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5/26/2018 Aprender Pela Arte a Arte de Narrar
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES
VIVIAN MUNHOZ ROCHA
Aprender pela arte a arte de narrar: educao esttica e
artstica na formao de contadores de histrias
SO PAULO
2010
5/26/2018 Aprender Pela Arte a Arte de Narrar
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VIVIAN MUNHOZ ROCHA
Aprender pela arte a arte de narrar: educao esttica e
artstica na formao de contadores de histrias
Tese apresentada Escola deComunicaes e Artes da Universidade deSo Paulo para obteno do ttulo deDoutora em Artes.
rea de Concentrao: Artes VisuaisLinha de Pesquisa: Teoria, Ensino eAprendizagem.
Orientadora: Prof. Dra. Regina Machado
SO PAULO2010
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho,
por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e
pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogao na Publicao
Servio de Biblioteca e Documentao
Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo
Rocha, Vivian Munhoz.Aprender pela arte a arte de narrar: educao esttica e artstica naformao de contadores de histrias / Vivian Munhoz Rocha;orientadora Regina Machado. -- So Paulo, 2010.343 p.
Tese (Doutorado) Programa de Ps-Graduao em Artes. rea deConcentrao: Artes Visuais. Linha de Pesquisa: Teoria, Ensino eAprendizagem.
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ROCHA, V. M.Aprender pela arte a arte de narrar: educaoesttica e artstica na formao de contadores de histrias.Teseapresentada Escola de Comunicaes e Artes da Universidade deSo Paulo para obteno do ttulo de Doutora em Artes.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. _______________________________________________________
Instituio: ________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. _______________________________________________________
Instituio: ________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. _______________________________________________________
Instituio: ________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. _______________________________________________________
Instituio: ________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. _______________________________________________________
Instituio: ________________________ Assinatura: ___________________
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A todos aqueles que inventam, reinvenatam e encantam o
mundo pela palavra potica...
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AGRADECIMENTOS
Finalmente conclui uma histria que comeou h alguns anos atrs quando, seduzida pelo
poder da palavra, decidi investigar a aprendizagem da arte dos contadores de histrias.
Como uma menina ingnua dos contos tradicionais, empreendi uma busca, porque a arte
necessita de conhecimento, de sensibilidade e de experincia para ser compreendida. E isso
eu no tinha, pelo menos no na medida certa. De meu, s tinha o desejo e a disposio.
Mas no no desejo que as coisas primeiro existem, antes de se tornarem realidade?
Neste percurso, que se tornou uma trajetria de desenvolvimento, segui impulsionada pelafigura de meu pai que, sem saber, me ensinou a apreciar o universo da cultura tradicional
presente nas histrias, nos cordis, nos versos e ditados populares.
Como no verdadeiro conto tradicional, assim que sa da casa paterna, encontrei logo de
incio, a figura da sbia, da madrinha aquela que nos contos orienta, acompanha, aponta
o caminho, acolhe, oferece o objeto mgico, que cria a situao certa para a aprendizagem
daquela que se inicia... Regina Machado para mim essa madrinha. A ela minha mais
profunda gratido, respeito e afeto, primeiramente por ter me aberto as portas da sua casa eas portas do Pao do Baob e, atravs destes espaos, as portas do conhecimento, da
generosidade e da amorosidade que somente a verdadeira relao de mestre e aprendiz tem,
acordando em mim os recursos de que necessitava para seguir minha jornada.
Reconheo que sem ela muito pouco poderia ter feito, assim como as histrias que nada
so sem que algum as conte.
Pelas mos dela encontrei a generosidade de muitos contadores de histrias que,
compartilharam comigo, aquilo que tinham de mais precioso: a arte da palavra. Seusdepoimentos e, mais ainda, o exemplo vivo de sua arte foram fundamentais para a
compreenso da arte de contar histrias. A Agla Dvila, Lenice Gomes, Gislayne
Avelar Matos, Madalena Monteiro, Stela Barbieri, Liliana Cinetto, Chico dos
Bonecos, Cristiane Velascoe Viviane Coentro, o meu mais delicado agradecimento.
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Nesta trajetria, a histria me colocou ao lado de artistas muito especiais. Pessoas com as
quais partilho o prazer de conviver e de aprender por meio da linguagem universal do
brincar, da msica e da dana. A Estvo Marques, a Leandro Medina, a Lydia Hortlio
e aos professores-artistas do Teatro Brincante, tambm a minha gratido e o meu carinho.
O fio da histria quando se desenrola muitas vezes leva para lugares distantes. Ento,
agradeo o acolhimento carinhoso de Gilka Girardello, em Santa Catarina; de Vanusa
Mascarenha Santos, de Betty Coelho e principalmente de Doralice Alcoforado, na
Bahia, que infelizmente no poder ler este agradecimento, mas que de onde estiver recebe
esta lembrana. Tambm agradeo dona Carlota Couto Faria, contadora tradicional, que
carinhosamente me recebeu em sua casa, em Salvador, e me contou na ocasio muitas
narrativas de sua infncia.
Outras pessoas so parte desta histria: Srgio de Azevedo, Llian Soarez, Osvaldo
Pinheiro, Kleber Brianez, Rita Cavassana, Clia Luca, Paulo Arcuri, Maria Carolina
Gaiotto, amigos queridos do grupo 3D de Teatro. A eles agradeo a disposio para ouvir
e experimentar de, corpo e alma, os saberes que vinha construindo, como verdadeiros
espelhos refletiram aquilo que eu j sabia e aquilo que ainda precisava saber.
So parte da histria: Fabiana Rubira, Fernanda Ribeiroe Mariana Fagundes, amigase companheiras da nossa querida Cia do Baob, espao de aprender, criar e sonhar a arte
narrativa. Agradeo, em especial, a Fabi pela reviso final do texto.
A histria vai se desenhando com a contribuio de muitos olhares, advindos de mltiplas
reas do conhecimento: aos professores da Escola de Comunicaes e Artes da USP e s
professoras Herclia Tavares Mirandae Dulclia Buitonimuito obrigada.
Quando se atravessa as florestas e os bosques das histrias tradicionais, h muitas vozes,espritos e foras que no aparecem diretamente, mas que esto l, assistindo, orando,
protegendo, facilitando, acompanhando... Minha famlia e meus amigos representam esta
fora, a eles tambm minha gratido. Em especial, ao meu pai Gezioe aos meus cunhados
Ana Paulae Mrcio.
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E, assim, termino a histria... Transformada pela arte, chego ao fim e me preparo para
novo comeo. No sou a mesma que empreendeu a jornada no incio da histria. Agora sou
outra. Daquilo que sou fazem parte as experincias que vivi, as leituras que fiz e as
pessoas que conheci. Alimentada pelo exemplo, pelas vozes, pelos gestos, pelas imagens e
sensaes de tantos encontros, no sigo sozinha. Gestando pensamentos, experincias,
leituras e imagens, me sinto agora parte de uma famlia de artistas da palavra, uma fora
ancestral me impulsiona e me indica o caminho. A partir desta histria, o contato com a
arte nunca mais deixar de ser parte fundamental da minha experincia de existir...
E como ensina o conto tradicional, tambm viva a Deus e a ningum mais! Que quando
Deus no quer, ningum nada faz...
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Um homem conta suas histrias tantas vezes que se
mistura a elas e elas sobrevivem a ele.
Peixe Grande e suas histrias maravilhosas,filme de Tim Burton.
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RESUMO
ROCHA, V. M. Aprender pela arte a arte de narrar: educao esttica e artstica naformao de contadores de histrias. 2010. 328p. Tese (Doutorado) Escola deComunicaes e Artes, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.
Ao defender a hiptese de que os contedos do ensino e aprendizagem da arte podemcontribuir para a formao de contadores de histrias contemporneos, a presente pesquisafocaliza o universo do contador de histrias tradicional e os possveis modos como eleaprende sua arte no seu contexto cultural, para observar transformaes que levam situao atual da arte de contar histrias, que algumas vezes se caracteriza como espetculovisando atender s necessidades do mercado cultural contemporneo. O tema investigadopor meio da pesquisa qualitativa que se assemelha ao tipo participante e compreende
anlise bibliogrfica, pesquisa de campo e relato de experincia. Foram realizadasentrevistas com contadores de histrias urbanos com o objetivo de investigar seuspercursos de formao e modos de aprendizagem e feita observao em campo decontadores de histrias em atuao e de projetos de pesquisa e formao de narradores. Otexto prope que aprender a arte narrativa, por meio da experincia esttica e da educaoartstica, implica potencializar a ao transformadora que ocorre quando se aprende artecom arte. A aprendizagem compreendida como uma construo progressiva do contadorde histria, alimentada por situaes de produo, leitura e reflexo sobre a arte narrativade acordo com a Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa. A educao artstica e estticafavorece o desenvolvimento de recursos necessrios a servio da arte da narrao e acapacidade de incorporar elementos de outras linguagens artsticas, o que promove umaqualidade artstica que possa ser verdadeiramente chamada de arte, a arte de contar
histrias.
Palavras-chave: Arte, aprendizagem, esttica, narradores, narrao de histrias.
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ABSTRACT
ROCHA, V. M. Learning through art the narrating art: aesthetic and artisticeducation into the formation of story tellers.2010. 328 p. Tese (Doutorado) Escola deComunicaes e Artes, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.
Defending the hypothesis that the contents of the teaching and the learning art cancontribute to the formation of contemporary stories tellers, this research it focuses theuniverse of traditional stories tellers and the possible ways that they learn their art insidetheir cultural context, in order to observe transformations that take the current situation ofthe stories teller art, which it is sometimes characterized as an entertainment to attend theneeds of the contemporary cultural market. The subject is investigated through thequalitative research and considers bibliographical analysis, field research and experience
report. It was accomplished interviews with urban stories tellers with the objective ofinvestigating their formation courses and ways of learning. Also, it was made fieldobservation of stories tellers in action, research projects and narrators' formation. The textproposes that learning the narrative art through the aesthetic experience and the artisticeducation it ends up enlarging the transforming action that happens when to learn art withart. The learning is understood as a progressive construction of the story teller, fed bysituations of production, reading and reflection about the narrative art in agreement withthe Triangular Proposal from Ana Mae Barbosa. The artistic and aesthetic educationpromotes the development of necessary resources to attend the narration art and thecapacity of incorporating elements of other artistic languages, what promotes an artisticquality that can truly be called art; the art of telling stories.
Key Words: art, learning, aesthetic, narrators, narration of stories.
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LISTA DE FOTOS
FOTO 1 Igrejinha onde ocorre a Roda de Histrias, em Florianpolis 29
FOTO 2 Roda de Histrias, coordenada pela Prof. Gilka Girardello 29
FOTO 3 Elemento cnico utilizado em espetculo de narrao de histrias, pela
Cia do Baob 199
FOTO 4 Elemento cnico utilizado em espetculo de narrao de histrias, pela
Cia do Baob 199
FOTO 5 Madalena Monteiro e Urga Mara Cardoso utilizando o guarda-chuva dehistrias 201
FOTO 6 Andrea Cavinato utilizando tecido a servio da narrao 203
FOTO 7 Urga Mara Cardoso e Andi Rubistein manipulando tecido-personagem 203
FOTO 8 Chico dos Bonecos manipulando boneco feito de cabaa 206
FOTO 9 Boneco do espetculo O Crculo de Salomo 207
FOTO 10 Msicos do Grupo P de Maravilha 210FOTO 11 Andrea Cavinato e Vivian Munhoz utilizando a dana como
elemento de passagem entre as histrias 221
FOTO 12 Personagem Nenzinha, de Madalena Monteiro 224
FOTO 13 Grupo 3D de Teatro realizando exerccios de estudo do conto 230
FOTO 14 Grupo 3D de Teatro realizando exerccios de estudo do conto 230
FOTO 15 Grupo 3D de Teatro realizando exerccios de estudo do conto 230
FOTO 16 Processo de criao do espetculo teatral Hugo, os imaginrios e a
cidade do medo 230
FOTO 17 Processo de criao do espetculo teatral Hugo, os imaginrios e a
cidade do medo 230
FOTO 18 Processo de criao de personagem, pelo de teatro Grupo 3D 231
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FOTO 19 Processo de criao de personagem, pelo de teatro Grupo 3D 231
FOTO 20 Processo de criao de personagem, pelo de teatro Grupo 3D 231
FOTO 21 Kleber Brianez e Paulo Arcuri pesquisando objetos para narrao 232
FOTO 22 Kleber Brianez e Paulo Arcuri pesquisando objetos para narrao 232
FOTO 23 Utilizao de objetos e bonecos no espetculo teatral
Hugo, os imaginrios e a cidade do medo 232
FOTO 24 Utilizao de objetos e bonecos no espetculo teatral
Hugo, os imaginrios e a cidade do medo 232
FOTO 25 Carolina Gaiotto contando histria 233
FOTO 26 Crianas ouvindo a narrao de Paulo Arcuri 233
FOTO 27 Paulo Arcuri contando histria 233
FOTO 28 Lilian Soares contando histria 234
FOTO 29 Rita Cavassana contando histria 234
FOTO 30 Sergio de Azevedo contando histria 234
FOTO 31 Espetculo teatral Hugo, os imaginrios e a cidade do medo 236
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SUMRIO
INTRODUO 151 METODOLOGIA 23
1.1Pesquisa bibliogrfica 251.2Pesquisa de campo 281.3Relato de Experincia 42
PARTE A OS ARTISTAS DA PALAVRA 44
2 CONTAR HISTRIAS UMA ARTE 453 CONVERSAS AO P DO FOGO 54
3.1 Contadores tradicionais no Brasil 68
3.2 A funo perene do contador tradicional 82
3.3 Os contadores tradicionais na contemporaneidade 89
4 A REINVENO DA VOZ POTICA 102
4.1 A funo do contador de histrias na sociedade urbana 110
4.2A arte de narrar se transforma na performance do contador urbano 114
4.3 A aprendizagem da arte narrativa dos contadores urbanos 119
PARTE B - A APRENDIZAGEM DA ARTE DE CONTAR HISTRIAS 141
5 MAS, ARTE SE APRENDE? 142
5.1 A Proposta Triangular do Ensino da Arte 144
5.1.1 O fazer artstico do contador de histrias 145
5.1.2 A apreciao artstica e o contador de histrias 146
5.1.3 Histria e reflexo na arte do contador de histrias 148
5.2 Aprendizagem significativa na arte de contar histrias 150
6 CONTAR HISTRIAS: QUESTO DE TCNICA? 154
6.1 A proposta de Malba Tahan 155
6.2 A proposta de Betty Coelho 172
6.3 Outros autores e a questo: tcnica ou arte? 185
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7 LINGUAGENS ARTSTICAS DIALOGAM COM A ARTE NARRATIVA 195
7.1 As artes visuais 197
7.2 A msica 209
7.3 A dana 219
7.4 O teatro 222
7.5 A literatura tradicional 237
8 UMA EXPERINCIA DE ENSINAR A CONTAR HISTRIA POR MEIO
DA PRTICA ARTSTICA 242
8.1 Anlise do conto Timo metfora do percurso de aprendizagem do contador de histrias 260
8.2 Anlise da Trilogia Sabenas razes da alma brasileira do Grupo P de Palavra 271
9 A APRENDIZAGEM DA ARTE DE CONTAR HISTRIAS:
EDUCAO ESTTICA E ARTSTICA 3029.1 Afinal, o que qualidade artstica? 304
9.2 Experincia esttica na aprendizagem do narrador e na leitura do seu pblico 309
9.3 Nveis de desenvolvimento esttico do contador de histrias 315
9.4 A educao esttica e artstica como parte da formao do contador de histrias 319
CONSIDERAES FINAIS 325
REFERNCIAS 337
ANEXOS EM CD
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INTRODUO
minha infncia foi povoada de muitas histrias. s fechar os olhos e
rememoro muitas vozes. A da minha av, contando as histrias que aconteciam na roa
(era assim que ela chamava Catanduva)... Histrias de lobisomem, de rapazes bocs e de
moas espertas. No seu repertrio no havia nenhuma de princesa, no.
Havia tambm as vozes jovens da minha me e da minha tia e o que elas contavam,
ou melhor, liam, era do repertrio Disney. S uma no era do livro, a minha tia a contava
de memria era a sua preferida O Soldadinho de Chumbo, e eu sonhava com o
coraozinho de vidro da bailarina. S depois, descobri que era uma histria de Hans
Christian Andersen...
Lembro ainda da voz rouca do meu pai contando histrias maravilhosas. Estas sim,
contadas de boca, com princesas, bichos do mato, assombrao e cachorros mgicos.
Verdadeiros tesouros da tradio oral de Minas Gerais. Eu cansava de procurar estas
histrias nos livros de casa e da escola, no achava nunca!
Rememoro at a minha prpria voz de menina, recontando as histrias para meusprimos e para crianas que eu nem conhecia. Minha tia costumava gravar a minha voz para
levar instituio de crianas especiais, onde ela trabalhava. Ela dizia que elas adoravam
escutar e at aprendiam as histrias.
Estas histrias semearam minha infncia e brotaram. Por causa delas, no ano 2000,
iniciei o Mestrado na Faculdade de Educao da USP para estudar os contos de fadas.
Diante de todos aqueles que menosprezavam estas narrativas como sendo coisas tolas do
passado. Sentia-me desafiada a defend-las como verdadeiras joias da tradio oral, que
deveriam ser contadas e recontadas por diferentes motivos na educao de crianas.
Mas naquela poca, eu ainda no podia imaginar o quanto era fecundo o mundo
mgico das narrativas. Fiquei encantada com as anlises psicanalticas e junguianas das
histrias sem saber, at ento, que uma histria contm muito mais do que aspectos
psicolgicos. Mais tarde, descobri que h contos que possuem camadas de significao, um
verdadeiro mapa que, decifrado, ajuda a alcanar conhecimento. No o conhecimento de
A
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coisas banais, mas conhecimentos superiores, que nos transformam, tornando-nos mais
sbios.
Quando comecei a estudar os contos de fadas me vi obrigada a aprender a cont-
los. Foi ento, que revivi o papel da narradora da minha infncia, tendo que contar ashistrias para uma turma de alunos do 2 ano do Ensino Fundamental, da qual eu era a
professora. J havia tido outras turmas antes; mas, assim como as outras professoras da
escola, eu no contava as histrias, eu sempre as lia e mostrava as imagens dos livros.
A minha prtica estava recheada de livros, cds e disquinhos de histrias; mas, na
minha memria, em algum lugar, estava escondido o prazer de ouvir uma histria bem
contada. E foi graas a esta busca, que redescobri este prazer e foi o que fez com que meu
pai redescobrisse tambm o prazer de contar. Ele recuperou a qualidade genuna de
contador que ele sempre teve, mas que havia quase perdido, porque ele j no contava mais
suas histrias, afinal ningum as queria escutar, mudavam de assunto ou ligavam a
televiso quando ele insistia.
Comecei a assistir a apresentaes de contadores; entretanto, eu nem sabia que isso
existia porque contar era algo muito caseiro na minha experincia de ouvinte. Eu ainda no
havia sido apresentada aos contadores profissionais. Foi, ento, que um novo horizonte se
descortinou.
O que mais me encantava nessas apresentaes era, primeiramente, o fato de ashistrias serem para mim inditas; assim, este era sempre um encontro fresco, uma
surpresa, um maravilhamento. Lembro-me do quanto foi delicioso ouvir a histria das
Longas Colheres, na voz de Stela Barbieri (a primeira narradora urbana que assisti).
Tinha uma musicalidade, um ritmo, algo que hoje eu sei que se chama cadncia. Era
apenas algum narrando numa sala de aula comum, mas tinha at gosto de bolo de fub
com caf, misturado com cheiro de terra molhada...
Assistindo a grupos de contadores de histrias, entre eles o P de Palavra grupo
de narradores e msicos que atuava na cidade de So Paulo experimentei o encantamento
de ver reunidas as manifestaes da cultura tradicional que eu j admirava: as quadrinhas,
as cantigas, as danas e seus ritmos. Nas apresentaes deste grupo, esses elementos se
entrelaavam, formando tessituras, e se harmonizavam. Eles se mesclavam s histrias de
uma maneira peculiar e inventiva, desafiando percepo, acordando sensaes. Nesses
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espetculos, a alma humana pulsava de um jeito especial que me fazia ter saudades de
coisas que eu nem tinha vivido.
Desde o incio, ficou muito claro que eu estava tendo acesso a uma produo
artstica. Nunca achei que era fcil o que eles estavam fazendo e sempre suspeitei de quedevesse haver um caminho de aprendizagem que os tornavam capazes de fazer o que
faziam, com aquela qualidade.
E, como boa viajante, eu comecei a perguntar: qual o caminho? Como se chega
numa produo de qualidade?
Ento, uma das primeiras observaes que pude fazer, foi perceber que havia dois
tipos de contadores. Aquele, semelhante ao meu pai, que no havia frequentado nenhum
curso ou escola de contadores e que dizia ter aprendido a contar ouvindo as outras pessoas,
geralmente mais velhas. E contava de uma forma singela, sem utilizar nenhum recurso ou
instrumento musical. Seria o contador tradicional.
E uma outra categoria de contador, formada por narradores como aqueles que eu
estava assistindo, que em geral aprendia a contar em cursos e oficinas e que utilizava
outras linguagens artsticas a servio da narrao. Seria o contador urbano.
Inicialmente, achava que s o contador urbano que lanava mo de msica,
objetos e acessrios, coisas que para mim eram da modernidade. Depois descobri que os
contadores de outras culturas, os africanos e os rabes, por exemplo, j faziam isso h
muito tempo. Nestas culturas, contar histrias tem uma funo muito importante, pois
interliga memria, corao e conhecimento. As histrias conectam as pessoas entre si e
com seus ancestrais em uma cadeia de experincia. O canto, os instrumentos, as narrativas
so uma coisa s.
Observei que no era muito fcil encontrar contadores tradicionais. Pesquisando
descobri que em muitas partes do mundo, incluindo o Brasil, sobretudo a partir do sculo
XX, eles estavam desaparecendo. O ato de narrar oralmente foi se tornando raro nacontemporaneidade em decorrncia do desaparecimento de inmeras situaes sociais que
eram propcias para a narrao de histrias, dentre as quais se destacam os trabalhos
manuais e os folguedos populares. Tambm em decorrncia da inveno do rdio, da
televiso, dos meios impressos e eletrnicos de informao e de entretenimento que
trataram de substituir as reunies em torno da palavra do contador de histrias.
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Em contrapartida, os contadores urbanos fazem parte de um fenmeno que vem se
desenvolvendo nas sociedades urbanas, no apenas no Brasil, a partir da dcada de 70 do
sculo XX, perpetuando uma arte que, ao que tudo indica, ainda ter vida longa.
Assim, o comerciante, o arteso, o viajante, o agricultor que narravam suas histriaspara um pblico quase sempre formado por familiares, amigos e vizinhos, em um cenrio
quase sempre familiar e informal, est sendo pouco a pouco substitudo pelo narrador
urbano, que aprendeu a narrar em cursos e oficinas, que conhece as histrias por meio dos
livros e no por transmisso oral. Esse narrador tem como pblico, quase sempre, uma
plateia annima em um cenrio formal e sua performance se configura, muitas vezes, como
espetculo.
Apreciando a arte dos narradores tradicionais e tambm dos narradores urbanos,
uma coisa me chama a ateno: a constatao de que quando uma histria bem contada,
ela fica memria, como um filme que pode ser rodado ao nosso comando. Muitas vezes
cheguei a brincar de imaginar as histrias, tamanha era a fora de suas imagens e, tantas
outras, cheguei a brincar de colocar rostos conhecidos nos personagens, tamanho era o
poder que a palavra tinha de se materializar.
Inmeras vezes, aconteceu de eu ler uma histria e no achar nada de especial nela.
Ento, veio um contador habilidoso e contou a mesma histria e ela se revelou para mim
em traje de gala.Outras vezes, o deslumbramento era ainda maior ao ver a msica, a dana e os
objetos contando a narrativa de mil formas diferentes.
Quis aprender a fazer tudo isso! O Doutorado foi a forma que encontrei de me
aproximar desse universo, para entend-lo e compartilh-lo com as pessoas que entendiam
do assunto e aprender com elas.
Alis, nunca desanimei diante do pensamento: talvez essas pessoas tenham um
dom. Sempre achei que a arte pudesse ser aprendida e encontrei, nos pressupostos de AnaMae Barbosa, a confirmao desta hiptese e, nas propostas de Regina Machado, o
caminho para desenvolver os recursos de que necessitava. Assim, tudo o que lia,
observava, ouvia e vivenciava no decorrer da pesquisa contriburam para que eu me
tornasse pouco a pouco uma contadora de histrias.
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No comeo, eu tive receio que fosse ruim misturar a pesquisadora com a contadora.
Depois, resolvi assumir esse risco, como parte mesmo de uma pesquisa participante que
me d liberdade para isso.
Compreendi que nada espontneo na performance dos narradores. Aaprendizagem faz parte dos processos dos dois tipos de contadores: do tradicional e do
urbano. O que os diferencia so os modos de aprender. O primeiro, pela oralidade, pela
experincia comungada dentro de uma comunidade narrativa, atravs de experincias do
cotidiano que acordavam os recursos de que precisava para narrar, como por exemplo: a
cadncia da narrao estimulada pelo ritmo imposto pelo trabalho manual. O segundo,
aprende pela escritura e, isolado de uma comunidade narrativa, precisa buscar em situaes
institucionalizadas as experincias imprescindveis para desenvolver os recursos dos quais
necessita.
Mais adiante, analisando a performance de diferentes narradores urbanos e
conversando com eles, constatei que no existem dois modos de aprender: o do contador
tradicional e o do contador urbano. Na verdade, existem muitos modos de o contador
urbano aprender! Ser que a qualidade da apresentao estava relacionada ao modo dele
aprender? eu me perguntava.
Comecei a pesquisar instituies que ofereciam oficinas e cursos de formao para
os contadores urbanos e participei de alguns deles. Concepes distintas apareciam emcada um. Alguns com propostas mais diretivas recheados de tcnicas mecnicas e
desencarnadas, outros no.
Desta constatao, nasceu a necessidade e o desejo de investigar estes modos de
ensinar e aprender a contar histrias e a buscar indicadores que apontassem para a
aprendizagem significativa do narrador.
De posse dessa inteno que formulei a pergunta: se as propostas formativas
proporcionarem ao narrador experincias estticas, esse narrador poder desenvolver os
recursos necessrios para que a sua produo tenha qualidade artstica? A hiptese
principal, que passou a orientar a minha pesquisa, era a de que a qualidade artstica
somente seria possvel por meio de uma proposta de formao dentro do ensino e
aprendizagem da arte.
O que eu pretendia, portanto, era investigar a qualidade que elevaria a narrao de
alguns narradores e grupos categoria de arte. Encontrar pistas que apontassem para a sua
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conquista, que eu supunha estar relacionada ao desenvolvimento de um percurso pessoal
de aprendizagem, alimentado por boas situaes de aprendizagem nos trs eixos de
experimentao da arte a produo, leitura e reflexo , dispostas de forma a tornar
vivenciais os recursos necessrios para a arte narrativa.
Assim, a ideia de que contar histrias uma arte que se aprende com arte foi
desenvolvida durante a pesquisa. E, aprender com arte no uma frase de efeito. uma
forma de vivenciar situaes em que se entra em contato com o objeto do conhecimento
em uma experincia orgnica, que une razo e poesia.
O conhecimento sempre uma construo que fazemos na interao com o objeto
de estudo. Aproximamos-nos dele no s com a cabea, mas com o corpo, com a
imaginao, com a sensao e com o sentimento. isso que transforma e a transformao
condio para a tomada de conscincia e para a ao. sempre algo que se constri,
ganha forma e se exterioriza, que foi plantado numa terra frtil e cultivado durante muito
tempo antes de nascer.
Ento, o doutorado foi uma forma de aprender revisitando e ampliando a
bibliografia sobre o tema, compreendendo e comparando autores, conhecendo projetos,
escutando muitas histrias, entrevistando artistas e vivenciando propostas de
aprendizagem. Desta forma, fui experimentando tudo o que escrevi na medida em estudei
propostas, participei de oficinas de formao, contei histrias experimentando articularoutras linguagens artsticas com a arte narrativa e, assim, a minha prpria experincia foi
legitimando o texto. O contato permanente com as histrias tradicionais tambm foi me
transformando, foi me preparando, acordando capacidades e pensamentos.
Enquanto escrevi o produto final, muitas vezes me perguntei: estou sendo clara?
Redundante? Complicada? Portanto, inicialmente pesquisei sobre a aprendizagem do
contador para que pudesse aprender a ser uma contadora. Escrevi para encontrar respostas
para as minhas perguntas, para confirmar as minhas hipteses e traar o meu caminho, mas
desejo tambm ajudar outras pessoas a encontrarem o seu.
Penso que seja importante dizer que no pretendi estudar as narrativas tradicionais
contos de fadas, contos populares, fbulas, lendas, mitos, entre outros gneros que
compem o repertrio do narrador e que merecem um estudo parte. O que propus foi o
estudo da aprendizagem do narrador urbano, dentro de uma concepo de aprendizagem
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pela arte, considerando a experincia esttica como acontecimento fundamental para o
desenvolvimento artstico do narrador e para que seu trabalho possa ser uma forma de arte.
O texto final divide-se em duas partes. Na primeira, apresenta os artistas da palavra.
O captulo II, intitulado Contar histrias uma arte, situa a prtica de contar histriasdentro do universo das produes artsticas a partir da argumentao de que o ato de contar
histrias apresenta todos os atributos necessrios para ser considerado arte.
O objeto de estudo dos dois outros captulos, que compem esta primeira etapa,
referem-se caracterizao dos contadores de histrias e, para tanto, a pesquisa recorre ao
estudo sobre o contador tradicional e sobre o contador urbano.
Quem o contador tradicional e como ele aprende a contar histrias? Quem
contador urbano? Ele aprende a contar da mesma forma que o tradicional? O que que os
aproxima e, que ao mesmo tempo, os separa em categorias distintas? Podero ser
chamados de tradicionais, os contadores tradicionais remanescentes encontrados hoje em
dia? Ou estes constituiro uma categoria de transio entre as prticas tradicionais de
contar histrias, por preservarem caractersticas das sociedades de tradio oral, e as
prticas urbanas de contar histrias, por j terem incorporado caractersticas das sociedades
de tradio escrita? Afinal, se por um lado, esses contadores tradicionais remanescentes,
portadores de histrias da tradio oral, aprenderam as narrativas intuitivamente, pela
experincia de ouvinte, e sabem as histrias de memria; por outro lado, no atuam nacomunidade como contadores oficiais, porque suas habilidades de narradores no so
requisitadas como eram as de seus antepassados e, por isso, eles parecem no cumprir as
mesmas funes que um contador de histrias tradicional costumava cumprir na sociedade.
Assim, o captulo III, Conversas ao p do fogo, em homenagem a Cornlio Pires,
autor pioneiro da cultura tradicional paulista, trata do contador tradicional e o captulo IV,
A reinveno da voz potica, trata do contador urbano.
A segunda parte do texto, trata especificamente da aprendizagem da arte de contar
histrias. Esta segunda parte composta pelos captulos V, VI, VII, VIII e IX.
No quinto captulo, discutida a natureza da aprendizagem da arte; pois, ao assumir
no captulo II a postulao de que contar histrias pode ser uma prtica artstica, passo a
investigar os tericos da rea de Artes. Dentre eles, destaca-se a figura de Ana Mae
Barbosa, autora que criou a Proposta Triangular para o ensino da Arte, o que permite na
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presente pesquisa estabelecer uma aproximao entre a aprendizagem e a didtica da
Arte de maneira geral e da arte de contar histrias em particular.
Tendo em vista compreender como ocorre a aprendizagem do contador de histrias
no contexto urbano brasileiro e, dessa maneira, contribuir para com a formao daquelesque se dedicam a contar histrias neste cenrio urbano e contemporneo, fez-se necessrio
estabelecer, no captulo VI, um dilogo entre autores brasileiros que pensaram sobre a
formao de contadores de histrias e escreveram obras para orient-los a exercer esse
ofcio.
As linguagens artsticas dialogam com a arte de contar histrias no captulo
seguinte. Busca-se, nele, compreender os elementos constituintes e a esttica da
performance dos contadores de histrias ao discutir as contribuies das artes visuais, da
msica, da dana, da literatura e do teatro para a arte de contar histrias. Estabelecem-se as
aproximaes e os distanciamentos entre as mltiplas linguagens artsticas na produo do
artista/contador de histrias.
O captulo VIII complementa a desenvolver a inteno dos captulos anteriores,
tratando da formao de contadores de histrias. Apresenta-se nele uma experincia de
formao pioneira e que merece destaque por apresentar uma articulao com pressupostos
tericos do campo da arte. Trata-se do trabalho de Regina Machado, que ganha muita
relevncia neste estudo, porque a pesquisadora apresenta a sntese de suas formulaes epressupostos por meio da produo terica e por meio da produo potica.
O texto culmina com o estudo das teorias da Esttica em busca da compreenso
sobre como ocorre a qualidade esttica na esfera da narrao de histrias, ou seja, de que
forma a experincia esttica forma o contador cuja performance poder proporcionar aos
ouvintes tambm uma experincia esttica. Prope-se, ento, que a aprendizagem
significativa da arte e a educao esttica so fundamentais para a aprendizagem do
contador de histrias na contemporaneidade e aponta contribuies para que seu trabalho
possa ser verdadeiramente chamado de arte.
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1 METODOLOGIA
ompreender e analisar o modo de aprender dos contadores urbanos, com o
objetivo de investigar se a experincia esttica e a educao em Arte tornam,
o narrador, capaz de contar histrias, elevando a narrao categoria de produo artstica
e esttica, objeto de estudo desta pesquisa.
Para tanto, foi preciso estabelecer uma metodologia de pesquisa que me
aproximasse do universo de estudo e de atuao dos contadores de histrias urbanos.
Segundo Demo (1990, p.43-4), pesquisar no somente produzir conhecimento,
sobretudo aprender em sentido criativo, o que pressupe, segundo o autor, um dilogo
com a realidade feito de modo crtico e criador, com o objetivo de fazer da pesquisa
condio de vida, progresso e cidadania.
Sendo assim, optei no presente estudo pela pesquisa qualitativa do tipo participante,
que diferente de uma abordagem quantitativa, no segue com rigor um plano previamente
determinado. Ao contrrio, direcionada ao longo de seu desenvolvimento.
A pesquisa qualitativa busca compreender o objeto de investigao e estudo por
meio de descries, comparaes e interpretaes. Nela, o pesquisador trabalha com um
universo de significados, motivos, aspiraes, crenas, valores e atitudes.
Na pesquisa participante, o contato direto e interativo do pesquisador com o seu
objeto de estudo necessidade fundamental para a obteno dos dados e informaes.
Nela, o pesquisador atuante e, por isso, a metodologia menos controlvel, posto que na
interao com os participantes o rumo da pesquisa pode sofrer alteraes, poisparafraseando o poeta Antonio Machado, caminhando que se faz o caminho...
Em uma pesquisa participante, o observador est em relao direta com o fenmeno
observado, portanto, interage com quem observado e, ao participar do seu cotidiano, no
seu contexto cultural, colhe os dados de que necessita.
C
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Primeiro o pesquisador observa o fenmeno, depois hipotetiza, isto , procura
relaes causais que o expliquem.
Essa observao do fenmeno e o levantamento das hipteses iniciais tiveram
incio antes mesmo do incio do doutorado, posto que o tema h tempos era de meuinteresse e vinha sendo objeto de minha reflexo.
De incio, j havia observado muitos narradores em atuao significativa, lido
bibliografia sobre o tema e participado de cursos e oficinas de formao. Destas primeiras
experincias, surgiram as indagaes que nortearam a formulao do objeto dessa
pesquisa. H contadores que, de fato, se diferenciam pela qualidade da performance que
apresentam. Seria possvel dizer que estes produzem arte enquanto os outros no? Seria
possvel dar o nome de qualidade esttica ao atributo, que torna a narrao de certos
contadores especialmente mais marcante, como forma artstica? Esta qualidade esttica
dependeria do modo de aprender e das situaes que lhes so dispostas no percurso de
aprendizagem?
Desta forma, os primeiros passos trataram de rever bibliografia e de conversar com
os narradores que considerei portadores dessa qualidade esttica. Depois com o olhar mais
atento, parti para a busca dos indicadores que apontavam para esta qualidade.
Embora houvesse hipteses iniciais, na medida em que algumas perguntas foram
sendo respondidas pela anlise das informaes e dados obtidos, novas perguntas foramsurgindo, dando corpo e profundidade ao tema da pesquisa, o que aponta para o fato de que
no se trata de descobrir, mas sim de construir um conhecimento.
A coleta de dados foi realizada em mais de uma fonte de pesquisa, tendo em vista
que a combinao de vrios mtodos para abordar o tema ajuda na sua compreenso.
Justamente este foi o aspecto mais positivo que determinou a escolha pela pesquisa
qualitativa: o conjunto de diferentes tcnicas investigativas de que o pesquisador pode
lanar mo para compreender e interpretar a realidade pesquisada. Assim, os mtodos
utilizados para a coleta de dados e informaes foram mltiplos: pesquisa bibliogrfica,
pesquisa de campo e resultados de uma experincia de aplicao dos pressupostos tericos
e prticos investigados.
A produo compreendeu as seguintes etapas: a ordenao dos dados (transcrio
das entrevistas, releitura da bibliografia disponvel, organizao dos relatos, anlise das
gravaes e registro das observaes das performances assistidas); a classificao e
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interpretao dos dados (leitura de mais bibliografia, classificao e seleo do material
oriundo das entrevistas e gravaes) e a anlise final (busca pelo produto final e
contribuio da pesquisa para o contexto atual de aprendizagem e performance de
contadores de histrias).
1.1 Pesquisa bibliogrfica
A pesquisa bibliogrfica aconteceu em paralelo com o trabalho de campo. O ponto
de partida foram as reflexes de Walter Benjamin, no ensaio O narrador, sobre o
desaparecimento do contador de histrias na modernidade, que forneceram inmeras
possibilidades de discusso, sobre aquilo que permanece e aquilo que se transforma nocontexto da arte narrativa atual.
No ensaio, Benjamin se refere ao narrador tradicional. A partir de ento, fiz o
levantamento de obras que tratassem deste tipo de narrador, frequentemente inserido em
uma cultura de tradio oral em diferentes sociedades e pocas. Foram consultadas fontes
de informao para o estudo sobre arte narrativa e narradores ao longo da histria e em
diferentes culturas e espaos geogrficos. A obra de Marina Warner (1999), Da Fera
Loira foi importante por fornecer informao histrica sobre contos tradicionais e seus
narradores. Do mesmo modo, obras escritas, por autores pertencentes a outras culturas,
foram importantes para a compreenso da funo do narrador tradicional. Dentre eles,
destacam-se os textos de Amadou Hampt B (2003) e Tahir Shah (2009), que abordam
esse tema pela perspectiva da cultura africana e rabe, alm de textos de escritores
indgenas.
O desenvolvimento de uma pesquisa pressupe uma delimitao temporal-espacial
por parte do pesquisador. Portanto, embora fosse preciso compreender a arte de narrar de
uma maneira geral, a partir da bibliografia disponvel, investigando como esta estevepresente na histria da humanidade e em diferentes culturas, como a africana e a rabe, por
exemplo, o foco da pesquisa centrou-se no Brasil e no contexto urbano contemporneo,
especialmente de So Paulo.
Na busca de compreender como no Brasil este contador tradicional aparece,
revisitei a literatura brasileira lendo grandes obras que trazem narradores tradicionais como
personagens: a obra de Guimares Rosa, de Graciliano Ramos e de Jos Lins do Rego. O
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relato histrico de Gilberto Freyre, em Casa-Grande e Senzala, contribuiu para a
compreenso da caracterizao do contador tradicional no Brasil.
Contudo, fui observando que no encontraria uma obra que tratasse exclusivamente
do narrador tradicional. Seria necessrio recolher informaes, dados e pistas emcoletneas de recolha de contos populares e pesquisa folclrica. Na obra Na captura da
voz, de Maria Ins de Almeida e Snia Queiroz (2004), encontrei indicao bibliogrfica
suficiente para selecionar coletneas que me trouxessem tais informaes.
Como em um verdadeiro quebra-cabea fui compondo o retrato do contador
tradicional, auxiliada tambm pela pesquisa de campo e pelos depoimentos de contadores
tradicionais cearenses retirados da pesquisa de Francisco Assis de Sousa Lima (2005),
Conto popular e comunidade narrativa.
Os estudos de Ayala e Ayala (1995) em Cultura popular no Brasil foram
selecionados com o objetivo de compreender os processos de transformao e recriao
das prticas populares, que seguindo os autores, no desaparecem e sim se atualizam, em
um processo de acomodao diante de novos contextos sociais.
No processo de pesquisa fui identificando outras necessidades de coleta de dados e,
por consequncia, descobrindo outras possibilidades de fontes, por isso, a pesquisa comea
com o levantamento bibliogrfico e depois se expande para outras fontes, inclusive acervo
udio-visual.
Principalmente para a investigao do contador urbano, a pesquisa documental,
como parte da pesquisa bibliogrfica, fez-se necessria para examinar e reexaminar
materiais com vistas interpretao. Entende-se aqui por materiais no somente os livros,
mas os registros de pesquisa em udio e vdeo, cds, fotos e ilustraes, material grfico e
sites especializados.
Realizei a reviso bibliogrfica das obras que haviam sido produzidas ou traduzidas
no cenrio brasileiro a respeito da prtica de contar histrias. Nesta ocasio, foi possvelconstatar que a bibliografia sobre aprendizagem da arte narrativa pequena e que poucas
pessoas se dedicaram ou se dedicam a esta rea do conhecimento humano. H bibliografia
estrangeira, mas esta, nem sempre acessvel aos contadores brasileiros.
Dentro desta bibliografia, foram selecionados autores brasileiros que so cones na
literatura sobre a aprendizagem da arte narrativa. Primeiramente, a figura lendria de
Malba Tahan, seguida de um nome que durante muito tempo permaneceu nico na
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literatura sobre o assunto, Betty Coelho que, conhecendo e convivendo com Malba Tahan,
prestou grande contribuio formao de muitos narradores nas bibliotecas e escolas da
Bahia. Foi possvel conhecer Betty Coelho pessoalmente e ouvir sua histria e suas
histrias em um encontro muito acolhedor na Biblioteca Juracy Magalhes, na cidade de
Salvador BA, onde muito reconhecida como a contadora de histrias.
Foi analisado tambm o material de outros pesquisadores e contadores que,
desejando contribuir com sua prpria experincia de contar, muitas vezes de forma
intuitiva, desejaram escrever sobre este objeto de estudo.
Ao situar a prtica de contar como uma prtica artstica, consultei autores que
escreveram sobre Arte em sua relao com a Educao buscando aproximaes que
pudessem me permitir considerar contar histrias tambm como arte. Entre estes autores
destacam-se Herbert Read (2001) e Ernst Fischer (2007).
Aps caracterizar a prtica de contar histria como produo artstica, analisei a
Proposta Triangular para o ensino e aprendizagem da arte, de Ana Mae Barbosa, e transpus
seus pressupostos tericos para a arte de contar histrias, como tambm o faz Regina
Machado.
As pesquisas de Regina Machado foram apresentadas e analisadas, tanto por meio
da sua produo terica quanto por meio da sua produo potica com vistas a construir o
quadro de principal referncia da pesquisa, que defende a ideia de que se os contadores tma experincia da arte em sua formao, podero aprender a produzir arte de contar histrias
com qualidade esttica.
Teci comparaes entre os pensadores clssicos que refletiram sobre Esttica tendo
como principal referencial terico as pesquisas de Ariano Suassuna, reunidas em um livro
sntese de seu curso de Esttica, ministrado na Universidade Federal de Pernambuco, e
John Dewey, cuja obra sobre experincia esttica ainda no se encontra traduzida no
Brasil, mas que sem dvida, bibliografia indispensvel para os contadores em busca da
qualidade esttica em sua produo.
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1.2 Pesquisa de campo
A ideia de articular o campo emprico com o campo terico como caminho
necessrio para a busca de respostas, para as perguntas levantadas, justifica a necessidade
de incorporar ao estudo uma pesquisa de campo.
Desta forma, com o objetivo de estabelecer proximidade com o objeto de estudo,
recolher informaes e aprender por meio da observao, parte da pesquisa foi realizada
em campo e abrangeu:
Visita ao Programa de Estudo e Pesquisa da Literatura Popular da Universidade
Federal da Bahia (UFBA):
Procurando por exemplares reais de contadores tradicionais, termo utilizado para
designar os narradores pertencentes a uma cadeia de transmisso oral, fundamentada pela
aprendizagem ancorada na experincia vivida dentro de uma comunidade, como explicam
autores como Walter Benjamin, Hampt B e Sotigui Koyat, que a pesquisa contou,
em 2006, com a visita ao Programa de Estudo e Pesquisa da Literatura Popular da UFBA,
desenvolvido pela Prof Dr Doralice Alcoforado e demais pesquisadores.
Tive, ento, a grata oportunidade de conhecer a Prof Dr Doralice Alcoforado e
Vanusa Mascarenha, tambm pesquisadora do programa e por meio delas, o acervo
incrvel de narrativas e narraes registradas em texto, cassete e vdeo de contadores
tradicionais em, aproximadamente, 70 municpios da Bahia.
As narraesassistidas na Bahia foram muito teis - bem como os esclarecimentos
de Doralice e Vanusa -, porque ofereceram a possibilidade de ver contadores tradicionais
em ao e investigar seus processos de aprendizagem e seu contexto de atuao.
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Visita a Roda de Histrias projeto de formao de narradores desenvolvido pela
pesquisadora Gilka Girardello, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC):
Em 2006, conheci a professora Gilka Girardello no evento Boca do Cu Encontro
Internacional de Contadores de Histrias, no Sesc Pinheiros. Nesta ocasio, tomei
conhecimento de que ela desenvolvia um projeto de formao de narradores na
Universidade Federal de Santa Catarina, intitulado Roda de Histrias.
Em 2009, viajei para Florianpolis para conhecer o projeto com o objetivo de
observar uma iniciativa de formao de narradores que contava com 11 anos de existncia,
fora do meu estado.
Participando da Roda de Histrias, que l chamada de Igrejinha, porqueocorre dentro de uma pequenina igreja histrica, no campus da Universidade, pude
observar que se trata mais de um espao de resistncia e de recuperao da arte narrativa
que de formao acadmica, propriamente dita.
A roda de histrias no uma oficina, nem tampouco curso, mas um espao em que
as pessoas se renem em roda para contar histrias. Um limo passado ao ritmo de uma
cantiga tradicional e quando para, a pessoa que o tiver nas mos dever narrar.
Foto 1 Foto 2
Observa-se, ento, que a concepo de aprendizagem muito semelhante ao modo
de aprender dos contadores tradicionais, pois, forma-se ali uma comunidade narrativa,
onde as pessoas aprendem pela experincia de ouvir e de praticar a narrao.
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Na ocasio foi possvel tomar conhecimento de outros projetos envolvendo a arte
de narrar. Na Lagoa da Conceio, existe uma biblioteca comunitria, onde inmeros
contadores se apresentam com frequncia e, todo terceiro domingo do ms, ocorre o
Projeto Barca de Histrias. Uma barca navega com contadores, msicos e pblico e
ocorre uma sesso de histrias do meio da gua.
Florianpolis se revelou, para mim, uma cidade fantstica. Cercada de gua por
todos os lados, ela guarda crenas e histrias mgicas, principalmente de bruxas trazidas
pelo imaginrio dos aorianos.
A oportunidade se revelou til para a constatao de que contar histrias
tradicionais, em contexto urbano, pode expressar o desejo de recuperar esta forma de
comunicao e experincia. Inclusive, foi interessante por agregar o conhecimento de
outros projetos envolvendo a arte de contar histrias fora da cidade de So Paulo.
Observao de narradores em situao de performance:
Durante todo o tempo em que a pesquisa foi realizada convivi com muitos
contadores de histrias participando de eventos artstico-culturais, nos quais acontecia a
arte de contar histrias. Em muitas ocasies, foi possvel uma maior aproximao comestes narradores e pode-se, ento, conversar com eles sobre a arte narrativa.
Ao fazer parte da plateia de contadores de histria, em situao de performance, em
espetculos ou rodas de histrias, foi possvel analisar os modos de contar, o repertrio de
contos, os recursos utilizados, enfim, um conjunto de saberes e de fazeres de alguns
contadores urbanos.
Assisti em diferentes teatros e espaos culturais de So Paulo aos contadores
urbanos se apresentando para adultos e crianas. Apreciar a arte de contadores urbanos, em
contexto real, contribuiu para a anlise e reflexo sobre os contedos abordados
teoricamente, alimentando hipteses e validando respostas. Tanto foi possvel observar os
indicadores da qualidade esttica, quanto analisar a articulao de diferentes linguagens
artsticas e domnio de suas tcnicas a servio da narrativa. As leituras dessas
apresentaes so aqui utilizadas ou como inspirao ou como ilustrao em boa parte do
texto escrito.
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Relatos de experincia de pesquisa em arte narrativa, apresentados publicamente no
evento Boca do Cu, edio 2008, foram gravados e utilizados para a anlise das demais
linguagens artsticas utilizadas na narrao:
Clia Gomes contadora de So Paul, que realiza um bonito trabalho contandohistrias em hospitais, apresentou no evento uma histria utilizando instrumentos
musicais como personagens da histria, utilizando para isso suas formas
expressivas e sons. Depois da apresentao, fez o relato desta pesquisa.
KellyOrassi contadora de histrias de So Paulo, que pesquisa sobre a utilizaode bonecos e objetos na narrao. Apresentou no evento a histria de Joo e
Maria utilizando objetos para compor cenrios e personagens. Assim como Clia
Gomes, aps a apresentao, fez o relato da pesquisa, fundamentada nos estudos de
Ana Maria Amaral, sobre teatro de bonecos e formas animadas.
Cabe citar aqui os Saravaus, realizados por Regina Machado e Leandro Medina e
as demais atividades do Pao do Baob, em So Paulo, nos quais muitos contadores de
histrias se apresentam.
Participao em eventos de formao de contadores de histrias:
A oportunidade de participar de encontros, cursos e oficinas de formao de
contadores de histrias tornou possvel uma aproximao s estratgias utilizadas na
formao de narradores.
O objetivo era refletir sobre que tipo de saber e de experincias so considerados
fundamentais pelos formadores para que algum se torne um contador de histrias. Outro
objetivo, era analisar as estratgias dos formadores que revelam a concepo deaprendizagem da arte de narrar.
Participar duas vezes do curso de formao de contadores, ministrado por Regina
Machado, foi importante para a anlise da proposta de ensino e aprendizagem, a partir do
referencial terico da arte-educao. Da primeira vez, participei como aluna e pude
vivenciar as propostas tericas e poticas. Da segunda vez, participei como observadora e
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pude analisar como as pessoas reagiam s propostas, realizavam as tarefas e iam se
transformando no decorrer do curso.
No evento Boca do Cu II Encontro Internacional de Contadores de Histrias
(SESCSP Pinheiros, 2006) e no Boca do Cu III Encontro Internacional deContadores de Histrias (SESCSP Pompia, 2008), surgiu a oportunidade de participar
de palestras, debates e oficinas sobre a arte de contar histrias.
Destaca-se, aqui, a presena nas oficinas de trs contadores de histrias
internacionais: Cucha Del guila (Peru) que ministrou a oficina Do acervo tradicional ao
espetculo da narrao, Jamie Oliviero (Canad) docente da oficina Ver com os ouvidos
e ouvir com o corao e Mariam Kone (Burkina Faso/frica), que ministrou a oficina
Como se apropriar de um conto.
No evento Te dou minha palavra (Ita Cultural SP, 2007), participei da oficina
Os Quatro Eixos da Narrao com Liliana Cinetto (Argentina).
Estas experincias permitiram costurar as observaes e vivncias de aprendiz nas
oficinas com as pesquisas em andamento.
Entrevistas, relatos e depoimentos:
Foram ouvidos depoimentos de alguns contadores de histrias urbanos a respeito de
sua profissionalizao, com o objetivo de investigar como o seu processo de
aprendizagem da arte narrativa que, de certa forma, est intimamente relacionado ao seu
processo criador.
Os contadores entrevistados no representam uma amostra quantitativa dos
contadores urbanos. Depois de ter optado pela anlise qualitativa, selecionei para entrevista
nove contadores de histrias urbanos segundo dois critrios considerados relevantes: Os contadores que apresentam qualidade esttica em suas performances.Os
indicadores da qualidade esttica da performance sero discutidos nos
captulos seguintes.
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Contadores a que tivesse assistido pelo menos mais de uma vez contandohistrias. Por esta razo, embora se tenha na amostra contadores de lugares
diferentes, h um predomnio de narradores que atuam em So Paulo.
importante ressaltar que nesta pequena amostra de contadores urbanos, muitosnarradores que apresentam qualidade esttica em suas apresentaes no foram includos.
Necessrio reafirmar que o objetivo no mapear os contadores urbanos que apresentam
qualidade esttica e sim ouvir alguns deles, para investigar os caminhos da aprendizagem
da arte de contar histrias nos centros urbanos contemporneos.
Desta forma, foram selecionados contadores urbanos com trabalhos representativos
na arte de contar histrias, levando-se em considerao a oportunidade de contato e a
qualidade de suas apresentaes. No evento Boca do Cu II Encontro Internacional de
Contadores de Histrias, em So Paulo (2006), foi possvel a aproximao com
contadoras de histrias que atuam fora do estado de So Paulo: Gislayne Matos (Belo
Horizonte MG), Lenice Gomes (Recife - PE) e Agla Dvila (Aracaju SE) que, sendo
esclarecidas sobre o porqu dos depoimentos, gentilmente concordaram em ser
entrevistadas.
As entrevistas com os contadores residentes em So Paulo foram realizadas em
locais diversos, conforme a disponibilidade dos artistas.
A princpio, as entrevistas foram baseadas em roteiros pr-determinados. No
entanto, devido ao carter do contato com os informantes, as conversas assumiram um
carter mais informal.
Conforme a pesquisa caminhava, mudavam as perguntas que eu deseja fazer aos
entrevistados, de modo, que os primeiros roteiros de entrevistas foram sendo,
progressivamente, substitudos por perguntas mais abertas e at por depoimentos livres.
Com o objetivo de possibilitar a recolha na ntegra de respostas longas dos
entrevistados, permitindo, assim, uma melhor anlise do seu contedo, fora do campo dapesquisa, e maior fidedignidade nos registros, todas as entrevistas e depoimentos
individuais foram gravados (exceto poucos que foram concedidos via e-mail).
Assim os contadores de histrias selecionados foram:
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Agla Dvila Fontes (71 anos) Sergipe entrevista realizadapessoalmente no Sesc Pinheiros, em 2006.
Agla dvila Fontes 1 uma das maiores pesquisadoras da cultura popular do
estado de Sergipe. Formada em Filosofia com ps-graduao em Educao Musical eEducao Infantil. Apresentadora e produtora de um programa na TV Caju, chamadoAndanas do Folclore Sergipano. Diretora do Centro de Criatividade de Sergipe.
Membro do Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe. Secretria de Estado trs vezes.
Membro da Academia Sergipana de Letras. Ganhadora do prmio Talentos da Maturidade,
categoria Contador de Histrias, do Banco Real. Presidente da Comisso Sergipana de
Folclore. Membro do Conselho de Cultura do Estado de Sergipe. Palestrante, professora e
consultora em Arte-Educao. Como escritora vencedora de vrios prmios literrios,
entre as diversas condecoraes: Medalha Sylvio Romero, da Academia Sergipana deLetras.
Cristiane Velasco (36 anos) So Paulo entrevista realizada por e-mail, em 2008.
Cristiane Velasco 2 formada em Artes Plsticas pela FAAP, com Especializao
em Arte Educao pela ECA-USP e, atualmente, trabalha como educadora na Casa
Redonda Centro de Estudos. Cursou diversas oficinas de brincadeiras, poesia e danas
populares brasileiras, no Teatro e Escola Brincante, onde atualmente professora domdulo contos e histrias tradicionais, do curso de Formao de Educadores Brincantes.
Iniciou-se na arte de contar histrias sob orientao de Regina Machado e, em 2000/2001,
integrou a Cia. Palavra Viva: Contadores de Histrias. Criou o projeto Danando
Histrias e, desde 1998, apresenta-se para adultos e crianas, reunindo dana, cantos e
contos tradicionais.
Em 2009, escreveu e interpretou o monlogo Aguadouro, no Teatro e Escola
Brincante, espetculo que mescla imagens fantsticas com situaes cotidianas. A histria
contada por cada uma das sete mulheres grvidas de Aguadouro a histria de uma nica
personagem em transformao.
1Informaes retiradas do site: www.singrandohorizontes.blogspot.com, acesso em 18/01/2010, s 16h.2Informaes retiradas do site: www.teatrobrincante.com.br, acesso em 10/02/2010, s 21h10.
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Estvo Marques (26 anos) nascido em Belo Horizonte, mas realizaseu trabalho em So Paulo entrevista realizada pessoalmente no
Teatro e Escola Brincante, em 2009.
Estvo Marques3
percussionista, com formao em Msica pela Faculdade SantaMarcelina (SP). Atua como arte-educador e contador de histrias, alm de pesquisador da
cultura musical infantil. Estvo professor de Danas Populares do Instituto Escola
Brincante, coordenado por Rosane Almeida e Antnio Nbrega - atividade que vem
exercendo tambm fora do pas, sempre que surgem convites como o da escola Ezo Sunal
ocuk Atlyesi de Istambul, na Turquia, onde ministra o curso "Ritmos e Danas
Brasileiras". Como contador de histrias, participou do grupo P de Palavra, dirigido por
Regina Machado. Como percussionista, participou dos shows "Canes Curiosas", "P
com P" e "Carnaval Palavra Cantada" - com direo musical de Sandra Peres e PauloTatit. Atualmente (2009) integra o grupo de percusso e dana Batunt. Na obra Muitas
coisas, poucas palavras, de autoria de Francisco Marques, Estvo assina a direo
musical da pea radiofnica do CD homnimo, encartada no livro.
Gislayne Avelar Matos (52 anos) Minas Gerais entrevista realizadapessoalmente no Sesc Pinheiros, em 2006.
Gislayne Avelar de Matos4 formada em educao pela Faculdade de Educao da
UFMG. Possui graduao em Pedagogia pela FUMEC-BH, especializao em terapiafamiliar sistmica pela PUC-MG e formao em arte-terapia e arte-educao pelo INECAT
(Institut National dExpression, de Cration, dArte ET de Therapie - Paris). Utilizando os
contos tradicionais como eixo principal de seus trabalhos, escreve livros, realiza oficinas,
participa de uma srie de projetos da rea cultural e atua como contadora de histrias para
pblicos de todas as idades. Coordena o Ateli Convivendo com a Arte ao lado de
Ceclia Caram que, desde 1994, investe na formao de novos contadores e realiza
pesquisas sobre contos da tradio oral. A partir dessa iniciativa, Gislayne desenvolveu a
srie Noite de Contos, realizada por muitos anos na Sala Juvenal Dias do Palcio dasArtes, em Belo Horizonte. Alm disso, autora do livro A Palavra do Contador de
Histrias e, em parceria com a pedagoga e narradora africana Inno Sorsy, escreveu O
Ofcio do Contador de Histrias, ambos da editora Martins Fontes. Ademais das oficinas e
outros cursos rpidos, Gislayne coordenadora acadmica de um curso de ps-graduao
3Informaes retiradas do site: www.editorapeiropolis.com.br, acesso em 18/01/2010, s 16h15.4Informaes retiradas do site: www.escritoriodehistorias.com.br, acesso em 19/01/2010, s 11h50.
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lato sensu no IEC (Instituto de Educao Continuada) da PUC-MINAS, Arte e educao
da oralidade escrita.
Lenice Gomes (53 anos) Recife/PE entrevista realizada por e-mail,em 2006.
Natural de Japi, agreste pernambucano. Escritora, formada em Histria, especialista
em Literatura Infanto-Juvenil, pesquisadora das tradies orais do Brasil e contadora de
histrias. Durante muitos anos foi professora na Educao Bsica.
Ministra cursos, oficinas e palestras. autora de vrios livros infantis, entre eles
Brincando Adivinhas, recomendado pela Fundao Nacional do Livro Infantil e Juvenil.5
Liliana Cinetto (idade no informada) Buenos Aires / Argentina entrevista realizada pessoalmente no Ita Cultural, em 2007.
Liliana Cristina Cinetto6, formada em Letras, educadora, escritora e contadora de
histrias. Realiza cursos e oficinas de formao de narradores na Argentina, Brasil e
Espanha.
Como autora publicou contos e poesias em mais de cinquenta livros para crianas.
Apresenta-se, como narradora, na Exposicin Feria Internacional El Libro del
Autor al Lector (desde 1990), na Feria del Libro Infantil y Juvenil (desde 1989), na
Biblioteca Nacional, na Biblioteca Evaristo Carriego, na Biblioteca Leopoldo Lugones, noTeatro Nacional Cervantes, no Centro Cultural Recoleta, entre outros.
Participou de vrios festivais e encontros internacionais de contadores de histrias e
foi responsvel pela direo artstica do I e II Festival de Narracin Oral de Argentina.
Recebeu prmios e condecoraes, principalmente por narrar em hospitais, asilos e
centros de sade.
Madalena Monteiro (43 anos) nascida em Catanduva (SP), masrealiza seu trabalho em So Paulo entrevista realizada por e-mail, em2010.
educadora e contadora de histrias. Ps-graduada em Didtica da Alfabetizao,
pelo Instituto Superior de Educao da Escola Vera Cruz, sob coordenao de Telma
Weiz. Possui dezesseis anos de experincia em sala de aula com Alfabetizao, na Escola
5Informaes retiradas do blogdalenicegomes.blogspot.com, acesso em 10/02/2010, s 20h44.6Informaes retiradas do site: www.7calderosmagicos.com.ar, acesso em 10/02/2010, s 20h22.
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Vera Cruz. Selecionada nos anos de 2004 e 2005 entre as cinquenta professoras a
concorrerem ao Prmio Professor Nota 10, da Fundao Victor Civita.
Integrou durante sete anos o Grupo P de Palavra de Contadores de Histrias, sob
coordenao de Regina Machado.
Ministra oficinas sobre a Arte de contar histrias e seu uso na sala de aula desde
1999.
Atualmente, concebe e realiza espetculos individuais, em variados lugares, e
trabalha com formao de professores e produo de material didtico no CEDAC (Centro
de Educao e Documentao para Ao Comunitria) no Projeto Encontros de leitura,
patrocinado pela Natura e no Programa Escola que vale.7
Stela Barbieri (43 anos) So Paulo entrevista realizadapessoalmente no Instituto Tomie Ohtake, em 2009.
Stela Barbieri 8 artista plstica, educadora e contadora de histrias. Curadora do
projeto educativo da 29. Bienal de Arte de So Paulo. Diretora da Ao Educativa do
Instituto Tomie Ohtake, onde responsvel pela coordenao geral de cursos de formao
de professores, equipe de atendimento ao pblico e publicaes de apoio s exposies,
alm de cursos das vrias linguagens artsticas para pblico em geral e especializado.
Educadora h dezoito anos na Escola Experimental Vera Cruz, atualmente assessora de artes do nvel I. Assessora tambm na rea de artes, na Escola Castanheiras.
Participou durante sete anos do projeto "Escola que Vale", na ONG CEDAC (Centro de
Educao e Documentao para Ao Comunitria), desenvolvendo oficinas de artes em
vrias regies do pas para professores de escola pblica.
Realiza apresentaes de contos da tradio oral e participou de um espetculo na
Sala So Paulo com a Orquestra Popular de Cmara. Assessora em arte educao do
projeto Escola no Cinema do Espao Unibanco h onze anos.
Como artista plstica, trabalha com diversos materiais, como ltex, vidro,
pigmentos, areia, cera de abelha e argila. Parte de formas orgnicas que, por meio de sua
ao, vo se transformando em uma outra natureza corprea. A partir de 1990, comeou a
expor profissionalmente em espaos institucionais como museus e centros culturais no
Brasil e no exterior.
7Currculo redigido pela contadora de histrias.8Informaes retiradas do site: www.stelabarbieri.com.br, acesso em 19/01/2010, s 11h.
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Autora dos livrosBumba-Meu-BoieA menina do fio, ambos da ed. Girafinha.
Viviane Coentro (31 anos) Campinas / So Paulo entrevistarealizada pessoalmente no Sesc Pompia, em 2008.
Fonoaudiloga9, com formao em Letras, especializao em Audiologia Clnica
pela Irmandade da Santa Casa de Misericrdia de So Paulo (2001) e Mestrado em
Lingustica Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas.
Integra o Grupo Manau de Contadores de Histrias, que composto por
narradoras formadas nas diversas reas do conhecimento: Pedagogia, Fonoaudiologia e
Educao Fsica. O grupo se dedica a difundir a arte de contar histrias por meio de obras
literrias e tradicionais. O grupo realiza sesses de narrao de histrias e oficinas de
formao de novos contadores.No ano de 2004, realizou um trabalho com os dezessete Ncleos Comunitrios da
Secretaria de Assistncia Social de Campinas / SP Gesto democrtica e popular / 2000-
2004.
Foi realizada tambm uma conversa informal com dois contadores tradicionais para
investigar sobre seu percurso de aprendizagem da arte de narrar e o que pensam sobre ela
na atualidade:
Dona Carlota Couto Faria (77 anos) uma das informantes do Programa deEstudo e Pesquisa da Literatura Popular da Universidade Federal da Bahia, que
aprendeu a contar histrias com sua me. Dona Carlota carinhosamente me abriu as
portas de sua casa, na cidade de Salvador em 2008 e, nesta ocasio, me contou
muitas histrias e cantou cantigas tradicionais.
Gezio da Rocha Pinto (68 anos) meu pai, natural da Zona da Mata em MinasGerais e que possui um grande repertrio de narrativas tradicionais, quadrinhas e
provrbios oriundos das noites de histrias das quais participava na infncia e
juventude em sua terra natal.
Alguns depoimentos foram colhidos com outras pessoas envolvidas com a arte
narrativa:
9Informaes retiradas dos sites www.alb.com.br e http://buscatextual.cnpq.br, acesso em 10/02/2010, s20h.
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Betty Coelho (82 anos): contadora de histria, escritora de literatura infantil,formadora de contadores e autora do livro Contar histrias, uma arte sem idade.
Betty Coelho foi uma das primeiras pessoas no Brasil a escrever sobre a
aprendizagem da arte de contar histrias. Um livro fruto de sua experincia como
narradora em contexto escolar e fortemente influenciado por Malba Tahan, com
quem conviveu. A experincia como narradora, escritora de ttulos infantis e autora
foi percussora para o trabalho de formao de narradores para atuar em escolas e
bibliotecas de Salvador. Por ocupar um espao e uma importncia reconhecida no
cenrio da arte narrativa brasileira, encontrei Betty Coelho em 2006, na Biblioteca
Juracy Magalhes. O objetivo era conhecer suas ideias e produo, bem como
investigar seu processo de aprender a contar histrias e aprender a ser formadora de
contadores de histrias.
Francisco Marques (Chico dos Bonecos):contista, escritor, poeta e inventor debrinquedos. Pessoa de muita sensibilidade e conhecimento artstico, gentilmente
concedeu depoimento (por e-mail) sobre sua apreciao esttica da Trilogia
Sabenas, analisada nessa pesquisa, como exemplo de trabalho que rene
aprendizagem da arte, das linguagens artsticas a servio da narrao com qualidade
esttica.
Leandro Medina:bailarino, msico e poeta. Por integrar, como msico, o GrupoP de Palavra, pde contribuir com muitas informaes sobre a produo da
Trilogia Sabenas e a utilizao da linguagem musical na arte de contar histrias,
em 2009, no Galpo do Circo (Vila Madalena SP) , onde trabalha.
Lydia Hortlio:embora no seja uma contadora de histrias, etnomusicloga epesquisadora dos cantos, contos e brinquedos cantados da infncia. Tem um
belssimo acervo coletado em sua cidade natal, Serrinha, no serto da Bahia e um
profundo respeito e admirao pelas manifestaes culturais do Brasil, entre elas,
pelas histrias da tradio oral. Fiz o primeiro contato com Lydia, no encontro
Boca do Cu, em 2006, ocasio em que ela veio de Salvador para ministrar uma
palestra. Em 2008, tive a grata oportunidade de ser sua aluna, em um mdulo do
curso A Arte do Brincante para Educadores, no Teatro e Escola Brincante (Vila
Madalena SP) , onde estudo. O convvio com Lydia Hortlio foi essencial, para a
compreenso da cultura tradicional e suas manifestaes.
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As transcries dos trechos das entrevistas e dos depoimentos foram editadas, com o
objetivo de preservar o contedo e interferir o mnimo possvel na forma da comunicao.
Aps refletir sobre o material colhido, restava ainda pensar um modo de apresent-
lo, articulando a teoria com os elementos prticos e expondo, assim, as reflexes econsideraes sobre a aprendizagem do contador urbano. Optei ento, pela utilizao de
fragmentos dos depoimentos e entrevistas 10dos contadores em meio aos argumentos
tericos do texto, a ttulo de ilustrao das ideias principais que a pesquisa apresenta.
Desta forma, as entrevistas no esto transcritas integralmente no texto. Ao optar
pela anlise do discurso dos narradores, foram recortados os trechos que se relacionam
com os argumentos discutidos na pesquisa em diferentes captulos. Desta forma, o registro
da voz dos colaboradores, citados acima, estar presente em diferentes momentos no texto.
Anlise de espetculos de narrao de contos:
A Trilogia Sabenas razes da alma brasileira, do Grupo P de Palavra, dirigido
por Regina Machado, compreende trs espetculos, concebidos a partir do estudo e
aprendizagem da arte de contar histrias por meio da arte e dirigidos ao pblico, com a
inteno de oferecer uma experincia esttica e educativa, ao promover o dilogo da artede narrar com outras linguagens artsticas e oferecer ao pblico contos, msicas e imagens
da cultura brasileira de influncia africana, ibrica e indgena.
Os trs espetculos, descritos abaixo, que compe a trilogia foram assistidos ao
vivo e revistos em forma de gravao, muitas vezes, para anlise, articulando a observao
e a teoria investigada.
Sabenas Africano:
Concepo e Direo: Regina Machado.
Direo Musical: Leandro Medina e Renato Epstein. Narradores: Andi Rubinstein, Diana Tatit, Estvo Marques, Madalena Monteiro e
Urga Mara Cardoso.
10O contedo integral das entrevistas consta em CD anexo.
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Msicos: Estvo Marques, Leandro Medina, Leo Nascimento, Renato Epstein eFernanda de Paula.
Superviso Musical: Lydia Hortlio. Bailarina: Regina Santos. Coreografia: Renata Lima. Cenrio e figurinos: Goya Lopes.
Sabenas dalm Mar:
Concepo e Direo: Regina Machado. Direo Musical: Leandro Medina. Preparao Vocal: Bett Just. Superviso Musical: Lydia Hortlio. Narradores: Estvo Marques, Madalena Monteiro e Urga Mara Cardoso. Msicos: Estvo Marques, Leandro Medina, Fernanda de Paula, Marina Pittier,
Denis Carvalho.
Cenrio e figurinos: Urga Mara Cardoso.
Sabenas Indgena:
Concepo e Direo: Regina Machado Direo Musical: criao coletiva. Preparao Vocal: Bett Just. Superviso Musical: Lydia Hortlio. Narradores: Daniel Ayres, Estvo Marques, Fernanda de Paula, Calima Jabur. Msicos: Daniel Ayres, Estvo Marques, Fernanda de Paula, Jlia Pittier. Cenrio e figurinos: criao coletiva.
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Os trs espetculos so produtos de um percurso de aprendizagem dos narradores,
alimentado pelos pressupostos terico-poticos, desenvolvidos por Regina Machado, e
pelas pesquisas artsticas dos narradores que exemplificam, entre outras coisas, a
articulao das mltiplas linguagens artsticas com a arte de contar histrias.
1.3 Relato de experincia
A investigao sobre a aprendizagem da arte narrativa me levou a uma experincia
de prtica, de aplicao de princpios e pressupostos analisados. Trata-se da orientao
dada ao Grupo 3D de Teatro, que tinha como projeto de pesquisa a narrao do conto que
seria apresentado em linguagem teatral como parte do processo de montagem doespetculo. Nesta ocasio, foi possvel desenvolver propostas de formao de contadores,
ancoradas na Proposta Triangular do Ensino da Arte e dos estudos de Regina Machado,
observando seus resultados. Cabe ressaltar que, o que o grupo pretendia no era se formar
como um grupo de contadores de histrias e, sim, aprender a contar histrias com alguma
qualidade, para incorporar as experincias que lhe seriam decorrentes, como laboratrio
para suas pesquisas teatrais. A produo final pde ser apreciada no espetculo Hugo, os
imaginrios e a cidade do medo, exibido no Sesc Ipiranga, durante os meses de setembro e
outubro de 2007. Os depoimentos dos atores, bem como algumas fotos do processo deaprendizagem se encontram no corpo desta pesquisa.
A experincia foi produtiva para analisar relao do teatro com a arte de contar
histrias, encontrando respostas para algumas indagaes, como: o contador de histrias
deve ser ator? Contador de histria decora texto? Contar diferente de dramatizar?
* * *
A anlise de todo o material no visa mensurao, mas a interpretao, pois na
pesquisa qualitativa a anlise interpretativa e no estatstica.
Minayo (2002) afirma que a abordagem qualitativa no pode pretender o alcance da
verdade, deve se preocupar com a compreenso da lgica que permeia a prtica que se d
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na realidade. Preocupa-se com um nvel de realidade que no pode ser quantificado e, por
isso, os seus resultados so subjetivos.
Sendo assim, os depoimentos e relatos que fazem parte do corpo da pesquisa no
foram colhidos na inteno de oferecer um panorama geral a respeito dos contadores dehistrias do Brasil, nem to pouco constituir uma grande amostragem que quantificasse
experincias e percursos de formao. Como pressupe em uma pesquisa qualitativa, a
amostra intencional e pequena.
Assim, as vozes de contadores de histrias urbanos so, acima de tudo, testemunhos
exemplares. Alm disso, surgem como instrumentos de anlise e reflexo sobre a maneira
como aprenderam e continuam aprendendo sobre a arte de narrar.
O que se pretende, a partir da experincia e da maneira de entender a arte
narrativa daqueles que a praticam, obter informaes e elementos fundamentais para um
conhecimento mais profundo da situao atual da prtica de aprender a contar histrias, no
contexto atual brasileiro.
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PARTE A
OS ARTISTAS DA PALAVRA
Pelo que concerne poesia, a escritura parece moderna; a
voz, antiga. Mas a voz moderniza-se pouco a pouco: ela
atestar um dia, em plena sociedade do ter, a permanncia
de uma sociedade do ser.
Paul Zumthor
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2 CONTAR HISTRIAS UMA ARTE
na lngua onde o povo mais semostra criador. Mais do quecantando, falando que o povo nosensina coisas extraordinrias.
Jos Lins do Rego
A palavra falada a alma danarrativa e a narrativa o caminhoque a imaginao e o fazer humanospercorrem para nos ensinar quemsomos, como somos e por que somos
Luiz Carlos dos Santos
Eu conto porque creio nas palavras.Creio na sua pesada amorosasubstncia [...] No apenas eu nuncamais serei o mesmo, porque narrei aele, mas ele tambm. Ele nunca maisser o mesmo [...] Agora somos.
C. R. Brando
esde que o mundo mundo a arte ocupa lugar de importncia nas culturas.
A arte tem a funo de alimentar simbolicamente o ser humano, de proporcionar
experincias que transformam a relao do sujeito com o mundo e consigo mesmo. A obra
de arte transcende o tempo e o espao em que foi criada. atemporal e universal.
Milhes de pessoas lem livros, ouvem msica, vo ao teatro e aocinema. Por qu? [...] claro que o homem quer ser mais do que elemesmo. Quer ser um homem total. No lhe basta ser um indivduoseparado: alm da parcialidade da sua vida individual, anseia umaplenitude que sente e tenta alcanar, uma plenitude de vida que lhe fraudada pela individualidade e todas as suas limitaes; uma plenitudena direo da qual se orienta quando busca um mundo mais
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compreensvel e mais justo, um mundo que tenha significao.(FISCHER, 2007, p. 12)
Arte uma palavra de difcil e mltipla definio. Por isso, no se pretende aqui
abordar toda a complexidade, amplitude e profundidade do termo. Contudo, pode-se dizer
que como produo humana, arte conhecimento, linguagem e, enquanto linguagem,
tambm forma de expresso. Segundo Dewey (2008, p.29), el arte es la prueba viviente
y concreta de que el hombre es capaz de restaurar conscientemente, en el plano de la
significacin, la unin de los sentidos, necesidades, impulsos y acciones caractersticas de
la criatura viviente.
Conhece-se um povo por meio da sua arte. Seu pensamento, seu sentimento e sua
forma de se relacionar com o mundo esto presentes na sua msica, na sua dana e nassuas construes. A arte tambm pode guardar a memria de um povo, de uma civilizao
e de uma vida particular:
La gloria de Grcia y la grandeza de Roma para mucho de nosotros,probablemente para todos, excepto para el estudante de historia, resumeaquellas civilizaciones; gloria y grandeza son estticas. Para todos,excepto para el anticuario, el antiguo Egipto es sus monumentos, templosy literatura. La continuidad de la cultura en el paso de una civilizacin aotra, as como dentro de la cultura, est condicionada por el arte ms quepor cualquiera otra cosa. Troya vive para nosotros solamente en la poesay en los objetos de arte que se han recuperado de sus ruinas. (DEWEY,2008, p. 370)
A perenidade da arte e sua presena nas culturas humanas, em todos os tempos,
apontam para o fato de que a arte necessria para a experincia humana, posto que:
A arte pode elevar o homem de um estado de fragmentao a um estado
de ser ntegro, total. A arte capacita o homem para compreender arealidade e o ajuda no s a suport-la como a transform-la,aumentando-lhe a determinao de torn-la mais humana e maishospitaleira para a humanidade. A arte, ela prpria, uma realidadesocial. A sociedade precisa do artista, este supremo feiticeiro, e tem odireito de pedir-lhe que ele seja consciente de sua funo social.(FISCHER, 2007, p. 57)
E, qual seria a funo social da arte? Ainda segundo Fischer:
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[...] a funo permanente da arte recriar para a experincia de cadaindivduo a plenitude daquilo que ele no , isto , a experincia dahumanidade em geral. A magia da arte est em que, nesse processo derecriao, ela mostra a realidade como possvel de ser transformada,dominada e tornada brinquedo. (FISCHER, 2007, p. 252)
Segundo Dewey (2008), o efeito da apreciao da obra de arte carregado pelo
sujeito vida afora, consciente ou inconscientemente, torna-se parte daquilo que e interfere
nas experincias posteriores. Expe que:
La obra de arte muestra y acentua esta cualidad de ser un todo y depertencer a un todo ms amplio y comprensivo, que es el universo em elque vivimos. Pienso que este hecho es la explicacin de ese sentimiento
de exquisita inteligibilidad y claridad que tenemos em presencia de umobjeto experimentado con intensidad esttica. Explica tambin elsentimiento religioso que acompaa la percepcin esttica intensa. Nosintroduce, por decirlo as, a un mundo que est ms all de este mundo, yque es, sin embargo, la realidad ms profunda del mundo en el quevivimos en nuestras experiencias ordinarias. Nos lleva ms all denosotros mismos para encontrarmos a nosotros mismos. (DEWEY, 2008,p. 220)
Enquanto rea do conhecimentohumano, a arte um instrumento de produo e de
acesso ao conhecimento e, ao mesmo tempo, uma forma de aprendizagem ao propor a
reflexo sobre a condio humana e sobre sua relao com o mundo, produzindo
conhecimento por meio da linguagem potica. Entende-se por conhecimento de natureza
potica, um conjunto de informaes, temas ou ideias elaborados pela criao artstica ou
que a alimentam e esto presentes na produo dos artistas. Segundo Pareyson (1997), o
conhecimento potico traduz a espiritualidade de uma poca, transformada em expectativa
de arte.
Segundo Suassuna (2007, p.274):
A inteligncia est presente na Arte, mas o papel fundamental, na criaoartstica, desempenhado pela imaginao criadora. Existe muita coisa deintelectual na criao e na fruio da Arte; existe mesmo uma forma deconhecimento, na Arte, mas uma forma de conhecimento bastantediferente das que so exercidas pela Cincia e pela Filosofia: umconhecimento potico, concreto e resultante da simples apreenso,quando a inteligncia, movida pela Beleza do que apreendeu, se penaturalmente e sem esforo a refletir sobre o que viu.
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Explica Bosi (2006, p. 27-8) que a Lingustica indo-europeia apurou que o termo
alemo para arte, Kunst, partilha com o ingls know, com o latim cognoscoe com o grego
gignosco(= eu conheo) a raiz gno, que indica a ideia geral de saber, terico ou prtico.
A arte , assim, uma forma peculiar de conhecer e dar sentido experinciahumana. Segundo Dewey (2008, p.119), os significados expressos pelas diversas formas
artsticas no podem ser traduzidos pelas palavras sem uma perda de significao. Para o
autor, cada arte habla un idioma que trasmite lo que no puede decirse en otra sin tener
que vari
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