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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
BRASIL, EXTEMO SUL, TIPOLOGIAS TRADICIONAIS: descaracterização ou preservação?
JANTZEN, SYLVIO A. D. (1); OLIVEIRA, ANA L. C. DE (2)
1. Universidade Federal de Pelotas. Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira — NEAB. Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. R. Benjamin Constant, 1359, Pelotas - RS, 96010-020
mundo.dick@gmail.com
2. Universidade Federal de Pelotas. Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira — NEAB. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.
R. Benjamin Constant, 1359, Pelotas - RS, 96010-020 lucostoli@gmail.com
RESUMO
Tipologias tradicionais da paisagem cultural urbana do Extremo Sul vêm sendo estudadas por mais de trinta anos em treze áreas urbanas da região do Extremo Sul do RS. Sob o aspecto morfotipológico: porta-e-janela, corredor lateral e corredor central são a maioria. Quanto à composição formal: luso-brasileira, eclética e protomoderna, aparecem essas três versões principais. O NEAB-FAURB-UFPel realizou estudos em três momentos. Primeiro (1998 a 2003): oito centros históricos. Segundo (2003 a 2007): através de pesquisa financiada (FAPERGS e CNPq), trabalharam-se mais oito cidades. Terceiro (após 2007): retomaram-se Pelotas, Piratini, São Lourenço do Sul, Rio Grande e incluiu-se Jaguarão. Consolidou-se um método de identificação, análise, classificação e valoração dos tipos arquitetônicos em seus contextos. Aplicaram-se dois conceitos: grau de descaracterização e níveis de preservação. Formou-se no NEAB-FAURB-UFPel um acervo (desenhos técnicos, levantamentos completos) de, no mínimo, oitenta edificações notáveis, fotografias e informações textuais sobre tipologias, paisagem urbana, sua história e fundamentos de diretrizes de preservação. Pelotas e Jaguarão, especificamente, possuem inventários e legislações protecionistas. Também receberam investimentos de instituições oficiais. Todavia, permanecem edificações classificadas nas tipologias tradicionais, sem estar afetadas por diretrizes de preservação. O problema de estabelecer diretrizes é 1) técnico-científico: depende de análise dos graus de descaracterização e da atribuição valorativa de níveis de preservação, ambos repercutindo na paisagem urbana; 2) político: depende de negociações com proprietários e poder público com vistas a solucionar a questão; 3) político-administrativo: é necessário conciliar medidas administrativas e coordená-las com ações de planejamento municipal, com vistas a garantir isenções, ou incentivos à recuperação, consolidação ou simples preservação, orientadas por critérios adequados e fiscalização. Atualmente, desenvolvemos um na FAURB-UFPel, que recebeu recursos de um programa ProExt (MEC). Isso ampliou a área de estudos, em termos binacionais: Jaguarão (BRA)-Rio Branco (URU) e Chuí (BRA)-Chuy (URU). Nessas cidades gêmeas, na fronteira Brasil-Uruguai, o projeto inicia um processo de revisão dos estudos tipológicos e das respectivas paisagens urbanas, incluindo áreas urbanas uruguaias. A metodologia possivelmente detectará descaracterizações, bem como edificações íntegras e preservadas. O problema, portanto, permanecerá, transcendendo o plano técnico científico, que já tem estudos anteriores. Esperam-se enfrentar questões de políticas de preservação, de condições para elaboração de diretrizes e inclusão de aspectos da paisagem urbana em processos de planejamento municipal, bem como consequências em termos de fiscalização e demandas de ações específicas (restauros, por exemplo), ou outras intervenções vinculadas a critérios discutidos com a comunidade e seus representantes.
Palavras-chave: tipologias tradicionais, graus de descaracterização, problemas de preservação.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Introdução
A questão de como enfrentar a descaracterização dos centros históricos das cidades do
Extremo Sul do Rio Grande do Sul vem sendo estudada pelo Núcleo de Estudos de
Arquitetura Brasileira (NEAB-FAURB-UFPel) há cerca de trinta anos.
Desde maio de 2016, no âmbito do Programa ProExt-FAURB “Cidades de fronteira,
Jaguarão (BRA) — Rio Branco (URU) e Chuí (BRA) — Chuy (URU)”, o NEAB assumiu o
projeto de extensão “Preservação do patrimônio cultural edificado na fronteira Brasil-
Uruguai”. Criado pelo Ministério de Educação em 2003, o ProExt abrange a extensão
universitária orientada à inclusão social, apoia as instituições públicas de ensino superior em
programas e projetos de extensão, visando contribuir com a implementação de políticas
públicas. Mesmo antes do ProExt, o NEAB realizou vários projetos de extensão e pesquisa,
que foram inseparáveis das práticas de ensino dos professores de projeto arquitetônico e
urbano vinculados ao Núcleo. Assim, a extensão universitária faz parte da sua história,
desde sua criação, em 1983. Foi oficializado pela Universidade Federal de Pelotas em 1992
e atualmente integra o conjunto de núcleos de pesquisa, ensino, extensão e pós-graduação
da Universidade.
Na fase atual do ProExt-FAURB-NEAB, Jaguarão é a cidade sobre a qual temos mais
informações disponíveis, relativamente recentes e atualizadas, pois naquela cidade, desde
2012, o NEAB efetuou trabalhos de ensino-pesquisa-extensão em Técnicas Retrospectivas
no Projeto Arquitetônico e Urbanístico, por três semestres consecutivos.
O comprometimento com o ProExt motivou revisões de temas e questões ainda complexas,
que admitem discussões teóricas, bem como uma reflexão sobre a prática das pesquisas e
extensões já realizadas, que se apresentam a seguir.
Desde o final dos anos setenta já havia um interesse pelas tipologias tradicionais da Região
do Extremo Sul, ligado a questões de preservação de patrimônio histórico de edificações
isoladas, ainda. O horizonte da época contemplava “inventários”, que somente passaram a
ter valor legal, efetivamente, no final do século XX, após a instituição da Constituição
Federal de 1988. Até então, na Região, eram o instrumento técnico para o estudo da
paisagem urbana desejável: mínimos desequilíbrios de densidades, ocupações e perda de
patrimônio. Falava-se pouco em “paisagem cultural”, embora fosse um conceito subjacente
aos inventários.
Os cadastramentos desses inventários, além dos critérios de notoriedade, integridade e
antiguidade da edificação, iniciaram timidamente, estudos tipológicos, os quais receberam
atenção mais detalhada nos projetos: “Pesquisa de Sistematização” (Jantzen; Oliveira,
2007) e Plano de Renovação integrada de Jaguarão (Oliveira; Seibt, 2005). Esses dois
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projetos de extensão e de pesquisa foram vinculados a disciplinas específicas de “técnicas
retrospectivas”, desde 1994, matéria obrigatória nos cursos de arquitetura e urbanismo do
Brasil, dentro do princípio da indissociabilidade “ensino-pesquisa-extensão”.
O método de inventariar baseava-se em fichas. Havia experiências conhecidas, de Minas
Gerais e da Bahia. Textos do IIo SEDUR (Turkienicz, B.; Malta, M., 1986) foram referência
para fichas, especialmente por mencionarem levantamentos/inventários, que haviam
conceituado GRAUS DE DESCARACTERIZAÇÃO e NÍVEIS DE PRESERVAÇÃO. Essas noções foram
reelaboradas pelo NEAB e aplicadas nos projetos acima mencionados.
Em 1983 já havia sido elaborado um “inventário de reconhecimento”. Essa denominação é
utilizada pelo IPHAN — Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nos dias
atuais. Cadastrou-se grande parte das edificações notáveis do centro histórico de Jaguarão,
o que deu base ao PRIJ, realizado em 1992, publicado em 2005.
A “Pesquisa de Sistematização” incluiu o problema da morfologia urbana, associada aos
estudos tipológicos, para uma compreensão mais detalhada, técnica e didática da questão
da descaracterização.
Caracterização do patrimônio edilício tradicional do Extremo Sul
Especificamente no Extremo Sul do Brasil, a expansão da rede urbana aconteceu após o
período colonial e intensificou-se durante o período imperial até a Primeira República. Esse
período caracterizou-se por guerras de fronteiras e também negociações entre o Brasil e
outros países do Prata, quanto aos limites fronteiriços. No território inicialmente controlado
por Rio Grande (RS), vila em 1747, ainda no período colonial, aconteceram subdivisões.
Dentre elas, destacaram-se Jaguarão, Pelotas e também Bagé.
As vilas emancipadas de Rio Grande asseguraram um controle mínimo das fronteiras com
os domínios espanhóis. A morfologia resultante dessas cidades advém dos planos
desenhados por engenheiros militares, ou por pilotos, ou agrimensores, que seguiam as
orientações das Cartas Régias portuguesas e das práticas urbanísticas portuguesas,
através dos arruadores (Oliveira, 2012). A morfologia urbana ficou condicionada pelo
traçado regular, o modo de parcelamento e as tipologias tradicionais (à época luso-
brasileiras).
Das edificações luso-brasileiras às protomodernas, as pesquisas que já desenvolvidas pelo
NEAB na Região permitiram observar certa homogeneidade e continuidade nos sistemas
construtivos, bem como poucas variações nas plantas baixas e nos traçados reguladores da
disposição dos elementos de fachadas, previsíveis em um estudo de tipos. E as descrições
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de autores brasileiros coincidem quanto aos tipos da arquitetura residencial, tanto na
morfologia como na organização em planta baixa das edificações luso-brasileiras. Portanto,
as tipologias tradicionais da arquitetura residencial aqui consideradas são as classificadas
como casa de porta-e-janela, casa de corredor lateral (a supressão do corredor é uma
descaracterização frequente) e casa de corredor central.
Fig. 1: casa com corredor central, Jaguarão, 2013.
Fonte: acervo do NEAB.
A classificação dos tipos em “tradicionais” e “não tradicionais” foi baseada na diferenciação
entre SOCIEDADE “tradicional” e a sociedade “moderna”, aquela das edificações modernistas,
“não tradicionais” (Reis Filho, 1970). O autor não trabalhou com o conceito de tipo. Suas
análises morfológicas de plantas baixas, cortes e fachadas receberam outro enfoque. Não
se aproximam completa e explicitamente das abordagens tipológicas de autores europeus.
Contudo, essa diferenciação permitiu-nos classificar as edificações do Extremo Sul pelo
critério “tradicional — não-tradicional”.
Quanto ao problema das denominações, o texto de Paulo Thedim Barreto, “O Piauí e a sua
arquitetura” (1938), havia sido nossa referência até elaborarmos a “Pesquisa de
Sistematização”, já mencionada. O autor usou o termo “tipo” (Barreto, 1938, p. 195): “tipo
‘porta e janela’ ”, “tipo ‘meia morada’ ” e a “morada inteira”. Mas não utilizamos essas
denominações. Primeiro, porque são praticamente desconhecidas no Extremo Sul.
Segundo, porque mesmo havendo mais semelhanças do que diferenças nas organizações
em planta baixa (entre os exemplos do Piauí e da fronteira Brasil-Uruguai), pareceu-nos
mais adequado manter a presença e posição do corredor como “denominador” do tipo. O
tipo é uma abstração, sua materialização na realidade se dá por “tipologias” (assim usamos
o termo). Além disso, por ideal, o tipo “aceita” modificações, com certo limites. Assim, ao
tomarmos como referência ideal os exemplos de arquitetura luso-brasileira do Piauí
(Barreto, 1938, p. 197), observamos que as variações mais frequentes ali indicadas, que
ocorreram também no Extremo Sul do Brasil, são a presença e posicionamentos do
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corredor. No Sul, durante o Ecletismo as casas receberam um “vestíbulo”, com o sentido de
entrada principal (Corona; Lemos, 1998, p. 470), ou seja, fazendo parte do corredor, limitado
pela porta da rua e por outra porta, interna, de entrada da casa, propriamente dita. Esse
elemento, no Extremo Sul, chama-se “pára-vento”. (Oliveira; Seibt, 2005).
As edificações luso-brasileiras são do século XIX, basicamente. As edificações do Ecletismo
datam do final do século XIX e início do século XX. As protomodernas foram construídas na
sua maior parte entre 1925 e 1935, embora evidencie-se uma produção quase contínua até
a década de cinquenta e mais rara até a década de sessenta. (Moura, 2005).
Os tipos tradicionais mostram modificações mais evidentes no período entre o luso-brasileiro
e o eclético. O porão alto e as entradas laterais por meio de dispositivos compostos por
escadarias com patamares abertos, mas cobertos, foram os principais acréscimos ecléticos
que receberam as edificações luso-brasileiras mais requintadas (de famílias mais
abastadas), muitas delas “recobertas” com decoração eclética.
Fig. 2: Fórum de Jaguarão, solar térreo, Jaguarão, 2013.
Fonte: acervo do NEAB.
Entre o Ecletismo e o Protomodernismo apareceram modificações e continuidades,
especialmente na composição das fachadas. Muitas plantas baixas permaneceram com
características luso-brasileiras (especialmente nas edificações residenciais e comerciais de
pequeno porte), apesar das novidades do Ecletismo (o porão e entradas laterais precedidas
de átrios nos afastamentos da edificação dos limites do lote). Alguns desses átrios foram
elevados e receberam coberturas, escadarias e corrimãos, permanecendo abertos para a
rua ou para um dos espaços de recuo lateral do lote.
No Ecletismo, comparativamente à tradição luso-brasileira e algumas influências bem
marcadas do Neoclassicismo imperial brasileiro, apareceram modificações nos traçados
reguladores, em planta baixa e em fachadas, criando assimetrias, deslocamento de
elementos menores ou diferenciados, que imitam ou miniaturizam edículas maiores, na
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mesma fachada, por exemplo. Enfim, como vários autores confirmaram, o Ecletismo trouxe
mesmo, ou “permitiu”, alguns experimentos com “forma e deformação”, para obter mais
expressividade. (Borie; Micheloni; Pinon, 2006). O Protomodernismo no Extremo Sul, em
algum prédio ou outro, preservou essa complexidade. Com o Protomodernismo, a
decoração do Ecletismo foi substituída por geometrizações (ressaltos e reentrâncias nas
paredes, por exemplo) não apenas no corpo da edificação, mas também em elementos
como platibandas e esquadrias, vitrais e escalonamentos em paredes com tijolos de vidro.
Além dos tipos mais recorrentes na arquitetura popular há também outros tipos aqui
considerados como arquitetura tradicional de maior porte ou pertencentes à classes mais
abastadas, ou seja, os solares, as chácaras, sedes de charqueada.
Os solares e palacetes urbanos, com um ou dois pavimentos, eventualmente assemelham-
se a sedes de estâncias, chácaras ou mesmo sedes de charqueadas. As tipologias urbanas
refletem uma parte da vida rural nas cidades. Charqueadores e estanceiros tinham duas
residências, uma no campo, outra na cidade. Os tipos residenciais urbanos eram mais
refinados e adequados aos rituais da vida urbana das classes mais ricas, pois também
representavam seu status. Os materiais e técnicas construtivas básicas (alvenaria de tijolos,
esquadrias de madeira e coberturas de telhas de barro) de tipologias rurais e urbanas
diferem pouco. Na ornamentação e decoração é que se evidenciam diferenças. E as
organizações em planta baixa no meio urbano precisavam obedecer ao traçado regular e ao
tipo de parcelamento de lotes retangulares, com raras obliquidades.
Tipologias comerciais diferenciam-se por terem mais portas do que janelas e “planta livre”
(ou quase), isto é, o corredor pode ser ausente ou insignificante.
O sobrado (urbano), que pode ter uso misto, comercial e residencial, também ocorre nas
categorias luso-brasileira, eclética e protomoderna, com diferenciações significativas.
Fig. 3: sobrado, Jaguarão, 2013.
Fonte: acervo do NEAB.
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Fora da tradição luso-brasileira, no Extremo Sul, aparece o tipo “cachorro-sentado”. A
fachada principal (voltada para a rua) é mais alta e a cobertura tem uma água baixando na
direção dos fundos. Nossas pesquisas confirmaram o conhecimento popular de que quanto
mais próximo um centro histórico rio-grandense está do Uruguai (ou da Argentina),
aumentará a ocorrência de tipologias “cachorro-sentado”. Muitas têm traços da chamada
arquitetura chã (associada ao Barroco português), austera, com janelas e portas com arcos
de escarção, abertas em uma fachada lisa. Mas nesse tipo também aparecem edificações
mais decoradas, com motivos do Ecletismo e até mesmo geometrizações protomodernistas.
O cachorro-sentado é o único que requer uma representação em corte, para uma
exemplificação inicial e justificativa da denominação. As demais tipologias (luso-brasileiras)
são mais bem compreendidas por sua organização em planta baixa e em elevações (no
caso dos sobrados). O cachorro-sentado assemelha-se ao chien-assis (em francês), que é a
denominação comum de um dispositivo alternativo às mansardas que aparecem nas
coberturas barrocas francesas. A mansarda tem telhado em duas águas e o chien-assis tem
uma água somente com inclinação descendente para trás. (Duplay, 1985). Não se descobriu
como essa denominação pôde aparecer em Jaguarão, RS. Podem-se estabelecer
hipóteses, entre elas a de que engenheiros militares, em Jaguarão, que soubessem francês,
ou tivessem conhecimento de construções francesas, conhecessem essa denominação e,
por semelhança, apelidado uma edificação inteira com o nome de um componente de
cobertura. Isso não é implausível, porque os engenheiros militares tinham conhecimento da
arquitetura erudita europeia em geral, através de sua formação europeia, nas academias
militares. O tipo cachorro-sentado não pode ser presumido como luso, mas sim hispânico,
considerando sua distribuição nas fronteiras do Rio Grande do Sul.
Fig. 4: cachorro-sentado, Jaguarão, 2013.
Fonte: acervo do NEAB.
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Esse recorte é muito simplificado. Mesmo assim, é útil do ponto de vista didático, para
aprendizes de um estudo sistematizado de patrimônio arquitetônico, no ensino de
graduação: permite uma “classificação prévia” aplicável às cidades da Região Sul. Mas essa
simplificação é também um “ponto de chegada”, elaborada em quase vinte anos. O ponto de
partida foi o detalhamento das especificidades das tipologias, bem como identificação de
regionalismos significativos.
Jaguarão (BRA) e Rio Branco (URU) – cidades gêmeas
O primeiro monumento binacional tombado pelo IPHAN, a Ponte Internacional Barão de
Mauá (1927-1929) une Jaguarão e Rio Branco, separadas por um trecho do rio Jaguarão,
que corre para a Lagoa Mirim.
Fig. 5: Ponte internacional sobre o Rio Jaguarão, vista do lado uruguaio, 2013.
Fonte: acervo do NEAB.
Do lado brasileiro, constatamos que as tipologias seguem os padrões de análise e de
classificação já observados em outras cidades da Região. Os sistemas construtivos são os
mesmos e há poucas variações em organizações de plantas baixas e em traçados
reguladores das composições de fachada. Jaguarão tem excepcionalidades na
ornamentação eclética e edifícios notáveis (únicos na Região): a casa de cadeia, o mercado
público, o teatro, a enfermaria militar e o solar de Carlos Barbosa Gonçalves (1851—1933),
presidente da Província do Rio Grande do Sul, de 1908 a 1913. Após o tombamento de um
conjunto, em 2010, pelo IPHAN, esses edifícios ficaram bem mais conhecidos.
Na arquitetura tradicional de Jaguarão, materializada nas edificações dos dois trechos do
traçado urbano mais antigos, observam-se algumas diferenças mais acentuadas do que em
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outras cidades, nas “transições” entre o luso-brasileiro e o eclético. O Ecletismo de Jaguarão
foi mais pujante e possui visibilidade incomum, ou única, na paisagem urbana.
Em Jaguarão há dois traçados regulares básicos, o primeiro do início e o segundo do fim do
século XIX. O segundo distingue-se claramente do primeiro por suas avenidas Norte-Sul e
Leste-Oeste, que foram projetadas para melhorar a insolação e ventilação das edificações.
As avenidas possibilitaram que edifícios ecléticos e, mais tardiamente, protomodernos,
adquirissem maior visibilidade, especialmente no segundo traçado.
Na arquitetura tradicional popular, o cachorro-sentado é bem característico nas duas
cidades, Jaguarão e Rio Branco. O maior número de exemplares na área urbana de
Jaguarão está à beira do rio de mesmo nome e na periferia da cidade.
Há exemplos de edificações ecléticas em Pelotas com decorações mais luxuosas do que em
Jaguarão, bem como tipos “puros” de arquitetura institucional (Prefeitura Municipal,
Biblioteca Pública, por exemplo), no sentido de terem sido projetados e construídos para
essas mesmas finalidades. Mas em Pelotas, por exemplo, houve uma “perda” dessa
evidência na paisagem, que ainda se manteve em Jaguarão.
Os edifícios não-tradicionais (“modernistas”) multiplicaram-se em Pelotas, mas em Jaguarão
o fenômeno da verticalização das edificações do centro histórico foi muito menor, ou
praticamente ausente, comparativamente a Pelotas.
Além disso, no tempo de uma geração (trinta anos), houve uma ampliação de consciência e
dos critérios de eleição do que se considera “patrimônio”. Os interesses patrimoniais
abarcaram também o Ecletismo. Em Jaguarão, um conjunto arquitetônico eclético,
relativamente íntegro, pôde ser “redescoberto” a partir de meados dos anos noventa e
assimilado pelas instituições estaduais e federais dedicadas à preservação de patrimônio
histórico e cultural.
Do lado uruguaio, Rio Branco tem dois traçados. Um é quase regular, porque acompanha a
margem do Rio Jaguarão, a Sudoeste da Ponte. O outro é regular, mas separado do
primeiro por propriedades rurais e vazios urbanos. A sede municipal uruguaia organiza-se
em um traçado regular à volta de uma praça, numa elevação daquela margem, denominada
popularmente de “Coxilha”. Mesmo sem um reconhecimento preliminar, ainda, pode-se
observar que a presença do cachorro-sentado é muito mais frequente em Rio Branco do que
no lado brasileiro. E há edifícios significativos, como a estação ferroviária, um pouco distante
da praça, entre outras edificações comercias e residenciais mais destacadas.
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Descaracterização das tipologias edilícias
A questão da descaracterização também se relaciona com o fato da cidade transformar-se
permanentemente. As edificações mais antigas envelhecem e aparecem novas
necessidades associadas a problemas de conservação e manutenção. Imóveis são
comercializados como qualquer mercadoria, bem como o solo urbano. Assim, há pressões
de mercado sobre os tipos de edificações antigas, fragilizadas por seu envelhecimento.
Mas a qualidade de vida urbana depende de muitos fatores. Entre eles está o valor da
identidade e do caráter da paisagem urbana para as populações.
Certas edificações antigas caracterizam, identificam e dão valor estético à paisagem.
Tipologias classificadas como “tradicionais” têm essa capacidade, além de representarem
parte da memória da cidade, ou, em alguns lugares, quase toda a memória urbana de uma
cidade. Talvez seja impossível e mesmo irrelevante quantificar esse valor.
Nas condições de vida atuais, coloca-se frequentemente um conflito ou contradição entre
dois sistemas de valores: de inovação e relacionados à memória cultural. Descontrolada, a
inovação significa perda da memória material e imaterial urbana, da identidade e de outras
características complexas de paisagens urbanas consagradas por costumes e
comportamentos. A memória cultural é imprescindível para a sucessão equilibrada de
gerações, com suas continuidades e rupturas naturais. A caracterização dos lugares, ou de
partes da cidade (ou até mesmo o todo) apoiam valores de identificação e de preservação
de qualidades específicas, que dificilmente são proporcionados, recuperados, ou ainda
prolongados por intervenções arquitetônicas mais recentes. As cidades do Extremo Sul têm
sofrido mais perdas do que ganhos, em termos da preservação de uma boa paisagem
urbana que inclua edificações do passado.
Essa problemática justifica o estudo dos conceitos de CARÁTER e TIPO e outras noções
instrumentais para entender e intervir na paisagem urbana. O que precisa ser identificado,
próprio dos tipos tradicionais, que serve de referência à descaracterização? Ou então, como
equacionar melhor o dilema de preservar, ou deixar que as descaracterizações aconteçam
sem restrições?
A descaracterização é um conceito “negativo”, que se deixa explicar melhor por um de seus
contrários: a preservação. Na atualidade, já é reconhecido um conjunto de práticas,
relativamente fáceis de entender, voltadas à preservação de tipos arquitetônicos urbanos.
Experiências bem sucedidas iniciadas há algumas décadas atrás, em alguns lugares do
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Brasil e em outros países, continuaram a fazer uma “história da preservação” e do cuidado
com a paisagem cultural.
Autores dedicaram-se ao assunto e, mais recentemente, no Rio Grande do Sul, por
exemplo, algumas experiências adquiriram notável visibilidade, como foi o caso de
Jaguarão.
Apesar dessas ações, paradoxalmente, a descaracterização converte-se num fenômeno
menos conhecido, a despeito de sua complexidade. Se o que está sendo preservado
aparece mais, o que se descaracteriza é facilmente obscurecido e até mesmo esquecido. A
descaracterização depende de conhecimento técnico e de reconhecimento de valores e de
características do que se desvaloriza e, consequentemente, descaracteriza em sua
materialidade. Identificar e conhecer a descaracterização das tipologias, especialmente as
tradicionais, requer um conhecimento (técnico e humanístico) da paisagem, em sua
unidade, complexidades e especificidades, com que essas tipologias, principalmente,
contribuem ou “capacitam” a paisagem urbana com boas qualidades. Infelizmente, essas
mesmas tipologias arquitetônicas sofrem descaracterizações.
Descaracterização versus preservação da paisagem urbana
Identificar e reconhecer a descaracterização depende de conhecimento técnico, de valores e
de características do que se desvaloriza e, consequentemente, descaracteriza-se em sua
materialidade. O conhecimento da paisagem urbana, em sua unidade, complexidades e
especificidades, inclui as tipologias edilícias.
O estudo tipológico pode revelar transformações das composições que pertencem a um
“tipo ideal”, bem como de combinações de elementos (“sintagmas”) que, se alterados,
podem manter ou excluir uma edificação de seu “conjunto-tipo”.
Conceitos como “sintagma”, “signo”, “ícone” e o de “tipo” foram, desde os anos sessenta,
estudados por diversos autores e aplicados à arquitetura e ao urbanismo pela chamada
abordagem linguística. A teoria dos tipos (Quincy, 1985), do século XVIII-XIX, também tem
uma base análoga à abordagem linguística da atualidade, bem como a antecipa, de certo
modo. (Lavin, 1992).
A relação entre significados e significantes de um signo linguístico teria duas modalidades: a
relação sintagmática e a relação associativa. (Saussure, 1987, p. 170 e ss.). Na relação
sintagmática, o significado é capturado em presença e na organização dos elementos do
signo. Na relação associativa o significado é reconstruído mentalmente pelo sujeito, a partir
de elementos ausentes no espaço do signo, ou do sintagma. Essa reconstrução é feita pela
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memória e pela imaginação. Mais tarde, pela contribuição de Louis Hjelmslev (1899—1965)
essas relações de significação foram chamadas, respectivamente, de denotativa e
conotativa. (Ducrot; Todorov, 1988).
Na arquitetura, os sintagmas seriam combinações “inseparáveis” de elementos, como duas
colunas e uma arquitrave, por exemplo. Seriam invariantes em suas conexões, podendo ser
“resolvidas”, ou desenhadas, em vários estilos. Não pode faltar um elemento do sintagma
sequer, sem que haja perda de significação. Se um elemento for suprimido, o significado
não é mais o mesmo, ou se dissolve totalmente. A expressão “fim-de-semana”, por exemplo,
ficaria “descaracterizada” se qualquer um dos seus componentes fosse suprimido.
Em uma edificação tradicional com platibanda e pilastras, por exemplo, a remoção ou
alteração de qualquer um desses elementos a descaracterizaria. O sintagma se dissolveria
e o significado se perderia. Em síntese, uma DESCARACTERIZAÇÃO implica, necessariamente,
a perda de significado, tanto na dimensão denotativa, como na dimensão conotativa.
Porém, os sintagmas arquitetônicos têm uma complexidade diferente daquela de uma
língua. Pertencem a um mundo visual e “icônico”. Os signos arquitetônicos adquirem
significado por serem ícones, ou seja, por sua “natureza interna” (Ducrot; Todorov, 1988, p.
90): a organização indissociável e específica de seus elementos. Para outro autor, a
arquitetura seria uma linguagem, na medida em que “o signo arquitetônico é um signo
icônico” (Pignatari, 1981, p.114). O ícone é uma modalidade de signo bem particular:
significa o que ele mesmo é, dentro de um código (visual, no caso). É imprescindível
conhecer o código e identificar o ícone, para que este último tenha significado. Assim, os
ícones são fortemente “sintagmáticos”: um ícone de um santo não pode ser confundido com
o de outro, assim como ocorre com ícones de um sistema operacional de um computador,
ou um capitel greco-romano clássico, que é diferente de um bizantino, por exemplo. Cada
ícone segue as regras de seu respectivos código.
Usa-se o termo “tipologias” (arquitetônicas) para designar os desdobramentos
materializados dos tipos. (Arís, 2014). Tipologias admitem uma “leitura”, como se fossem
ícones, também. Pelos códigos da morfologia arquitetônica identificam-se as tipologias que
são classificadas nos conjuntos-tipo, ideais. A volumetria, as caraterísticas da fenestração
(ritmo, sequência, proporção, materiais), os elementos de arquitetura concatenados e a
decoração formam sintagmas, percebidos como ícones, por quem reconhecer os códigos,
que aqui, são praticamente sinônimos de “estilos”. A tríade indissociável embasamento-
corpo-coroamento, constante nos tipos arquitetônicos tradicionais seria outro sintagma
arquitetônico, por exemplo.
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Assim, a paisagem urbana de centros históricos com tipologias tradicionais torna-se
“sintagmática”: seu significado só existe na presença dos elementos que compõem seus
ícones.
O significado de uma edificação tradicional também depende de seu uso e da pertinência a
um tipo: uma casa de tipo “X”, em uma sociedade tradicional, para ser entendida como
“casa”, precisa ter todos os componentes da “linguagem arquitetônica” que identificam uma
casa. Pela presença-ausência de elementos e suas combinações, também se diferencia
uma casa de um engenho, ou de uma igreja, ou de outro tipo funcional característico. A
noção de sintagma linguístico, ou a de ícone, aplicada à uma edificação tradicional permite
entender por que a integridade e completude do prédio não podem ser alteradas. Se o
edifício, por algum motivo (deterioração ou remoção de algum componente), perder uma
parte, na escala que for, seu significado e sua CARACTERÍSTICA essencial será mutilada. A
integridade da composição relaciona-se com a integridade de seu significado e, portanto,
com seu caráter. A noção de caráter em arquitetura também permite aproximação com a de
tipo (Quincy, 1985). Assim, é possível entender a DESCARACTERIZAÇÃO quando há
supressões, deteriorações ou substituições de partes do sintagma que configura uma
unidade de significado, uma tipologia tradicional, no caso.
Um MÉTODO TIPOLÓGICO possibilita uma série de desdobramentos em termos de
conhecimento da arquitetura e da cidade, quanto ao problema da descaracterização e da
preservação da paisagem cultural urbana. Os estudos mostram limites e possibilidades das
tipologias tradicionais de suportarem inovações e também permanecerem vizinhas de novas
edificações, com um mínimo de perda das boas qualidades de uma paisagem com
identidade e qualidades específicas de valor vivencial e cultural.
Na Região do Extremo Sul do Rio Grande do Sul, classificamos os tipos tradicionais em três
categorias históricas e estilísticas bem gerais, não específicas da região: os luso-brasileiros,
os ecléticos e os protomodernos. Contudo, essas categorias admitem variações e
versatilidade de decisões, especialmente quando se procura estabelecer diretrizes de
preservação. Essa categorização foi sobreposta a outras: tipos residenciais, comerciais,
industriais e com função característica (igrejas, ou escolas, por exemplo).
Em síntese, são três caracterizações sobrepostas: histórico-estilística, funcional e
sociocultural (“tradicional” / “não tradicional”).
Esse recortes são muito simplificados. Mesmo assim, são úteis do ponto de vista didático,
para aprendizes de um estudo sistematizado de patrimônio arquitetônico, no ensino de
graduação: permite uma “classificação prévia” aplicável às cidades da Região Sul. Mas essa
simplificação é também um “ponto de chegada”, elaborada em quase vinte anos. O ponto de
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partida foi o detalhamento das especificidades das tipologias, bem como identificação de
regionalismos significativos.
Um regionalismo importante do extremo Sul é o uso de alvenaria de tijolos. As edificações
luso-brasileiras do Extremo Sul pertenceram a uma região basicamente pecuarista. No
século XIX escravocrata, foi um imperativo econômico e de dominação social, para
estanceiros e charqueadores, desenvolver a manufatura de tijolos e telhas de barro, para
impedir a ociosidade dos escravos da atividade pecuarista, que tinha “entressafras”. A
disponibilidade “primordial” de tijolos de barro (e telhas) explica a predominância a alvenaria
de tijolos e a ausência de tabiques em praticamente todas as tipologias tradicionais
construídas, desde as mais antigas.
Quanto às telhas: somente os exemplos do Protomodernismo têm telhas francesas e não a
“telha colonial”, ou “capa-e-canal”, ou ainda “telha portuguesa”, nas suas denominações
populares, que é mais conhecida (e encontrada) nas tipologias luso-brasileiras.
Fig. 6: casas com corredor central protomodernas, Jaguarão, 2013.
Fonte: acervo do NEAB.
Fig. 7: casas geminadas, protomodernas, corredor central, Jaguarão, 2013. Fonte: acervo do NEAB.
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Uma questão a ser mais bem estudada nos tipos tradicionais é a semelhança de edifícios
institucionais (prefeituras e outros) com as tipologias residenciais. Em alguns casos podem-
se identificar tipos “puros” para esses usos, mas são relativamente menos frequentes.
Também há tipos residenciais maiores (casa de corredor central, solar urbano ou palacete)
que receberam usos institucionais.
Fig. 8: casa de corredor lateral com oitões Jaguarão, 2013.
Fonte: acervo do NEAB.
A maioria dos tipos luso-brasileiros tem oitões laterais, obedecendo aos limites dos lotes
urbanos. O telhado tem uma água inclinada à frente e outra que deságua nos fundos, ou em
algum pátio. Na fachada da frente aparecem dispositivos de escoamento de águas pluviais
(calhas e gárgulas) que mudam conforme a época e o estilo, em função dos materiais e
outras peças complementares, que servem também de decoração. Assim, aparecem
gárgulas decoradas, por exemplo, no período do Ecletismo.
Todas as variações estilísticas têm excepcionalidades. Isso também é de se esperar,
quando se abordam conjuntos de edifícios com o conceito de tipo. Nas edificações luso-
brasileiras maiores, por exemplo, nos solares, eventualmente aparecem telhados de quatro
águas. Em casas ecléticas, urbanas, também aparecem muitas variações nos telhados,
pelas variações das organizações em planta, especialmente em palacetes ou sobrados
urbanos, ou casas térreas associadas, em terrenos oblíquos ou ortogonais.
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Considerações finais: para o aprofundamento de uma discussão
No presente, frente aos desafios de um ProExt binacional, estamos recuperando parte da
memória dos trabalhos anteriores do NEAB. Em trinta anos, o NEAB formou e ampliou
acervos, formou quadros, incentivou e comprometeu-se com a formulação de políticas e
diretrizes de preservação.
O problema da descaracterização continua tão desafiador como há trinta anos, mesmo que
se tenham conquistado melhorias e acompanhado mudanças significativas na mentalidade
da Região quanto à questão da paisagem cultural, entre outras correlatas. A abordagem
morfotipológica no estudo de traçados e edificações precisará revisões, uma vez que será
aplicada em quatro cidades “gêmeas”, como foi mencionado. As classificações e
denominações, a identificação e análises de novas edificações terão que ser revisadas.
Questões tipológicas (posicionamentos de corredores, alvenarias, telhas), dualidades entre
rural e urbano, arquiteturas populares e eruditas, identidades de tipos residenciais,
institucionais, etc., precisarão ser repensadas, demonstrando a importância de não se
proferir a “última palavra” em pesquisa, na extensão e no ensino.
A morfologia urbana e seus métodos de estudo também precisarão ser atualizados e
relativizados a realidades (as cidades gêmeas) com as quais não havíamos trabalhado
ainda.
Mostramos também, por outro lado, uma pequena parte do que esses estudos e seus
métodos podem revelar: problemas de estilo arquitetônico e sua presença na morfologia
urbana, a importância dos traçados e do parcelamento, a possibilidade de análises
comparativas, que mostram regularidades e excepcionalidades, entre outros conhecimentos
e interpretações do que acontece nas cidades da Região do Extremo Sul. Com isso,
almejamos oferecer uma contribuição para a formulação de instrumentações possíveis para
ações das instituições, que, nessas cidades, nos recebem no âmbito do ProExt, visando
cenários mais favoráveis para essas cidades, no futuro.
A contínua reflexão do papel das tipologias e suas abordagens e o estudo da morfologia
urbana, em sua permanente transformação, deverão fornecer instrumentos que possam
frear descaracterizações de tipos edilícios significativos. Pela morfologia, procuramos
garantias para minimizar desvios de interpretações da paisagem cultural e abordagens
exclusivamente na escala arquitetônica, com vistas a aperfeiçoar a elaboração das futuras
propostas de diretrizes de preservação, ou como venham a se chamar, num contexto
binacional.
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Assim, insistimos na importância das reflexões teóricas vinculadas à prática e às realidades
da Região. A pesquisa, o ensino e a extensão são indispensáveis. Ter em mente esse
caráter indissociável dessas três atividades é fundamental para que precisa, nesse
momento, “atravessar uma ponte” internacional, com o intuito de identificar temas, verificar
conceitos e realizar novas experiências práticas.
Referências
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