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Livro: Introdução à Álgebra LinearAutores: Abramo Hefez
Cecília de Souza Fernandez
Capítulo 4: O Espaço Vetorial R3
Sumário
1 Retas e Planos em R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
1.1 Retas em R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
1.2 Planos em R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
2 Posições Relativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
3 Determinantes e Geometria . . . . . . . . . . . . . 111
3.1 Determinantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
3.2 O Produto Vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
92 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
Neste Capítulo, aplicaremos os conceitos vistos no capítulo anterior à
Geometria Analítica em R3. Mais precisamente, usaremos os conceitos de
subespaço vetorial, base e dimensão para estudar as noções de retas e planos
em R3. Uma ferramenta essencial para o estudo da geometria em R3 é a
noção de produto escalar que introduziremos em seguida.
Dados u = (x1, x2, x3) e v = (y1, y2, y3) em R3, de�nimos o produto escalar
de u e v, denotado por u · v, como o número real
u · v = x1y1 + x2y2 + x3y3.
Por exemplo, (1, 2,−1) · (0, 2, 1) = 1.0 + 2.2 + (−1)(1) = 3.
É fácil veri�car que, para quaisquer u, v, w ∈ R3 e a ∈ R, tem-se
(i) u · v = v · u,(ii) u · (v + w) = u · v + u · w,(iii) (au) · v = u · (av) = a(u · v).
Dados dois vetores u e v em R3, dizemos que eles são ortogonais , e denotamos
u ⊥ v, quando u · v = 0.
O produto escalar é um caso particular de uma classe de produtos de-
�nidos em espaços vetoriais de dimensão qualquer, chamados de produtos
internos, que serão estudados no Capítulo 7.
A partir do produto escalar, podemos de�nir a norma de um vetor v =
(x, y, z), como
||v|| =√v · v =
√x2 + y2 + z2 .
Note que da de�nição segue-se imediatamente que ||v|| ≥ 0 e que ||v|| = 0
se, e somente se, v = 0.
Geometricamente, a norma do vetor v representa a distância da origem
de R3 ao ponto de coordenadas (x, y, z), ou seja, é igual ao módulo do vetor
v.
Mostraremos a seguir como a noção de produto escalar permite também
calcular o ângulo entre dois vetores em R3.
1. RETAS E PLANOS EM R3 93
Lembremos que o ângulo entre dois vetores não nulos u e v em R3 é o
ângulo θ formado por eles tal que 0 ≤ θ ≤ π (Figura 2).
Figura 2
Aplicando a lei dos cossenos no triângulo da Figura 2, obtemos
||u− v||2 = ||u||2 + ||v||2 − 2||u|| ||v|| cos θ. (1)
Por outro lado, segue das propriedade (i), (ii) e (iii) do produto escalar que
||u− v||2 = (u− v) · (u− v)= u · u− u · v − v · u+ v · v= ||u||2 − 2u · v + ||v||2. (2)
De (1) e (2), temos que
cos θ =u · v||u|| ||v||
· (3)
1 Retas e Planos em R3
1.1 Retas em R3
Seja v um vetor não nulo em R3. Seja W o conjunto de todas as combi-
nações lineares de v, ou seja,
W = G(v) = {tv ; t ∈ R}.
94 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
Geometricamente, W é o conjunto de todas as dilatações, contrações e in-
versões de v. (Figura 3).
Figura 3
Tomemos A um ponto de R3. De�nimos a reta que contém A e tem
direção v, e denotamos r(A, v), como o conjunto
r(A, v) = {A+ tv ; t ∈ R} = {A}+W.
O vetor v é chamado de um vetor diretor da reta r(A, v). Notemos que, pelo
Teorema 3.1.7, todo vetor não nulo em G(v) é um vetor diretor de r(A, v).
Pela regra do paralelogramo, é fácil determinar r(A, v) geometricamente. De
fato, a reta r(A, v) é determinada pelos vetores dados pela diagonal, que
parte da origem, do paralelogramo formado pelos vetores vA e tv (t ∈ R)(Figura 4), sendo que vA é o vetor dado pelo ponto A.Figura 4
Observamos que G(v), v 6= 0, é a reta que passa pela origem com direção
v, ou seja,
G(v) = r(0, v).
Portanto, todo subespaço vetorial de R3 de dimensão 1 é, geometricamente,
uma reta que passa pela origem. Reciprocamente, uma reta que passa pela
origem é o espaço gerado por um de seus vetores diretores e, consequente-
mente, é um subespaço vetorial de R3 de dimensão 1. Assim, caracterizamos
geometricamente todos os subespaços vetoriais de R3 com dimensão 1: os
1. RETAS E PLANOS EM R3 95
subespaços vetoriais de R3 com dimensão 1 são as retas em R3 que passam
pela origem.
A seguir apresentamos os diversos tipos de equações de uma reta em R3.
Seja r(A, v) uma reta em R3. Tomemos P ∈ R3. Temos que P ∈ r(A, v)
quando P = A+ tv para algum t ∈ R. A equação
P = A+ tv, t ∈ R, (1)
é chamada equação vetorial da reta r(A, v). Escrevendo P = (x, y, z),
A = (x1, y1, z1) e v = (a, b, c), obtemos de (1) que
(x, y, z) = (x1, y1, z1) + t(a, b, c), t ∈ R,
o que equivale às equações
x = x1 + ta, t ∈ R,
t = y1 + tb, t ∈ R, (2)
z = z1 + tc, t ∈ R.
As equações em (2) são chamadas de equações paramétricas de r(A, v). Se
a 6= 0, b 6= 0 e c 6= 0, obtemos de (2) que
t =x− x1a
=y − y1b
=z − z1c
,
ou seja,x− x1a
=y − y1b
=z − z1c· (3)
96 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
As equações em (3) são chamadas de equações simétricas da reta r(A, v).
Podemos apresentar as equações em (3) de uma outra forma, explicitando as
variáveis y e z e expressando-as em função de x. De fato,
y − y1b
=x− x1a
⇐⇒ y − y1 =b
a(x− x1) ⇐⇒ y = mx+ n,
onde
m =a
be n = − b
ax1 + y1,
ez − z1c
=x− x1a
⇐⇒ z − z1 =c
a(x− x1) ⇐⇒ z = px+ q,
onde
p =c
ae q = − c
ax1 + z1 .
As equações {y = mx+ n
z = px+ q, x ∈ R,(4)
são chamadas de equações reduzidas da reta r(A, v). Observamos que em (4) a
variável x aparece como variável independente. Se expressarmos as equações
de forma que a variável independente seja y ou z, as equações obtidas são
também chamadas de equações reduzidas.
Exemplo 1. Encontremos as equações paramétricas da reta que tem como
um vetor diretor v = (1, 0, 2) e que contém o ponto A = (2, 1,−3).Ora, as equações paramétricas da reta r(A, v) são
x = 2 + t
y = 1,
z = −3 + 2t; t ∈ R.
Exemplo 2. Determinemos a e b para que o ponto P = (1, a, b) pertença à
reta de equações x = −2 + t
y = 3− t,z = −1 + 2t; t ∈ R.
1. RETAS E PLANOS EM R3 97
Para que P pertença à reta dada, as componentes de P devem satisfazer
as equações acima, ou seja, devemos ter1 = −2 + t
a = 3− t,b = −1 + 2t,
para algum t ∈ R. A solução procurada é então a = 0 e b = 5.
Exemplo 3. Consideremos as retas r = r(A, v) e s = r(B,w), onde A =
(0, 1, 0), B = (1, 0, 0), v = (1,−1, 2) e w = (2, 1, 3). Vamos veri�car que
r ∩ s = ∅.Com efeito, se P = (x0, y0, z0) ∈ r, então, para algum t1 ∈ R,
x0 = t1, y0 = 1− t1, z0 = 2t1. (5)
E, se P = (x0, y0, z0) ∈ s, então, para algum t2 ∈ R,
x0 = 1 + 2t2, y0 = t2, z0 = 3t2. (6)
De (5) segue-se que P = (x0, 1 − x0, 2x0). E, de (6), segue-se que P =
(x0,x0−12, 3(x0−1)
2). Assim,
1− x0 =x0 − 1
2e 2x0 =
2
3(x0 − 1),
o que não ocorre para nenhum x0 em R. Logo, não existe P ∈ r ∩ s, ou seja,
r ∩ s = ∅.
Segue da de�nição de vetores colineares em um espaço vetorial sobre um
corpo K, dada na Seção 1 do Capítulo 1, que dois vetores v1 e v2 em R3 são
colineares quando eles pertencem a uma mesma reta que passa pela origem.
(Figura 5). Figura 5
Suponhamos que v1 e v2 pertençam à reta r(0, v). Então existem t1 e t2em R tais que v1 = t1v e v2 = t2v. Se v2 é o vetor nulo, {v1, v2} é dependente.Se v2 não é o vetor nulo, então t2 é um número real não nulo. Assim,
v1 −t1t2v2 = 0,
98 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
mostrando que {v1, v2} é dependente. Reciprocamente, sejam w1 e w2 vetores
não nulos em R3. Se {w1, w2} é um conjunto linearmente dependente, então
existe t ∈ R tal que w1 = tw2 . Logo, w1 pertence a reta r(0, w2). Portanto,
o conceito �v1 e v2 são linearmente dependentes� (linguagem algébrica) e o
conceito �v1 e v2 são colineares� (linguagem geométrica) são equivalentes.
Ou seja, provamos o seguinte resultado.
Proposição 4.1.1. Dois vetores v1 e v2 em R3 são linearmente dependentes
se, e somente se, v1 e v2 são colineares .
Discutimos acima a noção de vetores colineares. Existe também a noção
de pontos colineares. Diremos que três pontos distintos A,B,C ∈ R3 são
colineares se existir uma reta em R3 que contenha os três pontos. Os dois
conceitos se relacionam de acordo com o resultado a seguir.
Proposição 4.1.2. Três pontos distintos A,B,C ∈ R3 são colineares se, e
somente se, os vetores v1 = B − A e v2 = C − A são colineares .
Demonstração Suponhamos que A,B e C pertençam a uma mesma reta.
Como por dois pontos distintos passa uma e somente uma reta (Problema
1.6), a reta de equação vetorial
P = A+ v1t, t ∈ R
contém A e B. Como C pertence à mesma reta, existe t0 ∈ R tal que
C = A+ v1t0,
1. RETAS E PLANOS EM R3 99
ou seja, v2 = v1t0, mostrando que v1 e v2 são colineares.
Reciprocamente, suponhamos que v1 e v2 sejam colineares. Então, existe
t0 ∈ R tal que v2 = t0v1, ou seja
C − A = t0(B − A).
Considere a reta de equação vetorial
P = A+ t(B − A), t ∈ R.
Note que tomando t = 0, temos P = A e tomando t = 1, temos P = B.
Assim, A e B pertencem à reta. Tomando t = t0, temos P = A+t0(B−A) =C. Portanto, A, B e C pertencem a uma mesma reta. �
Exemplo 4. Veri�quemos que os pontos A = (2, 3, 1), B = (1, 4,−1) e
C = (3, 2, 3) são colineares.
Pelas Proposições 4.1.1 e 4.1.2, devemos veri�car que os vetores v1 =
B−A e v2 = C−A são linearmente dependentes. Temos que v1 = (−1, 1,−2)e v2 = (1,−1, 2). Como v1 + v2 = 0, temos que v1 e v2 são linearmente
dependentes.
1.2 Planos em R3
Sejam v1 e v2 dois vetores linearmente independentes em R3. Seja W o
conjunto de todas as combinações lineares de v1 e v2 , ou seja,
W = G(v1, v2) = {sv1 + tv2 ; s, t ∈ R}.
Tomemos A um ponto de R3. De�nimos o plano que passa por A determinado
por v1 e v2 , e o denotamos por π(A, v1, v2), como o conjunto
π(A, v1, v2) = {A+ sv1 + tv2 ; s, t ∈ R} = {A}+W.
Os vetores v1 e v2 são chamados de vetores base do plano π(A, v1, v2)
(ver Figura 6). Figura 6
100 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
Notemos que, pelo Teorema 3.3.6, quaisquer dois vetores independentes
w1, w2 em G(v1, v2) formam uma base de π(A, v1, v2), pois G(w1, w2) ⊂G(v1, v2) e as dimensões dos dois espaços são iguais. Observemos também
que o espaço G(v1, v2) é o plano que passa pela origem determinado por v1 e
v2 , ou seja,
G(v1, v2) = π(0, v1, v2).
Portanto, todo subespaço vetorial de R3 de dimensão 2 é, geometricamente,
um plano que passa pela origem. Reciprocamente, um plano que passa pela
origem é o espaço gerado por dois de seus vetores base e, consequentemente, é
um subespaço vetorial de R3 de dimensão 2. Assim, caracterizamos geometri-
camente todos os subespaços vetoriais de R3 com dimensão 2: os subespaços
vetoriais de R3 com dimensão 2 são os planos em R3 que passam pela origem.
TomemosW um subespaço vetorial de R3. Pelo Teorema 3.3.6, segue que
dimW ≤ 3. Pelo que acabamos de ver, temos a seguinte classi�cação dos
subespaços W de R3:
aspecto algébrico aspecto geométrico
dimW = 0 ←→ W = {(0, 0, 0)} (origem do espaço)
dimW = 1 ←→ W é uma reta que passa pela origem
dimW = 2 ←→ W é um plano que passa pela origem
dimW = 3 ←→ W = R3
A seguir apresentamos a equação vetorial e as equações paramétricas de
um plano em R3. Seja π(A, v1, v2) um plano em R3. Tomemos P ∈ R3.
1. RETAS E PLANOS EM R3 101
Temos que P ∈ π(A, v1, v2) se, e somente se, P = A + sv1 + tv2 para certos
s, t ∈ R. A equação
P = A+ sv1 + tv2 , s ∈ R e t ∈ R (1)
é chamada equação vetorial do plano π(A, v1, v2). Escrevendo P = (x, y, z),
A = (x1, y1, z1), v1 = (a1, b1, c1) e v2 = (a2, b2, c2), obtemos de (1) que
(x, y, z) = (x1, y1, z1) + s(a1, b1, c1) + t(a2, b2, c2), s, t ∈ R,
o que equivale às equações
x = x1 + sa1 + ta2 , s, t ∈ R,
y = y1 + sb1 + tb2 , s, t ∈ R, (2)
z = z1 + sc1 + tc2 , s, t ∈ R.
As equações em (2) são chamadas de equações paramétricas de π(A,v1,v2).
Vamos apresentar agora a equação cartesiana ou equação geral de um plano.
Antes, precisamos apresentar a noção de vetor normal a um plano. Chama-
mos de vetor normal ao plano π(A, v1, v2) a um vetor não nulo ortogonal aos
vetores v1 e v2 (portanto, ortogonal a todo vetor do plano).
Seja n um vetor normal ao plano π(A, v1, v2). Seja P = (x, y, z) um
ponto de π(A, v1, v2). Denotemos por v o vetor dado por P − A. Então,
v = t1v1 + t2v2 para certos t1, t2 ∈ R. Como n ⊥ v1 e n ⊥ v2 , temos que
n · v1 = n · v2 = 0. Assim, n · v = 0. Se A = (x1, y1, z1) e n = (a, b, c), temos
que n · v = 0 equivale à equação
(a, b, c) · (x− x1, y − y1, z − z1) = 0,
ou seja,
ax+ by + cz + d = 0, (3)
onde d = −ax1 − by1 − cz1 . A equação em (3) é chamada de equação geral
ou cartesiana do plano π(A, v1, v2).
102 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
Exemplo 5. Determinemos as equações cartesianas dos planos cartesianos
xOy, yOz e xOz.
Os vetores e1 = (1, 0, 0) e e2 = (0, 1, 0) são vetores base para o plano
cartesiano xOy e o vetor e3 é um vetor normal ao plano xOy. Como e3 =
(0, 0, 1), a equação
z + d = 0x+ 0y + 1 · z + d = 0
é uma equação cartesiana do plano xOy, onde d é um número real a ser
determinado. Como a origem pertence ao plano xOy, temos que
d = 0 + d = 0.
Assim, z = 0 é a equação cartesiana do plano xOy.
As equações x = 0 e y = 0 são as equações cartesianas dos planos yOz e
xOz, respectivamente.
Pela de�nição, vimos que um plano �ca determinado por um ponto
A em R3 e por dois vetores v1 e v2 em R3 linearmente independentes. Existem
outras maneiras de se determinar um plano. No resultado a seguir, vamos
apresentar três outras maneiras de se determinar um plano em R3.
1. RETAS E PLANOS EM R3 103
Teorema 4.1.3.
(i) Existe um único plano em R3 que passa por um ponto A e tem um vetor
não nulo n como vetor normal.
(ii) Existe um único plano em R3 que passa por três pontos A, B e C não
colineares.
(iii) Existe um único plano que passa por uma reta r e um ponto A fora
de r.
Demonstração Provaremos apenas o item (i), deixando os demais itens
para o leitor (veja Problema 1.12).
Seja A um ponto em R3 e seja n um vetor não nulo. Consideremos
W = {v ∈ R3 ; v ·n = 0}. Como n é não nulo, W é um subespaço vetorial de
R3 de dimensão 2. Assim, podemos tomar dois vetores linearmente indepen-
dentes em W , digamos, v1 e v2 . O plano π(A, v1, v2) contém A e tem n como
um vetor normal. Mais ainda, este plano é o único com tais propriedades.
De fato, consideremos π(P,w1, w2) um plano que contém A e tem n como
um vetor normal. Vejamos que π(P,w1, w2) = π(A, v1, v2). Tomemos Q em
π(P,w1, w2). Então, existem ` e m em R tais que
Q = P + `w1 +mw2 . (4)
Como π(P,w1, w2) contém A, existem p e q em R tais que
A = P + pw1 + qw2 . (5)
Tomando a diferença (4)-(5), obtemos que
Q = A+ rw1 + sw2 (6)
com r e s em R. Como w1, w2 ∈ W , existem números reais a, b, c e d tais
que {w1 = av1 + bv2
w2 = cv1 + dv2 .(7)
104 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
Finalmente, substituindo (7) em (6), obtemos
Q = A+ (ra+ sc)v1 + (rb+ sd)v2 ,
ou seja, Q ∈ π(A, v1, v2). Mostramos assim que π(P,w1, w2) ⊂ π(A, v1, v2).
Deixamos para o leitor veri�car a outra inclusão. �
Exemplo 6. Determinemos a equação cartesiana do plano que contém o
ponto A = (1, 1, 1) e a reta r de equações paramétricasx = 2t,
y = 3t,
z = 1 + t; t ∈ R.
Como A /∈ r, pelo Teorema 4.1.3, existe um único plano π que contém A
e r. Para determinarmos este plano, tome B ∈ r e v um vetor diretor da reta
r; digamos B = (0, 0, 1) e v = (2, 3, 1). Considere w = B − A = (−1,−1, 0).O plano π(A, v, w) é o plano procurado. Note que aqui estamos dando uma
ideia de como resolver parte do Problema 1.12, provando assim o item (iii)
do Teorema 4.1.3.
Figura 7
O vetor n = (1,−1, 1) é um vetor normal ao plano π, logo uma equação
cartesiana deste plano é dada por
x− y + z + d = 0,
1. RETAS E PLANOS EM R3 105
onde d é um número real a ser determinado. Como A ∈ π, segue que
1− 1 + 1 + d = 0,
ou seja, d = −1. Portanto, uma equação cartesiana de π é
x− y + z − 1 = 0.
Exemplo 7. Determinaremos a equação vetorial do plano que contém os
pontos A = (1, 2, 3), B = (1,−1, 0) e C = (0, 2, 1).
Como os vetores v1 = B − A = (0,−3,−3) e v2 = C − A = (−1, 0,−2)são linearmente independentes, os pontos A, B e C não pertencem a uma
mesma reta. Assim, pela parte (ii) do Teorema 4.1.3, existe um único plano
π que contém os pontos A, B e C. Este plano é o plano π(A, v1, v2) (aqui
estamos dando uma ideia de como resolver a outra parte do Problema 1.12,
provando assim o item (ii) do Teorema 4.1.3), cuja equação vetorial é dada
por
P = A+ tv1 + sv2, t, s ∈ R.
Ou seja,
(x, y, z) = (1, 2, 3) + t(0,−3,−3) + s(−1, 0,−2), t, s ∈ R.
Note que para t = s = 0, obtemos (1, 2, 3) na equação acima. Para t = 1 e
s = 0, obtemos (1,−1, 0). E, para t = 0 e s = 1, obtemos (0, 2, 1). Assim,
π(A, v1, v2) contém os pontos A, B e C.
Problemas
1.1 Mostre que se w é ortogonal a u e a v, então w é ortogonal a todo vetor
de G(u, v).
1.2* Mostre que, em R3, a dependência linear de três vetores pode ser des-
crita geometricamente como segue:
Três vetores quaisquer u, v e w são dependentes se, e somente se, estão
num mesmo plano que passa pela origem, ou seja, se eles são coplanares .
106 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
Este exercício é uma versão da Proposição 4.1.1 para três vetores em R3.
1.3* Determine a equação geral do plano que passa pelos pontos
A = (−1, 2, 0), B = (2,−1, 1) e C = (−1,−1, 1).
1.4 Determine uma base para cada um dos seguintes subespaços de R3:
(a) o plano 3x− 4y − z = 0;
(b) a reta x = 2t, y = −t, z = 3t;
(c) o plano x− y = 0.
1.5 As equações paramétricas de uma reta são
x = 2 + 4t, y = t− 4, z = 7− 8t (t ∈ R).
Reduzir estas equações à forma simétrica.
1.6 (Determinação de uma reta por dois pontos.) Sejam A e B dois pontos
distintos em R3. Mostre que a reta r(A, v), onde v é o vetor A−B, é a única
reta que contém A e B.
1.7 Determine as equações simétricas da reta que contém os pontos A =
(2, 3, 0) e B = (0, 1, 2).
1.8 Determine as equações reduzidas, em função da variável z, da reta que
passa pelos pontos A = (−1, 0, 1) e B = (1, 3,−2).
1.9 Qual deve ser o valor de k para que os pontos A = (3, k, 1), B = (1, 1,−1)e C = (−2, 10,−4) pertençam à mesma reta?
1.10 Represente gra�camente os planos de equações:
(a) x+ y + z = 0; (b) z − 2 = 0; (c) 2x+ y + z − 1 = 0.
1.11 Determine o valor de k para que os pontos A = (k,−1, 5), B = (7, 2, 1),
C = (−1,−3,−1) e D = (1, 0, 3) estejam no mesmo plano.
1.12 Conclua a demonstração do Teorema 4.1.3.
1.13 Determine as equações paramétricas do planox
4+y
3+z
2= 1.
2. POSIÇÕES RELATIVAS 107
1.14 Determine a equação do plano que passa pelo ponto (2,−1, 0) e contéma reta 2x− y − z + 4 = 0
x+ 2y − z + 3 = 0 .
1.15 Determine os pontos de interseção dos planos coordenados xOy, yOz e
xOz com a reta
r :
y = 2x− 3
z = −x+ 2 .
2 Posições Relativas
Vejamos a seguir como os conceitos de base e dimensão podem ser apli-
cados no estudo sobre as posições relativas entre retas, retas e planos e
planos em R3. Antes precisamos lembrar que duas retas r1 = r(A1, v1) e
r2 = r(A2, v2) em R3 são ditas coplanares quando elas pertencem a um
mesmo plano. Na linguagem algébrica, isto equivale a dizer que o conjunto
de vetores {v, v1, v2} é linearmente dependente, onde v denota o vetor A2−A1
(veja Problema 2.1). As retas r1 e r2 são ditas reversas quando não são co-
planares. Se r1 e r2 são retas reversas, então r1 ∩ r2 = ∅, ou seja, elas não
se intersectam. No caso de r1 e r2 serem coplanares um e somente um dos
casos abaixo pode ocorrer:
1) r1 ∩ r2 = ∅;
2) r1 ∩ r2 = {P}, onde P ∈ R3;
3) r1 ∩ r2 = r1 = r2 .
Se 1) ocorre, ou seja, se r1 e r2 não se intersectam, r1 e r2 são ditas retas
paralelas. Se 2) ocorre, ou seja, se r1 e r2 se intersectam em um único ponto de
R3, r1 e r2 são ditas retas concorrentes. Se 3) ocorre, ou seja, se a interseção
coincide com as retas dadas, r1 e r2 são ditas retas coincidentes. Vejamos
uma demonstração destes fatos.
108 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
Proposição 4.2.1. (Posições relativas de duas retas coplanares) Se-
jam r1 = r(A1, v1) e r2 = r(A2, v2) duas retas coplanares em R3. Então, r1e r2 são paralelas ou r1 e r2 são concorrentes ou r1 e r2 são coincidentes.
Demonstração Se r1 ∩ r2 = ∅, as retas são paralelas e não temos nada a
fazer. Suponhamos que r1∩r2 6= ∅. Então existe P ∈ R3 tal que P ∈ r1∩r2 .Logo,
r1 = {A1}+W1 = {P}+W1
e
r2 = {A2}+W2 = {P}+W2,
onde W1 = G(v1) e W2 = G(v2). Daí, temos que
r1 ∩ r2 = {P}+ (W1 ∩W2). (1)
Como W1 e W2 são subespaços vetoriais de R3, temos pela Proposição 3.1.3
que W1 ∩ W2 é um subespaço vetorial de W1 e de W2 . Como dimW1 =
dimW2 = 1, segue agora, pelo Teorema 3.3.6, que dim(W1∩W2) ≤ 1. Temos,
então, dois casos a considerar:
Caso 1. dim(W1 ∩W2) = 0.
Neste caso, W1 ∩W2 = {0}. Logo, por (1), segue que r1 ∩ r2 = {P}.
Caso 2. dim(W1 ∩W2) = 1.
Pelo Teorema 3.3.6, segue neste caso que W1 ∩W2 = W1 = W2 Logo, por
(1), segue que r1 ∩ r2 = r1 = r2 . �
Vejamos a seguir o que ocorre com dois planos em R3.
Proposição 4.2.2. (Posições relativas entre dois planos) Sejam dados
dois planos π1 = π(P1, v1, v2) e π2 = π(P2, v3, v4) em R3. Uma e somente
uma das possibilidades a seguir pode ocorrer:
1) π1 ∩ π2 = ∅;
2) π1 ∩ π2 = r, onde r é uma reta em R3;
3) π1 ∩ π2 = π1 = π2 .
2. POSIÇÕES RELATIVAS 109
Se 1) ocorre, os planos são ditos paralelos. Se 2) ocorre, os planos são
ditos concorrentes e, se 3) ocorre, os planos são ditos coincidentes.
Demonstração Sejam π1 = {P1} + W1 e π2 = {P2} + W2 , onde W1 =
G(v1, v2) eW2 = G(v3, v4). Se π1∩π2 = ∅, nada temos a fazer. Suponhamos
π1 ∩ π2 6= ∅. Tomemos P ∈ π1 ∩ π2 . Então
π1 = {P1}+W1 = {P}+W1
e
π2 = {P2}+W2 = {P}+W2 .
Daí, temos que
π1 ∩ π2 = {P}+ (W1 ∩W2). (2)
Como W1 ∩W2 é um subespaço vetorial de W1, segue, pelo Teorema 3.3.6,
que dim(W1 ∩W2) ≤ dimW1 = 2.
Por outro lado, dim(W1 ∩W2) 6= 0, pois, caso contrário, teríamos, pelo
Problema 3.16 do Capítulo 3, que
4 = dimW1 + dimW2 = dim(W1 +W2) ≤ dimR3 = 3,
o que é absurdo. Portanto, 0 < dim(W1 ∩W2) ≤ 2.
Se dim(W1 ∩W2) = 2, então W1 ∩W2 = W1 = W2 . Neste caso, por (2),
π1 ∩ π2 = {P}+W1 = {P}+W2 = π1 = π2 .
Se dim(W1 ∩W2) = 1, então existe um vetor v não nulo em R3 tal que
W1 ∩W2 = G(v). Seja r = r(P, v). Temos, então, neste caso que
π1 ∩ π2 = {P}+G(v) = r.
�
Terminamos esta seção, observando que, no caso de termos uma reta r
e um plano π em R3, pode ocorrer uma e apenas uma das possibilidades
abaixo:
110 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
1) r ∩ π = {P}, onde P é um ponto de R3;
2) r ∩ π = ∅;
3) r ∩ π = r.
Se 1) ocorre, dizemos que r e π são concorrentes; se 2) ocorre, r e π são ditos
paralelos; e, se 3) ocorre, r está contida no plano π. A demonstração destes
fatos segue de argumentos semelhantes aos usados nas Proposições 4.2.1 e
4.2.2 e é, portanto, omitida.
Problemas
2.1* Sejam r1 = r(A1, v1) e r2 = r(A2, v2) duas retas em R3. Seja v o vetor
dado por A2 − A1. As seguintes a�rmações são equivalentes:
(a) r1 e r2 são coplanares, ou seja, r1 e r2 pertencem a um mesmo plano;
(b) o conjunto {v, v1, v2} é linearmente dependente.
2.2* Estude a posição relativa das retas
r1 :
y = 2x− 3
z = −xe r2 :
x = 1− 36t
y = 4− 6t
z = 3t .
2.3 Dê a posição relativa entre o plano 5x + 3y + 13z − 1 = 0 e o plano
3x+ 8y − 3z + 8 = 0.
2.4 Veri�que se a retax− 1
−1=
y − 2
3=
z − 4
2está contida no plano de
equação 4x− 2y + 5z − 20 = 0.
2.5 Dados os planos 2ax− y + 4z + 2 = 0 e 4x+ by + 8z + c = 0, determine
a, b e c para que eles sejam coincidentes.
2.6 Dados os planos 4x−3ay+6z−8 = 0 e 2x−6y+ bz+10 = 0, determine
a e b para que sejam paralelos.
2.7 Para os dois planos a1x+ b1y + c1z + d1 = 0 e a2x+ b2y + c2z + d2 = 0,
mostre que as seguintes relações são condições necessárias e su�cientes para:
3. DETERMINANTES E GEOMETRIA 111
(a) Paralelismo: existe k 6= 0 tal que a1 = ka2, b1 = kb2 e c1 = kc2;
(b) Coincidência: existe k 6= 0 tal que a1 = ka2, b1 = kb2, c1 = kc2 e
d1 = kd2.
3 Determinantes e Geometria
Nesta seção introduziremos os determinantes de matrizes 2 × 2 e 3 × 3,
para posteriormente aplicá-los ao estudo da geometria em R3. A noção mais
geral de determinantes será estudada no Capítulo 8.
Determinantes são funções muito especiais de�nidas nos espaços das ma-
trizes quadradas com valores no corpo onde estão os coe�cientes da matriz. A
utilidade dos determinantes é múltipla. Por exemplo, eles servem, como vere-
mos no Capítulo 8, para dar um critério para invertibilidade de matrizes e um
método para o cálculo da matriz inversa, caso a matriz seja invertível. Eles
permitem dar fórmulas explícitas para as soluções de sistemas de equações
lineares. Por meio deles, de�ne-se também a importante noção de polinômio
característico de uma matriz, noção que desempenhará papel fundamental no
Capítulo 9. O conceito de determinante aparece em vários outros contextos
da Matemática. Por exemplo, em Geometria, ele aparece como a área de
um paralelogramo e o volume de um paralelepípedo e, em Análise, ele está
presente em teoremas importantes, como o Teorema da Função Inversa, o
Teorema da Função Implícita e o Teorema de Mudança de Variáveis.
Nesta seção estaremos interessados nas aplicações dos determinantes à
geometria em R3.
3.1 Determinantes
No trabalho Um Tratado sobre Álgebra em Três Partes, de Colin Ma-
claurin (Escócia, 1698 - 1746), publicado em 1748, foi apresentado o que ele
chamou de teorema geral, que era usado para resolver um sistema linear n×nonde n ≤ 4. De fato, em seu trabalho nada foi mencionado sobre o caso em
112 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
que n ≥ 5. O método apresentado por Maclaurin é conhecido hoje como
Regra de Cramer, após o matemático Gabriel Cramer (Suíça, 1704 - 1752)
ter utilizado os métodos de Maclaurin em seu livro sobre curvas algébricas
em 1750.
Dado um sistema linear 2× 2 nas incógnitas x e y, digamos,ax+ by = e
cx+ dy = f,(1)
sabemos do Problema 2.12 do Capítulo 2 que, se ad− bc 6= 0, as soluções são
dadas pelas fórmulas
x =ed− fbad− bc
, y =af − cead− bc
.
Vejamos agora a resolução de um sistema linear de três equações nas
incógnitas x, y e z, digamos,ax+ by + cz = m
dx+ ey + fz = n
gx+ hy + kz = p.
(2)
Este sistema foi tratado por Maclaurin de modo análogo ao caso 2 × 2,
notando que, se o número real aek− ahf + dhc− dbk+ gbf − gec é diferentede zero, então
x =mek −mfh+ bfp− bnk + cnh− cepaek − ahf + dhc− dbk + gbf − gec
,
y =nak − ncg +mfg −mdk + pcd− pafaek − ahf + dhc− dbk + gbf − gec
e
z =aep− ahn+ dhm− dbp+ gbn− gemaek − ahf + dhc− dbk + gbf − gec
·
Maclaurin notou que, tal como no caso 2 × 2, cada uma das expressões
acima tem o mesmo denominador, que consiste de somas alternadas de vários
3. DETERMINANTES E GEOMETRIA 113
produtos dos coe�cientes das incógnitas do sistema. Ele também notou que
o numerador da expressão de cada uma das incógnitas consiste de somas
alternadas de vários produtos dos coe�cientes das demais incógnitas e dos
termos independentes do sistema.
Os numeradores e os denominadores que apareceram nas soluções de Ma-
claurin são o que conhecemos hoje por determinantes. O termo determinante
foi introduzido pela primeira vez por Gauss em 1801.
Vamos agora sintetizar as soluções de Maclaurin, introduzindo os deter-
minantes.
Se A = [aij] é uma matriz 2 × 2, de�nimos o determinante da matriz A
como
det
[a11 a12
a21 a22
]= a11a22 − a21a12. (3)
Se A = [aij] é uma matriz 3 × 3, de�nimos o determinante da matriz A
como
det
a11 a12 a13
a21 a22 a23
a31 a32 a33
=
a11a22a33 − a11a23a32 + a13a21a32 − a12a21a33 + a12a23a31 − a13a22a31.(4)
Note que a expressão (4) do determinante de uma matriz quadrada A de
ordem 3 pode ser escrita como
detA = a11 det
[a22 a23
a32 a33
]− a12 det
[a21 a23
a31 a33
]+ a13 det
[a21 a22
a31 a32
]. (5)
Voltando aos sistemas lineares, temos que, se
det
[a b
c d
]6= 0,
114 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
então as soluções do sistema (1) podem ser escritas na forma
x = det
[e b
f d
](det
[a b
c d
])−1, y = det
[a e
c f
](det
[a b
c d
])−1.
Por outro lado, se
det
a b c
d e f
g h k
6= 0,
as soluções do sistema (2) podem ser escritas na forma:
x = det
m b c
n e f
p h k
det
a b c
d e f
g h k
−1
,
y = det
a m c
d n f
g p k
det
a b c
d e f
g h k
−1
,
z = det
a b m
d e n
g h p
det
a b c
d e f
g h k
−1
.
A expressão do determinante em (3) é muito fácil de lembrar. Basta
tomar o produto dos elementos da diagonal principal da matriz A e dele
subtrair o produto dos elementos da outra diagonal.
A expressão do determinante em (4) pode ser recuperada a partir da regra
de Sarrus1, muito utilizada no Ensino Médio.Regra de Sarrus
Exemplo 1. Vamos calcular det
1 2 0
−1 4 1
2 1 1
.1Pierre Fréderic Sarrus (França, 1768 -1861) �cou conhecido na Matemática pela regra
prática de resolução de determinantes de matrizes quadradas de ordem 3.
3. DETERMINANTES E GEOMETRIA 115
Pela regra de Sarrus, obtemos que
det
1 2 0
−1 4 1
2 1 1
= 4 + 4 + 0− (−2 + 1 + 0) = 10.
3.2 O Produto Vetorial
Um outro produto que possui importantes aplicações geométricas é o
produto vetorial em R3. Trata-se de uma operação que a partir de dois
vetores linearmente independentes em R3, associa de modo natural um vetor
ortogonal ao plano gerado por estes vetores.
Sejam dados dois vetores u = (u1, u2, u3) e v = (v1, v2, v3) em R3. Para
que um vetor w = (x1, x2, x3) seja tal que w ⊥ u e w ⊥ v, as suas coordenadas
devem ser soluções do sistema{w · u = u1x1 + u2x2 + u3x3 = 0
w · v = v1x1 + v2x2 + v3x3 = 0,(6)
que podemos reescrever como{u1x1 + u2x2 = −u3x3v1x1 + v2x2 = −v3x3.
Como u e v são linearmente independentes, uma das expressões uivj−ujvi,para i, j = 1, 2, 3, i 6= j, é não nula (cf. Problema 3.7). Podemos, sem perda
116 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
de generalidade, supor que u1v2−u2v1 6= 0. Assim, o sistema acima se resolve
pela fórmula do Problema 2.12 do Capítulo 2, como segue:
x1 =u2v3 − u3v2u1v2 − u2v1
x3, x2 =u3v1 − u1v3u1v2 − u2v1
x3.
Portanto, para todo x3 ∈ R, o vetor(u2v3 − u3v2u1v2 − u2v1
x3,u3v1 − u1v3u1v2 − u2v1
x3, x3
)é um vetor ortogonal a u e v. Escolhendo x3 = u1v2 − u2v1, temos que o
vetor
(u2v3 − u3v2, u3v1 − u1v3, u1v2 − u2v1)
é ortogonal a u e v, independentemente da hipótese u1v2 − u2v1 6= 0 que
�zemos.
Isto motiva a seguinte de�nição:
Dados os vetores u = (u1, u2, u3) e v = (v1, v2, v3) em R3, o produto
vetorial de u e v, denotado por u× v, é o vetor de R3 dado por
u× v = (u2v3 − u3v2, u3v1 − u1v3, u1v2 − u2v1).
Por exemplo,
(1, 0, 0)× (0, 1, 2) = (0.2− 0.1,−1.2 + 0.0, 1.1− 0.0) = (0,−2, 1).
(1, 0, 0)× (0, 1, 0) = (0, 0, 1).
(0, 1, 0)× (0, 0, 1) = (1, 0, 0).
O produto vetorial possui as propriedades a seguir.
Para quaisquer u, v, w ∈ R3 e a ∈ R, tem-se que
(i) u× v = −v × u,
(ii) u× (v + w) = (u× v) + (u× w)
(iii) (au)× v = a(u× v) = u× (av),
(iv) (u× v) ⊥ u e (u× v) ⊥ v.
3. DETERMINANTES E GEOMETRIA 117
Estas propriedades são facilmente veri�cadas e serão deixadas como exercí-
cios para o leitor.
Notemos que a expressão que de�ne o produto vetorial pode ser colocada
em uma forma mais compacta com a ajuda dos determinantes.
De fato, se considerarmos a � matriz � formal 3× 3
A =
e1 e2 e3
x1 x2 x3
y1 y2 y3
,onde {e1, e2, e3} é a base canônica de R3 e (x1, x2, x3), (y1, y2, y3) ∈ R3, e cal-
cularmos o seu determinante utilizando a fórmula (4), vamos obter que seu
�determinante� é precisamente o produto vetorial de u = (x1, x2, x3) e v =
(y1, y2, y3). Note que esta expressão é apenas formal, desprovida de qualquer
conteúdo, pois, em princípio, não faz sentido considerar o determinante de
uma matriz onde os elementos da primeira linha são vetores e os elementos
das demais linhas são números reais. Isto é um abuso de notação, que serve
apenas para memorizar a de�nição de u× v.Por exemplo, para calcularmos o produto vetorial de u = (2,−8, 3) e
v = (0, 4, 3), escrevemos
u× v = det
e1 e2 e3
2 −8 3
0 4 3
= det
[−8 3
4 3
]e1 − det
[2 3
0 3
]e2 + det
[2 −80 4
]e3
= −36e1 − 6e2 + 8e3 = (−36,−6, 8).
A seguir, vamos apresentar duas identidades envolvendo o módulo do
produto vetorial de dois vetores em R3.
Proposição 4.3.1. Sejam u e v dois vetores em R3. Tem-se que :
i) ||u× v||2 = ||u||2 ||v||2 − (u · v)2;
ii) ||u× v|| = ||u|| ||v|| sen θ, sendo θ o ângulo entre u e v, com u e v não
nulos.
118 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
Demonstração (i): Sejam u = (x1, y1, z1) e v = (x2, y2, z2). Temos que
u× v = det
[y1 z1
y2 z2
]e1 − det
[x1 z1
x2 z2
]e2 + det
[x1 y1
x2 y2
]e3.
Logo,
||u× v||2 = (y1z2 − z1y2)2 + (−x1z2 + z1x2)2 + (x1y2 − y1x2)2.
Por outro lado,
||u||2||v||2 = (x21 + y21 + z21)(x22 + y22 + z22)
e
(u · v)2 = (x1x2 + y1y2 + z1z2)2.
Assim,
||u× v||2 = ||u||2||v||2 − (u · v)2.
(ii): Por (i), segue que
||u× v||2 = ||u||2||v||2 − (||u|| ||v|| cos θ)2,
uma vez que
cos θ =u · v||u|| ||v||
.
Portanto,||u× v||2 = ||u||2||v||2 − ||u||2||v||2 cos2 θ
= ||u||2||v||2(1− cos2 θ)
= ||u||2||v||2 sen2θ,
mostrando que
||u× v|| = ||u|| ||v||senθ.
�
A seguir, daremos a interpretação geométrica do módulo do produto ve-
torial de dois vetores.
Sejam u e v dois vetores não nulos em R3. Consideremos o paralelogramo
ABCD determinado pelos vetores u e v, conforme a Figura 8, abaixo, onde
h denota a altura do paralelogramo e θ é o ângulo entre os vetores u e v.
3. DETERMINANTES E GEOMETRIA 119
Figura 8
Sabemos da Geometria que
Área ABCD = ||u|| · h.
Como h = ||v|| senθ, segue que
Área ABCD = ||u|| senθ.
Pela Proposição anterior, item (b), concluímos então que
Área ABCD = ||u× v||.
Pelo que vimos acima, temos o seguinte resultado:
Proposição 4.3.2. O módulo do produto vetorial de dois vetores não nulos
u e v em R3 mede a área do paralelogramo determinado por estes vetores.
Com um outro �produto� em R3, podemos obter o volume do paralele-
pípedo determinado por três vetores não nulos. Este é o produto misto que
vamos de�nir a seguir.
Sejam u = (x1, y1, z1), v = (x2, y2, z2) e w = (x3, y3, z3) três vetores em
R3. Chama-se produto misto dos vetores u, v e w ao número real
(u, v, w) = u · (v × w).
Pelas de�nições de produto escalar e produto vetorial em R3, podemos
veri�car que
u · (v × w) = det
x1 y1 z1
x2 y2 z2
x3 y3 z3
.
120 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
Consideremos agora u, v e w três vetores não nulos em R3. Chamemos de
P o paralelepípedo determinado por estes vetores, conforme a �gura abaixo:
Figura 9
Na �gura, h denota a altura do paralelepípedo e θ o ângulo entre u e
v × w. Como vimos anteriormente, v × w é um vetor ortogonal aos vetores
v e w. Assim,
h = ||u|| cos θ.
A área da base do paralelepípedo P é dada por
||v × w||.
Portanto, se V denota o volume do paralelepípedo, obtemos
V = ||v × w|| ||u|| cos θ = ||u · (v × w)|| = ||(u, v, w)||.
Assim, obtivemos o resultado a seguir:
Proposição 4.3.3. O módulo do produto misto de três vetores não nulos u,
v e w em R3 mede o volume do paralelepípedo determinado por estes vetores.
Problemas
3.1 Mostre que os determinantes de matrizes 2 × 2 possuem as seguintes
propriedades:
3. DETERMINANTES E GEOMETRIA 121
a) Para todos a, b, c, c′, d, d′, t ∈ R,
det
[a b
c+ tc′ d+ td′
]= det
[a b
c d
]+ t det
[a b
c′ d′
],
o mesmo valendo para a primeira linha;
b) Para todos a, b ∈ R,
det
[a b
a b
]= 0;
c) det
[1 0
0 1
]= 1.
3.2Mostre que uma função F :M(2, 2)→ R com as três propriedades acima
é tal que F = det.
3.3 Mostre que os determinantes de matrizes 3 × 3 possuem as seguintes
propriedades:
a) Para todos a, b, c, d, e, f, g, g′, h, h′, k, k′, t ∈ R,
det
a b c
d e f
g + tg′ h+ th′ k + tk′
= det
a b c
d e f
g h k
+ t det
a b c
d e f
g′ h′ k′
,o mesmo valendo para as outras duas linhas;
b) Para todos a, b, c, d, e, f, g, h, k ∈ R,
det
a b c
a b c
g h k
= det
a b c
d e f
a b c
= det
a b c
d e f
d e f
= 0,
c) det
1 0 0
0 1 0
0 0 1
= 1.
122 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO VETORIAL R3
3.4 Mostre que, para quaisquer a, b, c e d em R, tem-se que
det
sen a cos a sen (a+ d)
sen b cos b sen (b+ d)
sen c cos c sen (c+ d)
= 0 .
3.5 Determine x ∈ R para que
det
x− 2 x+ 3 x− 1
2 1 3
3 2 1
= 60 .
3.6* Utilize o método de Maclaurin para determinar x′ e y′ em função de x
e y, onde {x = x′ cos θ − y′sen θy = x′sen θ + y′ cos θ.
3.7 Mostre que dois vetores u = (u1, u2, u3) e v = (v1, v2, v3) em R3 são
linearmente independentes se, e somente se, um dos três determinantes abaixo
é não nulo:
det
[u1 u2
v1 v2
]; det
[u1 u3
v1 v3
]; det
[u2 u3
v2 v3
].
Mostre que u× v = 0 se, e somente se, u e v são colineares.
3.8 Calcule a área do paralelogramo que tem por lados os vetores u = (1, 3, 5)
e v = (2, 1, 4).
3.9 Calcule o volume do paralelepípedo que tem por arestas os vetores u =
(1, 3, 5), v = (2, 1, 4) e w = (−2, 1,−3).
Bibliogra�a
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