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III CONAVE – 22 a 24 de Setembro de 2014 Bauru – São Paulo
Eixo-temático: Avaliação em Educação
CONCEPÇÕES DE PROFESSORES E GESTORES SOBRE AVALIAÇÃO DE
APRENDIZAGEM E DA PROGRESSÃO CONTINUADA: CONTRADIÇÕES
ENTRE O LEGAL E O REAL
Adriana Patrício Delgado – PUC/ SP(adrypatry@uninove.br)
Regina Célia Montefusco Florindo Pessoa – UNINOVE
(reginaflorindo@uninove.br)
Resumo:
O presente artigo se propõe a retratar o movimento avaliativo de uma escola estadual na
região norte do município de São Paulo com vistas a identificar as concepções que
professores e gestores têm acerca da avaliação de aprendizagem no contexto da
progressão continuada e como estas se materializam no dia a dia escolar. Para tal serão
apresentadas diferentes concepções de professores e gestores sobre a avaliação de
aprendizagem e o regime de progressão continuada, muitas delas contraditórias entre si
e, sobretudo, em relação aos preceitoslegais. Destaca-se que as concepçõesmanifestas
dos atores da escola quanto às práticas avaliativas serão analisadas a luz dos
documentos legais no que se refere à avaliação de aprendizagem, a qual, considerando o
proposto pela Progressão Continuada, assume lugar central no trabalho pedagógico da
escola. Para a coleta dos dados descritos foi feita entrevista com a coordenadora
pedagógica e o diretor, e as professoras do Ciclo I (3º e 4º ano). No cotejo com os dados
empíricos foram selecionados autores da sociologia da educação, como Bourdieu,
estudiosos da área de avaliação de aprendizagem, como Esteban e Marin, além dos
documentos legais balizadores da implantação do regime de Progressão Continuada na
rede estadual de São Paulo, na década de 1990. A pesquisa revelou dois aspectos de
extrema relevância na organização das práticas e políticas da rede estadual: 1º) dissenso
entre os atores da escola no que se refere à avaliação de aprendizagem e a proposta legal
da Progressão Continuada; 2º) distância entre a proposta contida nos documentos legais
e as interpretações feitas pelos professores, em especial, no que se refere ao aspecto da
não reprovação.
Palavras-chaves: Progressão continuada, ciclos, avaliação, ensino-aprendizagem.
Financiamento: CNPQ.
A avaliação de aprendizagem, ao longo dos tempos, tem sido entendida como
uma prática escolar que consiste em aferir o conhecimento “adquirido” pelos alunos,
por meio de notas ou conceitos. Esse tipo de avaliação que atribui nota e faz seleção é
intitulada por certos autores como avaliação classificatória. Para Esteban (2003), “(...)
avaliação classificatória configura-se com as ideias de mérito, julgamento, punição e
recompensa exigindo o distanciamento entre os sujeitos que se entrelaçam nas práticas
escolares cotidianas” (p. 15). Já, a avaliação formativa, proposta no regime de
progressão continuada, busca superar o modelo de avaliação classificatória
apresentando outro significado às práticas avaliativas.
Ao se pensar em práticas avaliativas é preciso considerar os demais elementos
que compõem o contexto escolar, como alunos, professores, administradores, famílias,
procedimentos e recursos didáticos, projeto pedagógico, conteúdos curriculares, dentre
outros.
Nesse sentido, o referido artigo irá analisar as concepções de professores e
gestores sobre a avaliação de aprendizagem e o regime de progressão continuada de
uma escola estadual localizada no município de São Paulo, na região norte. Afinal, os
que eles pensam sobre estas políticas, qual a interpretação e que corpo é dado a elas no
cotidiano escolar, ou seja, como se manifestam? Para tal, o trabalho seguirá a seguinte
estrutura metodológica: primeiramente será apresentado, de modo sucinto, o panorama
legal e político da implantação do regime de progressão continuada e ciclos no estado
de São Paulo na década de 1990 objetivando situar o cenário onde se desenrolou esta
pesquisa; em seguida serão apresentadas as concepções de professores e gestores sobre
avaliação de aprendizagem e a progressão continuada; por fim, nas considerações finais,
será indicado o distanciamento entre a proposta legal e o que se pensa e faz na escola.
Progressão Continuada e Concepção de Avaliação da Aprendizagem: descrevendo
o contexto da pesquisa
Tendo como referência a legislação que normaliza o ensino institucionalizado,
nota-se que a possibilidade de organização não seriada do ensino está posta desde a Lei
de Diretrizes e Bases n. 4.024, de 1961, que em seu artigo 104 prevê a permissão para
“organização de cursos ou escolas experimentais, com currículos, métodos e períodos
escolares próprios”. Se na Lei n. 4.024 tal possibilidade é posta com o caráter
experimental, na Lei n. 5.692 de 1971 é explicitada como uma alternativa, onde se lê no
artigo 14, parágrafo 4º, que: “(...) verificadas as necessárias condições, os sistemas de
ensino poderão admitir a adoção de critérios que permitam avanços progressivos dos
alunos pela conjugação dos elementos de idade e aproveitamento”.
De acordo com o Parecer do Conselho Federal de Educação n. 360/74, o
sistema de avanços progressivos implica a adequação dos “objetivos educacionais às
potencialidades de cada aluno, agrupando por idade e avaliando o aproveitamento do
educando em função de suas capacidades. (...) Não existe reprovação”.
Assim, a adoção do sistema de avanços progressivos, possibilidade dada pela
legislação, no qual o aluno caminha de acordo com sua “capacidade”, resulta na
extinção da seriação e, em decorrência, da função classificatória da avaliação. Nesse
sentido, se, de um lado, a legislação abriu a possibilidade de uma organização do
sistema escolar em regime não seriado, no qual a avaliação não desempenharia uma
função preponderantemente classificatória, por outro se registra que algumas das
condições que a própria legislação expôs para sua implantação indicam quão distantes
estavam das existentes na rede escolar.
Dando continuidade ao contexto histórico foi com a Lei de Diretrizes e Bases
n. 9.394/96, em seu artigo 32, que foi recolocada a possibilidade de organização do
ensino em séries ou em ciclos. As primeiras interpretações oficiais desse artigo da LDB
enfatizam eminentemente a dimensão política da progressão continuada. Isso ocorre
especificamente no Parecer 5/97, Proposta de Regulamentação da Lei n. 9.394/96
elaborada pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e único
documento produzido por este órgão em relação, precisamente, à progressão
continuada. Segundo o Parecer, a progressão continuada se:
Usada de forma criteriosa, seguindo as normas estabelecidas pelos
sistemas de ensino, a disposição legal mencionada pode ensejar a
formulação de novos e criativos procedimentos, capazes de concorrer
para a minimização dos problemas de evasão e repetência, quase
sempre relacionados com a conduta comum nas escolas de tratamento
igual aos desiguais. (PARECER 5/97).
Foi nesse contexto, apoiando-se na nova LDB e a partir da Deliberação do
Conselho Estadual de Educação (CEE) n. 09/97, que foi instituído, no sistema de ensino
do Estado de São Paulo, o regime de progressão continuada no ensino fundamental,
complementada pela Indicação CEE n. 08/97, anexada à Deliberação CEE n. 09/97.
Objetivando garantir a todos o direito de acesso, permanência e progressão bem-
sucedida no ensino fundamental, a Secretaria da Educação adotou o Regime de
Progressão Continuada organizado em dois ciclos:Ciclo I - correspondente ao ensino da
1ª à 4ª séries; e Ciclo II - correspondente ao ensino da 5ª à 8ª série.
De acordo com o texto legal da Deliberação CEE n. 09/97, no regime de
progressão continuada deverão ser oferecidas:
(...) atividades de reforço e recuperação, formas de adaptação,
reclassificação, aproveitamento e aceleração de estudos, indicadores de
desempenho, controle da frequência dos alunos, dispositivos
regimentais adequados e articulação com as famílias no
acompanhamento do aluno ao longo do processo.
É possível compreender, conforme os dispositivos legais, que o regime de
ciclos, assim como a progressão continuada, trata o conhecimento como processo, e,
portanto, como uma vivência que não se coaduna com a ideia de interrupção, mas sim
de construção, onde o aluno é situado como sujeito da ação, que se forma
continuamenteconstruindo significados a partir de relações dos homens com o mundo e
entre si. Com isso, a natureza dinâmica, relativa e plural do conhecimento ganha
centralidade, opondo-se à noção de conhecimento como algo estático que se traduz em
um rol de conteúdos e habilidades a serem dominados pelos alunos, em um dado tempo,
de modo cumulativo, desconsiderando-se as diferenças individuais e socioculturais dos
alunos, o que tem resultado, historicamente, em nosso sistema de ensino, em exclusão e
seletividade de parcela significativa dos que nele ingressam.
Desse modo, a progressão continuada, de acordo com as bases legais, deve ser
entendida como um mecanismo inteligente e eficaz de ajustar a realidade do fato
pedagógico à realidade dos alunos e não como um meio artificial e automático de se
"empurrar" os alunos para as séries, etapas, fases, anos subsequentes. Contexto este que
expressões tão habituais como "aprovação" e "reprovação" perdem sentido, substituídas
pelas expressões de progressão, aprendizagem e desenvolvimento global.
Pautando-se por esta concepção, a da progressão continuada, que a estrutura de
ensino da Educação Básica do estado de São Paulo foi reorganizada, colocando a
avaliação de aprendizagem no centro dos debates, como se pode observar pelo texto da
Indicação CEE n. 22/97, segundo a qual “(...) o regime de progressão continuada exige
um novo tratamento para o processo de avaliação na escola, transformando-o num
instrumento guia essencial para a observação da progressão do aluno”.
Tais proposições legais anunciam uma nova postura do professor em relação ao
acompanhamento da trajetória percorrida pelo aluno na construção e apropriação do
conhecimento, demandando novas formas de se avaliar o aluno e colocando no bojo das
discussões pedagógicas o clássico caráter seletivo da avaliação. Segundo a Deliberação
CEE n. 22/97:
A avaliação no esforço da progressão continuada tem um novo sentido,
ampliado, de alavanca do progresso do aluno e não mais o de um mero
instrumento de seletividade. Ela adquire um sentido comparativo do
antes e do depois da ação do professor, da valorização dos ganhos, por
pequenos que sejam [...]. A avaliação se amplia pela postura de
valorização de qualquer indício que revele o desenvolvimento dos
alunos, sob qualquer ângulo, nos conhecimentos, nas formas de pensar,
de se relacionar. [...] Desejável é que os alunos, agora, não temam
expressar suas dificuldades na disciplina com vistas ao crescimento de
forma mais consistente.
Privilegia-se, assim, uma avaliação mais formativa, dinâmica, crítica,
pressupondo acompanhamento constante e levando em conta as diversas dimensões da
atuação do aluno, apontando, com isso,para novas formas de conceber o ensino, a
aprendizagem e, portanto, a avaliação.
Diferentes modos de conceber a avaliação de aprendizagem segundo os atores da
escola
Com vistas a entender como se desenvolvem as práticas avaliativas no Ciclo I
após a implantação dos ciclos e do regime da progressão continuada, é preciso,
primeiramente, saber como professores e gestores concebem a avaliação de
aprendizagem e o que pensam sobre a progressão continuada, tendo como pano de
fundo o novo cenário que se instaurou na escola decorrente dos preceitos legais
responsáveis pela sua implantação na rede de ensino do estado de São Paulo, dos quais
decorreram significativas mudanças nos modos de organização do trabalho pedagógico
na escola. E para saber quais as concepções destes atores, professores e gestores, e
como estas se manifestam, é preciso que se faça o movimento de ir para dentro da
escola, “abrir a caixa- preta”, conforme aponta Marin (2010), podendo assim conhecer
um pouco mais sobre seu interior.
Buscando então conhecer as concepções de professores e gestores sobre
avaliação no contexto da escola ciclada e do regime de progressão continuada, foram
ouvidos o diretor, a coordenadora pedagógica e duas professoras do Ciclo I, sendo uma
do 3º ano (profa. Gilka) e uma do 4º ano (profa. Cecília) de uma escola estadual de São
Paulo, localizada na região norte – indica-se que os nomes utilizados são fictícios afim
de preservar a identidade dos sujeitos pesquisados.
Ao ouvir as concepções sobre o processo avaliativo adotado pela escolaapós a
implantação do regime de progressão continuada em consonância a legislação, foi
possível identificar algumas incongruências em relação aos preceitos legais, além de
dissonâncias conceituais e procedimentais entre professores e gestão, professores e
professores e entre a própria gestão, no caso entre a coordenadora e o diretor.
A fala dos gestores: o que diz a coordenadora pedagógica e o diretor
De acordo com a coordenadora pedagógica a avaliação consiste em um
“processo que caminha junto com a aprendizagem, pois não há aprendizagem sem
avaliação”. Para ela o papel da avaliação consiste em mostrar onde está o “erro”, o
acaba provocando sofrimento nos docentes: “Não é fácil para o professor aceitar que a
maioria dos alunos não conseguiu entender o que ele quis falar”.
O processo de avaliação utilizado pela escola é contínuo com base em diferentes
atividades e posturas dos alunos, como: lições feitas nos cadernos, lições feitas em
folhas soltas, pesquisas realizadas em classe e em casa, leituras orais, confecção de
cartazes, produção e interpretação de texto, postura ética, relacionamento com os
colegas e professores, frequência e participação em sala de aula, cooperação com os
colegas, entre outros. Quanto às provas mensais, podem ser dadas pelas professoras
com ou sem data marcada, depende do objetivo de cada atividade. Para mim, avaliação
acontece em diferentes momentos. Ah, sempre instruo as professoras para que retomem os
conteúdos com os alunos, quando necessário (...) o resultado das provas, por exemplo, é
preciso considerar diferentes fatores, não só a prova para fechar o conceito do aluno. É função
do professor oferecer recuperação contínua aos seus alunos e a escola, por sua vez, deve
oferecer recuperação paralela, que são as aulas de reforço, realizadas por outra professora, a
partir do diagnóstico feito pela professora da sala.
Define a avaliação de aprendizagem como um processo contínuo, onde tudo
poderia ser convalidado em instrumento de avaliação: questões orais, questionários,
participação em sala de aula e, claro, as provas. No tocante a prova ressaltou que:
(...) as provas têm que ser dadas com base naquilo que o professor dá em sala de aula e não
naquilo que o professor gostaria que ele soubesse (...). Eu sempre falo assim, porque o
professor fica suando frio e nervoso na hora que ele prepara uma prova, porque quando ele dá
o conteúdo, ele já fica desesperado do quanto de conteúdo ele tem que dar naquela semana,
porque se ele fez um planejamento com um alvo muito alto, ele começa a querer seguir aquele
planejamento cegamente para cumprir o programa, certo? Então, quando ele vai dar a prova
ele não tem certeza que a classe captou o que ele deu, porque, muitas vezes, ele passou pelo
conteúdo rapidamente, o que acontece é que ele vai abordar o conteúdo, mas não vai ter
certeza da resposta, então ele sofre para montar a prova, ele sofre pra aplicar a prova, porque
o aluno começa: “Professora!” Aí, ele começa: “Eu não acredito, eu falei tantas vezes a
mesma coisa, não acredito. Ah, já sei, você não estudou”.
Para ela a avaliação diagnóstica realizada no início do ano letivo era
fundamental, pois as informações obtidas nessa avaliação serviriam de realização para a
construção do planejamento anual, uma vez que, os professores, com base em suas
orientações, deveriam organizar o planejamento com base nas necessidades dos alunos,
adaptando às suas necessidades.
No que tange as práticas avaliativas desenvolvidas na escola, segundo a
coordenadora pedagógica – CP - as professoras estavam realizando a avaliação contínua
e enfatizou que, nessa escola, tal prática era facilitada em virtude do número de alunos
por sala de aula, sendo em média de 26 a 30 alunos, exceto a turma do 4º ano, que
possuía 40 alunos. A mesma ressaltou a importância da avaliação contínua, pois via
nessa forma de avaliação a possibilidade do “professor fazer de tudo”. Vale ressaltar
que, o preconizado pela CP estava em consonância ao exposto no Plano de Gestão da
escola pesquisada.
Segundo a coordenadora, o professor deve estar atento à diversidade da sala de
aula, o que refletiria nos seus modos de avaliar. Mudar a forma de avaliar significava
que o professor deveria aplicar atividades diferenciadas aos alunos, respeitando e
considerando as dificuldades dos alunos. Para ela, avaliações diferenciadas são aquelas
que não têm caráter de prova, logo “alegram a sala e resgatam a autoestima dos alunos”.
A CP indicou solicitar, com frequência, às professoras que colocassem as
crianças que apresentavam dificuldades próximas à sua mesa. Não obstante, reclamava
que, no decorrer do ano, esses alunos iam ficando cada vez mais distantes da professora;
parecia que ficavam à margem da sala de aula.
Ele (o professor) punha nos primeiros dias o aluno perto dele, porque o coordenador falava;
depois ele punha lá no fundo, por quê? Por que parece assim, é a mesma coisa que você ter
algo que te incomoda, primeiro você tenta ficar com ela, depois você põe ela no meio e depois
você vai colocando ela cada vez mais distante, até você esconder ela dentro do baú.
Chama atenção o incômodo da CP em relação as professoras ao apontar a
necessidade que elas manifestam em escamotear a realidade, bem como suas
fragilidades e dificuldades.
Já, ao ouvir o diretor, estemanifestou modo diverso de compreender a avaliação:
(...) essa questão da avaliação é uma coisa muito séria, eu tenho esse conceito assim (...) como
aquele exame vestibular que o aluno passou, mas ele foi reprovado, não significa que ele seja
um péssimo aluno, ele é um bom aluno, mas naquele momento ele ficou nervoso, que a pressão
foi tanta, que no fim ele acabou (...) sabe. Você entende como é uma avaliação? Agora, eu não
acho que tinha que ser assim e sim ser uma coisa contínua, mas não baseado só em prova,
como você pode avaliar uma pessoa dando 8.0 ou 9.0? É uma coisa que tem que ser contínua,
no dia-a-dia ver o crescimento do aluno.
Apesar de haver um ponto convergente com a coordenadora pedagógica no
tocante a ênfase na continuidade do processo avaliativo, o diretor ao ser interrogado
sobre quais atividades o professor poderia utilizar demonstrou equívoco conceitual, pois
considerou como atividades de avaliação contínua a integração entre as disciplinas e
seus respectivos conteúdos.
(...) em Português é muito legal quando o professor não trabalha só com a matéria que tá
dando, mas também com as outras, fazendo um conjunto de matérias, vamos supor um exemplo,
ele deu uma aula de Português, ele sai da sala e vai para a sala de Educação Artística e
trabalha em Educação Artística o que foi visto em Português, trabalha a parte prática da coisa
(...). Veja bem, ele tá vendo a teoria e a prática, isso para mim é uma espécie de avaliação
diferenciada que dá muito resultado, o aluno fica, eu acredito, muito em fixação, ele (o
professor) avaliou a teoria e vai logo para a prática, tá fixando aquela coisa. A parte principal
é a teoria e logo depois a prática.
Ao ser questionado sobre as práticas avaliativas dos professores o diretor
mencionou ter percebido algumasmudanças após a implantação do regime de
progressão continuada e considerou o SARESP – Sistema de Avaliação do Rendimento
Escolar do Estado de São Paulo – um “método” que contribuiu para a mudança do
trabalho pedagógico delas. Para ele, houve mudanças, mesmo reconhecendo haver certa
resistência por parte de alguns professores.
Os professores estão muito presos àquela coisa tradicional, ao método antigo ainda, apesar de
que estão fazendo o discurso da reciclagem, vamos dizer assim, algumas pessoas que fizeram
só o Magistério e agora estão fazendo a Faculdade, têm uma visão diferenciada da coisa, mas
eu ainda sinto resistência por parte de alguns professores. Então, a avaliação contínua eles
fazem, mas não como deveria ser feita, ela deveria ser mais intensa, trabalhada mais
profundamente.
Concernente às práticas avaliativas desenvolvidas pelos professores identifica-se
um ponto de desencontro entre as manifestações do diretor e as da coordenadora.
Aspecto que pode ser compreendido em razão do diretor não vivenciar tão de perto o
cotidiano da sala de aula e por estar a menos tempo na escola.
A fala do corpo docente: o que dizem as professoras dos anos finais do Ciclo I
Questionando acerca do processo avaliativo da escola, a professora Gilka (3º
ano) trouxe o seguinte entendimento sobre o significado de avaliação no processo
ensino-aprendizagem:
(...) Também agora mudaram, agora não precisa ter mais a prova antiga, não precisa ter mais
a avaliação, então a gente soma todas aquelas atividades, trabalho em grupo, participação,
então a gente chega a um resultado. Eu acho que não é através da prova que se mede o
conhecimento do aluno, não vejo importância na prova.
Nesse relato pode-se observar uma distorção do conceito de avaliação
confundindo com o da prova quando a professora disse que eliminar a prova
representava eliminar a avaliação, apesar de conceber que sua avaliação é contínua, por
utilizar atividades diferenciadas como: tarefas de classe, tarefas de casa, participação em
sala de aula, trabalhos em grupo e a prova.O equívoco conceitual, entretanto, pareceu
estar na falta de clareza e discernimento entre a prática de avaliar e o conjunto de
procedimentos diversificados que comporiam essa prática como, por exemplo, a prova.
Ficou também nítido a não percepção dessas contradições no momento em que afirma
não sentir dificuldades em avaliar seus alunos, exceto de dois que possuíam deficiência
auditiva, ao dizer:
Não estou preparada para receber esses alunos. (...) O diálogo com eles se dava com
linguagem de sinais, mas era difícil, porque tinha coisas que eu tentava passar e não
conseguia. Fora esses alunos não há dificuldades em avaliar.
Outra contradição pode-se observar quando essa mesma professora foi
questionada sobre como trabalhava com os dados obtidos na avaliação diagnóstica,
respondendo de modo desconexo:
É, tem aluno que tem interesse em aprender, agora têm uns que vêm para a escola para
brincar. Outro problema que a gente tem é de aluno faltoso, que vem duas vezes por semana,
quando ele vem tá completamente perdido, porque ele já não tem interesse (...) o conteúdo já
foi dado e ele vem e diz: “Ah, não vou fazer isso”.
A professora Cecília (4º ano), por sua vez, entendia a avaliação de aprendizagem
como uma atividade extremamente importante, pois por meio dela o professor poderia
verificar se tinha ou não alcançado seu objetivo. Sua concepção de avaliação vai ao
encontro de muitos teóricos, entendendo-a como uma atividade que compõe o processo
educativo e serve de diagnóstico tanto para o professor, quanto para o aluno.
A respeito do número de alunos por sala de aula, a professora Cecília (4º ano)
via o número de alunos, considerado por ela excessivo, uma das maiores dificuldades
para a realização do seu trabalho. Para ela, essa quantidade de alunos representava um
entrave para que pudesse se dedicar a todos os alunos como gostaria, em especial, aos
que apresentavam mais dificuldades de aprendizagem. Acreditava que: “A criança que
tem dificuldade, o professor tem que ter um tempo disponível para ela, pois esse aluno
exige muito do professor”.
No que tange especificamente o regime de progressão continuada, segundo a
professora Cecília, após sua implantação houve uma mudança nas práticas avaliativas
da escola.
Eu acho melhor a avaliação da criança antes; ela ia para outra série mais firme do que ela
sabia, o professor estava sabendo realmente como aquela criança estava e aí ela passava.
Hoje, ela já passa para a oura série e a meu ver essa flexibilidade não tem ajudado. A
avaliação, eu acho que antes, era mais rigorosa, se avaliava, realmente, o que o aluno sabia; se
não ficava na mesma série, o professor era mais responsável e o aluno também.
De acordo com esta professora, após a implantação dos ciclos e da progressão
continuada os procedimentos avaliativos ficaram mais diversificados, em contrapartida o rigor
quanto aos critérios avaliativos deixou a desejar, pois tinham alunos na “4ª série” que não
sabiam ler e nem escrever. Isso mostra que, para os professores, existe uma intrínseca relação
entre aprendizagem e avaliação.
Considerações finais
Com base nos preceitos legais é possível dizer que o regime de progressão
continuada apresenta uma proposta de avaliação diagnóstica e formativa. O aluno
deverá apropriar-se de modo significativo dos conteúdos curriculares, construindo um
conhecimento consistente sobre os saberes veiculados pela escola.
Entretanto, a partir das falas dos atores da escola, em especial das professoras,
foi possível identificar certas fragilidades no que concerne a avaliação de aprendizagem,
tanto no aspecto legal, compreensão sobre a proposta oficial da progressão continuada e
dos ciclos nos termos da legislação, quanto no aspecto conceitual e procedimental.
As práticas e procedimentos avaliativos descritos pela gestão e pelas
professoras nem sempre eram orientados por uma perspectiva diagnóstica, podendo
dizer que ainda há fortes marcas e sintomas da avaliação classificatória. Avaliação esta
que tem por finalidade hierarquizar e selecionar os saberes e os alunos, pautada pelo
princípio da homogeneidade, competição, comparação e exclusão.Pautada por outra
concepção de avaliação, a que se inscreve no discurso oficial referente à Progressão
Continuada, a avaliação formativa preconiza a não reprovação, o que não significa não
aprender, não avançar nos estudos e na aprendizagem.
A partir da fala dos atores da escola pesquisada foi possível observar que as
práticas avaliativas adotadas pelas professoras ainda encontram-se mais próximas ao
modelo de avaliação classificatória, revelando o distanciamento das proposições
contidas nos documentos oriundos das políticas, o legal, das práticas avaliativas que se
desenvolvem diariamente no interior da escola, o real. Com isso, nos deparamos de um
lado com uma proposta oficial que propõe uma concepção de avaliação contínua e
processual e encontramos, por outro lado, no cotidiano escolar uma prática avaliativa
que, embora em seu discurso seja contínua, mantém o aspecto quantitativo focalizado
no produto e não no processo.
Considerando o cenário aqui descrito, não se pode desconsiderar que a reforma
e mudanças advindas pelo regime de progressão continuada provocou incômodo e até
descontentamento em muitos dos atores na escola, desestabilizando práticas e
concepções formativas e avaliativas sedimentadas há décadas.
Assim, ouvindo um pouco do que estes atores têm a dizer sobre as políticas e
as dificuldades enfrentadas no cotidiano da escola, observou-se uma cultura escolar que
pouco se alterou desde a implantação dos ciclos e do regime de progressão continuada.
A manutenção de certas práticas constitui o que Bourdieu (1992) chamou de habitus,
perceptível pela manutenção de práticas avaliativas ainda consubstanciadas na lógica
seletiva e classificatória, ainda presente nos fazeres da escola básica.
Nesse sentido, é fundamental que estes discursos se aproximem, estreitando os
laços entre o prescrito e o feito, situando o processo ensino-aprendizagem no cerne do
debate educacional com destaque aos modos de conceber a avaliação, bem como nas
formas em que se manifesta na escola, superando assim esse universo marcado por
tantas contradições e dissensos entre seus atores e entre o que se propõe e entre o que
efetivamente ocorre.
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