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LBIA MARA S. SARAIVA
A COLOCAO DOS PRONOMES TONOS NA ESCRITA
CULTA DO DOMNIO JORNALSTICO E NOS INQURITOS
DO PROJETO NURC:
UMA ANLISE CONTRASTIVA
BELO HORIZONTE
FACULDADE DE LETRAS DA UFMG
2008
1
Lbia Mara S. Saraiva
A COLOCAO DOS PRONOMES TONOS NA ESCRITA CULTA DO
DOMNIO JORNALSTICO E NOS INQURITOS DO PROJETO
NURC:
UMA ANLISE CONTRASTIVA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Estudos Lingsticos da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito
parcial para obteno do ttulo de Mestre em
Lingstica.
rea de Concentrao: Lingstica
Linha de Pesquisa: Lingstica dos Gneros e Tipos
Textuais
Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos de Assis Rocha
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2008
2
Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras
Programa de Ps-Graduao em Letras: Estudos Lingsticos
Dissertao intitulada A colocao dos pronomes tonos na escrita culta do domnio
jornalstico e nos inquritos do Projeto NURC: uma anlise contrastiva, de autoria da
mestranda Lbia Mara S. Saraiva, aprovada em 02 de setembro de 2008 pela banca
examinadora constituda pelos seguintes professores:
Prof. Dr. Luiz Carlos de Assis Rocha
Orientador
Prof. Dr. Mnica Guieiro Ramalho de Alkmim UFOP
Titular
Prof. Dr. Maria Beatriz Nascimento Decat UFMG
Titular
Prof. Dr. Evngela Batista Rodrigues de Barros PUC/MG
Suplente
3
OBRIGADA
A Deus, pela supremacia de Sua oniscincia, onipresena e onipotncia com a qual me tem
agraciado, desde sempre.
Aos meus pais, por me terem apresentado o mundo, que ora ocupo. mezinha, perfeita em
toda a sua plenitude, pelo exemplo de amor e f espontneos, que cuidou de mim em todos os
momentos; ao meu pai, cujas presenas-distantes e distncias-presentes concedem-me fora
para continuar e vencer, sempre...
Ao vov Sebastio (in memoriam), de quem a lembrana presenteia-me com os sentimentos
de perseverana e prudncia.
vov Margarida, pelo carinho e pelos vrios Senhor Jesus que te abenoe!, porque Ele
abenoou mesmo, vov!
Ao Juninho, meu amor, que cumpre o papel de esposo-perfeito, por tudo o que constitumos.
Ao meu querido tio Baltazar, por acompanhar com carinho e apoiar todos os meus projetos, e
ao primo Joo Paulo, por encurtar os caminhos. Aos tios Drio e Delvando, pela fora de
esprito, e ao primo George, pelas senhas.
Ao Prof. Dr. Luiz Carlos Rocha, orientador por que todos deveriam passar, por acreditar em
mim e aprovar o projeto inicial desta pesquisa, pela confiana, competncia e compreenso
com que me atendeu, e pelo seu ser profissional que no se desvincula de seu ser humano.
Aos professores da FaLe, especialmente Beatriz Decat, pelas sugestes e pelo apoio
incondicional (inclusive aqueles das madrugadas...), ao Prof. Dr. Luiz Francisco, atual
coordenador do PosLin, pela solicitude e pelo carinho com que sempre me atendeu,
Reinildes Dias, pela ateno carinhosa, quando falvamos da(s) segunda(s) lngua(s), e ao
Prof. Rosalvo, por todas as filigranas.
Aos professores da PUC Minas: Dr. Eduardo Soares, pela extenso dos atendimentos,
iniciados em 2001..., Dr. Joo Henrique Totaro, por todas as correes inscritas no Manual,
as quais me incentivaram a pesquisar os pronomes, e Dr. Evngela Barros, que me
apresentou o Rochinha veja no que isso resultou...
s colegas e amigas Thati Ane (minha consultora de todas as coisas, em todos os momentos),
Maria Lucia e Margarete, que iniciaram comigo esta jornada por todas as conversas!
Virgnia Prudente, pelo apoio virtual; Veneranda, pelo carinho dos bons agouros; ao
Clemeson, que interrompeu o indispensvel ritual letrgico, por minha causa; e ao Paulo
Biet, pelo coleguismo em L2.
4
Ana Karla (ela sabe por que) e ao seu pai, Sr. Derclio, pelas corridas.
Carol Vilela, por todas as referncias e Bruna Karla (da convergncia), pela ajuda com os
protocolos...
Prefeitura Municipal de Betim, pela licena, principalmente Lala, Claudinha e
Samara, pelo atendimento. Ao prof. Mrcio Gontijo, por toda a ajuda, enquanto diretor,
quando iniciei este trabalho, e colega Mnica, que esteve torcendo por mim.
Escola Estadual Professor Osvaldo Franco, nas pessoas de Csar, Neide, Regiane e
Cristiano, equipe com a qual pude contar, em diversas circunstncias. Aos colegas Adilson e
Hel, por me socorrerem quando precisei; ao colega e amigo Jefferson, pelas conversas, pelas
revistas e por me conduzir, gratuitamente.
Escola Municipal Jos Salustiano Lara, um obrigada especial Rosngela e Cirlei,
Marlene, Silvaninha e aos colegas Luiz, Mara, Atade e Ana Lcia.
A todos os meus alunos, queridos, que sempre me receberam com ateno e carinho,
especialmente Sharlene, minha fiel monitora de todas as horas, e ao Jesse Braiam, por todas
as perguntas.
Biblioteca da FaLe, em especial aos funcionrios Rosngela e Jlio, pela presteza com que
sempre me atenderam.
Ao PosLin Geralda, Cida, Carol e Joyce , e ao CNPq, pelos apoios.
5
Apanhar, na seara dos clssicos, constantes nos fatos simples, quando uniformes. Quando,
porm, contraditrios, ou divergentes, como generalizar em norma o que neles houver de
comum e permanente?
(A. de Sampaio DRIA, 1959. Prefcio.)
6
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo realizar uma anlise comparativa da colocao de
pronomes tonos na escrita culta do domnio jornalstico atual e em inquritos do Projeto
NURC/Norma Lingstica Urbana Culta, para verificar se h interferncias da lngua falada
na lngua escrita. Foi tambm investigado o grau de coincidncia (ou no) entre os exemplos
colhidos e as prescries gramaticais tradicionais, com vistas a identificar quais motivaes
lingsticas justificariam suas respectivas ocorrncias. Os dados obtidos indicaram sinais de
desaparecimento da colocao mesocltica e apontaram diferenas entre as duas modalidades
pesquisadas (oral e escrita), atestando a preferncia pela colocao procltica em ambas as
amostras, causada pela atrao vocabular. Alm disso, os resultados confirmaram a premente
necessidade de uma reviso nas gramticas tradicionais quanto ao item colocao
pronominal, em referncia ao portugus hodierno e ao ensino da norma culta no Brasil.
Palavras-chave: colocao pronominal, fala-escrita, gramtica, ensino.
7
ABSTRACT
This paper is a comparative analysis of the placement of unstressed pronouns in two
types of formal texts: those that have been produced in the actual journalistic mastery and
those produced by NURC Project to check interference of the spoken language in the written
language. It was also investigated the coincidence degree (or not) among the caught examples
and the traditional grammar prescriptions to identify which linguistic reasons justify their
occurrences. The obtained data indicated signs of disappearance of the tmesis and pointed to
differences between the two investigated modalities of language (oral and written) attesting
preferences to proclisis in both kinds of samples, caused by vocabulary attraction. Moreover,
the results confirmed the pressing need of a review in traditional grammars regarding pronoun
placement, taking into account the current form of written Portuguese and to the teaching of
the standard norm of the language in the Brazil as well.
Key-words: Pronouns, spoken-written, grammar, teaching.
8
LISTA DE QUADRO, TABELAS E GRFICOS
QUADRO
1 Os pronomes tonos ........................................................................................................... 15
TABELAS
1 Relao de suportes, quantidade e datas............................................................................. 62
2 Classificao: Corpus NURC............................................................................................. 68
3 Colocao nos dois corpora em relao GT.................................................................... 76
4 Casos de Prclise (dados escritos)...................................................................................... 79
5 Prclise (dados escritos) ..................................................................................................... 81
6 Prclise por pronome.......................................................................................................... 82
7 Critrios de nclise (dados escritos) .................................................................................. 83
8 nclise por pronome........................................................................................................... 85
9 Prclise por critrio (dados do NURC) .............................................................................. 91
10 nclise por critrio (dados do NURC) ............................................................................. 92
GRFICOS
1 Total de pronomes pesquisados.......................................................................................... 74
2 Pronomes pesquisados: total geral...................................................................................... 75
3 Total geral: escrita e fala de acordo com a GT................................................................... 75
4 Colocao Corpus escrito................................................................................................... 76
5 O Corpus Escrito & a GT................................................................................................... 77
6 Prclise de acordo com a GT.............................................................................................. 78
7 Prclise de acordo com a GT - %....................................................................................... 79
8 Prclise por critrio ............................................................................................................ 80
9 nclise por cada critrio gramatical ................................................................................... 83
10 nclise por pronome dados escritos .............................................................................. 84
11 Relao pronominal: Corpus escrito ................................................................................ 86
12 Porcentagem pronominal Corpus oral.............................................................................. 88
13 O Corpus Oral & GT........................................................................................................ 88
14 Prclise de acordo com a GT............................................................................................ 89
9
15 Prclise por critrio (dados orais)..................................................................................... 90
16 Prclise por pronome - dados falados (NURC)................................................................ 91
17 Critrios de nclise: dados orais ....................................................................................... 94
18 Mesclise: comparao entre corpora.............................................................................. 95
19 Prclise: comparao entre corpora ................................................................................. 96
20 nclise: comparao entre corpora .................................................................................. 96
21 Os Corpora & a GT........................................................................................................... 97
10
SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................................................12
CAPTULO 1 OS PRONOMES TONOS: OBJETO DESTE ESTUDO ......................15
1.1 Os oblquos tonos no quadro geral dos pronomes pessoais: localizao gramatical..........15
1.2 A histria da colocao: contextos e contradies ...............................................................16
1.2.1 Como tudo comeou..........................................................................................................16
1.2.2 As sintaxes que se seguiram...............................................................................................23
1.2.3 Um pouco das contradies e dos problemas de ontem e hoje .........................................29
1.3 As regras de colocao pronominal em cinco gramticas selecionadas para esta pesquisa. 36
1.4 Demais estudos acerca dos tonos........................................................................................39
1.5 Em sntese.............................................................................................................................44
CAPTULO 2 ABORDAGENS TERICAS ......................................................................46
2.1 Concepes de lngua e linguagem ......................................................................................46
2.2 Acerca da noo de texto como materializao lingstica..................................................48
2.3 O continuum fala-escrita.......................................................................................................49
2.4 Sobre o conceito de norma utilizado neste trabalho.............................................................52
2.5 Concernente aos gneros textuais (formais).........................................................................54
2.5.1 A questo do estilo ............................................................................................................57
2.5.2 Definies metodolgicas para este estudo.......................................................................58
CAPTULO 3 CONSIDERAES METODOLGICAS ...............................................61
3.1 Da constituio dos corpora.................................................................................................61
3.1.1 Quanto ao corpus de lngua escrita ...................................................................................61
3.1.2 Quanto ao corpus de lngua falada ....................................................................................65
3.2 Do processo de anlise .........................................................................................................69
3.2.1 Critrios .............................................................................................................................70
CAPTULO 4 ANLISE DOS DADOS OBTIDOS...........................................................72
4.1 Tratamento dos corpora: informaes genricas .................................................................72
11
4.2 Dados obtidos: distribuio no quadro geral ........................................................................74
4.3 O corpus de lngua escrita: os textos jornalsticos e as regras da GT...................................76
4.3.1 Os casos de prclise...........................................................................................................77
4.3.2 Os casos de nclise ............................................................................................................82
4.3.3 O (nico) caso de mesclise ..............................................................................................85
4.3.4 Algumas concluses ..........................................................................................................86
4.4 O corpus de lngua falada: os inquritos do NURC segundo as prescries gramaticais ....87
4.4.1 Ocorrncias proclticas ......................................................................................................88
4.4.2 Ocorrncias enclticas........................................................................................................92
4.4.3 Resultados..........................................................................................................................94
4.5 Os dois corpora: resultados contrastveis? ..........................................................................95
4.5.1 Resultados: indicadores para o ensino...............................................................................97
CONCLUSO...........................................................................................................................99
REFERNCIAS .....................................................................................................................103
12
INTRODUO
A questo da colocao pronominal tem sido foco de ateno de vrios estudiosos, que
buscam compreend-la desde os seus usos mais antigos at os atuais, uma vez que os manuais
que disso tratam no apresentam uma postura categrica sobre o assunto, ao contrrio, as
alegaes so, por vezes, conflitantes. Qualquer consulente pode ter acesso s normas
estabelecidas pela Gramtica Tradicional (doravante GT) e permanecer em dvida quanto
colocao de um ou outro pronome em situaes diversas.
Nesse sentido, muitas dvidas surgem sobre como efetuar essa colocao, em que
momento priorizar a anteposio (A blindagem do veculo evitou que as balas o
atingissem., Folha de S. Paulo, 31/12/07) ou a posposio (Grenouille passa a assassinar
para roubar-lhes as emanaes., Veja, jan./2007) e, ainda, quando e como utilizar a
construo mesocltica (... por serem inteis, transformar-se-o numa total aceitao.,
Estado de Minas, 05/08/07). Perguntas referentes colocao encltica so to freqentes
quanto s que dizem respeito prclise. O critrio, fora reconhecer, diz respeito to-
somente hiptese da atrao vocabular, sobre o que se faz pertinente interrogar:
a) a atrao de partculas a causa que mais incute a colocao pr-verbal?
b) E quando no h termos atratores, a nclise a posio a dar destaque ou a prclise segue
como a preferncia corrente?
c) Em contextos propcios para a mesclise, ela a colocao que ocorre ou os usurios esto
dela se afastando? Se dela se afastam, que construo estar predominando em seu lugar?
d) Todas as vezes em que h palavras atratoras a prclise que de fato ocorre?
e) Na ausncia das expresses ditas atrativas, as posies usadas so a intra e a ps-verbal, ou
permanece a anteposio?
f) As trs formas de colocao previstas pela GT ocorrem tanto na escrita quanto na fala? Em
que nvel textual e com que freqncia isso acontece?
Para responder a essas e a outras questes, procedemos a uma pesquisa acerca da
colocao dos tonos em textos considerados cultos, do domnio jornalstico, e em inquritos
do Projeto NURC, que representa a fala culta da Lngua Portuguesa no Brasil.
J est provado que as regras contidas nos compndios gramaticais so incoerentes e
pautam-se em usos arcaicos, em textos literrios, que no podem servir como modelo para a
sociedade atual, como nos diz Rocha (2002):
13
Se a lngua literria se caracteriza pela ruptura, pela inovao e pela
rebeldia, conclui-se que ela no pode servir de modelo para a chamada lngua
padro, que essencialmente conservadora. [...] Tambm no faz sentido eleger a
lngua literria dos sculos anteriores como modelo da lngua padro atual, como
fazem as gramticas tradicionais. (p. 59-60).
Em razo disso, optamos por uma anlise em gneros nos quais acreditamos ser
possvel encontrar um formato adequado ao que corresponde a norma culta deste pas, escrita
e oral, na tentativa de contribuir para a caracterizao do que constitui o uso culto na
atualidade, em termos de colocao pronominal. Buscamos, ainda, fornecer subsdios para o
ensino de lngua, quanto a esse uso especfico, pois, se se faz necessrio possibilitar ao
discente o conhecimento das diversas manifestaes lingsticas, a fim de ampliar sua
competncia no trato com a Lngua Portuguesa, imprescindvel que isso se realize com base
em usos autnticos e atuais.
Queremos, com isso, contribuir com o ensino das duas modalidades de lngua, que,
comumente, diferem-se do linguajar dos alunos.
Sob esse prisma, adotamos, com Possenti (1996), sem qualquer dvida, o princpio
(quase evidente) de que o objetivo da escola ensinar o portugus padro, ou, talvez mais
exatamente, o de criar condies para que ele seja aprendido. Qualquer outra hiptese um
equvoco poltico e pedaggico. (p. 17).
Partindo do pressuposto de que nos corpora selecionados para esta pesquisa faz-se
possvel encontrar usos regulares e sistemticos daquele fato lingstico, objetivamos analisar
o comportamento dos tonos a fim de contribuir para a reviso, de uma forma geral, e para a
prtica docente, no que respeita ao ensino do que pode vir a constituir o padro escrito e
falado. Alm disso, investigamos se o que tem ocorrido na fala j se configura como uso, de
fato, na escrita culta, no que tange colocao dos pronomes tonos, e se isso ocorre
consoante os critrios tradicionais. Pretendemos verificar at que ponto os textos do domnio
jornalstico podem servir como base para o ensino de lngua padro escrita e o Projeto NURC
como ensino de fala culta.
Desse modo, este trabalho constitui-se, fundamentalmente, de uma anlise sincrnica
da colocao dos pronomes tonos em textos escritos e falados na linguagem culta,
considerando-se o que propem as gramticas tradicionais a esse respeito. Acreditamos que a
atrao vocabular, ainda que criticada por alguns autores, permanea como a motivao
14
lingstica para a preferncia procltica, em ambos os corpora pesquisados, que a posio
encltica esteja limitada aos usos da escrita, com pouca freqncia na lngua falada, e que a
mesclise apresenta tendncias extino. Hipotetizamos, tambm, que os usos escritos, mais
do que os orais, atestam maior concordncia com as regras da GT.
Assim, este trabalho organiza-se da seguinte forma:
No primeiro captulo, apresentamos o objeto deste estudo em seu contexto histrico e
gramatical, apontando as contradies e os problemas que a literatura sobre ele delata,
seguidos de um breve apanhado de algumas pesquisas realizadas no Brasil sobre o assunto,
com base no que tecemos alguns comentrios.
A seguir, no captulo dois, esboamos um pequeno resumo das teorias que circundam
este trabalho, ressumando conceitos e terminologias que direcionam nosso processo de
anlise. No terceiro captulo, descrevemos os passos desta pesquisa, caracterizando nossa
amostra, bem como os critrios por ns utilizados durante o levantamento dos dados.
O quarto captulo trata da anlise propriamente dita, em que testamos nossas hipteses
e fazemos as devidas comparaes e/ou os confrontos necessrios.
Por ltimo, apresentamos as ilaes s quais nossa anlise permitiu chegar, sobre toda
a pesquisa realizada, em uma parte a isso destinada.
15
CAPTULO 1 OS PRONOMES TONOS: OBJETO DESTE ESTUDO
Problema de lengua, problema de pasin. De veras, lo que excita a las gentes es el conflicto: el problema, a
unos pocos. Yo quisera ahora ponerme a discurrir sobre el tema separando con cuidado de los valores y
poderes afectados sus intereses tericos. El conflicto se vive, el problema se contempla. Ya la busca de las bases
autnticas del problema es de por s placer y recompensa suficiente, aun descontando la ventaja prctica que se
pueda derivar para nuestra actitud ante el conflicto.
(Amado Alonso)
1.1 Os oblquos tonos no quadro geral dos pronomes pessoais: localizao gramatical
Vistos como objeto ou complementos, os pronomes pessoais do caso oblquo tono
so assim situados pela GT:
QUADRO 1 Os pronomes tonos
Pessoas No singular No plural
1 me nos
2 te vos
3 se, lhe, o, a se, lhes, os, as
Alguns desses pronomes assumem formas distintas, de acordo com os verbos que
acompanham, a saber:
Os pronomes o, a, os, as:
associados a verbos terminados em -r,-s ou -z, e palavra eis = lo, la, los, las (formas
antigas em que caem aquelas consoantes).
Exemplo: Estimul-los a trabalhar (e pagar a eles por isso) uma medida correta. (Veja,
jan./07).
associados a verbos terminados em ditongo nasal (-am, -em, -o, -es) = no, na, nos,
nas
Exemplo: Repreendam-no caso o peguem no ato.
Esses pronomes so considerados formas prprias do objeto direto.
16
Os pronomes lhe, lhes = formas prprias do objeto indireto.
Exemplo: Este perodo lhe traz uma onda de relaxamento e tolerncia. (O Globo, 04/01/08).
Os pronomes me, te, nos e vos = podem empregar-se como objeto direto ou indireto.
Exemplo: Isso nos leva a um corpo mais pesado e sinuoso. (Criativa, jan./07).
Podem, ainda, todos esses pronomes, assumir posio de sujeito (como no caso do
infinitivo) e de reflexivos.
De um modo sinttico, podemos dizer que o emprego dos pronomes oblquos tonos,
no quadro geral dos pronomes pessoais, tratado, pois, como funo de objeto, em que esses
pronomes desempenham, ento, o papel de complemento. Todavia, ainda que parea claro e
definido esse papel dos tonos, muitos so os questionamentos e contradies que os cercam,
haja vista, conforme mencionado na introduo deste trabalho, a postura contraditria que as
GTs sobre eles expem. Postura essa que remete aos primeiros indcios de normalizao
desses pronomes, embutidos j em sua origem, conforme veremos a seguir o problema
histrico.
1.2 A histria da colocao: contextos e contradies
1.2.1 Como tudo comeou
A histria da colocao pronominal parece remontar a oito sculos, aproximadamente,
quando, no portugus antigo, foram observados traos de possveis regularidades, conforme
estudos realizados por Huber (1986) e Silva (1989), por exemplo. Analisaram esses autores
textos do portugus arcaico, o que resultou em compndios gramaticais. Nestes, se podem
encontrar documentos, poesia e prosa medievais em que a colocao pronominal, assim como
tantos outros itens, aparece em posies sistemticas, ao lado de suas variantes tambm
freqentes.
Baseando-se em textos produzidos em portugus a partir do incio do sculo XIII at o
fim do XV, Silva (1989) elenca uma srie de casos em que os pronomes aparecem
comumente em distribuies gramaticais no corpus analisado, apresentando uma descrio
organizada dos fatos lingsticos, o que ela considerou como resultado de vrias sincronias
17
(p. 44-5). Tudo isso forneceu elementos para uma tipologia dos textos escritos da poca.
(SILVA, 1989, p. 22).
Com um corpus representativo para uma gramtica do portugus arcaico, esta autora
considerou, ento, como especificidades desse tipo de gramtica, o seguinte:
Um fato histrico aceitvel para estabelecer sincronias na histria de uma
lngua, enquanto no se tenha estabelecido a cronologia relativa de fatos lingsticos
que possam ser indicadores dessas sincronias. o que ocorre com a lngua
portuguesa: a cronologia relativa dos fenmenos lingsticos est por ser feita. Nas
gramticas histricas apenas se encontram informaes dispersas e determinadas
assistematicamente de datao de certos fenmenos lingsticos. (SILVA, 1989, p.
37-8).
Sobre o material que coletou, Silva declara que essa documentao escrita tambm
anterior a uma normativizao, o que conduz diversidade no s ortogrfica como
gramatical, j que, na ausncia de normas de uso explcitas, o que havia, ento, eram
apenas diretrizes que conduziam a execuo da escrita e das cpias dos textos manuscritos,
quer traduzidos, quer originariamente portugueses. Assim, quando falamos na construo
de uma gramtica do portugus arcaico, entendemos por isso a depreenso, a partir da
documentao disponvel, das regras que governam a organizao dos enunciados
documentados. E essa organizao se refere, inclusive, colocao pronominal na escrita
dos sculos XIII a XV, sobre o que a autora afirma que se est trabalhando com
documentao escrita, em uma fase histrica em que no havia [sequer] normas ortogrficas
gerais e obrigatrias. (SILVA, 1989, p. 41-2, 47).
No quadro dos pronomes pessoais, Silva apontou as diversas formas da snclise
pronominal no corpus analisado, considerando as trs posies em que os tonos se
distribuem a propsito das mudanas fnicas. A partir da, listou os contextos e suas
respectivas regras, ratificando a regularidade do uso desses pronomes j no portugus antigo.
(SILVA, 1989, p. 213).
Huber (1986), que realizou um estudo similar ao de Silva (1989), assim constatou
acerca da snclise pronominal: Os pronomes-complemento tonos podem estar antes ou
depois do verbo do qual dependem, pois, para esse autor, tm como conseqncia serem
tonos, aparecem, portanto, imediatamente depois de uma palavra fortemente acentuada. A
18
sua relao com algo precedente f-los deslocar-se o mais possvel para o comeo da frase..
Conclui esse autor que a posio dos tonos, como regra geral, a encltica, para o antigo
sentimento da lngua. (HUBER, 1986, p. 177-8).
Do estudo do corpus antigo, esse autor deduziu vrios casos de colocao, expondo
diversos contextos em que cada caso se fazia comum, porm suas indicaes se referiam, por
vezes, apenas ao que se fazia freqente nos documentos, independentemente de porqus.
Citamos: No fcil explicar por que razo o pronome umas vezes se encontra depois do
sujeito, outras depois do predicado. Talvez se encoste palavra de acento mais forte.
(HUBER, 1986, p. 178). A, o autor j discutia alguns casos de contradio.
Ao apontar os contextos de colocao encontrados no corpus, Huber assim fazia
somente como uma descrio do que observara, sem nenhum tom prescritivo. Ou seja, ele no
formularizou regras, apenas exibiu o comportamento dos tonos nos textos por ele analisados.
Segundo Lobo, Lucchesi e Mota (1991) que nos permitem uma leitura de Huber
(1986) e Silva (1989) , a norma observada em textos do portugus antigo coincide em
grande parte com a norma contida nas gramticas, [contudo] perceber-se- na primeira uma
maior flexibilidade na colocao pronominal. (p. 155). Isso porque, diferentemente do que
ocorreu no portugus de Portugal, em que normalmente o pronome viria posposto ao termo ao
qual se ligava, por dele fazer parte, no Brasil, o pronome tornou-se cada vez mais semitnico,
no decorrer dos anos, deslocando-se, assim, para antes do verbo. (LOBO, LUCCHESI e
MOTA, 1991).
Sobre a evoluo do portugus, assim se manifesta Cunha (1976, p. 67): Era ainda no
sculo XVI uma lngua de homens assentados, na frase pitoresca de Ferno de Oliveira;
hoje, na elocuo europia, uma lngua acelerada, pelo obscurecimento das vogais pretnicas
e postnicas.
Isso fez com que
esse enfraquecimento das vogais em distribuio no-acentuada [fosse], ento, o
principal fator para a fixao, no portugus europeu, do modelo de colocao
pronominal contido nas gramticas, [j que], em Portugal, a pronncia tende a
incorporar os pronomes oblquos ento, realmente tonos ao verbo, deles
fazendo uma espcie de sufixos numa palavra morficamente complexa. A
partcula pronominal tona encltica , ento, por assim dizer, um sufixo a mais, ao
lado de sufixos temporais e modais, cuja insignificncia fontica no perturba seu
alto valor semntico.. (LOBO, LUCCHESI e MOTA, 1991, p. 155).
19
Explicam estes autores que no Brasil a situao foi inversa, pois, ao invs de ter
ocorrido o enfraquecimento das vogais no-acentuadas, houve na pronncia brasileira o seu
fortalecimento.. Logo, aqui, os tonos converteram-se, por assim dizer, em partculas
semitnicas, e no realmente tonas. Fato que fez com que os pronomes fossem
deslocados para antes do verbo, pela tendncia, na pronncia brasileira, de intensificao da
primeira consoante do vocbulo fontico, que nele funciona como um corte na cadeia da
fala.. (LOBO, LUCCHESI e MOTA, 1991, p. 155-6).
Como se pode notar, algumas tendncias de colocao foram, de fato, encontradas
em corpora antigos, mas isso precisava ser melhor estruturado, porque os textos no paravam
de ser produzidos e sobre sua organizao muitas dvidas iam surgindo, das quais a questo
da colocao pronominal no pde escapar.
Em Figueiredo (1917), tudo comeou por causa de um soneto. Mais especificamente,
devido a um verso: Um soneto pediste-me, criana. Pequena e aparentemente modesta esta
frase, tanto por sua estrutura como por seu contedo, serviu de motivao para uma das
primeiras sistematizaes das regras de colocao pronominal, formuladas por esse autor.
Conforme Figueiredo, em 1899, aproximadamente, algum que sempre lhe consultava sobre o
funcionamento da linguagem solicitou sua opinio acerca de alguns versos, inclusive esse,
para o que o consultado emitiu o seguinte parecer: Tal verso no estava construdo
portuguesmente, e que em portugus se deve dizer um soneto me pediste, ou pediste-me um
soneto. (FIGUEIREDO, 1917, p. 15). Ou seja, Figueiredo privilegiou, na primeira opo, a
posio procltica em relao ao sujeito nominal expresso e antecedido por um pronome, e, na
segunda, a posio encltica em incio de orao, mesmo sem saber por qu.
Declara Figueiredo que nas Gramticas nada se encontrava a respeito, o que lhe
permitiu formular suas prprias regras, baseadas todas elas em escritos portugueses. Ao que
tudo indica, a inteno do autor era regularizar a snclise pronominal no Brasil, assim como
corrigir alguns erros no escrito portugus. Diz ele: Evidentemente, o assunto interessa
especialmente ao Brasil; mas no se suponha que Portugal est isento de incorrees sobre a
colocao de pronomes. (FIGUEIREDO, 1917, p. 17).
Ainda que vejamos o trabalho desse autor como formulao de regras para a snclise
pronominal, no bem assim que ele prprio o define, a saber:
No formulando propriamente regras sobre a matria, mas consignando os
fatos, de que os gramticos, para doutrinamento dos estudiosos, facilmente
20
deduziro o que regra, o que exceo ou anormalidade, e o que indiferente ou
facultativo, distribuirei o trabalho documental em vrios captulos, consoante a vria
categoria de vocbulos, locues e circunstncias, que influem na colocao de
pronomes pessoais. (FIGUEIREDO, 1917, p. 135).
Para tanto, o autor analisou exemplos de entre os mais afamados escritores
brasileiros, os modernos escritores portugueses e os mestres antigos. Entre os sculos
XV e XVIII, foi considerado um total de quatorze obras, sendo uma de cada autor, as quais
Figueiredo pesquisou registrando todas as passagens em que, por influncia de determinados
vocbulos, locues ou circunstncias, h prclise ou nclise de pronomes atnicos.
(FIGUEIREDO, 1917, p. 133-4).
Como palavras atrativas, Figueiredo considerou: os adjetivos, as proposies
negativas, os pronomes entre si, os advrbios, as conjunes, as preposies, o predicado
composto e demais complementos (circunstanciais). Alm dessas, registrou como hipteses
diversas da atrao que faz a colocao procltica e/ou encltica a influncia da distncia na
interrupo da atrao, a atrao por natureza (especial), a entonao e a pausa, a inverso dos
pronomes pessoais e a eufonia.
Segundo o autor, a pouca discusso que havia sobre a colocao pronominal at
aquele momento no condizia com a escrita corrente dos mestres antigos e modernos, o que
justifica a anlise por ele realizada: Portanto, o processo definitivo, e talvez nico, para a
soluo do problema, est na exibio e apreciao de fatos regulares e irregulares da lngua
portuguesa. (FIGUEIREDO, 1917, p. 133). Sobre isso afirma:
Pareceu-me que uma dzia de escritores primaciais, antigos e modernos,
portugueses e brasileiros, observados minuciosamente na maneira que usaram
normalmente e anormalmente quanto disposio dos pronomes pessoais objectivos
e terminativos, nos ter indicado, sem controvrsia possvel, o que, a tal respeito, e
em portugus de lei, positivo e seguro, o que duvidoso ou incerto, e o que
facultativo. (FIGUEIREDO, 1917, p. 133).
O autor denunciou, em sua obra, a ausncia de exatido nos manuais escolares da
poca quanto a diversos fatos da lngua, inclusive os pronomes. Algumas vezes, questo de
nomenclatura, outras, classificao, enfim, tarefa difcil era a de situar-se em meio desta
21
babel. Ironicamente, Figueiredo delata a falta de univocidade entre diversos gramticos
contemporneos seus:
... que a classificao das palavras, locues e complementos, tal como
ela se consigna nas Gramticas escolares, em vez de rigoroso e demonstrado
fundamento filolgico, tem geralmente por base o arbtrio, um determinado uso,
uma praxe, seguindo cada Gramtica processos que divergem dos seguidos por
outras. (FIGUEIREDO, 1917, p. 130).
Aponta, assim, Figueiredo, desacordos entre os textos dos escritores que tornavam
complexa uma possvel preciso do comportamento de vrios aspectos da lngua, nesse caso,
da colocao pronominal, para o que sugere: O mais simples, e talvez o mais conveniente,
sobretudo nas escolas primrias, seria tornar a terminologia do vocabulrio portugus a menos
numerosa possvel. (FIGUEIREDO, 1917, p. 131). De fato, as inmeras e diversas
classificaes, terminologias, dificultam o entendimento e at mesmo uma melhor
formalizao daquilo que realmente efetivo na lngua. Acerca de sua posio, esclarece o
autor:
Mas eu no venho reformar as escolas e o ensino; e, para que melhor se
entendam as relaes, que eu registro, entre os pronomes e as outras categorias de
palavras, procurarei seguir, sem discusso, a mais generalizada nomenclatura
gramatical, acostando-me preferentemente Nova Gramtica Portuguesa de A. A.
Corteso (7. ed., 1907). (FIGUEIREDO, 1917, p. 131).
Apreciado por muitos, Figueiredo no pde deixar de replicar as inmeras crticas a
ele feitas pelo ento professor e jornalista, Sr. Paulino de Brito, que contra as regras de
colocao pronominal estabelecidas pelo autor muito contestou. Brito via essas regras como
uma luva lanada aos publicistas brasileiros, e relutava em aceit-las, alegando ser as
mesmas contrrias ao que de fato ocorria no Brasil. Alm disso, criticava tambm os autores
analisados por Figueiredo, aludindo, inclusive, ausncia de Gonalves Dias em seus estudos,
22
o que, para Brito, era uma contraveno. Mas segundo Figueiredo, essa acusao assim
como as demais no se mostrava verdadeira, uma vez que:
As regras, que eu aventurei, e algumas das quais foram reforadas pelo
prestigioso gramtico Joo Ribeiro, basearam-se exatamente, no s na maneira, de
que em Portugal usaram e usam os mestres incontestados, representantes da ldima
linguagem nacional, seno tambm na maneira, de que usam os bons escritores
brasileiros, incluindo o citado Gonalves Dias. (FIGUEIREDO, 1917, p. 23).
Como prova disso, Figueiredo listou, no decorrer de seu livro, os exemplos de que se
valeu para suas formulaes, acompanhados de seus respectivos autores e obras, portugueses
e brasileiros, evidenciando que em sua grande maioria esses autores observavam as regras de
colocao que ele j defendia.
Tais regras diziam respeito, inclusive, atrao vocabular, assim como inteno e
entonao, sendo estas duas ltimas consideradas, por diversas vezes, como exceo
primeira. Isso pode explicar, por exemplo, a posposio do pronome ao verbo na presena de
alguma palavra atrativa. Elucida o autor:
O que capital e meu principal escopo mostrar que, de acordo com os
fatos incontestveis da lngua portuguesa, h vrias categorias de palavras e
locues, que arrastam necessariamente consigo os pronomes pessoais objetivos e
terminativos; como h outras, que normalmente os atraem, embora anormalmente se
afastem deles com interposio do predicado; havendo outras ainda, as quais, mais
ou menos indiferentemente, atraem ou no atraem os referidos pronomes.
(FIGUEIREDO, 1917, p. 129-130).
Almejava Figueiredo que fossem observadas apenas as formas, mantidas pelos
mestres contemporneos, baseadas na histria da lngua, na fatal e indispensvel evoluo da
linguagem, e nos ditames inconcussos da cincia filolgica. (FIGUEIREDO, 1917, p. 72).
Defendendo-se assim, o autor conseguiu desfazer os questionamentos suscitados por
Brito, e ponderou:
23
Eu no sei se isto dizer tudo com a clareza e o rigor que so de desejar.
Estou desbravando terreno inculto, onde no achei antecessores, que me orientassem
e me auxiliassem; e, alm de que certamente ainda no observei nem ponderei tudo,
possvel que o alvio do arroteador no descubra todas as razes do escalracho que
mina o terreno.
Figura-se-me todavia que no trabalho inutilmente, porque os que vo
passando pela estrada batida e clara, e disponham de brao mais robusto, nimo mais
persistente, e esprito mais alumiado, talvez sintam a tentao de me ir no encalo, e
talvez consigam levar ao campo das demonstraes filolgicas as observaes e os
conceitos que eu vou formulando timidamente, sem desmedida f no xito evidente
das minhas modestas convices. (FIGUEIREDO, 1917, p. 66-7).
E aqui estamos, a aceitar o desafio, indo no encalo de Figueiredo (1917) para tentar
demonstrar o que tem sido observado na escrita e na fala formais do sculo XXI.
1.2.2 As sintaxes que se seguiram
Gis (1940) tambm destacou o difcil manejo com os pronomes tonos, na nossa
lngua, em termos de colocao, considerando-a como instvel, mas com uma topologia
[que] obedece a fatores de fcil percepo: a atrao, a distncia, a pausa (ou parada), a
eufonia, a eustomia, a clareza. Para o autor, essa liberdade de colocao produz alternativas
topolgicas que tornam a frase menos rgida, isto , mais plstica e malevel. (GIS, 1940,
p. 94).
Em termos de atrao, segundo Gis (1940, p. 99), o advrbio a palavra que mais
atrai o pronome pessoal oblquo tono, de tal modo que, mesmo vindo aps o verbo,
arrastar consigo o pronome, que dever, ento, pospor-se ao verbo.
Defensor da posio encltica como regra geral em portugus, o autor diz ser a
anteposio a mais enftica das formas sinclticas, fato pelo qual seu uso no deve ser mal
empregado, tampouco excessivo, j que, conforme o autor, ela constitui exceo em
portugus. Tanto que, se facultativa for a snclise pronominal, a nclise que, via de regra,
dever prevalecer, na viso do autor. (GIS, 1940, p. 106).
Sob uma perspectiva sintica, podemos dizer que esse autor estabelece, para o
sinclitismo pronominal, um total de quinze casos de prclise, quinze de nclise e seis de
mesclise sem considerarmos as demais notas e observaes , e um total de cinco
colocaes facultativas. Vejam-se a seguir:
24
A) Casos de prclise diante de:
Palavra negativa
Advrbio anteposto ao verbo
Conjuno de 2 classe
Pronome relativo
Gerndio regido de em
Tudo, todo(s), toda(s)
Isto, isso, aquilo, este, esse, aquele
Verbo proparoxtono
Orao optativa
Sujeito no determinado por artigo
Verbo intercalado
Verbo essencialmente pronominal, com sujeito claro
Verbo no infinito pessoal
Verbo no futuro do indicativo com sujeito claro
Verbo no condicional imperfeito com sujeito claro
B) Casos de nclise diante de:
Perodo iniciado por verbo
Verbo no gerndio no regido de em
Verbo no imperativo afirmativo com sujeito oculto
Verbo no infinito impessoal regido da preposio a
Advrbio depois do verbo
Pausa depois do advrbio
Pronome complemento pleonstico
Locuo verbal infinitiva seguida de pronome, compl. do infinito
Oraes interrogativas com o verbo no infinito impessoal
Infinito impessoal determinado pelo artigo
Advrbio eis
Verbo no infinito impessoal, regido do auxiliar haver, seguido da preposio de
Verbo no infinito impessoal apassivado pelo se, regido de outro verbo no modo finito
Verbo no infinito impessoal em funo subjetiva a um verbo unipessoal
25
Verbo isolado entre parnteses
C) Casos facultativos de nclise/prclise diante de:
Conjuno de 1 classe (aditiva, alternativa, adversativa, continuativa, conclusiva)
Infinito impessoal regido de qualquer preposio (exceto a)
Verbo essencialmente pronominal com pronome-sujeito oculto
Ausncia de qualquer fator determinante da prclise
Ausncia de qualquer fator determinante da nclise
D) Casos de mesclise diante de:
Futuro do indicativo
Modo condicional
No meio do tempo composto (Havia-me chamado)
Entre um verbo no modo finito e outro no modo infinito, quando o pronome for sujeito
do segundo
Entre verbo no modo finito e o particpio presente
Entre dois verbos distintos com regncia diferente, quando o pronome for objeto
indireto do primeiro
Para embasar suas prescries, o autor em questo vale-se de documentos clssicos.
Documentos esses colhidos de textos escritos por autores portugueses, especialmente
literrios.
Aps uma quantidade numerosa de notas adicionais acerca do assunto, Gis (1940)
apresenta vinte exerccios, todos baseados em excertos literrios e at mesmo em poemas
inteiros.
Em 1959, Dria analisou obras de dez escritores, compreendidas entre os sculos XV
e XX, estendendo assim tanto o perodo selecionado anteriormente por Figueiredo (1917)
como a quantidade de ocorrncias de colocaes pronominais atnicas encontradas, ainda
que, em sua grande maioria, Dria tenha considerado os mesmos escritores estudados por
Figueiredo.
De acordo com esse autor, diferentemente do que muitos j haviam postulado como
o fez Gis, em 1940, que acabamos de ler , a posio predominante do pronome no a
nclise, mas sim a prclise, determinada pela eufonia e pela a nfase e no pela atrao
26
(como constatou FIGUEIREDO, 1917): O que est na ndole da lngua portuguesa a
eufonia por princpio inspirador na colocao de pronomes. por eufonia que o pronome
tono precede sempre o verbo.... (DRIA, 1959, p. 425). Nesse sentido, o autor critica a
hiptese da atrao vocabular, pois, para ele, o que inspira em geral a colocao de
pronomes a eufonia e a nfase, e no o imaginrio poder magntico de umas palavras sobre
as outras.. (DRIA, 1959, p. 349).
Ao final de seu estudo, Dria definiu doze constantes de colocao: trs de prclise,
trs de nclise, quatro facultativas, entre prclise e nclise, e duas especficas, sendo uma
preferncia de prclise e outra de mesclise em tempo futuro. Ei-las, pois:
A) Constantes
De prclise:
1. Diante dos verbos em modo finito
2. Com gerndio precedido da preposio em, de negativa, ou em locuo
3. Ao infinito de que o pronome tono seja sujeito (E com um punhal a cada um
nos peitos os fez jurar...)
De nclise:
1. Em incio de orao
2. Verbo no gerndio no precedido da preposio em, de negativa, ou em
locuo
3. Na abertura de proposio no precedida de conjuno coordenada, no
intercalada como explicativa em outra proposio, ou sem sujeito idntico ao
da orao anterior
B) Indiferena: prclise ou nclise
1. Verbo no infinito regido de preposio
2. Verbo da orao principal imediatamente precedido de orao subordinada
3. Verbo que abra proposio, se precedido de conjuno coordenada, ou quando
intercalada como explicativa em outra preposio, ou com sujeito idntico ao da
orao anterior
4. Nas locues do verbo ser, sem regncia preposicional, complemento do verbo
regente
C) Eufonia ou nfase:
27
Prclise ao verbo no imperativo, ou no indicativo, presente, ou pretrito, sem
negativa (clssicos modernos X clssicos antigos = nclise)
Mesclise no futuro indicativo ou condicional
Pode-se dizer que Dria defendia o critrio da freqncia, digamos assim, porque
acreditava ser esse aquilo que poderia tornar norma determinado fato lingstico, do mesmo
modo que o carter eufnico e o enftico determinam, para esse autor, a preferncia por um
uso especfico, em detrimento de outro:
o que cumpre em qualquer fato da lngua, como a colocao dos
pronomes. Quando os fatos se repetirem na mesma cadncia, a lei gramatical o que
houver entre eles de comum. Quando, por no se harmonizarem, forem os fatos
passveis de generalizaes divergentes, o jeito, o tino, o bom gosto, se no bastar o
senso comum, est na preferncia das formas predominantes em clareza e beleza.
(DRIA, 1959, p. 9).
Logo, de acordo com esse autor, se no for por razes freqentes que determinada
forma predomine na lngua, ser por algo que soe bem aos ouvidos.
J para Ali (1996, p. 33), os pronomes tonos so regimens que se acostam
diretamente ao verbo, por isso, ele os considera pospositivos, j que se encostam ao
verbo, ou a outro vocbulo anterior, e declara:
Posposto ao verbo, o pronome tono ocupa lugar que na construo usual
compete aos complementos, singularizando-se apenas por vir foneticamente unido
ao verbo e a ele subordinado. Consideraremos portanto esta como a colocao
normal. Antecipando-se porm ao termo regente, por solicitao de outro vocbulo,
a que se submete e liga, haver o que eu chamarei uma deslocao, uma atrao
puramente fontica. (ALI, 1996, p. 33).
O autor critica a forma como a atrao dos pronomes vista comumente. Para ele,
trata-se de uma metfora, porque em todo o vocbulo da lngua no existe uma nica palavra
dotada de fora imanente que determine a aproximao de outras palavras.. Ele contra,
28
inclusive, a atrao dos pronomes pessoais em relao aos tonos, e, alegando que no na
categoria gramatical que a atrao consiste, defende a atrao fontica. (ALI, 1996, p. 34,
36).
Justificando sua postura quanto ao deslocamento do pronome por fora da pronncia,
Ali apresenta diversos motivos, entre os quais a questo da necessidade. Ao que tudo indica,
na viso desse gramtico, o pronome no se desloca porque atrado, mas sim, porque se faz
necessria a sua aproximao a outro termo a fim de que lhe seja valorizada a pronncia:
Condio imprescindvel para que o pronome possa encostar-se a um termo
anterior ao verbo constituir a frase um todo foneticamente unido, que no permita
pausa entre o vocbulo a valorizar e o verbo, salvo aquela que naturalmente
determinada pela intromisso de expresses mais ou menos longas. (ALI, 1996, p.
36).
Assevera o autor, ainda, que, se a pronncia do falar lusitano difere-se da nossa
pronncia brasileira, no se faz possvel, ento, haver entre ns identidade de colocao.
Portanto as regras devem ser tambm distintas, para uma e outra linguagem: Em Portugal
fala-se mais depressa, a ligao das palavras fato muito comum; no Brasil pronuncia-se mais
pausada e mais claramente. Em suma, a fontica brasileira em geral diversa da fontica
lusitana. (ALI, 1996, p. 56-7).
Sobre isso acrescenta Ali (1996, p. 58) que o fato de a colocao brasileira ser distinta
da portuguesa no a torna errnea, a menos que os gramticos insistam em assim
considerar, desconsiderando e temendo o processo de mutabilidade por que passa o
idioma. Cita, para isso, o fillogo Sayce, que defende o costume como o nico critrio de
correo da linguagem, que pode determinar o que certo e errado.
Tece o autor diversos comentrios acerca das formas como as colocaes tm sido
efetuadas, chegando a alcunhar uma delas de orgia de colocao, quando se trata do caso do
infinitivo. Baseando-se em vrias obras literrias por ele analisadas, conclui, a respeito da
nclise e da prclise, que ocorrem profusa e promiscuamente os dois modos de construir.
Alm disso, pontua a liberdade, digamos assim, da anteposio e/ou da posposio como uma
situao que carece de ser resolvida, no por imposies apenas, mas por anlises cuidadosas
dos fatos. Diz o autor:
29
Tais dvidas nunca foram satisfatoriamente resolvidas, graas facilidade com que
certa regra cmoda, sem dvida, mas no derivada da observao escrupulosa dos
fatos, conseguiu impor-se e dominar no esprito de gramticos pouco dados a
investigaes. (ALI, 1996, p. 62).
Estaremos, aqui, pois, isso a investigar!
1.2.3 Um pouco das contradies e dos problemas de ontem e hoje
Quando o processo de formalizao das regras para a snclise pronominal foi iniciado
por Figueiredo, ele fez questo de expor sua considerao pelos escritores brasileiros.
Entretanto, no h dvidas de que tais regras, de um modo geral, foram fixadas com base no
uso da lngua de Portugal, o que nos permite, aqui, uma crtica, pois que, como tambm j se
sabe, h claras diferenas entre a lngua de Portugal e a do Brasil, em diversos aspectos,
inclusive no caso da colocao pronominal. Vejamos isso nas palavras de Cunha (1975):
A colocao dos pronomes tonos no Brasil difere apreciavelmente da atual
colocao portuguesa e encontra, em alguns casos, similar na lngua medieval e
clssica.
Em Portugal, esses pronomes se tornaram extremamente tonos, em virtude
do relaxamento e ensurdecimento de sua vogal. J no Brasil, embora os chamemos
de tonos, so eles, em verdade, semitnicos. E essa maior nitidez de pronncia,
aliada a particularidades de entoao e a outros fatores (de ordem lgica,
psicolgica, esttica, histrica, etc.), possibilita-lhes uma grande variabilidade de
posio na frase, que contrasta com a colocao mais rgida que tm no portugus
europeu. (CUNHA, 1975, p. 312).
Assim como Cunha (1975), Bechara (2001) e Ali (1927, apud BECHARA, 2001),
Lima (2003b), Cegalla (2002) e Andr (1990), entre outros, tambm defendem a existncia de
dessemelhanas entre o portugus de Portugal e o portugus do Brasil. Embora conscientes
30
desse fato, esses mesmos autores mantm, em suas obras, inmeras prescries acerca da
colocao pronominal estabelecidas ainda por Figueiredo, em 19091.
No h dvidas de que ocorreram modificaes, das quais parece o incio datar de
1959, quando Dria efetuou o mesmo estudo que Figueiredo realizou em 1909, chegando,
porm, a concluses diferentes, conforme verificamos no item anterior. Todavia, ainda que
essas diferenas, alm de se referirem ao estabelecimento da posio considerada normal,
apontaram um novo fator que poderia influenciar a preferncia procltica a eufonia , muitas
das prescries atuais ainda se valem do critrio da atrao para o posicionamento dos tonos.
Natural seria que, a partir de Dria (1959), no somente a natureza sinttica, como
tambm o carter fontico-psicolgico passasse a determinar as posies dos pronomes tonos
nas Gramticas, uma vez que esse autor explicitou os motivos de sua discordncia
concernente s palavras que Figueiredo, em 1909, classificou como atrativas. Pretendia Dria
justificar possveis ocorrncias proclticas na ausncia de palavras consideradas atratoras, ao
invs das enclticas que Figueiredo defendia. Assim alegou esse autor:
Ora, se a prclise fosse conseqncia de atrao, onde no houvesse atrao,
no haveria prclise. Mas, se ausentes as palavras que atraem, ainda se verifica a
prclise, fora concluir que nenhuma relao de causalidade h entre a prclise e
palavras que se dizem atrativas. (DRIA, 1959, p. 15).
Mas no foi isso que ocorreu. Em vez de tomarem partido, digamos assim, os
gramticos insistiram, cada qual, em conservar um carter ou outro em suas inmeras
prescries, fazendo permanecer a histrica contradio da colocao pronominal.
Em um aspecto somente podemos dizer que os gramticos so unnimes: na censura
contra a colocao desses pronomes em incio de perodo, conforme a Lei Tobler-Mussafia2
que foi, conseqentemente, apregoada por Figueiredo. Sobre essa colocao, declara
Nascentes (1960):
1 Data referente primeira edio do livro O problema da colocao de pronomes, utilizado por ns, no decorrer deste trabalho, em sua terceira edio, datada de 1917. 2 Lei Tobler-Mussafia: generalizao proposta em 1875 por Alfred Tobler ao observar que as lnguas neo-latinas medievais no apresentam elementos tonos em incio da frase, em que a nclise se faz obrigatria. Probe, ento, um pronome cltico de aparecer em posio inicial de frase j que um elemento sem acento prprio no deve ocupar a primeira posio absoluta da sentena. (SOUSA, 2004, p. 26 e GALVES e ABAURRE, 1996).
31
Neste particular, a lngua falada se divorcia da escrita, pois, ao passo que na
fala a forma oblqua vem constantemente em primeiro lugar, os escritores, com
exceo de um ou outro, mais jovem e desassombrado que os demais, evitam com o
maior cuidado esta colocao. (p. 152).
Segundo ele, no h colocaes erradas, exceto as que raiarem pelo absurdo. H
colocaes elegantes ou deselegantes, conforme o critrio de cada um. Critica, ainda, o
autor, a falta de acordos, por assim dizer, entre os que do assunto tratam: Livros h e
numerosos, a respeito do assunto; suas inumerveis regras apresentam apenas um resultado
prtico: estabelecer a confuso na mente do leitor. (NASCENTES, 1960, p. 152-3).
Todos os autores condenam, pois, a anteposio do pronome ao verbo em incio de
perodo, como em: me desculpe... ento voc tem... voc tem pacincia (NURC/SA, D2,
INQ. 98), afirmando ser a nclise a posio indicada para esse caso: bom... parece-me que o
nome genrico de macacos ... naturalmente de uma expresso... vulgar pra abranger todos
aqueles que tm algumas semelhanas... (NURC/RJ, D2, INQ. 374).
Para os gramticos que consideram a hiptese da atrao vocabular como um
fenmeno fontico-sinttico, a preferncia pela posio procltica atende a necessidades
tambm eufnicas e enfticas e no apenas sintticas. Bechara (2001) quem declara:
Durante muito tempo viu-se o problema apenas pelo aspecto sinttico,
criando-se a falsa teoria da atrao vocabular do no, do qu, de certas conjunes
e tantos outros vocbulos. Graas a notveis pesquisadores, e principalmente a Said
Ali, passou-se a considerar o assunto pelo aspecto fontico-sinttico. Abriram-se
com isso os horizontes, estudou-se a questo dos vocbulos tonos e tnicos, e
chegou-se concluso de que muitas das regras estabelecidas pelos puristas ou
estavam erradas, ou se aplicavam em especial ateno ao falar lusitano. A
Gramtica, alicerada na tradio literria, ainda no se disps a fazer concesses a
algumas tendncias do falar de brasileiros cultos, e no leva em conta as
possibilidades estilsticas que os escritores conseguem extrair da colocao de
pronomes tonos... o problema questo pessoal de escolha, atendendo-se s
exigncias da eufonia. (BECHARA, 2001, p. 587).
32
Note-se que o autor, alm de enfatizar a questo eufnica, tambm critica a Gramtica
Tradicional por se fundamentar na tradio literria, aparentando, com isso, tender a uma
considerao do falar culto brasileiro, pelo que anuncia, acerca de sua obra: Daremos aqui
apenas aquelas normas que, sem exagero, so observadas na linguagem escrita e falada das
pessoas cultas. (p. 587). Resta-nos saber se essas normas so, a um s tempo, realmente
comuns fala e escrita cultas.
De maneira um tanto mais ousada, por assim dizer, ressalta Nascentes (1960, p. 152)
que as formas oblquas dos pronomes pessoais colocam-se onde o escritor quiser, antes ou
depois do verbo, [uma vez que] em todas as lnguas essas formas apresentam colocao
natural, de acordo com o gnio das mesmas lnguas..
Ainda nessa mesma vertente, Dria (1959), valendo-se, inclusive, de exemplos
portugueses, conclui:
Coloca-se o pronome antes do verbo regente, depois do verbo regido, ou
entre um e o outro, conforme soe melhor, questo de eufonia, que afinal a suprema
inspiradora na colocao de pronomes, [pois] fora da eufonia, tudo arbtrio hostil
clareza e beleza do idioma. (p. 103 e 425).
Conforme a maioria dos autores pesquisados3 com exceo de Lima, que nada
menciona acerca da mesclise , a colocao dos pronomes tonos possui trs formas de
apresentao:
1. a procltica: ... eu gosto muito de moda... gosto de acompanhar moda... mesmo que eu
no a siga... (NURC/RJ, DID, INQ. 317),
2. a encltica: ... ento ns tnhamos MUIto mais dificuldade... porque no tinha MUito
meio de comunicao como o estudante tem hoje... ento a cultura da gente geral era/
tornava-se muito mais difcil (NURC/SA, DID, INQ. 231),
3. e a mesocltica: ... com o tempo, por serem inteis, transformar-se-o numa total
aceitao. (Estado de Minas, 05 de agosto de 2007).
Para a posio procltica, os gramticos em questo estabelecem, como Figueiredo
(1917) e Dria (1959), um grupo de palavras que devem fazer com que o pronome seja
3 So eles: Ali, Almeida, Andr, Bechara, Cegalla, Cunha, Cunha & Cintra, Dria, Figueiredo, Gis, Lima e Nascentes.
33
atrado. Entretanto, ressaltam que os termos atrativos apenas exercem tal funo em casos em
que no haja pausa entre eles e o verbo, pois que, se assim o for, dever ocorrer a nclise.
Importa questionar aqui os exemplos utilizados por esses gramticos, quando da
prescrio da regra. Segundo Lima (2003a, p. 450), quando o sujeito substantivo ou
pronome (que no seja de significao negativa) vier antes do verbo, assim nas oraes
afirmativas como nas interrogativas, dever ocorrer a nclise. Mas, duas pginas depois, o
autor prescreve (na letra e) a obrigatoriedade da prclise com advrbios e pronomes
indefinidos, sem pausa, o que permite a dvida, em frases como: Naquele exato momento,
algum (se?) aproximava (-se?) de nossa casa. Ora, sabe-se que o termo algum, exposto
acima como sujeito, classificado como pronome indefinido e no possui significao
negativa. Situao similar poderamos encontrar em: Durante a semana, ele (se) aproximou (-
se) do resultado, em que o pronome ele dentre muitos outros , classificado pela GT como
pessoal reto, tambm no possui significao negativa.
E ainda temos Gis (1940) que prescreve a prclise na presena desses pronomes, ao
contrrio de Lima (1992a) que dita a posposio na presena de sujeito pronominal ou
expresso por um substantivo antes do verbo.
Diante de tantas contradies e complicaes, natural que surjam incertezas por parte
dos consulentes desses gramticos. Obviamente, se se tomarem esses autores como referncia,
no ser possvel definir uma regra precisa, da, talvez, o motivo de uma explicao de Lima
(2003b) logo abaixo da regra: Motivos particulares de eufonia ou de nfase podem concorrer
para a deslocao do pronome. (p. 450), o que contribui para uma maior insegurana, por
assim dizer, do usurio da lngua.
Na seqncia, h um outro tipo de exemplo de Ea de Queirs4 , em que o autor:
cumpre reconhecer, com Said Ali, que no h linha de demarcao rigorosa entre o
termo comum e termo enftico. A noo predominante pode atribuir-se s vezes
tanto ao sujeito como ao predicado ou algum complemento verbal. A colocao do
pronome tono depende, em tais casos, to-somente da inteno e maneira de sentir
da pessoa que fala. (LIMA, 2003a, p. 451).
4 _ Ah! o Melo conhece-os? exclamou Pedro. _ Sim, meu Pedro, o Melo os conhece.
34
Agindo assim, o autor parece permitir o uso do pronome onde quer que seja. A
liberdade tamanha, tanto quanto as inmeras regras que contra ela o prprio autor prescreve
em outras passagens.
Observa-se, outrossim, nas pregaes de Cegalla (2002) acerca da posio procltica
diante de termos atrativos, uma das regras em que o autor pontua o rigor da prclise na
presena de certos advrbios (letra d, p. 494), mas no explicita quais deles no so tidos
como atrativos. O autor, inclusive, faz referncia s pginas em que trata dos advrbios, mas
l se podem encontrar praticamente todos eles: devemos inferir, ento, que o gramtico no
trabalha com todos os advrbios na seo a isso destinada? Estaria ele sugerindo uma busca,
por parte do usurio, em outras obras? No se sabe. Sabe-se, apenas, que a regra no est
clara, tampouco objetiva que o que procura, em termos prticos, qualquer escritor
competente.
Com efeito, merece realce a exposio de Cunha (1975, p. 306), no incio de sua
discusso acerca da colocao pronominal, em que o autor exibe:
Em relao ao verbo, o pronome tono pode estar:
a) encltico, isto , depois dele:
O mar atira-lhe a saliva amarga. (C. Alves, OC, 75.)
b) procltico, isto , antes dele:
O cu lhe atira o temporal de inverno... (C. Alves, OC, 75.)...
Note que o autor simplesmente lana duas posies distintas para o mesmo pronome
sem explicao alguma sobre o fato o que pode ser conferido da leitura completa sobre o
assunto em sua Gramtica. Seria o caso de se considerar a questo fontica e/ou usual dessa
posio? Atemo-nos a uma de suas consideraes finais:
Infelizmente, certos gramticos nossos, esquecidos de que esta
variabilidade posicional, em tudo legtima, representa uma inestimvel riqueza
idiomtica, preconizam, no particular, a obedincia cega s atuais normas
portuguesas, sendo mesmo inflexveis no exigirem o cumprimento de algumas delas,
que violentam duramente a realidade lingstica brasileira. (CUNHA, 1975, p. 312).
35
Mais um caso de liberdade. Ser?
Vlido pontuar, quanto posio encltica, que, mesmo que alguns dos autores
consultados afirmem ser a nclise a posio normal assim como o fez Figueiredo (1917) ,
para o que pregam, a todo o momento, a posposio ou a no posposio em relao aos
verbos, a maioria deles parece demonstrar preferncia pela posio procltica, como o faz
Bechara (2001), por exemplo, que, j na primeira regra de colocao em relao a um s
verbo em que prescreve a posposio quando do incio do perodo , observa:
Ainda que no vitoriosa na lngua exemplar, mormente na sua modalidade
escrita, este princpio , em nosso falar espontneo, desrespeitado, e, como diz Sousa
da Silveira, em alguns exemplos literrios, a prclise comunica expresso
encantadora suavidade e beleza. (BECHARA, 2001, p. 588).
Fato curioso a esse respeito a afirmao de Cegalla (2002) que, ao contrrio da
maioria dos outros gramticos em pauta, ressalta o carter eufnico e enftico da nclise e
no da prclise. Para isso, o autor destina um tpico intitulado nclise eufnica e enftica,
em que preceitua:
Em certos casos, a nclise justificada por exigncias da eufonia ou da
nfase... Era verdade que Dom Augustin excedera-se um pouco. (Viana Moog);
Acontecia s vezes que uma das guas xucras arrumava-lhe um coice. (Vivaldo
Coaraci). (CEGALLA, 2002, p. 498).
Para Dria (1959), em contraposio a Cegalla (2002), a posio encltica como opo
eufnica ou enftica refere-se aos clssicos antigos, visto que, na viso desse autor, a
tendncia dos clssicos modernos a posio procltica.
Todos os autores em discusso apresentam casos em que h liberdade para a
posposio e/ou anteposio do pronome tono em relao ao verbo, fato mais corrente em
locues verbais.
36
Para onze dos doze autores aqui considerados, h unanimidade em considerar a
colocao intraverbal com os tempos verbais futuro do presente e futuro do pretrito, desde
que no haja termos atrativos, o que por imposio exigiria a prclise.
Cegalla (2002) observa, inclusive, que:
A mesclise colocao exclusiva da lngua culta e da modalidade literria.
Na fala corrente, emprega-se a prclise: Eu lhe direi a verdade. Eles se arrependero
(ou vo se arrepender). Ela o chamaria de louco. Ao meio-dia, nos sentaramos
mesa. (p. 496).
Da leitura, como aqui fizemos, de alguns estudiosos que constituram a histria da
colocao, podemos perceber que as regras preconizadas pelos gramticos atuais (?) so
praticamente as mesmas formuladas h sculos atrs, conforme nos acrescenta a sntese
apresentada no item seguinte.
1.3 As regras de colocao pronominal em cinco gramticas selecionadas para esta
pesquisa
Como base para este trabalho, tomaremos apenas cinco das gramticas consultadas, a
fim de melhor estruturarmos nossa anlise. So elas as escritas por Cunha & Cintra (2001),
Bechara (2001), Lima (2003b), Cegalla (2005) e Almeida (1995). Vale lembrar que esta
anlise diz respeito to-somente s formas simples, isto , s colocaes com um s verbo,
conforme costumam mencionar as gramticas tradicionais. Logo, sero apontadas somente as
regras de colocao dessas formas, sem considerao das locues verbais e/ou das formas
compostas. Importa dizer que optamos por aquelas formas e no por estas, pelo fato de terem,
as ltimas, uma maior liberdade de uso, por assim dizer, respaldada pelas regras gramaticais.
Para quatro desses autores, h trs posies que o pronome tono assume em relao
ao verbo: a encltica, a procltica e a mesocltica. Apenas Lima no menciona a colocao
intraverbal.
Logo de incio, na seo que trata da colocao pronominal, Cegalla (2005), aps
listar as trs posies assumidas pelos tonos, expe diversos contextos de prclise, alguns de
37
mesclise e outros de nclise, justificando nossa preferncia procltica devido pronncia do
Brasil.
Para a posio procltica, a obrigatoriedade d-se diante de palavras que atraem o
pronome, citadas assim pelo autor: de sentido negativo; pronomes relativos; conjunes
subordinativas ainda que elpticas ; certos advrbios (sempre, j, bem, aqui, onde, mais,
talvez, ainda, por que e como), desde que depois deles no haja pausa; pronomes indefinidos
(tudo, nada, pouco, muito, quem, todos, algum, algo, nenhum, ningum, quanto); a palavra
s, no sentido de apenas, somente, e as conjunes coordenativas alternativas ou... ou, ora...
ora, quer... quer. Deve ser tambm de rigor a anteposio do pronome ao verbo nas oraes
optativas, com sujeito antes do verbo; nas oraes exclamativas iniciadas por palavras ou
expresses exclamativas e nas oraes interrogativas iniciadas por advrbio ou pronome
interrogativo.
A posio intercalada do pronome deve ocorrer nos futuros do presente e do pretrito,
desde que no haja, antes do verbo, palavra que exija a anteposio. vedada, segundo o
autor, a posposio ao futuro do indicativo e a mesclise restrita ao linguajar culto e
modalidade literria, ao contrrio do falar corrente, em que se emprega a prclise.
Como contextos de nclise, Cegalla (2005) aponta as oraes reduzidas de gerndio,
excetuando-se essa colocao na presena de palavras atrativas e da preposio expletiva em,
em que indica a prclise. O autor prescreve, ainda, a posio encltica em incio de frase,
observando ser a anteposio permitida nesse contexto apenas na fala coloquial. Ademais, a
nclise prevista nas oraes imperativas afirmativas, como tambm junto ao infinitivo no-
flexionado, precedido da preposio a (com os pronomes o, a, os, as). Se o infinitivo estiver
flexionado e regido de preposio, deve ocorrer a prclise e, junto ao infinitivo impessoal
regido da preposio para, a colocao se faz indiferente, antes ou depois do verbo, mesmo
com o advrbio no.
Na Gramtica de Cunha & Cintra (2001) a prclise de regra nas oraes: com as
negativas no, nunca, jamais, ningum, nada, etc., sem pausa; iniciadas com pronomes e
advrbios interrogativos; iniciadas por palavras exclamativas e nas que exprimem desejo
(optativas); subordinadas desenvolvidas, mesmo com conjunes elpticas; e com o gerndio
regido da preposio em. Segundo os autores, so de tendncia procltica, na lngua
portuguesa: o verbo antecedido de certos advrbios (bem, mal, ainda, j, sempre, s, talvez,
etc.) ou expresses adverbiais, sem pausa; a orao, invertida, iniciada por objeto direto ou
predicativo; o sujeito, anteposto ao verbo, com o numeral ambos ou algum dos pronomes
38
indefinidos (todo, tudo, algum, outro, qualquer, etc.); e as oraes alternativas. Se houver
pausa, poder ocorrer a nclise.
Com verbo no futuro do presente e do pretrito facultativo o uso da prclise ou da
mesclise, assim como facultativa a nclise ou a prclise com os infinitivos soltos, ainda
que haja a presena da negao. A, os autores destacam a tendncia encltica.
Assim como a prclise, a nclise no pode ser usada com os particpios, mas de rigor
com os pronomes os, as e com o infinitivo regido da preposio a. A posposio do pronome
ao verbo obrigatria, em Cunha & Cintra (2001), quando a palavra atratora no se referir ao
verbo.
Bechara (2001) lista diversos contextos contra a posposio, deixando transparecer
duas possibilidades de certa negao: ou como efeito de exceo s regras previstas para
nclise, ou como regras apenas para a prclise. como se o gramtico estivesse alegando,
ainda que considere a tendncia procltica: no utilize a nclise nesses contextos, apenas,
mas sim, nos demais aqui no listados, ou: a nclise a posio normal do pronome, com
exceo desses casos. Assim, segundo esse autor, o pronome tono no deve iniciar
perodos, no deve ser posposto ao verbo flexionado em orao subordinada, a menos que se
trate de oraes subordinadas coordenadas entre si, em que poder ocorrer a nclise na
segunda orao subordinada. Se se intercalam palavras ou orao na subordinada, exigindo
uma pausa antes do verbo, a posio encltica permitida. O pronome no deve ser posposto,
tambm, a verbo modificado diretamente por advrbio, sem que haja pausa, indicada ou no
por vrgula, ou a verbo precedido de negao. No sendo o pronome inicial, ele pode vir,
inclusive, antes da palavra negativa. Caso ocorra a pausa naquele contexto, torna-se
facultativa a prclise ou a nclise.
No deve ser posposto o pronome com verbos no futuro do presente e do pretrito, e,
mantendo-se os princpios acima, tem-se a opo de prclise ou mesclise. Por fim, a
posposio, assim como a intercalao do pronome tono, vedada junto a verbo flexionado
em orao iniciada por palavra interrogativa ou exclamativa.
Conforme Lima (1992a), a nclise a posio normal do pronome, ainda que se faa
obrigatria a prclise em alguns contextos, a saber: oraes interrogativas e subordinadas,
exclamativas, negativas e optativas, alm dos advrbios e pronomes indefinidos que atraem o
pronome, desde que no haja pausa, o que levar nclise. Para os infinitivos, a regra geral
a posio encltica, ainda que o costume seja a preferncia procltica. Porm, se no
flexionado o infinitivo e precedido de preposio ou palavra negativa, a colocao se torna
39
facultativa. Para os pronomes o, a, os e as, diante de infinitivo regido da preposio a, a regra
a posposio.
Para colocaes com o gerndio, permanece a posposio como regra geral, e a
anteposio se faz obrigatria se precedido for o gerndio da preposio em e de advrbio,
sem pausa.
Tambm se faz imposta a nclise no incio de perodo ou de oraes, a menos que
estejam intercaladas, onde a prclise poder ocorrer. Na presena de sujeito pronominal ou
expresso por um substantivo antes do verbo, a regra a posposio.
Almeida (1995, p. 494), para quem os pronomes oblquos tonos atuam basicamente
como complementos verbais, defende a eufonia como princpio motivador da colocao dos
tonos e mantm a preferncia encltica como a posio normal do pronome, devido
obedincia norma cannica (verbo-complemento). De acordo com o autor, usa-se,
obrigatoriamente, a nclise em: incio de orao, em oraes reduzidas de gerndio, em
oraes imperativas afirmativas e junto ao verbo do infinitivo, precedido da preposio a.
Prescreve, como contextos de prclise, em que perdem, segundo o autor, alguns
verbos, sua fora encltica: palavra de negao, pronomes relativo e indefinido, advrbios e
conjunes subordinativas, oraes alternativas e gerndio precedido da preposio em, e com
o verbo no infinitivo impessoal caso facultativo de prclise e/ou nclise. (p. 494-5, 498).
Com os tempos verbais futuro do presente e do pretrito, deve ocorrer a colocao
intraverbal, desde que no haja partculas que atraiam o pronome.
1.4 Demais estudos acerca dos tonos
Em 1981, Pereira analisou A variao na colocao dos pronomes tonos no
portugus do Brasil, considerando dados de lngua falada informantes de escolaridades e
sexos diferentes de vrias regies do Pas, principalmente do Rio de Janeiro, de Minas Gerais
e de Alagoas e de lngua escrita: textos jornalsticos, crnicas e manuscritos de sculos
anteriores. As amostras de lngua falada incluram informantes analfabetos e semi-
escolarizados e as de lngua escrita consideraram textos formais e informais.
Divida em duas fases, a pesquisa de Pereira levou em conta tanto a atrao vocabular
(como fenmeno sinttico), quanto a eufonia e a nfase (como fenmeno
fontico/psicolgico) como hipteses acerca da snclise pronominal. Esperava a autora um
40
maior nmero de ocorrncias proclticas em dados de lngua falada e na escrita coloquial, e a
ocorrncia das trs posies estabelecidas pela GT em dados de lngua escrita culta, apenas.
Baseando-se na Teoria da Variao, a autora constatou, em seu estudo, a existncia da
variao pronominal desde os sculos passados at os dias atuais, condicionada por fatores
lingsticos e extralingsticos. Conclui Pereira (1981):
Os resultados obtidos com os dados de lngua escrita mostram que (...) a
nica posio a dar demonstrao de desaparecimento a mesclise; a prclise e a
nclise estiveram e continuam presentes. Sempre houve e ainda h, entretanto, a
predominncia da prclise sobre a nclise...
(...)
Mediante a anlise realizada, verificamos que a variao na colocao dos
pronomes tonos na modalidade de lngua falada quase no existe mais. A prclise
o processo mais geral e a nclise encontra-se restrita a determinadas formas
lingsticas cristalizadas. (p. 81-2, 118).
Alm disso, o trabalho de Pereira permitiu observar obedincia s regras da GT na
escrita, o que, segundo a autora, faz com que a variao permanea.
Outro trabalho que analisou a colocao dos tonos em contraposio a prescries da
GT foi o realizado por Lobo, Lucchesi e Mota, publicado em 1991, como resultado parcial de
uma verso intitulada Gramtica e Ideologia. Os autores investigaram a colocao desses
pronomes junto a formas verbais simples em dezoito inquritos do Projeto NURC, das
capitais Salvador e So Paulo, considerando as gramticas de Bechara (1982), Cegalla (1981),
Cunha (1981), Cunha & Cintra (1985) e de Lima (1976). Foram considerados, na anlise, 09
inquritos de cada cidade, assim distribudos: um nmero de trs inquritos do tipo EF e seis
do tipo DID do corpus de Salvador, e seis EFs e trs D2 do corpus de So Paulo.
Encontraram os autores um total de 247 de ocorrncias no corpus, registrando-se os
contextos em que prescrita a posio encltica pelas gramticas. Desse total, 174 ocorrncias
so proclticas, isto , 70%, em mdia, e 73 encontram-se na posio ps-verbal, perfazendo
uma mdia de 30% dos dados. Para a posio intraverbal no foi encontrado nenhum caso.
Em contextos previstos para a prclise que predominou em 90% das ocorrncias totais ,
houve uma quase total consonncia entre os dados observados e as prescries gramaticais.
(LOBO, LUCCHESI e MOTA, 1991, p. 150).
41
Posto que grande parte das ocorrncias esteja em conformidade com as regras da GT,
esses autores concluem que existe para a snclise pronominal uma significativa disparidade
entre o modelo prescrito pelas gramticas normativas que aqui representam a norma padro
e o modelo encontrado no corpus, aqui considerado como amostra da norma culta. (p. 153-
154). Tal concluso deve-se ao tratamento dado por esses autores aos conceitos de norma
padro e norma culta, baseados na viso expressa por Coseriu (1961), na qual o padro
compreenderia os modelos apresentados e prescritos pelas gramticas normativas e a
norma culta compreenderia os modelos comuns fala das pessoas possuidoras da cultura do
tipo formalizado, isto , a cultura sistematizada e difundida pelo sistema de educao formal.
(LOBO, LUCCHESI e MOTA, 1991, p. 147-8).
Na seqncia, temos o estudo de Lucchesi e Mota, em igual perodo, para o que foram
considerados um total de 21 inquritos, doze da capital Salvador e nove de So Paulo, junto
aos trs tipos de texto do Projeto: trs EFs, nove DIDs (Salvador) e seis EFs, trs D2 (So
Paulo). Analisando as mesmas cinco gramticas do estudo anterior, sob os mesmos critrios,
os autores encontraram, nas 988 ocorrncias, 88,9% de posio pr-verbal contra 11,1% de
nclise. Sobre isso comentam:
Nos contextos sintticos em que as gramticas normativas prescrevem a
nclise, os nmeros so expressivos e indicam uma desobedincia prescrio, na
norma culta, em mais de 70% das ocorrncias.
Sendo a anteposio do pronome tono ao verbo o procedimento lingstico
normal entre os falantes cultos, nos contextos sintticos em que a gramtica refora
essa colocao, os proclticos alcanam 97,3% das ocorrncias. (LUCCHESI e
MOTA, 1991, p. 161).
Consideraram, ainda, em suas anlises, as variveis sociolingsticas naturalidade e
faixa etria do informante e a categoria de texto (NURC), acerca do que deduziram:
a) no h diferena marcante no comportamento lingstico dos falantes considerados
cultos de Salvador e de So Paulo em relao snclise pronominal
42
b) quanto mais idoso o falante, mais obediente regra ele se mostra, nesse caso
especfico, maior o uso que ele faz da posio encltica, preconizada
preferencialmente pelas gramticas
c) entre os dilogos (DID e D2) os dados do corpus so semelhantes no tocante
colocao pronominal, uma vez que no h diferena significativa nos percentuais de
ocorrncia de nclise entre um ou outro tipo de inqurito
d) em inquritos do tipo EF o percentual de uso da posio encltica, em conformidade
com as gramticas analisadas, atinge o dobro do que ocorre nos dilogos.
Numa vertente similar, temos a investigao de Rocha (1998) acerca da colocao
pronominal em textos orais e escritos em comparao s regras da GT. Confrontando dois
corpora, a autora hipotetizou a preferncia procltica, de um modo geral, considerando-se,
inclusive, as variveis lingsticas e extralingsticas.
O primeiro corpus o resultado de uma pesquisa de mestrado da prpria autora que
analisou a snclise utilizada por estudantes pr-universitrios com idade entre 16 e 18 anos, e
o segundo composto de entrevistas colhidas entre informantes com 30 a 45 anos, com curso
superior completo, todos moradores da cidade de Alagoinha, Bahia.
Tomando como base dados de lngua escrita um total de 256 versus lngua falada
com um nmero de 461 , Rocha apanhou 717 dados no primeiro corpus, com 70 textos
produzidos pelos informantes, entre narraes-descries e dissertaes, e dez horas de
gravao de conversas informais. Foram encontradas, a, 448 ocorrncias proclticas e treze
enclticas e nenhuma mesocltica nos dados de lngua falada, que foram os nicos
considerados no trabalho que ora resenhamos, haja vista o paralelo que quis a autora
estabelecer, com destaque, em corpora dessa modalidade. No corpus seguinte, a autora
examinou sessenta minutos de gravao com 14 informantes, que resultaram em 1024
ocorrncias pronominais, sendo 979 proclticas, 43 enclticas e 02 mesoclticas.
De toda a anlise, concluiu Rocha a preferncia pr-verbal que, de fato, aparece em
altos percentuais, a saber: 97,18% no primeiro corpus e 95,60% no segundo, sendo gradativo
o aumento da posio ps-verbal no segundo corpus (4,19%) em relao ao primeiro (2,82%).
Silva (2002) tambm analisou a variao no posicionamento dos pronomes clticos em
150 textos escritos 30 jornalsticos e 120 redaes escolares da cidade de Juazeiro, Bahia,
considerando fatores lingsticos e extralingsticos que estariam condicionando a preferncia
procltica.
43
Na crena de que os textos escolhidos refletiriam a norma padro, a autora buscou
confrontar a posio dos clticos nesses textos com o que preconizam as gramticas sobre o
assunto, a fim de estabelecer fatores que influenciam as ocorrncias pr-verbais e de verificar
se h ou no mudana em curso na escrita padro da regio escolhida.
Com um total de 433 ocorrncias de clticos junto ao verbo, a pesquisa de Silva firmou
a preferncia procltica assim como a variao, em desacordo com as normas gramaticais
nos textos selecionados, com um percentual de 74% sobre a colocao ps-verbal, e sinais de
desaparecimento da interposio pronominal, com apenas um dado registrado. Salientou a
autora uma maior importncia dos fatores lingsticos (ou internos) do que as variveis
extralingsticas na concluso da anlise realizada.
Os resultados sugerem, ainda, uma baixa freqncia dos pronomes em estudo, que
esto mais prximos dos usos orais, naquela regio. Encerra Silva (2002):
Embora os estudos variacionistas venham contribuindo de forma
significativa para o ensino da lngua, identificando as formas
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