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ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM PORTUGAL: POSSIBILIDADE DE INSERÇÃO DO INSTITUTO NO DIREITO
TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
Ana Paula Olinto Yurgel Advogada; Especialista em Direito Tributário (IBET); Mestranda em Direito (UFRGS)
Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir a possibilidade de aplicação no Brasil do instituto da arbitragem para resolver conflitos em matéria tributária. Para tal fim, inicialmente, apresentar-se-á a recente experiência de Portugal que implementou e regulamentou a arbitragem nesta seara. Posteriormente, analisa-se o cenário Brasileiro, tratando da arbitragem em conflitos que envolvem a administração pública e abordando os pressupostos do direito tributário brasileiro, que poderiam ser entendidos como limitadores da aplicação a arbitragem para a este tipo de resolução de conflito. Por fim, se traz algumas alterações que deveriam ocorrer na legislação. Palavras-Chave: Arbitragem; Tributário; Resolução de Conflitos; Administração Pública
Abstract: The present paper aims to discuss the arbitrability of taxation issues in Brazil. For this purpose, we will refer firstly, to the recent experience of Portugal, where the arbitrability of taxation matters was effectively implemented within the regulatory framework. Secondly, we will address the Brazilian scenario concerning the arbitration of public administration issues and the applicable premises pursuant to Brazilian tax law that could limit the arbitrability of such issues. Finally, we will present the pertinent suggestions relating changes that would be required in the legislation in order to incorporate the arbitrability of taxation issues in Brasil.
KEYWORDS: Arbitration, Tax, Conflict Resolution, Public Administration
INTRODUÇÃO
Este estudo busca responder à seguinte pergunta: É possível a aplicação
do instituto da arbitragem para a resolução de conflitos em matéria tributária, no
Brasil?
Para tanto, apresenta-se a recente experiência de Portugal, que
implementou e regulamentou a arbitragem tributária, analisando-se os motivos e
os obstáculos para essa implementação. Aborda-se, também, de forma
detalhada o funcionamento desse processo arbitral. Além disso, apresentar-se-
ão dados recentes dessa inovação naquele país.
Num segundo momento, analisa-se a arbitragem como uma solução de
conflitos tributários no Brasil. Primeiramente, verificando-se a possibilidade de
sua aplicação da arbitragem em conflitos que envolvem a administração pública,
discutindo-se a existência de previsão legal e os princípios que regem os Entes
públicos.
Posteriormente, busca-se enfrentar os pressupostos do direito tributário
brasileiro, que poderiam ser entendidos como limitadores à aplicação da
arbitragem para esse tipo de resolução de conflito, como por exemplo, a
“indisponibilidade” do crédito tributário.
Por fim, serão apresentadas as conclusões sobre a possibilidade de se
utilizar a arbitragem para a resolução de conflitos em matéria tributária.
É importante, antes de adentrar-se neste estudo, discutir brevemente
algumas vantagens da arbitragem, para assim poder avaliar a possibilidade de
sua aplicação de forma positiva no direito tributário brasileiro.
Salienta-se que a arbitragem é um procedimento litigioso privado,
controlado por um profissional especializado e independente, que dita uma
sentença e soluciona o conflito entre as partes; tem uma tramitação análoga
a qualquer processo judicial, que tramita no Poder Judiciário.
Ademais, é um instituto no qual predomina a autonomia das partes que
optarem pela formação do juízo arbitral. Visto que a ninguém pode ser negado o
acesso ao judiciário, a não ser que tenha realizado esta escolha.
1. APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NO DIREITO TRIBUTÁRIO PORTUGUÊS
Previamente à utilização interna de arbitragem tributária, Portugal já
estava familiarizado com duas formas de arbitragem nesta matéria. A primeira,
refere-se à bitributação na Convenção Modelo OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que, no procedimento amigável
para resolução de controvérsias, em 2008, instituiu uma etapa arbitral caso os
Estados não entrasse em acordo sobre a bitributação .
A outra forma, consta na Diretiva n.º 90/436 da União Europeia, que trata
da eliminação da dupla tributação em matéria de ajustamento de lucro de
empresas coligadas - Transfer Pricing. Especificamente, na seção três da
referida normativa, admite-se a arbitragem para a resolução de controvérsias,
prevendo a criação de uma comissão consultiva na qual participarão
representantes escolhidos pelas autoridades interessadas e um presidente da
comissão (nos moldes de um processo arbitral); essa comissão deverá dar seu
parecer em seis meses.
No direito interno Português, a arbitragem está prevista na Constituição
artigo 2091, que lista os tribunais existentes, dentre eles, os arbitrais. A
arbitragem naquele país, em 1986, foi regulada, com publicação da lei sobre a
arbitragem voluntária - Lei nº 31 de 1986, que foi revogada pela Lei nº 63 de
2011, hoje vigente. Com base nessa legislação, Portugal passou a admitir a
constituição de tribunais arbitrais voluntários, instituídos pela vontade das partes.
Ademais, naquele país, é expressamente admitido que o Estado e as
pessoas de direito público celebrem convenções de arbitragem, desde que
1Artigo 209.º Categorias de tribunais 1. Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais: a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância; b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; c) O Tribunal de Contas.2. Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.(...) (grifo nosso).
tenham como objeto do litigio matéria de direito privado ou que o objeto em
questão esteja autorizado por lei.
Como tributo é uma matéria de direito público, fazia-se necessária a
aprovação de lei para autorizar que conflitos envolvendo o direito tributário
fossem resolvidos por arbitragem. Assim, em 2010, na Lei do Orçamento do
Estado, ficou expressamente autorizada a regulamentação da arbitragem em
matéria tributária2.
Portugal inovou quando optou por regulamentar a arbitragem tributária,
ainda que ela fosse uma solução contrária à adotada pela maioria dos países
europeus (FERREIRA; ASCENSO, 2011).
Como o intuito deste trabalho é discutir a aplicação da arbitragem
tributária no Brasil, passa-se a elencar quais foram os obstáculos para a inserção
desta forma de resolução de controvérsias em Portugal.
a. OBSTÁCULOS À ARBITRAGEM NOS CONFLITOS
TRIBUTÁRIOS EM PORTUGAL
Após a aprovação da Lei do Orçamento, em 2010, que autorizou a
arbitragem em matéria tributária, Portugal regulamentou a questão pelo Decreto-
Lei n.º 10/2011, no qual se encontram os seus objetivos. São eles: reforçar a
tutela eficaz dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos sujeitos
passivos; imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a
administração tributária ao sujeito passivo; e reduzir a pendência de processos
nos tribunais administrativos e fiscais.
Destaca-se que as funções da referida no Decreto aplicar-se-iam,
também, perfeitamente, na situação atual dos litígios tributários no Brasil.
Sempre que se discute a arbitragem em matéria tributária são arguidos
fortemente dois óbices: o monopólio da administração da justiça pelo Estado e a
indisponibilidade do crédito tributário, que tem previsão expressa na legislação.
2 Artigo 124º da Lei do Orçamento do Estado de 2010 (Lei nº 3-b/2010)
Juristas portugueses, tais como Diogo Leite de Campos, apresentaram
argumentos que desconstruíram esses obstáculos, sobre os quais passaremos
a discorrer.
No que se refere ao monopólio da administração da justiça pelo Estado,
indica-se ser um argumento enfraquecido, principalmente, em países da União
Europeia, onde coexistem tribunais nacionais e tribunais comunitários. Ademais,
apesar da monopolização da justiça e da criação de uma justiça pública serem
conquistas do Estado moderno, os tribunais arbitrais, em Portugal, foram
instituídos pelo próprio Estado (FERREIRA; ASCENSO, 2011), não restando
dúvidas sobre a sua competência.
Além disso, a sociedade civil, como bem alertou Campos (2007):
(...) tem vindo a entender que, tendo legitimidade para criar suas
próprias relações intersubjetivas, para criar seu próprio direito para
além do direito legislado, também, deve ter legitimidade para resolver
seus próprios conflitos.
Assim, o obstáculo mais controverso refere-se à determinação legal da
indisponibilidade dos créditos tributários, visto que a Lei Geral Tributária
Portuguesa determina, em seu artigo 30 n. 2, que o crédito tributário é
indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção
respeitando o princípio da igualdade e o da legalidade tributária.
Essa questão foi superada por juristas portugueses, que argumentaram
que, quando determinado conflito for submetido ao tribunal arbitral, não está se
discutindo o crédito tributário, mas, sim, a aplicação de regras jurídicas aos fatos
(FERREIRA; ASCENSO, 2011). Sendo assim, poder-se-ia dizer que em termos
de disponibilidade do crédito os efeitos são comparáveis com os de uma
discussão no judiciário.
Com o intuito de contribuir com a reflexão sobre uma adequada aplicação
da arbitragem no direito tributário brasileiro, passa-se a expor o funcionamento
do processo arbitral tributário em Portugal.
b. PROCESSO ARBITRAL TRIBUTÁRIO EM PORTUGAL
O Decreto nº 10 de 2011, instrumento que regulamentou e viabilizou a
arbitragem tributária em Portugal, fixou as matérias que podem ser objeto deste
instituto, são elas:
1. Apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de
autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
2. Declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável,
de atos de determinação em matéria de recolhimento e de atos de fixação
de valores patrimoniais; e,
3. Apreciação de qualquer questão, de fato ou de direito, relativa ao projeto
de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a
pretensão anteriormente referida.
Claramente, a legislação não abre espaço para a análise de aspectos
constitucionais e, segundo ela, é expressamente vedado o uso do julgamento
por equidade.
Na Lei do Orçamento de 2010, restou determinado que a arbitragem é um
meio alternativo ao processo de impugnação judicial ou à ação de
reconhecimento de um direito e interesse legítimo em matéria tributária, sendo
um direito potestativo dos contribuintes. Dessa forma, a administração pública
não pode dar início ao processo arbitral.
Para exemplificar as hipóteses de aplicação, traz-se, a seguir, três
jurisprudências arbitrais tributárias, que estão publicadas no site do Centro de
Arbitragem Administrativa - CAAD3.
3 Órgão da administração pública que tem por objetivo promover a resolução de litígios respeitantes a contratos, relações jurídicas de emprego público e matéria fiscal, através de informação, mediação, conciliação ou arbitragem, nos termos definidos pelo seu regulamento e que por lei especial não estejam submetidos exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária.
Processo n.º: 128/2012-T
Tema: IVA – direito à dedução do IVA suportado com assessoria jurídica e consultoria
destinado a aquisição de participações sociais; holding vs sociedade operacional.
Decisão: procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no
pagamento à Requerente (...), até o integral reembolso do referido montante”
Processo n.º: 63/ 2012-T
Tema: IMT - Isenção de pagamento de imposto nas aquisições de imóveis destinados
a revenda.
Decisão: Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, julgando procedente o
pedido de pronúncia arbitral, decide este Tribunal:
a) Anular, com fundamento em ilegalidade por violação de errônea qualificação do fato
tributário em causa e da inexistência de capacidade contributiva, as liquidações de IMT
e juros compensatórios referentes ao ano de 2010, conforme pedido.
b) Declarar ilegais as liquidações controvertidas de IMT e juros compensatórios de
2010, com fundamento na procedência da exceção da prescrição de toda a dívida, e
da exceção de caducidade da liquidação, conforme pedido.”
Processo n.º: 80/2012-T
Tema: IRS – Domicílio Fiscal
Decisão: Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral: Julga
improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e de anulação do ato tributário
de liquidação adicional em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares, n.º … do ano de 2007, e o subsequente ato de demonstração de acerto de
contas n.º … de 18 de Julho de 2011, com a anulação parcial do ato por errônea
qualificação e quantificação do rendimento, absolvendo a Autoridade Tributária e
Aduaneira dos mesmos.
Logo, em Portugal, os contribuintes podem recorrer à arbitragem quando
discordem de certas intimações do fisco, como, por exemplo, as que se referem
ao valor que lhes seja cobrado de imposto sobre a renda, ou o direito a uma
isenção.
O Decreto-Lei prevê, ainda, a possibilidade dos contribuintes
submeterem, aos tribunais arbitrais, ações tributárias que se encontrem
pendentes de decisão há mais de dois anos, com a dispensa do pagamento das
custas judiciais.
Os litígios a serem resolvidos por arbitragem poderão ter o seu valor
máximo de dez milhões de euros4, sendo que nos litígios de valor igual ou
superior a quinhentos mil euros, foi estipulado que, o árbitro presidente deve ter
exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o
grau de mestre em Direito Fiscal; e, nos litígios de valor igual ou superior a um
milhão de euros, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de
magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito
Fiscal.
Além disso, o procedimento arbitral tributário é muito similar ao
procedimento arbitral institucional, já que os processos tramitam no Centro de
Arbitragem Administrativa (CAAD) que está sobre a égide do Conselho Superior
dos Tribunais Administrativos e Fiscais, conselho similar ao Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, no Brasil.
Em síntese, o contribuinte realiza o pedido de instauração da arbitragem
e a administração pública é chamada ao processo para, caso deseje, revogar ou
substituir o ato sob o qual o contribuinte está solicitando a arbitragem. Caso o
fisco não realize nenhum desses atos, dar-se-á início ao procedimento arbitral
pela designação dos árbitros, conquanto a administração tributária fique
impossibilitada de praticar novo ato relativo ao mesmo sujeito passivo, ao
imposto e ao período de tributação, exceto com fundamento em fatos novos.
Quando apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral, o crédito
tributário terá o mesmo efeito que lhe caberia quando do ingresso em juízo, ou
seja, a suspensão do processo de execução fiscal e a suspensão e interrupção
dos prazos de caducidade e de prescrição da prestação tributária.
Dentre as grandes vantagens da arbitragem, encontra-se a garantia de
celeridade, pois é estabelecido um limite temporal de seis meses para a emissão
da decisão arbitral, com a possibilidade de prorrogação por mais seis meses.
4 Determinado por meio da Portaria Ministérios das Finanças e da Administração Pública e da Justiça - Portaria n.º 112-A/2011
Uma questão que sempre se discute ao se falar em arbitragem, no direito
tributário, é a escolha dos árbitros. Em Portugal, o tribunal arbitral pode ser
composto por um ou por três árbitros, variando o número conforme o valor da
causa. Nas causas de maior valor, cabe a cada parte a designação de um co-
árbitro e, a esses, a designação do terceiro, que exerce as funções de árbitro-
presidente.
A legislação permite a nomeação de profissionais com formação jurídica,
e, também, a nomeação de árbitros licenciados em Economia ou Gestão nas
questões de maior complexidade, que exijam um conhecimento específico de
área não jurídica, devendo, nesses casos, o árbitro-presidente ser sempre um
jurista com pelo menos 10 anos de comprovada experiência profissional na área
do direito tributário.
Porém, quando o árbitro for único, esse deve ser designado pelo
Conselho do CAAD, enquanto, em situações nas quais a lide será dirimida por
um tribunal arbitral, os árbitros podem ser escolhidos pelo CAAD ou pelas partes.
Quando os árbitros forem indicados pelas partes, o valor da arbitragem deve ser
integralmente recolhido pelo contribuinte, independentemente de quem ganhe,
e o valor será superior ao de uma arbitragem com árbitros designados pelo
CAAD.
Se os árbitros forem de escolha do CAAD, a fixação do montante das
custas do processo arbitral e da eventual repartição pelas partes serão
determinadas na sentença arbitral que vier a ser proferida pelo respectivo
tribunal.
Em tempo, são louváveis as diretrizes de impedimento dos árbitros, que
seguem as normas de padrão internacional. Entre as regras de impedimento,
estão que não pode o árbitro nos dois anos anteriores tenha sido dirigente,
funcionário ou agente da Administração Fiscal, membro de órgão social,
trabalhador ou tenha sido mandatário, auditor ou consultor do sujeito passivo
que seja parte no processo ou de entidade que se encontre com aquele em
relação de domínio ou, ainda, de pessoa ou entidade que tenha interesse próprio
na procedência da pretensão.
Quanto à decisão arbitral ser terminativa, mesmo buscando a celeridade,
Portugal determinou diversas possibilidades de recursos, que estão listadas
abaixo:
Recurso para o Tribunal Constitucional, nos casos em que a sentença
arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade ou aplique uma norma cuja constitucionalidade tenha sido
suscitada;
Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, quando a decisão
arbitral esteja em oposição, quanto a mesma questão fundamental de direito,
com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo
Tribunal Administrativo;
Recurso para o Tribunal Central Administrativo em virtude da na não
especificação dos fundamentos de fato e de direito que justificam a decisão, na
oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão
de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das
partes;
Recurso à União Europeia, nos casos em que o tribunal arbitral for a última
instância de decisão de litígios tributários. A decisão é susceptível de reenvio
prejudicial em cumprimento do § 3 do artigo 267.º do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia.
Cabe trazer para este estudo as estatísticas publicadas até fevereiro de
2013, no site da CAAD5, que apresentam um panorama da arbitragem tributária
em Portugal. Conforme os últimos dados, foram protocolados 200 pedidos de
instituição de tribunal arbitral, sendo que destes 48% com valores inferiores a R$
60.000 euros e apenas 1% com valores superiores a um milhão de euros. Com
relação às decisões proferidas, 58% foram favoráveis aos contribuintes e 40%
favoráveis a autoridade fazendária. Decisões, aparentemente, muito
equilibradas. Vale trazer o dado que refere que 98% dos procedimentos têm os
árbitros eleitos pelo próprio órgão público o CAAD.
5 http://www.caad.org.pt/content/content/id/115/s/3
2. ARBITRAGEM COMO SOLUÇÃO DE CONFLITOS TRIBUTÁRIOS NO BRASIL
Antes de se analisar a possibilidade de aplicação a arbitragem no direito
tributário, deve-se levantar a discussão sobre a possibilidade de um ente público
ser parte no processo arbitral, visto que, na seara tributária umas das partes é a
Fazenda, seja estadual, municipal ou federal.
a. ARBITRAGEM ENVOLVENDO CONFLITOS COM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
No Brasil, hoje, os conflitos entre a administração pública e as empresas
privadas são, via de regra, resolvidos no judiciário nacional. No entanto, a
utilização da arbitragem por órgãos públicos é autorizada em diversas leis como
a de Lei das Concessões - Lei 8.987 de 1995, que contem previsão expressa
sobre a inclusão de formas extrajudiciárias de solução das controvérsias nos
contratos de concessão, assim como, em algumas leis setoriais que permitem a
arbitragem em contratos que envolvam telecomunicações, energia elétrica,
petróleo, gás e outros.
De uma forma genérica, tem-se, também, essa autorização pela Lei de
Arbitragem n.º 9307/976, que permite a utilização do instrumento para dirimir
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Cabe mencionar que as leis brasileiras que permitem a utilização da
arbitragem por órgãos públicos exigem que: (i) no contrato conste cláusula que
declare competente o foro da arbitragem para dirimir qualquer questão
6 Reconhecida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) como constitucional em 2001, no julgamento da SEC 5206. Com este julgado, o STF autorizou a utilização da Arbitragem para os litígios derivados de contratos envolvendo bens patrimoniais disponíveis.
contratual7; (ii) as arbitragens tenham sede no Brasil e se desenvolvam em
língua portuguesa8.
Em que pese não haver previsão expressa em relação ao direito aplicável
nessas arbitragens; a administração pública não firmaria um contrato com
previsão de lei estrangeira, sob pena de violar a soberania e a ordem pública.
Quanto ao judiciário, é clara a atual posição do Supremo Tribunal Federal
(STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ambos são favoráveis à
arbitragem, no que se refere à utilização deste instrumento pela administração
pública.
No que se refere ao STF, é válido trazer para este estudo o leading case
de arbitragem que envolve a administração pública - o Caso Lage (LEMES,
2007). Trata-se de uma causa contra a Fazenda Pública, na qual foi determinada
a resolução por arbitragem. A disputa refere-se ao valor a ser pago em
decorrência da desapropriação de bens das Organizações Lage, constituída por
empresas privadas que se dedicavam à navegação, estaleiros e portos. Nesse
caso a própria União submeteu-se a arbitragem, o que foi considerado válido
pelo STF9.
Essa decisão, unanimemente proferida pelo Plenário do STF, foi de
extrema importância, uma vez que reconheceu especificamente a legalidade do
juízo arbitral, até mesmo nas causas contra a Fazenda Pública.
A fim de tornar mais objetiva a análise sobre a possibilidade de
administração pública resolver conflitos por meio da arbitragem apresenta-se a
redação do art. 1º da Lei de Arbitragem.
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da
arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis.
7 Art. 55 da Lei nº 8.666/93 – Lei de Licitações. 8 Art. 11 da Lei nº 11.079/2004 – Lei das Parcerias Públicos-Privadas. 9 STF, DJU 15 fev. 1973, AI 52.181/GB, Rel. Min. Bilac Pinto.
Essa análise deve ser dividida em duas etapas: a arbitrabilidade subjetiva,
no que se refere a “as pessoas capazes de contratar” e a arbitrabilidade objetiva
no que se refere a “dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
A arbitrabilidade objetiva trata da matéria que pode ser submetida a
arbitragem, ou seja, dos direitos patrimoniais disponíveis. Dessa forma, cabe
trazer a baila o que são estes direitos patrimoniais disponíveis para a
administração pública, tratando dos interesses públicos primários e secundários.
Sobre esse tema, Eros Grau (2000) alerta que é indisponível o interesse
público primário, não o interesse da administração pública. Norteando esse
raciocínio, Mello (2003) averbou que os interesses primários são os coletivos e
os secundários são aqueles que o Estado poderia ter como qualquer outra
pessoa.
Ademais, os direitos secundários ou derivados têm natureza instrumental
e existem para operacionalizar os interesses primários. Esta visão já foi
confirmada pelo STJ10, que entende que interesse público originário ou primário
é aquele interesse público que exige a participação do Parquet (Ministério
Público) e teria que ser submetido ao judiciário na qualidade de fiscal da lei e do
interesse público (LEMES, 2007).
Assim, quando a discussão é sobre um interesse de geração de riqueza
ao Estado, podemos aplicar a arbitragem, por este ser um direito secundário e,
consequentemente, disponível.
Analisando a arbitrabilidade subjetiva, a redação da Lei n. 9.037/97 no
que se refere à capacidade das partes, não apresenta nenhuma exceção ou
vedação prevista que limite à administração pública, ou seja,
independentemente de a parte ser publica ou privada, ela poderia optar por
resolver o litigio por arbitragem.
Selma Lemes (2007), inclusive, afirma que não existe guarida à
interpretação restrita do princípio da legalidade, a fim de exigir que norma
expressa autorize ao Ente público a utilização da arbitragem, visto que além do
princípio da legalidade, essa deve seguir outros princípios da administração
10 STJ Resp. 303.806 – RO
pública expostos na Carta Magna, como da eficiência, da moralidade, da
impessoalidade e da publicidade.
Assim, retomando a questão sobre a possibilidade de a fazenda pública
utilizar a arbitragem, citamos Lemes (2007):
“(...) impedir a fazenda de resolver divergências por arbitragem,
representaria restrição à autonomia contratual do Estado, como
pessoa capaz de contrair obrigações e reter direitos.”
Abordando os princípios da administração pública, tem-se que levar em
consideração o princípio da eficiência. Segundo Mello (2003), o princípio da
eficiência nada mais é que o principio Italiano da boa administração - il dovere di buona administrazione.
O princípio da eficiência é um dos principais que deve reger a
administração pública e nortear os três poderes, assim como a execução
administrativa e a aplicação normativa no caso concreto.
Ou seja, o Estado deve ser efetivo e eficaz na obtenção de utilidades para
a sociedade (MENDONÇA, 2010). Demorar, por exemplo, sete ou dez anos para
concluir uma execução fiscal não é de forma alguma atender o princípio da
eficiência.
Essa questão foi apontada por Hugo de Brito Machado (2007), quando
tratou de transação em matéria tributária:
(...) em algumas situações é mais conveniente para o interesse público
transigir e extinguir o litigio do que levar este até a última instância, com
a possibilidade de restar a fazenda publica no final vencida.
No direito tributário, o princípio da eficiência impõe um verdadeiro dever
do legislador de buscar caminhos de maior economia e celeridade para viabilizar
a imposição tributária (TORRES, 2003)..
Ademais, a administração pública eficiente deve utilizar e dispor de novas
estratégias e de práticas gerenciais, para atender os administrados (BATISTA,
2010).
De tal modo, a discussão ou a análise da possibilidade de utilização da
arbitragem em matéria tributária é um dever da administração pública, já que,
por essa forma de resolução de controvérsias, um litígio tributário seria decidido,
em no máximo um ano, tomando como base a legislação Portuguesa e não
considerando as possibilidades de recurso.
Sob a óptica do princípio da eficiência, vislumbram-se várias correlações
com a utilização da arbitragem para a resolução de controvérsias. Dentre elas:
a maior celeridade e a presença de especialistas decidindo a matéria.
Evidentemente, nunca se desvinculando da ideia de que a eficiência na
administração pública reflete o melhor interesse público possível.
b. VIABILIDADE DA ARBITRAGEM NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
Previamente à discussão sobre arbitragem na seara tributária, cabe
diferenciá-la do instituto da transação, previsto nos artigos 156 e 171 do Código
Tributário Nacional (CTN). A transação é uma forma de extinção da obrigação
do direito privado, prevista pelos artigos 840 e seguintes do código civil, no qual
as partes realizam concessões mútuas para encerrar um litígio.
No direito tributário, o artigo 156, III do CTN incluiu a transação entre as
hipóteses de extinção do crédito tributário e o artigo 171 desse mesmo código
determina que a lei pode facultar aos sujeitos ativos e passivos da obrigação
tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em
determinação de litígio e, consequente, em extinção de crédito tributário.
Na seara tributária, o objeto do litígio é o crédito tributário, que não pode
ser objeto de renúncia, sem autorização legal. A indisponibilidade dos bens
públicos impõe necessária previsão normativa para que a autoridade possa
realizar concessões, que é a essência da transação (BARROS, 2008).
Na transação, a lei deverá especificar qual a matéria litigiosa que irá se
aplicar a transação e quais suas condições, não abrindo espaço para a
discricionariedade (SCHOUERI 2011). Essa modalidade pode ser entendida
como uma novação, já que extingue o crédito tributário em nome de um novo
crédito, posterior as concessões mútuas de ambas as partes.
Totalmente diferente é a arbitragem, na qual um terceiro imparcial decidirá
o litigio aplicando as leis. Cabe trazer aqui os comentários de Schoueri (2011)
sobre esse instituto:
(...) trata-se de mera forma de aplicação de lei em caso de conflito.
Nenhuma das partes se predispõe a abrir mão de um direito; ao
contrário buscam uma forma de estabelecer o que será o direito.(grifo
nossa)
Em suma, na arbitragem, o fisco não está abrindo mão do crédito
tributário, está simplesmente optando por uma forma diversa de resolução da
controvérsia.
Cabe trazer aqui, a título de informação, que já houve tentativa de incluir
a arbitragem e a transação no direito tributário, em 2007, veiculada pela própria
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no ofício nº 624. Entretanto,
esse projeto não avançou, pois inclusive juristas, dentre eles Eurico Santi (2007)
que ao se referir a proposta, afirma que a transação é a negação da legalidade,
do controle e do direito.
Outra questão que aqui deve ser discutida é a que se refere à situação do
judiciário no Brasil e a tramitação dos processos tributários. Em pesquisa do
IDESP (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo),
apresentada por Pinheiro (2003) 91% dos empresários avaliaram o judiciário
como ruim ou péssimo no que concerne à agilidade.
Sobre isso, uma pesquisa realizada com magistrados de 12 unidades da
Federação detectou duas causas para a morosidade do judiciário: a primeira diz
respeito ao grande número de casos levados aos tribunais, não com a finalidade
de atingir um direito, mas para explorar a lentidão do judiciário e,
consequentemente, adiar o cumprimento de uma obrigação. Já a segunda,
refere-se a fatores da operação do judiciário, como a escassez de recursos
(PINHEIRO, 2005).
Na referida pesquisa, os magistrados afirmam que explorar a lentidão do
judiciário é uma prática muito utilizada, principalmente, em discussões tributárias
na esfera Federal, sendo essa uma prática recorrente, inclusive, pelo Poder
Público. Traduzindo essa informação em números, 51% dos magistrados
entrevistados pensam que essa é uma prática muito frequente nos litígios
tributários federais e 44% consideram que é muito frequente nos litígios na esfera
tributária estadual. (PINHEIRO, 2005).
Além disso, o passivo tributário nacional está hoje em torno de R$ 1,2
trilhões, sendo que a expectativa para a recuperação deste valor é em torno de
R$ 20 bilhões anuais, visto que a lei de execuções fiscais, de 1980, não tem
condições de resolver sozinha este acúmulo de créditos (TORRES, 2013)
Nesse cenário, a administração pública tem muita dificuldade em atingir
cumprir o princípio da eficiência. Em rápida análise, a arbitragem parece ser uma
solução louvável, mas para que se defenda essa possibilidade tem-se que
discutir a disponibilidade do crédito tributário.
Diferentemente de Portugal, a legislação brasileira não determina de
forma expressa, a indisponibilidade do crédito tributário. O CTN apenas
determina que após a constituição do crédito, este só pode ser modificado ou
excluído pelas hipóteses previstas no próprio CTN11.
Ademais, é basal discutir a natureza do crédito tributário. Para Hugo de
Brito Machado (2007), o crédito tributário é um vínculo jurídico de natureza da
obrigacional, por força do qual o Estado pode exigir do contribuinte o pagamento
11 Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.
de tributo. Além disso, decorre de lei diretamente sem que a vontade interfira em
seu nascimento.
Vale lembrar que no código tributário nacional, encontram-se os artigos
que falam das disposições gerais do crédito tributário são 139, 140, 141 e 142
do CTN12. Em suma, esses artigos determinam que o referido crédito decorre da
obrigação principal e que o crédito regularmente constituído, isto é, lançado de
acordo com as normas, somente se modifica ou extingue, ou tem sua
exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos no CTN, sob pena de
responsabilidade funcional.
Oportuno trazer aqui, a indisponibilidade dos bens públicos. Se o crédito
tributário fosse indisponível, a Fazenda Pública nas três esferas Federal,
Estadual e Municipal, não poderia oferecer parcelamentos ou incentivos fiscais,
pois estaria incorrendo em ilegalidades.
Além disso, a administração pública oferece soluções alternativas aos
contribuintes, que modificam. Exemplo disso, a concessão de moratória, de
transação e de remissão. Sendo assim, se fosse indisponível, o crédito tributário,
ele não poderia ser “negociado” ou alterado pelo executivo.
Nesse sentido, Heleno Torres (2003) aponta que a Constituição Federal
discrimina competências tributárias de cada Ente, sendo essas indisponíveis. Já
o crédito tributário pode ser disponível para a administração, desde que dentro
dos limites da lei.
Quanto ao crédito tributário ser um interesse público primário ou
secundário, entende-se que esse crédito se encontra entre os direitos públicos
secundários, apesar do valor da arrecadação estar vinculado a efetivação de
direitos públicos primários, como a educação, saúde e segurança (MONTEIRO;
CASTRO, 2009).
12 Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. Art. 140. As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem. Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.
Diante do exposto, entende-se que a administração pública pode utilizar
a arbitragem. Desta forma, cabe discutir quais alterações devem ser realizadas
para incluir o instituto da arbitragem na resolução de litígios na seara tributaria
no Brasil.
Resta claro que a arbitragem não está expressa no CTN como a
transação, desta forma é necessária a aprovação de Lei Completar13, que
institua a arbitragem como forma alternativa para a resolução de controvérsia
entre as partes. Além disso, deve haver uma lei ordinária determinando os
pressupostos gerais, os limites e as condições, assim como, o forma de escolha
dos árbitros, as matérias aplicáveis e os efeitos da decisão.
Nesse sentido, Torres (2013) entende que:
O procedimento de arbitragem aplicado em matéria tributária, para ser adotado na exigência de créditos tributários ou mesmo na solução de conflitos em geral, teria que atender a todos os ditames de legalidade, como: a) previsão por Lei, a definir a arbitragem como medida de extinção de obrigações tributárias e indicar seus pressupostos gerais, limites e condições; b) edição de lei ordinária pelas pessoas de direito público interno para regular, no âmbito formal, o procedimento de escolha dos árbitros, bem como a composição do tribunal arbitral, a tramitação de atos, e bem assim os efeitos da decisão e do laudo arbitral, além de outros (artigo 37, da CF); e c) que ofereça, em termos materiais, os contornos dos conflitos que poderiam ser levados ao conhecimento e decisão do tribunal arbitral (artigo 150, CF). A legalidade deve perpassar todo o procedimento, reduzindo o campo de discricionariedade e garantindo plena segurança jurídica na
sua condução. Como visto, esta é uma questão que só depende de esforço político.” (grifo nosso)
É válido ressaltar que a arbitragem não tem o efeito da transação disposto
no CTN, que extingue o crédito tributário. Com a arbitragem, o crédito tributário
só será extinto com o pagamento, e, se por ventura, a decisão na arbitragem for
a favor do contribuinte, o auto de lançamento será anulado.
13 O CTN tem força de Lei Complementar, o que não é tema deste estudo.
Desta forma, discorda-se de Torres (2013) que entende que Lei deve
definir a arbitragem como uma medida de extinção do crédito tributário. Entende-
se que uma Lei complementar deve determinar arbitragem como forma
alternativa de resolução de controvérsias em matéria tributária.
As vantagens da utilização da arbitragem para atingir o princípio da
eficiência são claras: celeridade, tecnicidade e redução dos custos de transação,
que servem tanto para o contribuinte como para o fisco (MONTEIRO; CASTRO,
2009).
Ressalta-se que como a arbitragem não é incentivo fiscal, não é
necessário atender à lei de responsabilidade fiscal (MONTEIRO; CASTRO,
2009).
Nesse sentido, Monteiro e Castro (2009) apontam, corretamente, que:
A arbitragem, portanto, não cria, majora ou extingue o crédito tributário, mas sim, a decisão proferida pelo juízo arbitral veicula determinado evento vertendo-o em fato jurídico, fazendo com que se desencadeiem as consequências da norma tributária
Quando se trata de arbitragem em matéria tributária é importante tem-se
clareza que em nenhum momento será afastado o princípio da legalidade, já que
todo o procedimento ocorreria integralmente dentro dos limites da lei instituidora
do procedimento arbitral tributário. (MONTEIRO; CASTRO, 2009)
Não se discute aqui a não aplicação das leis tributárias, mas, sim, uma
forma alternativa, rápida e eficiente para resolver as controvérsias. Isso
possibilitaria ao contribuinte maior segurança jurídica, pois esse não ficaria com
o crédito tributário em discussão de cinco a oito anos no judiciário, assim como,
permitiria que a Fazenda Pública obtivesse o seu crédito mais rapidamente,
beneficiando o interesse público de modo geral.
O laudo arbitral, conforme a lei vigente, hoje, no Brasil, tem eficácia de
título executivo. Entende-se que o laudo de arbitragem em matéria tributária,
também, teria o mesmo efeito. Outra questão que seria similar a lei geral de
arbitragem é que a escolha pelo instituto exclui a via judicial, e,
consequentemente, a esfera administrativa.
Como já se demonstrou, o que extinguirá o crédito será o pagamento ou
a desconstituição do lançamento e não a arbitragem propriamente dita. Esta,
apenas, aplicará as leis ao fato.
CONCLUSÃO
É notório que a interação do fisco com a sociedade vem evoluindo e que
as relações entre eles estão cada vez mais dinâmicas. Nesse contexto, a
arbitragem, que sem dúvida, é um mecanismo célere de resolução de
controvérsias, pois não permite uma infindável gama de recursos que, por vezes,
servem para protelar o resultado de uma ação, pode ser uma interessante
alternativa.
Diante do exposto, resta claro que: (i) que a administração pública pode
ser parte em arbitragens, inclusive a Fazenda; (ii) que arbitragem é uma forma
de resolução de controvérsias, não sendo ela que extingue o crédito tributário;
(iii) será um terceiro, escolhido conforme determinar a legislação, que decidirá
sobre a incidência ou não de determinado tributo, fazendo as vias de juiz; (iv) a
arbitragem de forma alguma é uma beneficio ao contribuinte.
Em que pese a doutrina venha evitando discutir sobre arbitragem no
direito tributário é claramente possível a aplicação no direito brasileiro, com base
nos argumentos expostos e mediante as alterações necessárias na legislação,
como lei complementar que altere o CTN, para autorizar a resolução de conflitos
por arbitragem. E posteriormente a publicação de lei ordinária que determine as
matérias que poderiam ser discutidas, a organização do procedimento, os efeitos
da arbitragem e outros pontos.
Como já tratado por Torres (2013) o objeto deste artigo é uma questão
que depende de esforço político. Já que por meio de legislação adequada é
possível instituir a arbitragem no direito tributário. Por fim, o que se propõe para
um próximo estudo, é uma discussão sobre quais as matérias em que a
aplicação da arbitragem traria maior eficiência no sistema tributário brasileiro e
quais seriam as possibilidades de recursos.
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