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Cenários Juvenis e Letramento Literário
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CENÁRIOS JUVENIS E LETRAMENTO LITERÁRIO
UNIDADE - 3
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
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Autor Henrique Eduardo Sousa
CENÁRIOS JUVENIS E LETRAMENTO LITERÁRIO
UNIDADE - 3
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
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ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
CENÁRIOS JUVENIS E LETRAMENTO LITERÁRIO ‐ Unidade ‐ 3 Professor Pesquisador/Conteudista HENRIQUE EDUARDO SOUSA Direção da Produção de Material Didático ARTEMILSON LIMA Design Instrucional ILANE CAVALCANTE Coordenação de Tecnologia ELIZAMA LEMOS Revisão Linguística Kalina Alessandra Rodrigues de Paiva Formatação Gráfica JULIO FEITOSA MAYARA DE ALBUQUERQUE MARCELO POLICARPO
GOVERNO DO BRASIL
Presidente da República DILMA VANA ROUSSEFF
Ministro da Educação FERNANDO HADADD
Reitor do IFRN BELCHIOR DA SILVA ROCHA
Diretor do Campud EAD ERIVALDO CABRAL Diretora de ensino
ANA LÚCIA SARMENTO HENRIQUE Coordenadora da UAB/IFRN
ILANE FERREIRA CAVALCANTE Coordenadora da Especialização em Língua Portuguesa e Matemática numa Perspectiva
Transdisciplinar
MARÍLIA GONÇALVES BORGES SILVEIRA
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FICHA CATALOGRÁFICA
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UNIDADE 03:
CENÁRIOS JUVENIS E LETRAMENTO LITERÁRIO
APRESENTANDO A UNIDADE
Nesta última parte do nosso curso, vamos refletir sobre o lugar da literatura nas experiências culturais, afetivas e linguísticas dos adolescentes e dos jovens. Nesse percurso, comentaremos a crônica Presente para a mãe de um adolescente, de Rubem Alves, destacando a pertinência desse gênero nas práticas de leitura literária na escola; de cunho teórico e analítico, pontuaremos as idéias de Cyana Leahy‐Dios em seu artigo A educação literária de jovens leitores: motivos e desmotivos; assistiremos ao filme As melhores coisas do mundo, da diretora carioca Laís Bodanzkye; por fim, vamos ler a novela O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson. Este terceiro módulo do nosso curso trata de uma das questões mais urgentes da nossa cultura: a formação de leitores literários mediada pela instituição escolar. Então, o nosso olhar transitará entre os mundos imaginários entrevistos no grafo da letra literária e o mundo dos adolescentes e dos jovens que, também, projeta outros imaginários ‐ do corpo, dos afetos, do consumo, das amizades.
OBJETIVOS
Para este módulo, os objetivos buscam levar você, cursista, a
1. Apreender os conceitos de letramento literário e educação literária, relacionando‐os à formação de leitores literários na escola;
2. Analisar aspectos inerentes às práticas do letramento literário na escola: a seleção de textos e a proposição de atividades de leitura;
3. Elaborar material didático.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
TEXTO 1
Começaremos com a leitura da crônica “Presente para a mãe de um adolescente”, de Rubem Alves.
Querida Mãe: Se eu tivesse poder para homenageá‐la na televisão, eu faria coisa muit simples: apenas uma imagem silenciosa, talvez a Pietà, de Michelangelo, ou a Mãe amamentando o filho, de Picasso, ou a tela de Vermeer, Mulher lendo uma carta. Só a imagem com a palavra “maternidade”. Você se sentiria mais bonita, descobrindo‐se bela na fantasia dos artistas.
Mas nada disso se fez. Você deve estar cansada de ver as ofensas que a televisão lhe faz, que nos seus anúncios a descreve como uma pessoa vulgar e oca. “Temos tudo para fazer sua mãe feliz”, diz o anúncio idiota de uma cadeia de lojas. Uma mulher cuja felicidade é igual a um eletrodoméstico! Que felicidade barata: é comprada com um liquidificador, um forno de microondas, um secador de cabelo. Um outro anúncio diz assim: “Não esqueça o dia 14 de maio. Porque mãe cobra”.
Foi pensando nisso que resolvi dar às mães dos adolescentes o maior de todos os presentes possíveis no dia de hoje. Eu sei o quanto sofrem as mães e os pais dos adolescentes. Freqüentemente eles me procuram com
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um pedido: “ Por favor, ajude‐nos a resolver o problema do nosso filho!”. Pois é esse o meu presente que quero declarar, baseado em longa
experiência, que vocês não têm problema algum. Esqueçam –se dele, porque ele não existe. É tudo imaginação. Durmam bem!
Acham que estou brincando? Nunca falei tão sério. O que é um problema?
Você está fazendo tricô. De repente a linha se enrola, dá um nó. Você não pode tricotar com a linha embaraçada. Problema é isso: alguma coisa que perturba ou impede um curso de ação. Mas não é só isso. O que caracteriza um problema é a possibilidade de solução. Você sabe que, com astúcia e paciência, você pode desfazer o nó. Se não tem solução não é problema.
É noite. Você se prepara para fazer tricô. Aí você descobre que o cachorro mastigou e partiu uma de suas agulas. Agora você só tem uma agulha. Não há jeito de fazer tricô com uma agulha só. Sua ação foi interrompida, mas você não tem um problema porque, por mais que você pense, não há formas de fazer tricô com uma mão só. Então você põe a linha de lado e vai fazer outra coisa.
Assim é a adolescência: ela não é problema pela simples razão de que, por mais que você pense, não há solução.
Vou, então, dizer a você os dois conselhos definitivos para lidar com seu filho ou filha adolescente.
Primeiro: não faça nada. Não tente fazer nada. Tudo o que você fizer estará sempre errado. Não se meta. Não diga nada. Não dê conselhos.
Isso pode parecer totalmente irresponsável. O amor dos pais diz que eles devem tentar, no limite das suas forças, ajudar os seus filhos. De acordo. Só que há situações em que, se você tentar ajudar, você atrapalha. Jay W. Forrester, professor de administração do Massachsetts Institute of Technology, enunciou uma lei para as organizações que diz o seguinte: “Em situações complicadas, esforços para melhorar as coisas freqüentemente tendem a piora‐las, algumas vezes a piora‐las muito, e em certas ocasiões a torna‐las calamitosas.” Imagino que o professor descobriu essa lei ao lidar com o seu filho adolescente. Pois é exatamente isso que acontece.
Muitos séculos atrás o taoísmo chegou à mesma conclusão. Está lá dito no seu livro sagrado, o Tão Te Ching: “O tolo faz coisas sem parar, e tudo permanece por fazer. O sábio nada faz para que tudo o que deve ser feito se faça”. Para o taoísmo a suprema expressão da sabedoria é refrear‐se da tentação de fazer. Não faça. Só olhe de longe. A vida tem sua própria sabedoria. Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata. Quem tenta ajudar o broto a sair da semente o destrói. Há certas coisas que têm de acontecer de dentro para fora.
Mesmo porque, se é que você ainda não se deu conta disso, o adolescente não está interessado em fazer a coisa certa; ele está interessado em fazer a coisa dele. Ora, se você lhe disser o que é
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razoável, esse razoável passara a ser coisa do pai ou da mãe. Fazer a coisa certa, então, será confessar uma condição de dependência e inferioridade, o que é impensável e insuportável para um adolescente. Ele se sentirá, então, obrigado a fazer o contrário.
Lembgro‐me de uma mãe de uma adolescente de 13 anos que se lamentava: “As alternativas eram claras. De um lado uma opção boa, racional, razoável. Do outro , uma idiotice completa. Expliquei tudo direitinho para ela. Sabe o que ela fez? Escolheu a idiotice. Por quê? “ E eu lhe respondi: “ Porque a senhora lhe disse o que era razoável. Se a senhora nada tivesse dito, haveria a possibilidade de que ela escolhesse uma das duas alternativas. No momento em que a senhora disse que a sua opção seria a primeira, ela foi obrigada a optar pela segunda. “
Segundo: fique por perto, para juntar os cacos., Os cacos, quando não são fatais, podem ter um efeito educacional. Na verdade, de nada vale ficar ansioso, ficar acordado, ficar agitado. Esses estados em nada vão alterar o rumo das coisas. O adolescente é uma entidade que escapuliu do seu controle.
A ilusão de que há algo que pode ser feito deixa‐nos ansiosos por não saber que algo é esse. No momento em que você percebe que nada há a se fazer, a tranqüilidade volta. Aí você fica livre para fazer as suas coisas. Não permita que a loucura do seu filho adolescente tome conta de você. Vá ao cinema. Vá passear com o seu marido. Mostre aos adolescentes que eles não têm o poder de estragar a sua vida. Não perca, inutilmente, uma noite de sono. Lembre‐se de que os adolescentes, nas festas da Pachá, nem sequer se lembram de que você existe.
Durma bem. Feliz Dia das Mães.
CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO
Ao discutir os modos de composição do gênero crônica, o crítico literário Antônio Cândido (1992) nos lembra que esse gênero possui aparentemente uma composição solta, tratando de coisas sem necessidade, visto que aborda situações cotidianas. A linguagem utilizada, por sua vez, só reforça isso, já que apresenta linguisticamente o nosso modo de ser. O autor reforça ainda que, com esses mecanismos, o gênero acaba humanizando e como resultado compensador e sorrateiro, propicia certa profundidade de significado com acabamento da forma, que a tornam uma candidata discreta à perfeição.
“Ora, a crônica está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitada. Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais diretas e também nas suas formas mais fantásticas, ‐ sobretudo porque quase sempre utiliza o humor”.
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Sistematizando os traços característicos da crônica, vejamos os tópicos sugeridos por Irene Machado (1994): a) A crônica é um gênero literário que valoriza fatos e acontecimentos do dia‐a‐dia, narrando‐os de uma forma simples e descontraída; b) O jornal foi o primeiro veículo de divulgação da crônica. Nele os cronistas exercitavam uma forma inovadora de falar sobre as notícias da semana; c) Há vários tipos de crônica: humorística, crítica, paródica, reflexiva, lírica e também há crônicas que “falam” da crônica; d) Qualquer assunto pode entrar numa crônica, desde que ele seja apresentado de modo descontraído, sem nenhuma complicação; e) A crônica valoriza o episódico, o pitoresco; não há lugar para muitas descrições, detalhes sobre personagens e longas discussões de idéias. A crônica é uma narrativa breve e o final é sempre surpreendente.
SELEÇÃO DE TEXTOS PARA AS PRÁTICAS DE LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA
Os fatores determinantes, segundo Cosson (2006), quanto à seleção de textos na escola apresentam‐se na seguinte ordem: em primeiro lugar, as escolhas dos textos orientam‐se pelas prescrições dos programas curriculares, ou seja, tais escolhas estão relacionadas aos elementos do processo de escolarização (Objetivos de leitura, por exemplo); em segundo lugar, a questão da legibilidade dos textos, de acordo com a faixa etária ou série escolar também definem os textos que serão lidos; um terceiro fator está ligado às condições materiais oferecidas pela escola, a fim de que a leitura se concretize, nesse caso, o autor se refere à situação gravíssima na qual se encontram as bibliotecas das escolas brasileiras; e, finalmente, o quarto fator, o mais determinante, reside na figura do professor, nas escolhas do professor de acordo com o seu repertório de leituras.
Considerando esses fatores, ainda segundo Cosson, as escolhas do professor, mediante as contribuições da teoria e da crítica literárias, direcionam‐se em função de três aspectos. O primeiro direcionamento, fundado numa perspectiva tradicional do ensino de literatura, está nas escolhas textuais a partir do quadro canônico das obras da literatura brasileira. Outra direção refere‐se à contemporaneidade dos textos que, desse modo, diminuiria a distância em o texto e o aluno no que diz respeito ao tratamento dos temas e a elaboração da linguagem. Uma terceira direção, que aglutina as anteriores, propõe a pluralidade e a diversidade de autores, obras e gêneros na seleção de textos, postura, inclusive, mais popularizada.
O GÊNERO CRÔNICA COMO POSSIBILIDADE DE INICIAÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS NA ESCOLA
A problemática da leitura e da literatura no espaço escolar, objeto de reflexão de determinadas áreas do conhecimento como a didática do ensino de língua materna e a linguística aplicada, abrange questões por demais amplas e complexas. Com efeito,
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ainda continuará por muito tempo ocupando professores, pesquisadores, e gestores educacionais que se preocupam com as relações entre literatura e ensino na educação básica. Por enquanto e tendo em vista os objetivos do nosso curso, estamos empenhados na sistematização de ações didático‐pedagógicas que, de maneira positiva, articulem o texto literário, o leitor jovem e as cenas de aulas. Nesse sentido, estamos sugerindo para iniciação aos estudos literários, preferencialmente, no 1º ano do Ensino Médio, o trabalho de leitura com o gênero crônica. Vamos aos argumentos que subsidiam nossa sugestão:
a) A diversidade dos suportes onde o gênero circula, ou seja, jornais de circulação nacional, jornais de circulação restrita (estadual, municipal, no bairro, na associação de moradores, na escola entre outros), revistas nacionais e locais, mídias eletrônicas (redes sociais, blogs, face books e outros), enfim, em murais, em quadros de aviso...;
b) A questão da acessibilidade ao texto em razão da diversidade de suportes;
c) Os elementos característicos do gênero apontados por Antonio Candido e Irene Machado, nas citações precedentes. Nas práticas escolarizadas da leitura literária, a presença da crônica promove a desmistificação do objeto sacralizado da literatura, desfaz a ideia do senso comum de que “ler literatura” trata‐se de um empenho por demais intelectualizado e restrito a pequenos grupos. Outrossim, nas cenas de aula, a crônica traz para perto do aluno o vasto e surpreendente registro das coisas do mundo e da vida, que só a literatura produz de um jeito tão sofisticado e simples.
O PRESENTE PARA AS MÃES E PARA OS ALUNOS
Faremos, agora, alguns comentários acerca da crônica de Rubem Alves, pontuando aspectos caracterizadores do gênero os quais se mostram relevantes em face das atividades de leitura em sala de aula.
Um aspecto diz respeito ao assunto tratado no texto, por isso merece nosso olhar atento. A partir de uma data comemorativa festejada tanto nos círculos familiares quanto pelo mercado de consumo ‐ o dia das mães, o cronista traça um perfil dos comportamentos dos adolescentes de modo singular. Nesse sentido, o teor da discussão apresentada na crônica além de corresponder às expectativas dos jovens, pois trata de problematizar as relações entre pais e filhos, critica de forma substancial a interferência negativa das injunções mercadológicas nas relações afetivas da família. No caso, a imagem materna ligada à aquisição de eletrodomésticos é rejeitada e, em seu lugar, se coloca a fantasia das artes plásticas, o potencial artístico redefinindo um tipo de convivência primordial: a mãe e o filho. Percebemos, aqui, o sentido humanizador de que fala Antonio Candido. Quanto à elaboração da linguagem, a forma simples e descontraída do cronista vale‐se de breves exercícios argumentativos ao tentar definir o que seja um problema, como também, aos dois conselhos
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direcionados às mães. Um dado importante refere‐se ao tom coloquial do texto, sobretudo, nas interpelações do cronista para com o seu possível interlocutor, ou seja, as mães. Considerando uma tipologia do gênero, a crônica de Rubem Alves pode ser nomeada de crítico‐reflexiva, uma vez que analisa uma determinada visão do senso comum e aponta outras possibilidades de compreensão das relações familiares.
TEXTO 2
Tomando como referência o ensaio “A educação literária de jovens leitores: motivos e desmotivos”, de Cyana Leahy‐Dios, teceremos comentários acerca de dois encaminhamentos teóricos que consideramos fundamentais ao se refletir sobre as práticas escolarizadas da leitura literária: o letramento e a educação literária. Essa duas perspectivas teóricas convergem ao conceberem o ato de leitura como uma prática social. Então, o que significa essa concepção? De modo geral, a leitura enquanto prática social relaciona‐se aos processos interativos estabelecidos nas diversas cenas sociais, através de textos escritos. Noutras palavras, as nossas representações políticas, sociais e culturais serão construídas tendo como suporte nossas experiências de leitura as quais projetam sentidos, elaboram posturas, enfim, estabelecem um lastro de criticidade exigido pelas demandas das sociedades letradas.
O ensaio começa narrando três casos em que a experiência de leitura é responsável por alterações no comportamento social dos sujeitos envolvidos. Em espaços e circunstâncias distintas, nas atividades do Teatro Experimental do Negro (TEN), nos anos 1950, no Rio de Janeiro; na impressa francesa no século XVIII e no ambiente familiar, na zona rural do sul de Minas Gerais em 2005, o contato com a leitura fomentou mudanças significativas do ponto de vista social, político e cultural. Valendo‐nos das palavras da autora: “Tudo se inicia com a aproximação do livro como objeto de desejo, de mudança, de conquista, de posse”. Nessa indicação da autora, já vislumbramos um dos princípios metodológicos que entornam as práticas do letramento, ilustrados nos três casos por ela citados. Dito isso, vamos ao exercício de algumas definições.
LETRAMENTO
Letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores, e práticas sociais. Em outras palavras, letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais, mas sim o conjunto de práticas
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sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social.( SOARES, 2006, p.72).
LETRAMENTO LITERÁRIO
Propomos definir letramento literário como o processo de apropriação da literatura, enquanto construção literária de sentidos. (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67).
CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA O LETRAMENTO LITERÁRIO NA ESCOLA
Para que, de fato, o letramento literário aconteça, são necessárias algumas condições. Paulinoe Cosson (2009,p. 74‐76) listam as seguintes:
• Contato direto e constante com o texto literário; • Estabelecimento de uma comunidade de leitores na qual se
respeitem a circulação dos textos e as possíveis dificuldades de resposta à leitura deles;
• Ampliar e consolidar a relação do aluno com a literatura. Nessa perspectiva, é importante que o aluno compreenda que a literatura se faz presente em sua comunidade não apenas nos textos escritos e reconhecidos como literários, mas também em outras formas que expandem e ajudam a constituir o sistema literário;
• A interferência crítica, ou seja, o papel a ser cumprido pelo professor na formação do aluno, na educação literária;
• O lugar da escrita na interação com a literatura. Nesse caso, são interessantes os exercícios de paráfrase, estilização, paródia e outros procedimentos de apropriação dos textos com seus recursos que promovem um diálogo criativo do aluno com o inverso literário e, por meio dele, com a linguagem em geral.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Estudar literatura é essencial ao processo de educar sujeitos sociais, por se tratar de uma disciplina sustentada por um triângulo interdisciplinar composto pela combinação assimétrica de estudos da língua, dos estudos culturais e estudos sociais. (LEAHY‐DIOS, 2000, p.16).
Em síntese, as ideias de letramento e de educação literária estão ancoradas em concepções teóricas semelhantes. Um dos aspectos dessas afinidades de princípios está na dimensão de coletividade, de agrupamento, de socialização subjacente às
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habilidades de leitura e de escrita promovidas pelo letramento, que extrapolam a aquisição de tecnologias da escrita (alfabetização), e tenta assegurar uma participação efetiva dos indivíduos em sua realidade concreta ‐ classe social, comunidade, situação econômica, hábitos culturais, etc. Do mesmo modo, a educação literária, ao articular os saberes da língua, da sociedade e da cultura, através dos exercícios de análise e interpretação de textos literários com vistas a formar cidadãos, também investe nas dinâmicas do coletivo. Talvez, aqui, a figura solitária do leitor de obras literárias seja dissipada. Ou melhor, a figura do leitor ensimesmado diante do romance, do poema, do drama deva permanecer enquanto uma imagem aurática. Na verdade, essa solidão do leitor está composta de muitas vozes ‐ dos poetas, das culturas e das linguagens. O escritor argentino Jorge Luis Borges sempre se lembrava dos amigos que a literatura havia lhe dado ao se referir aos escritores muito distantes no tempo e no espaço. Essa dimensão coletiva do letramento e da educação literária presentifica‐se no espaço singular de nossos interesses: a escola.
Ao tratar da leitura na escola, Leahy‐Dios afirma que “a escola é o espaço ideal para a problematização e discussão da integração política, cultural e social de jovens brasileiros, através da leitura e análise de textos variados, literários ou não”. No entanto, essa escola não é qualquer uma, trata‐se da escola pública no Brasil. Daí, os problemas são muitos e difíceis, uma vez que as instituições públicas de ensino básico no país encontram‐se quase sempre “em estado pré‐falimentar”, conforme palavras da autora. Mesmo assim e por isso mesmo, iremos comentar, seguindo a progressão do texto de Cyana, alguns aspectos que todos já estão cansados de saber, mas que sua reiteração projeta caminhos para amenizá‐los: a situação do ensino de literatura no Ensino Médio, as possibilidades transformadoras da leitura de literatura e a questão da literatura juvenil.
No Ensino Médio, a presença da literatura é paradoxal. Estuda‐se literatura, porém não se lê literatura. Então essa presença não se sustenta ao considerarmos o letramento literário e a educação literária. Aos jovens brasileiros nas salas de aula do Ensino Médio, ainda insistentemente, são oferecidas breves notas longínquas sobre literatura apoiadas em casos pitorescos sobre a vida dos autores, listas de características dos estilos de época com noções abstratas quase nunca aprofundadas devidamente e trechos, pedaços, fragmentos de obras literárias os quais servem apenas para exemplificar determinadas escolhas estilísticas de um dado período da produção literária no país. Nesse sentido, o texto literário se reveste de um caráter apendicular que subtrai seu potencial simbólico e, dessa maneira, torna‐se inexpressivo, pois não estabelece vínculos entre a vida do leitor e as formas de representação, oriundas da expressividade artística. Esse modelo cristalizado da abordagem do texto literário, apesar dos avanços de pesquisas nessa área, ainda continua hegemônico nas cenas das aulas de literatura. Quanto às possibilidades de transformação dos indivíduos mediante o contato com textos literários, a autora pondera que “a análise e interpretação do lido envolvem sentidos, emoções, pensamento, sobre uma base conceitual lingüística (os recursos da palavra), sociocultural (palavra‐arte) e político‐econômica (a relação produção‐consumo na socialização da arte da palavra).” Nessa perspectiva, as nossas aulas de literatura, para
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início de conversa, deveriam repensar o seu próprio objeto de ensino, por meio de algumas indagações:
• O que estamos chamando de literatura? • Quais os elementos constituintes de uma
linguagem literária? • Quais as bases socioculturais que sustentam a
instituição literária? • Como se comporta a literatura diante das
engrenagens político‐econômicas dominantes em nossa sociedade?
Essas questões devem permear o cotidiano de professores, alunos e gestores da educação. Não exatamente para esquadrinhar fórmulas transcendentais para constituição de uma comunidade ideal de leitores literários, mas para, no espaço escolar, tornar a experiência de leitura do texto literário um acontecimento significativo de saberes por meio do qual a língua, a cultura e a sociedade surjam articuladas, a fim de que o aluno/leitor possa, através de sentidos, emoções e pensamentos, compreender as formas de ser e estar no mundo. Por fim, no que diz respeito à literatura juvenil, Leahy‐Dios afirma a necessidade de refletirmos sobre a configuração da produção literária para os adolescentes, discutindo questões, tais como o significado de ser jovem, o aspecto qualitativo das publicações direcionadas aos jovens e os temas recorrentes dessas publicações.
ATIVIDADES
QUESTÃO 1 – ATIVIDADE DE PRODUÇÃO TEXTUAL
Para esta atividade de produção textual, consideraremos o texto fílmico da produção cinematográfica As melhores coisas do mundo, baseada na série de livros “Mano”, de Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto, com roteiro de Luiz Bolognesi, direção de Laís Bodanzky, elenco: Francisco Miguez, Gabriela Rocha, Denise Fraga, Zé Carlos Machado, Fiuk, Paulo Vilhena e Caio Blat. Nacionalidade: Brasil.
A produção consistirá na elaboração de uma resenha sobre o filme, enfatizando a pertinência de utilizá‐lo em sala de aula no Ensino Médio.
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QUESTÃO 2 – ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO
Considerando a novela O médico e o monstro, de . L. Stevenson, elabore um material didático sobre ela, contendo cinco questões de natureza discursiva. As questões deverão basear‐se nos seguintes elementos:
1) a estrutura do enredo; 2) o foco narrativo; 3) os personagens; 4) as temáticas; 5) a atualidade da obra.
LEITURAS OBRIGATÓRIAS
LEAHY‐DIOS, Cyana. A educação literária de jovens leitores: motivos e desmotivos. In: RETTERNEMEIER, Miguel; RÖSING, Tânia M. K. (Org.). Questões de literatura para jovens. Passo fundo: UPF, 2005, p. 33‐56.
LEITURAS COMPLEMENTARES
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: contexto, 2006.
RETTERNEMEIER, Miguel; RÖSING, Tânia M. K. (Org.). Questões de literatura para jovens. Passo fundo: UPF, 2005
ZILBERMAN, Regina; RÖSING, Tânia M. K. (Orgs.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009 (leitura e formação).
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CANDIDO, Antonio. A vida ao rés‐do‐chão. In: A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992.
MACHADO, Irene A. Literatura e redação: os gêneros literários e a tradição oral. São Paulo: Scipione, 1994. (Didática – classes de magistério).
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: contexto, 2006.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. (linguagem e educação).
PAULINO, Graça; COSSON, Rildo. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, Regina; RÖSING, Tânia M. K. (Orgs.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009, p. 61‐79 (leitura e formação).
LEAHY‐DIOS, Cyana. Educação literária como metáfora social: desvios e rumos. Niterói: EDUFF, 2000.
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. 48 ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.
As ilustrações das unidades temáticas são de Manoel Victor Filho para o livro “Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato. Essa escolha é uma homenagem a Monteiro Lobato – escritor para crianças – leitura obrigatória para todos aqueles que ensinam literatura na educação básica, no Brasil
REFERÊNCIAS
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