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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
BRINCADEIRA É COISA SÉRIA
Por: Carla Alves Bayão
Trabalho Monográfico apresentado como requisito parcial para obtenção do Grau de Especialista em Arteterapia em Educação e Saúde.
Rio de Janeiro, RJ, Fevereiro / 2002
2
Dedico a meus pais por terem
proporcionado o brincar espontâneo na
minha infância. E ao meu sobrinho
Leonardo por estar vivendo este momento.
3
Aos familiares e amigos que direta ou
indiretamente contribuíram para a
realização desta monografia.
4
RESUMO
Este trabalho busca uma reflexão sobre a importância do brincar, as dificuldades atuais
para sua realização e como o ato de não brincar interfere no desenvolvimento da criança.
Comenta como o futuro sucesso das experiências culturais adultas dependerá da confiança
construída e adquirida a partir de experiências boas da infância. Mostra que o brincar é um
aprendizado de vida que leva as crianças a traçarem determinado caminho, o qual irá
depender de como estas brincam e da atitude dos adultos em relação a essa brincadeiras.
Concluindo que através da brincadeira a criança desenvolve seu lado emocional e afetivo
bem como algumas áreas do domínio cognitivo, tais como a capacidade de síntese, o jogo
simbólico, etc.
5
SUMÁRIO
I- INTRODUÇÃO ................................................................................................ 6
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO BRINCAR ....................................................... 8
2. ATO DE BRINCAR ........................................................................................ 13
2.2. DESENVOLVIMENTO INFANTIL ATRAVÉS DO LÚDICO ........................................................ 19
3. TIPOS DE BRINCADEIRA ............................................................................ 24
3.1. CONDIÇÕES ESSENCIAIS PARA BRINCAR.................................................................................. 28
3.2. SEGURANÇA......................................................................................................................................... 30
4. DIFICULDADES ATUAIS PARA A REALIZAÇÃO DA BRINCADEIRA...... 31
4.1. NÃO BRINCAR ..................................................................................................................................... 33
II- CONCLUSÃO ............................................................................................. 36
III- BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 38
6
I- INTRODUÇÃO
O brincar espontâneo é de fundamental importância ao desenvolvimento
infantil. Essa atividade lúdica prepara a criança para o desempenho de papéis sociais, para
a compreensão do funcionamento do mundo, para demonstrar e vivenciar emoções. Ao
brincar as crianças se desenvolvem sobre os aspectos afetivos-emocionais, motor,
cognitivo e o corporal.
É indiscutível que a criança tem que ter acesso a diferentes tipos de
materiais como cubos, tintas, areia, água, brinquedos de tamanhos e formas diferentes, bem
como a liberdade para explorá-los à sua maneira proporcionando assim a interação desta
com o brinquedo para transformá-lo, dar significados e representações sociais a ele. Se o
brinquedo já está carregado de significados, já tem um jeito de brincar e faz tudo sozinho,
muito pouco sobrou para a criança criar.
Muito se debate hoje em dia que as crianças estão crescendo confinadas
em apartamentos e familiarizadas com brinquedos eletrônicos de toda espécie, TV e
computadores; os quais não oportunizam que esta penetre no mundo da fantasia e da
imaginação.
Toma-se conhecimento que para oportunizar uma criança a traçar seus
caminhos com auto-confiança e criatividade, esta deve ser estimulada pelos adultos a usar
seus brinquedos desde a mais tenra idade, de forma não invasiva nem retaliativa dando-lhe
7
liberdade de levar adiante suas brincadeiras mas atentos para que não haja riscos ou
perigos evidentes na brincadeira escolhida.
O presente projeto de pesquisa bibliográfica busca estudar o valor do
brincar, as contribuições do lúdico, representado pela livre expressão da criança no modo
dela agir, refletir, criar, imaginar e interagir na brincadeira.
8
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO BRINCAR
Desde os primórdios da civilização o brincar é uma atividade das
crianças e dos adultos. Há registros históricos de brinquedos infantis, provenientes de
diversas culturas, demonstrando assim que é natural ao homem brincar, independentemente
de sua origem e do seu tempo.
Antigamente as crianças participavam das festividades, lazer e jogos dos
adultos, mas tinham, ao mesmo tempo, um ambiente separado para os jogos. Estes
ocorriam em praças públicas, espaços livres, sem supervisão do adulto, em grupos de
crianças de diferentes idades e sexos.
Nesta época a brincadeira era considerada um elemento da cultura, do
riso, do folclore e do carnaval. Ela era, e continua sendo, uma representação da vida,
modelo miniatura da história e destino da humanidade.
A brincadeira era o fenômeno social do qual todos participavam e foi só
mais tarde que ela perdeu seus vínculos comunitários, tornando-se individual.
Com o progresso social da civilização verifica-se o surgimento da
sociedade industrial moderna e o surgimento da sociedade burguesa, que desencadearam
dois fatores importantes: a segregação das crianças em grupo separado da vida dos adultos
9
e a institucionalização das crianças, utilizando-se das atividades lúdicas como instrumento
de aprendizagem.
O brincar transformou-se no trabalho infantil. A infância tornou-se
“educável”, sendo que o objetivo básico dos pedagogos dentro das instituições e da família
era o de criar um novo homem.
Mas, no decorrer dos tempos, pode-se comprovar a necessidade da
socialização. Ela é tão fundamental no desenvolvimento infantil quanto a nutrição,
cuidados e atendimentos às necessidades vitais.
A criança que convive em uma comunidade ou instituição vai,
progressivamente, através das trocas com os outros, interiorizando os valores e ideais
daquele grupo. Como a criança virá incorporar esses elementos na sua personalidade
dependerá do caráter dessas interações sociais, assim como da natureza e variedade de
trocas sociais disponíveis a ela.
Pode-se mencionar, por exemplo que a grande diversão das crianças
indígenas do Brasil colonial era correr as florestas com arcos, flechas e tacapes imitando os
instrumentos que seus pais usavam para caçar animais, pescar e abater aves de verdade.
Verifica-se que muitos brinquedos surgiram dessa criativa cumplicidade.
De um lado o espírito infantil, buscando / desenvolvendo, a seu modo, formas de
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expressão, exploração, socialização, diversão, verbalização, e prazer. De outro, a
habilidade artesanal, transformando madeiras, metais ou argila em objetos aos quais as
crianças deram a função lúdica.
Constata-se que o brincar sofreu várias mudanças no decorrer do século
com o progresso das grandes cidades e a mudança de hábitos que a evolução civilização
impôs.
Atualmente observa-se que nas cidades há a redução de espaço físico e
falta de segurança para as crianças brincarem. O ritmo da vida moderna fez diminuir o
tempo reservado para as atividades lúdicas. A tecnologia reduziu o estímulo à brincadeira e
a industrialização modificou a relação da criança com o brinquedo.
O brinquedo deixa de ser aquela peça artesanal, minuciosa, passando a
ser produzido em escala, para atender à demanda cada vez maior dos centros urbanos em
expansão. Multiplicando-se e propagando-se, rapidamente virou mercadoria dentro do
universo de consumo.
Em conseqüência disso, vê-se que essa escalada combinada com o
processo de urbanização e a poderosa influência da televisão, altera a relação entre os
brinquedos e as crianças. O prazer de se construir os próprios brinquedos, exercitando a
imaginação, perdeu-se diante da presteza da indústria.
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Além disso, a indústria de brinquedos absorve as funções importantes
que o brinquedo estimula, como o pensamento criativo, o desenvolvimento social e
emocional, oferecendo para as pessoas uma grande miscelânea: brinquedos educativos,
brinquedos eletrônicos, preparando a criança para suas futuras funções na sociedade: o
pequeno bancário, o pequeno médico, a cozinheira-mirim, a futura dona-de-casa e mãe...
Auxiliada pelos diversos meios de divulgação, com propagandas nem sempre honestas, a
criança transforma-se num pequeno consumidor quase sempre passivo. A criança não
precisa mais imaginar. Os brinquedos funcionam quase automaticamente.
Embora haja uma crescente industrialização contrapõem-se, entretanto, a
atividade dos artesões. São homens e mulheres, de todas as idades, diplomados em
faculdades, ou que mal freqüentaram salas de aula, cuja atuação resgata o modo de
produção dos brinquedos na forma mais original e valoriza os aspectos culturais. Das suas
mãos, utilizando elementos simples, materiais reciclados e sucatas, saem pipas, cata-
ventos, carrinhos, bonecas, marionetes e tantos outros que constituem importante acervo da
cultura popular.
Movidos, sobretudo, pelo prazer de semear a alegria, os brinquedos
fazem brotar felicidade em toda parte. Por onde passam eles deixam sua marca. Bonecas,
cata-ventos, carrinhos, marionetes e outros objetos, sem ter propriamente a forma de
brinquedos promovem o livre brincar, de preferência sem regras, sem imposições.
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Podem ser brinquedos simples, ou até rudimentares diante de alguns
padrões estéticos impostos pela sociedade, mas são eles, com sua originalidade e
criatividade que evocam as melhores lembranças da infância de cada um, resgatam o
autêntico significado de brincar, preservam valores e culturas de um povo.
13
2. ATO DE BRINCAR
Verifica-se que o ato de brincar é a melhor maneira para dar à criança
condições de desenvolver suas potencialidades e caminhar, de descoberta em descoberta,
criando soluções e aprendendo a viver e a conviver com as demais. De descoberta em
descoberta, a criança aguça sua curiosidade, passando a manifestar, através das formas
mais variadas de expressão, as bases de sua personalidade em desenvolvimento. É a fase da
alegria, dos sonhos, dos vôos da imaginação. Nesta fase se inicia a socialização da criança,
onde nas brincadeiras do grupo social, a criança é a preservadora dos traços culturais do
seu grupo.
Através das brincadeiras inicia-se um processo de desenvolvimento
mental, o enriquecimento da linguagem, da criatividade, o espírito de observação e a
descoberta.
Atualmente observa-se que as crianças confinadas em apartamentos e
passando quase metade de seu tempo diante de um televisor, tem pouca oportunidade de
brincar livremente, de penetrar no mundo da fantasia e da imaginação, no mundo do “faz-
de-conta”, para poderem penetrar com mais preparo no mundo dos adultos, mundo este
que no futuro será o delas.
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É importante ressaltar que movimentos como correr, saltar, saltitar e
pular podem ter grande significado na brincadeira, mas ainda é através dela que a criança
se orienta no mundo e expressa seus sentimentos.
As brincadeiras infantis evoluem paralelamente ao desenvolvimento
global da criança. No primeiro ano de vida, elas ocorrem junto à família. Um bom exemplo
é quando a mãe sorri para o bebê e este a imita com alegria. No momento em que começa a
engatinhar e, em seguida, a andar, a criança começa a investigar seu espaço. Ela cria suas
próprias brincadeiras como remexer e esvaziar gavetas. Avançando mais um período, as
brincadeiras improvisadas não demoram muito tempo, mas são extremamente ricas em
fantasia. É a fase do faz-de-conta. A partir do momento em que começam a respeitar e
aceitar regras e a suportar a frustração de “perder”, os meninos e meninas são capazes de
jogar competitivamente.
Verifica-se que nas brincadeiras, o brinquedo pode ser fundamental, pois
traz o mundo adulto para a realidade infantil, estimulando a criatividade e o
desenvolvimento psicomotor. O brinquedo é a ferramenta do brincar infantil.
O brinquedo é capaz de estimular a criança a descobrir, inventar,
analisar, comparar, diferenciar e classificar, espontaneamente, sem compromisso ou
obrigatoriedade sendo muito importante na formação geral e no conhecimento infantil.
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Em conseqüência disso, conclui-se que o brinquedo é um elemento do
interesse infantil que promove a atenção e concentração da criança, induzindo-a a
criatividade e ao conhecimento de novas situações, palavras e habilidades.
Pode-se mencionar, por exemplo, que o brinquedo deve ser atraente, bem
construído, durável, seguro, não-tóxico e, sobretudo desafiador. Deve estimular a
curiosidade e imaginação da criança, levando-a a descobrir coisas novas e diferentes,
podendo, ainda, fantasiar sobre elas quanto o seu mundo lhe permitir.
Além disso, não é necessário que o brinquedo seja sofisticado ou de
aparência luxuosa, ou eletrônico que fale e ande sozinho. Este, quando sofisticado, perde
grande parte de suas qualidades lúdicas, pois sendo um objeto acabado, opõe uma barreira
à criatividade e à imaginação. Quase sempre seria preferível que a criança brincasse com
um objeto elementar – uma pedra, um pedaço de pau- que pudesse transformar ao seu
prazer, dando-lhe a função que quisesse, do que possuísse brinquedos caros que tolhem à
sua fantasia e criatividade.
É importante que pais e professores saibam que manipulando objetos e a
si mesmas, as crianças estão se preparando para futuras aprendizagens. Dessa forma, se o
brinquedo for adequado em termos da necessidade da criança, ele funcionará como um
material de aprendizagem. Assim, desde materiais de sucata até brinquedos
industrializados, quando bem utilizados, na hora certa, ajudarão no desenvolvimento das
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discriminações e generalizações, estimularão o raciocínio, a atenção, desenvolverão a
sociabilidade, o comportamento cooperativo e a interação entre os grupos.
Atualmente observa-se que o ambiente é de suma importância para a
criança, pois quando ela está livre para explorar, iniciar-se de acordo com seu próprio
ritmo e autocontrolar suas atividades, este ambiente encoraja-a a uma série de descobertas
e lhe dá respostas imediatas para o sucesso.
Dessa forma, as propriedades espaciais são aprendidas quando elas se
penduram em cordas, andam em labirintos, quando balançam seus corpos através de arcos,
tentam enfiar-se em lugares menores que elas ou criam espirais enquanto giram e correm
pelo playground.
É importante ressaltar que brincadeiras como pintura a dedo, brincadeira
com água e areia, desenvolvem a criatividade e a socialização, mantendo sua atenção e
interesse por longo tempo.
Um outro fator de importantes aprendizagens é a brincadeira
dramatizada, o “faz-de-conta”, pois é através delas que as crianças se introduzem no
mundo dos adultos. Brincando de imitar seqüências da vida familiar, elas aprendem a
representar papéis, que irão viver depois na vida adulta.
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Verifica-se que brincando a criança desloca para o exterior seus medos,
angústias e problemas interiores, dominando-os por meio da ação. Repete no brinquedo
todas as situações excessivas para seu ego fraco e isto lhe permite, devido ao domínio
sobre os objetos externos ao seu alcance, tornar ativo aquilo que sofreu passivamente,
modificar um final que lhe foi penoso, tolerar papéis e situações que seriam proibidas na
vida real tanto interna como externamente e também repetir à vontade situações
prazerosas.
Em conseqüência disso, vê-se que através das brincadeiras ela sente e
revive as experiências de sua relação com o exterior e consigo. Cria-se o lugar do
imaginário e assim pode discriminar, elaborar do mundo do faz-de-conta, o que pertence
ao mundo exterior. É neste espaço que vai se inserir o desenvolvimento do conhecimento e
da cultura. O brincar é cheio de perigos, ameaças, medos e prazeres que conduzem às
gratificações pelas realizações em nível do simbólico de fatos ocorridos na vida real.
Além disso a criança adquire experiência brincando. A brincadeira é uma
parcela importante da sua vida. As experiências tanto externas como internas das crianças
encontram-se principalmente na brincadeira e na fantasia. Tal como as personalidades dos
adultos se desenvolvem através de suas experiências da vida, assim as das crianças
evoluem por intermédio de suas próprias brincadeiras e das invenções das brincadeiras
feitas por outras crianças e por adultos. Ao enriquecerem-se, as crianças ampliam
gradualmente sua capacidade de exagerar a riqueza do mundo externamente real. A
brincadeira é a prova evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer vivência.
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Os adultos contribuem, neste ponto, pelo reconhecimento do grande lugar
que cabe à brincadeira e pelo ensino de brincadeiras tradicionais, mas sem obstruir nem
adulterar a iniciativa própria da criança.
Inicialmente, a criança brinca sozinha ou com a mãe; as outras crianças
não são imediatamente procuradas como companheiras. É em grande parte através da
brincadeira, em que as demais crianças são ajustadas a determinados papéis preconcebidos,
que uma criança começa a permitir às outras que tenham uma existência independente.
Consequentemente a brincadeira fornece uma organização para a
iniciação de relações emocionais e assim propicia o desenvolvimento de contatos sociais.
Estas servem de elo entre, por um lado, a relação do indivíduo com a realidade interior, e,
por outro lado, a relação do indivíduo com a realidade externa ou compartilhada.
As brincadeiras revelam que a criança é capaz, dado um ambiente
razoavelmente bom e estável, de desenvolver um modo de vida pessoal e converter-se num
ser humano integral, desejado como tal e favoravelmente acolhido pelo mundo em geral.
Dentre inúmeros motivos, percebe-se que em suas brincadeiras, uma
criança experimenta pessoas e coisas, armazena sua memória, estuda causas e efeitos,
resolve problemas, constrói um vocabulário útil, aprende a controlar suas reações
emocionais centralizadas em si própria e adapta seus comportamentos aos hábitos culturais
de seu grupo social. Brincar é tão necessário ao pleno desenvolvimento do organismo de
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uma criança, seu intelecto e personalidade, como alimento, abrigo, ar puro, exercício,
descanso e prevenção de doenças e acidentes para uma existência mortal contínua.
2.2. DESENVOLVIMENTO INFANTIL ATRAVÉS DO LÚDICO
O primeiro objeto referencial para as atividades lúdicas das crianças é o
corpo da mãe e o do pai; é por intermédio deles que a criança vai descobrindo seu próprio
corpo e as brincadeiras com ele. Nas relações afetivas fundamenta-se as primeiras noções
de equilíbrio e segurança da criança.
A criança com seu corpo e com os objetos que a rodeia brinca de se
esconder; desaparece atrás do lençol e torna a aparecer; dessa maneira, o mundo
momentaneamente se oculta e ela volta a recuperá-lo quando seus olhos se libertam do
objeto atrás do qual estava escondida.
Brinca também com os olhos: fechá-los e abri-los é perder o mundo ou
possuí-lo. Do seu corpo saem sons e é capaz de repeti-los. Estes sons, chamados balbucios,
são a primeira tentativa de expressão verbal.
Entre os quatro e seis meses adquire diversos modos de elaborar a
angústia da perda. Através de seus brinquedos intui, sente e elabora que as pessoas ou os
objetos tanto podem aparecer como desaparecer. Expressa isso em seu mundo lúdico,
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sendo capaz de passar muito tempo reconhecendo os objetos, afastando-os e aproximando-
os de si.
Na segunda metade do primeiro ano surge novo interesse em seus
brinquedos: descobre que algo oco pode conter objetos, que algo penetrante pode entra em
objeto oco. Assim, explora tudo o que seja penetrável e usa tudo o que possa servir para
penetrar; os ouvidos, os olhos, a boca, lhe permitem fazer suas primeiras experiências de
exploração.
Uma vez realizados esses jogos com o seu corpo e com o das pessoas que
a cercam, passa a brincar com coisas inanimadas: fendas na parede, canos, tudo é objeto de
suas brincadeiras. Como exemplos: um lápis, um óculos, seus dedos, tudo serve para pôr e
tirar, unir e separar.
Entre os oito e doze meses a criança se desloca no espaço circundante
engatinhando. Seu campo de ação se amplia e começa uma consciente e paciente
exploração dos objetos.
O tambor é um dos seus primeiros brinquedos e lhe interessa sobretudo a
partir do final do primeiro ano. Torna-se meio de comunicação e objeto de descarga das
tendências agressivas. Uma tampa de panela e uma colher de madeira são, para ela, o
melhor tambor. Dos onze aos dezoito meses serve a suas necessidades de descarga motriz.
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A partir do segundo ano, o brincar é a maneira da criança evocar a sua
realidade. Ela simboliza o mundo atribuindo funções aos brinquedos, representando papéis,
conversando com o amigo imaginário, imitando os animais, enfim viajando na fantasia.
Além das bonecas, os animais prediletos corporificam os filhos
imaginados; serão objeto de amor e maus tratos. Todas as suas experiências biológicas se
traduzirão em jogos com bonecas e animais. Desse modo começou a aprendizagem da
maternidade e da paternidade.
A organização genital se desenvolve pouco a pouco. Em torno dos três
anos a menina e o menino sentem-se impelidos a experiências genitais e as sublimam
através do brinquedo. Ao brincar representam suas fantasias da vida amorosa dos pais e
deles próprios, o nascimento do filho, as atividades masturbatórias.
O simbolismo infantil começa a se aproximar da realidade quando a
criança imita o adulto ou até mesmo a si própria através dos brinquedos.
Após os cinco anos o menino envolve-se com brincadeiras de conquista,
de ação, de mistérios; como exemplo: pistolas, espingardas, roupas de batman, fantasias de
bandido.
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A menina prefere um brinquedo mais tranqüilo; entretêm-se com
bonecas, prepara comida, finge relações sociais, entra na aprendizagem das características
femininas.
A entrada no colégio modifica profundamente o mundo do brinquedo. As
letras e os números convertem-se em brinquedo para as crianças. A curiosidade pelo
conhecimento é a continuação da que sentiram pelo mundo circundante até os cinco ou seis
anos.
Com a aprendizagem escolar aparecem novos jogos de ganhar / perder
em equipes com amigos escolhidos onde as regras e os objetivos são, por elas, explicados
ludicamente; combinando aptidões intelectuais e a sorte.
Nesse momento a criança já insere-se no mundo social e desenvolve seu
aspecto cognitivo, elabora jogos de construção passando da fantasia para a realidade. Logo,
ela passa do individualismo e do egocentrismo para o companheirismo e cooperativismo.
Entre os sete e os doze anos há um enriquecimento de sua socialização e
o seu jogo passa a ter regras e ela a respeitá-las.
Nessa evolução da brincadeira pode-se verificar que a criança passa de
uma situação de livre escolha para a priorização dos interesses de um grupo. Daí inicia o
seu preparo para ser adulto e cidadão numa sociedade.
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Através da brincadeira a criança aprende regras de conduta e que o
fracasso quando a derrota ocorre, é apenas temporário, que quando perdem, o mundo não
acaba. Ela investiga e precisa ter uma experiência total que deve ser respeitada. Seu mundo
rico , em contínua mudança, inclui um intercâmbio permanente entre a fantasia e realidade.
Se o adulto interfere e interrompe a sua atividade lúdica, pode perturbar o desenvolvimento
da experiência decisiva que ela realiza.
Na atividade lúdica, pode-se compreender como a criança vê e constrói o
mundo, como gostaria que ele fosse, quais as suas preocupações e problemas. Coloca nessa
atividade o que tem dificuldade em falar.
O lúdico é fundamental porque estimula o desenvolvimento intelectual e
ensina, sem que se perceba, hábitos necessários a esse crescimento como, por exemplo, a
persistência, tão importante em todo aprendizado.
A Psicanálise vê a ludicidade como um meio pelo qual a criança efetua
suas primeiras grandes realizações culturais e psicológicas. Quando ela brinca bem,
tranqüila, com imaginação, dá prova de saúde mental.
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3. TIPOS DE BRINCADEIRA
As brincadeiras começam espontaneamente, assim que uma criança é
liberada das imposições de seus reflexos neonatais primários. Seu desenvolvimento
satisfatório depende de continuar o encorajamento dos adultos.
Tem-se seis tipos principais de classificação em relação ao brincar de
crianças que podem ser designados da seguinte forma: ativos, exploratórios, imitativos,
construtivos, faz-de-conta e jogos com regras.
Estes diferentes tipos de brincadeiras emergem ordenadamente em
seqüência de desenvolvimento à medida que a criança aprende a usar primeiro seu
equipamento sensorial e motor para melhores vantagens e mais tarde seus poderes de
comunicação e criatividade. Toda a etapa seguinte depende de empreendimento bem-
sucedido das fases prévias.
Em ordem de aparecimento e qualidade de atuação, as realizações no
tempo de brincar de uma criança refletem seu progresso no desenvolvimento normal. Cada
etapa seguinte depende da obtenção e consolidação de ganhos prévios no mesmo
parâmetro de desenvolvimento. Embora seus começos sejam prontamente distinguíveis dos
principais tipos de brincadeiras, logo se integram inseparavelmente. Elas caem
naturalmente em dois grupos: as principais relacionadas a habilidades corporais e aquelas
principalmente relacionadas a comunicações humanas.
25
Brincadeira ativa presume controle “motor visível” da cabeça, tronco e
membros ao sentar, engatinhar, ficar em pé, subir, saltar, atirar, chutar, pegar, e assim por
diante. Está diretamente relacionado à promoção de desenvolvimento físico e necessita de
condições adequadas de espaço livre para movimentação e obstáculos naturais para
superar, juntamente com equipamentos simples e seguro de playground, móvel e fixo.
Brincadeiras exploratória e manipulativa, começando por volta de
três meses, com brincadeiras com os dedos, presume posse de integração apropriada para a
idade de funcionamento motor grosseiro, motor fino e sensorial. Estes componentes são
essenciais não somente para a aquisição da coordenação mão-olho, mas também para
escutar e localizar sons do dia-a-dia, para reconhecimento da permanência de objetos e
para aprender a apreciar as implicações de espaço e tempo.
A integração destes elementos físicos e cognitivos separados em
experiência com significado total necessita da existência de um certo número de coisas
simples para manipulação, tais como objetos domésticos do dia-a-dia, artigos de
alimentação e higiene, bem como brinquedos tradicionais, como chocalhos, bonecas, bolas,
blocos de construir, caixas, brinquedos para pegar e movimentar com a mão e instrumentos
produtores de sons.
Brincadeiras imitativas, começando muito cedo em episódios
momentâneos, tornam-se claramente evidentes desde os 7-9 meses. Presumem a
capacidade de a criança controlar seu corpo, manipular objetos, integrar e interpretar
26
experiências multissensoriais e compreender linguagem simples ou, talvez, mais
precisamente, as entonações vocais dos que cuidam dela. Reflete o que uma criança vê e
ouve em torno de si, particularmente em situações sociais diárias, proporcionando um
registro vivo de sua aprendizagem perceptual. A princípio, esta imitação consiste em
fragmentar e segue-se imediatamente após a atenção da criança ter sido atraída de algum
modo para a atividade que imita – geralmente uma atividade funcional, experimentada
muitas vezes. Mais tarde, ela relembra e repete para sua própria diversão ou para aplauso
uma série inteira dessas ações significativas e em intervalos cada vez mais longos.
As brincadeiras imitativas são necessárias, a fim de que uma criança não
somente aprenda de modo mais rápido e eficaz a realizar ações significativas por si
própria, mas também gradualmente a entender que os adultos tem diferentes papéis e
responsabilidades, porque neste momento ela veio a saber primeiro como e mais tarde por
que eles executam as atividades que ela imita. Daí, necessita de oportunidades contínuas
para observar “modelos” vivos, usando uma variedade de objetos domésticos comuns, que
encorajarão suas próprias explorações e manipulações. Até os dois anos, pode ficar
estimulada a imitar quando lhe são dados e mostra-se como usar alguns brinquedos
“educativos” simples como empurrar, puxar, martelar, encaixar em orifícios, colocar
formas geométricas em lugares apontados, etc.
Brincadeiras construtivas, começando com uma construção muito
simples com blocos por volta dos 18 meses a 20 meses, presume posse de todas as
capacidades motoras sensoriais já mencionadas, juntamente com aumento da capacidade
de fazer uso dos processos intelectuais envolvidos no reconhecimento e recuperação de
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memórias previamente armazenadas. Adicionalmente, requerem habilidades para criar
“impressões” preliminares na mente e imaginar estas em forma prática. Este tipo de
brincadeira surge diretamente de brincadeiras exploratórias e manipulativas, mas também
implica uma capacidade de combinar imitação “pura” inicial com “insight” primitivo e
antecipação com finalidade. É neste estágio que a gama de brinquedos e equipamentos
“educativos” proporcionados em playgrounds e escolas maternais é de maior valor.
Brincadeiras de faz-de-conta, começando alguns meses antes dos 2
anos e elaboradas vários anos depois, presume aquisição prévia de todos os tipos
anteriores, particularmente as brincadeiras com papel imitativo. Tendo aprendido com a
experiência as causas prováveis e efeitos relacionados às atividades que tem observado e
copiado, uma criança agora inventa deliberadamente para si mesma situações sempre mais
complexas de faz-de-conta, a fim de praticar e aproveitar seus “insights” e habilidades
adquiridos. Deste modo, ela oferece seus comentários a respeito da cena passada, melhora
seus conhecimentos gerais e refina suas comunicações sociais. A brincadeira de faz-de-
conta necessita da existência de todos os tipos de material manobrável, inclusive seleção
criteriosa de brinquedos duráveis comercialmente produzidos.
A brincadeira de faz-de-conta depende de capacidade de uma criança
receber e expressar suas idéias em alguma forma de código de linguagem.
Consequentemente, seu emprego espontâneo é de considerável significado diagnóstico
para profissionais da área da saúde, bem estar e educação de crianças na primeira infância.
28
Jogos-com-regras pressupõem um alto grau de habilidade em todos os
tipos precedentes, incluindo pleno entendimento e aceitação das abstrações envolvidas em
repartir, esperar sua vez, jogo limpo e registro exato de resultados. Geralmente iniciam por
volta dos quatro anos, quando pequenos grupos de crianças da mesma idade, sob liderança
tacitamente aceita, improvisam suas próprias regras para brincadeira cooperativa. Jogos em
equipes, que estimulam a competitividade em crianças mais velhas e adultos, tornam-se
sempre mais sujeitos a regras impostas e, para serem compensadores, devem ser jogados
estritamente de acordo com a constituição reconhecida.
3.1. CONDIÇÕES ESSENCIAIS PARA BRINCAR
BRINQUEDOS
Eles podem existir concreta e/ou abstratamente, pois eles representam o
instrumento do brincar. Não importa o tipo, o material, a função, a cor, a forma, o tamanho
nem a origem. A criança é capaz de descobri-lo no próprio corpo. Ele é um meio, uma
estratégia, um caminho da criança entrar na imaginação, de simbolizar sentimentos ou de
representar a realidade.
ESPAÇO
É importante para as atividades “de amplitude livre”, comumente
compartilhadas com outros; mas todas as crianças devem possuir também um pequeno
“território” pessoal, que ela sabe ser seu e que, portanto, propicie uma base domiciliar.
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A criança deve ter oportunidade de brincar na escola, em casa, na rua,
em parques e áreas livres. Muitas vezes ela não escolhe o lugar, pois o importante é o
momento; a criança descobre o prazer de brincar nos próprios botões de sua camisa.
TEMPO
Deve ser razoavelmente pacífico, previsível e adequado para o
preenchimento de qualquer atividade presente envolvendo o interesse da criança, sem
interrupção prematura que provavelmente causa frustração, ou prolongamento indevido,
levando a perda da finalidade, por aborrecimento, solidão ou negligência.
É fundamental que ela tenha tempo para brincar dentro do seu dia-a-dia.
Que os afazeres a ela atribuídos lhe permitam um período livre de obrigações, pois se ela
“tem que...” não é brincar.
COMPANHEIROS
A criança brinca consigo mesma, com outras crianças da mesma ou de
idades diferentes e com adultos. A companhia é a representação do outro na vida da
criança, e este é muito significativo no brincar pois tem grande importância na formação da
imagem corporal e na personalidade de cada uma.
30
Os companheiros são necessários em todos os estágios de
desenvolvimento. Adultos encorajadores não são apenas essenciais para crianças
dependentes, mas também no período de brincadeira-solo, característico de crianças abaixo
de 2 anos, que ainda não tem consciência de princípios abstratos, tais como direitos iguais,
repartir e ter sua vez.
A necessidade de acompanhantes prossegue, à medida que as
comunicações sociais melhoram, através dos pequenos coletivos tipo família geralmente
aceitáveis entre 2 e 4 anos até às brincadeiras espontâneas mais amplas em grupos de
iguais onde estas tornam-se progressivamente mais elaboradas e disciplinadas,
características dos 4 a 6 anos.
3.2. SEGURANÇA
Verifica-se que a criança é curiosa e imaginativa, está sempre
experimentando o mundo e precisa explorar todas as suas possibilidades. Sua imaginação e
fantasia levam-na, muitas vezes, a transformar um brinquedo em arma perigosa, sem
perceber o risco a que está se expondo. Portanto tem que haver atenção especial do adulto.
Quanto menor a criança, maior a exigência de que suas brincadeiras
sejam supervisionadas e a qualidade dos brinquedos rigorosamente observada. Pontas
afiadas, material quebrável, pecinhas miúdas, cordões perigosos, tintas tóxicas podem estar
em brinquedos que escondem riscos, mas que devem ser previstos e eliminados.
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4. DIFICULDADES ATUAIS PARA A REALIZAÇÃO DA BRINCADEIRA
Atualmente, observa-se que a infância das crianças da cidade está cada
vez mais curta, por uma série de razões, dentre elas:
* no lar, não há lugar só para elas, pois as famílias passaram a morar
em espaços cada vez mais reduzidos;
* as calçadas estão cheias de pessoas apressadas, e nas ruas os carros
se multiplicam;
* os adultos não tem tempo para se ocupar delas;
* as crianças ficam limitadas a seus quartos e ao contato incessante
com os aparelhos de TV e vídeo.
Um importante aspecto a considerar é que o mundo das crianças da
cidade está perdendo a fantasia. Elas vivem na vida real onde suas atitudes e
comportamentos tornam-se cada vez mais padronizados de acordo com as exigências de
sua realidade social. Elas precisam mesmo é correr, saltar, pular, gritar, sonhar e inventar.
Atualmente, ao contrário, elas tem pouco tempo para isso. Os pais as matriculam no maior
número possível de atividades por não dispor de tempo para se dedicarem a eles
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pessoalmente. Como conseqüência elas são vítimas de stresse bem cedo porque essas
atividades nem sempre cumprem plenamente a função lúdica na vida da criança.
Além disso as crianças estão crescendo super familiarizadas com as
máquinas: vídeo games, computadores, games boy, televisão; com outros brinquedos
eletrônicos de toda espécie e distanciadas de caixas, pedaços de pano, bonecas, carrinhos,
madeirinhas, jogos de montar, jogos de tabuleiro, etc. Esses brinquedos, sabe-se que
oportunizam e favorecem a brincadeira livre e a fantasia. A criança coloca no objeto com
que ela está brincando, o significado que ela deseja no momento. Por outro lado, esse tipo
de brincadeira requer atenção, dá trabalho e faz sujeira. Na pressa do dia-a-dia, os pais e
alguns professores, tentando simplificar suas rotinas e sua tarefa de educadores oferecem
brinquedos já prontos e que não requerem montagem, não fazem sujeira e nem geram lixo;
enfim, nada que precisem limpar e arrumar.
Pensando no brinquedo como suporte da brincadeira, pode-se imaginar
que a criança necessita interagir com o brinquedo, transformá-lo, dar significados e
representações sociais a ele. Se o brinquedo já está carregado de significados, já tem um
jeito de brincar e faz tudo sozinho; muito pouco sobrou para a criança criar. A maneira que
ela tem de conhecer e explorar é destruindo e construindo o brinquedo, aprendendo como
ele é feito.
Pais preocupados em compensar sua ausência na formação de seus filhos
costumam presenteá-los com brinquedos, muitas vezes fora da faixa maturacional e do real
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interesse da criança. O valor do brinquedo para a criança não está em seu preço, nem
mesmo em seu tamanho e muito menos na quantidade ou número de que possui. O valor
deste é comandado pela sua sensibilidade, emoção, afeto e na possibilidade criativa que
oferece de aceitar os significados, fantasias e interações.
Outra dificuldade é que as cidades estão engolindo o espaço do brincar e
do brinquedo. O ambiente físico urbano é hostil à criança; não há muitos lugares para ela e,
dessa maneira, uma série de jogos coletivos como bolinhas de gude, amarelinha, jogos de
bola que são atividades lúdicas sociais; tendem a desaparecer, sendo substituído por outros
mais passivos e solitários, como assistir a programas, filmes e desenhos na televisão. Uma
outra perda é que em alguns dos brinquedos tradicionais tinha-se a presença da mãe, do pai
ou dos avós, que participavam dos jogos ou facilitavam sua organização. Hoje essa
ausência é justificada pela famosa falta de tempo, tão comum nos dias atuais.
4.1. NÃO BRINCAR
Verifica-se que as crianças que não tem oportunidade e com as quais raramente se
brincam , sofrem várias interrupções ou reveses intelectuais. Na brincadeira e através dela,
a criança exercita seus processos mentais, sem esse exercício, seu pensamento pode
permanecer superficial e pouco desenvolvido.
O não brincar no momento adequado e com o brinquedo correspondente, pode
acarretar perturbações; o fato de não surgir um determinado modo de interagir com o
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objeto pode ser sinal de mau desenvolvimento físico ou psíquico e urge procurar o motivo
do desajustamento.
Do ponto de vista psicológico, observa-se que elas não conseguem conquistar o
domínio sobre o mundo exterior. O brincar assume, pois, duas facetas: a de passado através
da resolução simbólica de problemas não-resolvidos; e a de futuro na forma da preparação
para a vida.
Nenhum caminho, será mais curto para desenvolvê-la à saúde do que propiciar-lhe
todas as oportunidades para que inicie o jogo. O próprio adulto, quando a realidade é
demasiado dolorosa ou difícil de ser superada, tende para a fantasia e sonha acordado; a
criança é como se sonhasse: modifica a realidade ou repete os fatos dolorosos a fim de
poder libertar-se de tensões ou pressões demasiado intensas. Esse tipo de jogo não seria
puramente experimental, mas teria um valor fundamental, a readaptação no plano real.
Alguns pais por motivos que na maior parte das vezes eles ignoram, não ficam
satisfeitos com o modo como o filho brinca. Então, começam por dizer-lhe como deve ser,
porém, se ele continua seguindo sua própria inclinação, corrigem-no, esperando que use de
acordo com seu suposto propósito, ou do jeito que acham. Se insistem nessa orientação, o
interesse da criança pelo brinquedo – e, por extensão, também pela brincadeira em geral –
tende a declinar, porque o projeto passou a não ser mais dela e ficam ansiosos procurando
corresponder às expectativas dos pais. Como conseqüência, pode inibir a criatividade e a
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auto-estima da criança, fazendo perder o interesse em desenvolver idéias próprias e
passando a reproduzir modelo.
Na criança em que é privada o brincar, por condições de saúde, financeiros ou
sociais, ficam marcas profundas dessa falta de vivência lúdica. Pode-se dizer que muitos
dos problemas apresentados em consultórios médicos, ou psicológicos surgiram pela
privação do brincar infantil. Este, na sua expressão mais autêntica, favorece o crescimento
saudável.
Brincando, a criança desenvolve suas capacidades físicas, verbais e intelectuais.
Quando a criança não brinca ela deixa de estimular, e até mesmo desenvolver suas
capacidades inatas e pode vir a ser um adulto inseguro, medroso e agressivo. Já quando a
criança brinca à vontade, tem maiores possibilidades de se tornar um adulto equilibrado,
consciente e afetuoso.
É importante ressaltar que o direito de brincar, de ter e compartilhar brinquedos,
está na essência do ser criança. Faz parte das tradições, da cultura e talvez seja o mais
importante legado da humanidade.
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II- CONCLUSÃO
Pela observação dos aspectos analisados, entende-se que o jogo e a
brincadeira estruturam-se no movimento e tem como função a exploração e relação do
corpo e dos objetos, os sentimentos e as emoções. Através destes, a criança estabelece
conceitos, interage com os objetos e as pessoas, favorecendo a comunicação e a
inteligência. Logo o desenvolvimento da habilidade de aprender e pensar vem como
resultado importante do brincar.
Dessa forma, a criança se educa com a repetição de experiências. Esse
processo se inicia com a imitação, decorrente do exercício de repetição. Da imitação que
desaparece para dar lugar ao simbólico (o faz-de-conta), cede-se lugar às regras. Estas irão
indicar à criança que as coisas não estão prontas e acabadas. Há obstáculos a serem
superados e o tempo de cada um é diferente e deve ser respeitado. Assim a brincadeira
constitui uma forma de preparação para a vida adulta.
Entende-se que o brincar é uma maneira lúdica de enfrentar e superar
desafios. Estudos comprovam que crianças brincalhonas são mais desenvolvidas
intelectualmente, cooperam mais com o grupo, são mais felizes e seguras.
Em virtude dos fatos mencionados, conclui-se que a criança que brinca,
vive a sua infância, torna-se-á um adulto mais equilibrado física e emocionalmente,
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suportará melhor as pressões das responsabilidades adultas e terá maior criatividade para
solucionar os problemas que lhe surgirem.
Logo cabe ao adulto estar preocupado com o resgate do espaço, do tempo
e da naturalidade do brincar infantil. Se isso não for pensado, a criança será cada vez mais
adulto, precocemente responsável e possivelmente infeliz.
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III- BIBLIOGRAFIA
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