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8/12/2019 CPI Da Espionagem
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CPI DA ESPIONAGEM
RELATRIO FINAL
Comisso Parlamentar de Inqurito destinada a investigar adenncia de existncia de um sistema de espionagem, estruturadopelo governo dos Estados Unidos, com o objetivo de monitorar
emails, ligaes telefnicas, dados digitais, alm de outras formasde captar informaes privilegiadas ou protegidas pela
Constituio Federal
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Parte ICPI DA ESPIONAGEM ...................................................... 5I. 1. Apresentao ....................................................................... 5I. 2. Papel fiscalizador do Congresso Nacional ........................... 6I. 3. Natureza e objetivos da comisso parlamentar de inqurito10I. 4. Histrico dos fatos ............................................................. 12I. 5. Notcias que deram ensejo instaurao da CPI ................ 13I. 6. Brasil como alvo da espionagem ....................................... 16I. 7. Apresentao do requerimento para instaurao da CPI .... 18I. 8. Instalao da CPI ............................................................... 18
I. 9. Composio ....................................................................... 19I. 10. Atividades realizadas ....................................................... 21Parte IIESPIONAGEM E DIREITO INTERNACIONAL ............ 22
II. 1. Consideraes iniciais ...................................................... 22II. 2. Direito internacional pblico ........................................ 2928II. 3. Direito comunitrio .......................................................... 44II. 4. Concluses ................................................................... 5150
Parte IIIATIVIDADE DE INTELIGNCIA ................................. 54III. 1. Segunda profisso mais antiga do mundo ....................... 54III. 2. Panorama das comunidades de inteligncia pelo mundo . 57III. 3. Inteligncia tecnolgica (techint) .................................... 60III. 4. Estabelecimento de agncias de inteligncia de sinais..... 65III. 5. Organizao da atividade de inteligncia no Brasil ......... 75III. 6. Crise da inteligncia ....................................................... 86III. 7. Aprimoramento da inteligncia no Brasil ........................ 91III. 8. Papel do parlamento no fortalecimento do controle daatividade de inteligncia ........................................................... 93III. 9. Alterao na legislao infraconstitucional de inteligncia................................................................................................. 95
Parte IVSEGURANA DAS COMUNICAES ....................... 97IV. 1. Introduo ...................................................................... 97IV. 2. Ameaas, provocaes, guerras e espionagem cibernticas............................................................................................... 101
IV. 3. Como proteger as redes ................................................ 110IV. 4. Marco Civil da Internet ................................................. 115
Parte V PROVIDNCIAS ADOTADAS PELO GOVERNOBRASILEIRO ................................................................................ 118
V.1. Inqurito instaurado pela Polcia Federal ........................ 118V.2. Expectativa de desfecho do inqurito da Polcia Federal . 131
Parte VICONCLUSES E RECOMENDAES ...................... 133
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Resumo das audincias pblicas realizadas ............................ 1723 Reunio, realizada no dia 17/09/2013 (ANP) .............. 172
4 Reunio, realizada no dia 18/09/2013 (Petrobrs) ....... 183
6 Reunio, realizada no dia 2/10/2013 (IPEA, Exrcito
Brasileiro e UnB) ............................................................ 197
7 Reunio, realizada no dia 9/10/2013 (Glenn Greenwald, e
David Miranda) .............................................................. 208
8 Reunio, realizada no dia 15/10/2013 (Polcia Federal e
Anatel) ............................................................................ 220
9 Reunio, realizada no dia 22/10/2013 (segurana
ciberntica) ..................................................................... 243
11 Reunio, realizada no dia 5/11/2013 (telefonia mvel:
TIM, Claro, Vivo e Oi) ................................................... 261
12 Reunio, realizada no dia 12/11/2013 (Serpro e
Prodasen) ........................................................................ 282
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Parte ICPI DA ESPIONAGEM
I. 1. Apresentao
O Poder Legislativo exerce funes legislativas, fiscalizadoras,
administrativas e jurisdicionais. H preponderncia, porm, pelas
atividades legiferante e de fiscalizao. Essa circunstncia explicvel
vista da clssica diviso dos poderes estatais.
Uma comisso parlamentar de inqurito insere-se no mbito da
atribuio fiscalizadora. Nesse campo, o Poder Legislativo tem importante
papel tanto de investigao quanto de controle dos atos do poder pblico.
Para isso, importa recordar que so pelo menos quatro os meios
constitucionais de que dispe o Parlamento para exercer as atribuies de
fiscalizao: interpelao parlamentar; pedido de informaes; inspees e
auditorias realizadas por meio do Tribunal de Contas da Unio (TCU); e o
inqurito parlamentar.1
O inqurito legislativo tem em vista assunto especfico, como
exige o texto constitucional: apurao de fato determinado [art. 58, 3,
da Constituio Federal (CF)]. Para alm disso, os temas a sereminvestigados devem estar, de tal ou qual modo, inseridos no mbito de
atribuies do poder pblico domstico.
1SANTI, Marcos Evandro Cardoso. Criao de comisses parlamentares de inqurito:tenso entre o direito constitucional de minorias e os interesses polticos da maioria.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2007. p. 29
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Nesse sentido, a competncia fiscalizadora do Congresso
Nacional extensa e abrangente, alcanando todos os limites da sua
competncia legislativa. Vale dizer: o Congresso Nacional tem poder de
fiscalizar todos os assuntos e temas a respeito dos quais est capacitado,
pela Constituio, para legislar.
As comisses parlamentares de inqurito (CPIs) constituem,
assim, um dos mais importantes instrumentos de que o Congresso Nacional
dispe para exercer sua competncia constitucional. No por acaso,
perceptvel que o funcionamento de uma CPI (ao lado do manejo do
instituto da medida provisria e do controle de constitucionalidade das leis)
traduz uma das pedras de toque do modelo brasileiro de repartio
funcional dos Poderes entre o Executivo, o Legislativo e o Judicirio.
A presente comisso parlamentar de inqurito, que versa sobre
esquema de espionagem empreendido por rgos de governo estrangeiro,expressa movimento poltico na histria recente do Brasil, e resulta de
entendimento entre lideranas polticas do Senado no sentido de investigar
com iseno fatos que, inequivocamente, atingiram a soberania do Brasil.
I. 2. Papel fiscalizador do Congresso Nacional
Antes de passarmos anlise dos fatos investigados ao longodos ltimos meses, convm apreciar, para mais exata compreenso do
leitor, a natureza do meio utilizado para a realizao das investigaes, bem
como de sua importncia.
O Congresso, como instituio, no pode se separar de sua
vocao histrica para se configurar em espcie de caixa de ressonncia da
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sociedade na qual est inserido. Os fundadores das formas modernas do
Estado, ao divisarem a separao de poderes, tiveram conscincia das
caractersticas de cada um desses poderes. Notadamente ao Poder
Legislativo, alm da capacidade de produo de leis, foi reconhecida sua
importncia para a fiscalizao dos atos dos governantes, bem como para a
preservao dos direitos das minorias.
Na origem do parlamento moderno, j se reconhece a
preocupao com o abuso do direito dos monarcas, de um lado, e, de outro,
com o risco apresentado pela tirania da maioria. Os excessos apresentados
durante o perodo que antecedeu a revoluo gloriosa foram essenciais para
a configurao do moderno sistema parlamentar.
Tambm, a radicalizao dos mpetos revolucionrios
ocorridos na Frana nos anos que se seguiram a 1789, que culminaram na
supresso fsica de toda uma gerao de homens pblicos e na ascenso deuma nova autocracia, serviu para iluminar as geraes futuras dos perigos
da excessiva valorizao do Executivo em detrimento das minorias
representadas no parlamento.
O imenso custo, em vidas humanas, recursos e energia que a
histria da democracia vem apresentando no deve servir de argumento
para aqueles que, em todos os momentos, buscam substituir a democracia
por outro regime. Esses buscam destruir o regime democrtico, atacando
suas instituies, por meio de argumentos que, sob a capa da moralidade,
no escondem a nostalgia do cesarismo, o desejo de substituir a vontade
popular pela vontade de um indivduo ou grupo de indivduos.
Essa forma de proceder no deixa de conhecer seu sucesso,
para eventuais despreparados ou ansiosos, a lentido do processo
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democrtico pode ser facilmente confundida com vacilao; o entrechoque
de opinies pode se assemelhar a indeciso; o reconhecimento da
existncia de nuances, com fraqueza das convices.
Na sociedade democrtica, a existncia e o fortalecimento das
instituies depende, muitas vezes, do exerccio das possibilidades
oferecidas pelos acontecimentos histricos, por mais negativos que possam
parecer. Esse o trao principal e qualidade mais destacada da democracia,
seu permanente aperfeioamento.
A atividade parlamentar caracterizada pela
representatividade (em princpio, todos os extratos da sociedade se refletem
no parlamento), pela colegialidade (existncia de um rgo coletivo que,
contm, em si, setores de situao e oposio) e pela continuidade
(permanncia dos rgos legislativos ao longo do tempo). Tais
caractersticas tornam o Congresso organismo adequado para a operao deuma das mltiplas instncias de fiscalizao que, em uma democracia,
ajudam a compor o sistema de freios e contrapesos destinado a evitar a
tirania e o desvirtuamento das instituies.
Notavelmente, ao longo do sculo XX, a funo de controle
por meio do Parlamento adquiriu cada vez maior relevo, assumindo, em
alguns momentos, primazia em relao produo normativa.
A demanda social por ordenamento jurdico estvel, somada proliferao de fontes do direitodecorrente da criao de novas instncias
tcnicas dotadas de relativa capacidade de produzir normas, tais como as
agncias reguladoras produziram uma reduo relativa da capacidade
legiferante dos Parlamentos em todo o mundo. Efetivamente, da totalidade
das normas em vigncia nas sociedades modernas, apenas uma frao
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seguiu os trmites parlamentares tradicionais.
Mesmo que mantenham o monoplio da produo de normas
hierarquicamente superiores, os parlamentos de todo o mundo no so
responsveis pela maioria das normas que afetam a sociedade.
Principalmente em matrias tidas como de natureza tcnica, o grosso da
produo normativa est concentrada em rgos do Executivo, sendo
apenas indiretamente derivados de atos parlamentares.
Em decorrncia, a fiscalizao dos atos administrativos
assume importncia fundamental para a manuteno da ordem jurdica e
das liberdades pblicas. Em universo normativo em constante expanso, os
atos do Executivo devem ser cuidadosamente analisados, sob pena de
florescerem abuso e arbtrio.
A atividade de controle parlamentar no , propriamente, umainovao dos dias de hoje. Montesquieu j admitia que aos parlamentos
caberia fiscalizar o cumprimento das normas por eles criadas. A execuo
oramentria, por exemplo, sempre foi tema cuja fiscalizao parlamentar
era admitida.
Houve, no entanto, alterao substancial quanto natureza do
poder de investigao dos parlamentos, a passagem de um poder implcito
de investigao, baseado na capacidade do Legislativo de buscar a
implementao dos atos dele provenientes para uma faculdadeexplicitamente reconhecida de perquirio acerca de atos cuja competncia
originria no seria, em princpio, do Congresso, tais como os atos de
administrao, quer do Executivo, quer do Judicirio.
As alteraes no padro tradicional de diviso dos poderes,
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com maior ingerncia do Executivo, tornam imperativa, portanto, maior
participao do Legislativo no controle dos atos dos governantes e de seus
rgos auxiliares. Representantes do conjunto da sociedade e guardies das
aspiraes ltimas dos povos, os parlamentos devem se adaptar a essa nova
realidade e desenvolver mtodos para desempenhar essa funo.
I. 3. Natureza e objetivos da comisso parlamentar de
inqurito
preciso deixar claro, de incio, aquilo que a sociedade
brasileira pode esperar de uma comisso parlamentar de inqurito. Isso
porque, como ocorre com qualquer instituio do Estado, no regime
democrtico, os poderes das CPI no so ilimitados.
Percebe-se inclinao dos formadores de opinio por medir o
xito de uma CPI pela quantidade de autoridades, agentes polticos e
cidados que, em funo dela, venham a ser punidos. Isso, no obstante,
parece-nos equivocado. Portanto, para evitar especulaes, os objetivos de
uma CPI devem ser definidos de maneira precisa, at para que no se
estimulem iluses, e no se pretenda alcanar objetivos que no lhe dizem
respeito.
Em tese, pode-se esperar de uma CPI:
a) que contribua para a transparncia da administrao pblica,
na medida em que revela, para a populao, fatos e circunstncias que, de
outra forma, no seriam do conhecimento pblico;
b) que, na qualidade de rgo do Poder Legislativo, possibilite
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o exame crtico da legislao aplicvel ao caso sob investigao, para, a
partir desse exame, eventualmente sugerir medidas saneadoras e
proposies visando ao seu aprimoramento.
c) que proponha respectiva Casa do Congresso Nacional,
sempre que cabvel, a abertura de processo contra parlamentar quando seu
nome estiver vinculado a fatos ou atos que possam implicar prejuzo
imagem do parlamento e sempre que se possa identificar possvel quebra
do decoro parlamentar;
d) que, ao fim, aponte ao Ministrio Pblico, caso identifique,
fatos que possam caracterizar delitos ou prejuzo administrao pblica,
para que aquele rgo promova a responsabilidade civil e penal
correspondente.
A CPI da Espionagem, pela sua natureza singular, ter comoprincipal objetivo identificar falhas nos sistemas de inteligncia e
contrainteligncia e de proteo de dados que trafegam pela internet, e
eventualmente fazer proposies para o seu aprimoramento.
Como se ver no decorrer da leitura deste relatrio, no foi
possvel confirmar a materialidade de crime, de modo que as investigaes,
sob essa tica, restaram inconclusas. No obstante, a CPI foi de
fundamental importncia para fazer uma primeira avaliao dos sistemas
brasileiros de inteligncia e de segurana das comunicaes. A partir dodiagnstico feito, os atores envolvidos podero oferecer sugestes para o
aprimoramento desses sistemas.
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I. 4. Histrico dos fatos
A srie de denncias que motivou a criao desta CPI
comeou em maio de 2013, quando foram publicados os primeiros
documentos secretos vazados pelo especialista em computao Edward
Snowden, que trabalhou para empresas ligadas Agncia de Segurana
Nacional dos Estados Unidos, [National Security Agency (NSA)] e
Central de Inteligncia Americana [Central Intelligence Agency(CIA)].
Snowden teve acesso s informaes divulgadas quando
prestava servios terceirizados para a Agncia de Segurana Nacional no
Hava. Ao procurar a imprensa e entregar parte dos dados que possua,
Snowden deixou o estado do Hava e foi, de incio, para Hong Kong, em 20
de maio, antes de as primeiras reportagens virem a pblico. Em junho, os
Estados Unidos da America (EUA) pressionaram as autoridades chinesas
responsveis para responder ao pedido de extradio do referido senhor,
que foi formulado com base em tratado para esse fim em vigor desde 1998.
Em 23 de junho, Snowden deixou Hong Kong e partiu rumo a
Moscou, na Rssia. A viagem foi feita com apoio do WikiLeaks, de Julian
Assange, que enviou militante para ajudar o ex-tcnico da CIA. O
americano ficou na rea de trnsito do aeroporto de Sheremetyevo por
quarenta dias, em verdadeiro "limbo" jurdico, j que no tinha documentos
para entrar em territrio russoseu passaporte havia sido cancelado pelos
Estados Unidos da Amrica.
Snowden enviou pedido de asilo para 21 pases, entre eles
Brasil, Cuba, Venezuela, Bolvia, Nicargua, China, Rssia, Alemanha e
Frana, segundo o WikiLeaks. Trs desses pases se dispuseram a abrig-lo
Venezuela, Bolvia e Nicargua.
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No dia 16 de julho, Snowden pediu oficialmente asilo
temporrio Rssia. Em 1 de agosto, ele recebeu os documentos
necessrios e deixou a rea de trnsito do aeroporto rumo a "local seguro"
em territrio russo.
Contrariada, a Casa Branca desmarcou encontro de cpula
entre os presidentes Obama e Putin previsto para setembro.
I. 5. Notcias que deram ensejo instaurao da CPI
Documentos repassados por Snowden ao advogado e colunista
Glenn Greenwald, do jornal britnico The Guardian, revelaram que os
EUA vinham h tempos espionando seus prprios cidados e que o
esquema de vigilncia ciberntica tambm se estendia Europa e China.
Em julho do ano passado, novos documentos apontaram o
Brasil como um dos alvos preferenciais do servio de inteligncia norte-
americano. Braslia teria inclusive sediado, pelo menos at 2002, uma das
16 bases de espionagem da NSA ao redor do mundo. A embaixada do
Brasil em Washington e a misso do Brasil na Organizao das Naes
Unidas (ONU) estariam entre os espionados.
Novas denncias, tambm em julho de 2013, indicaram que o
esquema de vigilncia dos EUA havia se espalhado pela Amrica Latina.
Logo em seguida, revelaes sobre o alcance dos programas Prism e
XKeyscore, usados para a espionagem, jogaram por terra a justificativa
oficial de que a vigilncia seria restrita aos chamados metadados, colhidos
apenas nos pontos de troca do trfego de informao, ou seja, nas conexes
de redes de dados nacionais com as denominadas supervias da internet. O
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servio secreto norte-americano teria, na verdade, amplo acesso aos
contedos das comunicaes telefnicas e digitais, dentro e fora do
territrio americano.
Novas revelaes, cada vez mais graves, foram feitas aos
poucos. Os Estados Unidos teriam espionado ao menos oito pasesentre
eles o Brasilpara aprovar sanes contra o Ir, no Conselho de Segurana
da ONU, em 2010. Tambm teriam espionado os planos de participantes da
5 Cpula das Amricas, em 2009, e pago 100 milhes de libras ao centro
de escutas britnico [Government Communications Headquarters(GCHQ)]
nos ltimos trs anos, para trabalho conjunto de espionagem digital.
Parceria semelhante teria sido firmada com a agncia de inteligncia alem
[Bundesnachrichtendienst(BND)].
Trs semanas aps a divulgao dos primeiros dados, a revistaalem Der Spiegelpublicou reportagem afirmando que a Unio Europeia
era um dos "objetivos" da Agncia Nacional de Segurana (NSA). A
publicao sustentou as acusaes com documentos confidenciais a que
teve acesso graas s revelaes do ex-funcionrio americano.
Em um dos documentos, de setembro de 2010 e considerado
"estritamente confidencial", a NSA descreve como espionou a
representao diplomtica da UE em Washington, usando microfones
instalados no edifcio e entrando na rede de informtica, o que permitia aleitura de e-mails e de documentos internos.
A Agncia chegou a ampliar suas operaes at Bruxelas. "H
mais de cinco anos", afirma aDer Spiegel, os especialistas em segurana da
UE descobriram um sistema de escuta na rede telefnica e de internet do
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edifcio Justus-Lipsius, sede principal do Conselho da UE, que alcanava
at o quartel-general da Organizao do Tratado do Atlntico Norte
(OTAN), na regio da capital belga.
Ao longo do ms de outubro, novas revelaes sobre
espionagens feitas pelos EUA (e tambm pelo Reino Unido) contra chefes
de Estado europeus vieram tona. Alemanha, Itlia, e Frana tiveram seus
presidentes e chanceleres espionados, segundo documentos revelados pelas
imprensas locais. Os pases pediram satisfaes aos EUA e convocaram os
embaixadores americanos em seus territrios para maiores esclarecimentos.
Lderes da Unio Europeia divulgaram comunicado no dia 25
de outubro de 2013 dizendo que a desconfiana sobre o esquema de
espionagem dos Estados Unidos poderia prejudicar os esforos mundiais no
combate ao terrorismo. A declarao foi dada aps o jornal The Guardian
revelar que 35 lderes mundiais tiveram conversas telefnicas monitoradas,inclusive a chanceler alem, Angela Merkel, e o presidente francs,
Franois Hollande.
No dia 28 de outubro de 2013, o jornal espanhol El Mundo
revelou que mais de 60 milhes de ligaes na Espanha foram monitoradas
em um perodo de trinta dias. O governo espanhol convocou o embaixador
dos EUA no pas para dar explicaes.
No dia 30, uma publicao italiana revelou que o Vaticano e oPapa Francisco tambm teriam sido monitorados, inclusive durante o
conclave que elegeu o Papa. Os EUA negaram as acusaes.
At a China passou a cobrar explicaes do governo
estadunidense, aps a imprensa australiana revelar que os EUA usavam
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suas representaes diplomticas em territrio chins para coletar dados
sobre o pas. A Indonsia tambm teria sido espionada por meio de
embaixadas australianas.
I. 6. Brasil como alvo da espionagem
Reportagens do jornal O Globo publicadas a partir de 6 de
julho de 2013, com dados coletados por Snowden, mostraram que milhes
de e-mails e ligaes de brasileiros e estrangeiros em trnsito no pas foram
monitorados. Ainda segundo os documentos, uma estao de espionagem
da NSA funcionou em Braslia pelo menos at 2002. Os dados apontam
ainda que a embaixada do Brasil em Washington e a representao do pas
junto ONU, em Nova York, tambm podem ter sido monitoradas.
A revista poca tambm publicou reportagem sobre
documento secreto que revela como os Estados Unidos espionaram ao
menos oito pasesentre eles o Brasilpara aprovar sanes contra o Ir.
Reportagem do programa Fantstico, da TV Globo, veiculada
no dia 1 de setembro de 2013, mostrou que o esquema de espionagem
norte-americano no teria poupado nem mesmo a presidente Dilma
Rousseff. Ligaes telefnicas e mensagens eletrnicas entre a presidente e
seus assessores diretos teriam sido monitoradas. Conversas entre essesassessores e entre eles e terceiros tambm teriam estado na mira do servio
secreto dos Estados Unidos.
Notcias veiculadas nas semanas subsequentes demonstram
que Petrobras e Ministrio das Minas e Energia tambm foram alvo de
espionagem.
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Segundo revelou o programaFantstico, a NSA, em um plano
de treinamento de agentes, fez uma apresentao que recebeu a
classificao "ultrassecreta" e que foi elaborada em maio de 2012, para
instruir procedimentos de espionagem de redes privadas de computador
redes internas de empresas, governos e instituies financeiras e que
existem, justamente, para proteger informaes. O nome da Petrobras, a
maior empresa do Brasil, aparece logo no incio do documento mostrado
peloFantstico, com o ttulo Muitos alvos usam redes privadas.
No caso do Ministrio das Minas e Energia, a espionagem teria
sido feita pela Agncia Canadense de Segurana em Comunicao
[Communications Security Establishment Canada(CSEC)], De acordo com
apresentao obtida com exclusividade pelo programa Fantstico, o
Ministrio teria sido alvo de espionagem, cujo objetivo seria a rede de
comunicaes da pastatelefonemas, e-mails e uso da internet.
Segundo a matria, a apresentao canadense foi exibida em
junho de 2012 em conferncia que reuniu analistas ligados a agncias de
espionagem de cinco pases, do grupo conhecido como Five Eyes(Cinco
Olhos, em portugus): Estados Unidos, Inglaterra, Canad, Austrlia e
Nova Zelndia.
No h indicao de que o contedo das comunicaes tenha
sido acessado. Aparentemente, foram captados os metadados, que indicam
quem falou com quem, quando, onde e como. A mesma apresentao, no
entanto, sugere ao fim que seja realizada tambm uma espionagem
conhecida como man on the side (homem ao lado), em que toda
informao pode ser copiada nos momentos em que entra e sai da rede (no
em trnsito).
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I. 7. Apresentao do requerimento para instaurao da CPI
Aps a revelao de que o Brasil um dos principais alvos da
rede de espionagem global montada pelo servio de inteligncia norte-
americano e de que milhes de brasileiros e estrangeiros residentes ou em
trnsito no Pas, alm de instituies e empresas sediadas no Brasil tiveram
sua privacidade digital violada, fez-se imprescindvel investigar no apenas
o alcance das denncias, mas tambm as fragilidades do sistema detelecomunicaes brasileiro e do nosso sistema de inteligncia e defesa
ciberntica.
Diante desse quadro, foi apresentado e aprovado o
Requerimento n 811, de julho de 2013-SF, de autoria da Senadora Vanessa
Grazziotin (PCdoB/AM) e outros Senadores, para criao da presente
comisso parlamentar de inqurito (CPI), para, no prazo de cento e oitenta
dias, investigar a denncia de existncia de um sistema de espionagem,
estruturado pelo governo dos Estados Unidos, com o objetivo de monitorar
e-mails, ligaes telefnicas, dados digitais, alm de outras formas de
captar informaes privilegiadas ou protegidas pela Constituio Federal.
I. 8. Instalao da CPI
Em 3 de setembro de 2013, foi realizada a 1 reunio
(instalao) da Comisso, oportunidade em que foram eleitos Presidente,
Senadora Vanessa Grazziotin, e Vice-Presidente, Senador Pedro Taques, e
designado o Relator, Senador Ricardo Ferrao.
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I. 9. Composio
A Comisso Parlamentar de Inqurito foi composta por onze
titulares e sete suplentes, devidamente indicados pelas respectivas
lideranas partidrias. O quadro abaixo indica a atual composio da CPI,
sendo, logo a seguir, detalhadas as mudanas ocorridas durante o perodo
de sua existncia.
Cargo Senador
Presidente Vanessa Grazziotin
Vice-Presidente Pedro Taques
Relator Ricardo Ferrao
Membros Titulares Roberto Requio (PMDB-PR)
Ricardo Ferrao (PMDB-ES)
Benedito de Lira (PP-AL)
Srgio Peteco (PSD-AC)
Vanessa Grazziotin (PC do B-
AM)
Walter Pinheiro (PT-BA)
Anibal Diniz (PT-AC)
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Pedro Taques (PDT - MT)
Eduardo Amorim (PSC-SE)
Membros Suplentes Euncio Oliveira (PMDB-CE)
Eduardo Suplicy (PT - SP)
Ldice da Mata (PSB - BA)
Antonio Carlos Rodrigues (PR
- SP)
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I. 10. Atividades realizadas
A CPI da Espionagem apreciou e aprovou 72 dos 74
requerimentos apresentados pelos seus membros. Entre os aprovados esto
requerimentos de convite ou convocao e requerimentos de pedido de
informaes. Os requerimentos de informaes dirigidos a rgosgovernamentais e tambm a rgos no governamentais foram atendidos,
sendo que quase todos os documentos foram digitalizados pela Secretaria
da CPI e disponibilizados para o conjunto das assessorias dos membros da
CPI.
De um total de doze reunies ocorridas na CPI, oito foram
destinadas realizao de audincias pblicas para colher o depoimento de
especialistas, de servidores pblicos e de jornalistas. Outras quatro reunies
foram administrativas.
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Parte IIESPIONAGEM E DIREITO INTERNACIONAL
II. 1. Consideraes iniciais
Verifica-se, nos dias de hoje, crescente internacionalizao
dos interesses nacionais. A superlativa interdependncia entre os povos ,
nos tempos de agora, um fato. Ignorar o que se passa no planeta , portanto,
opo arriscada. A matria , por certo, um dos desdobramentos da
crescente interdependncia dos pases em poca de avano tecnolgico sem
precedentes na histria da humanidade, bem como em momento de incrvel
velocidade nas trocas de comunicaes em escala global. A essas
circunstncias alguns autores apuseram a etiqueta globalizao. Cuida-se,
com efeito, de nova dimenso no relacionamento interestatal.
Nessa ordem de ideias, apropriado partir de estudo
contextualizado da palavra globalizao para compreenso mais exata
dos fatos que motivaram esta CPI. Isso se d tendo em vista que o termo
adquiriu ares de unanimidade, no necessariamente quanto ao seu exato
contedo, mas no tocante sua utilizao para explicar fenmenos que
transcendem o espao territorial de um Estado. Esses episdios tm
impacto direto nas transformaes medida que aceleram a velocidade dasmudanas verificadas no direito internacional das ltimas dcadas.
A ideia de globalizao permeia a vida contempornea em
todos os domnios vista, sobretudo, de sua natureza plurvoca. Como
destacado em relatrio do Banco Mundial, a Globalizao (...) um
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processo que afeta muitos aspectos das nossas vidas. Os ataques terroristas
aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 foram um aspecto da
globalizao. O rpido crescimento e a reduo da pobreza na China, na
ndia e em outros pases que eram pobres 20 anos atrs outro. O
desenvolvimento da Internet, a comunicao e o transporte mais fceis em
todo o mundo so um terceiro aspecto. A disseminao da AIDS parte da
globalizao, da mesma forma que o acelerado desenvolvimento detecnologias que aumentam a expectativa de vida das pessoas2.
O rol indicado pelo Banco, embora passvel de crticas,
exemplifica a dimenso do fenmeno, que atinge de maneira contundente
formas de atuao dos Estados nacionais no campo da espionagem.
De incio, o termo buscava caracterizar nova fase da economia
mundial. Com o tempo, invadiu outros domnios poltico, social,ambiental, cultural. Cuida-se do vocbulo da moda. Parece, pois, acertada a
observao de Bauman no sentido de que todas as palavras da moda
tendem a um mesmo destino: quanto mais experincias pretendem explicar,
mais opacas se tornam3. Reside, provavelmente, nessa opacidade o carter
perene que o vocbulo adquiriu em vrios contextos.
Uma primeira definio do fenmeno indica que ele
compreende o conjunto de trocas econmicas entre diferentes partes doglobo. O espao mundial torna-se, assim, o lugar das transaes entre os
diferentes povos. Desse modo, parece certo dizer que o processo verificado
2GLOBALIZAO, crescimento e pobreza: a viso do Banco Mundial sobre os efeitosda globalizao. So Paulo: Futura, 2003. p. 93BAUMAN, Zygmunt. Globalizao: as consequncias humanas. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 1999. p. 7.
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na atualidade sucede outras globalizaes: as grandes descobertas ibricas,
a colonizao europeia, a revoluo industrial britnica. O assunto est,
portanto, ligado ao estado das tcnicas e ao seu impacto sobre a
acessibilidade ao espao fsico. A revoluo nos meios de comunicao e a
velocidade no fluxo de informaes incorporaram ao termo novas
perspectivas4. Vale acrescentar, ainda, que as percepes vinculadas aos
limites fsicos da Terra so alteradas.
J se definiu o fenmeno na linha da ampliao do
relacionamento social em dimenso planetria de modo que eventos
ocorridos a muitos quilmetros de distncia tm impacto sobre
acontecimentos locais e vice-versa. Verifica-se, assim, a morte da
localizao geogrfica.
Pode-se considerar, em sntese, que isso acontece no planoeconmico, graas, sobretudo, aos seguintes fatores: 1) terceira revoluo
tecnolgica (vinculada a busca, processamento, difuso e transmisso de
informaes; inteligncia artificial; engenharia gentica); 2) formao de
reas de livre comrcio (Unio Europia, Mercado Comum do Sul, rea de
Livre Comrcio da Amrica do Norte); e 3) interligao e interdependncia
dos mercados fsicos e financeiros em escala planetria.
4GIDDENS, por exemplo, recorda que Nos Estados Unidos, o rdio levou quarentaanos para atingir os cinquenta milhes de ouvintes. O mesmo nmero de pessoas usavao computador pessoal, apenas quinze anos depois de a mquina ter sido inventada. Sforam precisos uns meros quatro anos, para haver cinqenta milhes de americanos queusam a Internet com regularidade (GIDDENS, Anthony. O mundo na era daglobalizao. Lisboa: Presena, 2000. p. 23).
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Importante destacar que, na esfera poltica, a derrocada do
nico grande sistema que concorria com o capitalismo liberal em mbito
mundial contribuiu, por igual, para a acelerao do processo. O
desaparecimento da bipolaridade levou Fukuyama a propor o fim da
histria, com a consagrao do modelo neoliberal5. Para ele no haveria
mais alternativas ao capitalismo e democracia liberal.
Lafer, por sua vez, ao comentar os acontecimentos do romper
dos anos 1990, pondera que a vida internacional deixou de ter como
elemento estruturador as polaridades definidas das relaes Leste/Oeste;
Norte/Sul. Passou a caracterizar-se por polaridades indefinidas, sujeitas s
foras profundas de duas lgicas que operam numa dialtica contraditria
de mtua complementaridade: a lgica da globalizao (das finanas, da
economia, da informao, dos valores etc.) e a lgica da fragmentao (das
identidades, da secesso dos Estados, dos fundamentalismos, da excluso
social etc.)6. As foras profundas produzem globalizao desigual,
permeada de promessas no cumpridas de vantagens iguais para todos7.
Nessa ordem de ideias, Ricupero convida nossa ateno para
alguns mitos que se criaram em torno do conceito8. O primeiro deles aponta
para o sonho de modelo nico: democracia representativa e economia de
5FUKUYAMA, Francis. The end of history and the last man . New York: Avon Books,1998.6LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a poltica externa brasileira:
passado, presente e futuro. So Paulo: Perspectiva, 2001, p. 109.7STIGLITZ, Joseph. A globalizao e seus malefcios: a promessa no cumprida de
benefcios globais. So Paulo: Futura, 2002. Ver, ainda, SANTOS, Milton. Por umaoutra globalizao: do pensamento nico conscincia universal. 5. ed. So Paulo:Record, 2004.8 RICUPERO, Rubens. O Brasil e o dilema da globalizao. So Paulo: Servio
Nacional de Aprendizagem Comercial, 2001. pp. 27-88.
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mercado. Outra quimera indicada pelo embaixador relaciona-se ideia da
agonia do conceito de soberania do Estado. Em relao a esse, ele oferece
exemplo que deixa, no mnimo, grande interrogao. O professor
argumenta que
(....) se fosse verdade que a globalizao inelutavelmenteacarreta o encolhimento das soberanias e a superao do Estado-
nao, em nenhum lugar essas tendncias deveriam ser toevidentes como nos EUA, inventor e centro da globalizao e
Estado mais globalizado do planeta. Ora, o inverso que ocorre.
Nunca a soberania americana disps de tantos instrumentos de
poder e nunca os utilizou com tamanha desenvoltura, para
afirmar-se como faz hoje9.
Essa perspectiva parece confirmada pelos novos mtodos
utilizados pelo governo estadunidense para espionar no s pessoas fsicas
e jurdicas, mas tambm governos estrangeiros.
Do exposto, parece razovel supor que a globalizao tem, por
igual, desdobramento no plano jurdico. Esse desdobramento ocorre tanto
na esfera interna quanto na externa. Em sua dimenso exterior, a
globalizao jurdica representa o brao de segurana necessrio
consolidao do que at aqui se alcanou, sobretudo, no plano econmico:
transnacionalizao dos mercados de insumos, produo, capitais, finanas
e consumo. Cuida-se, portanto, de apreciar o impacto da globalizao no
direito internacional. Esse estudo importante para o exato enquadramentotanto da espionagem quanto de suas exatas consequncias. Em derradeira
anlise, como controlar, pela via do direito, o abuso no desrespeito tanto
9RICUPERO, op. cit., p. 46.
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dignidade da pessoa humana quanto da privacidade que a espionagem
oficial desmedida encerra.
Trata-se, pois, de evitar anlise pela tica tanto da imposio
por extenso universal de um sistema legal quanto da criao de
sistemas regulatrios no-estatais10. Nesse passo, relevante destacar a
observao de Brigitte Stern no sentido de que a nica maneira deregulamentar a economia global e o mundo globalizado desenvolver a
eficincia da lei internacional, tanto no seu contedo quanto na sua
estrutura legal. Em outras palavras, no h salvao fora da criao de um
verdadeiro sistema internacional legislativo de regulamentao
universal11. Essa perspectiva tanto mais verdadeira quanto mais se tem
em ateno os efeitos da tecnologia na vida das pessoas.
Com isso, e em consonncia como pensamento de Matias, razovel sustentar que a globalizao do direito
pode ser desdobrada em dois aspectos principais: aumento nonmero de regras internacionais e proliferao das organizaes
internacionais. Ambos os aspectos possuem carter jurdico e
poltico e contribuem para a construo da sociedade global. O
primeiro, de carter mais geral, abordado como globalizao
jurdica. O segundo pode ser visto sob dois ngulos principais: a
cooperao internacional e a integrao regional.12
10 Para maiores aprofundamentos, ver STERN, Brigitte. How to regulateglobalization?. In: BYERS, Michael (Ed.) The role of law in international politics:essays in international relations and international law. Oxford: Oxford University Press,2001. pp. 246-268.11STERN, Brigitte. O contencioso dos investimentos internacionais. Barueri: Manole,2003. p. 8.12MATIAS, Eduardo. Humanidade e suas fronteiras: do Estado soberano sociedadeglobal. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. p. 197.
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Parece, de incio, que esse modo de agir poderia dar o tom do
tratamento a ser ministrado para os abusos cometidos por agncias do
governo dos Estados Unidos da Amrica (EUA) no tocante invaso
indiscriminada de correspondncias eletrnicas e de comunicaes de
inmeras pessoas em plano global. Os desafios, no entanto, so imensos.
conhecida a virtual ausncia de normas a vincular os Estados nesse
domnio. E mais, no campo do direito das gentes, seguimos em terrenofortemente marcado pelo voluntarismo estatal. Isso tanto mais verdadeiro
quanto mais se considera determinados modos de proceder na arena
internacional de potncias como os EUA.
Dessa forma, a implementao de marco legislativo no mbito
do direito internacional de modo a regulamentar os espaos de atuao
excepcional dos Estados na intromisso no direito privacidade em um
mundo globalizado, bem como os mecanismos multilaterais de controledessa eventual intromisso, ainda est por ser feito.
Tendo em conta o que foi dito, esse captulo do relatrio
objetiva dar notcia do papel, ainda que rarefeito, do direito internacional
pblico no atual combate a sistemas de espionagem como o implementado
pela Agncia de Segurana Nacional dos EUA. Essa parcela do relatrio
trar, ainda, notcia sumria dos trabalhos da comisso instalada no mbito
do Parlamento Europeu para cuidar do assunto.
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II. 2. Direito internacional pblico
No campo do direito internacional pblico, o aspecto mais
diretamente vinculado com os fatos investigados pela CIP da Espionagem
relaciona-se com a dimenso de proteo aos direitos humanos. E, nesse
domnio, com a necessidade de se respeitar a vida privada das pessoas.
O direito privacidade sobressai como mecanismo de proteocontra a arbitrariedade praticada por agncias de governo estadunidenses
no vasculhar indiscriminada e indistintamente a vida de sditos de
diferentes pases, bem como seus respectivos governos. Os episdios que
levaram instalao desta CPI representaram, a juzo de muitos, verdadeira
ofensa a esse direito, consagrado em vrios instrumentos internacionais.
Dessa forma, a interceptao irrestrita de comunicaes, bem
como a gravao injustificada de dados pelos servios de inteligncia dosEUA denota implacvel violao privacidade do ser humano. Essa forma
de agir significa sobretudo em democracias consolidadas como as
envolvidas no episdioofensa gravssima a esse direito.
Nessa ordem de ideias, convm recordar o que estabelecem
alguns instrumentos internacionais em relao ao assunto. De incio, a
Declarao Universal dos Direitos Humanos [DUDH (1948)], que assim
dispe:
Artigo XII. Ningum ser sujeito a interferncia arbitrria na sua
privacidade, na sua famlia, no seu lar ou na sua correspondncia,
nem a ataques sua honra e reputao. Toda pessoa tem direito
proteo da lei contra tais interferncias ou ataques.
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, por igual, oportuno consignar o estipulado em relao ao
tema no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos [PIDCP
(1966)]13:
Artigo 17.
1. Ningum poder ser objeto de ingerncias arbitrrias ou ilegais
em sua vida privada, em sua famlia, em seu domiclio ou em sua
correspondncia, nem de ofensas ilegais s suas honra e
reputao.
2. Toda pessoa ter direito proteo da lei contra essas
ingerncias ou ofensas.
No ponto, a Conveno Americana de Direitos Humanos
[CADH, Pacto de San Jos da Costa Rica (1969)]14estipula:
Artigo 11. Proteo da Honra e da Dignidade
1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao
reconhecimento de sua dignidade.
2. Ningum pode ser objeto de ingerncias arbitrrias ou abusivas
em sua vida privada, na de sua famlia, em seu domiclio ou em
sua correspondncia, nem de ofensas ilegais sua honra e
reputao.
3. Toda pessoa tem direito proteo da lei contra tais
ingerncias ou tais ofensas.
A Conveno Europeia dos Direitos Humanos [CEDH (1950)]
prescreve, por igual, que:
Artigo 8. Direito ao respeito pela vida privada e familiar.
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e
familiar, do seu domiclio e da sua correspondncia.
13Incorporado ao ordenamento jurdico brasileiro por meio do Decreto n 592, de 1992.14Incorporado ao ordenamento jurdico brasileiro por meio do Decreto n 678, de 1992
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2. No pode haver ingerncia da autoridade pblica no exerccio
deste direito seno quando esta ingerncia estiver prevista na lei e
constituir uma providncia que, numa sociedade democrtica, seja
necessria para a segurana nacional, para a segurana pblica,
para o bem-estar econmico do pas, a defesa da ordem e a
preveno de infraes penais, a proteo da sade ou da moral,
ou a proteo dos direitos e das liberdades de terceiros.
A Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia
(2010)15contempla, sobre a matria, o seguinte dispositivo:
Artigo 7. Todas as pessoas tm direito ao respeito pela sua vida
privada e familiar, pelo seu domiclio e pelas suas comunicaes.
Dos textos transcritos, apropriado destacar que: a) inexiste,
para fins do direito que se almeja proteger, distino de substncia entre
privacidade (DUDH) e vida privada (CEDH); cuida-se, em derradeira
anlise, to s da tentativa de assegurar a concordncia entre os textos
ingls e francs; b)o Artigo 17 do PIDCP, cpia do Artigo XII da DUDH,
, no entanto, mais enftico na proibio. Com efeito, ele visa a proibir
interferncia arbitrria ou ilegal, ou seja, nenhuma interferncia pode
ocorrer, exceto nos casos previstos em lei; c)a CEDH, por seu turno, prev
(Art. 8, 2) limitaes que podem ser fixadas ao direito proclamado (Art.
8, 1).
Com exceo do bem estar econmico do pas, as demais
limitaes previstas na CEDH so compreensveis. Contudo, mesmo em
relao a esses limites necessrio juzo de ponderao, de razoabilidade e
de clara percepo no sentido de que, na dvida sobre se determinada
15O texto retoma, com adaptaes, a Carta proclamada em 7 de dezembro de 2000, e asubstitui a partir da entrada em vigor do Tratado de Lisboa.
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forma de ao do Estado afronta essa proteo, deve-se garantir o direito
privacidade da potencial vtima.
To exato quanto o que foi acima dito a circunstncia de que
as normas de direito internacional que, de tal ou qual forma, cuidam da
matria no definem o que se entende por privacidade ou vida privada.
O conceito, de resto, ambguo tambm no plano jurdico interno dos
Estados. Cuida-se provavelmente do direito mais difcil de definir no amplo
catlogo internacional de direitos humanos. As definies variam
enormemente vista do contexto e do ambiente que se tem em
considerao. A depender do interessado/intrprete, ele pode adquirir
distintas acepes. Assim, por exemplo, contemplar proteo:
1. Da inviolabilidade fsica e mental do indivduo e da
liberdade intelectual e moral da pessoa;
2.
Contra ataques honra ou reputao do indivduo e
ofensas similares;
3.
Do nome, identidade ou imagem do indivduo contra
uso no autorizado;
4. Contra a divulgao de informao abrangida pelo dever
de segredo profissional; e
5.
Contra ser espionado, vigiado ou molestado16.
16 Para maiores desdobramentos, v., entre outros, LOUCAIDES, L. Personality andprivacy under the European Convention on Human Rights. British Year Book ofInternational Law, vol. 61, pp. 175-197, 1990.
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Entendimento mediano registra que a vida privada seria o
direito de viver, de acordo com sua vontade, protegido da publicidade.
Ocorre, todavia, que as pessoas vivem em sociedade. Com isso, a proteo
privacidade pode sofrer temperamentos. De toda forma, as autoridades
pblicas competentes somente podem exigir informao relacionada vida
privada de uma pessoa na hiptese de essa informao ser essencial para os
interesses da sociedade em questo. E aqui vale uma advertncia: mesmoem relao s ingerncias permitidas no direito das gentes, a legislao
estatal relevante deve especificar, de maneira detalhada, as circunstncias
precisas em que essas intromisses so permitidas.
Dessa forma, a coleta e o armazenamento de informaes
pessoais em computadores, banco de dados e outros dispositivos, seja por
autoridades pblicas ou pessoas fsicas ou jurdicas, devem ser regulados
por lei. Para alm disso, medidas eficazes devem ser tomadas pelo Estadopara assegurar que informaes a respeito da vida privada de uma pessoa
no estejam ao alcance de outras pessoas no autorizadas por lei para
receber, processar ou usar tais informaes. , pois, obrigao dos Estados
a adoo de medidas legislativas e outras necessrias para dar efeito
proibio de interferncias e ataques. Em sntese, a plena fruio do direito
privacidade demanda ao e vigilncia constante do Estado.
Os tratados transcritos representam avano no plano
internacional da proteo do direito privacidade, mas vinculam, to s, os
Estados que formalmente se comprometeram por meio da
ratificao/adeso. Essa circunstncia no vale para a DUDH, certo; no
menos certo, entretanto, que esse instrumento no autoaplicvel. A
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Declarao, em sntese, no dispe de mecanismos asseguradores do
cumprimento de suas disposies.
J o PIDCP possui meios de implementao e monitoramento,
que envolve a sistemtica de relatrios encaminhados pelos Estados-partes,
bem como o mecanismo opcional de comunicaes interestatais. A esse
sistema, o Protocolo Facultativo ao Pacto adiciona a possibilidade de
peties individuais a serem apreciadas pelo Comit de Direitos Humanos.
O direito de petio individual mencionado colabora com a
institucionalizao da capacidade processual internacional dos indivduos e
constitui forma de proteo. H, assim, algum modo de international
accountability.
Ocorre, entretanto, que os Estados Unidos da Amrica no
esto vinculados a esses meios de proteo. Eis a um grande paradoxo: oEstado que pretende ser o guardio dos direitos e garantias fundamentais
no endossa os documentos internacionais relacionados com a matria. Em
relao aos seus nacionais, o governo americano adota um procedimento; j
no tocante aos estrangeiro, a conduta outra. Faa oque eu digo, mas no
faa o que eu fao. Tratando-se de pas com slida tradio democrtica,
esse exemplo , a vrios ttulos, lamentvel.
No mbito da ONU, convm recordar, desde logo, que otratado constitutivo da Organizao estabelece entre seus propsitos
promover e estimular o respeito aos direitos humanos e s liberdades
fundamentais para todos (Art. 1, 3, da Carta da ONU). Com o tempo,
essa finalidade foi alargadatanto no que tange aos instrumentos quanto
no tocante s instituies e adquiriu maior consistncia. Nos dias de
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hoje, o Alto Comissrio das Naes Unidas para os Direitos Humanos
trabalha para oferecer conhecimento e apoio aos diferentes mecanismos de
monitoramento dos direitos humanos no sistema onusiano. Ele , de algum
modo, o corao do sistema.
Dentro do esprito de ampliar o debate em torno das graves
violaes perpetradas pelo governo dos Estados Unidos e de modo a lev-
lo para o campo do multilateralismo, o governo brasileiro estimou
adequado acionar os canais disponveis nas Naes Unidas. Nesse sentido,
o Brasil, em conjunto com a Alemanha, ofereceu proposta de resoluo
Terceira Comisso da Assembleia-Geral (AG) da Organizao. Ambos os
pases apresentaram, no dia 1 de novembro de 2013, projeto de resoluo
sobre o direito privacidade na era digital17. O assunto foi endereado,
como referido, Terceira Comisso da AG, responsvel por temas
relacionados com aspectos sociais, humanitrios e culturais18.
A proposta bilateral em comento tem sua gnese vinculada,
como j destacado no mbito deste relatrio, s revelaes feitas pelo Sr.
Edward Snowden. Em conformidade com o que foi divulgado, os servios
de espionagem dos EUA devassaram a privacidade de sditos (pessoas
fsicas e jurdicas) de diversos pases, com destaque para as comunicaes
17V. ntegra da proposta tanto na verso autntica (em ingls) quanto na oficial (emportugus) em: http: //www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/brasil-e-alemanha-apresentam-a-assembleia-geral-da-onu-projeto-de-resolucao-sobre-o-direito-a-privacidade-na-era-digital.Acesso em: 4 de nov. de 2013.18 A Assembleia-Geral desempenha suas funes por meio do trabalho de seisComisses principais, nas quais todos os membros tm direito a representao. So elas:Primeira Comisso (poltica e segurana); Segunda Comisso (econmica e financeira);Terceira Comisso (social, humanitria e cultural); Quarta Comisso (tutela); QuintaComisso (administrativa e oramentria); e Sexta Comisso (jurdica).
http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/brasil-e-alemanha-apresentam-a-assembleia-geral-da-onu-projeto-de-resolucao-sobre-o-direito-a-privacidade-na-era-digitalhttp://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/brasil-e-alemanha-apresentam-a-assembleia-geral-da-onu-projeto-de-resolucao-sobre-o-direito-a-privacidade-na-era-digitalhttp://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/brasil-e-alemanha-apresentam-a-assembleia-geral-da-onu-projeto-de-resolucao-sobre-o-direito-a-privacidade-na-era-digitalhttp://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/brasil-e-alemanha-apresentam-a-assembleia-geral-da-onu-projeto-de-resolucao-sobre-o-direito-a-privacidade-na-era-digitalhttp://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/brasil-e-alemanha-apresentam-a-assembleia-geral-da-onu-projeto-de-resolucao-sobre-o-direito-a-privacidade-na-era-digitalhttp://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/brasil-e-alemanha-apresentam-a-assembleia-geral-da-onu-projeto-de-resolucao-sobre-o-direito-a-privacidade-na-era-digital8/12/2019 CPI Da Espionagem
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telefnicas e eletrnicas de distintos chefes de Estado. O tema motivou
oportuno discurso da Presidente Dilma Rousseff na abertura do Debate
Geral da 68 Assembleia-Geral da ONU, em 24 de setembro de 201319. O
governo brasileiro dava, assim, incio ao lanamento de ao, no mbito
das Naes Unidas, com vistas a coibir ou diminuir semelhante conduta.
Desde ento, a matria tem avanado com certa dificuldade.
Diferentes pases, destacadamente europeus, hesitam em assumir atuao
mais bem definida no plano diplomtico. O cenrio comea a se alterar
com revelaes de que os Estados Unidos tambm espionaram alemes,
franceses, espanhis e, at mesmo, o Papa. Nesse sentido, a Chanceler
Federal alem, Angela Merkel, ficou particularmente agastada com a
apresentao de indcios veementes de que seu aparelho celular havia sido
grampeado por agentes norte-americanos.
Em face disso, o Brasil conseguiu, como referido, apoio da
Alemanha na tentativa de avanar na ONU proposta de resoluo, a ser
encaminhada considerao da Assembleia-Geral (AG), com o objetivo de
ampliar o direito privacidade previsto no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Polticos. A proposta foi aprovada no dia 26 de novembro de 2013
na referida Comisso, tendo sido encaminhada apreciao da AG no final
do ano. Nessa ordem de ideias, o projeto em comento o primeiro passo no
sentido de conter, ainda que minimamente, a intruso de determinados
19V. ntegra do discurso em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-
brasil/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debate-geral-da-68a-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-nova-york-eua-24-09-2013. Acesso em: 5de nov. de 2013.
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rgos de governo de diferentes pases nas comunicaes, sobretudo
online, de estrangeiros.
A proposta representa o preldio do projeto de resoluo a ser
encaminhada considerao da AG das Naes Unidas. Assim, convm ter
notcia, ainda que breve, dos efeitos de uma resoluo aprovada pelo rgo
plenrio mximo da Organizao.
As resolues da Assembleia-Geral das Naes Unidas no
tm, em princpio, o condo de produzir norma vinculante de direito
internacional20. Elas, de resto, obedecem dinmica prpria no campo
internacional. Sua gnese se d no contexto de uma organizao
internacional e o ato final de aprovao no prev, em regra, audincia
preliminar dos respectivos parlamentos dos Estados membros da
organizao.
Dessas caractersticasausncia de fora vinculante e gnese
organizacional , a primeira tem, aos olhos de muitos, sofrido
abrandamentos. Assim, as resolues aprovadas com maioria qualificada,
as que interpretam dispositivos do tratado constitutivo da ONU e as
vocacionadas a codificar normas consuetudinrias na esfera internacional
tm adquirido, para alguns, estatura de norma vinculante. H, por igual,
percepo de que, em determinados casos, as resolues da Assembleiaconstituem evidncia de direito consuetudinrio internacional.
20 Registramos que o termo resoluo no se encontra no Tratado Constitutivo daOrganizao das Naes Unidas (ONU). A Carta da ONU faz meno palavrarecomendao (arts. 10, 11, 12, 13 e 14). Os usos e costumes, no entanto, fizeramcom que as recomendaes oriundas da Assembleia-Geral fossem comumente referidascomo resolues.
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Essa constatao, no entanto, no cria, por si s, nova regra de
direito consuetudinrio. Representa, contudo, importante ponto de partida
para o estabelecimento de norma costumeira. Nesse sentido, digna de
nota manifestao da Corte Internacional de Justia (CIJ) sobre a matria
externada em opinio consultiva de meados dos anos 90.
Da deciso do principal rgo judicirio das Naes Unidas,
recolhemos a seguinte passagem [nfase acrescida (traduo livre)]:
A Corte observa que as resolues da Assembleia-Geral mesmoque no sejam vinculantes, podem eventualmente ter valor
normativo. Elas podem, em determinadas circunstncias,
proporcionar importante evidncia para o estabelecimento da
existncia de norma ou do surgimento de opinio juris. Para fixar
quando isso ocorre, necessrio apreciar seu contedo, bem
assim as condies de sua adoo21.
Esse o quadro, passamos a tecer consideraes sobre ocontedo da proposta germano-brasileira. De incio, oportuno registrar,
uma vez mais, que o assunto foi encaminhado Terceira Comisso vista
da circunstncia de que para l so endereados os temas que tenham
desdobramento social, humanitrio e cultural. Parte importante do trabalho
dessa Comisso est direcionada ao exame de questes pertinentes aos
direitos humanos.
21Texto original: The Court notes that General Assembly resolutions, even if they arenot binding, may sometimes have normative value. They can, in certain circumstances,
provide evidence important for establishing the existence of a rule or of emergence ofan opinio juris. To establish whether this is true of a given General Assemblyresolution, it is necessary to look at its content and the conditions of its adoption.UNITED NATIONS. International Court of Justice. Legality of the Theater or Use of
Nuclear Weapons (Opinio Consultiva), ICJ Reports, 8 de julho de 1996, 70, pp. 254-255. Disponvel em: . Acesso em: 4nov. 2013.
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Dessa maneira, a Comisso acompanha os desenvolvimentos
produzidos na esfera dos direitos humanos no mbito onusiano. Na
67 Sesso da AG, por exemplo, a Terceira Comisso apreciou 59 minutas
de resolues sobre essa temtica, das quais mais da metade foi submetida
ao rgo colegiado mximo da Organizao22.
Nessa ordem de ideias, ambos os pases estimaram por bem
apresentar o projeto de resoluo em anlise. O texto produzido foi o
primeiro esboo. Ele recebeu sugestes e resultou aprovado no mbito da
Terceira Comisso. Com efeito, no dia 26 de novembro de 2013 essa
Comisso aprovou, como mencionado, o texto. A redao final sofreu, no
entanto, alguma alterao. De forma a angariar o apoio dos EUA, da Gr-
Bretanha, da Austrlia, do Canad e da Nova Zelndia, o projeto foi
amenizado em seu tom inicial. A principal modificao foi no sentido de
afastar eventual relao direta entre espionagem e direitos humanos.
A proposta d o tom do que se deseja: ampliar e reafirmar na
era digital o direito privacidade, contemplado em distintos instrumentos
internacionais23. O documento segue o linguajar diplomtico de estilo. Ele
comea em forma de considerandos. Dentre estes, vale destacar os
seguintes:
PP4. Observando que o ritmo acelerado do desenvolvimentotecnolgico permite aos indivduos em todas as regies utilizarem
novas tecnologias de informao e comunicao e, ao mesmo
22Dados extrados do endereo eletrnico da Comisso (http://www.un.org/en/ga/third/.Acesso em: 5 de nov. de 2013).23 V., por exemplo, Art. 12 da Declarao Universal dos Direitos Humanos; Art. 17 do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Polticos; e Art. 7 da Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia (UE).
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tempo, aumenta a capacidade de governos, empresas e indivduos
de vigiar, interceptar e coletar dados, o que pode violar os direitos
humanos, em particular o direito privacidade, tal como
consagrado no artigo 12 da Declarao Universal dos Direitos
Humanos e no artigo 17 do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Polticos e constitui, portanto, tema de preocupao crescente
(...)
PP8. Enfatizando que a vigilncia ilegal das comunicaes, sua
interceptao, bem como a coleta ilegal de dados pessoais
constituem atos altamente intrusivos que violam o direito privacidade e liberdade de expresso e que podem ameaar os
fundamentos de uma sociedade democrtica.
PP10. Profundamente preocupada com violaes e abusos dosdireitos humanos que podem resultar de qualquer vigilncia,inclusive extraterritorial, das comunicaes, sua interceptao, bemcomo coleta de dados pessoais, em particular da vigilncia,interceptao e coleta de dados em massa.
Na sequncia, o projeto prescreve que os mesmos direitos que
as pessoas possuem fora da rede (offline) devem ser protegidos em rede
(online). O texto termina conclamando os Estados a respeitar os direitos
humanos, de modo especial, o direito privacidade; a adotarem medidas
com vistas a cessar eventuais violaes; a revisarem suas prticas,
procedimentos e legislao no que tange ao tema; e a estabelecerem
mecanismos nacionais independentes de superviso de modo a assegurar
transparncia e responsabilizao por possveis transgresses. O projeto
solicita, por fim, Alta Comissria das Naes Unidas para os Direitos
Humanos, Senhora Navanathen (Navi) Pillay, que apresente AG relatrio
preliminar sobre a proteo do direito privacidade no contexto da
vigilncia nacional e extraterritorial das comunicaes, sua interceptao e
coleta de dados pessoais em massa.
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O teor do documento aprovado na Terceira Comisso e na AG
no oferece elementos caracterizadores da opinio juris. Sendo assim, ele
no tem, mesmo que em estado latente, o jeito de costume. Ou seja, o
projeto como redigido no tem efeito jurdico gerador de obrigaes
internacionais. Em resumo, trata-se, ao menos no primeiro momento, de
instrumento mais poltico do que jurdico. E mesmo sob essa tica, ambos
os governos no pretendem apontar os EUA como grandes viles. Elesbuscam, de um lado, dar recado poltico de suas insatisfaes; de outro,
caminhar no sentido de se ampliar a proteo para as comunicaes online
do direito privacidade. Essa extenso, ao sentir de muitos, necessria,
visto que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos foi adotado
pela XXI Sesso da Assembleia-Geral das Naes Unidas, em 16 de
dezembro de 1966. Naquela altura, os meios de comunicao e de troca de
informaes eram muito mais rudimentares.
Historicamente, as resolues da Assembleia-Geral
representam mais a necessidade de manter o tema objeto do instrumento na
agenda internacional e na direo de algo vinculante no futuro do que fonte
cogente do direito internacional. Os exemplos podem ser contados
exausto. Ocorre, no entanto, que, passados quase 69 anos do nascimento
das Naes Unidas, tanto a doutrina quanto a jurisprudncia internacionais
comeam a indicar que determinados documentos tm, pelo menos, o
requisito da opinio jurisque todo costume encerra.
Isso no , ao que parece, o que se apresenta no caso presente.
Cuida-se de iniciativa que poder, de modo eventual, tornar-se o embrio
de algo mais consistente no sentido de se proteger o direito privacidade
na era digital. Essa perspectiva, havendo vontade poltica no campo
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internacional, j dispe de instrumentos para sua implementao. Outro
aspecto a considerar o fato de que possvel resoluo no sentido do que se
deseja carrega forte contedo moral.
De todo o exposto, v-se que, no campo do direito
internacional, as perspectivas de ao contra os Estados Unidos da Amrica
pelos fatos objeto desta CPI so praticamente inexistentes. De toda
maneira, esse ramo da cincia jurdica pode dar o tom de tratamento mais
abrangente do assunto, tendo em conta o que descrito no romper desse
captulo, ou seja, o inexorvel processo de globalizao em que o mundo
est inserido.
Assim, tambm em relao ao trato dessa matria, o Estado
individualmente considerado tornou-se pequeno demais para enfrentar a
questo de maneira isolada. H necessidade de atuao conjunta, de modo aerigir alguma forma de governana global no tocante matria.
Em resumo, os mecanismos atualmente existentes para tanto
so pequenos, para no dizer inexistentes, mas as possibilidades so
grandes. De todo modo, parece cada vez mais necessrio o estabelecimento
de marco multilateral para a governana internacional do setor de
comunicaes, sobretudo da internet, de forma a assegurar a efetiva
proteo de dados, bem assim a privacidade das pessoas e das empresas,para no mencionar as informaes dos governos.
A necessidade de manter sob controle os excessos do Estado
na vigilncia secreta manifesta. O tema, no entanto, demandar muito
consumo de energia nos anos que esto por vir. De toda maneira,
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fundamental manter os olhos no alvo certo, que no , de modo necessrio,
a questo da espionagem mtua entre os Estados, mas a profunda eroso do
direito privacidade.
Outro aspecto relacionado ao direito das gentes o que se
vincula Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas de 1961. Esse
instrumento convencional codificou normas consuetudinrias que tm atrs
de si longa histria. O documento invoca em seus considerandos os
propsitos e princpios da Carta das Naes Unidas relativos igualdade
soberana dos Estados, manuteno da paz e da segurana internacional e
ao desenvolvimento das relaes de amizade entre as naes. Vrios
dispositivos esto, dessa ou daquela maneira, vinculados ao tema objeto de
nossas preocupaes (p. ex.: arts. 24, 27 e 40).
O artigo 41 da Conveno, entretanto, merece destaque. Emseu inciso terceiro, ele prescreve que os locais da Misso no devem ser
utilizados de maneira incompatvel com as funes da Misso. Entre essas
funes est a de inteirar-se por todos os meios lcitos das condies
existentes e da evoluo dos acontecimentos no Estado acreditado e
informar a respeito o Governo do Estado acreditante [art. 3, d (nfase
acrescida)].
As notcias divulgadas demonstram, em larga medida, queprincpios caros aos membros da ONU, transcritos em seu tratado
constitutivo, foram afrontados. Elas revelam, ainda, que os EUA, tambm
mediante sua Misso em Braslia, utilizaram-se de meios ilcitos para se
inteirar de acontecimentos em nosso pas envolvendo no s amplo
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leque de nacionais (pessoas fsicas e jurdicas), mas tambm escales mais
elevados da administrao federal.
O contexto antes descrito de afronta Conveno de Viena
tanto mais grave quanto mais temos em ateno a circunstncia de que
ambos os pases possuem Acordo de Assistncia Judiciria em Matria
Penal
24
. Esse tratado visa justamente facilitar a execuo das tarefas dasautoridades responsveis pelo cumprimento da lei de ambos os pases, na
investigao, inqurito, ao penal e preveno do crime por meio de
cooperao e assistncia judiciria mtua em matria penal. O governo
estadunidense poderia ter utilizado essa via em sua luta no combate ao
terrorismo, por exemplo. De outra maneira, pode-se destacar a existncia
de mecanismo idneo para se alcanar o fim almejado em estrita
observncia aos direitos e garantias fundamentais. O regime democrtico
impe sacrifcios. O absoluto respeito ordem jurdica , por vezes, um
deles.
II. 3. Direito comunitrio
O chamado direito comunitrio representa desdobramento do
direito da integrao, que se desenvolveu a partir da consolidao de blocos
econmicos regionais. Esses blocos tm como objeto a integrao entre
pases para a proteo e a consolidao de objetivos comuns. Diferenas
institucionais, relacionadas com realidades histricas, econmicas e
24 Incorporado ao ordenamento jurdico brasileiro por meio do Decreto n 3.810, de2001.
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polticas, caracterizam os diferentes modelos de integrao econmica.
Nesse sentido, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Unio Europeia
(UE) so bons exemplos dessas distintas formas de integrao.
O Mercosul representa forma de integrao em fase de
desenvolvimento. Ele tem como principal instituto a intergovernabilidade.
No h, portanto, delegao de soberania dos Estados. H, assim,
necessidade de que as normas provenientes do processo de integrao
sejam aceitas por todos os membros do bloco. Em que pese o avano
verificado desde sua criao, esse Mercado ainda se mostra imaturo em
relao aos seus objetivos. Cuida-se de modelo integracionista que tem por
base o direito internacional pblico. Nesse sentido, pode-se dizer que o
Mercosul uma organizao internacional de corte clssico.
J a UE simboliza integrao mais consistente. Ela logrouadotar, por exemplo, um mercado comum e uma moeda nica. Seus
fundamentos se encontram no direito comunitrio, que tem por base a
subsidiariedade, a aplicabilidade imediata das normas provenientes do
bloco e a supranacionalidade.
Outro aspecto a levar em conta o que diz com a
institucionalizao do bloco. No caso europeu, ela muito mais slida.
Assim, por exemplo, a existncia de ordenamento judicirio, que tem porvrtice o Tribunal de Justia da UE. Esse rgo atuou e atua de modo
decisivo por meio de decises que corroboram a autonomia desse direito.
Ele, em ltima anlise, proporciona uniformidade na interpretao
jurisprudencial e na aplicao das normas comunitrias.
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Tendo em conta a maior solidez no mbito do direito da
integrao do direito comunitrio, bem assim as iniciativas da UE no
tocante tanto proteo dos direitos humanos, sobretudo de seus cidados,
quanto ao combate da espionagem indiscriminada mediante novas
tecnologias, esta parte do relatrio levar em conta os trabalhos que nesse
domnio vm sendo produzidos na Europa integrada, de modo destacado no
mbito do Parlamento Europeu (PE). Essa anlise revela-se importante nosentido de verificar outras prticas, bem como de constatar que a
indignao do parlamento brasileiro com a espionagem realizada pela NSA
no ato isolado.
Na amplo espectro de instituies da UE, merece destaque
para as finalidades desta parte do relatrio os trabalhos no PE. Trata-se,
como o nome indica, da instituio parlamentar da UE. Nesse Parlamento,
que tem sede em Estrasburgo, esto representadas as grandes tendnciaspolticas encontrveis nos pases membros. Ele tem trs competncias
principais:
1) adoo de atos legislativos europeus, que tem sua forma mais
usual no processo de co-deciso entre esse rgo e o Conselhoda UE, detentor do monoplio legislativo em alguns domnios
(agricultura, poltica econmica e de imigrao, por exemplo).
Ainda nesse campo, a adeso de novos pases UE demanda a
aprovao do Parlamento;
2) controle democrtico das demais instituies europeias. Assim,por exemplo, a aprovao dos membros da Comisso indicados
pelos Estados membros e a possibilidade de estabelecimento de
uma moo de censura, que implica a demisso de toda aComisso; a anlise peridica de relatrios enviados pela
Comisso, de peties apresentados por cidados e instituio de
comisses de inqurito; e
3) aprovao e controle da execuo do oramento anual da UE,
decidido em conjunto como Conselho. O Parlamento exerce,
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ainda, controle sobre a gesto de crditos e avalia os efeitos dos
financiamentos realizados com base no oramento.
, portanto, na competncia que trata do controle democrtico
que reside o papel do PE para tambm avaliar os episdios trazidos a
pblico e fartamente noticiados pelo The Guardian. O PE tem experincia
acumulada no tocante criao de comisses de inqurito (committee of
inquiry). Para o assunto que nos interessa, suficiente recordar a comisso
sobre a existncia de sistema global para a interceptao de comunicaes
privadas e comerciais (ECHELON interception system). Essa comisso
apresentou seu relatrio final em julho de 200125. De tal ou qual maneira,
ela cuidou de aspectos assemelhados aos que constituem objeto da nossa
CPI.
Passados doze anos, o PE viu-se, uma vez mais, diante da
perspectiva de investigar novos fatos reveladores de ampla e
indiscriminada espionagem levadas a efeito por governo de pas
considerado, a vrios ttulos, aliado e amigo dos pases membros da UE.
Dessa maneira, foi instituda, no mbito da Comisso de Liberdades Civis,
Justia e Assuntos Internos [Civil Liberties, Justice and Home Affairs
(LIBE)] do Parlamento, a Comisso de Inqurito sobre Espionagem
Eletrnica em Massa de Cidados da Unio Europeia (LIBE Committee
Inquiry on Electronic Mass Surveillance of EU Citizens). Por meio deresoluo de 4 de julho de 2013, o PE estabeleceu o mandato da Comisso
25 Relatrio final disponvel em: http://www2.europarl.eu.int/omk/OM-Europarl?PROG=REPORT&L=EN&PUBREF=-//EP//TEXT+REPORT+A5-2001-0264+0+NOT+SGML+V0//EN. Acesso em: 25 de nov. de 2013.
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e seu programa de trabalho26. A experincia pretrita (Sistema ECHELON)
e o resultado das inmeras audincias realizadas no mbito da Comisso
daro suporte para o relatrio final, votado no primeiro semestre de 2014.
Os desafios da Comisso de Inqurito da LIBE so, tambm,
imensos. Eles dizem respeito, por exemplo, exata separao entre
competncias domsticas e comunitrias na proteo os respectivos
sistemas de dados. Para alm disso, importante registrar que os trabalhos
dessa comisso esto includos em marco legal distinto daquele em que se
insere o Senado Federal. De qualquer forma, as atribuies e competncias
de um parlamento domstico so distintas daquelas outorgadas a um
parlamento comunitrio.
Para alm dessa circunstncia, convm sublinhar que os
europarlamentares tm suas origens em pases com sistema de governoparlamentarista. Esse fato repercute, de algum modo, na anlise da
situao, sobretudo no tocante s eventuais medidas a serem adotadas em
relao ao objeto da investigao. que no sistema presidencialista, ao
qual estamos inseridos, a conduo das relaes exteriores competncia
privativa do Presidente da Repblica (art. 84, VII, da Constituio Federal).
virtualmente inexistente nesse contexto ao ativa por parte do
Congresso Nacional. Nesse domnio, o parlamento pode, to s, exercer
sua funo fiscalizadora [p.ex.: realizao de audincia pblica,
convocao de Ministro de Estado, (des)aprovao do oramento,
(des)aprovao da escolha de chefes de misso diplomtica de carter
26 Encontrvel em:http://www.europarl.europa.eu/document/activities/cont/201309/20130904ATT70774/20130904ATT70774EN.pdf. Acesso em: 25 de nov. de 2013.
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permanente, (des)autorizao de operaes externas de natureza financeira
de interesse da Unio].
O quadro antes descrito ficou evidenciado quando da
videoconferncia realizada entre o PE e membros desta CPI no dia 18 de
dezembro de 2013. O encontro, para alm do seu pioneirismo, representou
importante aproximao do Senado com a instituio parlamentar da Unio
Europeia. A percepo que restou a de que, definidos os exatos limites
das respectivas competncias (domstica e comunitria), o PE pode ter
atuao um pouco mais destacada em relao ao assunto, sem que ela, no
entanto, seja exuberante.
Nesse sentido, o relatrio final da Comisso da LIBE, a que
esta Comisso teve acesso em 21 de fevereiro de 2014, faz invocao de
inmeras decises nas esferas internacionais, comunitrias, domsticas eestrangeiras relacionadas, de alguma maneira, ao assunto da espionagem
em massa. Reconhece que muitos dos problemas de agora so similares
queles apontados no relatrio do Sistema ECHELON. Indica que a
ausncia de marco legislativo consistente para acompanhar as
recomendaes da Comisso de Inqurito ECHELON representa
importante lio para a situao presente. Nesse sentido, o relator da
Comisso, Senhor Claude Moraes, sugere a implementao de 8 aes no
marco do que denomina Habeas Corpus Digital Europeu protegendo
direitos fundamentais na era digital (A European Digital Habeas Corpus
protecting fundamental rights in a digital age). Prope, ao final, minuta de
resoluo para apreciao plenria do respectivo parlamento.
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O Relatrio LIBE oferece, ainda, em sua justificao
(explanatory statement) observao relevante a vrios ttulos. Cuida-se do
fato de que as reaes aos graves fatos divulgados terem tido pouco
repercusso nos parlamentos dos Estados membros da UE. Com exceo da
Alemanha, o tema no mereceu consideraes mais severas nem mesmo
nos pases cuja imprensa foi mais contundente: Reino Unido (The
Guardian) e France (Le Monde). Nesse sentido, o relatrio registra acontribuio de rgos dos parlamentos belga, neerlands, dinamarqus e
noruegus. Os parlamentos britnico e francs declinaram participao. O
fato , de alguma forma, eloquente das percepes em relao matria e
chama a ateno para a relevncia desta Comisso, que apesar de alguma
resistncia no deixou o tema passar em branco por decurso de prazo.
Assim, as concluses a que chegaremos neste relatrio esto
mais relacionadas com nosso marco jurdico. Em derradeira anlise, asavaliaes aqui feitas dizem mais respeito s imperfeies dos nossos
servios de inteligncia e contrainteligncia; s debilidades dos nossos
sistemas de comunicao e, como tal, merecem resposta e tratamento no
mbito interno, ao menos no primeiro momento. nele que o Parlamento
brasileiro pode exercer suas atribuies de fiscalizao de modo mais
consistente. De toda maneira, fundamental perceber com ateno o
exerccio do PE por intermdio da Comisso de Inqurito da LIBE de
forma a oferecer perspectiva comparada nas medidas que ho de ser
aplicadas nos anos que esto por vir.
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II. 4. Concluses
O direito das gentes atual trata de temas os mais variados. Isso
se d considerando, entre outras coisas, a globalizao, a proliferao de
normas, o aumento no nmero de atores com poder negocial, o fim do
mundo bipolar e a emergncia da democracia em seus domnios, ainda que
relativamente mitigada. Ele, em sntese, penetra reas que se relacionam ao
econmico, social, cultural, tcnico. Esse aumento nas faixas de atuao ,
de tal ou qual modo, consequncia da crescente necessidade de os atores
internacionais enfrentarem novas questes no seu relacionamento mtuo
sem as amarras de muitos dos acontecimentos referidos.
Os problemas, novos ou sob novas roupagens, transcendem a
noo de territrio estatal. Assim, por exemplo, direitos humanos, meio
ambiente, sade, comunicaes, crime organizado, terrorismo, domnio
pblico (regies polares, mar, bacias hidrogrficas, espao extra-
atmosfrico e sideral), patrimnio comum da humanidade, comrcio,
finanas e propriedade intelectual.
Recentes ou antigos, os atuais desafios perpassam diferentes
domnios, que faz com que o direito internacional continue em constante
evoluo. Para compreender esse processo parece mais apropriado ter os
ps no cho. Nesse sentido, as observaes de Alan Pellet so pertinentes.
Segundo o terico francs, o direito reflete o estado das relaes de fora.
Esta concluso pode parecer pessimista. Mas o direito no um trabalho
dos poetas; e me parece o contrrio, como a dura escola do realismo. Ele
fotografa a sociedade tal como ela , compreendo que esta imagem pode
serdeveria ser, sem dvidaum encorajamento para tentar modificar
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as relaes de fora que a atravessam. Mas no esqueamos, o direito, e
nele compreendido o Direito Internacional, pode e deve se adaptar s
mudanas sociais, porm ele mais a consequncia destas mudanas do
que sua causa (nfase acrescida).27
Entre arroubos otimistas e notas pessimistas, parece-nos que a
linha mediana deve prevalecer na compreenso das fases dedesenvolvimento do direito internacional, mas, sobretudo, na projeo de
seus desdobramentos futuros. Tendo em conta essa maneira de perceber, o
tema objeto de considerao desta CPI apresenta desdobramento no campo
do direito das gentes. Ele, no entanto, tem suas limitaes, na linha do que
proposto pelo Prof. Pellet.
A leitura do assunto pela tica do direito internacional pode
vir a ter alargamentos futuros, que, no entanto, dependem mais da ao doPoder Executivo. Assim o pelo mandamento constitucional que entrega
ao Presidente da Repblica a conduo da vida externa da Nao. Ao
parlamento compete chancelar, ou no, as negociaes presidenciais e
controlar essa ao por meio, por exemplo, de convocao do Ministro de
Estado das Relaes Exteriores. Outra possibilidade se coloca no momento
de aprovao do oramento.
Nesse sentido, importante estimular toda iniciativa nosentido de levar o assunto para foros multilaterais. Para tanto, as
organizaes internacionais [p. ex. ONU, Organizao para a Cooperao e
27 PELLET, Alain. As novas tendncias do direito internacional: aspectosmacrojurdicos. In: BRANT, Leonardo (Coord.). O Brasil e os novos desafios dodireito internacional. Rio de Janeiro: Forenses, 2004, pp. 3-25, p. 25.
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o Desenvolvimento Econmico (OCDE), Unio Internacional de
Telecomunicaes (UIT)] representam espao mais adequado para a
ampliao dos debates em torno dos temas abordados nesta CPI. certo
tambm que as organizaes tm suas vicissitudes; no menos certo que,
apesar dos seus enormes desafios, os debates realizados em seus domnios
tm o condo de deixar o assunto em evidncia. Isso, por si, representa algo
bastante relevante. Na linha da proposio do escritor Saramago: nodevemos ter pressa, mas no podemos perder tempo.
Outra possibilidade caminhar no sentido da positivao, por
meio de tratados, de aspectos do assunto, em relao aos quais a
comunidade internacional possui mais consistncia e consenso em seus
desgnios. A via convencional pode consolidar, por exemplo, a iniciativa
braslico-germnica apresentada considerao da ONU. Ela pode, ainda,
partir para a elaborao de arcabouo jurdico internacional de forma a daros contornos mnimos dos assuntos aqui analisados. Partir para uma
governana global e mais democrtica da Internet, por exemplo. Esse
caminho mais longo, mas tambm aquele em que se podem vislumbrar
maiores possibilidades de xito futuro no sentido de se combater episdios
como os denunciados pelo Sr. Edward Snowden.
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Parte IIIATIVIDADE DE INTELIGNCIA
III. 1. Segunda profisso mais antiga do mundo
Costuma-se dizer que a atividade de inteligncia to antigaquanto a existncia humana. Desde que comea a viver em comunidade e a
se relacionar com outros povos, o homem precisa de informaes para
decidir. Nesse sentido, a inteligncia tem ocupado papel de destaque entre
lderes que precisem acessar conhecimentos protegidos e, ao mesmo tempo,
proteger-se contra investidas de adversrios.
Muitas so as definies de inteligncia, que variam conforme
a percepo histrica, poltico-institucional ou jurdica daqueles que asconcebam. Nesse sentido, para os fins deste Relatrio, convm destacar a
chamada percepo trina da inteligncia, primeiramente formulada por
Sherman
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