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Esta dissertação tem como objetivo analisar a presença de algumas características culturais brasileiras, que serão chamadas de traços culturais brasileiros, nas organizações empresariais.
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Cincias Econmicas, Contbeis e Administrativas
Programa de Ps-Graduao em Administrao de Empresas
Uma anlise dos Traos Culturais Brasileiros em uma Organizao Nacional
Ricardo Antonio Fernandes
So Paulo 2006
Ricardo Antonio Fernandes
Uma anlise dos Traos Culturais Brasileiros em uma Organizao Nacional
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Administrao de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie para a obteno do ttulo de Mestre em Administrao de Empresas
Orientadora: Profa. Dra. Darcy Mitiko Mori Hanashiro
So Paulo 2006
Reitoria da Universidade Presbiteriana Mackenzie Prof. Dr. Manasss Claudino Fonteles
Decano de Pesquisa e Ps-Graduao Prof. Dra. Sandra Maria Dotto Stump
Diretor do Centro de Cincias Sociais e Aplicadas Prof. Dr. Reynaldo Cavalheiro Marcondes
Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Administrao de Empresas
Prof. Dra. Eliane Pereira Zamith Brito
Dedico
minha esposa Lvia e ao meu filho Vtor
AGRADECIMENTOS
Especialmente minha orientadora, Profa. Dra. Darcy Mitiko Mori Hanashiro, pelo seu
compromisso com a qualidade, pela sua pacincia e pelas valiosas informaes. No tenho
palavras para agradecer.
Profa. Dr Maria Luisa Mendes Teixeira por ter plantado a semente deste trabalho e
pela excelente indicao da orientadora. Suas palavras de apoio e motivao durante o curso
de Gesto Baseada em Valor foram fundamentais.
Ao Sr. Jackson Ricardo Gomes e Sra. Renata Helena Oliveira Tubini que abriram
portas importantssimas para a realizao da pesquisa. Sem o apoio deles os obstculos
seriam, sem dvida, muito maiores.
Ao Sr. Mauro Lucio Conde, pelas palavras de incentivo e por sempre nos encorajar a
transformar o ordinrio em extraordinrio.
Aos colegas Max Iwao Fujii, Maria Luiza de Souza Silva, Rodolfo Zerbini, Diego
Ribeiro e Missena Monteiro C. Zuchetto pela receptividade e boa vontade com que me
ajudaram. A colaborao oferecida foi determinante para a realizao da pesquisa. Meus
sinceros agradecimentos a todos.
minha amiga e colega do mestrado Kenia Arruda Martins da Costa, que sempre me
ajudou e incentivou durante o curso, alm de colaborar diretamente para a realizao desta
pesquisa.
minha famlia - meus pais, Salvador e Teresinha, minha irm, Flavia, meu cunhado
Marco, meu sobrinho Bruno, e especialmente minha esposa, Lvia e meu filho Vtor pela
compreenso e incentivo durante as ausncias ocasionadas devido realizao desta
dissertao.
A todos que responderam a pesquisa e aos que colaboraram direta ou indiretamente
com o trabalho, seja com idias ou por meio de conversas e debates sobre o Brasil e os
Brasileiros.
RESUMO
O entendimento das diferenas culturais entre as naes tem sido tema de estudo de vrios
autores de gesto organizacional. Esta dissertao tem como objetivo analisar a presena de
algumas caractersticas culturais brasileiras que sero chamadas de traos culturais brasileiros.
Para tal, foi realizada uma pesquisa visando medir a presena de dois traos em uma
organizao do setor financeiro nacional e, se ocorrem diferenas na manifestao destes
traos entre Homens e Mulheres, Gestores e No-Gestores de equipe, Faixas Etrias, Nveis
de Escolaridade e Funcionrios com maior ou menor tempo de empresa. A pesquisa
caracterizou-se como exploratrio-descritiva e a abordagem utilizada do tipo quantitativa. A
identificao dos traos foi feita com base em reviso bibliogrfica de autores que trataram da
formao social da populao brasileira. Foram identificados cinco traos nomeados como
Hierarquia, Ambigidade, Sociedade Relacional, Jeitinho e Malandragem. Cada trao foi
ento revisto sob a tica de autores de gesto que j haviam publicado sobre o tema. Para a
pesquisa de campo, realizada entre os funcionrios da organizao, foram escolhidos dois
traos: Sociedade Relacional e Jeitinho. Devido inexistncia de instrumentos de medida
prontos na literatura pesquisada foi desenvolvido um instrumento que tornasse possvel a
anlise do quanto estes traos se manifestam na organizao. O desenvolvimento envolveu a
utilizao de uma amostra piloto formada por alunos de Ps-Graduao Lato Sensu. O
instrumento tambm foi validado na amostra final, em que os resultados do pr-teste se
confirmaram. A amostra final, na qual foram efetivamente testadas as hipteses propostas, foi
composta de 303 funcionrios da organizao pesquisada. Os resultados permitem afirmar
que os traos esto presentes na organizao e que no existem diferenas na manifestao
dos mesmos dentre as vrias categorias testadas. As tcnicas estatsticas utilizadas foram a
Anlise Fatorial e a Anlise de Varincia (ANOVA).
Palavras-chave: Cultura brasileira. Traos culturais brasileiros. Cultura organizacional.
ABSTRACT
The understanding of the cultural differences between the nations has been the subject of
study of many authors of organizational management. The purpose of this dissertation is to
analyze the presence of some Brazilian cultural characteristics that will be named as Brazilian
cultural traces. For such, a research was performed aiming at measuring the presence of two
traces in an organization of the national financial sector and if there are differences in
manifesting these traces among Men and Women, Managers and Non-Managers of the team,
Age Groups, Education Level and Employees with more or less time at the company. The
research was characterized as descriptive-exploratory and the approach used was of the
quantitative type. The identification of the traces was performed based on a bibliographic
review of authors who have dealt with the social formation of the Brazilian population.
Five traces named as Hierarchy, Ambiguity, Relationship Society, the Brazilian way and
Rascality were identified. Each trace was then reviewed under the optics of the managing
authors that have published about the subject. As for the research field, performed among the
employees of the organization two traces were chosen: Relationship Society and Brazilian
Way. Due to the nonexistence of ready measure instruments in the literature researched an
instrument that could make possible the analysis of how these traces manifest in an
organization was developed. The development involved the usage of a pilot sample formed by
Lato Sensu Post Graduation students. The instrument was also validated in the final sample,
in which the results of the pre-test were confirmed. The final sample, in which the proposed
hypotheses were tested, was composed by 303 employees of the organization researched. The
results allow to state that the traces are present in the organization and that there are no
differences in manifesting them among the several categories tested. The statistical techniques
used were the Factorial Analysis and the Analysis of Variance (ANOVA).
Keywords: Brazilian culture. Brazilian cultural traces. Organizational culture.
SUMRIO
1 Introduo........................................................................................................................142 Referencial Terico .........................................................................................................172.1 Cultura Nacional..............................................................................................................182.2 Cultura Brasileira.............................................................................................................272.3 Traos culturais Brasileiros .............................................................................................322.3. Gilberto Freyre ................................................................................................................342.3.1.1 Contexto Cultural e Histrico do surgimento de Casa Grande & Senzala..........342.3.1.2 Traos culturais brasileiros destacados em Casa Grande & Senzala....................352.3.2 Sergio Buarque de Holanda......................................................................................412.3.2.1 Contexto Cultural e Histrico do surgimento de Razes do Brasil......................412.3.2.2 Traos culturais brasileiros destacados em Razes do Brasil ...............................432.3.3 Darcy Ribeiro ...........................................................................................................492.3.3.1 Os Brasis na Histria ............................................................................................502.3.4 Roberto DaMatta ......................................................................................................582.3.5 Resumo dos Traos Brasileiros segundo Freyre, Holanda, Ribeiro e DaMatta .......692.3.6 Traos Brasileiros: um olhar a partir da literatura de estudos organizacionais ........742.3.6.1 Hierarquia .............................................................................................................772.3.6.2 Ambigidade ........................................................................................................802.3.6.3 Sociedade Relacional............................................................................................822.3.6.4 Jeitinho .................................................................................................................842.3.6.5 Malandragem........................................................................................................872.3.6.6 Resumo da viso dos autores de gesto sobre os traos analisados .....................892.3.7 Resumo dos traos: principais caractersticas .........................................................902.4 Cultura Organizacional....................................................................................................913 Problema, Objetivos, Hipteses e Variveis ...................................................................973.1 Problema de pesquisa ......................................................................................................973.2 Objetivos Gerais e Especficos ........................................................................................983.3 Hipteses .........................................................................................................................983.4 Definio Operacional das Variveis ..............................................................................993.4.2 Definio operacional do trao Sociedade Relacional (SR)...................................1004 Procedimentos Metodolgicos ......................................................................................1024.1 Tipo de Estudo...............................................................................................................1024.2 Mtodo de Pesquisa .......................................................................................................1034.3 Plano Amostral e Mtodo de Amostragem....................................................................1044.4 Instrumento de Coleta de dados ....................................................................................1054.4.1 Aplicao do Instrumento.......................................................................................1064.4.2 Processo de Elaborao do Instrumento.................................................................1074.4.2.1 Definio do construto........................................................................................1074.4.2.2 Determinao do tipo da escala ..........................................................................1084.4.2.3 Criao de itens; .................................................................................................1084.4.2.4 Pr-Teste.............................................................................................................1124.4.2.5 Anlise descritiva da amostra do pr-teste .........................................................1124.4.2.6 Anlise Fatorial e Alfa de Cronbach ..................................................................1134.4.2.7. Discusso dos Resultados do Pr-Teste .............................................................1215 Apresentao e Anlise dos Resultados da Pesquisa.....................................................1235.1 Tamanho da amostra, anlise de observaes atpicas e valores faltantes ...................1235.2 Anlise Descritiva .........................................................................................................126
5.3 Anlise Fatorial..............................................................................................................1305.3.1 Jeitinho ...................................................................................................................1325.3.2 Sociedade Relacional..............................................................................................1355.4 Comparao das variveis Sciodemogrficas .............................................................1385.4.1 Idias bsicas da Anlise de Varincia...................................................................1395.4.2 Sexo ........................................................................................................................1405.4.3 Idade .......................................................................................................................1415.4.4 Coordenao de Pessoas.........................................................................................1425.4.5 Escolaridade ...........................................................................................................1425.4.6 Tempo de Empresa .................................................................................................1436 Consideraes Finais .....................................................................................................1446.1 Discusso dos Resultados..............................................................................................1446.2 Limitaes do estudo e sugestes de continuidade .......................................................148Referncias .............................................................................................................................150Apndice A Questionrio final utilizado na empresa..........................................................153Apndice B Questionrio utilizado no Pr-Teste ................................................................156Apndice C Anlise Fatorial nas 29 questes do Pr-Teste ................................................159Apndice D Alfa de Cronbach nas 29 questes do Pr-Teste ..............................................160Apndice E Alfa de Cronbach - 13 questes de Jeitinho - Pr-Teste...................................161Apndice F Alfa de Cronbach -10 questes de Jeitinho, aps excluso de q25, q2 e q8.....162Apndice G Alfa de Cronbach -13 questes de Sociedade Relacional - Pr-Teste .............163Apndice H Anlise Fatorial - 21 questes na base da amostra final .................................164Apndice I Matriz das cargas fatoriais - amostra principal - corte nas cargas de 0,35 .......165Apndice J Matriz das cargas fatoriais - amostra principal - corte nas cargas de 0,35 - limitada a dois fatores.............................................................................................................166Apndice K Anlise Fatorial - 9 questes de Jeitinho.........................................................167Apndice L Alfa de Cronbach - 9 questes de Jeitinho - amostra Final .............................168Apndice M Alfa de Cronbach - 12 questes de Sociedade Relacional - amostra Final .....169Apndice N ANOVA para a varivel Sexo.........................................................................170Apndice O ANOVA para a varivel Idade ........................................................................171Apndice P ANOVA para a varivel Coordenao.............................................................172Apndice Q ANOVA para a varivel Escolaridade ............................................................173Apndice R ANOVA para a varivel Tempo de Empresa ..................................................174
NDICE DE FLUXOGRAMAS
Fluxograma 1 - Relaes entre os traos, subtraos e evidncias ............................................71Fluxograma 2 - Sistema de ao cultural brasileiro ................................................................75
NDICE DE GRFICOS
Grfico 1- O sabe-tudo ............................................................................................................78
NDICE DE QUADROS
Quadro 1 - Diferenas entre o Indivduo e a Pessoa.................................................................62Quadro 2 - Resumo dos traos culturais brasileiros .................................................................70Quadro 3 - Resumos do traos na viso dos autores de estudos organizacionais ....................90Quadro 4 - Principais caractersticas dos traos pesquisado ....................................................90Quadro 5 - Caractersticas das trs perspectivas ......................................................................96
NDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Matriz de cargas fatoriais 29 questes Pr-Teste ..................................................117Tabela 2 - Matriz de cargas fatoriais Questes de Jeitinho Pr-Teste....................................119Tabela 3 - Matriz de cargas fatoriais. Questes de SR Pr-Teste...........................................120Tabela 4 Percentual de respondentes por rea pesquisada ..................................................123Tabela 5 Anlise de observaes atpicas............................................................................125Tabela 6- Distribuio de freqncia da varivel Sexo..........................................................127Tabela 7 - Distribuio de freqncia da varivel Idade ........................................................127Tabela 8 - Distribuio de freqncia da varivel Coordenao de Pessoas..........................127Tabela 9 - Distribuio de freqncia da varivel Estado de Nascimento .............................127Tabela 10 - Distribuio de freqncia da varivel Escolaridade ..........................................128Tabela 11 - Distribuio de freqncia da varivel Tempo de Empresa................................128Tabela 12 - Resumo descritivo dos dados (base final 303 observaes)................................129Tabela 13 - Matriz de padres das cargas fatoriais Amostra Final 21 questes....................130Tabela 14 - Matriz de padres das cargas fatoriais Jeitinho...................................................132Tabela 15 Jeitinho: Ambigidade........................................................................................133Tabela 16 - Jeitinho : Flexibilizar Regras/ Situaes Especiais .............................................134Tabela 17 - Jeitinho: Bom andamento dos trabalhos..............................................................134Tabela 18 - Matriz de padres das cargas fatoriais SR...........................................................135Tabela 19 - SR: Pessoalidade .................................................................................................136Tabela 20 - SR: Relaes Afetivo-familiares .........................................................................136Tabela 21 - SR: Predominncia da confiana sobre as relaes impessoais ..........................137Tabela 22 - SR: Predominncia do relacionamento pessoal sobre o profissional ..................137
14
1 INTRODUO
Um dos desafios mais atuais que se apresenta aos administradores o entendimento
das culturas nacionais e a maneira de se pensar o gerenciamento em vista das diferenas
encontradas. O estudo das caractersticas culturais brasileiras, com o objetivo do melhor
entendimento da gesto organizacional nesse pas, tem sido tema de vrios autores.
A formao histrica da sociedade brasileira, pelas influncias que sofreu de vrios
povos, resultou em uma identidade prpria e diferenciada. O processo de colonizao deu
origem a um pas de dimenses continentais, multitnico, que se comunica por meio de uma
nica lngua falada e entendida em todo o territrio, e no qual todos os habitantes tm, do
ponto de vista cultural, mais em comum entre si do que com seus antepassados ndios,
africanos, europeus ou asiticos. Esta cultura peculiar ressalta a importncia do entendimento
do modo de agir e pensar do brasileiro, visando efetividade da gesto organizacional.
Hofstede (2001) aponta algumas caractersticas culturais do Brasil tais como a grande
distncia do poder, a averso aos conflitos e a importncia das relaes pessoais. DaMatta
(2006) argumenta que, no Brasil, mais importante conhecer a pessoa implicada do que a lei
que governa uma situao. Esta afirmao traz implcitas duas caractersticas, ou traos
culturais, que sero abordados neste trabalho. Um deles o Jeitinho, entendido como a
flexibilizao de leis e normas frente a determinadas situaes. O outro foi chamado de
Sociedade Relacional (SR), entendido como a predominncia das relaes pessoais mesmo
em situaes que poderiam pautar-se por regras impessoais.
Portanto, o foco do trabalho foi o entendimento dos traos culturais brasileiros e sua
manifestao dentro de uma organizao nacional. Alm dos dois traos j citados, que foram
eleitos para a pesquisa de campo realizada com funcionrios da organizao, a reviso
15
bibliogrfica resultou na identificao de mais trs, nomeados como Hierarquia,
Ambigidade e Malandragem.
Este trabalho tambm procurou preencher algumas lacunas. Em artigo sobre o
contedo dos estudos de cultura organizacional brasileira, Alcadipani e Crubellate (2003)
observaram que vrios trabalhos apontavam a presena de traos culturais ntidos e
decifrveis que afetavam as organizaes formando, deste modo, uma cultura organizacional
brasileira. Os autores tambm verificaram que a maioria dos estudos eram ensaios tericos.
Dentre os vrios trabalhos publicados sobre traos culturais brasileiros, vrios
remetiam ao j citado estudo quantitativo realizado por Hofstede (2001) sobre as dimenses
culturais em vrios pases, assumindo os resultados para o Brasil como vlidos at a
atualidade. Alguns autores, como Barros (2003), procuraram repetir e ampliar o estudo de
Hofstede (2001), mas a maioria dos trabalhos apenas utilizava os resultados sem contestao.
Havia, portanto, uma lacuna de trabalhos que se propusessem a verificar a presena dos traos
culturais brasileiros e sua manifestao em diferentes grupos. Em vista destas observaes, o
presente trabalho pretendeu responder seguinte questo:
Os traos culturais denominados Jeitinho e Sociedade Relacional, presentes em uma
organizao nacional, se diferenciam segundo:
x Sexo ?
x Faixa Etria ?
x Gestores de equipe e No Gestores ?
x Escolaridade ?
x Tempo de Empresa ?
16
A presena dos traos foi medida por meio de um instrumento construdo para analisar
o quanto estes traos se manifestavam na empresa. A partir da releitura de alguns autores,
chamados aqui de ensastas, considerados tradicionais no estudo das caractersticas culturais
brasileiras, foram identificados os cinco traos anteriormente citados. Os autores eleitos foram
Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro e Roberto DaMatta.
Aps a identificao dos traos, os mesmos foram novamente analisados e
interpretados por meio da viso de outros autores da rea de estudos organizacionais. Desta
anlise resultaram as caractersticas usadas no trabalho para a descrio operacional dos
traos, que tornou possvel a construo do instrumento de medida usado na anlise
quantitativa realizada.
O objetivo geral do estudo foi analisar a presena dos traos culturais brasileiros na
organizao pesquisada e sua diferenciao segundo variveis de segmentao. Os objetivos
especficos foram:
x Identificar os principais traos culturais brasileiros em uma organizao nacional do setor financeiro;
x Testar se havia relao entre estes traos e algumas variveis de segmentao do estudo;
17
2 REFERENCIAL TERICO
Segundo Barbosa (1996), questes culturais tm despertado o interesse dos
pesquisadores de administrao desde a primeira metade do sculo XX. H na literatura deste
perodo, embora de forma incipiente, autores que mencionaram a importncia da influncia
dos aspectos culturais na gesto das empresas.
O assunto ganha maior ateno no final dos anos 70 e comeo dos anos 80, perodo
em que o termo cultura organizacional torna-se comum para designar um novo campo de
estudos no interior da administrao. A cultura da empresa passa a ser considerada varivel de
fundamental relevncia para implantao de novas polticas passando a ser relacionada
inclusive com o desempenho econmico da empresa (BARBOSA, 1996).
A influncia da cultura nacional no estilo de administrar as organizaes tambm
ganhou relevncia nesta poca. Na dcada de 70 a perspectiva que acentua as diferenas entre
os pases e regies nos estilos administrativos passa gradualmente a sobrepor-se idia de um
modelo gerencial universal (BARROS, 2003).
Dois autores de cunho acadmico marcaram a discusso entre cultura e organizao.
Ambos sero freqentemente referenciados no decorrer desta dissertao. Schein (1997)
enfatiza a idia que as organizaes possuem culturas organizacionais marcadamente
diferenciadas. J Hofstede (2001) atribui pouca ou nenhuma importncia ao papel das culturas
organizacionais e destaca o papel da cultura nacional na gesto (BARBOSA, 1996).
Neste referencial ser desenvolvido inicialmente o tema da cultura nacional com base
principalmente no trabalho de Hofstede (2001). A seguir ser feita uma exposio sobre
cultura brasileira utilizando-se dos resultados da pesquisa de dimenses culturais feita por
Hofstede (2001) para o pas. Neste item tambm sero considerados os resultados da
atualizao desta pesquisa, segundo o trabalho desenvolvido por Barros (2003). A
18
determinao dos traos culturais brasileiros que sero tratados neste trabalho foi feita por
meio da leitura de autores tradicionais para o estudo da cultura nacional: Freyre (2004),
Holanda (1995), Ribeiro (2006) e DaMatta (1978, 1984). Dessa leitura depreenderam-se cinco
traos encontrados ento revistos com base em estudos de alguns autores da rea de
administrao de empresas que j publicaram trabalhos sobre o tema. Por fim, visando
embasar a anlise posterior a ser feita, tratou-se do tema cultura organizacional usando-se
para isso especialmente o referencial de Schein (1997).
2.1 CULTURA NACIONAL
A compreenso das diferentes formas de pensar, sentir e agir das pessoas to
essencial quanto a compreenso dos fatores tcnicos para a implementao de solues de
gesto. Esta a proposta de Hofstede (2001), autor que servir como referncia para toda a
anlise do tema cultura nacional, feita a seguir.
Pessoas pertencentes a diferentes pases apresentam em geral padres de
comportamento diferentes. Mesmo o imigrante mantm consigo por muitos anos em seu novo
pas um certo padro de comportamento proveniente de sua terra natal ou daquela em que foi
criado. Estes padres de comportamento so resultantes de um processo de aprendizagem
contnua e boa parte deles foi adquirida na infncia, perodo em que as pessoas so mais
suscetveis aprendizagem e assimilao. A mudana nos padres possvel, no entanto
necessrio desaprender para depois reaprender, o que torna o processo mais difcil.
A estes processos adquiridos associada a expresso programao mental. O
comportamento dos seres humanos apenas parcialmente predeterminado por esta
programao mental, j que as reaes humanas ocorrem tambm de maneiras novas e
inesperadas. A programao indica apenas as reaes mais provveis.
19
A cultura definida em funo das programaes mentais havendo no entanto, duas
possveis definies para o termo. Uma no sentido restrito, ligada ao refinamento da mente
e que designa o resultado desse refinamento refletido, por exemplo, na educao, arte e
literatura. Outra, no sentido antropolgico do termo, engloba no somente atividades
relacionadas a esse refinamento da mente, mas todas aquelas normas da vida, como
cumprimentar, mostrar emoes e fazer amor.
A cultura, segundo esta definio no um fenmeno individual e sim grupal, j que
partilhada. Podemos defini-la como a programao coletiva da mente que distingue os
membros de um grupo ou categoria de pessoas em face de outro (HOFSTEDE, 2001, p. 19).
A cultura deve ser diferenciada da natureza humana e da personalidade de cada
pessoa. A natureza humana um nvel de programao mental comum a todos os seres
humanos, ou seja, a capacidade de sentir medo, raiva, amor, alegria, tristeza, necessidade de
ateno, a capacidade de comunicar e outros. A relao das pessoas com estes sentimentos e
a forma como os exprime , no entanto, caracterizada pela cultura. A personalidade, por sua
vez, individual e constitui o conjunto nico de programas mentais de cada um.
fundamentada em traos em parte herdados geneticamente e em parte aprendidos
culturalmente e por experincias pessoais.
No existem parmetros cientficos para afirmar que algumas culturas so melhores
que outras. Para o estudo das diferenas culturais necessria uma atitude de relativismo
cultural, assim definido:
O relativismo cultural afirma que uma cultura no tem critrios absolutos para julgar as atividades de outra cultura como pobre ou nobre. No entanto, cada cultura pode e deve utilizar tal julgamento face s suas prprias atividades uma vez que seus membros so simultaneamente atores e observadores (LVI-STRAUSS1,1988 apud HOFSTEDE, 2001, p. 21).
Logo a aplicao de normas de uma sociedade em outras deve ser precedida de muita
reflexo. Estrangeiros que pretendem mudar alguma coisa em outra sociedade tero que
1 LVI-STRAUSS, Claude e Didier Eribon (1988), De prs et de loin, Paris: Editions Odile Jacob.
20
negociar sua interveno. mais provvel que a negociao chegue a um consenso se houver
entendimento das razes dos diferentes pontos de vista.
As manifestaes culturais, que so as formas de diferenciao das culturas,
manifestam-se de vrias formas. Hofstede (2001) prope quatro termos, dispostos em
camadas como as de uma cebola, para descrever estas manifestaes. Da mais externa para a
mais interna so eles: os smbolos, os heris, os rituais e os valores.
Os smbolos so, por exemplo, as bandeiras, a Coca Cola, os cortes de cabelo, o
vesturio, algumas palavras e alguns gestos. Transportam consigo um significado que s
compartilhado pelos integrantes do grupo com a mesma cultura. Mudam constantemente e
tambm podem ser copiados por outros grupos. Da estarem na camada mais externa das
manifestaes culturais.
Os heris so assim designados por possurem caractersticas altamente valorizadas
em uma cultura especfica. Podem ser figuras reais vivas ou j falecidas, assim como
personagens fictcios como o Super-Homem.
Os rituais, como formas de cumprimentar, demonstraes de respeito, cerimnias
polticas e religiosas, so considerados essenciais numa determinada cultura, embora
tecnicamente no tenham serventia prtica. Algumas reunies organizacionais servem, por
exemplo, somente para reafirmar a autoridade do lder.
Tanto os smbolos, como os heris e os rituais so chamados por Hofstede (2001) de
prticas, por serem observveis externamente. J o significado cultural destas prticas
invisvel e reside precisamente na interpretao que os integrantes do grupo do a elas.
Por fim, no ncleo duro da cultura esto os valores que podem ser definidos como a
tendncia para se preferir certo estado de coisas em face de outro (HOFSTEDE, 2001, p. 23).
Os valores so orientados e contrapem, por exemplo, bom x mau e irracional x racional. So
inconscientes, adquiridos durante a infncia e no observveis. Sua deduo por meio de
21
questionrios deve ser feita com cautela j que o comportamento real muitas vezes no
verbalizado. A interpretao das respostas deve ser feita levando-se em conta a distino entre
valores desejveis (como o respondente pensa que o mundo deveria ser) e desejados (o que o
respondente deseja para si prprio, incluindo os desejos menos virtuosos).
Um mesmo indivduo pode ter vrias programaes mentais referentes aos vrios
grupos aos quais pertence. A estes grupos correspondem diferentes nveis de cultura, dentre os
quais um nvel nacional, variando segundo o pas ao qual se pertence, e outro nvel ligado
organizao ou empresa, para aqueles que trabalham. No h necessariamente alinhamento
dos programas mentais dos vrios nveis podendo ocorrer conflitos, o que dificulta a
antecipao do comportamento do indivduo em novas situaes.
Deve-se ter muita cautela ao usar a nacionalidade, tal como consta no passaporte, em
estudos sobre diferenas culturais embora Hofstede (2001) defenda ser este o critrio mais
adequado de classificao. A praticidade deste critrio reside nos dados estatsticos fornecidos
pelos governos, que so raros no caso de sociedades no reconhecidas como naes.
Posteriormente pode ser feita a classificao segundo grupos tnicos ou lingsticos, caso haja
a possibilidade. A necessidade de cautela explicada devido ao fato de algumas naes da
frica, por exemplo, apresentam suas linhas fronteirias muito mais prximas da lgica dos
colonizadores do que obedecendo s divises culturais das populaes locais (HOFSTEDE,
2001).
Alguns elementos de integrao das naes so: uma lngua nacional, um sistema
nacional de educao, um exrcito nacional, uma representao nacional para acontecimentos
desportivos e um mercado de empregos, produtos e servios nacionais (HOFSTEDE, 2001).
O estudo realizado por Hofstede (2001) dos fatores culturais que separam ou unem as
naes, baseou-se na convico, vinda de estudos na rea de antropologia social, que as
naes enfrentam os mesmos problemas fundamentais, as respostas que so diferentes. Com
22
base na literatura antropolgica veio a proposta de agrupamento destes problemas em trs
tipos:
1) Relao com a autoridade;
2) Concepo do eu, em particular:
a) Relao entre o indivduo e a sociedade, e;
b) Conceito de masculinidade e feminilidade.
3) Formas de gerir os conflitos, incluindo o controle da agresso e a expresso dos
sentimentos (INKELES e LEVINSON2, 1969 apud HOFSTEDE, 2001, p. 28).
Observa-se que os problemas esto relacionados respectivamente com o
funcionamento das sociedades, dos grupos dentro das sociedades e dos indivduos nos grupos.
Em seu estudo realizado com funcionrios da IBM em mais de 50 pases Hofstede (2001), por
meio de anlise estatstica das respostas, chegou a resultados bastante semelhantes com os
encontrados nos estudos de antropologia social, os problemas so comuns, mas as respostas
so diferentes. Foram encontrados problemas comuns nas seguintes reas:
1) Desigualdade social, incluindo a relao com a autoridade;
2) Relao entre o indivduo e o grupo;
3) Conceitos de masculinidade e feminilidade; conseqncias sociais de pertencer a um ou
outro sexo;
4) Formas de gerir a incerteza, relacionadas com o controle da agresso e expresso das
emoes (HOFSTEDE, 2001).
Estas categorias, propostas nos estudos antropolgicos e confirmadas empiricamente,
representam dimenses, ou seja, aspectos comparveis entre as culturas. Hofstede (2001)
designou as quatro dimenses como distncia hierrquica, grau de individualismo (ou
coletivismo), grau de masculinidade (ou de feminilidade) e controle incerteza.
2 INKELES, Alex; LEVINSON, Daniel J. National character: the study of modal personality and sociocultural systems, in The Handbook of Social Psycology, 2a edio, vol 4, G. Lindsey & E. Aronson (eds), Reading MA: Addison-Wesley, 1969.
23
Posteriormente foi detectada uma quinta dimenso designada como orientao a longo (ou a
curto) prazo.
Na viso de Hofstede (2001) pode ser revelador pesquisar diferenas culturais entre
classes sociais, sexo e gerao (idade). No entanto, as culturas ligadas a estas categorias
podem apenas parcialmente ser definidas por meio das dimenses definidas para cultura
nacional, justamente porque se tratam de categorias e no de grupos. Na passagem a seguir,
escrita antes da descoberta da quinta dimenso, fica clara a viso de cultura integrada do
autor:
Os pases e seus grupos tnicos, constituem sistemas sociais integrados. As quatro dimenses tratam de problemas fundamentais de tais sistemas. As categorias, como o sexo, a gerao, ou a classe social, so apenas parte do sistema social e por isso nem todas as dimenses se lhes aplicam. As culturas ligadas ao sexo, gerao e classe social, devero ser descritas nos seus prprios termos, a partir de estudos especiais para estes tipos de culturas (HOFSTEDE, 2001, p.33).
Dentre as dimenses analisadas, a distncia hierrquica a medida relacionada ao
tratamento das desigualdades dentro da sociedade. Este ndice est relacionado s relaes de
dependncia num determinado pas. Em sociedades com ndice mais baixo a dependncia
entre subordinados e chefes limitada, prevalecendo um estilo consultivo e uma
interdependncia. H facilidade para os subordinados abordarem e mesmo contradizerem seus
chefes. Em sociedades com ndice elevado os subordinados so muito dependentes das
chefias. Nesta situao os subordinados podem reagir de duas formas, dando preferncia a
esta dependncia (por meio de um chefe autocrtico ou paternalista), ou enxergando a
dependncia negativamente. No h espao para abordagens ou contradies s chefias e a
distncia emocional entre chefes e subordinados tambm elevada. (HOFSTEDE, 2001).
A distncia hierrquica pode ser definida como a medida do grau de aceitao, por
aqueles que tm menos poder nas instituies e organizaes de um pas, de uma repartio
desigual do poder (HOFSTEDE, 2001, p.42). Por organizaes entendam-se as empresas do
pas e por instituies os elementos fundamentais como famlia e escola.
24
A dimenso relacionada ao grau de individualismo ou coletivismo definida da
seguinte forma:
O individualismo caracteriza as sociedades nas quais os laos entre os indivduos so pouco firmes; cada um deve ocupar-se de si mesmo e de sua famlia mais prxima. O coletivismo, pelo contrrio, caracteriza as sociedades nas quais as pessoas so integradas, desde o nascimento, em grupos fortes e coesos, que as protegem por toda vida em troca de uma lealdade inquestionvel (HOFSTEDE, 2001, p. 69).
A maioria das sociedades do planeta coletivista, com o interesse do grupo
prevalecendo sobre o do indivduo. Nestas sociedades a famlia inclui no apenas pai, me e
filhos mas tambm avs, tios e at empregados domsticos. A identidade do indivduo
construda a partir do grupo ao qual ele pertence, o qual o protege das dificuldades e ao qual
ele deve lealdade. Quebrar esta lealdade algo socialmente condenvel (HOFSTEDE, 2001).
Nas sociedades individualistas as famlias so nucleares, compostas por pai, me e
filhos. A criana educada no sentido de ter autonomia esperado que deixe a casa dos pais
assim que possa cuidar-se sozinho. Nestas sociedades no h dependncia entre o indivduo e
o grupo (HOFSTEDE, 2001).
A dimenso relacionada masculinidade ou feminilidade definida da seguinte forma:
sero ditas masculinas as sociedades onde os papis so nitidamente diferenciados (o homem deve ser forte, impor-se e interessar-se pelo sucesso material, enquanto a mulher deve ser mais modesta, terna e preocupada com a qualidade de vida); so femininas aquelas onde os papis sociais dos sexos se sobrepem (tanto os homens como as mulheres devem ser modestos ternos e preocupados com a qualidade de vida) (HOFSTEDE, 2001, p. 103).
Os adjetivos masculino e feminino, neste caso, no esto ligados necessariamente ao
sexo e sim ao papel social, determinado pela cultura. Homens podem ter comportamento
feminino assim como mulheres terem comportamento masculino.
No local de trabalho acredita-se, nas culturas masculinas, que os conflitos devem ser
resolvidos por meio de uma boa luta e que vena o melhor. J nas femininas prefere-se
resolver os conflitos por meio da negociao. O papel que o trabalho exerce na vida pessoal
25
tambm distinto. Enquanto nas culturas masculinas acredita-se que a regra viver para
trabalhar nas femininas acredita-se em trabalhar para viver (HOFSTEDE, 2001).
O controle da incerteza est relacionado ao ndice de ansiedade da populao e mede o
grau de inquietude frente a situaes desconhecidas. Em geral populaes com mais averso
incerteza so mais ansiosas e apresentam menor tolerncia ambigidade. Nos pases com
elevado controle da incerteza as pessoas tendem a falar alto e gesticular, alm de ser mais
emotivas. Nestes pases tambm existem numerosas leis e normas (escritas ou no) para
deixar pouco espao para o acaso.
Sociedades que apresentam elevado ndice de controle da incerteza (chamado, de
agora em diante, de ICI ndice de Controle da Incerteza) sentem-se melhor em meios mais
estruturados, onde h pouco espao possvel para o acaso. Em pases com alto ICI os
regulamentos, mesmo que no sejam seguidos com rigor, satisfazem uma necessidade
emocional. Logo vale o seguinte uma regra rgida, uma prtica benvola (DIRIBARNE3,
1989, apud HOFSTEDE, 2001, p. 145). Por outro lado, as normas so menos numerosas nos
pases com baixo ICI, mas, paradoxalmente, so mais respeitadas. Dentre os pases
pesquisados os que apresentaram mais alto ICI foram a Grcia (112), Portugal (101) e
Guatemala (101). J os que apresentaram ICI mais baixo foram a Dinamarca (23), Jamaica
(13) e Singapura (8).
A quinta dimenso surgiu por meio da pesquisa de Michael Bond, pesquisador
canadense que solicitou a especialistas chineses que elaborassem uma lista com dez valores
importantes para os chineses. A partir desta lista, Bond elaborou o CVS- Chinese Value
Survey, que foi aplicado no incio da dcada de 80 para 100 estudantes (50 de cada sexo) em
23 pases, totalizando 2300 respondentes. A proposta de Bond ao elaborar o CVS foi corrigir
o problema surgido devido aplicao de um questionrio elaborado por mentes ocidentais
3 D IRIBARNE, Philippe. La logique de lhoneur: Gestion des enterprises et traditions nationals, Paris: ditions du Seuil: 1989.
26
em pases no ocidentais. Os respondentes destes pases se depararam com questes que, no
seu ponto de vista, eram irrelevantes. Por outro lado, assuntos que eles consideravam
importantes poderiam no ter sido abordado no questionrio ocidental.
Do estudo de Bond surgiu uma dimenso no correlacionada com nenhuma das
encontradas no estudo da IBM. Foi batizada de dinamismo Confunciano por Bond, pois
remete aos ensinamentos de Confcio (HOFSTEDE, 2001). Seus princpios essenciais so:
1. A estabilidade da sociedade baseia-se nas relaes desiguais entre as pessoas (por
exemplo o mais novo devendo obedincia ao mais velho);
2. A famlia o prottipo de todas as relaes sociais;
3. A conduta virtuosa para com os outros consiste em no trat-los da forma como no
gostaria que eles o tratassem;
4. Conduzir a vida de forma virtuosa tratar de adquirir conhecimento e competncias,
trabalhar arduamente, no gastar mais do que o necessrio e ser paciente e perseverante
(HOFSTEDE, 2001).
Esta dimenso ope orientaes de longo prazo com outras de curto prazo. Dentre os
valores que a compe esto, por exemplo, perseverana e austeridade que esto relacionados
ao futuro (orientao a longo prazo), sendo mais dinmicos. Na orientao para o presente e
passado esto a estabilidade pessoal, dignidade, respeito pela tradio e favores e gentilezas
(orientao a curto prazo), que so mais estticos. Dentre os pases que apresentam maior
orientao em longo prazo esto a China (118), Hong Kong (96) e Tawain (87). Os que
apresentaram menos ndice de orientao em longo prazo, ou seja seriam mais orientados a
curto prazo foram Filipinas (19), Nigria (16) e Paquisto (00).
A anlise da posio do Brasil nas cinco dimenses do estudo de Hofstede ser feita
no item a seguir que trata da cultura brasileira. A pesquisa foi repetida por Barros (2003) com
o objetivo de verificar se os resultados encontrados por Hofstede (2001) continuariam vlidos
27
aps 30 anos. Os resultados das duas pesquisas sero comparados e posteriormente resgatados
na anlise dos traos culturais brasileiros.
2.2 CULTURA BRASILEIRA
No estudo realizado por Hofstede (2001) o Brasil apresentou elevada distncia do
poder ou seja, apresenta tendncia de dependncia em relao s vrias instncias do poder.
Tambm apresenta alto ndice de averso incerteza e clara orientao do comportamento
para o longo prazo. Nas demais dimenses, verificou-se que o comportamento mais
coletivista que individualista e identificou-se tambm uma leve tendncia feminilidade.
Dentre os estudos sobre cultura brasileira e suas relaes com a gesto de empresas
destaca-se o realizado por Barros (2003). O objetivo deste estudo foi identificar caractersticas
culturais brasileiras que devem, segundo a autora, ser observadas por gestores brasileiros ou
estrangeiros em atuao no pas, orientando-os para um estilo de administrao mais
adequado e efetivo realidade brasileira. O principal referencial adotado pala autora na
descrio das caractersticas nacionais vem de Hofstede (2001). No entanto, os resultados so
comparados com os de uma pesquisa realizada pela prpria autora com 1732 executivos de
norte a sul do Brasil, alm de outros pases da Amrica Latina. O Brasil visto no estudo
como unidade cultural, embora sejam feitas comparaes entre os estados brasileiros. Como o
estudo de Hofstede data de mais de 30 anos feita uma comparao, verificando tambm se
ocorreram mudanas no Brasil e nos demais pases analisados neste perodo.
A pesquisa de Hofstede (2001) mostrou que a concentrao de poder maior nos
pases latinos em comparao com os pases nrdicos, por exemplo. Empresas de pases com
alto nvel de distncia do poder tendem a ser mais centralizadoras resultando numa menor
participao dos colaboradores no processo decisrio. A relao dos latinos com o poder
28
ambgua, submetem-se a autoridade sem questionamentos mas s vezes, rebelam-se. O ndice
do Brasil na pesquisa de Hofstede 69 pontos em 100 possveis. Encontra-se, portanto, na
parte superior da escala apresentando alta distncia do poder. Dentre os latinos, a distncia
mais alta apresentada pelo Mxico (81) e a mais baixa pela Argentina (49). O ndice no se
alterou significativamente na comparao com os dados da nova pesquisa realizada por
Barros (2003), passando de 69 para 75. Esse ndice, no Brasil, maior entre as mulheres (96)
que entre os homens (72), o que se explica, na viso da autora, em parte pela educao que as
mulheres recebem para que sejam submissas e aceitem as diferenas de poder.
A alta concentrao de poder na sociedade leva a crer aos subordinados que eles no
so responsveis pelas decises e nem pela implementao do que foi decidido. A relao
lder/ liderado parece ser a de troca de proteo por lealdade, seguindo uma antiga tradio
familiar. A quebra na relao entre o lder e o liderado pode significar uma derrota moral para
o lder. Para os subordinados a chefia ideal tende a ser vista como um autocrata benevolente
e as relaes entre chefes e subordinados so muitas vezes carregadas de emoes (BARROS,
2003).
Numa pesquisa feita com base em estudos de Laurent4 (1996 apud Barros, 2003), 66%
concordam com a afirmao uma estrutura hierrquica necessria principalmente para
saber quem tem autoridade sobre quem. Foi o maior ndice de concordncia entre os
entrevistados. Em segundo ficou a Itlia com 50% de concordncia e em ltimo os EUA com
18%. Esta hierarquizao est relacionada concentrao de poder e ao personalismo que
influenciam as estruturas organizacionais brasileiras, resultando num modelo muito integrado
no topo da pirmide. A relao autoritria predominante leva os subordinados a no tomar
iniciativas e correr menores riscos. Tambm no natural para a maioria das pessoas ter mais
do que um chefe (BARROS, 2003).
4 LAURENT, A . The cross-cultural puzzle of international human resource management. Human Resource Management, v. 25. n 1, p. 91-102, 1996.
29
A averso ao conflito tambm est relacionada com a distncia hierrquica. Na
pesquisa feita por Laurent5 (1996 apud BARROS, 2003), 50% dos brasileiros concordam com
a afirmao a maior parte das organizaes se portaria melhor se os conflitos pudessem
ser definitivamente eliminados, contra apenas 6% dos americanos. H uma interao entre a
hierarquia e a averso ao conflito, j que o brasileiro tende a evitar conflito com quem tem
mais poder que ele mas no foge dele em situaes contrrias, com ele detendo mais poder. A
averso ao conflito tambm est ligada ao desejo em se manter a qualidade do
relacionamento. No Brasil para conquistar bons negcios necessrio, de certo modo,
construir laos de confiana baseados em relaes pessoais, transformando o formal em
informal (BARROS, 2003).
O estilo brasileiro descrito como possuidor de traos fortes de hierarquia e grande
capacidade de lidar com a incerteza, refletida no jeitinho uma caracterstica brasileira que
rene flexibilidade, adaptabilidade e criatividade (BARROS, 2003, p. 42).
Na dimenso relacionada a individualismo e coletivismo, o Brasil apresenta-se como
uma nao mais coletivista, 38 pontos no estudo de Hofstede (2001), estando na metade
inferior da escala. No estudo mais recente desenvolvido por Barros (2003) a pontuao obtida
foi de 41, no apresentando, portanto, diferenas significativas.
Na viso de Barros (2003) o trao coletivista interage com a faceta personalista.
Recorre para isso ao estudo de DaMatta (1978) que discorre sobre as diferenas entre o
indivduo e a pessoa. O indivduo o ser annimo, sem relaes e para o qual vale a frieza da
lei. J a pessoa construda por meio de suas relaes. merecedora de confiana por
pertencer a um grupo e para ela a lei apresenta algumas facilidades.
No trabalho a relao entre empregador e empregado semelhante s relaes
familiares em que impera a lgica de troca de proteo por lealdade. O Japo tambm uma
5 LAURENT, A . The cross-cultural puzzle of international human resource management. Human Resource Management, v. 25. n 1, p. 91-102, 1996.
30
sociedade coletivista onde, no entanto, impera a meritocracia havendo forte concorrncia com
base nas competncias individuais, o que minimiza a influncia do relacionamento individual.
J no Brasil, Barros (2003) observa que as decises so tomadas com referncia importncia
ou necessidade de quem est envolvido havendo sobreposio s necessidades do sistema
como um todo.
Na dimenso de averso incerteza o Brasil apresenta um alto ndice (76 pontos). Na
pesquisa de Hofstede (2001), pases latinos americanos apresentam, em geral, alto grau de
controle da incerteza como, por exemplo, Guatemala (101), Uruguai (100) e Argentina (86).
Nestes pases as estruturas sociais influenciam consideravelmente a averso incerteza:
famlias protetoras e professores sabe-tudo no deixam muito espao para o imprevisto e
inesperado (BARROS, 2003).
Hofstede (2001) cita trs formas para lidar com a incerteza, por meio da tecnologia,
leis e religio. As duas ltimas so as mais comuns no Brasil. O pas conhecido por ter o
maior nmero de catlicos no mundo, com quase 90% de sua populao classificada desta
forma. O nmero de leis, regulamentos e normas no pas tambm muito alto havendo, no
entanto, uma discrepncia entre este sistema normativo e a prtica, no que conhecido por
formalismo. Algumas expresses ilustram bem esta caracterstica: fazer vista grossa, arranjar
um padrinho, quebrar o galho e outras. Em vrias situaes os critrios legais so ignorados,
situao em que o personalismo reforado j que a ambigidade propicia o exerccio do
poder da forma mais forte e personalista (BARROS, 2003).
Na pesquisa realizada por Barros (2003) o ndice de averso incerteza, que era de 76
na pesquisa de Hofstede (2001), caiu para 36. As razes para esta mudana so, segundo
Barros (2003), as vrias mudanas econmicas ocorridas (planos, choques, etc.) nos 30 anos
que separam os dois resultados. Deste modo os brasileiros teriam aprendido a conviver com a
31
incerteza, o que aliado a outro trao brasileiro que a flexibilidade, resultou nesta
significativa mudana (BARROS, 2003).
Na dimenso de masculinidade x feminilidade o Brasil apresenta leve tendncia para a
ltima, com 49 pontos no estudo de Hofstede (2001) e 55 no de Barros (2003). possvel
encontrar no pas tanto tendncias masculinas como femininas. Uma caracterstica feminina,
por exemplo, o pacifismo, percebido por meio da averso a solues trgicas e violentas e
pela procura de acordos pacficos. Uma caracterstica masculina a busca constante por
oportunidades de crescimento para atingir cargos mais altos, fato contraposto no entanto,
importncia dos relacionamentos e a cordialidade (mais feminina) (BARROS, 2003).
Tanto homens como mulheres brasileiras apresentam ndice semelhante nesta
dimenso, o que indica que ambos igualmente compartilham dos mesmos valores em cargos
de chefia. H uma relao entre a masculinidade e a idade da seguinte forma, quanto mais
jovem, maior o ndice de masculinidade (BARROS, 2003).
Por fim, na dimenso que relaciona orientao para longo prazo x curto prazo o Brasil
apresentou um ndice que o aproxima mais do longo prazo, com pontuao de 65 no estudo de
Hofstede (2001) e 63 no de Barros (2003). Algumas caractersticas como importncia dos
relacionamentos e nvel elevado de adaptabilidade contriburam para elevar o ndice. A
persistncia, por no ser uma caracterstica forte no Brasil, no contribuiu na elevao do
ndice e o pas ficou abaixo de China (118) e Coria do Sul (75), por exemplo (BARROS,
2003).
Situaes como a inflao, que durante muito tempo exercia uma presso de curto
prazo no planejamento do povo brasileiro, no deixaram valores introjetados. Nos EUA,
orientado a curto prazo, o no cumprimento da metas trimestrais um fato muito grave. Um
outro ponto que refora a orientao de longo prazo dos brasileiros relaciona-se com o tempo
necessrio para estabelecimento de relaes sociais (BARROS, 2003).
32
Fazendo o corte por sexo, os homens apresentam maior tendncia viso de longo
prazo, especialmente no quesito austeridade. Os jovens at 29 anos e aqueles com mais de 50
tambm apresentam esta tendncia (BARROS, 2003).
No estudo de Hofstede esta dimenso no foi medida para vrios pases latinos. No
estudo de Barros (2003) possvel verificar que o Brasil , dentre os latinos americanos, um
dos que apresentaram maior ndice de orientao em longo prazo (63), ficando apenas atrs do
Chile (66) e frente de Argentina (56), Colmbia (41), Mxico (52), Paraguai (43) e Peru
(40).
2.3 TRAOS CULTURAIS BRASILEIROS
O estudo das caractersticas culturais brasileiras, com o objetivo do melhor
entendimento da gesto organizacional em nosso pas, tem sido tema de vrios pesquisadores.
Alcadipani e Crubellate (2003) analisaram artigos publicados entre 1990 e 2000 em vrios
peridicos da rea de administrao de empresas e constataram a realizao de vrios ensaios
que tratam da influncia de traos culturais tipicamente brasileiros nas organizaes.
Inicialmente, pretende-se entender o conceito de trao cultural para, posteriormente,
identificar alguns traos culturais brasileiros considerados relevantes para a rea de gesto de
empresas. A definio de trao, segundo o dicionrio Houaiss (2001) :
Qualidade de ser parecido, parecena, semelhana. Exemplo: Trao de famlia. Caracterstica determinante da essncia ou da natureza de um ser ou coisa, carter, qualidade. Exemplo: A perseverana era o trao marcante de sua personalidade. Aquilo que restou de algo que desapareceu ou se destruiu, vestgio, rastro, sinal. Exemplo: Descobriram-se ali traos de uma antiga civilizao. Trao cultural (antropologia): a menor unidade identificvel, material ou no, que distingue uma cultura. Exemplo: Artefato tpico, comportamento caracterstico (HOUAISS, 2001).
33
Dentre as alternativas apresentadas por Houaiss (2001) a que interessa a este trabalho
a que remete antropologia e define trao cultural como a menor unidade identificvel que
distingue uma cultura.
Dos autores que pesquisaram o tema Freitas (1997) define os traos brasileiros como
os pressupostos bsicos que cada indivduo usa para enxergar a si mesmo como brasileiro
(FREITAS, 1997, p. 39), definio que pode ser considerada adequada para o estudo a ser
desenvolvido.
No levantamento realizado, Alcadipani e Crubellate (2003) verificaram que os artigos
que versam sobre uma cultura organizacional brasileira apresentam diferenas em termos da
utilizao da metodologia e do foco de anlise mas, por outro lado, apresentam vrios pontos
em comum, como:
1. Praticamente todos os estudos so influenciados pela pesquisa realizada por Hofstede
(2001). As concluses desta pesquisa so aceitas, via de regra, sem contestao;
2. A maioria significativa dos trabalhos so ensaios tericos que procuram as razes dos
traos nacionais desde os primrdios do Brasil at a atualidade. A fundamentao dos
traos feita com base em autores consagrados como Gilberto Freyre, Srgio Buarque de
Holanda, Caio Prado Junior, Raymundo Faoro, Darcy Ribeiro e Roberto DaMatta, que o
autor mais citado em todos os estudos.
3. Os traos culturais so abrangentes e formadores de uma unidade chamada de cultura
brasileira ou seja, seriam vlidos para toda a populao brasileira. Os autores reconhecem
a heterogeneidade e a pluralidade da cultura nacional, mas a maioria acaba por
desconsider-las. Fala-se, nos artigos analisados, em traos que surgiram em determinado
contexto histrico e no teriam sofrido alteraes desde ento e que seriam vlidos para
todo o Brasil;
34
4. Muitos artigos realizam juzos de valor sobre os traos culturais que so apontados como
subdesenvolvidos e causadores de atraso (ALCADIPANI e CRUBELLATE, 2003).
2.3.1 Gilberto Freyre
Freyre (2004) considerado um dos autores mais importantes para o entendimento da
formao social do povo brasileiro. Ser considerado neste trabalho, ao lado de Holanda
(1995), Ribeiro (2006) e DaMatta (1978, 1984), como um dos autores chave para o
entendimento dos traos culturais brasileiros. Estes autores sero chamados aqui de ensastas.
A obra eleita para anlise sua primeira e mais famosa publicao, Casa Grande & Senzala,
datada de 1933. Dentre as obras que sero analisadas neste trabalho esta foi a primeira a ser
publicada e seguir-se- aqui a ordem cronolgica de publicao.
2.3.1.1 Contexto Cultural e Histrico do Surgimento de Casa Grande & Senzala
Santos e Madeira (1999) analisando a cultura brasileira, observam que as primeiras
dcadas do sculo XX foram muito ricas em termos culturais. Houve um acelerado processo
de modernizao caracterizado brevemente pela urbanizao, formao de um proletariado,
imigrao internacional, formao de um mercado interno consumidor, industrializao,
fundao de universidades e outras mudanas sociais e polticas significativas. O processo de
modernizao do pas gerou uma necessidade de reinterpretao das estruturas sociais e
polticas vigentes. O ps-guerra trouxe, especialmente entre a intelectualidade, uma
preocupao com o fortalecimento de uma identidade nacional autntica, com base na prpria
histria brasileira. Nas dcadas de 20 e 30, o intelectual se imbui da misso de organizar a
cultura brasileira. Com o movimento modernista o estudo da sociedade brasileira passou a ser
35
feito a partir da cultura e histria, critrios universalistas e racionais, em oposio s idias de
raa vigentes at ento. O deslocamento do conceito de raa para o de cultura um ponto
culminante no pensamento social brasileiro. Acreditava-se na poca que, para ingressar na
modernidade, os intelectuais deveriam encontrar a identidade brasileira, atualizando os traos
singulares da realidade nacional por meio de suas obras. nesse contexto que surge Casa
Grande & Senzala.
Freyre (2004), na viso de Santos e Madeira (1999), se distancia do positivismo e
evolucionismo, correntes hegemnicas no Brasil poca, e se aproxima do culturalismo
aderindo pesquisa emprica, baseada em dados e documentos de bibliotecas e arquivos. A
obra focada no modo de vida do Brasil Colnia nos sculos XVI e XVII. O autor defende
que os principais traos definidores da nao brasileira teriam surgido no Nordeste durante
este perodo. A postura adotada no neutra nem objetiva, j que o autor deixa transparecer,
no trabalho, seu lado de historiador, escritor, socilogo e psiclogo. Tambm adota o ponto de
vista de vrios personagens, alm do homem adulto branco, tambm do menino, da mulher,
do indgena, do negro, do afeminado e do escravo. O carter e a formao do brasileiro so
estudados a partir da rotina da casa grande em uma abordagem definida pelo prprio autor
como proustiana: o tempo perdido resgatado a partir da contemplao dos antepassados e da
vida domstica (SANTOS e MADEIRA, 1999).
2.3.1.2 Traos Culturais Brasileiros Destacados em Casa Grande & Senzala
As relaes entre as raas formadoras da sociedade brasileira foram condicionadas,
desde a primeira metade do sculo XVI, pela monocultura latifundiria, de um lado, e pela
escassez de mulheres brancas entre os conquistadores, de outro. Vencidos os ndios, no
sentido militar, e frente necessidade de importao de escravos negros da frica para o
36
trabalho, os Europeus tiveram que interagir com ndios e africanos quanto s relaes sociais
e genticas. A miscigenao foi, desse modo, a base da famlia brasileira. A relao do
colonizador branco com as mulheres de cor criou zonas de confraternizao entre vencedores
e vencidos e adoou as relaes entre as raas (FREYRE, 2004).
O centro econmico, social e poltico do sistema representado pela casa grande e
completado pela senzala. Nele esto representados os sistemas de produo (monocultura
latifundiria), de trabalho (escravo), religioso (catolicismo), de vida sexual e familiar
(patriarcalismo polgamo) e poltico (compadrismo) (FREYRE, 2004).
Os senhores rurais eram os verdadeiros donos do poder, pois o possuam, na prtica,
mais que os vice-reis ou bispos. Alm de donos das terras, verdadeiros feudos, tambm eram
donos dos homens e das mulheres sobre os quais possuam poder de vida e morte. Embora o
patriarca de Gilberto Freyre possa ter sido em certos aspectos um dspota domstico, ele
apresentado com simpatia. A cultura patriarcal e o carter agregador da casa grande so
mostrados de forma positiva pelo autor. Alguns costumes ilustram este carter como o hbito
de tocar um sino na hora das refeies para que os viajantes prximos venham se servir, sendo
que ningum que chegasse seria repelido da mesa. A arquitetura da casa grande que inclua
vrias puxadas ou seja, instalaes extras construdas para abrigar novos moradores, tambm
era um claro sintoma desta tendncia agregadora (FREYRE, 2004).
A relao entre os senhores rurais e os que estavam sua volta parece ter sido a
cobrana de obedincia e lealdade em troca de proteo. Pode-se argumentar que da resulta o
trao paternalista vigente at hoje nas relaes sociais, assim como a tendncia ao
autoritarismo e hierarquizao excessiva. No estudo de Hosfstede (2001), realizado em
1980, o Brasil aparece como um pas com uma clara tendncia ao coletivismo sendo que uma
das caractersticas das populaes coletivistas justamente a troca de lealdade por proteo
com os grupos aos quais pertencem. Outra tendncia apresentada pelo Brasil, neste mesmo
37
estudo, uma alta distncia do poder, ou seja, uma desigualdade muito grande nas relaes
entre lder e liderado. Neste contexto, segundo Barros (2003), o liderado, v como a chefia
ideal, o autocrata benevolente e as relaes entre lder e liderado esto, muitas vezes,
carregadas de emoo.
O trao autoritrio, resultante da relao entre senhores e escravos, expressou-se pela
anlise de Freyre (2004) devido ao sadismo dos dominadores e ao masoquismo dos
dominados, e verificou-se tambm nas relaes sexuais entre o conquistador branco e as
mulheres das raas submetidas a seu domnio. Alm da esfera privada e sexual este trao
tambm se estendeu ao campo social e pblico (FREYRE, 2004). No foram raros em nossa
histria recente os perodos de governos autoritrios e nem so poucas as pessoas saudosas
destes perodos, haja exemplo a ditadura militar vigente entre 1964 e 1985. Figuras polticas
autoritrias com ares de salvadores da ptria tem sustentado a tradio conservadora no Brasil
com discursos centrados no princpio de Autoridade ou na Defesa da Ordem. A afirmao de
que Entre estas duas msticas a da Ordem e a da Liberdade, a da Autoridade e a da
Democracia que vem se equilibrando entre ns a vida poltica (FREYRE, 2004, p. 114 e
115) continua vlida ainda no incio do sculo XXI.
A famlia, alm da casa e da personalidade, uma das dimenses sobre as quais se
assenta a obra. Esta escolha ocorreu por ser a famlia, na viso do autor, a primeira e nica
unidade social estvel no incio da colonizao brasileira. A estrutura social da Casa Grande
a de uma grande famlia formada por um patriarca, sua esposa oficial e suas mucamas. Filhos
legtimos e ilegtimos foram criados juntos com o mesmo carinho e ateno. Os mortos eram
enterrados em uma puxada das prprias casas e seus fantasmas continuavam fazendo parte da
vida familiar. A mo de ferro dos senhores de engenho ocorria em vrias situaes. Um caso
ilustrativo do poder e nvel de controle que estes homens exerciam ao seu redor o do
38
patriarca que manda matar seu prprio filho que havia se envolvido com sua mucama
predileta.
A arquitetura das casas tambm representava este imenso poderio feudal, j que eram
feias e fortes como que buscando a perpetuidade de seus donos. Nesta nsia por perpetuidade
um deles, ao trmino da obra, manda matar e enterrar dois negros em seus alicerces. Freyre
(2004) argumenta que, alm do leo de baleia, foi o sangue e suor dos negros a principal
matria prima destas construes.
Assim como os mortos continuavam fazendo parte da famlia tambm os santos eram
ntimos e havia total liberdade de tratamento. Nas cantigas a Senhora de SantAna nina as
crianas em seu colo, So Bento protege a casa das formigas e o Menino Jesus praticamente
engatinhava junto com as crianas da casa. A religio foi um dos elos unificadores das duas
culturas, um ponto de confraternizao entre senhores e negros. Segundo Santos e Madeira
(1999), o cristianismo no Brasil ficou reduzido a uma religio familiar, que supunha
intimidade com o poder divino e a penetrao de uma viso mgica na vida cotidiana.
No complexo formado pela Casa Grande e Senzala, em que no havia regras que no
pudessem ser mudadas a qualquer instante pelo patriarca percebe-se a necessidade de seus
integrantes em manter boas relaes com o poder, encarnado nesta figura. Pode-se observar
ainda hoje no dia-a-dia da sociedade brasileira, que o seu carter relacional bastante forte.
mais importante em algumas situaes conflitantes do cotidiano, como disputas de trnsito, o
relacionamento que os personagens tm com o poder do que as regras que deveriam valer para
a soluo do impasse. Uma das frases sacadas em situaes como esta Sabe com quem est
falando?, analisada em detalhes por DaMatta (1978). O poema Vou-me embora para
Pasrgada de Manuel Bandeira refere-se a esta caracterstica relacional quando menciona o
desejo do poeta de ser amigo do rei, o que permitiria possuir qualquer mulher com direito
escolha da cama. Pasrgada poderia ser qualquer um dos engenhos descritos na obra de Freyre
39
(2004) em que estar nas graas do patriarca era garantia de uma vida mais confortvel. So
indicadores de uma sociedade altamente relacional.
A fora do patriarcalismo e o carter auto-suficiente dos engenhos, retratados pelo
autor, geraram uma indistino entre ordem pblica e privada. O Estado, criado a partir das
Casas Grandes, reflete a privatizao do poder pelas famlias patriarcais. A ordem privada
estendeu-se para a ordem pblica. A formao histrica do pas mostra a legitimao
universal de regras criadas na esfera privada. Como conseqncia surge a dificuldade de
universalizao das regras jurdico-legais e o enfraquecimento das instituies intermedirias,
capazes de incentivar a organizao da sociedade civil (SANTOS e MADEIRA, 1999). Um
dos traos culturais resultantes desta caracterstica o famoso jeitinho brasileiro. Este trao
consiste numa interpretao da lei ou regra dependendo de quem est envolvido na situao
em que ela deveria ser aplicada. Entre o Sim e o No, o Pode e o No Pode, sempre existe um
Talvez ou um Pode Ser. Este trao est bastante relacionado a outro conhecido por
Malandragem e consiste em adequar o sistema jurdico, desenvolvido a partir da ordem
privada mencionada, realidade social (DAMATTA, 1984).
Na viso de Freyre (2004), o povo colonizador do Brasil desenvolveu na Amrica
Tropical uma colonizao escravocrata e hbrida de ndio e posteriormente de negro. De
formao portuguesa a primeira sociedade moderna constituda nos trpicos com
caractersticas nacionais e qualidades de permanncia (FREYRE, 2004, p. 73). As
caractersticas do Portugus, um povo que teve seu carter e instituies amolecidas pelo ar
quente e oleoso que vinha da frica, foram as grandes responsveis pelo sucesso da
colonizao. Freyre (2004) rechaa as idias que outro povo, como os sempre citados
ingleses, franceses ou holandeses, teriam obtido o mesmo xito. Casos de insucesso ingls na
tentativa de colonizao de pases, como as Bahamas, ou as tentativas infrutferas de
estabelecimento de colnias francesas exclusivamente brancas no litoral Brasileiro no sculo
40
XVI, so citados como exemplos. No Portugus, a unio da mobilidade, adaptabilidade tanto
fsica quanto social e especialmente a miscibilidade foram fatores chaves para seu
estabelecimento.
Muitos dos antagonismos sobre os quais est equilibrada a sociedade brasileira j
estavam presentes em seus colonizadores: a mistura das culturas catlica e maometana,
europia e africana alm de sua flexibilidade, indeciso e o equilbrio ou desarmonia deles
resultantes. O autor defende que, sem a influncia moura que o portugus j trouxe em sua
formao, teria fracassado nos tpicos. A escravido a que foram submetidos os mouros em
Portugal, aps a vitria crist, determinou a predisposio deste povo para a colonizao
agrria, patriarcal e polgama da Amrica tropical. So citados alguns traos da influncia
moura no carter e cultura portugueses. Sua nobreza era quase to mesclada de raa como a
plebe e a mobilidade social de famlias e indivduos eram constantes em uma relao de causa
e efeito com seu carter plstico e inquieto. Em sua anlise do aspecto social da colonizao
brasileira Freyre destaca que nenhum antecedente social mais importante a considerar no
colonizador portugus que a sua extraordinria riqueza e variedade de antagonismos tnicos e
de cultura; que o seu cosmopolitismo (FREYRE, 2004, p. 276)
A grande contribuio de Casa Grande & Senzala foi mostrar a mestiagem brasileira,
resultante da miscigenao do colonizador portugus com as mulheres de cor como algo
positivo. Casa Grande & Senzala foi o divisor de guas entre um Brasil ressentido de sua
negritude e um Brasil orgulhoso de sua mestiagem.
Com os bandeirantes o Brasil autocolonizou-se e estendeu, em muito, seu territrio
porm no houve, no primeiro momento, a colonizao em densidade e profundidade de todas
as terras conquistadas. O unionismo, uma das foras sociais da histria brasileira deveu-se a
vrios fatores. Um deles foi o sistema uniforme de educao aplicado pelos jesutas com a
disseminao da lngua geral. Outro foi o fato dos portugueses no terem trazido para o
41
Brasil nem separatismos polticos, como os Espanhis, nem divergncias religiosas como os
franceses. O mais importante elemento unificador foi a ausncia do orgulho de raa entre os
portugueses que consideravam como seus iguais aqueles que professassem religio igual
sua. Essa solidariedade religiosa reuniu os brasileiros contra os calvinistas franceses, os
reformados holandeses e os protestantes ingleses. O Catolicismo foi, neste sentido, o
verdadeiro cimento da nossa unidade (FREYRE, 2004, p. 92). Como resultado disso, ainda
hoje o Brasil tido como o maior pas catlico do mundo e a religiosidade ocupa lugar central
na vida da populao.
Conclui-se, por fim, que a sociedade resultante do processo de colonizao baseia-se
no equilbrio de antagonismos. Antagonismos entre a cultura Europia e a Indgena, entre a
Europia e a Africana, entre o catlico e o herege, entre o grande proprietrio e o destitudo de
posses. Mas sobre todos os antagonismos predomina o principal e mais profundo: o existente
entre o senhor e o escravo. E como amortecedores e, em certos casos, harmonizadores desta
situao: a miscigenao, o cristianismo lrico portuguesa, a tolerncia moral, a unidade
brasileira e a reciprocidade cultural entre as vrias regies do pas. (FREYRE, 2004).
Observa-se que, passados mais de 70 anos de seu surgimento, as concluses de Casa Grande
& Senzala continuam vlidas. A desigualdade social no diminuiu significativamente neste
perodo e o abismo econmico entre as classes sociais continua bastante alto.
2.3.2 Sergio Buarque de Holanda
2.3.2.1 Contexto Cultural e Histrico do Surgimento de Razes do Brasil
Escrito trs anos aps Casa Grande & Senzala, o livro Razes do Brasil surge ainda no
contexto do modernismo, seguindo a mesma proposta de explicar o pas visando o
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entendimento de caractersticas e problemas da sociedade. A obra foi concebida e escrita de
maneira totalmente diversa pois se trata de livro curto e discreto. Enquanto Freyre (2004)
aborda a formao da sociedade de modo romanceado mostrando a mistura de raas de forma
bastante idlica, Holanda (1995) dialoga com as foras polticas de seu tempo (o integralismo
direita e o socialismo/comunismo esquerda), oferecendo o entendimento das tenses do
momento com base no entendimento do passado. A anlise baseada na psicologia e histria
social (CANDIDO, 1995).
Sergio Buarque de Holanda nasceu na cidade de So Paulo em 1902, e diplomou-se
em Direito no Rio de janeiro. Exerceu as profisses de crtico literrio e jornalista e, como tal,
foi correspondente na Alemanha, enviado pelo famoso magnata da imprensa Assis
Chateubriand. Freqentou aulas na Universidade de Berlim e esteve em contato com a
historiografia daquele pas por meio das aulas de histria de Friedrich Meinecke. Ao retornar
para o Brasil trazia na bagagem um caderno de notas que pode ser avaliado como um
rascunho de Razes do Brasil. (PEREIRA, 2002).
A herana portuguesa mais uma vez abordada, mas desta vez com um olhar
imparcial. Novamente destacada a adaptabilidade dos portugueses aos trpicos e a
importncia de seu carter aventureiro no sucesso da colonizao e na diversidade brasileira.
A obra no evita discutir alguns aspectos tidos como negativos. A to polmica cordialidade
do brasileiro no acataria regras gerais e impessoais, importantes para o desenvolvimento
capitalista. Nas relaes sociais valem critrios subjetivos, de simpatia e antipatia. As relaes
so balizadas pelo crivo pessoal e familiar.
O homem cordial, tema do quinto e mais famoso captulo da obra, tem sua definio
relacionada ao corao no sentido de trazer um fundo emotivo rico e transbordante. A
cordialidade, no caso, no necessariamente relacionada a algo positivo ou tico. Da o
equvoco de Cassiano Ricardo, crtico literrio, simpatizante do Integralismo e censor do
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Governo Vargas, surgido na polmica entre ele e Srgio Buarque por meio da publicao de
artigo na Revista Colgio. No artigo Cassiano sugeria a substituio do termo cordialidade
por bondade e defendia que esta era uma das caractersticas inerentes ao brasileiro (HLIO,
2002).
2.3.2.2 Traos Culturais Brasileiros Destacados em Razes do Brasil
A influncia do colonizador Portugus na formao cultural do Brasil maior para
Holanda (1995) do que para Freyre (2004). Em um dos vrios dilogos com os Integralistas,
que pontuam a obra, ele diz:
Nem o contato e a mistura com raas indgenas ou adventcias fizeram-nos to diferentes de dos nossos avs de alm-mar como s vezes gostaramos de s-lo. No caso brasileiro, a verdade, por menos sedutora que possa parecer a alguns de nossos patriotas, que ainda nos associa pennsula Ibrica, a Portugal especialmente, uma tradio longa e viva, bastante viva para nutrir, at hoje, uma alma comum a despeito de tudo quanto nos separa. Podemos dizer que de l veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi matria que se sujeitou bem ou mal a essa forma. (HOLANDA, 1995, p. 40).
As caractersticas destacadas de Portugal so semelhantes quelas citadas por Freyre
(2004). Na viso de Holanda (1995), nao pouco europeizada, pois se trata de zona
fronteiria, de transio, por meio da qual a Europa se comunica com outros mundos. A
nobreza lusitana nunca foi rigorosa ou impermevel, havendo pouca separao entre as
classes sociais. Seria uma terra em que todos so, ou supem ser, fidalgos o que resulta em
frouxido no acordo coletivo e formas de organizao. Em terra onde todos so bares no
possvel acordo coletivo durvel, a no ser por uma fora exterior respeitvel e temida
(HOLANDA, 1995, p. 32). O culto ao trabalho tambm gera repulsa nos povos ibricos que
seriam autocentrados (prezam a inteireza, o ser, a gravidade, o termo honrado, o proceder
sisudo). O trabalho manual e mecnico nada acrescenta sua glria e no aumenta sua
dignidade pois pretende conseguir a melhoria de uma obra distinta ao homem e que no ,
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portanto, exigida por Deus. Uma digna ociosidade sempre pareceu mais excelente, e at mais
nobiliante, a um bom portugus, ou a um espanhol, do que a luta insana pelo po de cada dia.
(HOLANDA, 1995, p. 38).
O esprito aventureiro do portugus tratado como o elemento orquestrador por
excelncia de nossa vida nacional e responsvel pelo sucesso da colonizao pois
favorecendo a mobilidade social, estimulou os homens, alm disso, a enfrentar com denodo
as asperezas ou resistncias da natureza e criou-lhes as condies adequadas a tal empresa.
(HOLANDA, 1995, p. 46). O aventureiro o contraponto da figura do trabalhador. aquele
cujo ideal colher o fruto sem plantar a rvore, tipo humano que ignora fronteiras e vive
dos espaos ilimitados, dos projetos vastos e dos horizontes distantes. O trabalhador enxerga
primeiro a dificuldade a vencer e no a recompensa. adepto do esforo e persistncia. A
diferena entre as ticas do aventureiro e do trabalhador est descrita a seguir.
Existe uma tica do trabalho, como existe uma tica da aventura. Assim, o indivduo do tipo trabalhador s atribuir valor moral positivo s aes que sente nimo de praticar e, inversamente, ter por imorais e detestveis as qualidades prprias do aventureiro audcia, imprevidncia, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem tudo enfim quanto se relacione com a concepo espaosa do mundo, caracterstica deste tipo. (HOLANDA, 1995, p. 46).
Ao mesmo tempo que enaltecem as energias e esforos que se dirigem a uma
recompensa imediata, os aventureiros desprezam as energias que visam estabilidade, paz,
segurana pessoal e os esforos sem perspectiva de rpido proveito material. Nada lhes
parece mais estpido e mesquinho do que o modo de vida do trabalhador.
Holanda (1995) pontua que o portugus veio ao Brasil em busca de riqueza e estava
disposto a certa ousadia para isso, mas no ao trabalho manual. A lavoura desenvolveu-se,
alm do brao escravo, custa de terras fartas para gastar e arruinar. A regra era extrair do
solo excessivos benefcios sem grandes sacrifcios.
A ausncia do orgulho de raa entre os portugueses, como mais uma face de sua
plasticidade, tambm citada como fator importante para a colonizao. A mistura com gente
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de cor j veio da metrpole por meio dos negros trazidos das possesses ultramarinas. No
Brasil esta mistura tornava a distncia entre o dominador e a massa de trabalhadores de cor
menor e a influncia do escravo penetrava sinuosamente no recinto domstico agindo como
dissolvente de qualquer idia de separao de castas ou raas e de qualquer disciplina fundada
em tal separao (HOLANDA, 1995, pg. 44) diferente, portanto, da viso de Freyre (2004).
O carter personalista de nossa sociedade seria proveniente de uma suavidade dengosa e
aucarada que invade, desde cedo, todas as esferas da vida colonial (HOLANDA, 1995, pg.
60). Esta concluso menos romanceada em Razes do Brasil se comparada com Casa Grande
& Senzala. Na viso Holanda (1995) de o carter afetivo, irracional e passional do brasileiro
levaria a uma estagnao ou antes uma atrofia correspondente das qualidades
ordenadoras, disciplinadoras necessrias a uma populao para se organizar politicamente.
O carter personalista de nossa sociedade, baseado em relaes afetivas, aparece
politicamente em vrios momentos histricos. Na ditadura do Estado Novo, iniciada um ano
aps a publicao de Razes do Brasil, Getlio Vargas ficou conhecido como o pai dos pobres
por vrias de suas medidas de cunho paternalista. Vale citar outros polticos que fizeram
carreira baseados principalmente em seu carisma e que pairavam, de certo modo, acima dos
partidos que usaram para se eleger. Neste grupo esto, entre outros, Jnio Quadros, Ademar
de Barros, Leonel Brizola e Fernando Collor.
Segundo Holanda (1995) o insucesso de outros povos que tambm tentaram a
colonizao baseou-se no seu empenho em fazer do pas uma extenso da ptria me. Caso
dos holandeses e franceses que pretendiam manter sua distino frente ao novo mundo que
desejavam povoar. O portugus ao contrrio entrou em contato ntimo com a populao de
cor. Americanizava-se ou africanizava-se conforme fosse preciso. Tornava-se negro,
segundo expresso consagrada da costa da frica (HOLANDA, 1995, p. 64). O catolicismo
de carter mais universalista, ou menos exclusivista que as religies protestantes, tambm
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creditado como fator de sucesso para fortalecimento das relaes entre os portugueses e os
ndios e negros.
A hierarquia e a concentrao de poder tambm so analisadas no captulo que trata da
herana rural. No melhor estilo de Freyre (2004), Holanda (1995) conta a histria de Bernardo
Vieira de Melo que condena a nora, suspeita de adultrio, morte em um conselho familiar e
executa a sentena sem ser importunado pela justia. A famlia colonial seria, como ilustrado
pelo exemplo, o setor onde o poder do patriarca inquestionvel e forneceu a idia mais
difundida de poder, obedincia e coeso social. O resultado era predominarem, em toda a
vida social, sentimentos prprios comunidade domstica, naturalmente particularista e
antipoltica, uma invaso do pblico pelo privado, do Estado pela famlia. (HOLANDA,
1995, p. 82). Com a ascenso dos centros urbanos e declnio da lavoura, precipitados pela
vinda da famlia Real, outras posies sociais ganharam destaque na vida brasileira. Como os
senhores de engenho ainda eram as principais lideranas do pas ocuparam naturalmente estas
posies e trouxeram sua mentalidade para as cidades.
Um dos pontos especialmente interessantes do texto trata da forma de negociar entre
os povos de estirpe ibrica. A negociao exigiria uma boa dose de racionalizao e
despersonalizao dos agentes que a executam. No entanto um dos traos dos povos ibricos
tem sido justamente a constante repulsa a todas as modalidades de racionalizao e
despersonalizao. Negociantes estrangeiros perceberam que para obter boas vantagens com
seus fregueses Brasileiros e Argentinos necessrio antes se tornar amigo deles. Uma
distino dos portugueses e espanhis frente aos demais povos
(...) certa incapacidade, que se diria congnita, de fazer prevalecer qualquer forma de ordenao impessoal e mecnica sobre as relaes de carter orgnico e comunal, como o so as que se fundam no parentesco, na vizinhana e na amizade. (HOLANDA, 1995, p. 137).
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O captulo mais famoso da obra, gerador de maiores discusses e polmicas , sem
dvida, o que trata do homem cordial. Como j mencionado anteriormente, o termo no deve
ser confundido com juzo tico ou com as intenes apologticas de Cassiano Ricardo quando
sugere substituir o termo cordial por bom. Tanto a amizade como a inimizade podem ser
cordiais, j que ambas nascem do corao, procedendo da esfera do ntimo, familiar e privado
(HOLANDA, 1995).
Alguns traos decorrentes da cordi
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