou no tempo. O tempo, o social-histórico, é
sempre primordial. A instituição é dinamismo, movimento, jamais imobilidade.
O instituído atua com um jogo de forças extremamente violento para produzir
imobilidade (exemplos: igreja e exército). A análise institucional, na direção
que ele afirma, visa colocar em análise o instituído e os diversos níveis con-
traditórios na instituição.
Outra contraposição colocada pela AI está em relação ao conceito de insti-
tucionalização, que nos remete ao movimento que coloca em questão as for-
mas instituídas, que atravessa de formas múltiplas e às vezes contraditórias
as pessoas, as imagens. A história é o produto contraditório do instituinte e
instituído, em luta permanente, o movimento ou força de autodissolução que
está sempre presente na instituição, embora esta possa ter a aparência de
permanente e sólida.
Rodrigues e Souza (1991), apontam os antiinstitucionalistas como os mais
claros analistas, os que não se baseiam na terapia social, e sim na subversão
do instituído, tendo como analisador um acontecimento, um indivíduo, uma
prática e um dispositivo que revela, em seu próprio funcionamento, o impen-
sado de uma estrutura social. Os institucionalistas, apostando no cotidiano
como potência de criação de possíveis, desafiam a produção de novas formas
de provocação de análise a qualquer nível de intervenção.
Na socioanalise, Lourau (1993), precisa o campo de coerência representado
pela Análise Institucional como algo semelhante ao da aparição e o triunfo do
campo de coerência sociológico como em contradição com o saber teórico
da Sociologia universitária, destronando a religião e a Filosofia. Assim, como
Durkheim, ao contrário dos seus discípulos, foi instituinte, seu campo de co-
72
erência aparecia, à época, como “loucura”. O mesmo aconteceu com Freud
quando propôs a psicanálise – a sexualidade com um papel essencial em toda
e qualquer atividade humana.
A esquizoanálise propõe, por seu turno, uma série de dispositivos e de pro-
cedimentos e trabalha na produção de transformação com os agrupamentos
e práticas humanas inventivas e mesmo mutativas, permitindo leituras dos
contextos/realidades em suas diversas multiplicidades: social, econômica,
tecnológica, natural e subjetiva, assim como de uma realidade não vísivel,
imperceptível. Portanto, como diz Guattari:
Concebo a esquizoanálise como uma luta política em todos os fronts da produção desejante. Não se trata absolutamente de restringir-se a um só domínio. O problema da análise é o do movimento revolu-cionário, o problema do movimento revolucionário é o da loucura, o problema da loucura é o da criação artística... A transversalidade exprime precisamente este nomadismo de fronts. O inconsciente é antes de mais nada um agenciamento social: o agenciamento cole-tivo das enunciações virtuais. Somente num segundo momento se recortará nos enunciados o que é teu, o que é meu e o que é da lei. O inconsciente desconhece a propriedade privada dos enunciados tanto quanto a do desejo (GUATTARI, 1981, p. 80-81).
Neste sentido, propõe-se aqui uma análise das práticas dos dirigentes do
Sindiupes a partir desse referencial, ou seja, considerar o sindicato para
além de entidade representativa de trabalhador@s em educação de cunho
reivindicatório e organizacional desta categoria, como instituído numa linha
molar, dura, que delimita sujeitos e papéis: o dirigente é o sindicalista, o
coletivo de trabalhador@s, a base sindical, a demonstração de força do ma-
gistério, a greve, etc., o que se constrói no plano das intensidades, o que
se dá nas relações, no plano invisível, das forças que também constituem o
real, o plano micropolítico de análise, captado no exercício da análise das
instituições. Assim, neste trabalho, o campo problemático delineia-se como:
as relações produzidas na militância sindical entre o coletivo dirigente do
Sindiupes e a categoria profissional. Buscamos entender os modos de ope-
rar do Sindiupes na década de 90, de forma a não ficar limitado ao que es-
tava instituído no agir dos sindicalistas.
73
Trazendo novamente Guattari (2005) para a conversa, no sentido de ampliar
e afirmar, no caso, aos dirigentes sindicais do Sindiupes como os que tam-
bém ocupam uma posição de ensino do trabalho social, pode-se dizer que a
profissão consiste:
[...] em se interessar pelo discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e micropolitica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos que não nos permitem criar saídas para os processos de singularização ou, ao contrário, vão estar trabalhan-do para o funcionamento desses processos na medida de suas possi-bilidades e dos agenciamentos que consigam por para funcionar. Isso quer dizer que não há objetividade cientifica alguma nesse campo, nem uma suposta neutralidade na relação, como a suposta neutrali-dade analítica (GUATTARI, 2005, p. 37).
Nessa pesquisa, o campo problemático exige uma postura do pesquisador de
não neutralidade. Não existe um lugar em que de “seu” posto lhe seja possível
ver as pessoas, as coisas e as formas sem que uma opção diante desta encru-
zilhada seja posta em funcionamento.
Como um dos dispositivos necessários ao ato de analisar, na construção des-
se percurso investigativo da pesquisa, em que minha história de sindicalista
se mistura, se hibridiza, opto por utilizar a análise da implicação como ferra-
menta conceitual imprescindível. Entendo, como Lourau, (1993), a análise da
implicação como a análise dos vínculos afetivos, profissionais e políticos com
as instituições em análise na intervenção ou organização e, de forma ainda
mais generalizada, como a análise dos próprios vínculos afetivos, profissio-
nais e políticos com todo o sistema institucional.
Lourau (1993), ao falar de implicação, argumenta ser muito dolorosa a aná-
lise de nossas implicações, a análise dos lugares que ocupamos ativamente
neste mundo. Aponta que, ao fazer um isolamento entre o ato de pesquisar e
o momento em que a pesquisa acontece na construção do conhecimento, não
há como isentá-la de seus próprios valores, independente de qual posição
ideológica possua “esquerda, direita ou centro” e considera “[...] muito impor-
tante para a construção de um novo campo de coerência, uma relação efetiva
74
e nítida com a libido e com os sentimentos em geral. A teoria da implicação,
nós veremos, tem qualquer coisa que flerta com a loucura” (LOURAU, 1993,
p. 19). E, ainda, “[...] o amor e a loucura são ‘engrenagens’ imprescindíveis
às mudanças” (LOURAU, 1993, p. 18-19).
A maior parte das ciências segue uma lógica identitária, argumenta Lourau, à
exceção da Psicanálise, e estão baseadas na não implicação, na “desimpli-
cação” com suas teses firmadas na “teoria da neutralidade”, Barros (1997, p.
114) afirma, “à distância pretendida pela objetividade científica, a implicação
do especialista propõe terminar com as ilusões da neutralidade analítica, her-
dadas de um certo cientificismo”. Considerar as implicações do pesquisador
é uma forma de conhecimento a partir de uma dimensão coletiva da pesquisa,
rompendo com a visão tradicional da ciência em que o objeto estudado é pas-
sivo em sua relação com o pesquisador, mesmo que nos últimos anos o termo
implicação tenha sofrido “uma espécie de desvio utilitarista do termo” (ibid, p.
118). Como diz Lourau:
O termo implicação se insinua nos jargões midiáticos, políticos, em-presariais. A própria comunicação, hoje, se resume a um implicar-se na utilização de uma máquina “interativa”. Em última análise, muitos não se comunicam mais, bem ou mal, como você e eu, implicam-se (ALTOÉ, 2004 apud LORAU, p. 186-187).
A verbalização voluntarista, produtivista, utilitarista e, supostamente, prag-
mática do termo implicação, argumenta Lourau (2004), parece ter sua origem
numa mescla de influências cristãs, existencialistas, fenomenológicas e psi-
cologistas. “Eu me implico”, “ele não se implica o suficiente” como fórmulas
que equivalem a versões novas de outras velhas “eu me comprometo” “ele
não se compromete o suficiente”.
Segundo Hess (2004), a partir de 1980, o conceito de implicação é mais ob-
jetivado por Lourau que a prática da socioanálise. Passa a dedicar-se sobre
a temática dos intelectuais:
Como compreender a ‘reprodução’ e a ‘sobrevivência do sistema’, se ao mesmo tempo, esquecemos de analisar o papel decisivo que
75
os intelectuais desempenham na institucionalização de uma ordem social infame porem tolerada?” (HESS, 2004, p. 24-25).
A implicação dos intelectuais na sociedade, segundo Lourau, leva a uma série
de estudos/análises/teorias/escritos esboçando como oposição ao intelectual
orgânico de Gramsci8. O intelectual implicado busca, com a análise de impli-
cação, o desvelamento do momento da produção e de tudo que o atravessa.
Afirma Lourau: “estar implicado (realizar ou aceitar a análise de minhas pró-
prias implicações) é, ao fim e ao cabo, admitir que sou objetivado por aqui-
lo que pretendo objetivar: fenômenos, acontecimentos, grupos, idéias, etc.”
(LOURAU, 2004, p. 147-148).
A análise da implicação é, segundo Lourau (2004) um campo socioanalítico
instável, pois:
A teoria da implicação conserva aspectos negativos, agressivos, voyeuristas (mexe na merda!) ou exibicionistas (accounts íntimos, ou muito íntimos, na técnica diarística, trata-se do diário de campo, do di-ário de pesquisa ou do diário institucional).Existe também um risco de delação. Enunciar não é denunciar, salvo quando nos desimplicamos, quando nos abstraímos da situação, assumindo uma postura objeti-vista clássica. Os limites da enunciação coletiva são conhecidos. O segredo existe como condição – imaginária ou real – de sobrevivência (LOURAU, 2004, p. 239-240).
Esses argumentos, trazem a análise de implicação para o campo de fato dos
vivos, das possibilidades de efetivação de desnudamentos, desmanchamen-
tos a que se permitirem as instituições em análise, os implicados.
[...] A análise da implicação nunca deixará de se chocar com a contra-dição entre a produção coletiva de um sujeito do enunciado e a exis-tência singular, insubstituível, de sujeitos da enunciação - pessoas, seres como eu e você, cativos de liberdade, obsedados pelo que ima-ginam que sejam as condições incontornáveis de sua sobrevivência e/ou de seu gozo (LOURAU, 2004, p. 240).
76
8 Político e escritor italiano. Seus numerosos escritos, redigidos em grande parte quando estava preso e editados postumamente (Cadernos do Cárcere, seis volumes, 1947), influen-ciaram o ideal marxista.
Se os agrupamentos, organizações em processo de análise, constroem suas
próprias referências práticas e teóricas, sem a dependência de um poder glo-
bal, passa a ser possível a leitura de sua própria situação e aquilo que se passa
em torno deles, dando-lhes um mínimo de possibilidade de criação.
Entendo que a implicação do analista, como é o caso da pesquisa em questão,
fala de uma relação com a instituição num risco constante de se perder, de se
embaralhar. Investir na análise dessa implicação é colocar em análise as insti-
tuições, o que é indispensável para o processo investigativo, proporcionando-
lhes visibilidade. E, além da visibilidade, permitir sair das capturas com o insti-
tuído, diferindo daquilo que somos e já estamos em vias de diferir.
Então, outro instrumento/conceito importante na análise da implicação em pes-
quisa é a transversalidade como elemento que, segundo Rodrigues e Souza
(1991), romperia com a ilusão da totalidade fechada, em que ninguém seria
mais apenas o que aparentasse ser, pois fala de um atravessamento que per-
passa a todos os envolvidos, de um ponto de entrecruzamentos. Estando im-
plicada neste trabalho, como militante sindical naquele momento, com uma
configuração pessoal singular/coletiva de vida, entendo ser este conceito uma
ferramenta importante para os traçados destas analises.
Lourau (2004) apresenta o conceito de transversalidade como produzido nas
pesquisas psicoterápicas e psicanalíticas de Guattari:
Designa o que aparece parcialmente na pré-intervenção ou pré-enque-te que antecede a intervenção e, sobretudo, no próprio decurso da in-tervenção, a saber: o entrecruzamento de pertencimentos e referências (sociais, econômicas, ideológicas, políticas) do coletivo constituído pelo grupo-cliente e pelo(s) socionalista(s), podendo uma parte maior, ou menor do grupo-cliente estar ausente do campo de intervenção, mas nunca do campo de análise (ALTOÉ, 2004 apud LOURAU, p. 132).
Essa autora afirma que “a descoberta da transversalidade é descoberta de
conflitos, de lutas sociais: ela própria é uma fonte de conflitos, porque é lu-
gar das resistências, do não dito” (ALTOÉ, 2004, p. 133). Então, posso dizer,
na dada situação em análise, que utilizar o conceito de transversalidade nos
ajuda a vislumbrar os diferentes níveis de comunicação entre aqueles que
77
constituem o universo desta pesquisa, nos ajuda a aumentar a potência nas
relações dos indivíduos, grupos e organizações que se vinculam, na possibi-
lidade de produção de um inter-texto nos espaços de intervenção:
A transversalidade é uma dimensão que pretende superar os dois impasses, o de uma pura verticalidade e o de uma simples horizon-talidade, ela tende a se realizar quando uma comunicação máxima se efetua entre os diferentes níveis e, sobretudo nos diferentes sen-tidos. É o próprio objeto da busca de um grupo sujeito (GUATTARI, 1981, p. 98).
Para Guattari (apud ARAGÃO, 1992), objetiva-se, nas intervenções, a análise
das múltiplas determinações sócio, políticas, econômicas, ideológicas, sexu-
ais que perpassam o grupo, a instituição em análise, as diferentes instituições
que se fazem presentes constituindo cada indivíduo num grupelho, num cole-
tivo para além da individuação do corpo, na multiplicidade de agenciamentos
da subjetivação; esta subjetivação entendida como fabricada e modelada no
campo histórico social.
Segundo Rodrigues (2004), Lourau demonstra o deslocamento de todos os
conceitos socioanalíticos de seus referenciais originais com uma articulação
destes ao próprio dispositivo de intervenção, como encontrado em sua produ-
ção de 1979, na “apropriação” do conceito de transversalidade de Guattari:
[...] Das relações transversais, inconscientes ou não sabidas ou des-conhecidas, que são reveladas pela análise da encomenda e do pedi-do, a análise das implicações de cada um e do socioanalista, a pertur-bação do instituído pela autogestão da base material, sem esquecer a ação subterrânea ou espetacular dos analisadores (LOURAU apud RODRIGUES, 2004, p. 141).
Para Lourau, então, a análise institucional visaria à destotalização das totali-
zações, “somatórios” fechados, parciais e alienantes das implicações genera-
lizadas das relações, das pessoas, dos agrupamentos, sendo vista as impli-
cações transversalizadas como processuais, já que com caráter retotalizante
inacabado.
Pretendo, então, fazer uso desta ferramenta, da análise da implicação, como
78
integrante deste grupo de dirigentes sindicais do Sindiupes, buscando pôr
em análise as práticas discursivas produzidas, interessada em sentir o que
provocaram e provocam. Como foram construídas? Certamente se postas em
análises no próprio período, outras possíveis práticas teriam sido construí-
das. É como colocar-se em jogo em uma forma não distanciada do vivido. É
estar entre um risco constante de se perder e em um envolvimento que não
perca a percepção/escuta do que pode ser diverso, produzindo diferença.
É apostando nesta compreensão de pôr em funcionamento um processo de
análises que possam contribuir para um outro modo sindicato que me jogo
nesta pesquisa.
Portanto, ao buscar nesses conceitos/ferramentas cumplicidade para a análi-
se das práticas da direção do Sindiupes, não objetivei congelar a década de
90 para uma análise descritiva das experiências e movimentações. Segui o
movimento que a possibilidade de conversar sobre esse período nos trouxe,
buscando sentir/conectar, talvez, desvios para novos movimentos; tentando
pensar um tempo como virtual, e não cronológico; um tempo como coexistên-
cia de durações distintas e heterogêneas, que é o princípio de uma realidade
própria ao devir, das bifurcações possíveis, da ordem das intensidades, de
um plano incorporal, que para se apresentarem simulam sua expressão em
matérias.
Nesta dissertação, buscando assumir a postura do cartógrafo, sigo contando
com os conceitos e as práticas discursivas em mim, procurando capturar, de
nossas falas, as intensidades disponíveis no registro das imagens e dos sons,
transformadas em palavras transcritas acompanhadas de observações e pen-
samentos a partir de algumas referências a se constituir análises. A cartografia
entendida como:
O termo “cartografia” utiliza especificidades da geografia para criar relações de diferença entre “territórios” e dar conta de um “espaço”. Assim “cartografia é um termo que faz referência à idéia de mapa, con-trapondo a topologia quantitativa, que categoriza o terreno de forma estática e extensa, uma outra de cunho dinâmico, que procura capturar intensidades, ou seja, disponível ao registro do acompanhamento das
79
transformações decorridas no terreno percorrido e a implicação do su-jeito percebedor no mundo cartografado (KIRST, et al., 2003, p. 91).
Rolnik (1989) fala do cartógrafo como aquele que desmancha ou participa dos
“desmanchamentos”, destruição de certos mundos e constituição de outros
mundos que no desenho expressem afetos contemporâneos:
Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem pas-sagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas in-tensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias. O cartógrafo é antes de tudo um antropófago (ROLNIK, 1989, p. 15-16).
Acredito que alguns “desmanchamentos” de partes de nossos mundos tenham
ocorrido e ocorrem com novos possíveis desenhos, sem que necessariamente
tragam “alento” ou “sossego” para nós, rompendo a idéia de bons/boas moç@s
que precisam fazer algo pel@s outr@s e por si mesm@s, mas que de forma
provocativa e intensa buscam mudanças que nos ajudem a construir formas
“sindicato” desatreladas das certezas que, muitas vezes, nos marcam.
80
5 DA APRESENTAÇÃO DAS CONVERSAS COM/ENTRE OS DIRIGENTES SINDICAIS9
Considerando a singularidade do processo que se institui na realização das
conversas com/entre nós trabalhador@s em educação e dirigentes sindicais,
busco, no dispositivo das falas, narrativas e diálogos, as instituições cons-
titutivas do que podem colocar em desenvolvimento/movimento as análises
dessas práticas e o que estas produziram no coletivo de trabalhador@s em
educação na década de 90. Entendendo que a implicação e, a análise desta
implicação, nas desconstruções e construções podem-se criar outros possí-
veis, outras relações, outras formas de ser sindicato.
Para o desenvolvimento da pesquisa em questão foram convidad@s oficial-
mente, por correspondência e por telefone, após um levantamento nos re-
gistros oficiais do sindicato da composição das três direções que “passaram
por lá” na década de 90, quinze dirigentes sindicais do Sindiupes, que estão
atualmente na Grande Vitória/Espírito Santo, já não se encontrando mais no
cargo de direção. Para o primeiro encontro, o Laboratório do Centro Pedagó-
gico (Laufes) foi agendado com o objetivo de realizar a gravação da imagem
e som, mas, por algum equívoco do setor de reservas, outra atividade foi mar-
cada para o mesmo horário, o que nos levou à sala dezenove do PPGE. Na
correspondência, constava o pedido de trazerem para as conversas para os
encontros algo, como foto, jornal, boletim, registros de reuniões, etc., “guar-
dado” desse período para se colocar “na roda”.
Realizamos três encontros, como espaço de conversas, relatos, intercessões,
intervenções, com pessoas que se empenharam em serem ouvid@s e ouvintes
“em torno” de uma questão, um objeto comum. A disponibilidade de partici-
81
9 Neste item, faço uma apresentação de como se constituíram os encontros realizados com os dirigentes sindicais do Sindiupes, no período, como de deram as intervenções e as narrativas. O que se produziu das/nas falas estará presente mais detalhadamente no próximo capítulo, acompanhada das referidas análises.
pação foi muito grande e desejada. Perceber o envolvimento das pessoas, a
ansiedade de falar, os olhares trocados durante as falas, o carinho e o res-
peito com o outro, o cuidado em separar documentos, fotos, jornais, cartazes
e colocá-los à disposição, acredito, denotavam as intensidades da articula-
ção de nossas vidas com a militância sindical no Sindiupes, da vida que nos
atravessara: estávamos ali, naquele período/momento porque acreditávamos!
Acreditávamos que era possível transformar a educação no Espírito Santo.
No primeiro e no segundo encontros foram entregues vários materiais pelos
convidados, mas não foram apresentados e discutidos coletivamente, pois,
não houve direcionamento para uma conversa com o que expressavam/tra-
ziam em seu conteúdo narrativo e/ou fotográfico, o que poderia ter sido “res-
gatado” no terceiro encontro, mas tornou-se inviável com a dinâmica apresen-
tada por uma pessoa do grupo, e logo aceita por todos, para privilegiarmos
as narrativas pessoais.
5.1 Primeiro encontro
Dia 11 de outubro de 2006, 9h30. A sala arrumada em círculo. Dois estudan-
tes de psicologia, colegas do trabalho de pesquisa do Nepesp, que muito
prontamente se dispuseram para a relatoria do encontro, partilhavam da es-
pera. Aguardávamos @s convidad@s. Um, dois, três, opa! Telefone toca...
“– estou atrasada, mas chego”. Outra “– pede para avisar que estou em uma
audiência, chegarei atrasada”. Outros, com celulares desligados. “– estou
na escola coordenando um estágio”. “– Fiquei presa na escola: sabe como
é, quem ficou encarregado de levar o lanche para as crianças no parque não
veio...”. As falas vinham marcadas pelas particularidades/singularidades das
pessoas envolvidas em várias atividades dentro e fora das escolas, traziam
as nuances das relações que vão se constituindo nesses espaços, e também
pareciam dizer de um certo desejo de “adiamento” do encontro.
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E, assim, começamos às 10h30 com cinco pessoas. Contamos com o apoio do
funcionário do Centro Pedagógico da universidade na filmagem. Apresentei a
“equipe de apoio”, falei do objetivo de estarmos juntos, analisarmos as práti-
cas da direção do sindicato e o que estas práticas produziram no coletivo d@s
demais trabalhador@s. Resgato a carta-convite. Remontamos os três manda-
tos desenvolvidos nessa década: o primeiro mandato de quase quatro anos,
de 1991 a 1994, os demais com três anos de duração: 1994 a1997 e de 1997
a 2000. “Mapeamos” juntos quem esteve em qual mandato, quem esteve nos
três, quais pessoas permaneceram nas direções seqüenciais até 2006. Alguém
perguntou: “– O último mandato de 90 foi direção colegiada?” “– Não, a mudan-
ça estatutária foi realizada por nós para a próxima direção”, respondeu outro.
Permeou-se a conversa com a saída destes da direção do sindicato com alte-
ração estatutária realizada no congresso em 2005, impedindo a candidatura em
processo eleitoral após dois mandatos consecutivos de qualquer sindicalizado,
o que se efetivou nas eleições de 2006. Retomando...
“– Eu vi que várias pessoas trouxeram coisas...”
“– Vamos combinar até que horas ficaremos? Pode ser até às 11h30?”
Com a confirmação das pessoas, continuamos...
“– Qual dinâmica vamos usar?” Conversarmos e decidimos que a discus-
são se daria com as “apresentações individuais” a partir da “ordem” de entrada
no movimento sindical, “dos mais velhos” para os mais novos. “Reforcei” que,
caso quem quizesse apresentar o material que trouxeram, ficasse à vontade
para “apresentá-los” durante as falas. Porém, apenas uma dirigente realiza sua
exposição, falando por mais ou menos uma hora, de como teve início sua par-
ticipação na militância sindical, o que fazia antes, o que a motivou, um pouco
do seu percurso, dos seus parceir@s. Algumas intervenções, perguntas e con-
siderações dos demais foram intermediando sua fala. Sua exposição trouxe
“recortes” de sua vida e de sua militância desde 1979. Um dirigente disse ter
ficado surpreso com as informações e com o “jeito de olhar”, diferente do seu,
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83
a história do sindicato – Existiria “a” história do sindicato? Será que o “jeito
de olhar” já não fala de diferentes histórias?
Reafirmamos o combinado no início de realizarmos outro encontro, “– Res-
peitando nossa cultura sindical”, disse outro, em um sábado, em virtude de o
trabalho em escolas ser em horário integral ou horários alternados. O segun-
do encontro ficou marcado, então, para o dia 04 de novembro de 2006. Com-
binamos que o convite de participação seria refeito aos quinze ex-dirigentes.
Algumas fotos, documentos e recortes de jornais foram entregues. Após agra-
decimentos, nos despedimos.
8.2 Segundo encontro
Foi uma maratona para conseguirmos uma sala da Ufes aberta em um sába-
do. Dispostos em círculo, com a filmadora funcionando, meu companheiro se
dispôs a gravar, pois não pudemos contar com o funcionário do Centro Peda-
gógico. Chegou o primeiro... “O tempo não pára”, já cantava Cazuza, e nós
aguardávamos @s companheir@s que não chegavam. Tomamos a iniciativa
de ligar para cada um e saber se encontravam a caminho ou... Bom, telefones
na caixa postal, e “– Desculpa, havia esquecido”. Mas, como é de seu feitio,
se dispôs a mudar o rumo e veio com sua filha: lápis de cor, papéis e uma
carinha tranqüila e observadora. Um outro “– Estou saindo de Praia Grande
e já chego”. Outro sendo surpreendido ao reconhecer minha voz: “– Tô indo,
tô indo!” e chegou daí a alguns minutos com seu almoço por terminar; “– Es-
tou presa no trânsito, tem um acidente na Av. Dante Micheline”. “– Estou com
pedreiros em casa”. Às 14h40 chegou mais um perdido pelo campus... Foi
assim que por volta das 15h do dia 04 de novembro de 2006, conseguimos
nos reunir: nove ex-dirigentes do sindicato.
Nos momentos iniciais do encontro, surgiram falas como: “– Registrem, esse
menino é o mais novo cabo eleitoral, melhor, menino propaganda de Ana
84
Marreco”. “– Você vai dividir seu abono comigo?!” “– Chegou o mais novo
municipalizado”. “– Então você resolveu sua pendenga no Estado?”. “– Falta
fulana!” “– Ela morreu? Eu não sabia!” “– E a cicrana?” “– Calma, não é a
década de 80, mas 90!” As brincadeiras presentes nas falas eram de mesmo
tom de quando nos encontrávamos para as reuniões internas de direção. Fa-
las de conhecimento da vida pessoal, de intimidade entre as pessoas. Falas
das tarefas da casa e do cuidado com os filhos, “naturalizadas” atividades da
mulher; das cobranças veladas dos papéis dos “revolucionários” em relação
ao sistema (Secretaria de Educação). Falas também das relações com as
pessoas, figuras emblemáticas de nossa categoria profissional, vistas como
“cri-cri”, “stalinista”, etc.
“Abri” o encontro situando novamente o objeto de pesquisa, de importância
de tê-l@s como parceir@s nesse processo e situei a dinâmica utilizada no
primeiro encontro: cada um falando um pouco da sua militância sindical, quais
foram os caminhos para seu início, de quais mandatos participaram, como
sentem e como vêm a militância, etc. Citei novamente a dificuldade de encon-
trar algumas pessoas. Um colega disse:
“– Já deu quorum na executiva! Podemos começar!”.
Uma colega perguntou:
“– a pesquisa é só com o magistério, mesmo?”.
Combinamos de manter a dinâmica de falar, cada um, do seu percurso na mi-
litância sindical, dando seqüência à ordem de entrada. Ficamos até às 17h30.
As exposições foram feitas, com interrupções para perguntas e comentários.
Ao “correr o olhar” por cada um, percebia o prazer em ouvir os colegas e era
possível sentir as diferentes implicações nas versões expressas que dialoga-
vam entre si.
Encerramos as falas com a expectativa de retorno, pois se fazia necessário
um terceiro encontro. Não havíamos conseguido pensar, falar sobre o que
85
produziram nossas práticas na categoria. Havia “no ar”, e em alguns comentá-
rios depois de encerradas a gravação, o reconhecimento deste espaço como
importante para tod@s. Ficaram perceptíveis as “marcas” que trazíamos no
corpo: sabíamos que nosso encontro não se tratava de nenhuma reunião de
executiva da direção do sindicato, e as pessoas falavam mais “soltas”, com
menos demarcação de espaço, sem entonação de voz agressiva, mais solidá-
rias; mas um certo constrangimento hierárquico e dos agrupamentos políticos
não deixou de circular pelo espaço. Marcamos para o dia 25 de novembro
nosso próximo encontro.
5.3 Terceiro encontro
“– Quando tiver verde é que vai gravar?”
“– Cuidado para não cortar a cabeça das pessoas!”
Depois de contar com a ajuda de um dos estudantes de psicologia que parti-
cipava do Nepesp (mais uma vez!), que veio nos socorrer no manuseio da fil-
madora, minha sobrinha assumiu a tarefa de gravar em som e imagem nosso
encontro. Estávamos na mesma sala do encontro anterior. Eu já não estava
mais tão ansiosa; sentia que com os que viessem ao encontro à conversa “iria
rolar”. As justificativas vieram para as ausências sentidas: a mãe de uma e
o filho de outra que se acidentou; o compromisso político de representação
de uma secretaria em evento da prefeitura inviabilizou a vinda de outro; um
terceiro trabalhando aos sábados do mês de novembro para complementação
de renda; e alguns silêncios. A vida também não pára! Falei da conversa na
semana com minha orientadora, que havia repassado os rascunhos já digita-
dos dos dois primeiros encontros. Chamei a atenção para que observassem
o material que tinham em mãos: “– Nós falamos muito de nossos medos, pa-
vores, amores (risos), entendimentos, desentendimentos, o contexto político
dos governos Albuino, Vitor Buaiz, do José Inácio. Nós conseguimos, de uma
86
maneira bem pessoal, diria até bem singular, falar de como cada um sentiu,
como viu a trajetória. Conseguimos fazer um apanhado muito interessante,
pois cada um com sua fala, mesmo os que estavam no interior do Estado,
naquele momento foram ouvid@s; suas falas produziam ressonância. Então,
para hoje, a proposta é centrar um pouco mais a idéia no que este nosso cole-
tivo gerou para os trabalhador@s em educação. Qual é a nossa visão disso?
O que toda nossa vivência, nossas práticas produziram? Em algumas falas
parecia-me que a categoria confiava em nós, tinham uma grande expectativa.
Como percebemos essa nossa movimentação em relação aos trabalhador@s?
Vamos começar então?!”.
Com cinco ex-dirigentes do Sindiupes, iniciamos a reunião, mais ou menos às
15h, no dia 25 de novembro de 2006 e ficamos juntos até por volta das 17h30.
As falas demoraram um pouco para acontecer e não se contrapuseram. Elas
giraram em torno da categorização da década em dois períodos, do registro
das marcas “construídas”, “deixadas” pelo grupo que, em sua maioria, per-
maneceu no sindicato. Uma das pessoas presentes deixou mais visível uma
certa angústia ao falar dos atravessamentos na relação da vida e a militância
– de como ainda sente no corpo, sob os “holofotes”, a cobrança vigiada da
boa moça e conseqüente boa dirigente. Voltou a permear o debate o afasta-
mento “compulsório” da direção pela mudança estatutária realizada em con-
gresso de 2005, com avaliações diferentes dos efeitos na/da categoria de
trabalhador@s em educação das reações a este acontecimento.
Ao encerrar o encontro, agradeci a contribuição de cada um@. Deixei em
aberto que, após digitar, pensar, reler e analisar, caso tivesse necessidade
de conversar com um ou outro individualmente ou com todos novamente, os
procuraria... Um colega afirmou: “– Acho que deveria pegar as pessoas que
não estiveram aqui neste processo”. O outro brincou:
“– Tipo assim: pega o ‘fulano’ e diz assim: olha a ‘cicrana’ disse que você das
organizações Tabajara tem a solução”. (Risos!). Lanchamos, arrumamos a
sala, e houve agradecimentos e despedidas.
87
Assim, ao tratarmos nesses encontros das questões que nos inquietaram e in-
quietam na década de 90, buscamos política e eticamente conversar, registrar
em imagens e sons do “diário de bordo” a vida pulsante nos acontecimentos e
fatos descritos por nós dirigentes, propiciando o pensar junto às intensidades
de nossas vidas partilhadas no que chamávamos de coletivo.
Simultaneamente ao processo de realização dos encontros, realizei um le-
vantamento bibliográfico em produções do Sindiupes: jornais, panfletos, bo-
letins, arquivo fotográfico, etc. buscando selecionar os materiais fotográfico
e bibliográfico, pensando, como Zanella (2006), olhar a imagem para além do
conceito do senso comum, exercitando um olhar sensível como necessário ao
processo de criação:
[...] O olhar sensível, atento aos detalhes, ângulos, à multiplicidade da realidade que permite variados recortes e suas infinitas possi-bilidades de combinação, o que trás à pauta das reflexões as (im)possibilidades de educação desse olhar.” “[...] o olho físico como um meio para tal e a produção do(s) olhar(es) nas e pelas relações das pessoas mediadas pelos modos de ver o mundo; modos estes culturalmente instituídos e que carregam as marcas históricas de sua produção e dos muitos outros, presentes e ausentes, que os forjaram (ZANELLA, 2006, p. 143).
Ao selecionar fotografias, considerando as singularidades constitutivas do
fotógrafo que as produziu, com as especificidades que lhe são próprias e múl-
tiplas, as quais desconheço, busco exercitar este olhar sensível na escolha
da foto A e não B, a partir do que percebo nas próprias fotos: como apenas
registros momentâneos, ou o que parece ser um cuidado, uma constituição de
olhares procurando por vários ângulos, a melhor luz na tentativa de escapar
às estereotipias, e permitir a diversidade da realidade viva do acontecimento,
expressa sensivelmente no seu registro fotográfico.
Portanto, as fotografias presentes neste trabalho expressam o registro de um
dado momento constituído, e trazem consigo marcas em um rosto, um lugar,
uma frase, um gesto... de um processo instituinte. Apoio-me, então, em Za-
nella (2006) para não deixar de lado a problematização das formas estereoti-
88
padas que nos cegam para as possibilidades de diferenças, como o convite à
experimentação simples de cores, luzes, sabores, texturas, à descoberta de
novos traços e novos sentidos.
Da mesma forma, são considerados os jornais, panfletos e boletins. Eles tra-
zem também em sua constituição visual – formato, diagramação, charges
uma certa configuração estética, ética e política de nossas práticas. Por isso,
algumas imagens desses instrumentos também se farão presentes neste tra-
balho não como anexos, mas no corpo do trabalho.
89
6 DAS CONVERSAS COM AS PESSOAS E AS COISAS E DOS TRAÇADOS DAS ANÁLISES POSSÍVEIS
Buscando trazer para esta conversa alguns conceitos e autor@s que compõem
nossa caixa de ferramentas, vamos analisar o conjunto de material produzido
dos encontros de ex-dirigentes sindicais. Assim, vamos fazer uma interlocu-
ção entre os materiais bibliográficos e o material discursivo produzido nos en-
contros com os ex-dirigentes sindicais, trazendo não apenas um conjunto de
documentos e falas de um certo período e pessoas, mas, em cada fala, foto
e documento, os cheiros, as dores, as angústias, os prazeres, impregnados
das/nas vidas de mulheres e homens atravessad@s, transversalizad@s, pe-
las intensidades com as quais constroem-se as vidas, as lutas e o sindicato;
vivenciando de uma forma ímpar o que se acreditava ser a construção de um
movimento potente, ético e coletivo.
Para evitar a identificação direta das pessoas, passo a utilizar o termo diri-
gente associado aleatoriamente a uma letra do alfabeto para cada um, e toda
vez que a fala de um dirigente for direcionada a uma ou outra pessoa ou en-
tidade, os nomes “reais” serão substituídos.
Passo a incluir algumas fotografias, a partir deste momento, de nossa con-
versa, não com o caráter de ilustração, mas de forma a constituir parágra-
fos em que as “palavras visuais” possam ser ditas e apreendidas por cada
leitor@, assim como se fossem gráficos nos quais “nos perdemos” em seus
quantitativos e nos “encontramos” nas outras tantas leituras que também
nos permitem fazer.
O traçado das análises segue separado em tópicos, para facilitar uma certa
forma escrita da elaboração das idéias e dos pensamentos nos desenhos
da pesquisa. Entendo que, por vezes, as falas dos dirigentes sindicais ex-
pressam diversidades de sentidos da processualidade e da intensidade do
vivido em suas práticas, o que, em alguns momentos, irão nos remeter a al-
90
gumas falas, abordadas em diferentes tópicos. Ao modo do cartógrafo, sigo
acompanhando os ditos e entreditos dos encontros e dos cenários também
por mim vividos.
6.1 De como a militância sindical vai produzindo a vida
Caminhando nas/com as ferramentas conceituais que vão sendo coladas à
pele e traçando novas tessituras pelo corpo, coloco em análise as falas pro-
duzidas nos encontros com os dirigentes sindicais do Sindiupes e dos mate-
riais bibliográficos que expressam como e quanto a vida foi sendo produzida
no/com o movimento sindical.
Quanto do espaço ocupado pela militância sindical expressa um sobretraba-
lho? Para Lourau (2004), a crença no sobretrabalho é a sobreimplicação, en-
tendida como o exigido na produção de mais valia, no ativismo da prática, que
pode gerar uma dificuldade em proceder e realizar análise de implicações,
visto que todo o campo permanece ocupado por um certo e único objeto.
Uma questão importante presente na discussão da sobreimplicação, segun-
do Lourau (2004), é o fato de muitas vezes medir-se o “quanto” o militante é
implicado em suas atividades, pelo número exatamente de atividades em que
se envolve, se responsabiliza e participa, como se a negativa de participação
não se constituísse em também uma implicação a se pôr em análise.
Nas avaliações dos relatos dos dirigentes sindicais do que foi realizado nos
três mandatos da década de 90, encontramos um ativismo que se expressa
nas tarefas e mais tarefas assumidas com afinco para realizar um ou outro
objetivo, colado à compreensão do “papel” do dirigente sindical, como aquele
que não mede esforços na obtenção de ganhos para a luta em defesa dos
interesses da classe trabalhadora, em uma disponibilização total da vida para
a militância sindical irrestrita.
91
Fala do dirigente A: “ – Rodei o interior do Estado todo com meu fusquinha”,
do dirigente F: “– Fiz muita mobilização de ônibus”. Do Dirigente E: “– Tinha
50 horas no Estado com carga horária distribuída nos três turnos, já tinha
minha moto e mobilizava. Quando ia para Rio Claro, ia de caminhão de leite,
banana, de tudo!”, e da dirigente G: “– Andávamos mais com o Fiat do pai de
Pedro. Eu e Clara tínhamos que pedir o carro para mobilização das escolas
da Serra. Se o próprio Pedro pedisse, o pai negava!”. A utilização dos recur-
sos materiais dos próprios dirigentes sindicais para a locomoção e o contato
com seus pares, nas escolas e nos municípios, não era considerada como
sobreimplicação para as ações dirigentes, mas naturalizado, e, portanto,
não questionado. Ao contrário, é relatado como um feito heróico, “natural”
do trabalho dirigente sindical.
Nessas falas, percebe-se um “certo despojamento”, desde o início da militância
no movimento sindical, para a realização de mobilizações nas escolas da Gran-
de Vitória, nas visitas aos municípios do interior do Estado e, ao mesmo tempo,
um descompromisso da entidade sindical com as condições necessárias ao
trabalho militante. Trata-se de uma sobreimplicação que, ao assumir para si a
tarefa de mobilização, não se colocava em análise essa situação.
Diz o dirigente F para o G: “– No congresso da CPB em João Pessoa nós até
paqueramos!”. Na fala do dirigente H: “– Foi quando entrei na direção. Namo-
rei com João (risos). Para ganhar a eleição?! Chorei muito quando terminou.
Choro muito, mas depois me apaixono de novo!”. E na fala do dirigente C:
“– Sempre fomos muito fraternos, gostando muito um do outro. Poderia viver
tudo de novo, com as mesmas carranquices de João, nossa dureza...”. Mili-
tância de “tempo integral” como espaço de construção dos afetos e desafetos,
dos amores e desamores. O namoro com um militante teria sido para ganhar
a eleição? As relações afetivas se presentificam como instrumento de barga-
nha em um processo eleitoral, visando ganhar apoio e simpatias, misturando
afetos e interesses políticos da gestão do sindicato.
Nesta fala da dirigente H: “– Hoje me sinto meio vazia na vida. Que caminho?
92
Que orientação? É muito diferente. Os debates que rolam nas aulas acabam
sendo pouco para mim”, percebe-se que a vida era a militância sindical e a
militância sindical a vida. A “doação” em nome de um coletivo se apresentava
como uma forma política mais desafiadora de relacionar-se do que o exercício
da profissão em sala de aula, para esta dirigente, hoje.
Quando o dirigente B diz: “– Se colocarmos na ponta do lápis o tanto que a gen-
te fez sem termos recursos... acho muito legal, tiramos leite de pedra; fizemos
congresso sem repasse de consignação, com intervenção, passamos nesta
década com três consignações a menos”, fala-se da construção de um saber
com/na militância sindical, passando do desconhecimento em administrar uma
máquina sindical10, ao saber construído no fazer, no processo com/nos “enfren-
tamentos” das dificuldades financeiras que se apresentavam.
E ainda na fala do dirigente B: “– você se lembra que no primeiro mandato
eu morava no prédio do sindicato, abria e fechava o sindicato? Era muita de-
dicação!”, pode-se perceber que a ação cotidiana indicava o “controle” deste
espaço que é o “meu sindicato”, ao mesmo tempo em que também se percebe
uma priorização da militância sindical, gerando um sobretrabalho. Vida – dire-
ção sindical igual à vida reduzida à direção sindical?
Sobretrabalho messiânico. Messiânico por expressar uma doação total de
vida, como apregoada pelas práticas religiosas. Como diz a dirigente E: “–
Estar a serviço do movimento não era para quem queria cuidar também da
própria vida e nem tomar cerveja e beijar na boca”, afirma a dirigente, expres-
sando uma posição corrente da época. Na fala do dirigente C: “– o espaço
público da pessoa era muito tensionado. Joaquim apostou em sua formação
acadêmica e religiosa [...] Marta que quase pirou e saiu do sindicato, Caio
foi para a Secretaria de Educação de um município da Grande Vitória e ficou
93
10 Máquina sindical aqui entendida como aparelho, como um conjunto de coisas e ações pró-prias do gerenciamento, administração e estrutura do sindicato. O conhecimento em adminis-tração das máquinas sindicais foi objetivado pela CUT e seus sindicatos filiados a partir da segunda metade da década de 90, nos cursos desenvolvidos pelas escolas da Central, como a Escola 7 de Outubro, em Belo Horizonte, MG.
como assessor e foi punido pela categoria...”, percebe-se uma concordância
com o pesamento que exige espeficidades do que é ser um “bom militante”,
entendida como aquele que se joga no exercício das práticas de dirigentes
sindicais vinte e quatro horas por dia.
Percebe-se que há um certo constrangimento e pesar com os que não se
“encaixaram” no perfil militante e ousaram dimensionar outras possibilidades
de vida. Até que ponto os questionamentos quanto ao caráter da opção des-
ses militantes entre dividir seus interesses com a militância sindical e outras
atividades tornam-se mais justificáveis se aceitos como não “suportaram” a
responsabilidade de serem “os” militantes sindicais? Para ser um militante
seria preciso que a vida estivesse sempre vinculada a um único objetivo a lhe
garantir a “titularidade”?
Fala do dirigente B:
Acho que a gente conseguiu construir um pensamento na catego-ria de mulheres trabalhadoras; isso é uma marca, a idéia da for-mação política para mulheres, a idéia da secretaria de mulheres, toda a discussão que coincide com o debate da CUT e do PT, da ação afirmativa, o debate das creches, das creches nos espaços em congressos e seminários, nos espaços da diretoria, acho que conseguimos afirmar as ações afirmativas da direção à categoria de potencializar as possibilidades de lutar e que elas seriam pro-tagonistas de uma categoria amplamente composta de mulheres. O segundo a idéia de ser trabalhadora, nas relações com a CUT principalmente, com os sindicatos de outras categorias, nas mani-festações que fazíamos, acho que a gente conseguiu uma relação de solidariedade e respeito de trabalhadoras com demais trabalha-dores de outros sindicatos, no caso homens. Essa questão de ser mulher e ser trabalhadora é mais forte! E a outra é a de democrati-zar mesmo. Conseguimos espaços importantes: as coordenações, os conselhos, o peso da direção geral, a executiva de mais exe-cução, congressos, espaços e canais de participação muito fortes, conseguimos com isso disparar outras coisas, não que sejam me-nores, talvez, a questão étnico-racial por uma questão conjuntural, a questão d@s aposentad@s, lá trás nós já trabalhávamos essas questões.
Expressam-se nessa fala, “resultados” do ativismo militante. Inúmeras ques-
tões estão focadas em dois eixos: em torno das questões de gênero e da
94
democratização dos espaços de funcionamento do sindicato. Quanto se mo-
bilizou do potencial de trabalho militante em cada ação? O que foi feito na
busca de um aprimoramento cada vez mais exigente do ser “dirigente sindi-
cal”? O estado de mobilização permanente, de vigilância exacerbada do que
se fala e faz produz constantemente sobretrabalho, mas do ponto de vista
da Análise institucional, “... produz estresse rentável, doença, morte e mais
valia...” (LOURAU, 2004, p.195).
95
Figura 1: Assem-bléia realizada na
escadaria da A. Legislativa do ES.
Greve de 1999.
Figura 2: Assembléia geral estadual realizada no centro sindical dos bancários do ES - 1997.
Essas imagens falam do investimento para envolver um número maior de
trabalhador@s em educação nas assembléias da rede estadual, segundo rela-
tos dos dirigentes sindicais, combinando ações políticas, como a realização de
um plebiscito com pais, alunos, professores e servidores das escolas estaduais
na intenção de saber qual a opinião sobre a eleição direta para a direção da es-
cola, como tentativa de envolver a população e os deputados estaduais com as
assembléias em locais públicos. Não se trata de desconsiderar a importância
desse processo, mas perguntar como isso era feito e o “preço” que se pagou.
Fala do dirigente B:
O trabalho na GV foi tão grande que depois de quase duas décadas, Vila Velha esta aí filiada ao sindicato. Nós conseguíamos escapar do nada produzir com o governo de Estado para fazer reuniões e pressões por outras vias: com o Tribunal de Contas na época de Ma-riazinha, Assembléia Legislativa, as denúncias do governo Zé Inácio, quando nenhum avanço ocorria em negociações, a categoria topou destruir, derrubar o governo. Foi um movimento político importante, nada econômico.
Uma intensa rede das relações foi se constituindo num infindável processo
em que se deram as movimentações produzidas na década de 90. Militância
Figuras 3 e 4: Assembléia geral no aud. Esc. Mª Ortiz. Apresentação do resulta-do do plebiscito - Gestão Democrática realizado nas escolas do Estado - 1999.
Figura 5: Assembléia geral na Praça Oito - 1999.
96
política está necessariamente vinculada à produção de mais valia subjetiva?
Quanto da vida pessoal foi “abdicado” em nome do coletivo dirigente que
se apresentam como “silenciadas” naquele momento em uma compreensão/
defesa da militância sindical de tempo integral? O que se expressava como
necessário ao perfil militante sindical forte (masculino)? Como demonstrar
“um comportamento mais humano”, sem que isso demonstrasse fragilidade
do militante sindical, da organização da tendência, partido a que “pertencia”?
Será que o dirigente de tempo integral é o que pensa, que planeja, e a base
a que acata legitima e põe em funcionamento?
6.2 “Como um coletivo de formiguinha que trabalhava con- tra tudo e contra todos”
O termo coletivo aparece nas diversas falas dos dirigentes sindicais em to-
dos os encontros, assim como o termo grupo. Ambos aparecem nos relatos
de forma indiscriminada. Ora se denominam como um coletivo, ora como um
grupo (no sentido de agrupamento homogêneo). Trabalho com o conceito de
coletivo como multiplicidade, não como somatório de sujeitos. Um coletivo
é formado por relações ético-políticas singulares que criam a todo tempo
outras relações, recusando totalitarismo; portanto, coletivo como heterogê-
neo e heterogenético. Grupo-coletivo como dispositivo para a construção de
novos modos de ser e estar na vida. Espaço de misturas, de construção-
desconstrução, de formação, de “criação de territórios que dam passagem
às intensidades” (ARAGÃO et al., 2001, p. 45).
Fala da dirigente G:
Acho que o grupo que a gente fez foi fazendo por amizade, mais que por motivação política! Tínhamos um grupo que fazíamos diferença [...] – se faz um divisor de águas quando Antônio sai – direcionávamos tudo, a direção era nossa. É interessante que quando a gente perde a eleição a gente não perde o grupo.
97
As relações com a militância sindical, afirma a dirigente G, iniciavam por
um viés de aproximação mais afetivo que por “indicação” ou “adesão” a uma
determinada tendência ou corrente política, mas apesar de aproximações
afetivas, buscava-se uma certa homogeneidade de um grupo ao qual cabia
direcionar. Como um movimento pode afirmar o coletivo, a heterogênese,
quando procura manter “o” lugar de direção do movimento, daquele que dá
a direção?
Em outros momentos, a referida dirigente fala “[...] – A gente aprende muito!
O aprendizado de mundo, companheirismo, lutas, organização! [...] Saí, em
1997, por vários motivos, um dos fortes motivos é achar que esse lugar devia
ser de diferentes pessoas, que passassem por lá”. Fala-se do processo de
vida coletiva e de como poderiam se dar a composição das direções sindi-
cais. Sua fala expressa um modo, um critério de composição de chapas elei-
torais não passando pelo vínculo direto das tendências, e diz também dos
saberes construídos, produzidos no processo, na experiência de um coletivo
que se constitui por meio de comportamentos singulares alterando os modos
constituídos dos dirigentes sindicais.
Diz a dirigente E: “–Tinha um coletivo, mesmo tendo João como presidente,
nós éramos caracterizados como um coletivo de formiguinha que trabalhava
contra tudo e contra todos”. Esta fala traz “a responsabilidade” do coletivo
dirigente do Sindiupes, na condução – essa questão da condução não parece
um a priori, no entendimento dos dirigentes sindicais, no modo de operar com
o conjunto d@s trabalhador@s em educação?
Fala do dirigente B:
A gente viveu a conquista da eleição de direção de escola, da for-mação dos conselhos e ao mesmo tempo também vivemos em uma década o fim de tudo isso. A questão nacional com representação na CUT e CNTE nos colocava à frente de muitos sindicatos do estado na discussão de mulheres, formação, das etnias, a vinculação das políti-cas estaduais com a nacional, o acúmulo sobre o Fundef. Muito antes de ser implementado, já fazíamos a discussão nacionalmente.
98
Os avanços políticos na democratização dos espaços e a legislação do sis-
tema escolar, construídos nessa década, e, ao mesmo tempo, a perda de
uma boa parte desses espaços no mesmo período é um tema recorrente na
conversa. Dirigente E diz:
A gente cresceu, mas não multiplicou, tem gente que cresceu a barri-ga, para os lados, (risos) embora com muita formação não consegui-mos multiplicar as pessoas, foi uma falha nossa por diversos flancos: municipalização, FHC, e fomos nos fragilizando e não conseguimos sair desta. Esta situação de duas ou três redes, individualismo, re-montam o que temos depois dos anos 2000.
Nessa fala, percebe-se uma “culpabilização” dessas perdas para o proje-
to neoliberal e seus desdobramentos e também pela não “incoporação” d@s
trabalhador@s em educação nas lutas e atividades decorrentes da maior carga
horária de trabalho com ampliação das redes municipais de educação. Será
que as práticas de condução do movimento (“direcionávamos tudo, a direção
era nossa”) não expressam uma contribuição para “também vivemos em uma
década o fim de tudo isso”, “A gente cresceu, mas não multiplicou” ? Até que
ponto as práticas de condução do movimento não compõem o cenário de per-
das apontado?
Outra fala do dirigente B:
Por várias vezes nós falamos que a gente tinha que indicar quem trabalha, quem faz as bobagens... quantas entrevistas, negociações que a gente pensava assim: oba, hoje é só chegar lá e botar o pino na bola e alguém, puf! Furava a bola!.
Nessa fala, constata-se um modo de funcionamento do coletivo que foi alte-
rado por não saber lidar com os conflitos. O modo particular de manifestação
dos dirigentes sindicais também produziu desgastes nas relações da direção,
que passou a se colocar mais como grupos em disputa interna, por hegemo-
nia. Pode-se afirmar a existência de um processo de baixo índice de transver-
salidade, de um grupo dirigente fechado nele mesmo, em função de um alvo
externo – os governos, a municipalização, etc.
O dirigente C nos diz:
99
Começo a discutir junto. Integro-me à tendência A e faço articulação com o encontro de Guarapari. Todo mundo enquanto tendência se re-colhia para o coletivo do Sindiupes. Eram muitos discursos chegando: mulheres, educador como trabalhador, sexualidade, marxismo, mais valia, até nos aceitarmos na categoria trabalho. Isso pega na primeira direção. Tínhamos um vinculo de emprego. Discutíamos todo tempo, de segunda a segunda.
O dirigente C, expondo seu início na militância sindical, relata o lançamento da
oposição sindical, quando a oposição foi reconhecida como uma instância de
funcionamento da estrutura sindical cutista – a “oposição e coerência na luta”
realizada durante o congresso de Guarapari fala das tendências do PT e de
grupos de outros partidos e de professor@s que não estavam ligados a nenhum
grupo e que se constituiu este espaço como um “laboratório”. Fala-se, então,
de um modo de funcionamento do coletivo instituinte – da capacidade de inova-
ção e contestação das relações na convivência e expressão dos pensamentos
e formas de funcionamento do sindicato. Percebe-se que o coletivo dirigente do
Sindiupes, até a formação da oposição sindical, funcionava de forma múltipla,
num processo mais dinâmico, heterogêneo e hererogenético. Quando o grupo
é oficializado como oposição sindical, passa a caminhar numa linha mais dura
e a funcionar a partir de um desenho definido pelas tendências políticas, mas
sem que isso fosse assumido claramente. Uma conformação dual, dicotômica,
mas velada, na disputa por hegemonia das tendências/grupos, coletivo dirigen-
te e categoria.
Pode-se, então, afirmar que ocorre um apaixonar-se pelo poder, em uma linha
contrária a que nos apresenta Foucault: “não se apaixone pelo poder” (ESCO-
BAR, 1991, p. 4). A vontade de poder, por certo lugar de poder, “conforma” e
“deforma” as relações em separações textuais e estanques, sentida, às vezes,
com surpresa pelos dirigentes sindicais, por não serem entendidas as “boas”
intenções de suas ações.
A expressão do dirigente C, “[...] todo mundo enquanto tendência se recolhia
para o coletivo do Sindiupes” e a fala do dirigente B, “[...] É verdade que não
existia uma determinação (tendência A) de trabalhar até morrer, existia uma
100
determinação de não perder o sindicato do ponto de vista programático e po-
lítico”, afirmam-se que com a oficialização da oposição sindical inicia a inge-
rência das tendências do PT nesse coletivo de uma forma não explícita pelos
“representantes” das tendências, e nem pelos demais participantes do coletivo
dirigente, mas se configuram na distribuição quantitativa dos cargos a ocupar
por tendência A ou B, em quem deveria, por exemplo, “ter a cabeça de chapa”.
Pode-se afirmar que o coletivo se transforma numa junção de grupos que con-
seguem “administrar” o estar juntos por mais de uma década, em que a regra
de dividir para manter o comando mantém a disputa na/da máquina sindical –
como na fala do dirigente A: “– Essas disputas, quando eram para fora entre PT
e PMDB ou outro partido, as tendências se juntavam, mas quando a disputa era
interna!”. E ainda do dirigente H:
Na década de 90, os enfrentamentos foram fortes; na primeira e se-gunda gestão fizemos diferença para o movimento sindical do Esta-do. Coletivo muito forte! Com a proporcionalidade trouxe um conflito dentro da direção, a ressaltar os conflitos até nas próprias tendên-cias! O desgaste das relações foi muito forte.
Essas falas trazem os conflitos produzidos nas composições das direções do
Sindiupes: para cada mandato, uma conformação do coletivo dirigente, uma
“implementação” de valores competitivos, com o “reforço da verdade única”
que cada tendência dizia ser portadora, forma esta que tanto se combatia. O
que importava mais? Manter o lugar de poder na máquina sindical? Efetuar
mudanças no quadro educacional?
Fala do dirigente C:
Tem uma coisa que acho interessante que nos proporcionou as mu-danças estatutárias e a Rita falou é que tínhamos uma característica muito forte de sermos francos com a categoria e enquanto alguns dirigentes de outras tendências diziam – não, é possível fazer isso sim, nós tínhamos que assumir o papel de chegar e falar o contrário. Acho que por isso fomos marcados para a categoria como duros, chatos, que não riamos, sérios, por ter que refazer coisas da direção inclusive [...].
Segundo os registros dos encontros e documentos produzidos pela direção,
101
as mudanças estatutárias a que se refere dizem respeito ao modo de funcio-
namento em direção colegiada, substituindo o presidencialismo, em que as
funções são distribuídas na direção geral, direção executiva e por secretarias,
e a proporcionalidade qualificada, que é a garantia numérica de cargos em di-
reção e nas demais instâncias do percentual obtido em votação, num processo
eletivo, e qualificada pelo critério também matemático de distribuição/escolhas
dos cargos. Os argumentos, nas defesas dessas propostas de mudança, apon-
tavam para tornar o sindicato mais democrático. Mas, qual peso a “paixão pelo
poder” ocupou na elaboração dessas propostas?
Ainda na fala do dirigente C, os dirigentes sindicais do Sindiupes, na adminis-
tração do estar juntos, são sustentados mais por acordos políticos realizados
entre as tendências e que a esses dirigentes sindicais caberia a “obediência” às
decisões tomadas. Assim, vão convivendo e encaminhando as lutas cotidianas
numa disputa de vaidades em que uns se desdobram como as “formiguinhas”
na administração da máquina sindical, no direcionamento das atividades/lutas,
como pode-se observar na fala da dirigente E: “– Mas aí tem uma coisa, não sei
se por decisão da tendência A, vocês eram carregadores de piano”, e outros se
“fazendo parecer condutores” da elaboração, construção e produção coletiva.
No modo de condução e funcionamento de direção, as práticas dirigentes se
apresentavam como incoerentes para o restante da categoria profissional? O
que se produziu para @s trabalhador@s em educação com a forma não dita
dos vínculos com as tendências que os “sustentavam” politicamente? “O cole-
tivo de formigunhas que lutava contra tudo e contra todos” ao se perder nas
lutas por hegemonia interna se despotencializa nos movimentos em curso?
102
6.3 “...quando a gente se propõe a dirigir um grupo...”
A oposição sindical do Sindiupes manteve um boletim informativo específico e
esporádico como instrumento de comunicação com o restante da categoria. O
boletim, apresentado nas Figuras 6 e 7, foi o último a ser impresso e distríbuido
ainda como grupo de oposição à direção do Sindiupes – “Oposição e coerência
na luta”. Nele apresenta-se o resultado das eleições sindicais divulgado em
novembro de 1991, em que a chapa dois é a chapa eleita para o mandato de di-
reção de 1991 a 1994, configurando o início dos três mandatos deste grupo na
década de 90, que são objeto de análise desta dissertação. Nele encontra-se:
Hoje, estamos diante de novos desafios. Como direção cumpre-nos desempenhar um papel de agentes de mudança diante da histó-ria. Anuncia-se a libertação e a emancipação dos trabalhadores, e nós, educadores, temos participação importante na elaboração e na execução deste projeto. Somos responsáveis pela orientação de outros trabalhadores e, por isso, responsáveis pela elaboração de
103
Figuras 6 e 7: Boletim da oposí-
ção sindical “oposição
e coerência na luta”
dez/1991.
novos valores culturais, mais livres, mais democráticos”.
Nessas afirmações, não se tinha idéia do “peso político” e dos desvios que
ocasionavam para o coletivo dirigente e para @s demais trabalhador@s em
educação! Por inocência? Por equívoco de formação? Por equívoco de análi-
se? Com que pretensão afirmavam e acreditavam ser os grandes iluminados
e as fortalezas que iriam, como diz uma frase deste mesmo boletim, “garantir
novos rumos”?! Militante sindical como um pastor do rebanho, num poder
sacerdotal? Acreditavam que, investidos deste poder, poderiam desviar os
cursos da vida de todos com as próprias mãos? “Somos responsáveis pela
orientação de outros trabalhadores” – expressa-se aqui o processo de gestão
sindical cindido entre quem pensa e orienta e quem faz e é orientado.
O pastor do rebanho, o sacerdote – “poder pastoral” a que se refere Foucault
(1995) –, fala de práticas políticas, como da Igreja Católica, que por mais de
um milênio exerceu o poder pastoral, e ainda exerce, mas com menos força,
pois já não é tão hegemônica “numa forma de poder tanto individualizante
quanto totalizadora” (FOUCAULT, 1995, p. 237). Comandar com um saber
da consciência de quem governa, assim como também se investiu o Estado
moderno como matriz de individualização associado a modelos de verdades,
a verdade dos próprios indivíduos. Este poder ampliou-se e encontrou apoio
numa ampla rede:
E, em vez de um poder pastoral e de um poder político, mais ou me-nos ligados um ao outro, mais ou menos rivais, havia uma “tática” individualizante que caracterizava uma série de poderes: da família, da medicina, da psiquiatria, da educação, dos empregadores (FOU-CAULT, 1995, p. 238).
Esta forma política de “poder pastoral” se expressava freqüentemente na edu-
cação, nas falas dos dirigentes sindicais, nas práticas d@s trabalhador@s em
educação e nas formas de organização destes trabalhador@s como guias a
se sacrificar pela “salvação do rebanho neste mundo” – a garantia de “con-
quistas” de direitos funcionais, melhorias salariais, de condições de trabalho
– e também afirmar o lugar do indivíduo, do absoluto e não do coletivo, como
104
a conter o fluxo11 que gera produção de vida, movimentos e processos.
A força e a vontade de se envolver, de realizar, de produzir mudanças no iní-
cio da militância dos dirigentes sindicais do Sindiupes foram expressas com o
“anuncia-se a libertação e a emancipação dos trabalhadores, e nós, educado-
res temos participação importante na elaboração e na execução deste projeto”.
Não estou dizendo que havia uma intencionalidade dos dirigentes sindicais
em despotencializar @s trabalhador@s, impedir movimentos singulares/coleti-
vos, mas sim afirmar que o aonde queriam chegar estava dado (falava-se das
disputas e da crença em um projeto de governo popular). Podemos entender
o “somos responsáveis pela orientação de outros trabalhadores e, por isso,
responsáveis pela elaboração de novos valores culturais, mais livres, mais de-
mocráticos” como uma contradição, presente neste documento, ao que já se
combatia no magistério – a função de educar como sacerdócio. Nas falas em
assembléias, nas visitas aos municípios e escolas, em mobilizações para orga-
nização de uma greve, este era um dos argumentos mais presentes na contra-
posição às falas correntes: “– Mas, não posso prejudicar meu aluno!”. “– O que
será dele neste período?”. Os dirigentes do Sindiupes acabam se colocando no
lugar de pastores do rebanho e trabalham, ao mesmo tempo, paradoxalmente
na negação da função de pastores do rebanho da categoria profissional.
Qual lugar foi construído para o sindicato? Como no pensamento expresso nes-
te referido boletim: “os trabalhadores em educação precisam entender que sin-
dicato se faz com trabalhador, e estava declarado o fim da era inércia”. Aponta-
se para a existência de um grupo dirigente consciente, e outros grupos dos que
precisam entender – a categoria profissional. De acordo com o documento:
Esta cartilha é mais uma das nossas armas para a conquista demo-crática dos nossos direitos; direitos que precisamos conhecer de fato, para conseguirmos movimentar nossos colegas professores em
105
11 Fluxo entendido como antecedente, como o que precede, o que move, podendo ser da ordem do material e imaterial que transversa pessoas, coisas, imagens.
uma perspectiva de rebater o medo da participação sindical. Preci-samos tomar consciência de que este sindicato é o nosso “espaço social” de valorização de nossa profissão.
Neste parágrafo consta a abertura da cartilha elaborada pela coordenação mu-
nicipal de Vitória, em 1991 – “Zuuuum!” como um instrumento que visava “dar
consciência” da importância de participação no movimento sindical a alguns,
com o objetivo de transformar estes em aliados nesta tarefa.
Os dirigentes C, E e B falam da solidão desse lugar:
Dirigente C: [..] A gente se propôs ser dirigente, quando a gente se pro-põe a dirigir um grupo, nós fizemos isso na primeira metade da década de 90 na segunda metade (Joana diz. – é verdade!) a gente foi dirigido pela conjuntura nacional e conseqüentemente perdemos quem dirigir.” [...] _ Tem outra análise interessante é as pessoas te olharem, falam que não pode ser amigo. [..] Quando você é dirigente, você fica solitá-rio. É muito duro, ao mesmo tempo que pode nos aproximar de muita gente pode nos afastar. Mas estamos aí!
Dirigente E: – Acho que por isso que as pessoas ainda olham para a gente e dizem: “vocês que são do sindicato”.
Dirigente B: – tudo isso que a gente era, nós éramos vistos como “os anjos” e não podíamos tomar cerveja em público.
Expressam-se práticas discursivas que afirmam uma divisão de lugares/pa-
péis: “quem governa” – os dirigentes sindicais e os demais trabalhador@s em
educação – e “os governados”. Aqui lembramos Foucault, analisado por Veyne
(1978), quando traz a discussão das relações de poder em que a prática dos
“governantes” dos imperadores romanos, de “guias do rebanho” se transforma
em “mimar crianças” e, posteriormente, nas práticas modernas de “administrar
fluxos”, em que estas práticas políticas falam de relações hierarquizadas e
duais: os “governados” e os “governantes”, ou os dominados e os dominantes,
termos comumente usados pelos dirigentes sindicais.
Quanto à fala do isolamento em relação à categoria profissional e da soli-
dão do dirigente sindical “a gente se propõe a dirigir um grupo”, expressam
como, ao assumir esta função, seriam investidos do que é próprio deste
lugar: um saber que deve dar consciência aos governados e a capacidade
106
de dirigir como guias de um rebanho, gerando, por este “especialismo”, um
distanciamento que fixa a separação dos lugares dos dirigentes sindicais do
Sindiupes e da categoria profissional, como se os dirigentes não fizessem
parte da categoria profissional. Não seria essa divisão de lugares um aspec-
to que não favorece uma relação de parceria e co-responsabilidade com o
restante d@s trabalhado@s em educação?
Ainda sobre a estrutura do Sindiupes,
Acho importante a gente estar frisando a mudança de um regime absoluto (risos geral), a sociedade tinha uma visão que presidente é quem falava, as pessoas ligavam e só queriam falar com o presi-dente. No terceiro, quarto mandato que eu estava já em Vitória, o presidencialismo era uma questão muito forte ainda. Os movimen-tos foram acontecendo, e, no último mandato, foram procurando a direção, mudando devagar (DIRIGENTE I).
O dirigente I afirma um espaço de conflitos em torno da figura do presidente
que expressa o “poder pastoral” do cargo – poder de um sindicato “forte” e
“de enfrentamento”, que vai se modificando e produzindo com a construção
de um modo de funcionamento de direção colegiada, no rompimento com a
hierarquia na constituição de “pequenos” coletivos em secretarias, naquele
momento, se colocava como o “novo”, tanto para a direção sindical quanto
para o restante da categoria profissional d@s trabalhador@s em educação.
A atuação colegiada exige um grande exercício da prática democráti-ca, onde devem ser trabalhadas as diferenças para construir a unidade na diversidade. Esta prática sem dúvida exigirá um esforço individual e coletivo, para superarmos o autoritarismo que existe dentro de cada um de nós. A relação nestas bases não pressupõe um tratamento de irmãos, mas de profissionais com compromisso e responsabilidade.
Esse é um parágrafo de um texto distribuído no congresso do Sindiupes re-
alizado em 1994 por dirigentes sindicais de uma das tendências do PT, não
expresso no documento como tal, sobre o princípio de direção colegiada. Ao
tratar o exercício da prática democrática como espaço de construção da “uni-
dade na diversidade”, fala-se da tentativa de formulação de consensos. Será
que pensar a constituição dos espaços mais democráticos não se esvaziava
107
com a busca de unidade? Essas são situações em que o pensamento expres-
so por uma maioria de dirigentes se faz valer numa correlação de forças em
que as possibilidades de diferir não encontram muito espaço. Há nesta ques-
tão, “superarmos o autoritarismo que existe dentro de nós”, presente em vá-
rias outras falas, algo da ordem do que é próprio de alguém, de sua “essência
má”, que precisa ser corrigida. A força do pensamento cristão se presentifica
nesta expressão, como a aplicar “corretivos” para uma “boa conduta”, vai na
direção de uma análise individualizante.
Dirigente B:
Nós também fomos criando critérios para quem falava com a im-prensa: existia certa distribuição de tarefas e alguns falavam sobre este ou aquele assunto. Rede municipal de Vitória quem falava era Mateus e Tiago, sobre plano de carreira; gênero, eram as meninas da secretaria, pois fomos distribuindo tarefas de direção para as pessoas... Fomos quebrando a resistência da imprensa usando es-tas tarefas, atribuições para cada diretor.
Nessa fala, se apresenta uma forma de descentralização das atividades
pela direção sindical na passagem da primeira para a segunda gestão, que
deu abertura a um processo de rompimento com a centralidade do presi-
dencialismo e a afirmação de práticas menos hierarquizadas/verticalizadas
no cotidiano dos dirigentes sindicais.
Mas, o “que pode”12 uma relação em que os dirigentes se colocam, nas práti-
cas discursivas, ora como guias, ora como quem mima crianças e ainda como
os que detêm o conhecimento dos caminhos e administram os fluxos, conhe-
cedores da “missão” que têm a cumprir? O quanto de tutela do movimento
d@s trabalhador@s se exercia? As práticas da direção colegiada seriam for-
mas de enfrentamento a essa questão?
108
12 Referência à expressão espinosana o que pode um corpo, ou seja, qual a sua potência.
6.4 Das práticas moralistas e éticas, do público e do privado
Dirigente I:
A base resolveu punir a categoria (risos, comentários: “– resolveu se autopunir!”) neste mandato nosso agora; nós fazíamos con-gresso na Ufes e depois levamos para o Centro de Convenções de Vitória e trouxemos de novo para a Ufes neste calorão. Resol-veram punir a direção: já que fazem assim, tchau! Tenho andado pelas escolas em Vila Velha e Vitória, e eles estão percebendo que foi uma incoerência. Não fizeram mudança polít ica, mas ape-nas quiseram punir a direção e estão sentindo o peso da decisão precipitada. (dirigente C: Ah, agora vão sentir por três anos!) Isso faz parte de um processo que vai repercutir na estrutura que cria-mos nos anos 90. Eles vão perceber que não é qualquer mudança, que não vai passar de qualquer maneira. Que a decisão não pode ser no “fogadilho”.
A fala do dirigente I se reporta aos possíveis motivos da mudança estatutá-
ria realizada no congresso do Sindiupes de 2005, em que se cassou o direito
de um dirigente sindical com dois mandatos consecutivos em direção, a se
candidatar novamente em um pleito eleitoral. Esta mudança atingiu, naquele
momento, mais de 70% da direção sindical. Esta questão foi muito focada
pelas intervenções nos encontros realizados com os dirigentes sindicais em
que a “punição” é carregada de moralismo, tanto quanto os motivos apre-
sentados como da categoria profissional, quanto as análises dos dirigentes
“há, agora vão sentir por três anos!”.
O modo de condução da vida nos princípios morais é necessário, se consi-
derado como um plano prévio de ações e atividades em que se constituem
os cenários e contextos, numa previsibilidade mínima das ações. Mas o que
produzimos se priorizamos esse plano?
Para os autores com os quais diálogo, a ética é o modo como se faz, ex-
pressando seu caráter impessoal, produtivo e coletivo, pois se não exis-
te uma essência de/em cada um, se somos constituídos historicamente,
estamos falando de produção afirmativa de vida que considera em suas
criações, ações as conseqüências de sua intervenção no mundo. Estamos
109
chamando essa forma de encaminhamento, expressa na fala do dirigente
I, como moralista, porque ela remete a conter, pela “legalidade”, a parti-
cipação em direção de um ou outro trabalhad@r em educação e não pela
avaliação/vontade política dos eleitores em um processo eleitoral. Na fala
do dirigente C, ao afirmar como positivo um possível “sofrimento” da ca-
tegoria em não tê-los como dirigentes sindicais, encontra-se um pouco de
“alento” para um processo avaliado como punitivo em um dado cenário.
Serão outros apaixonando-se pelo poder?
Fala da dirigente E:
Isso é o que diferencia – nossa preocupação muito com a ética, en-quanto figuras públicas que somos. Eu ainda sou muito amarrada a isso [...] um grupo que sempre foi direção que precisava se recompor enquanto direção. Isso se rompe agora! Quando a gente vê hoje esta diretoria, a gente pergunta, será que são lideranças? [...] quando fui convidada a trabalhar na secretaria de educação de um certo municí-pio, o “João” me disse: “você sozinha não é ninguém!”.
Esta idéia de que “sozinha não é ninguém” afirma a força do coletivo. Quando
ao perguntar “quando a gente vê hoje esta diretoria a gente pergunta, será que
são lideranças?”, afirma-se que o movimento sindical se faz com lideranças e
parece basear-se em um determinado modelo de liderança. Seriam os próprios
dirigentes sindicais em foco nesta pesquisa os modelos de lideranças? Se
trata de fato de se ter modelos? De se ter lideranças? Mas, que efeitos são
disparados por uma forma liderança? Não estamos evocando novamente o
poder pastoral? O que se faz ausente não seria o exercício das práticas pro-
cessuais, éticas e coletivas?
Alguns relatos dos dirigentes sindicais trazem momentos do coletivo dirigente
do Sindiupes em que a ética como norteadora das práticas militantes expressa-
se em relações potentes.
Fala do dirigente B:
[...] Não conseguimos “forçar” a negociação com o Siseades nas escolas, acho que a gente tinha um respeito e uma ética muito
110
grande nas relações sindicais. Acho que se a gente tivesse traba-lhado na ótica que alguns sindicatos trabalham, nós seriamos hoje um sindicatão.
Uma das bandeiras do movimento sindical cutista era a de seu fortalecimento
com a unificação dos trabalhadores por ramo de atividade ou categoria. As-
sim, a unificação d@s trabalhador@s em educação – professores, serventes,
merendeiras e auxilares administrativos – em um único sindicato era mais
uma tarefa posta aos dirigentes sindicais do Sindiupes. Por uma relação com
o Sindicato dos Servidores da Administração Direta do ES (Siseades), no
desenvolvimento de lutas conjuntas na Intersindical dos Servidores Públicos,
não “se tirou vantagem” da fragilidade na relação do Siseades com sua base
de representação – o setor de apoio das escolas –, pois o grupo dirigente do
Sindiupes visitava freqüentemente as escolas nas mobilizações para as as-
sembléias, seminários, congressos, etc.
Na fala da dirigente E: “– Para o Joaquim os fins justificavam os meios, negocia-
ções por debaixo do tapete. Nosso grupo tinha uma postura diferente...”observa-
se outro exemplo da ética do grupo que se expressa nas práticas de não nego-
ciar benefícios particulares ou receber favores, em mesa de negociação com os
governos, para “acabar” com movimentos reivindicatórios dos trabalhador@s
em educação.
Na situação relatada, um movimento interessante do coletivo dirigente do Sin-
diupes, no segundo mandato, foi produzido nas visitas aos municípios do interior
do Estado, quando, muitas vezes, era preciso permanecer em um lugar para no
dia seguinte continuar viagem para outro município. Não havia política de diárias
para se cobrir o total de despesas, ficando na dependência, por vezes, da boa
vontade dos colegas trabalhador@s dos referidos municípios em acolher com
hospedagem e alimentação o dirigente visitante. Para evitar os constrangimen-
tos a que, por vezes, eram acometidos os dirigentes sindicais, critérios foram
criados coletivamente para a utilização dos recursos do sindicato.
Outro exemplo dessa postura ética do grupo dirigente do Sindiupes, apresen-
111
tada como tal pela dirigente E, encontra-se em sua fala:
Nós diríamos: se trabalhamos em duas cadeiras e para sermos sin-dicalizados devemos contribuir com 1% do salário, se você paga só de uma você está contribuindo apenas com 0,5%. “Maria” que já foi de uma de nossas direções tinha outra versão: não justifica que o pessoal do Estado (em maior número) esteja pagando movimento de outra rede. Todo o trabalho feito lá trás sobre solidariedade, tudo cai por terra.
A dirigente E, comentando a fala de uma professora, referente à questão do
desconto de contribuição ao sindicato do seu salário base, em um encontro
preparatório ao congresso da categoria profissional, expõe o modo como
deveria se dar a contribuição financeira de cada sindicalizado – se existiam
dois vínculos de emprego e o critério construído era de 1% do salário base,
a contribuição seria sobre os dois empregos –, por exemplo, um na rede
estadual e outro em uma prefeitura.
Fala-se de um processo construído no movimento d@s trabalhador@as em
educação, de que as redes municipais, sendo menores que a rede estadual, ao
produzirem um movimento reivindicatório, têm uma demanda grande de gastos
com a sua sustentação e, portanto, seriam bancados pela receita do sindica-
to, independente de percentual de arrecadação específica desta ou daquela
rede, valorizando o princípio da solidariedade.
Outro viés importante que esta conversa sobre ética do Sindiupes traz é o
debate sobre público e privado, como na fala do dirigente B:
Não conseguíamos colocar para a base as diferenças organizadas programáticas das pessoas da diretoria e não colocávamos indi-vidualmente, pois estas pessoas eram sustentadas polit icamente pelas correntes A, B ou C cometia um vacilo, também tinha certo espírito de porco das correntes e não indicávamos erros, lógico que com raríssimas exceções, publicisávamos um pouco de certa forma o problema das lógicas dos agrupamentos.
Segundo Guattari (1981), prática privada são as que
[...] conseguem, com a cumplicidade inconsciente da “base”, enterrar
112
o investimento militante em impasses particularistas. É meu grupo, é minha tendência, é meu jornal, a gente é que tem razão, a gente tem a linha da gente, a gente se faz existir se contrapondo às outras linhas, a gente constitui para si uma pequena identidade coletiva encarnada em seu líder local [...] (GUATTARI, 1981, p. 16).
Percebe-se a constituição dos dirigentes como porta-voz das coisas e dos mo-
vimentos, como tutores, quando o contexto não estava favorável às formas em
que as lutas, as atividades se davam. Entra-se no “jogo de empurra” e no “de
quem é a culpa?”. Muitas vezes não explicitava-se os conflitos internos, prote-
gendo a imagem dos bons moços e moças em nome de um grupo, partido. Aqui
predominam práticas privadas, em que a transparência das ações não é priori-
zada em nome de interesses de tendências.
Fala do dirigente B: “– Lembram do MST quando foram expulsos do Incra e
eles ficaram por quase três semanas acampados no Clube do professor em
Jacaraípe? Fizemos um debate legal com a categoria em assembléia”. Em
outros momentos, as práticas dirigentes afirmam a configuração de um modo
de funcionamento público, em que o interesse comum é priorizado. Pode-se
dizer das relações que estabelecem com seus pares e com as coisas como
espaço coletivo, por exemplo, como do respeito no encaminhamento às deci-
sões tomadas por uma maioria em assembléia, da transparência na utilização
dos recursos financeiros da entidade, etc., e ainda como o dirigente I:
Não conseguimos tudo, mas criamos uma base para combater o que está aí hoje. A década de 90 foi riquíssima! Temos uma marca ainda hoje (2006) de um sindicato de esquerda. Depois de um ano sem quó-rum, com o boato de não pagamento do abono esperado, a categoria foi lá na Assembléia dizer o que queria. Acho que ela já aprendeu a buscar o que quer na hora que quer. Sabe que se quiserem avanços, em alguns momentos têm que sair das escolas.
O dirigente I afirma terem sido acertadas as práticas dos dirigentes sindicais
que configurariam um sindicato como “um sindicato de esquerda”, na década
de 90. O trabalho realizado pelo grupo dirigente teria “deixado pistas”, cons-
truído instrumentos, saberes com a categoria profissional, de como “buscar
o que se quer, na hora que se quer”. No exemplo em questão, paralisar as
113
atividades de trabalho defendendo o abono salarial pago pelo governo Paulo
Hartung seria apenas a movimentação “de quando pega no bolso”, a movi-
mentação objetivada pelos dirigentes “de esquerda”?
Segue a citação de um documento:
O conselho de escola é uma porta de entrada da comunidade na ges-tão. Administrações públicas estaduais e municipais progressistas começaram a instalar Conselhos a partir da década de 80, para favo-recer a democratização da gestão. Isto vem contribuindo para a inser-ção da escola na comunidade e, também, para melhorar a qualidade de ensino, dando espaço e voz para as reivindicações dos alunos e possibilitando que famílias e educadores atuem juntos pela melhoria do atendimento escolar.
Essa citação faz parte de um documento que circulou em encontros e semi-
nários em algumas redes municipais e estadual, organizados pelo Sindiupes,
durante o processo de implementação dos conselhos de escolas, produzido
pelo sistema educacional de um governo petista de Porto Alegre/RS. O perfil
de apelo à participação, parece afirmar o caráter público do espaço escolar,
transparência e acompanhamento dos recursos públicos.
A afirmação e construção de práticas públicas, marcadas por um modo de ope-
rar, se expressa em algumas falas: “do amplo debate que fazíamos com os
servidores públicos na Intersindical, que parecia uma CUT paralela dos ser-
vidores”. O dirigente A aponta para a importância dos processos de coletivi-
zação, que se amplia quando o debate sai do “sindicato”. Ampliar e fortalecer
redes, incluir cada vez mais outros interlocutores no debate sobre a situação
dos servidores públicos, como transversalizar essa conversa? Como sair dos
corporativismos que muitas vezes rondava as práticas sindicais?
O relato de uma reunião da direção sindical traz uma discussão em que o
debate corrente era o processo de privatização e terceirização em curso no
país: a direção precisava se posicionar sobre a contratação de determinado
serviço para “aliviar” o trabalho interno em que se via às voltas os dirigentes
sindicais. Um grupo não aceitava a contratação de uma empresa, mesmo
114
que observados os critérios de melhor preço e serviço. Alguns argumentos
apontavam para a realização de uma licitação, como as administrações públi-
cas realizam, com publicação de edital, prazos, etc. Expressa-se a confusão
conceitual do que é ser estatal, ser privado e de administrar como modo de
funcionamento público, garantindo transparência nas ações, tornando públi-
cos os critérios, prazos, composição de comissão, para encaminhamento do
processo.
Nessa direção, aparecia em um documento:
Neste sentido a ética não deve ser somente uma bandeira das gran-des batalhas políticas sociais, que muitas vezes estão longe de nós, pelo contrário, ela é uma bandeira de luta interna, onde o campo da disputa é o INTERIOR de cada um de NÓS. A vontade política de mu-dar, a confiabilidade e o diálogo são fundamentais e indispensáveis no processo de superação das práticas individualistas e autoritárias para dialeticamente criarmos nova práxis.
Este recorte é parte de um já citado texto produzido por uma das tendências
que compunham o quadro dirigente sobre o princípio de direção colegiada,
no congresso do Sindiupes de 1994. Ele afirma uma postura ética que vai na
contramão dos processos de coletivização, perseguidos ao defender a supe-
ração de práticas individualistas; mas, paroxalmente, aponta para o indivíduo
“o interior de cada um de nós” como o campo desta superação, a noção de
coletivo se perde no particular, no privado, na idéia de essência do sujeito.
Se a ética for “bandeira das grandes batalhas políticas sociais, que muitas
vezes estão longe de nós”, o que balizaria a vida cotidiana, os valores morais
tão somente? As relações e as práticas estão no campo das disputas. As prá-
ticas dos dirigentes, se postas em análises, conseguiam sair do campo dos
discursos dicotômicos: dos culpados e inocentes?
115
6.5 Da tutela do sindicato pelo partido
É verdade que não existia uma determinação da (Tendência A) de trabalhar até morrer não, existia uma determinação de não perder o sindicato do ponto de vista programático e político. Portanto, isso implicava um esforço redobrado dado o conjunto da diretoria não ti-nha este mesmo compromisso político, muito menos o compromisso político e programático da (Tendência A) e por isso íamos nós com nós mesmos!
Na fala do dirigente B, a posição de uma tendência se expressa. Trago Ma-
roni (1982), em seu trabalho de pesquisa sobre os movimentos grevistas de
maio de 1978, em São Paulo, para nos auxiliar nesse debate. Em uma de suas
considerações, ela afirma que sua análise buscou ser uma recusa proposital
das reflexões dos que se debruçam sobre o movimento operário, justificando
que estes – os intelectuais e assessores sindicais –, apreendem o movimento
em sua restrição problemática partidária e/ou sindical, subjugando e reduzindo
o cotidiano operário vivido nas fábricas a estas dimensões. Neste caminho,
“acompanhando o processo histórico que implicou o privilegiamento desses
lugares para a expressão operária, a historiografia também silenciou a respeito
da opressão e da resistência operária na fábrica” (MARONI, 1982, p. 128).
Nos preâmbulos (três) desta dissertação, mostramos que a idéia de um par-
tido dirigente da classe operária no Brasil toma corpo em 1922, e, a partir de
então, as tendências e correntes de diversas “colorações”, firmadas em linhas
de pensamento às vezes antagônicas, se expressam nos partidos políticos. A
direção do movimento operário e seus conflitos passam a ser “atrelados” di-
reta ou indiretamente aos partidos, afastando-se dos movimentos cotidianos
dos trabalhadores.
Na fala do dirigente B, podemos perceber uma tendência a tomar a
verdade como sua, “não perder o sindicato do ponto de vista programático da
tendência”, e que se relacionavam com um certo protecionismo do partido.
Fala da dirigente A:
A estratégia para agregar professores era o chá das cinco, organizado
116
por Ana Bernardes, não se tinha visão de transformação, formação... Mirthes foi o momento da transição entre a associação e a Upes em outra dimensão que agrega outros segmentos da educação, ”foi a chave na antiga Upes”; ... Quando a gente se afasta no processo a gente vê a Mirthes como importante no processo de politização do sindicato. Ela foi eleita deputada federal com o voto do magistério. Nessa época, não havia eleição no sindicato. O processo de articula-ção da esquerda, igreja, faz surgir o PT e o movimento mais politizado toma corpo.
Ao mesmo tempo, percebe-se nesta fala uma movimentação intensa nos mo-
dos de organização do magistério. O que antes se dava de forma a reunir
professoras primárias para conversas e chá na sede da associação, se vê
transformado em reuniões com governos, em visitas ao interior do Estado
trazendo os professores para um caráter mais reivindicatório de sua forma de
organização.
Há uma avaliação d@s dirigentes do Sindiupes de que Mirtes Bevilacqua foi
a única dirigente eleita deputada federal no Espírito Santo com expressiva
votação do magistério até o momento.
117
Figura 8: Mirthes Bevilacqua - diretora da Upes em 1979.
Fala da dirigente A:
Na primeira eleição da Upes, duas tendências, projetos (PT e MDB) se uniram no sentido de enfrentar o autoritarismo da ditadura. A Upes funcionava na Rua Barão de Monjardim... Nessa época, os orienta-dores e supervisores que surgiram como fiscalizadores se colocavam fora da organização dos professores. Quem primeiro vem somar a Upes são os professores do ensino fundamental [...].
Esta fala expressa o momento em que o cenário político de articulação dos
partidos ainda era muito recente. Afirma a passagem da Upes – de associação
de professoras primárias para “União dos Professores do Espírito Santo” – com
a inclusão dos professores do ensino fundamental, em sua “representação”
sindical. Os cargos de orientadores e supervisores escolares foram instituídos
pelos governos militares e entendidos pelo@s professor@s como cargos hie-
rárquicos, interpostos na relação com a direção e a comunidade escolar, com
a função de fiscalização de seu trabalho. No relato desta dirigente, fica claro
uma separação entre os professores e esses profissionais, que optaram por
construir suas associações organizativas específicas.
Figura 9: Congresso da Upes em Vila Velha, 1984. José Aguilar Dalvi ao centro, Nel-ma Gomes Monteiro e Almerita (falecida), membros da primeira direção da Upes. à
esquerda, o representante da CPB, Tomaz Wonghon.
118
No Sindiupes, a presença dos partidos passa a ter mais visibilidade na primei-
ra eleição para a direção da Associação.
Percebe-se, nesta imagem, que os dirigentes sindicais já estavam envolvi-
dos na direção sindical e permaneceram na década de 90. As questões da
construção partidárias via tendências, os movimentos sociais e sindicais com
caráter de mais enfrentamento eram motivo de aproximação para uns e dis-
tanciamento da Upes para outros trabalhador@s em educação. Os locais de
trabalho passaram a ser chamado de “no chão das escolas”, numa campa-
nha, como já dita neste trabalho, de construção do sentido de trabalhadores
e trabalhadoras em educação, e não apenas o termo professores, buscando
o reconhecimento da profissão para além do cuidado da criança, numa com-
posição com os demais trabalhadores.
Figura 10: Eleições da Upes em 1986 - foto divulgada em material de campanha (Praça João Clímaco - em frente ao Palácio Anchieta).
119
O PT era o partido da maioria dos dirigentes sindicais do Sindiupes, como
filiados ou simpatizantes de suas propostas, por ter se constituído em um
trajeto bem diferenciado dos partidos montados com fins apenas eleitoreiros.
De uma forma singular, no cenário de falência do populismo trabalhista, sua
criação se dá na articulação de uma vanguarda sindical, de um conjunto de
trabalhador@s, do comportamento chamado “progressista” de alguns setores
da Igreja, dos movimentos populares, sociais e de intelectuais.
Nos relatos, os dirigentes afirmam que a organização, a defesa da demo-
cracia interna e o convívio de tendências que se construíam concomitante à
construção do partido geravam debates acirrados, que no movimento sindi-
cal, nas relações com os demais sindicatos e na CUT eram expressos pelas
correntes formadas pelas tendências do PT. A formação das chapas eleito-
rais nos diversos sindicatos “combativos” passava pela configuração das
Figura 11: Dirigentes da oposição sindical Coerência e Luta e apoiadores na posse da direção eleita para o mandato de 1991 a 1994.
Posse realizada no auditório do Sindibancários/ES.
120
tendências do PT e das correntes da CUT e, posteriormente, era estendida
aos demais partidos ou correntes, se estas tivessem lideranças expressivas
naquela categoria; não ocorrendo diferenciadamente no Sindiupes. Os mo-
vimentos produzidos pela organização d@s trabalhador@s também eram
acompanhados pelos partidos. Alguns dirigentes exerciam cargos simulta-
neamente no partido e nos sindicatos, o que produzia momentos de interlo-
cução entre essas instituições e também de capturas.
Nesta imagem, um exemplo da interlocução dos dirigentes sindicais e tam-
bém partidários com intenção de “solucionar” a crise instaurada nas tentati-
vas de negociações com o governo petista de Vitor de Buaiz. Nesta reunião
com o presidente de honra do PT – Luiz Inácio Lula da SIlva –, a Intersindical
dos servidores públicos do Espírito Santo solicitou uma intervenção partidária
Figura 12: Reunião da Intersindical dos servidores públicos do ES com Lula, no 10º encontro Nacional do PT em
Guarapari – Agosto de 1995.
121
no governo de Buaiz no sentido de minimizar o tensionamento deste gover-
no com os servidores estaduais. A repercussão dessa iniciativa, relatam, foi
compreendida como positiva por alguns e negativa por outros, que alegavam
a abertura para uma interferência partidária nos sindicatos e a possibilidade
de acordos políticos “por fora” das lutas e dos movimentos.
O que “se perdeu” ao privilegiar a tutela, a concepção dirigente partidária das
lutas? O que “se perdeu” do que foi produzido nas escolas e nas instâncias
de participação organizativas do sindicato, como resistências às práticas ob-
jetivadas na construção partidária?
6.6 As práticas dirigentes: tutela d@s trabalhador@s em educação?
De uma maneira geral, encontra-se nos materiais produzidos, nos registros fo-
tográficos das manifestações, das assembléias e demais atividades desenvol-
vidas pelo sindicato uma “resposta” de participação maciça d@s trabalhador@s
em educação quando essas atividades estavam ligadas mais diretamente às
questões salariais e funcionais. Uma participação pouco expressiva, numeri-
camente, era sentida nas atividades que envolviam lutas sociais mais gerais.
Percebe-se um não envolvimento d@s trabalhador@s em educação nas ati-
vidades que não resultavam em retorno direto, o que nos remete a pensar no
quanto esses trabalhador@s poderiam/podem estar capturados pelo plano par-
ticular/individual desconectado paradoxalmente do coletivo a que, por vezes,
diz defender e acreditar.
Essa questão da presença d@s trabalhador@s em educação altera-se visivel-
mente, com redução no quantitativo de participação também nos movimentos
reivindicatórios específicos, na segunda metade da década de 90. Nas falas dos
dirigentes sindicais, é apontado um “divisor de águas” na década de 90: antes de
122
FHC e depois de FHC. Vamos analisar estas questões um pouco mais adiante.
Figura 13: Assembléia realizada no ginásio Wilson Freitas em Vitória. Divulgada no jornal A Gazeta de 14/05/1992.
Figura 14: Assembléia geral re-alizada no ginásio do Clube Álvares Cabral
em 1993.
123
Fala do dirigente C:
Eu vejo essa divisão. Vejo nesse momento do movimento da CUT, do PT e dos movimentos sociais, construindo ações para a tomada do governo federal. Isso incentivava as pessoas a pensar, com muitos de nós foi assim. A tensão da década de 80 para a 90 - temos uma ava-lanche, mas muito forte a questão econômica: inflação, na qualidade de vida, da mulher, cidadania, ecologia, coisas que eram confortáveis de discutir nesse momento. Com FHC na primeira medida com os petroleiros... em 1997 na greve que fizemos, a secretaria de educação reduziu o ano letivo, e a partir daí tivemos que ensaiar novas formas de organização. Perdemos es-paço nesta segunda metade, mas não sem potência, a confiança na direção com as denúncias de José Ignácio, as nossas relações com a CNTE e a CUT com uma discussão mais nacional. Acho que tivemos que fazer muita coisa sem foco, temos outra dimensão do debate.
As relações produzidas na primeira metade da década seguiram um caminho
de embates e enfrentamentos com os governos e algumas prefeituras, com
mais garantias “das conquistas”: de melhores salários, de condições de tra-
balho e vida, pois a aposta num projeto de “tomada do governo federal” era
elemento impulsionador. As lutas consideradas específicas – negros, índios,
meio ambiente e principalmente das mulheres – encontravam espaços nos
debates e, aos poucos, foram incluídas nos trabalhos das escolas, como se
pode observar na fala da dirigente H: “– Uma questão que marca muito minha
participação foi o movimento de mulheres, de ir até as escolas conversar com
alunas, professoras, pais, na questão da sexualidade – projeto Sindiupes vai
à escola”. E ainda:
Após quase três horas de assembléia, os professores decidiram votar as duas propostas encaminhadas pela mesa. A primeira se referia a uma paralisação de 48 horas, um prazo dado ao Governo, com reu-niões de pais e alunos nas escolas. Os professores vão explicar os motivos da paralisação. Além do prazo, a primeira proposta sugeriu greve por tempo indeterminado a partir de segunda-feira, caso o se-cretário estadual de educação, não inicie qualquer negociação neste período (A Gazeta, quinta-feira, 14/05/1992).
Essa matéria traz alguns elementos para a análise: pelo tempo de duração
da assembléia, muita disputa ocorreu na definição da melhor proposta para
o movimento em curso, um bom número de municípios esteve presente infor-
124
mando sobre o quadro e a disposição das escolas em aderir às decisões da
assembléia geral, e o que mais chama a atenção é a articulação com os pais
e alunos, no sentido de envolvê-los na discussão e na forma de condução do
movimento, aprovado no calendário de lutas, e a estratégia de “responsabili-
zar” o secretário de educação pelo início de uma possível greve. Esta estra-
tégia visava à construção coletiva dos movimentos na relação dos dirigentes
sindicais com o restante da categoria profissional.
Uma questão relatada pelos dirigentes sindicais como um elemento compli-
cador vivido nas relações do sindicato com os governos e com o restante
da categoria profissional é o fato d@s trabalhador@s em educação estarem
entre os servidores públicos e, portanto, entre os chamados “trabalhadores
improdutivos” por Antunes (2000). O argumento marxista de que o trabalho
de quem presta serviço sem uma produção concreta de bens quantificados ao
final da jornada diária ou mensal de trabalho não gera mais valia. Este traba-
lho é entendido como da ordem do valor de uso, de serviços consumidos por
outros na sociedade, e não um trabalho que cria valor de troca. Esta questão,
da forma como se conceitua esse trabalho, é sem dúvida polêmica entre os
vários estudiosos que têm se dedicado a este tema. Não quero aqui abrir esta
discussão de concordância ou discordância de Antunes, mas registrar que
o debate em torno da questão para os servidores públicos (“somos ou não
trabalhador@s?”) permeiou/permeia como um dos desafios na “condução”
dos movimentos reivindicatórios.
Portanto, este debate é entendido como elemento complicador pelos dirigen-
tes sindicais por sentirem “os reflexos” da relação, em que os movimentos
grevistas pouco trazem da ordem dos prejuízos visíveis para o sistema capi-
talista. São agravantes para a população e para os demais trabalhadores que
se organizam, na maioria das vezes, com essa carga horária em que seus
filhos permanecem nas escolas públicas.
O caminho de formação da Intersindical dos sindicatos dos servidores públi-
cos afirma uma iniciativa de rompimento com a centralização no magistério
125
e de um isolamento nas lutas realizadas, ora pela saúde, ora pelos policiais,
ora por um outro segmento, com a construção de um coletivo não corporativo,
ou pelo menos nesta direção.
Essa iniciativa não foi considerada “bem vinda” pelos trabalhador@s em edu-
cação, no seu primeiro momento. Apresentam relatos como: o magistério en-
trava “na briga” e, por representar a maior categoria funcional, “carregava”
os outros servidores numa aparente luta conjunta, com riscos de que estes
negociassem mais facilmente, sendo em menor número, com menor impacto
na folha de pagamento. Foi no enfrentamento ao Governo de Albuíno e Vitor
Buaiz que a Intersindical conseguiu se afirmar como um instrumento impor-
tante para @s trabalhador@s em educação.
Figura 15: Cartaz divulgado nacionalmente contra a ampliação do governo Sarney.
Figura 16: “Adequação” da marca do gover-no Albuino pela Intersindical dos servidores
públicos estaduais.
Figura 17: Adesivo confeccionado “as pres-sas” e distribuido em congresso anual do
Sindiupes.
126
Nesses materiais produzidos, percebe-se que os dirigentes sindicais exercita-
vam a distinção entre os “bons” e os “maus” políticos, políticas e governos, di-
vulgando “os inimigos” com um “rosto” caricatural definido, sendo facilimente
incorporados como instrumentos de mobilização e manifestação das lutas.
Fala da dirigente E:
O que pegou para nós foi a gestão do Vitor Buaiz. Em janeiro, na pos-se dele a imprensa queria ouvir de nós, diferente do que falávamos: eu estava de plantão, a maioria dos dirigentes de férias, cansei de dar entrevistas dizendo a mesma coisa: o governo petista não muda nossa postura! Fomos perdendo espaço na mídia. Muitos de nossos dirigentes no interior foram ocupar cargos nas superintendências. Ti-vemos uma baixa muito grande e o Vitor começou a fazer porcaria e nos estávamos em poucos! Sem gás, “destrouçou-nos” um pouco.
A dirigente expressa o início dos problemas apontados por eles na relação com
o restante da categoria profissional. Como permanecer tendo crédito na defen-
sa dos interesses d@s trabalhador@s em educação sem defender o governo?
Sem defender o partido? Como as práticas divergentes entre ser governo e ser
dirigente sindical se afirmavam? Na segunda metade da década de 90, a visão
macropolítica das lutas direcionava as práticas dirigentes. Quem eram os “ini-
migos” d@s trabalhador@s em educação? Como diferenciar-se na relação de
categoria profissional e “seu” governador eleito?
Figura 18: Assembléia
realizada em frente ao
Palácio Anchieta. O Governador Vítor Buaiz se faz pre-
sente e fala à categoria -
1996.
127
Percebe-se, nas falas, que naquele momento os dirigentes sindicais enten-
diam como uma incoerência o processo em andamento. Fica perceptível um
“ficar sem chão” com as migrações d@s militantes no interior do Estado para
cargos de confiança do governo. Naquele momento, quando um bom número
da categoria profissional optou por participar internamente do “seu” governo,
o de Buaiz, para efetivar um “governo de avanços”, os dirigentes sindicais
não conseguiram entender o “abandono das lutas sindicais!”
Fala do dirigente I:
No decorrer do governo Vitor, a categoria custou a entender porque a direção falava mal do governo Vitor. A categoria criou resistência, foi um processo muito difícil de entendimento. O governo ia criando vírus e a gente ia criando anticorpos (greves menores, tartarugas). A formação foi credibilizando aos poucos. O Ministro Paulo Renato foi fortalecendo as estruturas e as pessoas tinham medo de entrar nas estruturas com a reforma e a possibilidade de demissão de efetivos, poucos sindicatos municipais e uma situação muito confusa.
Figura 19: Cartaz da Intersin-dical divulgado também em
jornal o Didata de novembro de 1996.
Figura 20: Manifestação organizada pela Intersindical
na Praça Oito, no mesmo período.
128
A associação do governo estadual de Vitor Buaiz com o que caracterizava o
governo de FHC pel@s trabalhador@s em educação deu-se tardiamente, afir-
ma-se. Os tensionamentos e os comportamentos individualizantes expressos
em alguns dirigentes, antes “minimizados” como características particulares,
se avolumavam em proporções da ordem do “inadmissível”, e, para outros
dirigentes, a “operação tapa buraco” das promessas do “nós podemos tudo”
torna-se mais difícil, e os estranhamentos entre os dirigentes sindicais vão se
instituindo de formas variadas e, na maioria das vezes, silenciosas.
Priorizando análises macropolíticas, não se colocava em análise as fragili-
dades dos comportamentos individualizados dos dirigentes sindicais em que
um processo se instalava no sentido de resistir, de criar uma forma de não se
fragmentar – de forma singular/coletiva, das tendências e do partido. Não se
colocava em análise as relações entre os dirigentes sindicais do Sindiupes,
o comportamento protecionista – de pessoas, de tendência, do partido, do
magistério. Isso não engessou processos de construção de práticas coletivas,
éticas e políticas?
6.7 “O sindicato foi a melhor escola para a formação de no- vos pensamentos”
Quando ouvimos dos dirigentes A, G e F que “– O sindicato foi a melhor esco-
la para a formação de novos pensamentos”, estão falando de quê?
Falas dos dirigentes C e A em conversa:
Ressalto a importância do apoio da Igreja aos movimentos sociais, na formação dos movimentos. Foi trincheira... Quantos tiveram que se guardar na Igreja a sua militância política para sobreviver?
É, a Igreja foi trincheira para muita militância. Frei Beto marcou a força da Igreja em Vitória. Muitos vieram para cá pela força que a Igreja tinha.
129
Nessas falas percebe-se o vínculo direto com a Igreja Católica e com a reli-
giosidade na formação dos dirigentes sindicais do Sindiupes. O “lutar por uma
sociedade mais justa” era entendido como “levar consciência” aos outros,
pelos engajamentos nos movimentos sociais ou no movimento sindical. O
princípio de levar a, de dar a alguém “o que será melhor para ele” está colado
aos corpos de um expressivo número de dirigentes sindicais.
Encontram-se nos autores que eram referências nas assessorias sindicais,
esses princípios e materiais produzidos de apoio à formação dos dirigentes
sindicais, a combinação entre os valores cristãos e o pensamento marxista;
a construção de uma consciência de classe para a construção de um mundo
sem patrões, sem dominados e dominantes.
Para tal, entendia-se ser preciso o desenvolvimento de uma “pedagogia pró-
pria de formação” em uma linguagem expressa pela comunicação entre a
classe trabalhadora e esta “formação teórica revolucionária”. A “missão” era,
então, entendida como a dos discursos marxistas de transformar a imensa
massa de trabalhadores explorados e oprimidos em sujeitos da história; de
seres alienados em seres que forjam seu próprio destino. Essa transforma-
ção concebida com a participação consciente da massa, segundo Mandel
(1984), se realizaria com o correto direcionamento dessa massa, consideran-
do a necessidade de um grupo dirigente, intelectual pensante, formulador e
Figura 21: Capa da primeira versão da cartilha de “conscientização” elabora-
da pela Coordenação Municipal de Vitória 1989/1990. Traz a campanha de sindica-
lização da CUT: uma abelha só não faz pressão.
130
dos mediadores, dos líderes, que, em suas palavras de ordem, incentivavam
e faziam a massa se movimentar, estando entre os dirigentes formuladores
e a massa. A presença de uma hierarquia, de um lugar determinado para a
massa, os dirigentes, os mediadores e também de um pensamento único era
o princípio ético defendido? Em que se diferenciam as práticas discursivas
desta metodologia da lógica que se dizia combater? Não estaria a máquina
sindical capturada pelo modo de funcionar da máquina de estado, que, por
sua vez, funcionava segmentando e burocratizando?
Até que ponto os intelectuais serão vistos como os que dizem a verdade
àqueles que ainda não a vêem e em nome daqueles que não podem dizê-la?
Como os dententores da “ [...] consciência e eloquência (?), nosso embaraço
em encontrar as formas de lutas adequadas - não virá de que ainda ignora-
mos o que é o poder?” (FOUCAULT, 1998, p. 75).
Relatam os dirigentes sindicais: nos anos em que estiveram como oposição
sindical, a formação na/para a militância acontecia em seminários, cursos
básicos, acontecendo um bom número desses fora do Estado. Nos mandatos
Figura 22: Passeata pela av. Jerônimo Monteiro até Palácio Anchieta – alunos e pais em apoio à
greve realizada pel@s trabalhador@s em educa-ção - 1992.
Figura 23: Jornal o Didata edição de março/abril de 1993.
131
iniciais de direção são eles próprios os formadores da categoria em cursos
de formação com questões das lutas e da história de organização da classe
trabalhadora. Entendia-se que com esses saberes @s demais trabalhador@s
se habilitariam para a compreensão do sindicato, da consciência de classe.
Percebe-se que os “sonhos” dos intelectuais e assessores se expressam tam-
bém nos “sonhos” dos dirigentes sindicais de verem as greves por interes-
ses imediatos (aumento de salários, direitos funcionais) transformarem-se em
greves pelos interesses históricos (uma sociedade sem classes), nas avalia-
ções empolgadas das greves, assembléias e passeatas com mais de cinco mil
trabalhador@s em educação realizadas na primeira metade da década de 90.
Como dirigentes sindicais de profissionais com a função de educar, ganhá-los
para a “causa” seria viabilizar a “consciência de classe” que seria “levada”
aos “futuros trabalhadores”.
Se o poder era entendido, pelos dirigentes sindicais, como encarnado no
Estado, a resistência por outro lado era entedida como da ordem da cons-
ciência a ser ampliada, ocupando o lugar de oposição e reação ao poder
estatal. Portanto, mais formação, mais militantes e mais fortalecimento eram
necessários. Será que a questão não era dar visibilidade a outras formas de
Figura 24: Bloqueio
da BR 262 na greve
geral “pu-xada” pelas
centrais sindicais
brasileiras em 1996.
132
exercícios de poder e resistência? A formação não aprisionava a resistência
a uma consciência de classe? Resistir era pensar “grande” – grandes assem-
bléias, discursos inflamados, palavras de ordem contra os governantes. Será
que outros processos já não se encontravam em curso nessa forma-ação?
Observa-se que os conteúdos programáticos da formação sindical, no proces-
so de desenvolvimento dos enfrentamentos cotidianos, e das experiências no
Leste Europeu foram abandonados, muito rapidamente, com a implementa-
ção do projeto neoliberal pelo mundo, pela maioria dos dirigentes sindicais.
As lutas encampadas pelas “minorias sociais” foram sendo fortalecidas e ar-
ticuladas. A “questão da mulher” foi uma luta importante encampada afirma-
tivamente pelo Sindiupes no processo dos movimentos reivindicatórios e nas
atividades específicas implementadas pela secretaria da mulher, hoje secre-
taria de gênero do sindicato.
Na fala do dirigente B: “– Acho que a gente conseguiu construir um pensa-
mento na categoria de mulheres trabalhadoras... [ ] Essa questão de ser
mulher e ser trabalhadora é mais forte!”, percebe-se nos relatos e materias
produzidos que o processo de discussão das relações de gênero motivaram
campanhas, como a “igualdade de oportunidades na vida e no trabalho”, or-
ganizada pela CUT e desenvolvida pelos sindicatos, com ampla produção de
materiais de divulgação, fóruns de debates, marchas, etc., o que se produ-
ziu neste processo? Hoje, a ação afirmativa de implementação de cotas de
mulheres nas direções sindicais e em alguns partidos políticos, por exemplo,
tornou-se realidade, mas ficam como regras prescritas.
Até que ponto esse entendimento de tornar igual, como a referida campanha
desenvolvida pela “igualdade de oportunidades na vida e no trabalho” nos
sindicatos e na CUT se homogeneizava na mesma lógica capitalística? A luta
pela igualdade de oportunidades desenvolvida não reforça papéis identitários
do homem e da mulher e reforça a “guerra dos sexos”? Haviam questões,
como a da homossexualidade, o livre arbítrio da mulher sobre o corpo, das
minorias trazidas para a produção e a afirmação da diferença para as discus-
133
sões. O quanto se deu “ouvidos” à essa produção da diferença, entendida
como da ordem da não fixação de representações, modelos e identidades,
mas do campo da multiplicidade de formas, feitas cores e cheiros que se
apresentam em processo, dos traçados não pré-concebidos em linhas veto-
riais e por isso abertos à criação?
Fala do dirigente B:
Conseguimos espaços importantes: as coordenações, os con-selhos, o peso da direção geral, a executiva de mais execução, congressos, espaços e canais de participação muito fortes. Con-seguimos com isso disparar outras coisas, não que sejam meno-res, talvez, a questão étnico-racial por uma questão conjuntural, a questão d@s idos@s/aposentad@s, lá trás nós já trabalhávamos estas questões.
Afirma-se a produção de outros espaços, de outras formas, que põem em
funcionamento o sindicato em um dado momento.
Falas dos dirigentes B e C:
Nós conseguíamos escapar do nada, produzir com o governo de Es-tado para fazer reuniões e pressões por outras vias: com o Tribunal de Contas na época de Mariazinha, Assembléia Legislativa, as de-núncias do governo Zé Inácio, quando nenhum avanço ocorria em negociações a categoria topou destruir, derrubar o governo. Foi um movimento político importante, nada econômico.
Tem uma coisa que FHC nos forçou a fazer parecer que éramos mui-tos, mesmo quando não tínhamos 3.000 ou 5.000 nas ruas. Aprende-mos a fazer passeata em filas! Acho que o respeito veio muito disso, a categoria nos credenciava; tornávamos-nos referência. O professor admitia tudo, menos ser diretor de escola. Todos os espaços valem à pena de serem invadidos, discutidos, aplicados.
Nessas falas apresentam-se outras estratégias utilizadas já no final da déca-
da de 90. Expressam uma procura de alternativas aos problemas vivenciados
na organização da categoria profissional, sendo alguns desses problemas
“velhos” conhecidos, mas com outras roupagens.
Para os dirigentes sindicais do Sindiupes, entender “quem era o sindicato” e
134
a necessidade de participação da categoria profissional, em suas instâncias
organizativas, como forma de obter respostas para a “conquista” dos direitos,
parecia óbvio no início dos mandatos sindicais. Neste sentido, o congresso
realizado anualmente, como instância máxima de debates e decisões, torna-se
momento de formação. Entendido como espaço privilegiado de atualização da/
para categoria profissional com a presença de intelectuais e assessorias para
as questões em que “deveriam se orientar” as lutas imediatas e gerais, pondo
“em cheque” o que as práticas cotidianas produziam.
Nesses fóruns, por vezes, @s trabalhador@s em educação surpreendiam/sur-
preendem os dirigentes sindicais em suas formulações, provocando e “tirando
o chão” com questões, muitas vezes, confundidas como particulares e até mes-
mo “menores”, mas que em algumas situações, analisadas mais atentamente,
remetiam a novas demandas e singularização das relações a que estavam
implicados. Como exemplo, tem-se a discussão sobre saúde e trabalho inicial-
mente “puxada” pelo sindicato, alarmados pelas manifestações estatísticas do
número de licenças médicas e condições de trabalho numa “procura de culpa-
dos”. Esse comportamento dos dirigentes sindicais começa a alterar-se após o
ano 2000, quando os dirigentes se “abrem” para o “dar ouvidos” às iniciativas
provocadas pelo Nepesp/Ufes, já em campo na rede municipal de Vitória, reali-
zando pesquisa e focando o tema saúde e trabalho em um processo em que a
análise das relações de saúde e trabalho afirmam-se na produção de vida.
Figura 25: Oficina de máscaras - 1999.
Figura 26: Oficina de gênero e etnia - 1999.
135
Relatam os dirigentes que um outro viés para a formação foi se construindo.
As oficinas temáticas começaram a fazer parte das atividades do sindicato,
de maneira que a expressão no/do corpo tivesse um pouco mais de espaço,
colocando num campo do experimentar, construir e sentir outras formas de se
pôr em funcionamento.
Mas o trabalho militante não poderia colocar em análise o próprio trabalho
militante? Várias falas dos dirigentes sindicais davam pistas de que as prá-
ticas dirigentes eram objetivadas, focadas. Na fala do dirigente B, ao situar
a configuração da chapa desse grupo que disputou as eleições sindicais do
Sindiupes, em 1988, “era a chapa das Marias contra a chapa dos Josés”,
percebe-se uma constatação do quantitativo de mulheres, já como indicativo
de uma política de formação e valorização?
Na fala da dirigente E: “rompemos com o estereótipo do grevista que não tem
compromisso, que gera problemas, que não cumpre nada [...]”, expressa-se
uma valorização do profissional e a tentativa de romper com um pensamento
corrente de que grevista é baderneiro e descompromissado. Era dada visi-
bilidade para além do fórum da direção a estas ações?
Fala do dirigente I,
Uma coisa muito legal que a gente tinha nos primeiros mandatos a gente do interior se sentia muito valorizado, éramos recebidos pelos dirigentes. [...] Este espaço do diálogo foi uma marca e espaço de formação também.
Paradoxalmente, há um “reconhecimento” da abertura para formação/valoriza-
ção na relação com @s representantes eleitos dos municípios do interior do Es-
tado, ao mesmo tempo em que expressa-se claramenente, nesta fala, o “peso”
da hierarquia na relação do poder do sindicato e de seus “representantes”.
136
Nessas imagens, encontram-se alguns instrumentos produzidos para contri-
buir com a formação d@s trabalhador@s em educação e de divulgação de
proposta de formação em seminários regionais. A preocupação de garantir
formação política era presente para os dirigentes sindicais como mecanismo
de renovação do “quadro de novos militantes”, “novos revolucionários”, diriam
os assessores do movimento. A continuidade do processo de formação con-
cretizava-se com o exercício de analisar a conjuntura econômica, social e po-
lítica em todos os espaços de participação dos dirigentes sindicais e desses
com o restante da categoria profissional. Essa prática afirmou-se como espa-
ço de brilhantes elaborações e elaboradores em análises macropolíticas.
Que sentidos poderiam ser efetivados se a formação não fosse entendida em
um plano apenas da ordem do macropolítico? Como estaria o movimento d@s
trabalhador@s em educação se a formação sindical fosse objetivada de uma
forma mais aberta aos diferentes modos de pensar e exercitar as relações
de poder? Como seriam as relações dos dirigentes sindicais com o restante
d@s trabalhador@s em educação se o objetivado fosse o que produziram e
produzem para estes trabalhador@s a precarização das relações de trabalho,
Figura 27: Capa da segunda versão da cartilha de
“consicentização”, agora, como formação básica do Sindiupes,
em 1993.
Figura 28: Calendário de formação política. Divulgado no Didata de se-
tembro/outubro de 1997.
137
a crescente perda dos direitos d@s trabalhador@s, as formas de contratação
temporárias e a busca para entender como se processam as relações d@s
trabalhador@s com seus locais/objetos de trabalho?
Ao iniciar este tópico, acreditava que o viés de sua abordagem desencadea-
ria o entendimento do processo de conscientização d@s trabalhador@s em
educação. No entanto, desvela-se o processo da percepção dos modos de
formação dos dirigentes sindicais e destes como formadores investidos pela
instrumentalização da consciência de classe, por grande parte da década de
90. Quando a dirigente disse “o sindicato foi a melhor escola para a formação
de novos pensamentos”, pode ser entendido como da ordem do processo que
vai gestando diferentes saberes e conhecimentos?
Conflitos entre o “caratér” da formação sindical, a análise da realidade dos ce-
nários, a instituição sindicato (como aparelho da “tática” individualizante de “po-
der pastoral”), a defesa do público, a coletivização da organização e das ações
como eram/são postos em movimento pelos dirigentes sindicais do Sindiupes?
Esses conflitos perderam/perdem sua força questionadora, se diluíram/diluem
em medos, rancores e angústias quando motivados pela formas, métodos e
modelos de conhecimento em que se afirma o já dito, a verdade já comprovada
ou a ser comprovada, como se os movimentos fossem estanques, não coexis-
tissem com as formas, e não fossem produzidos em sua constituição.
138
CONSIDERAÇÕES AO TÉRMINO DESTE TRABALHO
Ao iniciar esta pesquisa, me propus analisar as práticas da direção do Sin-
diupes e o que estas práticas produziram no coletivo de trabalhador@s em
educação na década de 90. Junto com ela, inúmeras lembranças e apostas
de que este trabalho pudesse expressar ao menos uma versão dos saberes
construídos na experiência de vida coletiva em uma década bastante mo-
vimentada para @s trabalhador@s em educação. Várias surpresas foram
produzidas no processo em curso. Em cada linha cartografada, percebi que
ao “despir a veste” da militância sindical, a cada tarefa/esforço/análise das
práticas, mais militante me sentia. É com um sentir-se militante com/na/da
vida que busco uma pontuação nesta dissertação.
Considero de muita importância o exercício de relacionar-me com a Acade-
mia. Percebi, no processo, o quanto são tênues as fronteiras entre a militân-
cia sindical e a Academia. Cada uma com uma configuração, com seus jogos
próprios e suas regras, e com muitas aproximações. Afinal, não é a Acade-
mia quem conta a história (uma história) dos sindicatos no Brasil? Não tem
sido através da Academia, em suas práticas de formação/ação atravessa-
das pelos ditos e fazeres acadêmicos que temos nos “formado” militantes?
No estilhaçamento desses espaços demarcados – o movimento sindical e a
Academia –, regras são apresentadas e podem ser questionadas, rompidas,
transformadas e recriadas. No processo aberto com o desafio de permear
este espaço e no qual apresento este trabalho, fui fazendo-me militante-
acadêmica e desfazendo-me acadêmica-militante.
Nessa relação com a Academia, bons encontros romperam barreiras, trouxeram
caminhos, e maus encontros tornaram-se desafios, que foram coletivamente
entendidos e potencializados. Espero que esta dissertação possa auxiliar em
outras tantas possíveis análises, como foi aqui proposto, sem culpabilizações,
pois não se trata de localizar culpados e muito menos retirar a importância das
práticas desses dirigentes sindicais do Sindiupes, da década de 90, mas, com
este trabalho, perguntar: o que estamos fazendo de nós mesmos?
139
Os instrumentos/ferramentas da análise institucional, como uma interroga-
ção necessária a não se limitar às questões coorporativistas apenas, per-
mitindo colocar a capacidade de interrogação social em prática, foram bons
aliados. E nesse caminho, no sentido de restituição (LOURAU, 2004), gos-
taria que esse trabalho fosse apropriado, e que quem o fizesse – do “status
do pesquisador”– produzisse novas restituições.
Ao retomar ao campo problemático – analisar as práticas da direção do Sin-
diupes e o que estas práticas produziram no coletivo de trabalhador@s em
educação na década de 90 –, percebo que a análise do que essas práticas
produziram no coletivo de trabalhador@s em educação foi pouco objetiva-
da. Fica para outra oportunidade. Nessas conversas, o que fomos, o que
fizemos e o que pensávamos se perderia em referências e, provavelmente,
em análises esvaziadas e moralistas, ao considerar o tempo como linear. Ao
optar pelo tempo como inventivo, o que somos, o que fazemos e o que pen-
samos tornam presente o vivido e a análise das práticas dirigentes cheia de
sentidos; sentidos estes que foram se constituindo no processo de análise.
Um desses sentidos, a de que a militância sindical vai produzindo a vida, é
capturado em tempo integral, em uma linha pouco flexível, na produção de
sobretrabalho, como a canalizar a sobreimplicação em mais sobretrabalho,
assemelhando-se aos modos de produção de trabalho japonês (LOURAU,
2004), numa redução da vida a um objeto: a militância sindical. A idéia de
“coletivo de formiguinhas que luta contra tudo e contra todos” pode ser a
do coletivo que luta com, potencializando as relações em seus diferentes e
inseparáveis aspectos da vida: a militância, o sindicato, o movimento, a mu-
lher, o homem, @ que ama, o lazer, o trabalho, o descanso, etc.
O cotidiano da militância sindical, as tarefas que são inúmeras, a “obedi-
ência” aos partidos, às tendências, aos assessores, etc. será que foram/
são impeditivos para que os dirigentes sindicais colocassem/coloquem em
análise o processo do trabalho dirigente? É preciso pensar no cotidiano, tor-
nar presente espaços em que questões como “o que fazemos?” possam ser
140
postas em análise e que outras questões que nos fogem, escapam, possam
ter visibilidade e permitir alterações, transformações.
Penso, como muito interessante, o rumo, que a partir do final do terceiro
mandato sindical, com a compreensão de alguns dos dirigentes sindicais, que
o trabalho cotidiano d@s trabalhador@s em educação podia ser entendido
como possível de saúde, não da ordem de ausência de doença, mas da ordem
de potência de vida, pois criam-se resistências cotidianamente nesses espa-
ços. Estamos falando da micropolítica, no plano molecular em que Guattari
(1981) nos diz dessa potência de produção que afeta e nem sempre faz ba-
rulho, pois não são corporificados, materializados. O como torná-los visíveis
poderia ser um foco das práticas dos dirigentes sindicais?
Romper com as estereotipias, os valores instituídos provoca revoluções,
revoluções moleculares, como nos diz Guattari (1981), quando considera-se
que em rede vão se alterando e se estendendo as possibilidades de novas
constituições e produções coletivas. Este trabalho buscou, no campo ético,
realizar análises. É neste campo que desejo o uso desta dissertação, não no
campo da desqualificação dos dirigentes sindicais ou do que foi produzido
por suas práticas, para que não caia apenas no plano da moral e se perca a
riqueza do vivido e o movimento presente.
Fico por aqui, sem fechar nada, nas reticências que, por ora, sinto ser o
melhor lugar.
141
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