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CIDADE E CARNAVAL: ESPAÇOS DE MEMÓRIAS DOS DESFILES
CARNAVALESCOS EM GUAÍBA/RS
RICARDO FIGUEIRÓ CRUZ*
INTRODUÇÃO
O Carnaval é considerado uma das maiores festas do Brasil. Caracterizada pela
multiplicidade de suas manifestações, trata-se de um evento nacional, mobilizando
comunidades de Norte a Sul do país. Inserida em meados do século XVII no Brasil, as
comemorações agitam desde os centros urbanos às pequenas vilas com diversas formas de
manifestações culturais.
Guaíba, cidade da região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, esta
imbricada nessa e por essas manifestações. O carnaval do município na década de 70 vai ser
um espaço de sociabilidade, onde pode-se pensar em um carnaval de rua e de clube, com uma
ritualização, interação e dinâmica, entre os indivíduos que circulavam por esses espaços.
Com essa interação entre carnaval de rua e clube, partiremos de uma análise
sistemática entre espaços de memórias do carnaval de Guaíba, ou seja, espaços onde eles
aconteciam, e após vamos enunciar dentro dessa narrativa os principais clubes que esperavam
e se preparavam para a receber parte dessa festa, e dessa forma sendo espaços importantes
para a manutenção do carnaval no município.
O aporte teórico metodológico para a construção dessa discussão se dará a partir da
História Cultural (PESAVENTO, 2005), Memória e Identidade (CANDAU, 2011), História
Oral (FERREIRA, 2002) (ALBERTI, 2013), e os pressupostos da Antropologia Urbana
(VELHO, 2011). Usaremos também no ensejo dessa narrativa a Etnografia (ECKERT e
ROCHA, 2008), como técnica corroborativa com a metodologia de História Oral.
Este artigo tem por objetivo geral analisar os espaços onde os carnavais aconteciam
como prática de sociabilidade urbana, e suas dinâmicas do centro para o bairro, através dos
percursos, jornais e narrativas, durante a segunda metade da década de 70 e início da década
de 80.
* Mestrando em Processos e Manifestações Culturais – Universidade FEEVALE/RS, sob orientação da
professora Dra. Ana Luiza Carvalho da Rocha. Bolsista: Concessão de Incentivo Interno FEEVALE.
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Esta analise está dividida em duas partes: ‘Embasamento teórico-metodológico’,
objetivando apresentar as discussões interdisciplinares que permeiam essa discussão; na
sequência apresentamos ‘Carnavais: “as ruas por onde andei’, com a intencionalidade de
mostrar como se da o carnaval na dinâmica urbana, quando está inserido em um contexto
social, que se desloca a cada decisão política.
1. EMBASAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO
O Carnaval é considerado uma das maiores festas do Brasil. Caracterizada pela
multiplicidade de suas manifestações, trata-se de um evento nacional, mobilizando
comunidades de Norte a Sul do país. Inserida em meados do século XVII no Brasil, as
comemorações agitam desde os centros urbanos às pequenas vilas com diversas formas de
manifestações culturais. Segundo Blass (2007), o carnaval, nas suas múltiplas facetas e
formas de expressão, além de ser a maior festa da cultura popular no país é um ícone nacional,
comungando este posto ao lado do futebol, ambos como símbolos absolutos de brasilidade.
A construção deste objeto de pesquisa tornou-se possível principalmente devido às
modificações nas concepções de história depois da terceira geração dos Annales, e mais
especificamente pelas contribuições da história cultural, que permite o diálogo entre
diferentes áreas do conhecimento. Para Burke (2008), existe grandes dificuldades em tentar
responder à pergunta “o que é história cultural?”, uma vez que, nos últimos tempos, tem sido
apresentada aos leitores uma série de diferentes temas de estudo. Além das problemáticas
quanto à delimitação, existem as problemáticas quanto aos métodos utilizados, que variam de
historiador para historiador. Ao trabalhar com a Sociedade Recreativa e Esportiva Império
Serrano, se tem uma série de símbolos e ritos que fazem parte do processo de formação da
agremiação. A preocupação com as interpretações do simbólico é o terreno comum dos
historiadores culturais, sendo assim:
[...] pode ser descrito com a preocupação com o simbólico e suas interpretações.
Símbolos, conscientes ou não, podem ser encontrados em todos os lugares, da arte à
vida cotidiana, mas a abordagem do passado em termos de simbolismo é apenas uma
entre outras. (BURKE, 2008, p. 10)
A intenção desta parte do projeto não é realizar uma história da historiografia, mas sim
ver as novas possibilidades da história que resultam para esse estudo. Como nos mostra
Fiorucci (2010, p. 1), [...] é importante destacar que as novidades apresentadas pela nova
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história cultural, com as mentalidades e as representações marcando posição na França, pela
historiografia inglesa, com a “história dos de baixo” [...].
Esse contato com o passado traz a discussão sobre a utilização da memória na
construção do conhecimento histórico. Catroga (2001) discorre que para desempenhar seu
papel social, a memória se utiliza de liturgias próprias, que se desenvolvem a partir do
reavivamento dos traços, que são qualquer vestígio humano, deixados no passado. Sendo
assim, o conteúdo da memória é inseparável da objetivação e da transmissão, que acontecem a
partir da linguagem, imagens, lugares, relíquias, escritas e monumentos.
Em busca dessas representações*, a utilização desses símbolos é de fundamental
importância, pois para Pesavento (2006), o entendimento de cultura e representação não pode
estar distante do conceito de memória, entendido por Le Goff (2013), como propriedade de
conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a funções psíquicas, graças às
quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa
como passada. Através da memória, pode-se recuperar essa ausência do tempo, por meio da
evocação, das imagens do vivido. Sendo assim, ainda corroborado por Pesavento (2006), é
essa evocação da memória que permite a recriação mental de um objeto, pessoa ou
acontecimento ausente. Desta forma para Nora (1993), o que nós chamamos de memória é, de
fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo que é impossível
lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de nos lembrar. Ainda,
conforme o autor, a importância da memória, - já que o autor vem com a discussão de que
tudo que hoje é chamado de memória não é - mas sim já é história. E tudo que é chamado de
“clarão de memória” é a finalização de seu desaparecimento no fogo da história. No entanto, a
necessidade de memória é uma necessidade da história.
A metodologia dessa pesquisa tem como instrumento a história oral, pois é uma
metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que
podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros
aspectos da história contemporânea. Porém, como salienta Alberti:
Fazer história oral não é simplesmente sair com um gravador em punho, algumas
perguntas na cabeça e entrevistar aqueles que cruzam nosso caminho à disposição de
falar um pouco sobre suas vidas. Essa noção simplificada pode resultar em um
* “As representações são também portadores do símbolo, ou seja, dizem mais do que aquilo que mostram ou
enunciam, carregam sentidos ocultos, que, construídos social e historicamente, se internalizam ao inconsciente
coletivo e se apresentam como naturais, dispensando reflexão.” (PESAVENTO, 2005, p. 40)
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punhado de gravações de pouca ou nenhuma utilidade, que permanecem guardadas
sem que se saiba muito bem o que fazer com elas. (ALBERTI, 2013, p. 37)
Sendo assim, para Selau (2004) a técnica de história oral como metodologia contribui
para o desenvolvimento de uma série de técnicas e procedimentos metodológicos que
auxiliam a produção do conhecimento em história.
Para François (2006), a história oral poderia distinguir-se como um procedimento
destinado à constituição de novas fontes para a pesquisa histórica. Ainda segundo François
(2006) fazer história oral significa, portanto, produzir conhecimentos históricos, científicos, e
não simplesmente fazer um relato ordenado da vida e da experiência dos “outros”.
O historiador oral é algo mais que um gravador que registra os indivíduos “sem
voz”, pois procura fazer com que o depoimento não desloque nem substitua a
pesquisa e o conhecimento da análise histórica; que seu papel como pesquisador não
se limite ao de um entrevistador eficiente, e que seu esforço e sua capacidade de
síntese e análise não sejam arquivadas e substituídas pelas fitas de gravação (sonoras
e visuais). (FRANÇOIS, 2006, p. 17)
A história oral é de suma importância, na medida em que dispõe de um caráter de
manutenção da história dos grupos esquecidos, como nos mostra Ferreira (2002) na
recuperação da história dos excluídos, os depoimentos orais podem servir não apenas a
objetivos acadêmicos, como também constituir-se em instrumentos de construção de
identidade e de transformação social.
Está abarcado também nesta pesquisa o método etnográfico, que é um método
específico da pesquisa antropológica, como nos apresenta Eckert e Rocha (2008). Essa
pesquisa se desenvolverá por meio da etnografia, como forma de compreender o
comportamento do outro no seu lugar vivido.
[...] o método etnográfico encontra sua especificidade em ser desenvolvido no
âmbito da disciplina antropológica, sendo composto de técnicas e de procedimentos
de coletas de dados associados a uma prática do trabalho de campo a partir de uma
convivência mais ou menos prolongada do(a) pesquisador(a) junto ao grupo social a
ser estudado. (ECKERT; ROCHA, 2008, p. 9)
A pesquisa etnográfica pretende compreender a cultura de um grupo com objetivo de
entender os motivos de determinados tipos de comportamento. O grande desafio da pesquisa
etnográfica é o fazer in loco, desenvolver um compromisso ético* com o grupo que está
* As etnografias que nascem da narrativa dessas experiências de produção compartilhada de conhecimento
apresentam o percurso vivido de negociação de temas e interesses que revelam os modos de ver de cada um dos
polos da relação. Os sujeitos estudados produzem novas percepções de si mesmos, elaboram sentidos para se
referirem às suas experiências e constroem reflexões durante a realização do vídeo, assim como a pesquisadora.
(FERRAZ, 2009, p. 89
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inserido. Através da observação participante, o pesquisador se põe em um processo contínuo
de interação com o pesquisado.
Após cada mergulho no trabalho de campo, retornando ao seu cotidiano de
antropólogo, o etnógrafo necessita proceder à escrita de seus diários de campo como
corrobora Eckert e Rocha (2008). O diário de campo é um instrumento no qual o pesquisador
investigará as relações, diálogos, desenhos, mapas, ou seja, vai reter a memória da pesquisa,
auxiliando na visualização de hipóteses de pesquisa.
Ele é o espaço fundamental para o(a) antropólogo(a) arranjar o encadeamento de
suas ações futuras em campo, desde uma avaliação das incorreções e imperfeições
ocorridas no seu dia de trabalho de campo, dúvidas conceituais e de procedimento
ético. Um espaço para o(a) etnógrafo(a) avaliar sua própria conduta em campo, seus
deslizes e acertos junto as pessoas e/ou grupos pesquisados, numa constante
vigilância epistemológica. (ECKERT; ROCHA, 2008, p. 15)
“As cidades fascinam”, como mostra Pesavento (2007, p. 11), pois a cidade esta
entrelaçada por uma dinâmica e uma articulação social, que serve como propulsora da
construção de uma memória e identidade.
[...] memória e identidade se entrecruzam indissociáveis, se reforçam mutuamente
desde o momento de sua emergência até sua inevitável dissolução. Não há busca
identitária sem memória e, inversamente, a busca memorial é sempre acompanhada
de um sentimento identidade, pelo menos individualizado. (CANDAU, 2011, p.19)
Neste sentindo a formação da memória e identidade desta cidade está impregnada com
sua história, que vai se constituir do centro para o bairro. Podemos pensar a formação de
diversas entidades ligadas ao carnaval, e essas entidades vão ser importantes para a
manutenção das relações sociais do carnaval. Assim como a relação da cidade com os espaços
urbanos onde será apresentado o cortejo social do carnaval de rua.
Os lugares de memória de uma cidade são também lugares de história. História e
memória são, ambas, narrativas do passado que presentificam uma ausência,
reconfigurando uma temporalidade escoada. (PESAVENTO, 2008, p. 4)
Por isso abarcamos dentro da Antropologia Urbana, onde podemos entender alguns
deslocamentos dentro da cidade, e com isso traços aí deixados por pessoas que freqüentaram e
compuseram o carnaval e a memória dos seus frequentadores.
[...] apreender a cidade como matéria moldada pelas trajetórias humanas, e não
apenas como mero traçado do deslocamento indiferente de um corpo no espaço, o
antropólogo precisa recompor os traços aí deixados por homens e mulheres.
(ROCHA e ECKERT, 2003)
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Com isso elaboramos um contraponto com a área do conhecimento da Antropologia,
na qual observamos a memória como na fala dos parceiros de pesquisa, sendo assim podemos
pensar na perspectiva de História Oral, sendo uma propulsora de fonte oral.
[...] o método etnográfico encontra sua especificidade em ser desenvolvido no
âmbito da disciplina antropológica, sendo composto de técnicas e de procedimentos
de coletas de dados associados a uma prática do trabalho de campo a partir de uma
convivência mais ou menos prolongada do(a) pesquisador(a) junto ao grupo social a
ser estudado. (ECKERT; ROCHA, 2008, p. 9)
Ao pensar na etnografia como técnica de campo, na qual a coleta de dados está
empregada com a prática do campo, sendo assim, a composição deste fator antropológico e o
ritmo social se dá no campo da etnografia da duração, pois os habitantes tem várias
experiências ao longo de um espaço temporal.
O estudo da etnografia da duração postula, portanto, a interação do pesquisador com
as diversas experiências temporais da e na cidade, tanto as suas próprias quanto as
de seus habitantes, sendo que a disposição de pesquisa se concretiza no
consentimento da reciprocidade da pesquisa: “sou antropólogo, estou aqui para
conviver e ouvir vocês naquilo que consideram importante para as suas vidas, ainda
que sob a perspectiva de alguns temas que interessem a minha comunidade
interpretativa de origem”. (ROCHA, 2011, p. 116)
Como uma das formas de análise e metodologia desse estudo, é a utilização de jornais
como fonte de investigação. Sendo assim, como nos mostra Luca (2005), na qual os
periódicos são analisados e interpretados levando em consideração o maior número de
elementos possíveis.
O estudo da fonte jornalística permitiu ampliar os horizontes para novas reflexões e
problemáticas nos conhecimentos sobre as sociedades do passado. Segundo Capelato (1988,
p.21):
A imprensa oferece amplas possibilidades para isso. A vida cotidiana nela registrada
em seus múltiplos aspectos, permite compreender como viveram nossos
antepassados – não só os “ilustres” mas também os sujeitos anônimos. O Jornal,
como afirma Wilhelm Bauer, é uma verdadeira mina de conhecimento: fonte de sua
própria história e das situações mais diversas; meio de expressão de idéias e
depósito de cultura. Nele encontramos dados sobre a sociedade, seus usos e
costumes, informes sobre questões econômicas e políticas.
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2. CARNAVAIS: “AS RUAS POR ONDE ANDEI”
O carnaval a partir do ano de 1974 ganha um traçado novo, no sentido de valorizar o
espetáculo dos blocos e das escolas, a rua é montada com um cenário e uma ambientação de
carnavalesca. O Jornal O Guaíba de 16/02/1974, traz a seguinte matéria sobre esse carnaval.
Para este ano, a comissão organizadora composta pelos srs. Joao Stortti, Tem.
Octacilio Moura, João Corleta, João Vidal, Luiz Sasso e Roberto Freitas da Silva,
foi ao encontro do desejo dos integrantes dos blocos que aqui desfilam. Um novo
itinerário deverá ser cumprido. O desfile será iniciado na São José, esquina Conego
Scherer, de forma diferente dos anos anteriores, quando o inicio era dado na 7 de
setembro. O novo trajeto virá beneficiar os participantes. A rua é bem mais larga e
deverá valorizar o desfile, oferecendo ao guaibense uma visão mais ampla e
proporcionando aos blocos mais espaços para as evoluções.
Essa mesma visão ampla não terá a comissão julgadora. O palanque estará armado
no local já conhecido, junto à Praça da Bandeira. Logo, os integrantes das seis
entidades que irão desfilar, estrarão na Serafim Silva, em direção ao palanque. A
comissão julgadora, que só será conhecida na noite de 23, perderá, assim, a parte
mais bonita do espetáculo que deverá acontecer, sem dúvida, na descida da São José.
(JORNAL O GUAÍBA, Nº 63, 16/02/1974)
Figura 1 – Traçado do Desfile de 1974 até 1979
“Nessa época eu não desfilava, mas eu ia ver... ficava na beira da calçada só
olhando... porque minha mãe desfilava, então ficava esperando ela passar com o
Império Serrano e depois íamos comer alguma coisa.” (Maria da Graça, 20/02/2018)
“Na frente da Biblioteca Pública, tinha um coreto, ali ficava o prefeito, as
autoridades e os jurados. Ele era fixo, porque ali tinha o desfile da semana da pátria,
que tinha o mesmo percurso do carnaval, começava na São José e terminava onde
hoje é o correio. Nessa época eu desfilei no Az de Ouro.” (Rubem Souza,
05/02/2018)
O traçado muda neste período, pois com a intenção de centralizar as festividades
carnavalescas no centro da cidade, e com a prioridade de ser realizada na rua principal da
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cidade, o carnaval começa e termina na mesma rua. É realizada as modificações onde inicia
em frente a padaria Pão Gostoso, e se desloca até a Rua 20 de Setembro.
Eis das modificações
O desfile, a iniciar às 21 horas, iniciará defronte a padaria Pão Gostoso, na São José,
e os participantes deverão deslocar-se até a esquina com a 20 de setembro. Não será
permitido o uso de equipamentos eletrônicos, a ser o da Prefeitura que estará a
disposição dos solistas; da forma, nada de instrumentos de sopro. Será apenas a
bateria secundada pelo som de um apito tradicional.
Os participantes concorrerão em duas categorias: blocos e escolas de samba, que
terão prêmios para os primeiros, segundos e terceiros lugares em cada item a ser
julgado, além de um troféu destaque para o melhor do carnaval de Guaíba. Para os
blocos, os critérios serão a alegoria, originalidade musical, fantasia, ritmo,
animação; para as escolas de samba, serão acrescidos os itens solistas, passista,
compositor, mestre-sala, porta-bandeira. Os presidentes dos blocos e escolas é que
convidarão os membros da comissão julgadora. (JORNAL O GUAÍBA, Nº. 297,
02/02/1980)
Figura 3 – Traçado do Desfile de 1980 a 1981
“Comecei a desfilar na São José, não gostava, porque sambar na lomba é muito
ruim, tinha que se equilibrar nas pedras e no salto!” (Maria da Graça, 20/02/2018)
“O palanque ficava na esquina da Renner (São José com a Conego Scherer), ali
ficava os jurados também. Nesse ano tivemos a briga com o Solon Tavares (Prefeito
Municipal), que correu atrás de nos com um bisturi.” (Rubem Souza, 05/02/2018)
Com o crescimento dos festejos carnavalescos, via-se a necessidade de tentar
modernizar esse desfile, passando assim o desfile para um novo centro cultural, a avenida
Joao Pessoa, conhecida como ‘Beira’.
Outro aspecto considerado foi a mudança de local do desfile, programado para a
João Pessoa. O julgamento acontecerá em duas etapas, provavelmente no sábado e
segunda-feira, ficando a noite de domingo reservada aos visitantes. Até o ano
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anterior os resultados foram conhecidos na tarde do dia do segundo desfile, o que
sempre tirou muito do entusiasmo aqueles que não se classificavam. É pensamento,
para 82, manter sigilo absoluto, e os vencedores somente serão conhecidos no baile
de pré-enterro dos ossos, na sexta-feira posterior ao carnaval. (JORNAL O
GUAÍBA, Nº 388, 21/11/1981)
Figura 4 – Traçado do Desfile de 1982 a 1983
“Esse carnaval começamos a desfilar com dois carros alegóricos, foi a primeira
escola a vir com duas alegorias, pois o Liberato tinha falecido no ano anterior, e
tínhamos que apresentar um desejo dele!” (Maria da Graça, 20/02/2018)
“Quando o carnaval era na João Pessoa teve os Comanches que entraram de cavalo,
uns três ou quatro cavalos, desfilaram com eles. Só sei que eles ‘cagaram’ toda a
avenida, e quem desfilou logo em seguida foi nós... bom e não limparam a rua, então
teve muita gente que se sujou.” (Rubem Souza, 05/02/2018)
De acordo com o jornal o Guaíba este episódio ocorreu em 1979, sendo assim temos
particularidades da memória, que a tornam confusa, ao passar do tempo não se ligando em
periodização e nem espaços geográficos.
A partir de 1984, os desfiles ganham um caráter mais “profissional”, muda de lugar,
passa a ser na rua Vinte de Setembro pois a relação da cidade e da modernidade começa a
aparecer nos eventos sociais, pois o asfalto começa a aparecer nas vias da cidade, e isso
começa a ser noticiado de forma positiva.
Hoje tem MUAMBA na pista asfaltada da Vinte de Setembro com a participação
do Império Serrano, Invasores, Sai da Frente, Custou Mas Saiu, Integração e Coisa
Nossa, além de muitas outras atrações especialmente preparadas para o pré-carnaval
da Avenida, patrocinada pelo “O Guaíba com apoio da Secretaria de Turismo.
Haverá prêmios para os primeiros colocados e os integrantes da Comissão
Julgadora, escolhidos entre pessoas que estão por dentro do balanço que deve
acompanhar a batucada, está preparada para apreciar o que há de melhor na folia da
terra.
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O Carnaval de Guaíba está vivendo os seus melhores dias neste ano de 84 e dois
momentos já comprovam que será inesquecível. O desfile pelos bairros da cidade
com as candidatas a Rainha do Carnaval da Cidade foi um sucesso em todos os
sentidos, demonstrando que nenhuma crise será capaz de abater a alegria e o
entusiasmo de viver do nosso povo. O monumental Baile Municipal, realizado no
Gabrielão, com a entrega da chave da cidade para o Rei Momo Reginaldo e a
escolha da Rainha do nosso Carnaval, deixou impressionados os convidados de fora
que nunca imaginariam que houvesse tanta animação em nossos blocos e escolas de
samba.
Hoje o povo vai à avenida para espantar da cidade a tristeza e fazer reinar a
alegria, revigorando o espirito para a luta do dia a dia. (JORNAL O GUAÍBA,
Nº. 501, 25/02/1984 - grifo nosso)
Assim como podemos perceber nos jornais o ponto de concentração e dispersão do
desfile.
O ESPETÁCULO
Cerca de oito mil pessoas lotaram as laterais da pista da Avenida Vinte de Setembro,
desde o Coelhão até a esquina da São José, permanecendo até o desfile do último
bloco que foi o Integração. O espetáculo, que teve como mestre de cerimônias o
vereador Joel Maia, iniciou com uma apresentação humorístico-carnavalesca de
Edson Barbosa, do Mandrake, com uma bicicleta especial, sendo a grande atração da
gurizada até o final da festa. (JORNAL O GUAÍBA, Nº. 503, 10/03/1984)
Figura 5 – Traçado do Desfile de 1984
“O Carnaval da Vinte era o melhor, porque a gente botava nosso melhor salto, e
íamos bem linda, sambar no asfalto, porque antes era na pedra (paralelepípedo).
Cansei de cair (risos). A última vez que desfilamos na São José, fui arrasar na frente
do palanque e cai, fiz um truque e sai dali!” (Maria da Graça, 20/02/2018)
“A concentração era frente do Posto Texaco, aquele perto da academia do Eduardo,
e depois a gente caminhava até o Coelhão, onde tinha uma linha no meio da rua, que
dalí saia o desfile em direção a São José. [...] Ali era bom de desfilar, porque era
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asfaltado. Foi uma das primeiras ruas a ser asfaltadas em Guaíba, porque quando os
ônibus do interior passava por Guaíba, para ir para Porto Alegre, eles passavam por
esta rua.” (Rubem Souza, 05/02/2018)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise deste trabalho podemos perceber a importância do centro da cidade
nesse cenário carnavalesco, pois a organização do carnaval vai estar extremamente
relacionada ao comércio, ou seja, localizado no centro da cidade. O interessante para pensar, é
a dinâmica do deslocamento das festividades carnavalescas pelas ruas da cidade, isso pode
levar a vários fatores, como opções políticas, assim como, interesse de vislumbrar melhorias
para a realização das atividades carnavalescas.
Dentro desse cenário podemos pensar a relação do Centro sendo a parte visível da
cidade, onde a competitividade estava evidenciada pela imprensa, público, autoridades e
jurados, desta forma podem definir a relação do carnaval visível, sendo o competitivo de rua.
Evocar e trabalhar com o jogo de memória, através da metodologia de História Oral,
traçando relações interdisciplinares, principalmente olhando para a etnográfica e pensando na
duração pela memória.
REFERÊNCIAS
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CANDAU, Joel. Memória e Identidade. São Paulo: Contexto, 2011.
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP,
1988.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
FERREIRA, Marieta de Moraes. História, tempo presente e história oral. Topoi. Rio de
Janeiro: p. 314-332, dezembro de 2002.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos
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LUCA, Tânia Regina. A história dos, nos e por meio dos periódicos. In.: PINSKY, Carla
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica,
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p.3-12, jan./jun., 2008.
_________________. A construção de uma Porto Alegre imaginária - uma cidade entre a
memória e a história. In.: GRIJÓ, Luiz Alberto; KUHN, Fábio; GUAZZELLI, Cesár Augusto
Barcellos; NEUMANN, Eduardo. (Orgs.). Capítulos de História do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: UFRGS, 2004.
ROCHA, Ana Luiza CArvalho da; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua: estudo de
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________________. Etnografia da duração nas cidades em suas consolidações temporais.
Revista de Ciências Sociais, n. 34 Abril de 2011 - p.107-126
SELAU, Maurício da Silva. História Oral: uma metodologia para o trabalho com fontes orais.
Esboços. Florianópolis: v. 11, nº 11, p. 219-228, 2004.
VELHO, Gilberto. Antropologia Urbana: encontro de tradições e novas perspectivas.
Sociologia, problemas e práticas, n.º 59, 2009, pp.11-18
_________________. Antropologia Urbana: interdisciplinaridade e fronteiras do
conhecimento. Mana. 2011
Jornais:
O GUAÍBA, 15/02/1975 – nº 84
O GUAÍBA, 06/03/1976 – nº 105
O GUAÍBA, 24/02/1979 – nº 250
Zero Hora , 16 de março de 1972
Entrevistas:
Rubem José Souza Cruz – realizada por Ricardo Figueiró Cruz, no dia 30 de junho de 2017,
em sua residência.
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