View
214
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Ciências da Comunicação: Jornalismo, Assessoria e Multimédia
Psicossociologia da Comunicação
Professor: Jorge Marinho Autores: Ana Bárbara Matos | Ana Luísa Azevedo | João Escudero | Luís Martins | Mariana Magalhães | Sara Silva | Simão Freitas | Telma Alves
[PERSUASÃO: PUBLICIDADE EM TEMPOS
DE CRISE ECONÓMICA] As mudanças na comunicação externa de duas grandes superfícies comerciais em tempos de crise: Continente e Pingo Doce
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
1
Índice
Introdução ....................................................................................................................................................... 2
Persuasão .................................................................................................................................................... 3
Conceito de crise e crise financeira e económica atual .............................................................................. 3
As superfícies comerciais: Continente e Pingo Doce ................................................................................... 4
Metodologia .................................................................................................................................................... 5
Análise da publicidade televisiva do Pingo Doce ............................................................................................ 6
Análise da publicidade televisiva do Pingo Doce, de 1997 .......................................................................... 6
Análise da publicidade televisiva do Pingo Doce, de 2011 .......................................................................... 7
Análise Comparativa .................................................................................................................................... 9
Análise da publicidade televisiva do Continente ........................................................................................... 11
Análise da publicidade televisiva do Continente, de 1997 ....................................................................... 11
Análise da publicidade televisiva do Continente, de 2011 ........................................................................ 12
Análise Comparativa .................................................................................................................................. 12
Conclusão ...................................................................................................................................................... 15
Bibliografia e Netgrafia ................................................................................................................................. 17
Anexos ........................................................................................................................................................... 18
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
2
Introdução
Nos dias que correm, vemos que as marcas e as superfícies comerciais já não se preocupam unicamente com
a sua prosperidade económica imediata e já não são tão egocêntricas. Este facto insere-se nas novas
estratégias das empresas, relativas à responsabilidade social corporativa1, pois estas conseguiram perceber
que com o passar do tempo, os consumidores mudaram e são mais exigentes fruto das inúmeras mudanças
no entorno, nomeadamente no que toca à atual crise económica e financeira que vivemos desde 2007 e
aporta dificuldades que outrora não se faziam sentir como hoje em dia. Por esta razão, as marcas e
superfícies comerciais adaptaram-se e mudaram.
No entanto, nem sempre assim foi. Antes da individualização e do Business to Consumer, as empresas
optavam por um marketing de massa, abordando e avaliando todos os consumidores como o mesmo, com
as mesmas características e interesses. Não havia grande preocupação nas ações de marketing, e o grande
foco do trabalho prendia-se com o produto e não com a marca.
“Hoje, a maioria das empresas está a abandonar o marketing de massa. No seu lugar, estão a praticar a
segmentação e o targeting, identificando segmentos de mercado, selecionando um ou mais de um de entre
eles e desenvolvendo produtos para cada um deles”.2
Um dos fatores fundamentais para o fim do marketing de massa foi, sem sombra de dúvida, a consolidação
dos meios de comunicação coletiva, passando assim a segmentar o mercado. Tal segmentação na doutrina
do marketing remota ao clássico “Modern Marketing”, cujos autores Barker & Anshen – já em 1939 –
sentenciavam: “Variações nos hábitos de compra podem ser causadas por diferenças de sexo, idade, renda,
lugar de residência, tamanho da família, ocupação do arrimo, background racial, e outros fatores”.3 E foi a
partir deste momento da história que começou a existir preocupação com os fatores enunciados acima na
citação.
Neste trabalho e sobretudo por ser uma análise da persuasão em tempos de crise, estes fatores tornam-se
essenciais porque existe cada vez mais preocupação com todos os aspetos na divulgação do produto e com
uma melhor transmissão e individualização da mensagem. Estas análises de perfis não mais pararam desde o
seu surgimento e a especialização em tais matérias foi-se intensificando para identificar os grupos de
consumo. “A meu ver, o mercado de massas está definitivamente morto e já ingressamos na era da
personalização em massa. As estratégias devem ser desenvolvidas para cada nicho identificado e devemos
estar atentos às novas oportunidades despersonalização. A informática e os recursos da automação em
fábricas, hoje, permitem a produção de versões individualizadas de produtos a um preço acessível e esse é o
sonho de todo consumidor.” 4
O consumidor passou a ser mutável, plural e incoerente respondendo a estímulos da sociedade e
acontecimentos pessoais e por isso é essencial uma profunda análise das empresas na “marketização” dos
produtos para a individualização e uma boa transmissão da mensagem. Agora, os nichos passaram a ser
muito mais individuais do que coletivos, ao contrário do que acontecia anteriormente.
Em particular neste período da história, marcado por uma profunda crise económica e financeira, que
provoca um período de escassez a nível da produção, de comercialização e do consumo de produtos e
serviços, o fundamental para as empresas será trabalhar da melhor maneira a estudar os seus alvos de
mercado e maneiras de consegui mais clientes. Estes objetivos estão intimamente ligados à melhor
1 DOMINGUEZ, 2007, p.156
2 ARMSTRONG, KOTLER, 2000, p.79
3 BARKER, ANSHEN, 1939, p.22
4 KOTLER, 1997, p.140
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
3
transmissão da mensagem, isto é, uma persuasão mais efetiva, para que os consumidores procurem, mesmo
em tempos mais controversos da história, como este de crise, adquirir os produtos que desejam ou precisam.
Persuasão
A publicidade é considerada um meio de comunicação de massas já que é capaz de influenciar toda a
sociedade. Esta influência é veiculada através da forte transmissão dos anúncios publicitários,
principalmente através dos mass media. Mas a influência da publicidade não está limitada à sua transmissão
viral, mas também à sua capacidade persuasiva que influencia o sujeito “fora do seu mecanismo
consciente”.5
A persuasão é um processo que funciona de modo circular entre o emissor e o recetor. A publicidade tem
como objetivo primário fazer agir o consumidor, levando-o a adquirir um determinado produto. Para que
isso aconteça, é necessário que a mensagem seja eficaz e que “o emissor esteja disposto a desenvolver
ideias para a mensagem que sejam aquelas que o recetor quer ouvir, ou que tenham significado para ele.”6
Assim, desenvolve-se a circularidade que irá permitir ao recetor agir perante uma mensagem e que, no
retorno da informação, permite ao emissor efetuar as suas correções, ajustando-se aos objetivos do emissor.
A persuasão tem vindo a evoluir, acompanhando o desenvolvimento da publicidade. Inicialmente, a
persuasão tinha uma dimensão essencialmente lógica, tendo depois passado a utilizar maioritariamente uma
dimensão afetiva. Por volta dos anos 50 do século passado, a publicidade centrou-se nos modelos de
aprendizagem clássica que procuravam criar condições para que o consumidor tivesse uma boa receção da
mensagem e consequentemente criasse uma atitude favorável ao produto. O modelo com mais notoriedade
desta época foi o “AIDA”, que protagonizava um bom nível de atenção por parte do consumidor, de modo a
desenvolver interesse que conduzisse à ação. Nos anos 60, os estudos da publicidade começaram a centrar-
se nos produtos e nos seus atributos. Estes modelos pressupunham uma audiência ativa que processava a
informação de acordo com a sua lógica.
Com a evolução das décadas, também as teorias sobre a persuasão foram-se modificando. Uma das
principais investigações sobre este assunto foi da autoria de Petty e Cacioppo, em 1986, que criaram um
modelo de persuasão chamado “Probabilidades de Elaboração”. Os autores estudaram as formas como as
pessoas processavam a informação e como cada uma delas era usada no processo da persuasão. Segundo
eles, o processamento de informação podia ser feito através de uma via central em que o sujeito efetua um
processamento racional que leva à resposta cognitiva ou através de uma via periférica em que o
processamento estava dependente da lógica que o sujeito operacionalizava em cada momento, relativo ao
senso comum e às heurísticas que ele disponibilizava para o seu processamento. Este modelo deu resposta
aos anteriores estudos sobre o assunto, mostrando que existe complementaridade entre os vários modelos.
A sociedade e o mundo publicitário atual mostram-nos que “A publicidade é mais persuasão do que
informação, pois cada vez se refere menos ao mundo dos objetos”7.
Conceito de crise e crise financeira e económica atual
O conceito de crise está associado a uma mudança brusca ou até mesmo a uma alteração importante do
desenvolvimento de um qualquer acontecimento ou evento. As alterações de que falamos podem, por sua
vez, ser físicas ou simbólicas. A palavra crise está também associada a uma situação de complicada resolução
ou de escassez.
5 COSTA PEREIRA, VERÍSSIMO, p. 35
6 Idem
7 GONZÁLEZ MARTÍN, 1996, p. 16
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
4
No campo da Psicologia, em particular da Psicologia do Desenvolvimento, o conceito de crise é explicado
como toda a situação de mudança a nível biológico, psicológico ou social, que exige da pessoa ou do grupo,
um esforço suplementar para manter o equilíbrio ou estabilidade emocional. É fundamental a forma como
os componentes da crise são vividos, elaborados e utilizados subjetivamente.
Relativamente à crise financeira e económica atual, a intensidade desta coloca duas questões fundamentais
aos economistas e formuladores de política económica. A primeira questão diz respeito às origens da crise.
Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia, comentou acerca da problemática que este parecia o início de
uma "a second Great Depression”. The conditions leading up to the crisis, characterized by an exorbitant rise
in asset prices and associated boom in economic demand, are considered a result of the extended period of
easily available credit and inadequate regulation and oversight.”
Segundo George Soros8, a crise que atualmente afeta os sistemas financeiro e económico mundiais –
precipitada por uma “bolha” no mercado imobiliário – é muito similar às que têm vindo a suceder-se desde a
Segunda Guerra Mundial, em intervalos de quatro a dez anos. Contudo, Soros deixa também claro que
existem significativas diferenças entre a crise que agora vivemos e as anteriores, considerando que a atual é
o clímax do processo de superexpansão que temos vivido nos últimos 60 anos. E este é, de facto, o ponto de
partida para explicar a complexa crise que atualmente enfrentamos.
A também denominada “crise de subprime” desencadeou-se em 2006 com o colapso de algumas instituições
de crédito dos Estados Unidos que concediam empréstimos hipotecários de alto risco, arrastando diversos
bancos para uma situação de insolvência que, por sua vez, teve fortes repercussões nas bolsas de valores de
todo o mundo. A partir de 2007, a crise do crédito hipotecário deu origem a uma “crise de confiança”
generalizada no sistema financeira, bem como à falta de liquidez bancária.
Segundo dados divulgados pelo Fundo Monetário Internacional, em 2008, as perdas decorrentes de
hipotecas do mercado imobiliário já realizadas contabilizavam 1,4 triliões de dólares e o valor total dos
créditos subprime ainda em risco contava com 12,3 triliões, o que, para que tenhamos uma ideia,
corresponde a cerca de 89% do PIB dos Estados Unidos da América.
As superfícies comerciais: Continente e Pingo Doce
Os hipermercados Continente foram a primeira cadeia de hipermercados a surgir em Portugal, sendo ainda
atualmente uma referência no setor de retalho alimentar no nosso país. Em 1985, aquando da abertura do
primeiro hipermercado, começou uma revolução que mudaria por completo os hábitos de consumo dos
portugueses. Em 2011, o Continente ampliou a sua marca e criou o Continente Bom Dia (rede de
supermercados de conveniência vocacionados para as compras do dia-a-dia) e fundiu-se com o Modelo,
criando uma única marca, maior e mais consistente. Também em 2011, e numa entrevista levada a cabo pela
Marketeer, Miguel Osório (então administrador da Sonae MC) afirma claramente que o “Continente terá a
política promocional mais agressiva” e, ainda de acordo com as suas palavras, o reforço da inovação e da
política promocional será a âncora para a empresa continuar a apresentar os mesmos índices de
crescimento. Refere, no entanto, a grande quebra verificada no consumo privado e, naturalmente, a cada
vez maior competitividade em relação a outras superfícies comerciais.
É em inícios da década de 80 que o Grupo Jerónimo Martins começa a constituir uma companhia chamada
Pingo Doce, definindo uma estratégia clara que tinha em vista a exploração de um segmento de
supermercados. O grupo assume-se, já em meados da década, como holding e estabelece parcerias
estratégicas para dar continuidade ao projeto Pingo Doce. Em 1988, este entra no mercado. De realçar que,
8 George Soros – Importante empresário húngaro-americano, conhecido também pelas sua atividade enquanto especulador. Preside,
atualmente, a Soros Found Management e a Open Society Institute.
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
5
nem dez anos depois, em 1993, o Pingo Doce era já líder na distribuição alimentar, no segmento de
supermercados.
Metodologia
No seguimento do que foi dito, o nosso trabalho irá desenvolver a temática da publicidade em época de
prosperidade económica (1997, o chamado “tempo das vacas gordas”) e em tempo de crise económica e
financeira (2011), permitindo-nos refletir sobre as mudanças na persuasão em tempos de crise. Este estudo
analisa, então, publicidades referentes a estes anos, de duas das maiores cadeias de hipermercados
portugueses: Pingo Doce e Continente, por serem duas superfícies comerciais cuja publicidade está muito
presente nos meios de comunicação social portugueses.
O rigor metodológico da investigação dá credibilidade ao trabalho, pelo que passamos a descriminar a
metodologia utilizada. O método deve estar ao serviço do investigador, pelo que seguimos o método que
nos dá melhores resultados e que melhor se adapta ao objeto. Escolhemos o melhor tipo de análise,
baseada em grelhas criteriosas que elaboramos nós mesmos. Essas mesmas tabelas continham aspetos de
análise tanto quantitativa como qualitativa, pelo que o método utilizado é dualista. A par com este método,
utilizamos aspetos de interesse para a análise, o que se delineou o trabalho, referimo-nos, deste modo, à
análise contextual, pois em qualquer análise, quanto mais se souber do contexto de emissão e receção,
melhor. Conseguimos criar critérios de análise das respetivas publicidades que, a nosso ver, nos permitiram
recolher dados fundamentais e refletir sobre eles, como por exemplo, a cor utilizada nos anúncios, a
temática, o número de personagens principais, o jingle, a presença de valores, entre outros. Para tal,
devemos ter a nossa capacidade de análise crítica suficientemente desenvolvida para classificar a mensagem.
Analisámos dois anúncios de cada uma das marcas escolhidas para estudar, em períodos diferentes de
tempo. Assim, como já foi referido, é possível analisar a estratégia de publicidade das duas marcas em dois
períodos distintos: em 1997 e em 2011, pois tanto o país como as empresas atravessavam fases
completamente diferentes de desenvolvimento nos dois.
Para nos auxiliar na nossa análise, conduzimos um total de três entrevistas: a Sara Pascoal, professora no
Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto e membro da Unidade Coordenadora do
Centro de Comunicação Multimédia e Linguagem (CML-ISCAP), cujo tema de investigação recorrente é a
semiótica da publicidade; entrevistámos, também, Vasco Eiriz, professor de Marketing e Estratégia na
Universidade do Minho; e Pedro Quelhas Brito, autor do livro “Promoção de Vendas e Comunicação de
Preços”. Nas entrevistas, procurámos complementar a nossa pesquisa e a nossa análise com informações
que dizem respeito às estratégias adotadas por Pingo Doce e Continente, além de lhes pedirmos para
fazerem uma comparação tanto entre as publicidades concorrentes como entre as duas publicidades
analisadas dentro de cada marca.
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
6
Análise da publicidade televisiva do Pingo Doce
A cadeia Pingo Doce possui atualmente mais de 370 lojas em Portugal, que foram, desde o ano 1980, sendo
criadas a partir dos Supermercados Pingo Doce, Distribuição Alimentar, Lda. . Neste ano, definiu-se, por
parte do Grupo Jerónimo Martins, de forma clara, uma estratégia de exploração do segmento de
supermercados.
O primeiro anúncio publicitário que analisaremos é referente ao ano de 1997. Este foi um ano em que a
estratégia de posicionamento de “Preços Baixos e Estáveis” foi reforçada. Além disso, verificou-se um
fortalecimento da marca Pingo Doce e aposta na marca própria.
Durante os anos que se seguiram, «alterou-se a estratégia de comunicação, através do lançamento de uma
campanha de publicidade que sintetiza as apostas dos últimos anos: «No Pingo Doce, o preço é sempre
baixo, na loja toda, o ano inteiro!»9.
Com a aposta numa comunicação mais humanizada, a publicidade assumiu um papel cada vez mais
importante nesta cadeia, e os anúncios foram evoluindo. Com a análise do anúncio do ano de 2011,
verificaremos se, de facto, as campanhas de comunicação do Pingo Doce vão de encontro a estes propósitos
e se as mudanças nos anúncios são visíveis ou se, pelo contrário, passam despercebidas.
Análise da publicidade televisiva do Pingo Doce, de 1997
A publicidade da superfície comercial Pingo Doce, da época de Verão
do ano de 1997, baseia-se na proposta de uma refeição constituída por
alimentos ligados à gastronomia do sul de Portugal. Tal acontece
porque a publicidade foi realizada para a época de férias de Verão, uma
estação em que muitas famílias portuguesas rumam ao sul do país para
aí passarem uma temporada de férias.
A existência de temáticas nas acções promocionais são bastante
regulares e, segundo Pedro Quelhas Brito, são uma estretégia antiga
que nunca desaparecerá, pois “quando se concebe uma ação promocional temos sempre que enquadra-la
num tema. Esse tema dá a razão de ser da ‘generosidade’ da marca. Na falta de melhor pode ser o dia da
mãe, do pai, da criança, do animal, começo das férias, aniversário das marcas...”.
Podemos então considerar que a mensagem é dirigida à população adulta que está ou vai de férias para essa
região de Portugal. No entanto, o público-alvo pode ser mais amplo e incluir população adulta no geral,
pelas razões que veremos na seguinte análise.
O anúncio apresenta-nos uma mesa bem guarnecida, que se encontra no alpendre de uma típica casa do sul
de Portugal, ao fim do dia. Tal observa-se, respetivamente, nas típicas paredes brancas, decoradas com
flores e num chapéu tradicional que surge, e no céu escuro com estrelas, que funcionam quase como que
símbolos do Sul do país. É então representada uma mesa de jantar com alimentos típicos da gastronomia
alentejana e algarvia (gaspacho, ovas panadas, bacalhau dourada e melão, entre outros alimentos que vão
aparecendo). É-nos possível deduzir que se dirige a uma família que aí se encontra de férias.
Para além dos produtos que aparecem ao longo da publicidade na mesa e que pertencem à ementa sugerida,
no final são especialmente publicitados o bacalhau graúdo e o melão branco, fazendo referência ao preço.
Esta mostra de produtos alimentares na publicidade em questão acaba por ser uma tendência básica para
esta superfície comercial, visto que, segundo Vasco Eiriz, professor de Marketing e Estratégia na
9 http://www.pingodoce.pt/pt/sobre-o-pingo-doce/historia/
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
7
Universidade do Minho, “A publicidade é evidentemente um
instrumento de comunicação fundamental num mercado de consumo
como o dos produtos alimentares”.
O cenário aposta em tons escuros que vão de encontro à situação
representada na publicidade: um jantar ao fim do dia. A diversidade de
alimentos e as flores aportam o mais colorido à publicidade. No final,
aquando a apresentação dos produtos publicitados, o fundo é preto, ou
seja, neutro.
Para a criação da atmosfera pretendida, para além do cenário, também se recorre à música de fundo do
anúncio (um instrumental de andamento ligeiro, que faz uso apenas de uma guitarra, resultando uma
música simples e tranquila); pelas palavras escolhidas (“descanso”, “refrescando”, “calmaria”,
“tranquilamente”, “simplicidade”, “gozando o sabor das férias”, “sonhando”), bem como pelo tom de voz do
apresentador (calmo e suave).
Todo o ambiente geral do anúncio contribui para criar no recetor um espírito de relaxamento e
tranquilidade. De facto, os valores que se pretendem transmitir com esta publicidade vão de encontro a este
espírito que se cria: calmaria, tranquilidade, simplicidade, descanso, etc., para além de abundância de tempo,
aproveitamento relaxado das férias de verão e apreciamento da gastronomia e sabores. Este espírito e estes
valores identificam-se com a época da publicidade, que é o tema central. Tudo isto sem necessidade de
incluir protagonistas ou outras pessoas, logo sem qualquer tipo de interação.
O ambiente geral da publicidade, a atmosfera e espírito que cria e os valores que transmite, provocam no
expectador um envolvimento na época estival e em tudo o que esta aporta. Deste modo, espera-se que o
público-alvo proceda de acordo com os valores em causa e, possivelmente, adquirindo estes produtos.
Assim, podemos considerar que a mensagem está escrita com o intuito de causar reações emocionais nos
expectadores, sendo que a parte informativa só aparece, de forma muito breve, no final do anúncio.
Podemos então dizer que a mensagem está adequadamente escrita para o público-alvo em questão e
vincula um determinado ambiente e determinados valores de forma congruente.
É interessante observar o espírito que se cria e os valores que se transmitem, pois são características do
povo português e muito próprias da cultura portuguesa, como podemos observar nos mais diversos aspetos
da vida quotidiana e arte do nosso país. Por exemplo, estas particularidades vêm discriminadas no popular
fado de Amália Rodrigues: “Quatro paredes caiadas, /um cheirinho a alecrim, /um cacho de uvas doiradas,
/duas rosas num jardim, /um São José de azulejo /sob um sol de primavera, /uma promessa de beijos /dois
braços à minha espera... /É uma casa portuguesa, com certeza!”. Estas particularidades culturais estão muito
presentes também por terem sido, durante muitos anos (ao longo da Época do Estado Novo), incutidas na
mentalidade popular.
Análise da publicidade televisiva do Pingo Doce, de 2011
O anúncio publicitário para o meio televisivo, da superfície comercial Pingo Doce, do ano 2011, foi
considerado, segundo o estudo Plubivaga da Marktest10, o mais recordado do ano pelos consumidores na
Grande Lisboa e no Grande Porto.
Esta publicidade pode ser considerada como sendo constituída por duas partes: a primeira refere-se a
Portugal, à sua cultura e características, exaltando valores nacionalistas e patriotistas; a segunda diz respeito
à própria superfície comercial Pingo Doce, à sua marca, aos seus produtos, instalações, trabalhadores e
ideais. Toda a publicidade é marcada pela música, um dos elementos mais destacados do anúncio. Esta é
10
“Pingo Doce ganha em publicidade”, in O Diabo – Principal (pág.22), 2011/04/12
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
8
uma música original, produzida especialmente para a publicidade em causa e, primeiramente, apresenta-se
com um ritmo calmo, mas logo adquire um ritmo com mais batida, criando um ambiente de alegria. A
mensagem do anúncio é dada, em grande parte, pela letra da música, como analisaremos.
Em relação à primeira parte (o primeiro meio minuto), esta apresenta imagens que são ícones de Portugal (o
nascer-do-sol à beira-mar, o rio Tejo e o Cristo Rei, o Terreiro do Paço, o Palácio da Pena, o mar e a praia, o
rio Douro e a bandeira portuguesa), ao mesmo tempo que
apresenta o iniciar do dia dos portugueses (o despertar de um
jovem, uma corrida matinal, um passeio à beira-mar, a mãe a dar o
pequeno almoço a uma criança e idosos a conviver jogando às
cartas), marcadas pela presença de elementos que nos remetem
para a superfície comercial em causa (um camião a passar).
Estas imagens estão relacionadas com a mensagem transmitida na
letra da música (então com um ritmo calmo), que nos diz que
apesar das mudanças, há coisas que nunca mudam, referindo então o amor por Portugal, para além da
qualidade e o preço baixo do Pingo Doce.
Desta parte do anúncio podemos deduzir que existe a intenção de valorizar Portugal, apelando ao
nacionalismo e patriotismo, e, deste modo, ligar o Pingo Doce aos próprios portugueses. Sara Pascoal,
professora no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto e membro da Unidade
Coordenadora do Centro de Comunicação Multimédia e Linguagem (CML-ISCAP), afirma também que “a
semiótica está presente [nos anúncios] com as conotações nacionalistas”. Podemos observar que tratam
esta superfície comercial como parte integrante do país e da vida quotidiana dos seus habitantes,
relacionando o início do dia dos portugueses com o começar do dia do Pingo Doce, como se estes fossem
indissociáveis.
No que toca à segunda parte do anúncio, o cenário é maioritariamente a superfície comercial do Pingo Doce
(como demonstra o início desta segunda parte que consiste na fachada de um hipermercado, como se
representasse a entrada neste), apresentando as suas diferentes secções, produtos e serviços (frutaria,
charcutaria, frescos, florista, comida pronta, padaria e pastelaria, peixaria, mercearia, cafetaria, etc.). Estas
imagens são intercaladas por imagens relacionadas, por exemplo,
refeições, o camião do Pingo Doce e pessoas no exterior com
cartazes da marca. O logótipo do Pingo Doce é um elemento
recorrente, bem como as cores fortes e vivas e a forte luminosidade,
que, em conjunto com a música, transmitem vivacidade e alegria.
Embora este anúncio não apresente protagonistas, são inúmeros os
intervenientes, desde funcionários da superfície comercial a clientes.
Encontramos personagens de todas as faixas etárias, de ambos os sexos e de diferentes etnias, passando a
ideia de que o Pingo Doce é acessível a todos. Esta variedade de personagens interage, demonstrando o
apoio dos trabalhadores aos compradores. Uma característica marcante nestas personagens é o sorriso e a
boa disposição que mantêm, apresentando-se felizes e satisfeitos. É de se assinalar que existe também uma
interação das personagens com os espectadores, representada no gesto de chamamento que é uma
constante ao longo da publicidade e coincide com o chamamento da música “venha ao Pingo Doce”. Sara
Pascoal realça que “o Pingo Doce aposta muito no jingle, e isso ajuda imenso na difusão”. Assim, qualquer
pessoa pode responder a esta “chamada”, pelo que podemos considerar que o público-alvo desta
publicidade é abrangente.
Esta dedicação e satisfação também estão presentes na letra da música que nos diz que “tudo é feito com
carinho”. Deste modo, é possível dizer que a letra da música se relaciona com as imagens, pois, para além do
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
9
exemplo anterior, a música refere a qualidade, a frescura e o sabor dos produtos, aparecendo então
produtos com bom aspeto. Além destes pontos, também são referidos o preço baixo e a poupança. Estes
atributos que o Pingo Doce garante ter estão também refletidos no slogan “Sabe bem pagar tão pouco”, que
numa só frase aborda a poupança e o sabor. O slogan aparece destacado no final do anúncio e apresenta-se
num fundo preto, o que nos remete para o também fundo preto da publicidade de 1997, apresentando,
desta forma, alguma continuidade.
Pelas combinação das duas partes, é-nos possível perceber que esta publicidade não tem propriamente o
intuito de informar, mas sim gerar uma reação emocional, que se espera que seja de identificação, levando
os consumidores a comprar nesta superfície comercial. Esta ligação emocional que se pretende atingir são
meras «técnicas promocionais que atuam na psicologia do consumidor, via ligação afectiva para com a
marca, incentivando a relação a longo prazo. Ora, isto designa-se estratégia, na medida em que se conquista
um cliente e o mantem-se.» esclarece Pedro Quelhas Brito. Para tal, contribui todo o ambiente geral do
anúncio, que é de dinâmica, alegria e boa-disposição. Como já foi referido, o facto de os diferentes clientes
mostrarem a sua satisfação e chamarem o espectador ao Pingo Doce, remete-nos para o agrado dos clientes;
e o facto de também os funcionários o chamarem, representa a sua disponibilidade para o atender.
Outro facto a destacar, é o da alegria no ato da compra, apresentando os clientes a adquirirem bastantes
produtos. Esta imagem, juntamente com a repetição musical da expressão “preços baixos”, cria no público a
ideia de que pelos produtos serem baratos, é-lhes possível comprar mais, o que provoca felicidade. Ou seja,
podemos dizer que, de certa forma, incute a ideia de consumismo, ainda que de forma racional (pela
necessidade dos produtos que são apresentados), uma atitude sociológica, económica e cultural
indiretamente refletida no anúncio.
Análise Comparativa
Ao analisarmos publicidades de épocas longínquas e diferentes, apercebemo-nos de que a comunicação
externa das superfícies comerciais mudou. De forma geral, isto é o mesmo que dizer que a publicidade
mudou, pelo que também a persuasão realiza-se de uma forma diferente.
Através da anterior análise, apercebemo-nos que as publicidades do Pingo Doce de 1997 e de 2011
procuram influir emocionalmente e não tanto informar. No entanto, é de se referir que a de 1997 ainda
apresenta produtos em específico no final, o que não acontece com a de 2011, pois o seu objetivo era passar
uma imagem geral da superfície comercial. Logo neste aspeto apercebemo-nos de uma mudança no
marketing estratégico. Tal acontece pelas mudanças económicas e as relacionadas mudanças sociais, assim o
diz Pedro Quelhas Brito: “Hoje em dia, é mais importante para uma empresa que a sua marca esteja bem
identificada e estabelecida no mercado, do que melhorar ou aumentar a gama de produtos. É por isso que as
marcas dominam. Em termos práticos o sortido é bem mais reduzido e concentram-se na maximização do
rendimento por metro quadrado”.
Em 1997, Portugal atravessava uma fase de prosperidade económica e, de forma geral, os portugueses
viviam com possibilidades para adquirir bens e produtos. Por esta razão, o Pingo Doce apresenta produtos
como sugestões, num contexto de férias de verão de uma família portuguesa, como se passar férias no Sul
do país fosse o mais normal na época. Já na publicidade de 2011, um período de crise económica e
financeira, marcado pelas dificuldades dos portugueses, o Pingo Doce investe em publicidade que transmita
a mensagem relativa aos preços baixos, sem, no entanto, fazer referências concretas a produtos. Segundo
Pedro Quelhas Brito, “o Pingo Doce posicionou-se desde o último ano com uma estratégia ‘everyday low
price’ tal como os outros, enquanto antes seguia são uma estratégia ‘High-Low price’”. Vasco Eiriz confirma
esta tendência dizendo que “com a perda do poder de compra dos portugueses o preço passou a ser uma
variável ainda mais importante”.
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
10
Já a nível das mudanças sociais, também a ter em conta, na publicidade de 1997 observamos a
predominância de valores e características tradicionais portuguesas. Talvez isto aconteça devido à
necessidade de esta superfície comercial se identificar com os portugueses e criar laços, aproximando-se,
pois esta era uma época em que os grandes hipermercados procuravam ganhar terreno em Portugal face às
tradicionais mercearias ou ao comércio local, e tornar-se na principal escolha dos portugueses para efetuar
as suas compras. Efetivamente, nesta época o Pingo Doce levava a cabo uma estratégia de expansão.
No entanto, com as mudanças sociais os portugueses já não são um povo tão tradicional e hoje também são
caracterizados pela alegria e não só pela tranquilidade ou calmaria. Ora, se o público-alvo mudou, também a
persuasão deve ser diferente e, de facto, a publicidade de 2011 demonstra isso mesmo através da sua
música, cores e mensagem. Visto que a publicidade foi produzida e lançada em época de crise, acentua-se a
necessidade de ser mais apelativa. Nesta época o objetivo já não se prende com expandir-se, mas fazer
frente à concorrência, como o Continente. Pedro Quelhas Brito fala um pouco deste fenómeno dizendo que
“no marketing nada acontece de forma isolada. A marca já tem posicionamento, já existe um histórico de
comunicação, os concorrentes já têm feito o seu trabalho de dificultar a vida…” e acrescenta que o Pingo
Doce também tenta convencer que a sua via é a que melhor para os interesses dos compradores – por ser
imediata e transparente - e tem vindo a acusar o seu concorrente de só fazer promoções via cartão
praticando preços altos para depois devolver de forma diferida aquilo que o Pingo Doce oferece no
momento e sem complicações.
Deste modo, com o intuito de criar envolvimento e fidelidade, denota-se na publicidade mais recente, em
comparação com a mais antiga, a tentativa de passar uma imagem de maior proximidade e criar
identificação entre a marca e o consumidor. Com isso pretende-se mudar a imagem do Pingo Doce, isto é, as
crenças e associações que se fazem à marca. Também de se assinalar é que, na última publicidade, o Pingo
Doce “dá a cara”, ou seja, esta superfície comercial adquire um rosto, falamos dos rostos dos funcionários ou
dos inúmeros clientes, o que não acontecia na anterior, em que não aparecia qualquer pessoa (para além de
mãos). Isto acontece para criar envolvimento e empatia com o público-alvo.
Em relação à questão da crise económica, atualmente a principal mensagem diz respeito ao baixo preço e à
qualidade, bem como ao facto de “tudo ser feito com carinho”. Ou seja, o que a publicidade consegue é que
o Pingo Doce, os seus funcionários e os seus clientes funcionem quase como uma família, em harmonia e
satisfação.
Amélia Brandão, especialista em Marketing de Comunicação, afirma que "esta campanha representou um
reposicionamento da marca. A máxima do Pingo Doce é 'Sabe bem pagar tão pouco'. O Pingo Doce era
associado a um supermercado de preço elevado e esta nova assinatura vem mostrar esse posicionamento
através do preço. Sabe bem aos portugueses pagar tão pouco", acrescentando que "um cliente satisfeito
torna o programa de fidelização mais benéfico, as pessoas não estão à espera de uma promoção para fazer
compras", explica. "A Sonae vai tentar reagir e para as famílias é bem-vindo, em cenário de crise", conclui.
Vasco Eiriz acrescenta ainda que “a notoriedade da marca é importante e indissociável da opinião pública e
perceção dos consumidores”.
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
11
Análise da publicidade televisiva do Continente
A cadeia Continente foi a primeira cadeia de hipermercados em Portugal, sendo que a primeira abriu em
1985 em Matosinhos. A partir daí, a cadeia disseminou-se pelo país tendo aberto imensas lojas
principalmente nos centros comerciais das principais cidades portuguesas. Apesar de atualmente pertencer
à Sonae Distruibuição, a cadeia foi criada pelo grupo de distribuição francês Promodès.
À semelhança da análise do Pingo Doce, o primeiro anúncio analisado é referente ao ano de 1997. A
publicidade do Continente de 1997 acaba por ainda fazer parte da integração da sociedade portuguesa nas
estruturas dos hipermercados. Ainda assistimos aqui a uma aposta no reconhecimento da marca.
À medida que os anos avançaram e as condições económicas dos portugueses também, as estratégias de
comunicação assim como os slogans alteraram-se. A comunicação do Continente começou a apostar mais no
contato direto com os espetadores assim como num apelo direto à emotividade das pessoas, através da
campanha “Eu conto com o Continente”.
Análise da publicidade televisiva do Continente, de 1997
A publicidade lançada pelo Continente em 1997 ilustra a época das
“vacas gordas” e os valores associados a uma sociedade em
crescimento e consumista. Este anúncio, protagonizado por Ana Bola,
atriz associado ao humor, demonstra exatamente o ato eufórico de
fazer compras num hipermercado (superfícies que ainda iam
conquistando o seu terreno na época). O tema principal do anúncio é
que não é preciso muito dinheiro para ir ao Continente, no entanto, a
personagem principal do mesmo é uma vedeta, o que desde logo
demonstra um maior alcance a nível de estatutos sociais, ou seja,
qualquer pessoa faz compras neste hipermercado. Apesar de a protagonista ser a atriz Ana Bola, surgem
outros intervenientes no anúncio, designadamente pessoas comuns que estão a fazer compras na superfície
comercial. Estas pessoas não têm qualquer tipo de interação com a protagonista, servindo apenas de
figurantes. O anúncio foi gravado no interior do hipermercado, tendo como pano de fundo os corredores e
as secções de produtos do Continente e no exterior do mesmo, onde a protagonista aparece com o edifício
atrás, tendo sido dado destaque às letras do nome do hipermercado. Neste último plano, a atriz aparece
com o carrinho de compras totalmente cheio, o que nos remete novamente para o consumismo. Sendo que
o anúncio tem dois cenários distintos, um dentro e outro fora do hipermercado, as cores variam de um para
o outro: cores fortes (vermelhos, amarelos, verdes), evocando a variedade dos produtos no interior da
superfície comercial, assim como o ambiente alegre e eufórico dentro da mesma e cores escuras (noite)
destacando-se o azul da noite e o vermelho do logótipo do Continente. A música do anúncio, apesar de
discreta, possui um ritmo leve, mas ao mesmo tempo alegre e animado (estilo circense).
Este foi um anúncio emitido na altura da Páscoa, logo é feita publicidade a uma “feira” de produtos
relacionados com a época, não surgindo assim publicidade a nenhum produto em específico. O facto de um
produto individual não ser noticiado remete-nos para o público-alvo que o anúncio pretende atingir que é
constituindo, na nossa opinião, pelas famílias portuguesas de classe média, mas ao mesmo tempo por
pessoas de estatuto social mais elevado. Os valores transmitidos pela mensagem e também pelo slogan final
“Boa Páscoa e bons preços” são os de poupança e qualidade dos produtos, assim como de alegria em
comprar num hipermercado e uma certa euforia. Por fim, a mensagem acaba também por ser muito
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
12
abrangente já que transmite a ideia de que não é preciso muito dinheiro para comprar no Continente – “Sou
uma vedeta mas não sou rica”.
Análise da publicidade televisiva do Continente, de 2011
A publicidade do Continente lançada em 2011 é substancialmente
diferente da analisada previamente. Em primeiro lugar, a
publicidade foi produzida e lançada em época de crise, o que por
si só faz emergir a necessidade de ser mais apelativa. Esta
necessidade está logo patente no próprio tema geral do anúncio
que nos diz que o Continente é o hipermercado com os preços
mais baixos e o que tem a melhores promoções e melhores descontos em cartão.
O protagonista é também um ator, neste caso Martinho Silva que não é muito conhecido pela maioria da
população portuguesa. À semelhança do anúncio anterior, aparecem outras pessoas no anúncio que são
somente figurantes a fazer compras no hipermercado e não têm nenhum tipo de interação com o
protagonista.
O cenário do anúncio é o interior do hipermercado e por isso existe uma forte luminosidade e predomínio da
cor vermelha. Sara Pascoal explica que “antes das formas e das texturas, a cor é o elemento mais forte que
distinguimos (…) o vermelho está ligado à energia, força, pro-atividade”.
Este anúncio do Continente insere-se dentro de uma campanha alargada “Eu conto com o Continente” e por
isso segue alguns parâmetros que são comuns a todos os anúncios gerados neste contexto.
Sendo assim, o público-alvo deste anúncio é inquestionavelmente as famílias portuguesas que, segundo a
narrativa do anúncio, encontrarão no hipermercado muitos descontos, promoções e os preços mais baixos.
Todos estes elementos são transmitidos num discurso de confiança que aproxima os espetadores do
protagonista do anúncio. Para Sara Pascoal, essa aposta na relação marca-consumidor, uma relação de
confiança, é fundamental para o sucesso de uma publicidade. Associado também às famílias como público-
alvo temos os produtos que o anúncio publicita: pão e fiambre, alimentos base de uma família. Também a
música da publicidade é a música associada a esta campanha, que imediatamente nos recorda de outros
anúncios da mesma. O slogan, já referido, é comum a todas as publicidades desta campanha “Eu conto com
o Continente”, o que transmite ao espetador que pode confiar neste hipermercado e na sua equipa. Toda a
mensagem transmite os valores de poupança, assim como preocupação pelas famílias portuguesas nesta
época de crise financeira e demonstra ainda que o Continente é uma empresa séria que pretende ajudar
todos os portugueses. Sara Pascoal explica que “a questão da responsabilidade social, que querem transmitir
com a publicidade, foi agudizada pela crise económica”, tal como foi explicado anteriormente. Em relação à
atitude mais recente do Continente, Pedro Quelhas Brito diz-no que «O Continente é líder de mercado e
apoia-se essencialmente no cartão de fidelização e publicidade televisiva; realiza anualmente um
evento com muito impacto mediático (por exemplo, com artistas como Toni carreira)”.
Análise Comparativa
Como já devidamente especificamos na introdução e metodologia deste trabalho, o nosso propósito não é
somente comparar a diferença entre duas superfícies comerciais, mas sim fazer também um estudo
comparativo do que mudou ao nível da comunicação externa dessas mesmas superfícies numa altura em
que Portugal está mergulhado numa profunda crise financeira e económica. No fundo, queremos
compreender como o marketing destas superfícies gere esta necessidade de chamar as pessoas a consumir,
e quais os principais valores que se alteraram nos anúncios publicitários.
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
13
Para isso recorremos à análise de dois anúncios publicitários, um de 1997 e um de 2011. Isto para que
pudéssemos comparar o chamado “tempo das vacas gordas”, em que as superfícies comerciais começavam
a ganhar terreno e apelavam à euforia do consumismo e à alegria de fazer compras, e o tempo que
atualmente vivemos, de grandes dificuldades em que se assiste a uma clara diminuição do consumo e à
procura de todas as possibilidades que permitam uma maior poupança.
Comecemos pelas semelhanças entre os dois anúncios: tanto no anúncio publicitário de 1997 como no de
2011, a ação acontece dentro do hipermercado (embora o de 1997 tenha também uma parte final que
acontece fora do mesmo), com luminosidade forte – predominância dos vermelhos, amarelos, verdes – e
com as secções de produtos como pano de fundo, bem como alguns figurantes (pessoas comuns) que
aparentemente fazem compras nesse momento. Ambas publicidades escolhem também uma personagem
conhecida da sociedade para protagonizar o anúncio, embora, no primeiro, a escolha de Ana Bola – uma
“vedeta” ligada ao teatro e ao humor televisivo – seja muito mais marcante do que a escolha de Martinho
Silva, para o segundo, uma vez que, sendo conhecido, o ator não assume um papel de grande notoriedade
na sua área. Concluímos que isto está evidentemente relacionado com o ritmo e a mensagem que se
pretende imprimir no anúncio: se por um lado, em 1997, escolhem uma atriz ligada ao humor, que fala e se
movimenta euforicamente, remetendo para a alegria de fazer compras e para o consumismo desenfreado,
por outro, em 2011, temos Martinho Silva, que faz um percurso calmo dentro da superfície comercial, fala
pausadamente e parece ter, no anúncio, um papel muito mais informativo do que propriamente o de
alguém que está a fazer compras. Estas são, todavia, as principais semelhanças que conseguimos detetar nos
dois anúncios e que nos permitem perceber que, de alguma forma, o Continente tenta manter algumas
linhas orientadores e de reconhecimento na sua publicidade.
Concentremo-nos agora nas diferenças: desde logo devemos compreender que os momentos em que a
publicidade é lançada são, de facto, totalmente antagónicos. Se em 1997 os grandes hipermercados
procuravam ganhar terreno em Portugal e tornar-se na principal escolha dos portugueses para as suas
compras (em vez das tradicionais mercearias por exemplo, ou do comércio local), em 2011 o contexto é
muito distinto; derivado à grande crise económica, os portugueses perderam poder de compra, há uma
drástica quebra do consumo, e em muitos casos, as pessoas já não acreditam na promessa de poupança e
qualidade que fazem os hipermercados. Assim, enquanto no anúncio protagonizado por Ana Bola, esta tem
um comportamento agitado, expansivo, cheia de produtos na mão e se mostra com uma atitude sempre
alegre e eufórica, no anúncio de 2011, Martinho Silva vai pausadamente percorrendo uma secção do
supermercado, enquanto num discurso igualmente calmo, diz que o continente tem os preços mais baixos,
as melhores promoções e os melhores descontos em cartão (características que apelam ao desejo de
poupança da população). Percebemos também que, ao contrário de Ana Bola, que aparece dentro da
superfície comercial com as mãos carregadas de produtos e fora com um carrinho completamente repleto
de compras, Martinho Silva tem apenas a função de “informar” os portugueses sobre as vantagens de ir ao
Continente, e o ato de fazer compras não é tão claro, o que nos remete mais uma vez para a quebra do
poder de compra dos portugueses. Uma outra diferença clara é, e no sentido que temos vindo já a explicar, a
mudança dos valores transmitidos. No anúncio de 1997, uma clara apologia ao consumismo, mas também
representação que mesmo não sendo preciso ser-se rico para ir ao Continente, pessoas de mais elevado
estatuto social também frequentavam o hipermercado. Ora aqui detetamos uma mensagem direcionada
para a classe média e média alta. Já no anúncio de 2011, são introduzidos no discurso os valores da
poupança, da qualidade mas, sobretudo, da confiança.
E como sabemos, pois já foi referido pela especialista Sara Pascoal, a introdução do valor da confiança na
comunicação externa das empresas em tempos de crise, é não só frequente como considerada muito eficaz
(a par de outras, como as empresas se mostrarem cuidadosas com a vertente ecológica ou até mesmo a
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
14
responsabilidade social). Esta mudança de valores está também explícita nos respetivos slogans, com
especial atenção para o anúncio de 2011 (que, como já referimos, faz parte de uma campanha publicitária
mais abrangente) e que diz “Eu conto com o Continente” transmitindo claramente a ideia de que o
Continente, através da qualidade dos seus produtos, mas sobretudo dos seus preços baixos, promoções e
descontos, é o hipermercado em que os portugueses podem confiar. A própria música do anúncio (que já
nos habituamos a ouvir nos anúncios do continente) remete-nos exatamente para esta mensagem de
poupança e confiança uma vez que faz parte de vários outros anúncios que o Continente tem emitido,
dentro da mesma linha de pensamento. Também os produtos publicitados no final do anúncio de 2011, o
pão e o fiambre, são uma clara referência aos tempos que correm: produtos de primeira necessidade e que
estão diretamente relacionados com os hábitos das famílias portuguesas. E as famílias de classe média (as
que mais poder de compra perderam) são efetivamente o público-alvo desta publicidade.
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
15
Conclusão
No seguimento das análises anteriores, podemos depreender que, de facto, a publicidade mudou de época
para época, nas duas superfícies comerciais. Como vimos, a comunicação externa e a persuasão adaptaram-
se às mudanças económicas e às relacionadas mudanças sociais. Isto acontece quer no Pingo Doce, quer no
Continente, pois em consequência da grande crise económica e financeira com início em 2007, os
portugueses perderam poder de compra e observa-se uma drástica quebra do consumo, o que leva a que
muitas pessoas já não acreditem nas promessas de poupança e qualidade que fazem os hipermercados. Este
novo paradigma exige que as grandes superfícies comerciais invistam mais na comunicação externa, levando
a cabo estratégias de publicidade agressivas e apelativas.
Na nossa opinião, isto verifica-se no Pingo Doce e no Continente. Para começar, em 2011, ambas as
superfícies comerciais investiram mais em publicidade e uma característica que se realça imediatamente é a
duração dos anúncios, que são muito maiores comparativamente aos do ano 1997. A duração, a par com as
características que desenvolveremos em seguida, fizeram das publicidades, quer do Pingo Doce, quer do
Continente, as mais recordadas pelos consumidores na Grande Lisboa e no Grande Porto (primeiramente o
Pingo Doce e logo em segundo lugar o Continente, separados por um ponto percentual)11.
No seguimento do impacto da crise económica na persuasão que se realiza através dos anúncios
publicitários, assinalamos também o facto de, atualmente, a principal mensagem transmitida dizer respeito
ao baixo preço, às promoções e à poupança, para além da qualidade dos produtos vendidos. Pois, em tempo
de crise, estas são as maiores preocupações dos portugueses. Segundo a Marktest, “os consumidores são
hoje obrigados a fazer escolhas e muitas vezes cortes no momento de ir às compras. Os hábitos de consumo
tendem a transformar-se, motivados pela procura de novas estratégias que permitam uma melhor
rentabilização dos orçamentos familiares. Hoje, mais do que nunca, é imprescindível que as empresas e as
instituições analisem as alterações no comportamento dos portugueses face ao consumo para poderem
implementar as estratégias de mercado mais adequadas a cada contexto.” 12
A nível das mudanças sociais que se verificaram e que estão também relacionadas com a crise económica,
como nos demonstra a citação anterior extraída de um estudo da Marktest, também há alterações a
assinalar.
Em 1997, no chamado “tempo das vacas gordas”, o anúncio publicitário do Pingo Doce assume que as
famílias portuguesas vão de férias para o Sul do país, e apresenta uma mesa bem guarnecida, com muita
variedade de bons alimentos, o que nos remete para possibilidades financeiras. Já o Continente realça com a
sua publicidade o exponente do consumismo, com o carrinho de compras cheio e a alegria em comprar num
hipermercado. Ambas as publicidades evidenciam o poder de compra e o consumismo da época.
No entanto, as publicidades das duas superfícies comerciais apresentam diferenças entre si. O Pingo Doce
apela ao povo português tradicional, incorporando na sua publicidade valores típicos da cultura portuguesa,
demonstrado nas palavras escolhidas (“calmaria”, “tranquilamente”, “simplicidade”, etc.). Enquanto o
Continente dirige-se, na nossa opinião, a uma parte da população portuguesa mais moderna, para a época,
isto é, menos tradicional, mais elitista e consumista, quase supérflua e eufórica, por se tratar de uma
sociedade em crescimento económico. Portanto, consideramos que a mensagem desta última é direcionada
para a classe média e média alta.
11
“Pingo Doce e Continente são as mais recordadas”, in Jornal de Notícias – Principal (pág.43), 2012/02/26 12
Consumo em tempos de crise: números e expectativas dos portugueses, Grupo Marktest 2012, Lisboa (http://www.marktest.com/wap/private/images/logos/Consumo2012.pdf)
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
16
Estas diferenças entre as publicidades do Pingo Doce e do Continente, observam-se, para além da
mensagem, no cenário (um jantar ao fim de um dia de férias em contraste com o ato da compra,
respetivamente), nas suas cores (tons mais escuros, frente a cores mais vivas) e na música (um instrumental
de andamento ligeiro, simples e tranquilo, ao contrário da música quase tipo circense do anúncio do
Continente).
Já em 2011, observamos que os valores exaltados alteraram-se. De facto, o Pingo Doce continua a exaltar
valores nacionalistas e patriotistas, o que vai no seguimento da publicidade 1997. No entanto, ao mesmo
tempo dá a conhecer a sua marca, os seus produtos, instalações, trabalhadores e princípios que perseguem.
Deste modo, pretende ligar o Pingo Doce aos próprios portugueses, tratando esta superfície comercial como
parte integrante do país e da sua vida quotidiana, como se estes fossem indissociáveis.
Também no Continente denota-se a pretensão de passar uma imagem de maior proximidade e criar
identificação entre a marca e o consumidor, nomeadamente entre o Continente e as famílias portuguesas.
Com isso pretende-se alterar as crenças e associações que se fazem à marca, transmitindo a seriedade da
empresa, que pretende apoiar as famílias portuguesas e gerar confiança de parte a parte. Isto porque a
introdução do valor da confiança na comunicação externa das empresas em tempos de crise, é frequente e
eficaz.
Uma característica marcante em ambas as publicidades de 2011, é as personagens apresentarem-se sempre
sorridentes e bem-dispostas, como se estivessem satisfeitas com os serviços prestados. Nas duas também é
visível que existe um apelo muito mais direto ao consumidor para que este realiza as suas compras nesses
hipermercados, apresentando diretamente as vantagens que esse ato contém.
Uma semelhança que podemos encontrar nas publicidades das duas superfícies comerciais, quer no ano de
1997, quer de 2011, é que a mensagem de ambos os anúncios está escrita com o intuito de causar reações
emocionais nos expectadores e não tanto informar. Esta aposta nas reações emocionais tem como objetivo
a identificação e criação de fidelidade.
Uma diferença entre os anúncios publicitários de ambos os anos de cada superfície comercial é que o
Continente opta por ter um protagonista, ou seja, uma pessoa que dá a cara pela marca e representa os seus
valores e princípios, transmitindo a mensagem pretendida. Enquanto no caso do Pingo Doce, a estratégia
passa por não apresentar ninguém, na publicidade de 1997, ou apresentar toda a “família do Pingo Doce”,
no caso do anúncio de 2011.
Assim concluímos que, de facto, as empresas e em particular os hipermercados têm de fazer uma gestão dos
tempos de crise, incidindo fortemente na persuasão através da publicidade e investindo cada vez mais nesta
importante ferramenta que pode fazer a diferença no momento de escolher o hipermercado a que vamos e
até mesmo, pode inclusivamente moldar os hábitos de consumo dos portugueses.
Apesar disto, Pedro Quelhas Brito salienta que a tendência é que, “com a perda do poder de compra dos
portugueses, dá-se uma queda na procura, que faz com que se invista muito menos em comunicação”.
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
17
Bibliografia e Netgrafia
ARMSTRONG, G. & KOTLER, Ph., Marketing – an introduction, New Jersey, Prentice Hall, 2000
BARKER, C. W. & ANSHEN M. Modern Marketing, New York, McGraw-Hill, 1939
CALDEVILLA DOMÍNGUEZ, David, Manual de las Relaciones Públicas, Editorial Visión Libros, 2007
KOTLER, P., Personalização em massa, HSM Management, N. 5, 1997
LIPOVETSKI, G., Sedução, publicidade e pós-modernidade, Revista FAMECOS, 2000
MACHADO, L. & FERREIRA, C., A utilização do marketing de relacionamento para a fidelização de
clientes em épocas de crise, Revista de Engenharia e Tecnologia, 2, 2010
SOROS, George, The New Paradigm for Financial Markets: The Credit Crisis of 2008 and What It
Means, PublicAffairs, 2008
http://www.medialit.org/reading-room/how-analyze-advertisement
http://www.marktest.com/wap/a/n/id~17ba.aspx
http://www.marktest.com/wap/a/n/id~16d6.aspx
http://www.marktest.com/wap/a/n/id~1867.aspx
http://www.marktest.com/wap/a/n/id~181b.aspx
http://www.marktest.com/wap/a/n/id~1788.aspx
http://www.marktest.com/wap/a/n/id~175e.aspx
http://www.marktest.com/wap/private/images/logos/Consumo2012.pdf
http://www.pingodoce.pt/pt/sobre-o-pingo-doce/historia/
http://www.continente.pt/pt-pt/public/generic/pages/Aboutus.aspx
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
18
Anexos
Entrevista a Vasco Eiriz - Professor de Marketing e Estratégia na Universidade do Minho
- Sendo que o Marketing tem seguido, ultimamente, um caminho de interpretação e de intervenção no
mercado, até que ponto as publicidades das duas marcas são influenciadas umas pelas outras, naquilo que
são as tendências do mercado, visto que as empresas se analisam e interpretam mutuamente?'
Sim, claro. As duas marcas marcam-se mutuamente pois são líderes no retalho alimentar. É normal que cada
uma delas acompanhe a outra e seja influenciada por ela.
- Hoje em dia, parece ser mais importante para uma empresa que a sua marca esteja bem identificada e
estabelecida no mercado, do que melhorar ou aumentar a gama de produtos. Concorda que este é um
fenómeno que acontece, principalmente com o avanço no estudo na área do Marketing?
A marca é importante, mas nem sempre é a principal decisão de marketing. Por detrás da marca, existem
carteiras de produtos (mais ou menos diversificadas), canais de distribuição e políticas de preço. Todas estas
decisões são importantes e devem ser consistentes entre si. Só assim é que é possível reforçar o
posicionamento duma marca.
- Em que é que as publicidades de Continente e Pingo Doce lhes permitem ter uma vantagem sobre a
concorrência no que à identificação da marca diz respeito?
A publicidade é evidentemente um instrumento de comunicação fundamental num mercado de consumo
como o dos produtos alimentares. Daí que ambas as empresas façam um esforço importante com este
instrumento de comunicação.
- As campanhas das duas empresas parecem aproximar-se, por assim dizer, do consumidor. Assumindo
que esta tentativa é planeada, até que ponto pode ser eficaz e aumentar a notoriedade da marca, além da
opinião pública das empresas?
Sim, a notoriedade da marca é importante e indissociável da opinião pública e perceção dos consumidores.
- Sempre fomos habituados a rececionar os signos que as marcas tentavam criar para um certo produto,
como por exemplo, os jeans que representam um estilo de vida jovem e feliz, mas atualmente as marcas
apostam na criação de signos para elas próprias e não tanto para os produtos. Existe uma venda de ideias
e sentidos em busca da fidelização do cliente. Esta mais acentuada preocupação com a fidelização do
cliente está relacionada com a crise económica?
A crise económica provoca instabilidade nos padrões de consumo e mudanças dos hábitos de compra. É
natural que as empresas líderes coloquem ênfase na fidelização dos clientes.
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
19
- As estratégias de promoções de vendas atuais são imensas levando ao envolvimento e à participação do
consumidor. Comparando estas mesmas estratégias há 15 ou 20 anos atrás, quais as diferenças?
Diria que a comunicação é cada vez mais presente e interativa do que era há alguns anos. Isto decorre do
próprio processo de compra e consumo em que o consumidor é um participante cada vez mais ativo. Por
outro lado, a comunicação dispõe hoje de ferramentas que propiciam uma maior interatividade com os
consumidores.
- Que mutações o marketing sofreu com a perda do poder de compra dos portugueses?
O preço passou a ser uma variável ainda mais importante.
Entrevista a Pedro Quelhas Brito - professor de Gestão Comercial na Universidade do Porto e autor do livro
«Promoção de Vendas e Comunicação de Preços»
- Sendo que o Marketing tem seguido, ultimamente, um caminho de interpretação e de intervenção no
mercado, até que ponto as publicidades das duas marcas são influenciadas umas pelas outras, naquilo que
são as tendências do mercado, visto que as empresas se analisam e interpretam mutuamente?'
O Pingo Doce (PD) posicionou-se desde o último ano com uma estratégia “everyday low price” tal como os
outros enquanto antes seguia são uma estratégia “High-Low price”. É normal mesmo haver retaliações às
ações dos outros. O mercado é pequeno e quando a quota de um sobe é porque a do outro foi afetada.
- Hoje em dia, parece ser mais importante para uma empresa que a sua marca esteja bem identificada e
estabelecida no mercado, do que melhorar ou aumentar a gama de produtos. Concorda que este é um
fenómeno que acontece, principalmente com o avanço no estudo na área do Marketing?
É por isso que as marcas próprias dominam. Em termos práticos o sortido é bem mais reduzido e
concentram-se na maximização do rendimento por metro quadrado. Além disso as marcas próprias
garantem sempre boa margem e pressionam as marcas dos fabricantes porque o espaço no ponto de venda
é limitado.
- Em que é que as publicidades de Continente e Pingo Doce lhes permitem ter uma vantagem sobre a
concorrência no que à identificação da marca diz respeito?
No último ano o PD desinvestiu fortemente da publicidade na televisão. Patrocina um ou outro programa de
rádio (RFM) e faz anúncios pontuais para comunicar a campanha semanal de descontos.
- As campanhas das duas empresas parecem aproximar-se, por assim dizer, do consumidor. Assumindo
que esta tentativa é planeada, até que ponto pode ser eficaz e aumentar a notoriedade da marca, além da
opinião pública das empresas?
Não. São muito diferentes. O Continente é líder de mercado e apoia-se essencialmente no cartão de
fidelização e publicidade televisiva. Realiza anualmente um evento com muito impacto mediático, por
exemplo, com a participação do artista Toni Carreira.
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
20
- Sempre fomos habituados a rececionar os signos que as marcas tentavam criar para um certo produto,
como por exemplo, os jeans que representam um estilo de vida jovem e feliz, mas atualmente as marcas
apostam na criação de signos para elas próprias e não tanto para os produtos. Existe uma venda de ideias
e sentidos em busca da fidelização do cliente. Esta mais acentuada preocupação com a fidelização do
cliente está relacionada com a crise económica?
Sempre. Agora há mais cuidado em transferir valor de forma mais imediata e visível.
- As estratégias de promoções de vendas atuais são imensas levando ao envolvimento e à participação do
consumidor. Comparando estas mesmas estratégias há 15 ou 20 anos atrás, quais as diferenças?
Agora há mais ações no ponto de venda. Em parte porque a Distribuição o exige quase que contratualmente.
Outra tendência é o uso da Internet – sites e mobile MKT, aproveitamento das redes sociais e medias sociais.
Coisas que nem sequer existiam antes.
- Que mutações o marketing sofreu com a perda do poder de compra dos portugueses?
Com a queda da procura investe-se muito menos em comunicação. E isso reflete-se no desaparecimento de
muitos títulos de imprensa... Apesar de que o custo dos meios tem baixado muito.
Entrevista a Sara Pascoal, Professora no ISCAP, Doutorada na FLUP; Membro da Unidade
Coordenadora do Centro de Comunicação Multimédia e Linguagem (CML) do ISCAP; investigadora
recorrente em semiótica da publicidade
- Sendo que o Marketing tem seguido, ultimamente, um caminho de interpretação e de intervenção no
mercado, até que ponto as publicidades das duas marcas são influenciadas umas pelas outras, naquilo que
são as tendências do mercado, visto que as empresas se analisam e interpretam mutuamente?'
Quando há duas marcas concorrentes, porque é que vemos muitas semelhanças? As semelhanças têm a ver
com as oposições. Como é que se constrói o valor de uma marca? Apostamos num conceito que achamos
que é diferenciador. Mas para um conceito ser diferenciador, tem de o ser em relação a algo. Há aquela
imagem do quadrado semiótico e diz que o branco só faz sentido com o preto. E o não preto com o não
branco. É isso que acontece com Continente e Pingo Doce, e por isso reconhecemos estratégias muito
semelhantes, e no que é importante, são estratégias que se opõem.
- Qual foi o papel do Marketing na bipolarização do mercado dos hipermercados, sendo que o Jumbo
acabou por ‘sair de cena’ e o Pingo Doce subir de estatuto nos últimos anos?
Eu acho que o Jumbo ficou muito para trás precisamente porque a empresa teve que valorizar uma marca, e
valorizou o Pingo Doce precisamente pela diferença em relação ao Continente. Quando se criou a identidade
do Pingo Doce, falando em específico da publicidade da Mendonça, que teve um buzz terrível, toda a gente a
repetia, mas quando se debruçaram sobre a questão identitária do Pingo Doce, foi no sentido da
diferenciação em relação ao Continente: sem complicações, sem cartões… foi criada com uma identidade de
proximidade, até pela colocação mais próxima dos consumidores, enquanto o Jumbo é mais semelhante ao
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
21
Continente. O Continente acabou por voltar a juntar o Modelo e o Bonjour para criar uma marca umbrella
Continente. Esta questão prende-se com a oposição ao Pingo Doce. O Jumbo acabou por perder espaço no
mercado pela questão da bipolarização do mercado. As duas marcas apostaram em publicidade em prime-
time, e atingiram notoriedade logo na primeira semana
- No caso específico do Pingo Doce, comparámos 1997 com 2011. Considera que o Marketing teve um
papel nesse crescimento da empresa e da marca?
Teve, foi fundamental. É importante perceber que o Pingo Doce tinha uma publicidade muito negativa: o
não estava muito presente. Era terrível para o Marketing. A partir de momento em que mudaram e criaram
uma nova identidade, basearam-se em rejeitar essa identidade negativa e criar uma identidade nacionalista
e forte, algo estranho e crítico, quase ridículo, mas funcionou junto do público-alvo.
- A crise económica causou mutações no Marketing?
Nós vivemos constantemente em crise económica, mas de facto nesta altura o que as duas marcas
perceberam foi a necessidade de nos mostrar um sentido de poupança. Olhamos para a publicidade e
compreendemos porque nos estão a mostrar aquilo. A aposta nos produtos portugueses tem a ver com a
crise, essa aposta foi agudizada pela crise embora já fosse utilizada anteriormente. A questão da
responsabilidade social também foi acentuada pela crise, foi importante demonstrar uma aposta nos
produtos portugueses e na responsabilidade social, porque faz com que os consumidores pensem que ao
comprarem produtos portugueses, estão de alguma forma a contribuir para a economia portuguesa, e as
marcas aproveitam essa questão.
- A questão da confiança, em tempos de crise, é acentuada?
Sim, especialmente numa altura em que desconfiamos de tudo, o que faz as marcas apostarem mais na
confiança e segurança que conseguem transmitir ao consumidor. A publicidade não nos dá só sonhos; às
vezes, dá-nos aquele tapete que precisamos, e num momento em que estamos à deriva, é nisso que
apostam, especialmente na relação marca-consumidor. São os dois valores mais importantes, marca e
confiança.
- Considera que a publicidade é, hoje em dia, mais importante que a qualidade dos produtos, não só mas
particularmente a marca própria e a marca branca de cada empresa?
É. Acho que foi sempre, não é só de agora. As publicidades tentam criar-nos necessidade. Sem isso, até nos
contentamos com menos. Não é que a qualidade não tenha influência, mas a publicidade tem muita
importância até na nossa própria aferição do que é qualidade. Há uma questão afetiva que nos liga à marca
e que é importante, quase que deixamos de pensar. Apesar de tudo, acho que atualmente há uma grande
aposta quer na marca branca quer na marca própria, e em termos de produtos as empresas não têm agido
mal.
- A publicidade do Pingo Doce, a certo ponto, atingiu um ponto de saturação. Considera que foi negativo
ou positivo para o Pingo Doce? E quanto à resposta do Continente?
Eu acho que não foi prejudicial. Por muito que nos queixemos, a música ficava no ouvido, bastavam dois ou
três acordes para ficarmos com a música na cabeça o dia todo, e é isso que a marca pretende. Quanto à
resposta do Continente, esse foi um movimento que não me pareceu adequado. O Continente agiu sempre
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
22
por resposta e nunca por antecipação, e uma marca não pode estar dependente da outra. Nessa altura,
notou-se uma diferença, e isso traduziu-se nas vendas, o Pingo Doce subiu e o Continente desceu. Isso foi
acentuado naquela fase crítica de resposta e contra-resposta, e o Continente não esteve à altura. Aliás,
atualmente o Continente reviu a estratégia.
Nas campanhas de Natal, a questão afetiva e de fidelização é mais utilizada?
O Continente sabe tocar no ponto mais fulcral do Natal, que são as crianças, com a Popota e todas essas
questões. As mascotes funcionam muito bem, e embora a publicidade do Pingo Doce ser boa, o Continente é
superior. Souberam expandir-se, não só com as crianças mas também com a responsabilidade social, e
sabem lidar com isso de uma maneira que o Pingo Doce não sabe. O Pingo Doce aposta mais numa postura
de ano inteiro, não é muito diferente do ano todo.
- Quanto aos aspetos semióticos dos anúncios, são importantes para captar a atenção dos consumidores.
Consegue identificá-los nas publicidades de Pingo Doce e Continente?
Sim, a questão da cor, por exemplo, o apelo a conotações nacionalistas, cada publicidade tem várias. No
fundo, andam em torno das mesmas estratégias. No que toca à cor, é curioso que o verde e o vermelho são
opositores naturais, e têm significados distintos. O vermelho é associado à energia, à força, à proatividade, e
o verde mais ligado à Natureza. São dois opositores naturais e é por aí que fazemos de imediato o contraste.
A cor, enquanto signo plástico, é dos mais fortes. É mesmo o primeiro, antes das formas e das texturas e das
composições, é aquele que é visualmente mais importante. Essa distinção também mostra a oposição
identitária das duas marcas.
- O envolvimento de empresários holandeses no Pingo Doce acabou por criar uma “mini-crise” de
comunicação. A publicidade ajudou a resolver esse problema?
Acho que ajudou a esquecer. Os consumidores passam por picos. Primeiro damos muita importância a
mensagens negativas, mas depois se nos derem mensagens positivas, esquecemo-nos do menos bom. Acho
que a publicidade mitigou essa falha, e penso que muito poucas pessoas se lembram do sucedido.
- Pensa que há uma evolução na procura pelo envolvimento do consumidor com a marca em relação ao
período de 1997 para 2011?
Sim, há. Agora apercebemo-nos da questão das superbrands, e das marcas, criamos uma ligação com as
marcas, e é a publicidade que nos liga às marcas. É notória a evolução neste aspeto. Acabamos por defender
uma marca mais do que uma ideia política, às vezes. As superbrands acabam por contribuir para que o
consumidor se sinta cada vez mais parte da marca, e elas também procuram envolver o consumidor através
da publicidade. Nota-se que há um envolvimento cada vez maior entre marca e consumidor. É uma grande
estratégia. O consumidor sente que o sucesso da marca é o nosso próprio sucesso.
- Denota alguma falha nas publicidades recentes de Pingo Doce e Continente?
Não há grandes falhas. No fundo, a publicidade passa a ideia de que como os próprios spots não falham, a
marca também não. Apesar de tudo, isso é o efeito matraqueador da publicidade, de estarmos sempre em
contacto com ela. O Pingo Doce aposta muito no jingle, e isso ajuda imenso na difusão. Acho que as
publicidades das duas estão sempre muito bem feitas, e não encontro grandes falhas. A única coisa estranha
que encontrei foi uma das primeiras publicidades do Pingo Doce na identidade recente, ao utilizar
Persuasão: Publicidade em tempos de crise económica Continente e Pingo Doce
23
estereótipos de estrangeiros. Penso que o problema era esse olhar de um estrangeiro sobre a cultura
portuguesa, e acabou por roçar o exagero. Penso que a conotação vai um bocadinho longe demais, mas acho
que passa despercebido a um olhar menos atento e formado.
- Se surgisse neste momento um terceiro concorrente, num percurso ascendente como o Pingo Doce,
considera que seria mais difícil para uma nova marca fazê-lo?
É muito complicado, visto que tudo em nós é bipolarizado, logo é difícil para uma nova empresa aparecer. A
única hipótese seria no declínio de uma destas marcas. Não me parece que nos próximos anos surja uma
empresa que chegue a este patamar. O Intermarché tem uma boa política de marketing, mas não procura
competir com Pingo Doce e Continente. É muito complicado competir com duas marcas tão fortes.
Recommended