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Festa junina, uma relação social e cultural com a indústria do povo
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Festa junina, uma relação social e cultural com a
indústria do povo
Thyago Caminha B. de Oliveira¹
Philippe Pessoa Sobral²
RESUMO
Este artigo trata de um estudo sobre a Festa Junina, o maior evento turístico do nordeste, visando relatar como se dá o planejamento estratégico do mesmo, que inclui projeto, infra estrutura e estética e busca entender como a festa junina aderiu a uma postura urbano-industrial, perdendo sua identidade original e tornando-se produto da indústria cultural. Utilizou-se como metodologia as diferentes narrativas sobre a festa junina (organizadores, barraqueiros, participantes, mídia, entre outros). A partir delas procurou-se mostrar o destaque que o evento adquiriu no meio social, sua importância e quais os elementos que a compõe, assim como tudo que a envolve. Pudemos analisar a posição do mediador sobre o evento e sua organização, e sua colocação no meio da indústria cultural urbana se posicionando como produto e como resgate e firmação de uma cultura nordestina.
Palavras-chave: Planejamento Estratégico. Evento. Cultura local. Nordeste. Festa Junina.
¹ Aluno graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte - UFRN. email: thyagoca@hotmail.com
² Aluno graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte - UFRN. email: pessoa-yo@hotmail.com
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1 - INTRODUÇÃO
1.1 Contextualização
As festas juninas tem seu nome em homenagem a São João, embora girem em
torno de três datas principais: 13 de junho, festa de Santo Antônio; 24 de junho,
São João Batista e 29 de junho, São Pedro.
As festas juninas brasileiras podem ser divididas em dois tipos distintos: as
festas da Região Nordeste e as festas do Brasil caipira, ou seja, dos estados de São
Paulo, Paraná (norte), Minas Gerais (sobretudo na parte sul) e Goiás. E por estas
festas ocorrerem durante o mês de junho são chamadas de juninas. É interessante
notar que não apenas o dia dos santos, propriamente dito, mas todo o mês é
considerado como tempo consagrado e, principalmente, as vésperas, quando se
realizam os sortilégios e simpatias, a parte mágica da festa, típica do catolicismo
popular.
1.1.2 Diferenças Regionais
Festas Juninas no Nordeste: Embora seja comemorado nos quatro cantos do Brasil, na região Nordeste as festas ganham mais expressão. No Nordeste brasileiro se comemora, com pequenas ou grandes festas que reúnem toda a comunidade e muitos turistas, com fartura de comidas típicas, quadrilhas, casamento matuto e muito forró. É comum os participantes das festas se vestirem de matuto, os homens com camisa quadriculada, calça remendada com panos coloridos, e chapéu de palha, e as mulheres com vestido colorido de chita e chapéu de palha. O baião, o xote, o reizado, o samba-de-coco e as cantigas são danças e canções típicas destas festas.
Festas Juninas no Sul: Danças-das-fitas, de origem portuguesa e Espanhola, são a que mais animam a festa. Casais com a roupa caipira, bombachas e vestidos remendados, dançam cruzando fitas coloridas presas a um mastro. O gosto dos gaúchos pelas carnes não é esquecido, e o churrasco está sempre presente. Festas juninas no Sudeste: Tem o caipira com o chapéu de palha, calças remendadas, camisa xadrez e dente cariado, estilo country, e música sertaneja.
1.1.3 História das festas
De acordo com historiadores, esta festividade foi trazida para o Brasil pelos
portugueses, ainda durante o período colonial (época em que o Brasil foi
colonizado e governado por Portugal).
No Brasil, as festas juninas ocorrem desde o século XVI, trazida pelos jesuítas,
tinham o intuito de atrair os indígenas para a mensagem catequizadora dos
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padres, já que as festas Juninas coincidiam com o período em que os índios
realizavam os rituais de fertilidade.
Nesta época, havia uma grande influência de elementos culturais
portugueses, chineses, espanhóis e franceses. Da França veio a dança marcada,
característica típica das danças nobres e que, no Brasil, influenciou muito as típicas
quadrilhas.
Já a tradição de soltar fogos de artifício veio da China, região de onde teria
surgido a manipulação da pólvora para a fabricação de fogos. Da península Ibérica
teria vindo a dança de fitas, muito comum em Portugal e na Espanha.
Todos estes elementos culturais foram, com o passar do tempo, misturando-
se aos aspectos culturais dos brasileiros (indígenas, afro-brasileiros e imigrantes
europeus) nas diversas regiões do país, tomando características particulares em
cada uma delas.
As comemorações juninas foram agregando valores regionais, criando
variações da festa de acordo com a região, mas tendo em comum o louvor aos
santos do mês de junho e dançar ao redor da fogueira. No Nordeste a festa era
marcada pelos figurinos usados, onde geralmente os brincantes utilizavam roupas
velhas e com remendos. Uma das partes das festas juninas mais comentadas é a
quadrilha, porém não podemos utilizá-las como sinônimo, visto que as festas
juninas não se resumem as apresentações de quadrilhas, e sim a uma série de
detalhes que fazem do período junino uma grande festa. Dentre tantos detalhes
que cercam a mesma, podemos citar as quermesses, simpatias, as decorações, os
ritmos e as comidas típicas que além da quadrilha dão um requinte a mais nas
festividades do mês de junho.
Hoje em dia, podemos afirmar que as festas juninas perderam bastante da sua
identidade de festa rural, onde antes eram feitas apenas em comunidades locais e
regionais, passando a serem festas empresariais, de grande amplitude e
direcionado para as massas. A festa junina por uma visão significativa nos permite
uma re-elaboração dos conceitos de identidade regional e cultura local.
1.2 A Festa junina na atualidade
De origem rural, associado ao ciclo das colheitas agrícolas e ao calendário
religioso, a festa junina possui características familiares baseadas nos costumes
regionais. Ao longo dos processos históricos, com a migração da população do
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campo para as cidades e com o aumento da industrialização, as características de
evento familiar, realizado em espaço urbano que possuía as festas juninas,
transformaram em um evento turístico, meramente comercial, tornando-se um
espetáculo para as massas, assumindo caráter político, econômico e ideológico.
Algumas festas juninas têm o formato de evento turístico, mas procuram
incorporar componentes tradicionais, como podemos observar em algumas festas
juninas elementos como o casamento matuto, a noite das fogueiras, danças das
quadrilhas, passeio ferroviário, entre outros nos quais estejam presentes às raízes
da cultura nordestina.
A festa junina tem em sua identidade, diversas características da cultura local
e regional, na qual tem suas bases na tradição nordestina. As imagens, sons,
ritmos, crenças, valores, representações, práticas e manifestações, são elementos
de forte tradição cultural e social, mas que nem sempre de fácil identificação de
suas origens e até mesmo proveniente de várias raízes.
A festa junina é um evento que agrega diversos valores culturais de diferentes
procedências e contextos em um único. Atualmente, o evento se tornou um mix
cultural, pois uniu uma variedade de práticas sociais e elementos simbólicos tais
com: míticos, rurais, urbanos, tradicionais, modernos, sagrados, profanos, cuja
suas significações unem-se uma as outras.
Nos últimos anos o sentido religioso da festa perdeu espaço para os grandes
espetáculos realizados nos principais polos do Nordeste, como Campina Grande,
Caruaru, e até mesmo Mossoró. Mau ouvimos falar em simpatias e quermesses e
o nome dos santos do ciclo junino só são lembrados como nomes quase que
comuns, deixando de lado o significado religioso de cada santo e
consequentemente da festa. E essa perda de características da “quadrilha
tradicional” não se resume somente ao teor religioso, mas também às mudanças
nas músicas, ritmos, figurinos, personagens e praticas em geral, sem esquecer de
uma das mais notórias mudanças que são os locais onde ocorrem as
apresentações das quadrilhas. Que embora tentem trazer para o público uma
imagem do sertanejo, com a montagem de cidades cenográficas onde retratem
um pouco do cotidiano no sertão, a festa é tida como um espetáculo.
Segundo Hugo Menezes Neto no artigo “Damas e Cavalheiros” (2006), foi a
partir da década de 1980 que foram incluídos novos ritmos, cores e modelos
estéticos.
Podemos perceber que as modificações ocorridas nas festas juninas não se
resumem somente nas roupas, músicas e coreografias que passaram a ser
executadas de forma mais individualizada, continua a tradição de dançar em
pares, mas mesmo dançando juntos tem desempenho diferenciado e sempre
seguindo um padrão de comportamento masculino e feminino, assim como os
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demais fatores onde podemos observar essas modificações, também podemos
observar estudar as mudanças nos arraias.
As festas populares celebradas ganham novos aspectos na
contemporaneidade. Uma das maneiras de observarmos essas modificações é a
distinção entre “Quadrilha Tradicional” e “Quadrilha Estilizada”, onde os figurinos
passaram por diversas modificações. Essas mudanças não se resumem somente a
figurinos, mas também, nas coreografias, a introdução das competições locais e
festivais regionais e principalmente a criação de locais específicos para as
apresentações das quadrilhas juninas.
Assim como os figurinos e coreografias passaram por processos de
transformação, os locais onde estas festas ocorriam também passaram por esta
modificação, sendo que deixaram de ser festas em que reuniões familiares e
amigos de uma comunidade em frente às suas casas e passaram a ser realizadas
por instituições e em locais estratégicos e de maneira comercial.
Segundo Luiz Custódio da Silva: [...] os festejos juninos cada vez mais ocupam
novos cenários, novas formas de apresentação e de reinvenção no atual contexto
da sociedade. Estratégias inovadoras estão sendo implementadas para que essas
manifestações sejam reinventadas e possam cumprir múltiplas funções na
sociedade contemporânea. [...] não podemos negar a relação dessas
manifestações culturais com o processo de desenvolvimento do turismo, da
economia, do comércio e para a implementação de novas políticas relacionadas
com a revitalização da Cultura Popular na contemporaneidade.
Antônio de Almeida e Gustavo Gutierrez (2004) afirmam que com o
desenvolvimento da sociedade contemporânea, a indústria cultural confundiu-se
com o lazer a ponto de serem empregados com sinonímia, o que leva a um
afugentamento ainda maior das suas manifestações não consumistas como o lazer
de rua, as relações interpessoais, a recordação das atividades antigas e as festas
populares.
Podemos concluir que a festa junina é a forma condensada da atualização da
identidade cultural regional. A festa popular, no nordeste está diretamente
ligado ao lugar, à região, às raízes locais e aos valores culturais regionais,
gerando aos participantes do evento o sentimentalismos de ser pertencente ao
lugar. Por isso a idéia veiculada é de que o São João é a marca do nordeste e dos
nordestinos. Contudo, ela expressa e manifesta a nordestinidade, construindo um
sentido que envolve um conjunto de narrativas produtoras e mediadoras,
formando as noções de identidade regional e cultura nordestina.
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2 - A FESTA E SUAS NARRATIVAS
As diversas narrativas da festa (mídia, organizadores, barraqueiros e participantes)
mostram visivelmente o caráter mercadológico do evento, mas para que este seja
vendável, apresentam alguns elementos “autênticos”, de forma que, o evento seja
recuperado e conservado, apresentando semelhanças com as raízes da cultura,
tornando assim típicas. Alguns elementos por sua vez, introduzidos posteriormente,
fora bastante criticados, exatamente por serem vistos como elementos de
descaracterização da festa e da tradição. Com isso, quando os participantes se
referem ao São João atual, ele aparece descaracterizado, diferentemente do São João
do passado, que mantêm seus elementos aparentemente intactos.
De acordo com as narrativas dos barraqueiros, por exemplo, a festa deveria
constar mais de bandas locais e regionais que tocassem e cantassem forró do que
contratar bandas conhecidas, que tocam a todos instante nas rádios, podendo
privilegiar assim, a cultura local, preservando as tradições e os valores da cultura
nordestina, chamando a atenção ainda mais do público.
Ao avaliarmos esses diferentes pontos de vista, podemos perceber que há uma
divergência nos olhar dos participantes do evento, tais como entre os barraqueiros e
os organizadores com relação aos sentidos instituídos pela indústria cultural. Para os
agentes do evento, os elementos tradicionais da festa do passado são constituídos por
um caráter familiar, autênticos, originais e genuínos, estando associados à tradição e
aos valores culturais local. Já nos eventos modernos, atuais, pode-se observar uma
visão um pouco mais distorcida, com fogueiras artificiais, uma padronização das
barracas, a estilização das quadrilhas entre outras inovações e elementos associados
ao moderno, desvirtuando o ideal das tradições nordestinas.
Os Grandes eventos atuais procuram fazer uma mistificação de elementos
tradicionais e modernos, aderindo ao modismo do mercado atual, no qual a indústria
cultural tem um papel fundamental em sua adaptação e divulgação. A principal função
do evento consiste em resgatar as tradições contidas na dança do forró, no ritmo da
música nordestina, na poesia popular e no seu folclore regional. Os elementos
representados pelos movimentos das quadrilhas através do canto, da dança, da
coreografia e das vestimentas, possibilitam a preservação da identidade cultural
regional.
A mídia, além de ser responsável por fazer a divulgação do evento, forma uma
visão de mundo que trabalha os interesses de grupos sociais e jogos políticos, além do
que reforça o discurso dos dirigentes que tem hegemonia local, em torno dos
interesses da sociedade, manipulando e moldando a informação para que melhor seja
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aproveitada a favor do jogos de poder, influenciando assim na formação de uma
opinião social e na formação de uma imagem pública, seja dos nordestinos, do evento
em si ou de quem o organiza.
A narrativa publicitária, por exemplo, refere-se à festa junina como uma síntese do
Nordeste, da sua cultura e da sua gente. A festa é a expressão dos sonhos, da
esperança e da fé dos nordestinos: (...) sem o que não poderá construir uma sociedade
justa e dinâmica, as cíclicas estiagens comprometem a colheita (...) Jamais a fé
característica do nordestino. Em todo o Nordeste os santos são comemorados com
muita reverência e festa. Eles são reverenciados nas igrejas e com muito forró.
(MORIGI, 2001, p. 135).
Os fatores midiáticos, mesmo trabalhando com jogos de informações e
manipulando estes, transformam ideologicamente as opiniões sobre a cultura local e
regional, e para aqueles que questionam a festa e o resgate de suas raízes e da
tradição, sempre é possível recuperar a nordestinidade e os valores autênticos da
cultura nordestina, mesmo que seja através da simulação.
Os eventos juninos são espetáculos direcionados as grande massas, como
também é objeto de consumo, mas além disso, um objeto vivo, alvo das atenções do
governantes que se apropriam da festa como mecanismo estratégico para
manipulação e manutenção ideológica, tratando o São João como um produto
cultural regional que é capaz de resgatar as origens nordestinas.
3 - DO PLANEJAMENTO E DA REALIZAÇÃO DO EVENTO
O planejamento das grandes festas juninas quase sempre começa meses antes do evento, onde primeiramente ele é idealizado com tudo o que haverá no evento e com detalhes pré definidos tais como: tema da festa, locais, datas e horários, música (shows e artistas), composição das barracas (de comida, bebidas, jogos e brincadeiras), decoração, danças (apresentações de quadrilha), trajes, etc. Logo em seguida faz-se o orçamento de tudo o que irá ser necessário para a realização da festa para depois, buscar os patrocinadores. A partir desse momento o organização se encarrega de seguir um roteiro de etapas a serem trabalhadas a começar pelo local de maior infra-estrutura do evento: o arraial (onde ocorre a maioria dos festejos juninos).
Os arraiás possuem um largo espaço ao ar livre cercado ou não e onde barracas
são erguidas unicamente para o evento, ou um galpão já existente com dependências
já construídas e adaptadas para a festa. Geralmente o arraial é decorado com
bandeirinhas (confeccionadas com papel colorido, jornais, revistas etc.), fogueira,
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balões e palha de coqueiro. Nos arraiás acontecem as quadrilhas, os forrós, leilões,
bingos e os casamentos matutos. Nas dependências encontramos também as
barraquinhas, famosas por suas comidas típicas, jogos e brincadeiras.
Como exemplo de festa junina bem sucedida, podemos tomar o exemplo da cidade de Campina Grande (PB), onde se realiza desde o ano de 1983 o evento denominado O Maior São João do Mundo que modifica substancialmente a cidade durante trinta dias, às vezes até um período maior, dependendo do calendário determinado pelos organizadores. Durante todo o mês de junho, os festejos juninos são intensamente comemorados, principalmente no Parque do Povo (arraial), através de uma multiplicidade de barracas com bebidas, comidas típicas, apresentação de quadrilhas juninas, tendências variadas de ritmos musicais, com predominância para o forró. Além dessas atrações, diariamente bandas e cantores diversos se apresentam no palco principal do evento, geralmente a partir das 22h prolongando-se até às 4 da manhã. A cidade vive durante esse feriado em função das festas juninas.
Outro exemplo de festa junina bem sucedida é o da cidade de Caruaru (PE). O São João de lá acontece também durante 30 dias ininterruptos, ocupando uma área de 40 mil m² do Parque de Eventos Luiz Gonzaga, onde cerca de R$ 6 milhões são gastos na mega estrutura montada pela prefeitura que inclui: 50 camarotes, dois palcos principais, 50km de bandeirinhas e muitos balões, 200 apresentações artísticas, oito ambientes distintos para os públicos infantil, adulto e terceira idade.
O patrocínio vem da iniciativa privada e do governo federal e estadual. Mas de acordo com o organizador, Milton Santana, o investimento alto é recompensado. Mais de R$ 12 milhões são injetados na economia a partir dos negócios que são viabilizados. Cerca de 8 mil empregos são gerados e durante esse período os hotéis ficam com 100% de ocupação na cidade, que chega a atrair cerca de 1,5 milhões de pessoas. “Alinhamos a festa junina, que é um dos acontecimentos mais importantes de nossa cultura a um produto comercial imbatível”, define Santana, organizador do evento.
4 - A FESTA JUNINA COMO EXPRESSÃO DA IDENTIDADE CULTURAL NORDESTINA
O São João como expressão da identidade cultural nordestina se manifesta de
diferentes formas. Os organizadores se referem à festa como uma combinação dos
diferentes elementos que fazem parte da cultura regional, como uma expressão
legítima dos valores da identidade cultural nordestina.
Eles tentam agregar a festa valores tradicionais e locais da cultura, formando um
imaginário social que dá sustentação ideológica à ordem política, uma vez que se apela
para argumentos político-sociais da festa junina. A festa gera empregos, aumento da
arrecadação municipal, podendo estes ser revertidos na melhoria da qualidade de
vida da população local. Nesse ângulo de visão, o São João é tratado como forma de
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espetáculo, e o forró pé-de-serra, deixa de ser cultural e passa a tomar uma posição
comercial, e os espaços antes públicos e privados tornam-se ambientes comuns
passando a agregar um valor comercial, para atender a um requisito do mercado e da
sociedade de consumo.
Desta forma, a festa junina pode ser tratada como um evento do povo onde se
inserem projetos de vida, sonhos e promessas, como a de se devolver a autenticidade
da cultura nordestina e dos seus valores culturais. Essa noção de resgate, por
exemplo, aplica-se ao forró pé-de-serra: ao reconstruírem determinados prédios
históricos do centro da cidade, ao montarem um arraial, a Casa do Matuto, o Sítio
João, a Fazenda Santa Roza, entre outros elementos da narrativa popular que passam
a fazer parte do cenário do local de exposição da festa, os organizadores tentam
recuperar uma dimensão imaginária da festa da qual esses elementos são
componentes essenciais.
A música e a dança são manifestações artísticas, e a sua reprodução se dá da
seguinte forma: o forró pé-de-serra, por exemplo, é valorizado e considerado um
elemento originário cultura nordestina, porque segue uma tradição de cantores e
compositores nordestinos, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, tidos como clássicos
do forró. A originalidade é creditada aqui como aquilo que está enraizado em uma
tradição que identifica esse objeto como sendo sempre igual e idêntico a si mesmo. O
São João é uma espécie de documento-monumento, ou seja é a preservação de uma
memória. As narrativas orais, escritas e virtuais que passeiam pelo discurso da
tradição, dos valores regionais, da cultura nordestina e da sua identidade procuram
mostrar esse aspecto. Entretanto, as metáforas utilizadas para narrar a festa, tais
como as narrativas da publicidade, da mídia, dos organizadores e dos participantes,
não são suficientes. Nesse sentido, a decoração do espaço, através do conjunto de
elementos que o compõe, abrange entre outros elementos que representam a
tradição da festa (balões, fogueira, bandeirolas...) e da cultura nordestina (forró,
chapéus, instrumentos musicais...).
A festa junina é um evento social que se propõe a abrigar em torno de si diversos
elementos simbólicos da tradição nordestina, entre os quais o forró (a dança e a
música). Como exemplo, podemos citar as constantes inovações que são promovidas
no evento a cada ano.
Os símbolos culturais presentes no cenário da festa referem-se à tradição da
festa e da cultura regional, como o casamento matuto, que se entrelaça tanto ao
universo simbólico do modo de vida rural quanto ao modo de vida urbano. Nesse
festival eclético de imagens, estão os símbolos que representam a cultura regional,
como o chapéu do cangaceiro, o candeeiro, a sanfona, as fotos de artistas da terra
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que compartilham espaço com as imagens dos santos e das crenças que representam
o povo.
Assim, o São João é colocado muitas vezes como um evento monumental. A
festa é considerada uma representação máxima da tradição e da identidade cultural
nordestina. Ao se privilegiar e recortar tais imagens e elementos da festa, objetiva-se
preservar a cultura nordestina.
A festa não só possibilita o encontro do nordestino com suas raízes, suas
tradições culturais e sua identidade cultural, mas também permite expressar um estilo
de vida, uma estética, a nordestinidade. Por isso, na narrativa das gerações mais
velhas, que identifica a festa como o São João moderno, as inovações da festa
confundem-se e são encaradas como uma afronta aos valores culturais tradicionais,
mas também como uma forma de atualização dos costumes locais e regionais.
Assim, o objetivo maior da festa na teoria consiste em resgatar as tradições
contidas nos rituais da dança do forró, no ritmo da música nordestina, na poesia
popular e no seu folclore regional. Esses elementos colocados em movimento pelos
grupos folclóricos e quadrilhas, através do canto, da dança e das representações
coreográficas, possibilitam relembrar o passado e a tradição e, assim, preservar a
cultura regional.
Porém há uma falha neste planejamento por parte dos organizadores, pois se a
priori estamos falando de um evento que pretende ser o mais autêntico e original, ou seja, o retrato mais fiel da tradição e da cultura nordestina, não podemos resgatar estes valores tradicionais e da nossa cultura se ao mesmo tempo estamos lidando e concorrendo com outros projetos ainda maiores, como a da industrial cultural.
A tradição não consegue ser representada em seus sentidos autênticos,
genuínos, originais de forma plena, mas persiste nos imaginários dos agentes sociais.
Por outro lado, o projeto modernizador também não atinge seu domínio completo,
pois depende das significações dos agentes para se tornar concluso. É no processo
interativo, na dialética entre os projetos e seus desdobramentos, que os novos
significados da festa são reinventados e instituídos.
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5 - CONCLUSÕES
Podemos dizer que atualmente a festa junina não se encaixa apenas como um
evento religioso, de celebração e de resgate da cultura regional, ela faz parte de uma
indústria cultural na qual envolve diversos fatores de caráter político, religioso e
social. Por um lado podemos fazer relação a política do “Pão e Circo” no qual os
políticos e personalidades da alta burguesia se utilizam do evento para mudar o foco
das críticas e fazer a população “esquecer” dos problemas sociais e físicos do meio,
enquanto se entretém com o evento (que move toda uma economia regional, como é
o caso de Campina Grande/PB e Caruaru/PE) e passando a puxar o foco para
promoção pessoal, ganhando assim, um certo status na sociedade. Por outro lado,
temos toda uma movimentação da economia local, beneficiando a todos, seja na área
do turismo, do comercio ou de alimentos.
Contudo, podemos avaliar que as festas juninas são de grande importância para
a sociedade, seja ela de forma cultural ou industrial (já que os ambos são
beneficiados), no comercio com toda a movimentação econômica entorno do evento,
de sua organização e divulgação, social por ser um evento de caráter público e
envolver toda a população seja esta participando parcialmente (de fora do evento) ou
participando diretamente do evento, no resgate da cultura, busca pelas raízes
nordestinas, divulgação do nordeste e afirmação da cultura e do caráter nordestino.
O São João do Nordeste, mesmo ligado à indústria do lazer e da cultura da qual
faz parte, é uma tentativa de reconstrução do passado, colocando-se como retrato
atual da manifestação tradicional da cultura nordestina. Por isso, a sua preservação é
,em partes, uma forma de resgate das raízes e origens dessa cultura, relembrando os
costumes e dando ênfase as tradições ligadas a região, ao mesmo tempo em que esta
revela os traços da nordestinidade no presente. Essas construções que consideram a
festa junina como representação da cultura e da identidade do Nordeste e dos
nordestinos, na qual a mídia exerce um papel fundamental, fazendo circular tais
representações, baseiam-se no imaginário tradicional da festa e do seu passado, cujos
elementos míticos, religiosos, folclóricos da cultura regional, ao serem inventados e
reinventados, sustentam e dão continuidade ao imaginário da festa e à sua significação
no presente.
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Acessado em 29 de novembro de 2011.
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