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DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO
USO DA TERRA REAL E FORMAL NO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA (SP):
CONTRIBUIÇÃO PARA O PLANEJAMENTO TERRITORIAL
CAMPINAS
2009
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Cinthia de Almeida Galindo
USO DA TERRA REAL E FORMAL NO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA (SP):
CONTRIBUIÇÃO PARA O PLANEJAMENTO TERRITORIAL
Monografia de Conclusão de Curso apresentada
ao Instituto de Geociências da Universidade
Estadual de Campinas, como parte dos requisitos
para obtenção do grau de Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias
CAMPINAS
2009
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
TERMO DE APROVAÇÃO
Autora: Cinthia de Almeida Galindo
Título: USO DA TERRA REAL E FORMAL NO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA (SP):
CONTRIBUIÇÃO PARA O PLANEJAMENTO TERRITORIAL
Orientador: Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias
PARECERISTA
_______________________________________
Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias (IG/Unicamp)
Campinas, 18 de dezembro de 2009.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar aos meus pais pela educação, amor e
companheirismo de uma vida e por me fazerem acreditar na vitória mesmo nos
momentos mais difíceis.
Às minhas irmãs pela amizade, sorrisos e incentivo nas minhas batalhas.
À minha família e amigos; pela força e crença de que eu poderia chegar lá, além
da contribuição para que todo percurso fosse bem mais agradável.
Aos professores que desde cedo ajudaram em minha formação; àqueles que
muito me inspiraram para o caminho que escolhi seguir.
Aos professores que ultimamente contribuíram para minha formação
profissional como Geógrafa. Em especial, ao Prof. Lindon que me orientou desde o
começo possibilitando resultados satisfatórios no início de minha carreira que começa a
se delinear.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. Localização do Município de Paulínia
FIGURA 2. Visualização do Município de Paulínia a partir de Imagem do Satélite
CBERS/CCD
FIGURA 3. Mapeamento do uso atual da terra no município de Paulínia
FIGURA 4. Usos da terra mais relevantes em Paulínia
FIGURA 5. Mapeamento de Zonas e Limites do município de Paulínia
FIGURA 6. Mapeamento da adequação do uso atual da terra no município de Paulínia
frente às proposições do Plano Diretor
RESUMO
O município de Paulínia, membro da Região Metropolitana de Campinas
(RMC), se caracteriza por um acelerado desenvolvimento econômico fruto da instalação
de um pólo petroquímico de significativa dimensão. O intenso desenvolvimento urbano-
industrial alcançado em poucas décadas, com ênfase para a presença da Refinaria de
Paulínia (Replan); o aumento significativo da população e a demanda por infraestruturas
foram responsáveis por significativas transformações do uso da terra no território
paulinense, assim como pela mudança nos padrões de organização do espaço, no que
tange, sobretudo, ao expressivo crescimento da mancha urbana conformada desde a
emancipação até a atualidade. Essas transformações de uso da terra são ainda mais
acentuadas no município ao considerar que em pouco mais de quatro décadas houve
mudança em sua estrutura produtiva calcada em relações de produção agrícolas para
uma nova onde o desenvolvimento capitalista urbano-industrial predomina. Ademais,
essas transformações ocorrem por vezes de maneira pouco planejada e assistida, o que
acaba por ocasionar diversos problemas de ordem socioambiental, fato que justifica e
incentiva a realização de um estudo geográfico no município, a partir da investigação do
processo de produção do espaço paulinense, com base na análise do atual uso e
ocupação da terra, para que se possa entender um pouco mais quanto aos rumos do
desenvolvimento econômico, social e ambiental deste município e, em seguida realizar
um diagnóstico entre o atual uso da terra, materializado no plano da realidade, e o uso
da terra formalmente instituído pela legislação vigente, a qual realiza um zoneamento
do uso da terra a ser seguido a fim de atender ao ordenamento urbano almejado. A
metodologia adotada consistiu no emprego de técnicas de geoprocessamento para
elaboração e correlação de mapas temáticos, assim como em trabalhos de campo para
reconhecimento e averiguação, suporte às análises quantitativas e qualitativas de cunho
geográfico.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-GEOGRÁFICA
1.1 O URBANO, AS CIDADES E SUAS CONTRADIÇÕES
1.2 PLANEJAMENTO URBANO TERRITORIAL
1.3 PLANO DIRETOR MUNICIPAL, UM INSTRUMENTO DO
PLANEJAMENTO URBANO
2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA
2.1 ASPECTOS FÍSICO-TERRITORIAIS
2.2 CONFORMAÇÃO HISTÓRICO-GEOGRÁFICA
2.3 ALGUNS ESCLARECIMENTOS SOBRE O USO DA TERRA E O
GEOPROCESSAMENTO
2.4 USO ATUAL DA TERRA NO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA
2.5 ZONEAMENTO DO USO DA TERRA NO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA:
PROPOSIÇÃO DO PLANO DIRETOR
3. PAULÍNIA REAL E FORMAL: DIAGNÓSTICO DO USO DA TERRA
3.1 USO DA TERRA REAL E FORMAL
3.2 ADEQUAÇÃO DO USO DA TERRA PAULINENSE FRENTE ÀS
PROPOSIÇÕES DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXO
INTRODUÇÃO
O município de Paulínia, emancipado de Campinas em 1964 e um dos dezenove
municípios pertencentes à Região Metropolitana de Campinas (RMC), se destaca
positivamente no contexto estadual e até mesmo nacional por apresentar um
desenvolvimento econômico e urbano-industrial de significativa importância.
Na atual fase capitalista, este desenvolvimento urbano-industrial responde pelas
transformações características das últimas décadas que dizem respeito ao crescimento
populacional significativo, principalmente no que concerne à população urbana; à
produção industrial aliada ao desenvolvimento técnico-científico; à modernização do
campo; à diversificação de produtos e à inovação tecnológica. Sendo considerada a
desigualdade e a seletividade com as quais esses processos se instauram no território, o
município de Paulínia se insere no grupo dos beneficiados por esses processos,
sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo,
devido à sua potencialidade suporte a complexos industriais. Esta relevância de Paulínia
remonta à instalação de importantes plantas industriais como a Rhodia (1942) e, em
especial, a Refinaria de Paulínia - Replan (1968/1972), que conferiram ao município
destaque no setor petroquímico. Por conta deste complexo industrial, Paulínia
proporciona suporte a indústrias provenientes de desaglomeração industrial da capital
para uma periferia próxima, bem como de indústrias atraídas pelo próprio caráter
petroquímico municipal.
Não é somente por este contexto industrial que Paulínia se destaca perante
outros municípios, mas por conta dos resultados que este cenário exprime diretamente
no Produto Interno Bruto (PIB) municipal e per capita. Já em 2005, o PIB per capita
paulinense alcançava valores quatro vezes maior do que o de Campinas, sede da RMC.
A comparação entre estes valores se torna ainda mais marcante se observado o período
de emancipação de cada município (Campinas em 1774 e Paulínia em 1964) assim
como à dimensão territorial e à população municipal, em que Paulínia apresenta valores
bem abaixo do que Campinas para ambas as variáveis. Esse contraste revela nitidamente
o alto valor arrecadado pelo município, o que corresponde a uma contribuição maciça
do complexo industrial.
Esse caráter diferenciador do município tem fundamental importância na
explicação da atual organização socioespacial paulinense. Como por exemplo, outro
atributo municipal proeminente corresponde ao grau de desenvolvimento urbano, bem
como pelas intensas transformações na organização de seu espaço geográfico, decorrido
nas últimas décadas, ou mais especificamente, desde sua autonomia municipal. Há
também que se destacar que este intenso desenvolvimento econômico alcançado em
poucas décadas, promoveu significativas mudanças nas relações de produção, as quais
eram predominantemente agrárias, para uma nova, em que o capitalismo urbano-
industrial começa adquirir hegemonia.
As transformações na organização socioespacial, marcadas pela passagem de um
município predominantemente agrário em meados dos anos 1960 para urbano-industrial
em pouco mais de quatro décadas, se materializam no atual uso e ocupação da terra
paulinense. A dinâmica desta organização decorrida nas últimas décadas também
contou com um crescimento populacional significativo, resposta à demanda por mão de
obra tanto no complexo industrial como na área de construção civil, assim como de
famílias em busca de melhores condições de vida possivelmente oferecidas pelo
progresso econômico garantido por Paulínia. Além do fator populacional, a demanda
por infraestrutura direcionada à nova dinâmica política e econômica municipais também
foi fator relevante na conformação da atual organização socioespacial paulinense.
De tal modo, o intenso desenvolvimento urbano-industrial alcançado em poucas
décadas, com ênfase para a presença da Replan; o aumento significativo da população e
a demanda por infraestruturas são os maiores responsáveis pela transformação do uso da
terra no território paulinense, assim como pela mudança nos padrões de organização do
espaço, no que tange, sobretudo, ao expressivo crescimento da mancha urbana
conformada desde 1964 até a atualidade.
Entretanto, é crucial dizer sobre o modo como se instaurou e ainda se instaura o
uso e ocupação da terra neste município. Inicialmente, considera-se o curto período
decorrido para que se desenvolvesse a atual configuração do uso da terra, o que pode ser
responsável por intensivas modificações e consequentemente impactos mais expressivos
no espaço primário. Em segundo lugar, observa-se que tais transformações não foram
acompanhadas, todavia, por um planejamento e gestão municipais eficientes,
acarretando em problemas de ordem socioambiental como contaminação do ar, solo e
recursos hídricos por produtos petroquímicos, principalmente, o que reflete diretamente
na saúde da população, tornando-a mais vulnerável, assim como na qualidade dos
recursos, tornando-os mais suscetíveis à poluição e comprometendo seus usos futuros,
no que diz respeito ao uso agrícola para produção, consumo e abastecimento de água
etc., além da substituição de parcela significativa da vegetação nativa para conformação
de ocupação urbana e industrial e por fim, a degradação da qualidade de vida dos
habitantes que lá se encontram.
Apesar dos problemas socioambientais já apontados pela bibliografia, não
existem análises em escala municipal quanto à organização socioespacial paulinense
que visem melhor compreender os fatores responsáveis pela atual conformação
municipal, assim como, dos problemas decorridos pela forma como se deu esta atual
configuração.
Perante aos problemas socioambientais, considera-se que o crescimento
populacional, o avanço tecnológico e o processo industrial cada vez mais intenso
contribuíram significativamente para a intensificação da exploração dos recursos
naturais. Assim sendo, o gerenciamento destes recursos é de extrema importância, visto
sua escassez e acentuação de uma forma uso indevida.
Neste contexto, incentiva-se e explica-se a realização de um estudo de cunho
geográfico sobre o município de Paulínia, com vistas à promoção de um conhecimento
mais abalizado quanto à realidade municipal. Também se pretende inteirar melhor a
população envolvida sobre as características da organização socioespacial do seu
território, a qual se beneficiará com o acesso aos dados e informações atualizadas no
suprimento de suas necessidades específicas, sejam administradores públicos ou
cidadãos em geral, buscando melhorar sua conscientização na promoção de um uso
mais racional do território. Ao mesmo tempo, munidos desta documentação de
informações sistematizadas, órgãos responsáveis pela tomada de decisão no âmbito do
planejamento e gestão municipais poderão melhor fundamentar suas atividades.
A fim de contribuir com esta tarefa, este trabalho objetiva estudar a atual
organização do espaço paulinense, a partir da análise do atual uso e ocupação da terra,
para que se possa entender um pouco mais quanto aos rumos do desenvolvimento
econômico, social e ambiental deste município e, em seguida realizar um diagnóstico
das atuais formas de uso e ocupação da terra diante das proposições do Plano Diretor
Municipal (2006), mais especificamente tratadas na Lei Complementar nº 36 que versa
quanto ao Zoneamento do Uso do Solo (PAULÍNIA, 2007).
Munidos das informações e análises iniciais sobre o uso da terra paulinense, será
possível contrastá-las com o proposto e definido pela legislação, na qual parte-se do
princípio que sejam definidos os usos a serem estabelecidos de forma mais conveniente
possível em vistas ao bem estar da população e também à qualidade dos recursos ali
presentes. Em sequência, torna-se possível estabelecer áreas em adequação,
inadequação ou em conflito com o estabelecido pela legislação vigente, para que seja
realizada uma posterior análise das implicações socioambientais causadas por possíveis
incongruências no uso da terra municipal diante do caráter normativo, preocupando-se
em abranger a totalidade do território e aproximar cada vez mais o desenvolvimento
econômico com o social e ambiental.
A pesquisa realizada buscou conhecer as diferentes classes de uso e ocupação
atual da terra, sua extensão e espacialidade no município de Paulínia, mapear e analisar
a configuração espacial observada, identificar as diferentes categorias de uso da terra
propostas no Plano Diretor Municipal (2006), mapear os usos conflitantes, inadequados
e adequados perante a legislação de uso do solo e, por fim, analisar os resultados
produzidos a fim de sistematizar conhecimentos mais abalizados sobre a organização
em vigor.
A metodologia seguida consistiu no emprego de técnicas de geoprocessamento
para elaboração e correlação de mapas temáticos, assim como em trabalhos de campo
para reconhecimento e averiguação, suporte às análises quantitativas e qualitativas de
cunho geográfico. Os dados empíricos foram analisados à luz de concepções que
envolvem o processo de produção do espaço a fim de promover um conhecimento mais
detalhado da realidade local com vistas à gestão e planejamento municipal.
Esta monografia estrutura-se em três capítulos que se propõem a discutir a
temática por ora apresentada. O primeiro capítulo, FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-
GEOGRÁFICA, aborda uma contextualização do tema a fim de se compreender
melhor as raízes que sustentam esta discussão geográfica sobre o município de Paulínia,
tanto no que diz respeito à abordagem geográfica a ser seguida, quanto aos temas
tangentes a este estudo como, por exemplo, a urbanização, Planejamento Urbano
Territorial e concepções sobre o instrumento do Plano Diretor.
O segundo capítulo, CONTEXTUALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE
PAULÍNIA, versa à respeito do objeto de estudo propriamente dito, a partir de uma
contextualização do município de Paulínia e de uma análise de seu atual Plano Diretor
Municipal. Em sequência, apresenta-se uma discussão sobre a relevância do estudo
sobre uso da terra com base na metodologia de geoprocessamento. Ainda neste capítulo
apresenta-se a conformação do uso da terra atual no município de Paulínia através de
mapeamento e análise do uso observado e, também, da proposição de zonas de uso da
terra para o município conferidas pelo Plano Diretor Municipal junto com a Lei
Complementar nº 36.
No terceiro capítulo, PAULÍNIA REAL E FORMAL: DIAGNÓSTICO DO
USO DA TERRA, apresenta-se o diagnóstico do uso atual da terra no município de
Paulínia frente às proposições do Plano Diretor Municipal como também algumas
análises dos resultados à luz dos conceitos teóricos apresentados.
Por fim, as CONSIDERAÇÕES FINAIS contemplam uma síntese da
contribuição geográfica desta pesquisa acerca do município de Paulínia tendo como
base a análise da sua atual configuração socioespacial, o diagnóstico da adequação do
uso atual da terra frente às indicações instrumentalizadas pelo Plano Diretor, seus
condicionantes históricos e geográficos, assim como os rumos traçados pelo atual
planejamento municipal pelo qual Paulínia vem sendo gerida e produzida.
INTRODUÇÃO
O município de Paulínia, emancipado de Campinas em 1964 e um dos dezenove
municípios pertencentes à Região Metropolitana de Campinas (RMC), se destaca
positivamente no contexto estadual e até mesmo nacional por apresentar um
desenvolvimento econômico e urbano-industrial de significativa importância.
Na atual fase capitalista, este desenvolvimento urbano-industrial responde pelas
transformações características das últimas décadas que dizem respeito ao crescimento
populacional significativo, principalmente no que concerne à população urbana; à
produção industrial aliada ao desenvolvimento técnico-científico; à modernização do
campo; à diversificação de produtos e à inovação tecnológica. Sendo considerada a
desigualdade e a seletividade com as quais esses processos se instauram no território, o
município de Paulínia se insere no grupo dos beneficiados por esses processos,
sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo,
devido à sua potencialidade suporte a complexos industriais. Esta relevância de Paulínia
remonta à instalação de importantes plantas industriais como a Rhodia (1942) e, em
especial, a Refinaria de Paulínia - Replan (1968/1972), que conferiram ao município
destaque no setor petroquímico. Por conta deste complexo industrial, Paulínia
proporciona suporte a indústrias provenientes de desaglomeração industrial da capital
para uma periferia próxima, bem como de indústrias atraídas pelo próprio caráter
petroquímico municipal.
Não é somente por este contexto industrial que Paulínia se destaca perante
outros municípios, mas por conta dos resultados que este cenário exprime diretamente
no Produto Interno Bruto (PIB) municipal e per capita. Já em 2005, o PIB per capita
paulinense alcançava valores quatro vezes maior do que o de Campinas, sede da RMC.
A comparação entre estes valores se torna ainda mais marcante se observado o período
de emancipação de cada município (Campinas em 1774 e Paulínia em 1964) assim
como à dimensão territorial e à população municipal, em que Paulínia apresenta valores
bem abaixo do que Campinas para ambas as variáveis. Esse contraste revela nitidamente
o alto valor arrecadado pelo município, o que corresponde a uma contribuição maciça
do complexo industrial.
Esse caráter diferenciador do município tem fundamental importância na
explicação da atual organização socioespacial paulinense. Como por exemplo, outro
atributo municipal proeminente corresponde ao grau de desenvolvimento urbano, bem
como pelas intensas transformações na organização de seu espaço geográfico, decorrido
nas últimas décadas, ou mais especificamente, desde sua autonomia municipal. Há
também que se destacar que este intenso desenvolvimento econômico alcançado em
poucas décadas, promoveu significativas mudanças nas relações de produção, as quais
eram predominantemente agrárias, para uma nova, em que o capitalismo urbano-
industrial começa adquirir hegemonia.
As transformações na organização socioespacial, marcadas pela passagem de um
município predominantemente agrário em meados dos anos 1960 para urbano-industrial
em pouco mais de quatro décadas, se materializam no atual uso e ocupação da terra
paulinense. A dinâmica desta organização decorrida nas últimas décadas também
contou com um crescimento populacional significativo, resposta à demanda por mão de
obra tanto no complexo industrial como na área de construção civil, assim como de
famílias em busca de melhores condições de vida possivelmente oferecidas pelo
progresso econômico garantido por Paulínia. Além do fator populacional, a demanda
por infraestrutura direcionada à nova dinâmica política e econômica municipais também
foi fator relevante na conformação da atual organização socioespacial paulinense.
De tal modo, o intenso desenvolvimento urbano-industrial alcançado em poucas
décadas, com ênfase para a presença da Replan; o aumento significativo da população e
a demanda por infraestruturas são os maiores responsáveis pela transformação do uso da
terra no território paulinense, assim como pela mudança nos padrões de organização do
espaço, no que tange, sobretudo, ao expressivo crescimento da mancha urbana
conformada desde 1964 até a atualidade.
Entretanto, é crucial dizer sobre o modo como se instaurou e ainda se instaura o
uso e ocupação da terra neste município. Inicialmente, considera-se o curto período
decorrido para que se desenvolvesse a atual configuração do uso da terra, o que pode ser
responsável por intensivas modificações e consequentemente impactos mais expressivos
no espaço primário. Em segundo lugar, observa-se que tais transformações não foram
acompanhadas, todavia, por um planejamento e gestão municipais eficientes,
acarretando em problemas de ordem socioambiental como contaminação do ar, solo e
recursos hídricos por produtos petroquímicos, principalmente, o que reflete diretamente
na saúde da população, tornando-a mais vulnerável, assim como na qualidade dos
recursos, tornando-os mais suscetíveis à poluição e comprometendo seus usos futuros,
no que diz respeito ao uso agrícola para produção, consumo e abastecimento de água
etc., além da substituição de parcela significativa da vegetação nativa para conformação
de ocupação urbana e industrial e por fim, a degradação da qualidade de vida dos
habitantes que lá se encontram.
Apesar dos problemas socioambientais já apontados pela bibliografia, não
existem análises em escala municipal quanto à organização socioespacial paulinense
que visem melhor compreender os fatores responsáveis pela atual conformação
municipal, assim como, dos problemas decorridos pela forma como se deu esta atual
configuração.
Perante aos problemas socioambientais, considera-se que o crescimento
populacional, o avanço tecnológico e o processo industrial cada vez mais intenso
contribuíram significativamente para a intensificação da exploração dos recursos
naturais. Assim sendo, o gerenciamento destes recursos é de extrema importância, visto
sua escassez e acentuação de uma forma uso indevida.
Neste contexto, incentiva-se e explica-se a realização de um estudo de cunho
geográfico sobre o município de Paulínia, com vistas à promoção de um conhecimento
mais abalizado quanto à realidade municipal. Também se pretende inteirar melhor a
população envolvida sobre as características da organização socioespacial do seu
território, a qual se beneficiará com o acesso aos dados e informações atualizadas no
suprimento de suas necessidades específicas, sejam administradores públicos ou
cidadãos em geral, buscando melhorar sua conscientização na promoção de um uso
mais racional do território. Ao mesmo tempo, munidos desta documentação de
informações sistematizadas, órgãos responsáveis pela tomada de decisão no âmbito do
planejamento e gestão municipais poderão melhor fundamentar suas atividades.
A fim de contribuir com esta tarefa, este trabalho objetiva estudar a atual
organização do espaço paulinense, a partir da análise do atual uso e ocupação da terra,
para que se possa entender um pouco mais quanto aos rumos do desenvolvimento
econômico, social e ambiental deste município e, em seguida realizar um diagnóstico
das atuais formas de uso e ocupação da terra diante das proposições do Plano Diretor
Municipal (2006), mais especificamente tratadas na Lei Complementar nº 36 que versa
quanto ao Zoneamento do Uso do Solo (PAULÍNIA, 2007).
Munidos das informações e análises iniciais sobre o uso da terra paulinense, será
possível contrastá-las com o proposto e definido pela legislação, na qual parte-se do
princípio que sejam definidos os usos a serem estabelecidos de forma mais conveniente
possível em vistas ao bem estar da população e também à qualidade dos recursos ali
presentes. Em sequência, torna-se possível estabelecer áreas em adequação,
inadequação ou em conflito com o estabelecido pela legislação vigente, para que seja
realizada uma posterior análise das implicações socioambientais causadas por possíveis
incongruências no uso da terra municipal diante do caráter normativo, preocupando-se
em abranger a totalidade do território e aproximar cada vez mais o desenvolvimento
econômico com o social e ambiental.
A pesquisa realizada buscou conhecer as diferentes classes de uso e ocupação
atual da terra, sua extensão e espacialidade no município de Paulínia, mapear e analisar
a configuração espacial observada, identificar as diferentes categorias de uso da terra
propostas no Plano Diretor Municipal (2006), mapear os usos conflitantes, inadequados
e adequados perante a legislação de uso do solo e, por fim, analisar os resultados
produzidos a fim de sistematizar conhecimentos mais abalizados sobre a organização
em vigor.
A metodologia seguida consistiu no emprego de técnicas de geoprocessamento
para elaboração e correlação de mapas temáticos, assim como em trabalhos de campo
para reconhecimento e averiguação, suporte às análises quantitativas e qualitativas de
cunho geográfico. Os dados empíricos foram analisados à luz de concepções que
envolvem o processo de produção do espaço a fim de promover um conhecimento mais
detalhado da realidade local com vistas à gestão e planejamento municipal.
Esta monografia estrutura-se em três capítulos que se propõem a discutir a
temática por ora apresentada. O primeiro capítulo, FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-
GEOGRÁFICA, aborda uma contextualização do tema a fim de se compreender
melhor as raízes que sustentam esta discussão geográfica sobre o município de Paulínia,
tanto no que diz respeito à abordagem geográfica a ser seguida, quanto aos temas
tangentes a este estudo como, por exemplo, a urbanização, Planejamento Urbano
Territorial e concepções sobre o instrumento do Plano Diretor.
O segundo capítulo, CONTEXTUALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE
PAULÍNIA, versa à respeito do objeto de estudo propriamente dito, a partir de uma
contextualização do município de Paulínia e de uma análise de seu atual Plano Diretor
Municipal. Em sequência, apresenta-se uma discussão sobre a relevância do estudo
sobre uso da terra com base na metodologia de geoprocessamento. Ainda neste capítulo
apresenta-se a conformação do uso da terra atual no município de Paulínia através de
mapeamento e análise do uso observado e, também, da proposição de zonas de uso da
terra para o município conferidas pelo Plano Diretor Municipal junto com a Lei
Complementar nº 36.
No terceiro capítulo, PAULÍNIA REAL E FORMAL: DIAGNÓSTICO DO
USO DA TERRA, apresenta-se o diagnóstico do uso atual da terra no município de
Paulínia frente às proposições do Plano Diretor Municipal como também algumas
análises dos resultados à luz dos conceitos teóricos apresentados.
Por fim, as CONSIDERAÇÕES FINAIS contemplam uma síntese da
contribuição geográfica desta pesquisa acerca do município de Paulínia tendo como
base a análise da sua atual configuração socioespacial, o diagnóstico da adequação do
uso atual da terra frente às indicações instrumentalizadas pelo Plano Diretor, seus
condicionantes históricos e geográficos, assim como os rumos traçados pelo atual
planejamento municipal pelo qual Paulínia vem sendo gerida e produzida.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-GEOGRÁFICA
A Geografia como ciência se apresenta diante de uma crescente necessidade de
conhecer os lugares e compreender as relações de poder associadas. A sistematização da
Ciência Geográfica em meados do século XIX, no contexto do avanço e domínio das
relações capitalistas de produção, foi possível pela existência de um arcabouço de
informações sobre os diversos lugares da Terra, materializados nos grandes catálogos e
arquivos adquiridos, sobretudo desde o período das grandes navegações. A
sistematização também atuou no sentido de suprir demandas de aprimoramento das
técnicas cartográficas para representação de fenômenos, assim como de
posicionamentos, fundamentadas nas relações capitalistas (MORAES, 1981).
O pensamento geográfico se desenvolve pela necessidade de se pensar o espaço,
tanto no âmbito da dominação quanto do dominado, para assim saber nele organizar-se
e proteger-se (LACOSTE, 1988), isso porque o espaço é diretamente afetado pela
ideologia circundante, sendo constantemente (trans)formado pelos elementos históricos
e sociais. Do mesmo modo, espaço é matéria e expressão da relação dialética entre
cultura e natureza (SOJA, 1993).
Segundo Lacoste (1988), a discussão geográfica se destina a estratégias de
guerra, poderio e dominação, desde os primórdios da luta por território como abrigo,
porém pode ser utilizada por excelência para exercer funções ideológicas e políticas. No
âmbito ideológico, se aplica, por exemplo, em discursos pedagógicos, embebida de
certos valores e visões de quem a aplica ou para que fim se aplica. Já em termos
políticos, a Geografia pode ser funcional como instrumento do poder, conhecimento e
de organização do território.
A ideia de espaço a partir da experiência pessoal, limitado, até onde se vive ou
se conhece é tida, ainda conforme Lacoste (1988), como já superada. Atualmente, com a
difusão do homem pela Terra, através de tecnologias que viabilizaram tanto a
exploração quanto as técnicas de representação, o espaço ganha nova significação. O
espaço é uma categoria que pode ser entendida pelo viés da dominação e de abrangência
além da experiência pessoal, na medida em que não é mais necessário vivenciar uma
determinada localidade para se obter informações sobre ela, as informações são agora
mais acessíveis e disseminadas. Nesta nova concepção do espaço e diante dos
condicionantes que permitiram esta nova significação, a Geografia reafirma sua
importância como ciência social para o estudo do espaço em diferentes escalas como
também as relações entre sociedade e natureza na produção de um espaço diferenciado.
A partir desta necessidade de se pensar o espaço, a natureza, a sociedade e suas
relações dialéticas, considera-se como objeto de preocupação da ciência geográfica a
produção do espaço. Para Marx (apud LEFEBVRE, 1999), o termo produção pode ser
ressaltado em duas acepções, uma em sentido filosófico de produção de ideias,
representações e linguagem por meio intelectual, e outra em sentido estrito da produção
de bens de consumo, que se relaciona aos meios de produção do capital.
No que concerne à produção do espaço como forma de apropriação, utilização e
ocupação de uma localidade segundo uma divisão técnica e social do trabalho, observa-
se uma crescente importância da economia política, em que a estabilidade é substituída
pelo momento dos fluxos: de mão-de-obra, de capital, de matéria-prima, de ideias,
resultando em uma nova relação entre a economia política e o espaço que se forma:
espaço de confluência de fluxos, conformando hierarquias urbanas, de cidades e espaços
privilegiados (CARLOS, 2007; LEFEBVRE, 1999). Assim,
a produção do espaço deve ser entendida sob uma dupla perspectiva,
ao mesmo tempo que se processa um movimento que constitui o
processo de mundialização da sociedade urbana produzindo, como decorrência, um processo de homogeneização do espaço, produz-se e
acentua-se o processo de fragmentação tanto do espaço quanto do
indivíduo. Este processo se manifesta no plano do vivido, no lugar onde se desenrola a vida humana (CARLOS, 2007, p. 37).
Perante os mecanismos políticos e econômicos de fundamentação da atual fase
do modo de produção capitalista, que confere uma internacionalização da economia
capitalista, um mundo financeiramente interdependente, e com uma redefinição no
papel do Estado, que agora se fortalece à serviço de uma economia em benefício do
grande capital, fica cada vez mais difícil considerar a realização de uma ciência social,
incluindo a Geografia, neutra ou livre dos seus próprios condicionamentos sociais, isso
porque, ou ela se encontra associada à técnica e atua a favor da expansão do modo de
produção instaurado, ou porque se realiza a partir de uma crítica em favor de valores
sociais e econômicos que caracterizam menor desigualdade entre os diversos lugares.
Segundo Löwy (1994), a ciência se materializa no tempo e no espaço dependente de um
movimento histórico concreto e específico, neste sentido os cientistas são considerados
como vinculados a visões sociais de mundo, fazendo com o que o método das ciências
sociais seja distinto do método das ciências naturais, ainda que os princípios de intenção
de verdade e da busca de um conhecimento objetivo sejam comum a ambas, tratando-se
agora de assumir uma autonomia relativa na busca deste conhecimento.
É importante considerar que mesmo dentro desses limites, ocasionados pela não
neutralidade total do sujeito, não há impedimento na produção de conhecimentos
científicos relevantes (LÖWY, 1994). Também é neste sentido que o fazer ciência pode
ser visto como além do domínio da técnica, a partir do momento em que o sujeito
compreende seu papel na sociedade e passa a exercer escolha de caminhos conscientes.
O motor da ciência, isto é, aquilo que a move, desenvolve e constroi se baseia na
dialética, a qual considera que é na própria realidade social que se encontram suas
contradições e também as condições objetivas e subjetivas para sua superação (DEMO,
1989).
A realidade concreta é sempre uma totalidade dinâmica de múltiplos
condicionamentos, onde a polarização dentro do todo lhe é constitutiva. Por isso, indivíduo em si não é realidade social, porque é
gerado em sociedade [...] O todo é maior que a soma das partes
(DEMO, 1989, p. 93).
Esse processo em busca do conhecimento científico gera movimento, porque é
no diálogo que há uma polarização de interesses contrários, possibilitando,
argumentação, conflito, entendimento e conhecimento. A realidade na sua
complexidade compreende que a totalidade é maior do que a compreensão de suas
partes analisadas separadamente. Isso porque se considera que são nas interconexões da
totalidade que se observam conhecimentos relacionais e contrários, ou seja, a expressão
da complexidade a ser desvendada. Como, por exemplo, a compreensão de uma
realidade complexa como a cidade só é satisfatória a partir da observação de sua
totalidade e de seu processo de desenvolvimento, ao passo que a soma do estudo de
porções que compõem uma cidade não expressam a unidade e complexidade que forma
o todo, uma vez que se perde a interligação entre as partes tanto no que diz respeito aos
conflitos quanto à complementaridade e solidariedade que integram a unidade deste
espaço diferenciado.
A cidade, entendida como produto e produtora do espaço geográfico, será mais
amplamente discutida no item a seguir a fim de melhor compreender o contexto que a
envolve, o entendimento sobre seu conceito, bem como os condicionantes que atuam
para sua atual configuração.
1.1 O URBANO, AS CIDADES E SUAS CONTRADIÇÕES
A reflexão sobre cidade e urbano se fundamenta na perspectiva da produção do
espaço anteriormente elucidada. Com gênese na Antiguidade e culminância no
desenvolvimento do capitalismo e da industrialização, o processo de urbanização
expressa a acumulação da historicidade de outros tempos a partir da junção de seu
conteúdo social e cultural. Neste sentido, a cidade é a materialização deste processo,
vista como o locus que revela a dinâmica de tempo e espaço produzidos. É somente a
partir da relação entre processo e forma, urbano e cidade, que se torna possível sua
compreensão como produto e produtor da realidade (SPOSITO, 1999).
No Brasil, a fim de homogeneizar as diferentes nomenclaturas e definições para
o urbano e cidade, propõe-se tecnicamente que se entenda por cidade as sedes político-
administrativas dos municípios que concentra produção, circulação e bens de consumo,
e por urbano, uma realidade não acabada, portanto processual, que se trata de um modo
de vida da atualidade que expressa uma dinâmica particular da sociedade no espaço
(RODRIGUES, 2004). As práticas sociais são fundamentais à produção da cidade e do
urbano e, como sendo uma forma de projeção da sociedade sobre um local, a cidade
passa a ser lugar percebido e concebido pelo pensamento do que se considera por
urbano e cidade (LEFEBVRE apud RODRIGUES, 2004).
Lefebvre (1991) entende a cidade por sua dinâmica e complexidade. A cidade
contém relações entre os indivíduos organizados e estruturados e é submetida a ordens
de instâncias superiores ou de forças hegemônicas, como o Estado e interesses
corporativos, respectivamente. Nessa esfera, a cidade se sustenta e se projeta como
“uma mediação entre as mediações” (LEFEBVRE, 1991, p. 46), ao passo que ela não
pode ser entendida como um sistema completo e independente daquilo que ela contém e
do que a contém. A cidade não é, portanto, compreendida atualmente dentro de seus
próprios limites, sua apreensão se justifica com referência a outras escalas e,
principalmente, inserida na lógica global do modo de produção correspondente.
Ao considerar a cidade como algo mutável no tempo e espaço, compreendendo
desde pequenos centros até metrópoles que abrigam milhões de habitantes, Lencioni
(2008) a entende como produto social da relação entre sociedade e natureza, porém isso
não significa dizer que somente tendo sido cumprida esta relação é que se conforma
uma cidade, mais do que isso a conformação da cidade implica aglomeração durável de
uma sociedade e habitação, dependente de formas políticas e sociais que a caracterize e
promova individualidade.
Fruto de uma sociedade pós-industrial, o urbano pode ser situado no domínio da
industrialização, entretanto não pode ser restringido a este processo. Segundo Castells
(1983), a questão urbana poderia ser elucidada como uma “produção social das formas
espaciais” (p. 28), na qual uma parcela populacional significativa se concentra em um
determinado espaço, sobre o qual materializa aglomerados funcionais e
interdependentes, constituindo uma articulação hierarquizada, isto é, uma rede urbana.
Frente à lógica de acumulação de capital hodierna, as transformações na forma e
função das cidades são decisivas na expressão do desenvolvimento e processo de
urbanização. O valor de uso do território foi se substituindo pelo comércio lucrativo,
isso porque o objetivo que antes consistia em obter mercadorias necessárias é agora
suprido pela finalidade da circulação do dinheiro. É neste domínio que o valor de troca
vence os imperativos do valor de uso, onde o importante é que o objeto se compra e se
venda (SPOSITO, 1988) e, para Carlos (2007), isto esclarece a natureza do processo de
fragmentação do espaço:
[...] as trocas fragmentam o espaço, processo que altera profundamente a vida cotidiana, através da sua institucionalização que
cria uma vida programada e idealizada pelo consumo manipulado. É
nesse contexto em que o processo de produção do espaço urbano
tende para a homogeneidade, o que não elimina uma forte distinção de áreas do território da cidade, que se diferenciam pelos modos de
apropriação; usos (CARLOS, 2007, p. 41/42).
Para Engels (apud LEFEBVRE, 1999), o capitalismo segue tendências
centralizadoras de população e capital, enquanto a cidade responde pelos contrastes de
sua realidade de fragmentações de riqueza e pobreza justapostas. Por outro lado, Marx
considerava que a cidade é o locus da produção onde ocorre a exploração pelo capital da
força de trabalho empregada, como também da produção em sentido mais amplo em
que são colocadas na produção automatizada para manutenção na ordem instaurada.
As cidades organizadas a partir da ação de agentes concretos que atuam em
diferentes graus de associação e de maneiras distintas são influenciadas por estratégias
políticas, onde se materializam as contradições próprias do sistema capitalista vigente
engendrando uma sociedade desigualitária, em que há crescimento econômico sem a
correspondente distribuição de renda, além de que uma parcela cada vez menos
expressiva do montante de capital destina-se para remuneração do trabalho (SOUZA,
2004). Essas contradições podem resultar em movimentos de resistência, mas também
desdobrar em outros problemas urbanos, que por não contar com um planejamento
territorial eficaz acaba por deflagrar problemas tanto de caráter social como também
ambiental.
Dentro desse processo de urbanização, a cidade se configura a partir de um
conflitante jogo de interesses, em benefícios de alguns e detrimento de muitos, como
por exemplo, a aplicação de investimentos em infraestrutura para atração de grandes
indústrias e a falta de recursos para fins de moradia popular, acabando por assolar a
população menos beneficiada, a qual sofre repulsa e são direcionadas às piores
condições de moradia (CARLOS, 2001).
Os problemas urbanos não são novos. Fazem parte do quotidiano de
nossas cidades e cada vez mais se avolumam: periferias longínquas e desprovidas de serviços e equipamentos urbanos essenciais; favelas,
invasões, vilas e alagados nascem e se expandem; a retenção
especulativa de terrenos é constante; o adensamento e a verticalização
sem precedentes podem ser verificados com freqüência; a poluição de águas, do solo e do ar assume grandes proporções; dentre outros
variados e negativos aspectos (OLIVEIRA, 2001, p. 02).
Regido pelo mercado ávido por lucros rápidos, a população mais vulnerável
sofre as consequências deste processo, na mesma medida que este agrava o quadro da
exclusão social, marginalização e violência, ao passo que o ambiente também não é
devidamente respeitado devido à pressão sobre os recursos e processos naturais, sendo
comprometidos corpos d’água, solo e a atmosfera circundante; problemas estes que uma
vez analisados em conformidade, configuram uma gama de problemas de ordem
socioambiental. Isto justifica uma maior atenção dos órgãos públicos para efetivação do
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade visando garantir o bem-estar da
população através de um planejamento urbano eficiente (ROLNIK, 2008).
A fim de melhor contextualizar a questão de como o planejamento tem se
inserido nas cidades, na busca de solucionar os problemas do espaço urbano diante de
suas contradições por ora já apresentadas, o próximo item destina-se a discutir como se
desenvolveram e se aplicaram as idéias de planejamento urbano territorial no Brasil.
1.2 PLANEJAMENTO URBANO TERRITORIAL
O planejamento urbano, importante para a regulação do território, emerge em
meados do século XIX da necessidade de se pensar e organizar o território usado, mais
especificamente no que concerne à cidade capitalista/industrial. No Brasil, o
planejamento se insere desde o fim do século XIX até a os anos de 1930, com uma
proposição de melhoramento e embelezamento urbanos e também a partir de um viés
sanitarista (VILLAÇA, 1999).
Naquele primeiro momento, o planejamento tem como preocupação a aparência
e a higiene urbanas, uma vez que estes eram preceitos de uma cidade moderna, a partir
das concepções hegemônicas que ideologicamente difundiram um ideal de remodelação
das cidades até então configuradas, seguindo um padrão europeizado, principalmente
advindo da França. Portanto, padrões extravertidos de um ideal de planejamento urbano
se difundiram no Brasil, com vistas à modernidade, garantida por uma nova organização
territorial com alocação de recursos tanto para o saneamento dos centros mais
densamente povoados como para um embelezamento atuante de forma propagandística,
incitando uma nova fisionomia arquitetônica para a cidade (VILLAÇA,1999).
O segundo período de difusão do planejamento, remonta ao caráter regional e
tecnicista, no que Villaça (1999) considera a transição da “cidade bela” para “cidade
eficiente”, onde a região é tida como um instrumento técnico-operacional, considerada
pela relevância de seu espaço econômico. As obras de infraestrutura de suporte à
produção e reprodução do capital são privilegiadas neste período, já que a cidade é tida
como o locus da força de produção. Um diferencial deste período é a presença de uma
ideologia nacional-desenvolvimentista que objetiva equipar o território diante de
estratégias geoeconômicas, o que estimulou estudos mais especializados na temática
urbana a partir de um viés econômico, já que se buscava eficiência e funcionalidade
para garantia de um regime de acumulação. No período há presença marcante de um
Estado interventor na proposição de políticas territoriais para maior fluidez e integração
do mercado nacional:
As grandes obras urbanas saem do consumo conspícuo para privilegiar a constituição das condições gerais de produção e
reprodução do capital (a cidade como força de produção). Assim, por
exemplo, as obras de infraestrutura são priorizadas enquanto as de
habitação são relegadas ao esquecimento. (VILLAÇA, 1999, p. 199)
A atual configuração do planejamento observada no Brasil, que se consolida em
meados dos anos 1990, rompe com a posição anterior de intenção de projeto nacional, a
partir da difusão de teorias de desenvolvimento local e da posição neoliberal com a qual
o Brasil se insere mais efetivamente na lógica capitalista. Presencia-se, portanto, uma
guerra dos lugares, ou seja, uma disputa a partir de fatores territoriais competitivos que
permitam a seleção de uma localidade para sediar uma empresa multinacional que traria
melhores condições para a região, ao agir como vetor de modernidade. Também se
observa neste atual momento do planejamento de caráter estratégico, mais conhecido
por assumir a gestão e administração do território, que o Estado interventor é
substituído por um Estado consonante às leis do mercado, portanto subjugado aos
interesses corporativos ainda de forma mais agressiva do que se verificava nos outros
períodos, em detrimento do exercício de suas políticas sociais. Dessa maneira, o Estado
atua no sentido de garantir incentivos territoriais para alocação do capital externo, assim
como de reorganizador do espaço nacional, que também é amplamente responsabilizado
às empresas transnacionais que ao se instalarem no local, também inserem suas normas
e ritmos que condicionam a realidade local à realidade necessária para manutenção e
reprodução do capital (VAINER, 2003).
Neste modelo de planejamento, onde a primazia da gestão e administração do
território é conduzida segundo o modelo da cidade-mercadoria, a cidade é vista como
uma empresa em que a produtividade e competitividade tornam-se as principais
qualidades a serem incorporadas pelas cidades. Para ressaltar como esse quadro se
instaura no território, destacam-se algumas considerações do Banco Mundial e outras
agências multilaterais documentadas em 1998, em que sugerem que as cidades devam:
Competir pelo investimento de capital, tecnologia e capacidade
empresarial;
Competir para atrair novas indústrias e negócios;[...]
Competir para atrair mão-de-obra qualificada. (VAINER, 2003, p. 28)
A nova regra é competir. O planejamento que antes era de domínio dos
tecnocratas, agora se relaciona cada vez mais ao agente empresarial, o qual fomenta
atrativos para empresas engendrando numa atual guerra dos lugares, onde cidades ou
regiões de uma mesma nação não se reconhecem num projeto nacional de interesse e
desenvolvimento de todos.
Considerando esta breve periodização sobre a difusão do planejamento urbano-
regional no Brasil constata-se que, de forma geral, a difusão do planejamento no Brasil
ocorreu sob influência externa, ou seja, as políticas territoriais aplicadas no Brasil
guiadas pela ação do Estado como também das empresas obedeceu aos interesses
advindos de um centro hegemônico externo. Mesmo em períodos onde a ação estatal foi
centralizadora e de caráter interventor, os investimentos realizados e a reorganização
ocorrida no território confluíram com interesses capitalistas do centro do poder. A
implementação dessas transformações e os rumos do planejamento seguiu, sobretudo,
um ideal de modernização e desenvolvimento, já que a ideologia do progresso se
transforma em ideologia do desenvolvimento, tendo a comunicação e a técnica como
importantes instrumentos nessa questão, a fim de maior difusão do sistema capitalista
(MATTELART, 1994).
Em presença à privatização do planejamento pelos interesses do capital
hegemônico e uma terceirização da responsabilidade do Estado, e as novas estratégias
de gestão do território com viés corporativo em detrimento de um projeto nacional
efetivamente consolidado, Souza (2004) e Monteiro (2007) apontam para a necessidade
de um planejamento territorial que atue além do espaço econômico, mas para o espaço
geográfico, incluindo assim a compreensão do sistema econômico, político e social
sobre o território.
Para Souza (2004), na questão do planejamento e gestão territorial, a eficiência
econômica só poderá ser considerada como moralmente legítima se realmente contribuir
para a melhoria da justiça social e da qualidade de vida. Assim, é garantido um papel
essencial da sociedade no planejamento, que deve ser realizado pelos próprios
indivíduos envolvidos, considerando ao mesmo tempo, o raciocínio prático do senso
comum e o conhecimento dos planejadores profissionais.
A garantia de participação da sociedade no processo de planejamento e gestão
do território vem de encontro com as prerrogativas de um planejamento técnico, o qual
se apresenta distante o suficiente da realidade e população envolvida, desvinculado de
interesses para tentar manter seu caráter científico. Monteiro (2007) propõe a gestação
de um planejamento como instrumento de libertação, onde ela constata que para se ter
intervenções no urbano voltadas a finalidade de atender as reais necessidades da
população, esta deve tomar parte do processo de planejamento inevitavelmente. Para
isso destaca-se a importância do planejamento no nível local como um importante
espaço para uma ação conscientizadora, por se tratar de aspectos cotidianos e
vivenciados por cada habitante. Dentro desta perspectiva de libertação social, o
planejamento exerce a função de denunciar as contradições presentes no sistema
capitalista e no próprio planejamento. Souza (2004) acrescenta a necessidade em
entender o desenvolvimento urbano, objetivo básico do planejamento e da gestão
urbanos, buscando o aumento da justiça social e melhoria da qualidade de vida, não
esquecendo que estes dois últimos se relacionam com a autonomia individual e coletiva.
Para alcançar justiça social e melhor condição de vida é necessário que os
próprios grupos sociais definam prioridades, uma vez que a esfera de debates quanto à
administração dos negócios de interesse da coletividade devem estar em consonância
com o pricípio de igualdade de participação para tomada de decisão. Na prática, quem
planeja é o Estado em associação ao capital hegemônico. Na perspectiva autonomista a
sociedade civil deve se organizar para fazer valer também suas propostas e estratégias
(SOUZA, 2004).
Por fim, Santos (2003) defende uma substituição deste planejamento estratégico
da primazia da gestão e administração corporativa do território por outro que se
preocupe com a sociedade como um todo e não com àqueles que já são por ora
beneficiados. O espaço deve ser visto como o “reino de todos os homens”, um espaço
social e não como o “campo de exercício do capitalismo” ou o espaço das empresas,
dito erroneamente como espaço econômico.
No próximo item será discutido o papel e a inserção do Plano Diretor Municipal
como um importante instrumento do Planejamento, previsto na legislação em vigor, que
se responsabiliza por delegações no âmbito do ordenamento urbano.
1.3 PLANO DIRETOR MUNICIPAL, UM INSTRUMENTO DO
PLANEJAMENTO URBANO
Após a contextualização sobre a conformação do planejamento urbano no Brasil,
diante da sua inserção na lógica capitalista, é tempo de se discutir o Plano Diretor como
conceito e instrumento a serviço da organização espacial urbana.
Considerando o planejamento urbano como um processo, o Plano Diretor
consiste em um de seus momentos. Exigido por lei desde a Constituição Federal de
1988, os planos diretores são tidos como instrumentos de fundamental importância para
cidades com mais de vinte mil habitantes; mas que também são exigidos para cidades
pertencentes às regiões metropolitanas; que contenham algum empreendimento que
possa colocar o meio ambiente em risco ou também se apresentar caráter turístico, de
acordo com o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001, art.41) (BRASIL, 2001).
Uma das principais funções do Plano Diretor Municipal consiste na
determinação da função social de cada parcela do território a partir de uma delimitação
cartográfica, expressando as exigências fundamentais de ordenação da cidade (Art.
182). Isto inclui preocupação com habitação, saneamento e transportes urbanos; como
também destinar e controlar o uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (PÓLIS,
2005).
Com relação à atribuição municipal, o Plano Diretor não pode agir somente no
que se refere ao perímetro urbano, uma vez que se considera como de total
interdependência o urbano e o rural, tanto em termos de produção como de serviços.
Além disso, grande parte dos municípios ainda apresenta caráter rural, fato que legitima
incluir os cuidados da zona rural no plano diretor, visando atender também às
necessidades desta parcela territorial. Desse modo, no Plano devem constar todos os
problemas que sejam de competência do município como um todo (BRAGA, 1995;
VILLAÇA, 2005).
É importante enfatizar a diferença entre o Plano Diretor e o Zoneamento, que
acabam frequentemente confundidos e utilizados como sinônimos. Segundo Villaça
(2005), o Plano Diretor é instrumento mais abrangente e poderoso que o Zoneamento, à
medida que abrange os problemas urbanos das mais diversas procedências como
habitação, transporte, saneamento, educação, saúde etc., enquanto o Zoneamento se
destina especificamente a regularização do uso do solo urbano para desenvolvimento da
comunidade urbana, a partir de limitação administrativa especial de uso da terra.
Define-se, portanto, localizações de áreas residenciais, de atividades produtivas, bem
como eleição de sítios industriais a partir de condicionantes físicos como declividade,
pedologia e disponibilidade de recursos hídricos (FERRARI, 1986).
Embora o Plano Diretor seja responsável por delegações densas no âmbito da
organização urbana, o que se observa atualmente é que os planos estão muitas vezes
fadados à desarticulação com a realidade social, já que a obrigatoriedade da elaboração
dos Planos não veio devidamente acompanhada por uma definição precisa da relevância
deste instrumento para a cidade e tampouco de uma determinação do esperado para
construção desta legislação municipal diante de sua realidade socioespacial. Dessa
maneira, os planejadores se encontram diante de uma obrigação de elaborar um
instrumento, o qual acaba por perder a principal razão de ser, sendo que a construção de
índices e coeficientes supera em importância o debate social da organização do espaço
urbano.
Entretanto, o que se espera para um Plano Diretor é mais do que uma
sofisticação técnica e formal, devendo contemplar o fator ético, isto é, um valor sobre o
entendimento das ações antrópicas, já que a aplicação de um plano interfere na vida de
todos. A falta desta avaliação crítica resulta em uma produção continuada de planos
com as mesmas metodologias da década de 1930, tendo como base a cidade funcional
proposta pela Carta de Atenas, que delega à cidade as funções de habitação, trabalho,
transporte e recreação, baseado no formalismo, mecanismo e tecnocracia. Como por
exemplo, a definição de áreas a serem ocupadas é feita por meio de manipulação de
zonas e índices, ao considerar basicamente a forma da cidade, sem considerar o
essencial, ou seja, a ordenação dos padrões sociais, políticos e culturais (SOUZA,1995).
Para justificar e ressaltar este fato, Braga (1995) apresenta dados de que mais
da metade dos 107 municípios pesquisados por ele elaboraram seu plano diretor devido
à obrigatoriedade legal imposta. Apenas 34,1% deles elaboraram o plano diretor como
um instrumento do planejamento e de melhoria da qualidade de vida no município.
Outro fator importante a ser destacado é quanto às entidades que elaboraram o plano,
52,2% foram elaborados por empresas ou consultorias privadas e não pelo próprio
governo municipal:
A obrigatoriedade da elaboração do plano diretor não conscientizou os
agentes públicos municipais da importância do planejamento enquanto
um processo mais eficiente de gestão, os quais encararam o plano apenas como uma exigência burocrática e inútil ou como um
instrumento útil apenas para facilitar a obtenção de financiamentos
públicos (BRAGA, 1995, p. 03).
Segundo Villaça (2005), embora o plano diretor seja estruturado para ser visto
como promotor de benefícios para a totalidade da população, na maioria das vezes, não
há correspondência destas intenções com o que se vê aplicado na realidade. O autor
justifica esta afirmação diante de que, desde que a ideia de Plano Diretor surgiu no
Brasil, há cerca de sete décadas, não há casos configurados de municípios que tenham
se baseado minimamente em um plano diretor com vistas à melhor administração
municipal. Confirma-se, portanto, um abismo entre discurso e prática social, na medida
em que o plano mais importante é aquele que mais pontos abranger e mais complexo e
científico se configurar, em prejuízo à prática junto à realidade social. Para Villaça
(2005):
A facilidade e mesmo irresponsabilidade com que é exigida a elaboração de planos, muito contribui para sua desmoralização e a da
própria lei, pois frequentemente a prática acaba por revelar que a lei
não é para valer. Apesar disso, essa exigência permanece, já que
preenche uma função ideológica e, no fundo, não é mesmo para valer (p. 19).
Apesar desse cenário, ainda ocorre uma “falsa valorização dos planos urbanos”,
por conta dos interesses e ideal de progresso trazido pelo desenvolvimento técnico-
científico, instrumento direcionador da ação política, ou seja, “ideologia da
tecnocracia”, justificada pela exigência a todo custo da elaboração dos planos ao mesmo
tempo em que falta seriedade no tratamento público que vem sendo dado a este
instrumento (VILLAÇA, 2005, p. 21).
Frente a esta realidade, observa-se a relevância em garantir que um maior
sucesso na implantação de um Plano Diretor consista na sua formulação por agentes
capacitados do próprio município, diante de um diagnóstico apurado que exprima ao
máximo as realidades sociais, políticas e econômicas municipais para que assim possam
ser elaboradas diretrizes aplicáveis e eficazes para o desenvolvimento e expansão
urbana em conformidade com a garantia de bem-estar de seus habitantes.
Após terem sido explanados conceitos de maior relevância para sustentação
dessa monografia, o capítulo a seguir destina-se a uma discussão mais detalhada do
município de Paulínia, objeto de estudo desta pesquisa, através de um olhar geográfico,
bem como uma discussão sobre a relevância do estudo sobre uso da terra com base na
metodologia de geoprocessamento. Em seguida apresenta-se o mapeamento e análise do
uso da terra no município e também o zoneamento do uso da terra proposto pelo Plano
Diretor.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA
O município de Paulínia (Figura 1), membro da Região Metropolitana de
Campinas (RMC), localiza-se a noroeste da cidade de Campinas, distando 118 km da
capital do Estado de São Paulo. Abrangendo uma extensão territorial de 138,95 km² e
uma população estimada de 76.033 habitantes, o município apresenta uma taxa de
urbanização de 98,9% e densidade demográfica de 547 hab/km² (SEADE, 2009).
Paulínia se sobressai no contexto regional e também nacional por conta de uma
economia pujante que confere ao município significativa arrecadação de capital,
explicada pela presença de um polo petroquímico (Replan) que contribui
expressivamente para a conformação de uma PIB per capita que atingiu valor de
R$104.728,02 em 2006, enquanto a média dos municípios paulistas encontra-se bem
abaixo com valor de R$ 19.547,86. Essa potencialidade econômica permitiu que o
município assumisse destaque também no aspecto social, quando alcançou um elevado
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), o que significa dizer de sua
elevada riqueza e índices sociais (MATIAS, 2009).
Figura 1. Localização do município de Paulínia
Org.: GALINDO, C. de A.
2.1 ASPECTOS FÍSICO-TERRITORIAIS
Com área distribuída na Depressão Periférica, o território paulinense apresenta
um relevo suave e ondulado com altitude média de 585 metros. De acordo com Brollo
(2001), há predominância de um relevo de colinas amplas, com declividade de 2 a 12%
de declividade e grau de dissecação pouco acentuado. Na porção oeste do município,
correspondente à área do minipantanal, e também à centro-sul apresenta-se um relevo
de colinas pequenas com declividades mais proeminentes (4 a 17%) e de grau de
dissecação bastante elevado. Próximo às margens dos principais rios, há predomínio de
planícies aluviais com declividade inferior a 2% sem grau de dissecação configurado.
O município apresenta uma rede de drenagem significativa, com destaque aos
rios Atibaia e Jaguari (vide Figura 2). O primeiro cruza o município na direção leste
oeste, configurando uma divisão central do município em uma porção norte e outra ao
sul. O segundo, situado ao extremo norte do município atua como fronteira natural entre
Paulínia e o município de Cosmópolis, também pertencente à RMC. Ambos os rios se
direcionam para o interior do Estado de São Paulo e mais à jusante se encontram e
conformam o rio Piracicaba, cujo nome é coincidente ao da bacia hidrográfica da qual
os rios são pertencentes.
Quanto aos aspectos geológicos, o município encontra-se entre o domínio do
Embasamento Cristalino e a Bacia Sedimentar do Paraná. As principais litologias
presentes são siltitos que abrangem significativa porção do município, tanto ao norte
quanto ao sul do rio Atibaia; ritmitos e lamitos arenosos a oeste; intrusões de diabásio a
leste e aluvião próximo às margens dos rios principais (BROLLO, 2001).
Em uma transição entre a Mata Atlântica úmida, que recobre a Serra do Mar, e o
cerrado típico do Planalto Ocidental Paulista, o clima local característico é o Tropical
seco e úmido, apresenta moderada precipitação com média anual de 1.450 mm e
temperatura média de 20ºC. Os solos predominantes são do tipo latossolo (vermelho
amarelo, vermelho escuro, roxo, húmico), podzólicos vermelho e amarelo e
hidromórficos relacionados aos depósitos aluvionares. Na vegetação original
destacavam-se áreas de floresta latifoliada, de cerrado e de campos, onde o Parque
Ecológico Armando Müller e o Minipantanal exemplificam porções dessa vegetação
nativa ainda presentes no município. (BOCARDE, 2003; MATIAS, 2009)
Figura 2. Visualização do Município de Paulínia a partir de Imagem do Satélite
CBERS/CCD
Fonte: INPE (2007) Org.: GALINDO, C. de A.
2.2 CONFORMAÇÃO HISTÓRICO-GEOGRÁFICA
A dinâmica do desenvolvimento urbano-industrial no município de Paulínia é
explicada diante de uma análise de seus fatores históricos e geográficos responsáveis
por sua organização espacial. Segundo Brito (1972), a extensão territorial
correspondente ao que hoje se conhece como o município de Paulínia era parcela
componente de sesmarias outorgadas pelo reino de Portugal em meados de 1790, onde
se instaurou um pequeno núcleo de povoamento composto por algumas pessoas
Rio Jaguari
Rio Atibaia
Paulínia
Replan
Minipantanal
Composição colorida (R:3,G:2,B:1)
Imagem do satélite CBERS/CCD (set/2007)
influentes do núcleo urbano de Campinas para o desenvolvimento de práticas agrícolas,
especialmente cana-de-açúcar e café.
A interconexão entre o núcleo que hoje corresponde à Paulínia e o núcleo
urbano de Campinas foi realizada através de trilhos visando maior fluidez para
transporte e escoamento da produção agrícola. A maior mobilidade garantida pela
instalação na Estação Guanabara em Paulínia contribuiu para que também aumentasse
seu contingente de moradores, uma vez que muitos imigrantes passaram a residir no
local, tanto para trabalhar no cafezal como também para manter o funcionamento dos
trilhos (BRITO, 1972; MÜLLER; MAZIERO, 2006).
Até 1963 as atividades produtivas em Paulínia eram basicamente agrícolas, onde
se destacavam o cultivo de café, cana, milho e algodão. A área urbana ocupada não
passava de poucos quarteirões, concentrados em torno de uma capela. Todavia, já em
1942, com a instalação da Rhodia (indústria química e têxtil), iniciou-se um processo
mais significativo da função econômica desta vila. A instalação da Rhodia teve como
principal objetivo a produção de álcool, nylon (subproduto do petróleo), acetonas e
solventes que subsidiaria a produção química de outras empresas do grupo localizadas
na Grande São Paulo. A proximidade com a cidade de São Paulo, local da sede da
empresa no Brasil, associada a fatores geográficos existentes como a presença de
recursos hídricos abundantes, solos apropriados ao cultivo de cana e um relevo pouco
acidentado, foram elementos importantes para a escolha da localização da indústria
(BARBOSA, 1994; MÜLLER; MAZIERO, 2006). Por conta da instalação da Rhodia, já
na década de 1940, Paulínia se tornou o distrito de Campinas que mais arrecadava
impostos, fato que contribuiu para o almejo da emancipação:
Em 28 de fevereiro de 1964, pouco antes do golpe militar que mudou
a história política do país, o Diário Oficial do Estado de São Paulo
publicava a Lei 8092, criando o município de Paulínia e orientando a população para as primeiras eleições que, realizadas em 1965,
elegeram o candidato único a prefeito José Lozano Araújo (do PSP-
Partido Social Progressista - o fundador dos “Amigos de Paulínia”)
(SOARES, 2004, p. 146).
Apesar dessas transformações oriundas da implantação da Rhodia, que
aumentaram as incitações para a emancipação do município que se configurou em 1964,
o município ainda apresentava um caráter eminente agrícola com destaque para o
cultivo da cana-de-açúcar (33,90%), culturas comerciais (15,16%), culturas alimentares
comerciais (8,15%) e reflorestamento (7,97%), totalizando 65,18% da extensão
territorial do município. A classe de uso não agrícola correspondia a somente 4,18% em
áreas do município, sendo que menos de 1% era uso urbano efetivo, local da antiga vila
de José Paulino que deu origem a cidade. As chácaras (1,37%), de característica rural,
incluíam horticultura e criação de pequenos animais, enquanto a área industrial (0,57%),
ainda bastante diminuta no município, resume-se a presença da Rhodia localizada junto
ao rio Atibaia ao leste do município (MATIAS, 2009).
Com a implantação da Refinaria de Paulínia (Replan) ocorrida entre 1968-1972,
Paulínia passou por transformações socioespaciais de significativa relevância, com
mudanças tanto na paisagem e uso da terra como também na economia munícipe.
Este acontecimento em Paulínia corresponde ao momento de centralização do
poder do Estado Brasileiro pelo governo militar, quando houve uma mudança no padrão
da industrialização nacional. Investimentos prioritários foram garantidos à prospecção
de petróleo, expansão da siderurgia, programa nuclear, transportes e telecomunicações,
inseridos nas diretrizes do I e II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) que
ensejava por uma maior integração nacional e ocupação territorial brasileira mais
efetiva, para isso, desenvolveu-se uma política de desconcentração industrial, das
chamadas regiões concentradas. Nesse contexto, a instalação de uma refinaria no
interior de São Paulo era compreendida pela ideia do Plano Nacional em minimizar
dependência em relação à importação de petróleo, desconcentração industrial das
grandes capitais em um movimento de criação de polos de desenvolvimento e
complexos industriais.
A escolha por Paulínia para a instalação da petroquímica deu-se em função do
grande consumo de seus produtos pela região da Grande São Paulo, pela necessidade de
baratear os custos com o transporte de óleo cru e a conveniência da interiorização de
indústrias consumidoras de matéria-prima oriundas do petróleo. Uma análise detalhada
foi realizada no município para constatar a eficácia de sua escolha, tais como
concentração de mercado, transporte do petróleo e derivados, disponibilidade de mão-
de-obra e infraestruturas outras (energia elétrica, água etc.). Mas também não se pode
deixar de destacar que um fator decisivo para a implantação da Replan no município foi
a isenção de impostos e taxas por um período de 10 anos, além da doação do terreno
para a construção da planta industrial, local que antes era pertencente à Rhodia,
utilizado para plantação de cana-de-açúcar como matéria-prima para produção de alcool
(BRITO, 1972).
Para abrigar o complexo industrial petroquímico, Paulínia teve que se constituir
numa bem organizada cidade, para tanto houve uma importante atuação do Estado que
desempenhou o papel de efetivo agente produtor de acumulação, através da tributação
direta e do endividamento externo. Assim, a petroquímica em Paulínia “foi instalada
através de um complexo sistema de alianças e conflitos entre tecnoburocracia estatal, os
militares, a burguesia local e os representantes do capital multinacional” (BARBOSA,
1994, p. 45), configurando-se como cenário da luta desses grupos sociais. Mais um
acontecimento que releva as significativas transformações municipais, em termos
políticos, é que com a implantação deste polo petroquímico de importância nacional,
Paulínia foi considerada, durante o governo militar, como um município de Segurança
Nacional, sendo suspensas as eleições diretas para prefeito, passando tal incumbência
para escolha pelo Presidente da República.
A dinâmica da implantação do polo petroquímico em Paulínia, município
recentemente emancipado, não poderia ser desacompanhada de uma ampla necessidade
por infraestrutura e por mão de obra. A necessidade por infraestrutura, como a
construção da estrada de ferro, oleodutos, estradas e maior disponibilização de energia
elétrica, incitava ainda mais a necessidade por mão de obra.
Ainda com a instalação da Rhodia, a mão de obra empregada consistia
principalmente em uma força de trabalho local, todavia, diante das significativas
transformações deflagradas a partir da instalação da Replan, a mão-de-obra requisitada
compreendia diversos setores, mas com caráter majoritariamente especializado.
A atração de migrantes para o município em busca de trabalho e melhores
condições de vida, exprime o crescimento populacional observado neste período.
Paulínia apresentou um crescimento adicional de população à razão de um componente
migratório bastante significativo, respondendo por mais de 67% do crescimento
populacional entre 1970 e 1980. Este fenômeno migratório atuou no suprimento de
mão-de-obra, principalmente especializada para trabalho na construção civil e também
de cargos no próprio complexo petroquímico. Além disso, outro contingente também foi
atraído no contexto do progressivo desenvolvimento econômico do município e da alta
arrecadação de impostos, que possibilitava a oferta de melhores empregos, salários e
assistência pública (educação, saúde e transporte) (CUNHA; DUARTE, 2000). Segundo
Barbosa (1994), os migrantes vindos à Paulínia neste período eram originários
principalmente da região sudeste do país, sendo responsável por 88% deste contingente,
e em menor proporção, responde a região Nordeste por 5,6% e a região Sul por 5,4%
dos migrantes. Em 1970, Paulínia apresentava um total de 10.708 habitantes
(MARGUTI, 2008), já em 2009 somou 84.577 habitantes. Ainda assim,
seja em termos demográficos ou econômicos, pode-se pensar que, de maneira mais ampla, é o espaço metropolitano - e não
necessariamente o município central – que atrai pessoas e atividades
econômicas por tudo o que ele significa em termos de oportunidades, vantagens locacionais, diversidade e complexidade de bens e serviços,
sendo sempre uma grande alternativa para investimentos produtivos,
particularmente aqueles que exigem maiores níveis tecnológicos, pessoas capacitadas, centros de pesquisa, etc. (CUNHA; DUARTE,
2000, p.01).
Tabela 1. População e taxa de crescimento populacional em Paulínia,
Campinas e RMC
Org.: Bargos (2010)
Diante das transformações destacadas, tanto em termos políticos, como
econômicos e socioambientais ocorridos no município de Paulínia em um curto período
desde sua emancipação, é possível observar que não houve um preparo da população
residente quanto a estas mudanças repentinas:
[...] a comunidade não estava minimamente preparada para a grande
ruptura que a implantação significava. Também não conseguia assimilar com rapidez os processos de desapropriação de terras, a
especulação imobiliária e a nova realidade sócio-econômica criada
com essa implantação, mostrando que o progresso, a euforia e os
População Total
1970 1980 1991 2000 2007 2009
RMC Campinas
608.826 1.276.755 1.863.609 2.332.988 2.594.832 2.770.862
Campinas 375.864 664.559 846.434 968.160 1.039.354 1.064.699
Paulínia 10.708 20.755 36.706 51.163 73.014 84.577
benefícios não foram para todos [...]. A Petrobrás, desde o anúncio de sua instalação, desapropriou partes significativas de pequenas e
grandes propriedades agrícolas para a construção da estrada de ferro
(FEPASA) e dos oleodutos necessários para o transporte da matéria-
prima a ser refinada, muitas vezes à revelia dos proprietários, que acabavam cedendo por falta de argumentos e pela influência dos
detentores do capital (SOARES, 2004, p. 159).
O cenário de progresso econômico, disseminado à população na forma de
propaganda ideológica desde a implantação da Replan, mascarava, de certa maneira, os
problemas socioambientais resultantes dessa rápida transformação no espaço geográfico
paulinense. Assim, a instalação das indústrias em Paulínia conferiu ao município a
“implantação de um padrão urbano com características desiguais” (SOARES, 2004, p.
51), como é o caso da expansão da periferia, que carrega consigo as características de
segregação e exclusão. A existência de novas frentes de trabalho promoveu o inchaço
da cidade, o qual somado a especulação imobiliária, fizeram surgir bairros cada vez
mais distantes, afastados dos locais de trabalho e carentes de equipamentos urbanos,
impondo a população distâncias cada vez maiores. Este cenário pode ser explicado visto
que Paulínia não se constituiu como uma cidade industrial de forma gradativa, mas
recebeu o suporte físico necessário para a alocação de indústrias de grande porte, o que
acabou por gerar complexos problemas no que se refere à qualidade socioambiental
(BARBOSA, 1994).
Paulínia experimentou neste contexto, uma “crescente interposição dos
recursos técnicos sobre os recursos naturais” (BARBOSA, 1994, p. 50), exemplificado
pela implantação do complexo petroquímico sobre este território, onde o perímetro
urbano foi ampliado para 75% da área total do município em 1976 (Lei nº 540 de
06/08/1976) em detrimento da zona agrícola. O aumento legal da área urbana sobre a
área rural decorreu principalmente em razão de conferir mais ampla área de uso
destinada a uso industrial, o que faz com que Paulínia se reafirme dentro do sistema
econômico regional e nacional pela sua potencialidade estrutural. É sabido que
atualmente o perímetro urbano oficial, instituído pela Lei 2688 de 2004, é ainda maior,
abrangendo 88,5% da extensão territorial.
Esta mudança na forma de organização do espaço paulinense pode resultar em
uma ocupação desordenada do território, em reação à falta de políticas públicas de
planejamento eficientes, passando a ser condicionada pelos interesses de especulação
imobiliária vigente, como também de outros agentes como o governo municipal que por
vezes não tenha como principal preocupação dinamizar o município tendo em vista
interesses gerais da população. Esta ocupação desordenada do território, potencial
geradora de conflitos de ordem socioambiental, é característica já observada no
quotidiano das cidades, onde tomam proporções cada vez maiores:
[...] periferias longínquas e desprovidas de serviços e equipamentos
urbanos essenciais; favelas, invasões, vilas e alagados nascem e se expandem; a retenção especulativa de terrenos é constante; o
adensamento e a verticalização sem precedentes podem ser verificados
com freqüência; a poluição de águas, do solo e do ar assume grandes proporções; dentre outros variados e negativos aspectos (OLIVEIRA,
2001, p. 02).
Como consequência das contradições intrínsecas à forma como o homem se
apropria da natureza, diversos problemas de ordem socioambiental foram identificados
e analisados no município. Grillo (2003) realizou um estudo que avaliou a qualidade
ambiental do município perante os condicionantes do polo industrial, uma vez que este
é grande responsável pela contaminação de corpos hídricos por conta de dejetos mal
alocados, além dos demais riscos que estes estabelecimentos podem proporcionar para
uma vizinhança próxima, de influência mais direta, ou para locais mais distantes e até
outros municípios de influência indireta. Os riscos apresentados por indústrias do setor
petroquímico variam desde acidentes como incêndios ou explosões até a contaminação
do solo, do ar e da água. Os trabalhos de Bocarde (2003) e Silva (2004) também
comprovaram a contaminação dos principais mananciais existentes no município por
resíduos provenientes de despejos tanto das indústrias como do esgoto doméstico.
De acordo com os estudos de Clemente (2002) quanto à qualidade do ar em
Paulínia foi observada a existência de áreas críticas com concentrações elevadas de
poluentes como o dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio, apresentando índices que
ultrapassam os limites do Padrão Nacional de Qualidade do ar quanto às concentrações
médias anuais.
Também é possível observar que nas últimas quatro décadas as áreas de
vegetação natural foram intensamente diminuídas, sendo que ao se tratar das áreas de
campos naturais, a situação é ainda mais crítica, à medida que estas foram áreas
ocupadas por uma agricultura intensiva em um primeiro momento, mas também pela
extensão da mancha urbana paulinense. Segundo Matias (2009),
As transformações decorrentes do crescimento urbano acelerado e a
crescente substituição da vegetação natural por culturas comerciais ou outros usos expõem as contradições envolvidas no processo de
produção do espaço segundo uma lógica de apropriação em que as
demandas socioambientais estão sendo, geralmente, desconsideradas em favorecimento da expansão desmesurada das atividades
econômicas ou, em última instância, em prol de grupos sociais mais
favorecidos [...] (p. 56).
Diante destes problemas por ora apresentados, entende-se a importância de um
planejamento urbano eficiente para Paulínia, com vistas às particularidades do
município que em pouco mais de quatro décadas mudou sua estrutura produtiva calcada
em relações de produção agrícolas para uma nova onde o desenvolvimento capitalista
urbano-industrial assume forma hegemônica.
Antevendo os problemas do territorial do município, aponta-se a legislação de
parcelamento do uso do solo como instrumento para uma fiscalização, prevenção do uso
inadequado da terra e indicação de áreas adequadas para os diferentes usos da terra,
atribuindo ao município a responsabilidade para legislar quanto à divisão de terras e
controlar seu uso visando “a proibição do parcelamento de áreas de preservação
permanente, inundáveis ou de risco; a proteção de reservas naturais para preservação da
fauna e da flora; a reserva de áreas para equipamentos públicos e áreas de lazer, etc.”
(STACCIARINI, 2002, p. 65).
Cabe dizer que o planejamento urbano consiste em um instrumento básico de
ação governamental em âmbito local (municipal), que visa contemplar metas sociais e
econômicas, por meio de áreas de planejamento e uma divisão territorial conforme
características semelhantes para que maior sucesso de aplicação seja alcançado
(BIRKHOLZ, 1980). Neste sentido, Corrêa (1996) ressalta a necessidade de agir na
criação e controle da organização do espaço à vista do processo de acumulação
capitalista, isto é, atuar na gestão do território como meio de viabilização e controle das
diferentes atividades:
A gestão do território, no âmbito da sociedade capitalista, constitui-se em um poderoso conjunto de ações engendradas para conceber,
planejar e dirigir o complexo ciclo de reprodução do capital das
corporações multifacetadas e multilocalizadas (CORRÊA, 1996, p. 26).
O planejamento urbano, visto como método de ação dedica-se principalmente
aos problemas físico-territoriais, especialmente quanto ao zoneamento e uso do solo
urbano, à circulação e sistema viário e aos serviços públicos. A obrigatoriedade da
elaboração de um Plano Diretor Municipal, como já foi visto, é designada
fundamentalmente para os municípios com mais de vinte mil habitantes, pertencentes a
regiões metropolitanas, que contenham algum empreendimento que possa colocar o
meio ambiente em risco ou também se apresentar caráter turístico. Dentre estes
requisitos, Paulínia se enquadra nos três primeiros, fato que demonstra o quão relevante
é o estabelecimento desta lei municipal de organização e desenvolvimento local.
O atual Plano Diretor de Paulínia, em vigência desde dezembro de 2006, propõe
o estabelecimento das “diretrizes de atuação dos agentes públicos e privados para a
elaboração e consolidação do planejamento municipal, visando o desenvolvimento
sustentável” (PAULÍNIA, 2006, Art. 3°). Esta sustentabilidade pretendida consiste na
compatibilização do desenvolvimento econômico, social e ambiental, garantindo a
qualidade de vida e o uso racional dos recursos disponíveis. Com relação ao
ordenamento territorial, a legislação:
visa estabelecer normas de uso e ocupação do solo, planejando a
adequada ocupação do espaço físico, disciplinando o seu uso, com a
indicação de vetores de crescimento e adensamento, definição de parâmetros urbanísticos, em função de política urbana compatível com
a vocação do município (PAULÍNIA, 2006, Art. 61).
Quanto à Política Municipal do Meio Ambiente, o Plano Diretor prevê melhorar
a qualidade de vida dos habitantes, “mediante proteção, preservação, conservação,
controle e recuperação do meio ambiente, obedecendo ao critério de sustentabilidade,
considerando-o um patrimônio público a ser defendido e garantido às presentes e
futuras gerações” (PAULÍNIA, 2006, Art. 14). Para assegurar esta proposição é
necessária a adoção de mecanismos para redução da poluição e degradação do solo,
proteção dos cursos d’água, dos mananciais e das Áreas de Proteção Permanente (APP).
Também é garantido pelo Plano Diretor Municipal o zoneamento municipal que
incide sobre a divisão do território em áreas especializadas de usos da terra, delimitadas
por lei que objetivam o estabelecimento de controle ambiental eficiente, urbanização e a
regularização fundiária dos núcleos habitacionais de baixa renda, definição de ZEIS
(Zonas Especial de Interesse Social) e a fiscalização rigorosa dos novos loteamentos e
parcelamentos de solo (PAULÍNIA, 2006, Art. 64, X, XVI, XV, XVI).
A fim de complementar as diretrizes quanto ao parcelamento, uso e ocupação do
solo no município de Paulínia, em 2007 promulgou-se a Lei Complementar n° 36 que
visa assegurar um equilíbrio entre as atividades estabelecidas no território, estimulando
o desenvolvimento urbano e ao mesmo tempo reservando localizações adequadas para
os diferentes usos instaurados (PAULÍNIA, 2007, Art. 1). De caráter bastante
descritivo, a Lei Complementar nº 36 apresenta a classificação das zonas de uso da terra
a serem seguidas pelos diversos agentes da produção do espaço paulinense (Quadro 1)
além do quadro de compatibilização dos usos segundo as zonas e as categorias de via
(Anexo 1), o qual será base fundamental para a realização do diagnóstico das formas do
uso atual da terra, uma vez que corresponde à indicação do uso a ser configurado a
partir da legislação.
Quadro 1. Descrição das zonas de uso definidas para o Município de Paulínia
DESCRIÇÃO ZONA
Zona residencial espacial ZRE
Zona predominantemente residencial de baixa densidade ZR1
Zona residencial especial de média densidade ZR1-A
Zona predominantemente residencial de baixa a média densidade ZR2
Zona predominantemente residencial de média densidade ZR3
Zona mista com predominância de comércio e serviços de alta a média densidade ZC1
Zona mista com predominância de comércio e serviços de baixa densidade ZC1A
Zona diversificada de média densidade ZUD1
Zona diversificada de baixa densidade ZUD2
Zona predominantemente industrial de médio porte ZUPI
Zona industrial de grande porte ZUI
Zona espacial de proteção ZE
Zona de transição ZT
Fonte: PAULÍNIA (2007)
Embora possa ser observado na legislação municipal um discurso bastante
promissor quanto à garantia da função social da terra no município, pensado como uma
totalidade e com favorecimento à esfera social e ambiental é necessária que se
investigue a compatibilização entre o discurso e a prática, isto é, entre o discurso que
garante a promoção social e ambiental em contraponto com a realidade munícipe
observada. Para isso entende-se como primordial considerar o ponto de vista de alguns
agentes locais responsáveis pela organização e implantação do Plano Diretor, como
também representantes da sociedade para buscar em diferentes pontos de vista, de que
maneira, efetivamente, vem sendo aplicadas, respeitadas, e até mesmo, elaboradas as
diretrizes do Plano Diretor Municipal, para que se entenda que interesses estão sendo
priorizados na atual configuração do espaço geográfico paulinense.
2.3 ALGUNS ESCLARECIMENTOS SOBRE O USO DA TERRA E O
GEOPROCESSAMENTO
Ao se definir o objeto de estudo deste trabalho como a realização de um estudo
geográfico sobre o atual uso da terra no município de Paulínia e a elaboração de um
diagnóstico da configuração destes usos perante a definição de zonas de usos indicadas
pela presente legislação, é necessário que seja esclarecido a utilização da nomenclatura
terra e não solo, para o uso que se faz do território, este como categoria geográfica.
Também se faz necessário compreender a relevância de estudos sobre o uso da terra na
Ciência Geográfica, assim como entender a escolha de metodologia de
geoprocessamento para execução dele.
Ao iniciar a discussão elege-se como mais adequada a nomenclatura terra e não
solo, para o uso que se faz do território, já que se entende que o primeiro refira-se ao
substrato natural resultante do intemperismo de rochas, partindo-se de definição
pedológica para solo. Por não se restringir a esta definição, utiliza-se neste estudo a
nomenclatura terra, por esta ser compreendida de maneira mais abrangente, atuando
como suporte das sociedades e também o grande laboratório que fornece instrumento e
possibilidade de trabalho para o homem. Mais recentemente, com a dominação e
transformação intensiva da natureza, havendo um distanciamento desta com a
sociedade, a cidade torna-se a materialização desse espaço dos diversos usos antrópicos
(LEFEBVRE, 1999).
Numa concepção geográfica, a expressão uso da terra designa não somente a
tipologia de cobertura do solo existente num determinado local, mas como,
fundamentalmente, o conjunto de forças produtivas e relações sociais de produção que
condicionam as formas de ocupação e uso de um determinado território (IBGE, 1999).
Para Carlos (2007a) a produção do espaço geográfico é revelada pelo uso e
ocupação da terra, produto da instaurada divisão social do trabalho, a qual produz uma
fragmentação e hierarquização materializada na morfologia espacial:
O uso deixa marcas profundas no espaço, cria traços que organizam comportamentos, determinam gestos, explicitando-se através das
formas de apropriação dos lugares da metrópole enquanto microcosmo
que ilumina a vida. Já as relações de propriedade criam os limites do
uso, redefinindo-o constantemente [...] (CARLOS, 2007b, p. 14).
Observa-se, desse modo, que cada localidade apresenta diversos níveis na
relação sociedade/natureza, uma vez que a ocupação do espaço se traduz no terreno pela
implantação de um determinado tipo de construção e pela localização das diversas
atividades. (SMITH, 1988; SANTOS, 1988).
Desse modo, a incorporação e uso de novas técnicas são cada vez mais
utilizadas no suporte à interpretação do espaço geográfico, tanto na detecção das
transformações de uso da terra, quanto no auxílio para um planejamento mais eficiente
frente à dinâmica vigente. Com estes avanços tecnológicos, são criadas novas
possibilidades de obtenção de informação, como por exemplo, a captação de imagens
por diferentes sensores orbitais, à serviço do estudo e interpretação do espaço imageado
e também novas possibilidades de edição e sistematização dessas informações a partir
de tecnologias de geoprocessamento, ou seja, de um conjunto de técnicas de
processamento de dados espacialmente referenciados. A partir destas tecnologias é
possível a aquisição de informação gráfica do território, como também a possibilidade
de edição, interpretação e a espacialização dos fenômenos de interesse.
A contribuição do geoprocessamento para a compreensão do uso da terra
decorre da necessidade em informar a sociedade perante as novas tecnologias de
informação como a de aquisição de imagens por meio de sensores remotos, por
exemplo. Neste sentido, o geoprocessamento atua no sentido de sistematizar, editar,
espacializar e conjugar informações que poderão servir à sociedade, assim como
racionalizar o processo de tomada de decisão, uma vez que nas atuais condições sociais
e econômicas tornou-se necessário tomar decisões de forma rápida e segura ao mesmo
tempo em que deve ser garantida eficácia e eficiência (MATIAS, 2004).
O uso de imagem de satélite contribui desde uma gestão mais eficaz do território
até em áreas mais específicas da engenharia, arquitetura e o turismo. O mapeamento e
análise das formas de uso da terra encontram-se entre as principais aplicações do
recurso, já que este possibilita o estudo do espaço geográfico em larga escala. Todavia,
é importante salientar que as imagens apresentam limites técnicos por se tratarem de
uma representação estática da realidade, não sendo capaz de exprimir a complexidade
dos processos sociais associados à produção do território (MATIAS; FONSECA, 2007).
Após reconhecer os benefícios adquiridos ao se optar pelo uso de técnicas de
geoprocessamento e o uso de imagens de satélite como suporte para mapeamento e
análise do atual uso da terra no município de Paulínia, assim como do mapeamento
deste uso em confronto com o indicado pela legislação, não se descartou a necessidade
de conjugar o uso dessas metodologias ao trabalho de campo.
A associação destes procedimentos permitiu encaminhar esta pesquisa através do
rigor e acurácia garantida pela técnica, mas sem perder o referencial prático
experimentado em trabalhos de campo de reconhecimento e averiguação da realidade
local, uma vez entendido que somente desta forma poderia ser compreendido de
maneira mais abrangente a complexidade da organização espacial do município
(VENTURI, 2005).
2.4 USO ATUAL DA TERRA NO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA
Diante da necessidade de se compreender como se estrutura a atual organização
do espaço paulinense, considerando seu contexto histórico e geográfico e as intensas
transformações por ora apontadas, este trabalho elaborou um mapeamento das formas
de uso e ocupação atual da terra no município de Paulínia, correspondente ao ano de
2009.
A pesquisa contou com a construção de uma base de dados georreferenciados,
realizada no programa ArcGIS 9.3, através das metodologias de Zeiler (1999) e
Macdonald (2001), que possibilitasse a conexão entre a interface da imagem gráfica
com uma tabela de dados, a fim de atribuir categorias numéricas ou textuais às feições,
podendo, portanto, estudá-los em conjunto e com melhores resultados.
Os arquivos digitais para composição da base cartográfica digital do município,
em escala 1:10.000, foram fornecidos pelo IGC e processados no Laboratório de Ensino
Informatizado (LEI). Inicialmente, foi necessário converter os dados advindos do IGC
do formato .dgn (Microstation) para .shp (ArcGis). Os arquivos estavam organizados
em blocos, nos quais a área de estudo estava contida em quatro deles. Assim, o próximo
procedimento foi a junção dos blocos de cada tema mapeado (hipsometria, vias de
circulação, pontos cotados, vegetação, hidrografia etc.) e posterior recorte dos arquivos
pelo limite municipal. Ao final, produziu-se, então, uma base cartográfica do município.
Logo após, foi iniciada a construção do banco de dados sobre as feições geográficas.
A construção do mapa preliminar do uso atual da terra no município foi a
próxima etapa a ser seguida antes da ida a campo para averiguação e reconhecimento da
área. Para isso foi processada e interpretada uma imagem digital do satélite CBERS-2B,
sensor CCD, resolução espacial de 20 metros, passagem em setembro de 2007,
adquirida junto ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
A identificação e classificação das diferentes áreas de uso da terra do município
tiveram como referencial as proposições do Manual Técnico de Uso da Terra (IBGE,
2006) que aponta uma classificação sistemática do uso em classes, subclasses e
unidades específicas, exemplificada no Quadro 2. A definição de cada área foi feita por
meio de técnica de classificação supervisionada, seguida por procedimento de edição
manual e interpretação visual da imagem de satélite, na qual através da diferença de
refletância, textura, cor, entre outros parâmetros, do objeto identificado na imagem, foi
possível distinguir e classificar as diferentes formas de uso da terra.
Todavia, muitas dúvidas surgiram neste procedimento como a dificuldade em
distinguir alguns usos como pastagem e campo, assim a observação de imagens de
maior resolução espacial no programa GoogleEarth foi de extrema relevância, já que
apresentava nítidas informações do terreno através de imagens captadas em 2005 e
2006, majoritariamente. Apesar disso, muitas vezes não foi possível chegar à
classificação de unidade nos usos identificados, pois as unidades propostas pelo IBGE
necessitavam de informações de caráter qualitativo, adquiridas somente no campo.
Essas unidades especificavam, normalmente, o destino de culturas agrícolas de
subsistência ou comercial, por exemplo. Por conseguinte, essas informações só foram
anexadas após constatação e análise em campo.
Quadro 2. Classificação das formas de uso e ocupação da terra
(Adaptado do IBGE, 2006)
Org.: MATIAS, 2009
As atividades de campo foram desenvolvidas para registro e coleta de dados
sobre as formas de uso da terra, checagem de mapas e registro fotográfico no município
de Paulínia. Esta etapa se concretizou principalmente na busca da experiência do lugar,
objeto da pesquisa, uma vez entendido que somente desta forma poderia ser
compreendido de maneira mais abrangente a complexidade da organização espacial do
município (VENTURI, 2005). O material necessário nesta etapa foi um aparelho
receptor de navegação GPS, câmera digital, binóculo, imagens de satélite e o mapa
preliminar do uso da terra.
As novas informações adquiridas em campo quanto ao uso da terra foram
armazenadas para que fossem lançadas na base de dados georreferenciados e analisadas
na sequência da pesquisa. Neste momento, a base de dados foi associada às feições
gráficas e atualizada com novas informações e correções. Também foi necessária a
edição dos polígonos que anteriormente foram denominados com a mesma classe de uso
da terra, sendo respectivamente codificados quanto às subclasses e unidades pertinentes.
As informações de campo associadas ao mapa preliminar de uso da terra
puderam contribuir para a delimitação de áreas de uso da terra mais precisas, contudo,
foi com a aquisição e interpretação de novas imagens de satélite de cobertura da área
que o mapeamento permitiu resultados mais fidedignos, isso porque essas novas
imagens detinham maior resolução espacial, o que permitia maior extração de detalhes.
Assim, foram refinadas as informações do mapa de uso atual da terra no
município de Paulínia através do uso de outras imagens do município além da CBERS –
2B – CCD utilizada, como a ALOS/AVNIR de resolução espacial de 10 metros,
passagem em 20/06/2008, e a CBERS/2B, sensor HRC de resolução de 2,5 metros,
recobrimento de 23/09/2008, possibilitando elaborar um mapeamento mais fidedigno do
atual uso da terra no município associado a mais idas a campo para averiguação do uso
instaurado.
Por fim, munidos de informações cartográficas, literatura preliminar e
observações em campo foi possível concretizar o mapeamento das formas de uso da
terra municipal conjugando aprendizados relevantes advindos da bibliografia como
também da experiência vivida no dia-a-dia do campo, para a obtenção dos resultados
almejados.
A construção do mapeamento do uso atual da terra no município de Paulínia
(Figura 3) gerou três categorias de observação de cada área delimitada e classificada.
Seguindo a metodologia de classificação do IBGE (2006), foram diagnosticadas as
classes de uso da terra, que mostrou a relevância da classe de Áreas Antrópicas
Agrícolas, representando 48,58%, seguido pelo uso de Áreas Antrópicas não Agrícolas
que ocupa 34,77% da extensão municipal de 138,95 km².
Assumindo a relevância da classificação em nível de Unidades de Uso da Terra
(Tabela 2 e Gráfico 1), proposto pelo IBGE (2006) ao suportar informações mais
específicas do uso da terra, é importante destacar alguns usos no município. A área
ocupada pelo cultivo de cana-de-açúcar, que remonta a um uso desde antes mesmo da
emancipação municipal, ainda é proeminente somando 27,73%. Este cultivo ainda é
encontrado em extensas áreas a nordeste do município e também outras áreas a sul e
sudoeste. Mesmo diante destes valores significativos, a literatura, fotografias aéreas e
imagens de satélite apontam que este cultivo foi ainda muito maior, algumas décadas
atrás.
Em sequência, destaque-se o uso de culturas alimentares comerciais que
representam 12,47%, ao passo que, as Áreas de Vegetação Natural são relativamente
pouco expressivas no município visto que somente 3,60% da extensão municipal são
identificadas como uso de matas e 11, 59% são classificados como área campestre. Um
bom exemplo de mata preservada está localizado na porção nordeste do município,
embora totalmente circundada pelo cultivo de cana-de-açúcar. Outras manchas também
são identificadas às margens do rio Atibaia, caracterizadas como mata ciliar. As áreas
de campo estão dispersas por todo o município podendo ser uma área atrativa para uma
futura transformação do uso da terra para áreas urbanizadas, bem como cultivos
alimentares. Estas áreas campestres apresentam normalmente o uso de pastagem
extensiva ou não possuem um uso especificado.
Destaque também é conferido ao uso de áreas urbanas, correspondentes à cidade
de Paulínia propriamente dita, que representa atualmente 17,70%. Vale lembrar que
conforme citado anteriormente, o uso efetivamente urbano não correspondia a 1% da
extensão territorial em meados de 1964, o que releva um crescimento significativo do
urbano paulinense em pouco mais que quatro décadas (MATIAS, 2009). Além disso, a
área compreendida pelo complexo industrial é considerada bastante expressiva, ao
somar 12,81%, o que representa especialmente a área abrangida pelo complexo
petroquímico.
Tabela 2. Unidades de uso da terra no município de Paulínia (2009)
Classe Unidade Área (km
2)
Porcentagem (%)
Áreas Antrópicas não Agrícolas
Cidades, vilas 24,6 17,7
Complexo industrial 17,8 12,81
Aterro sanitário 0,7 0,5
Chácara 4,16 2,99
Outros 0,12 0,09
Área de mineração 0,94 0,68
Áreas Antrópicas Agrícolas
Culturas alimentares comerciais 17,33 12,47
Cana-de-açúcar 38,53 27,73
Culturas comerciais 6,97 5,02
Pecuária bovina extensiva 1,28 0,92
Reflorestamento 3,39 2,44
Áreas de Vegetação Natural
Floresta (Área sem uso identificado)
5 3,6
Campestre (Área sem uso identificado)
15,95 11,48
Campestre (Área de várzea sem uso identificado)
0,15 0,11
Água Corpo d’água (Uso diversificado) 2,03 1,46
Total 138,95 100
Gráfico 1. Distribuição percentual das unidades de uso da terra no
município de Paulínia
A área urbana se adensa na porção central do município, local do início da
ocupação, e se estende a noroeste e a sudeste do município abrangendo ambas as
margens do rio Atibaia. Diversas indústrias químicas e petroquímicas se localizam a
leste do município, com destaque para a Rhodia, no extremo leste, e para a Replan, mas
a nordeste do município. Essa localização das indústrias diante da posição do centro
urbano pode configurar problemas de contaminação dos corpos hídricos se uma
adequada alocação dos resíduos não for realizada, uma vez que o rio Atibaia corre em
direção a esse centro, tornando vulnerável a população.
O uso definido pelo IBGE (2006) como Corpo d’água Continental também foi
analisado e ainda que represente 1,46% da extensão municipal, ou seja, relativamente
pouco expressivo em termos quantitativos, é sabido quanto sua relevância ao se
considerar aspectos qualitativos, que remetam à sua importância no abastecimento do
município.
Paulínia conta com importantes cursos d’água como o rio Atibaia e o rio Jaguari,
que delimita o município com Cosmópolis. Estes rios são de relevância para o
município, e toda a região, uma vez que detêm um uso diversificado como captação
para abastecimento e recepção de efluentes agrícola, industrial e doméstico. Outros
corpos d’água são encontrados no município com o mesmo uso de captação e recepção,
mas também há presença de áreas para lazer e desporto, como também pesca artesanal.
Na Figura 4 podem ser observados alguns destes usos tratados como mais
relevantes no município de Paulínia.
Figura 4. Usos da terra mais relevantes em Paulínia
D. Unidade Campestre
E. Unidade Culturas Alimentares
Comerciais (batata)
F. Unidade Mata e Corpo d’água continental
Fonte: Matias e Galindo
(2007/2008/2009)
A. Subclasse Áreas
Urbanizadas
B. Unidade Complexo Industrial: Replan
C. Unidade Cana-de-açúcar
2.5 ZONEAMENTO DO USO DA TERRA NO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA:
PROPOSIÇÃO DO PLANO DIRETOR
A regulação e definição de zonas e limites do uso e ocupação da terra em
Paulínia são garantidas pela legislação municipal, que tem como presente normatização
a Lei nº 2.852 que institui o Plano Diretor Municipal; o parcelamento, uso e ocupação
da terra foram previstos e detalhados pela Lei Complementar nº36, promulgada em 31
de dezembro de 2007.
Ao pretender garantir uma melhor organização do espaço municipal, com vistas
a um desenvolvimento urbano orientado para maior aproveitamento e controle do uso
da terra, , esta legislação apresenta um mapeamento da divisão municipal em zonas e
limites de uso da terra, para fins legais. Este mapeamento apresenta uma classificação
de diversas zonas de uso da terra para todo o município, indicando qual uso seria o mais
adequado para cada área de acordo com suas características físico-territoriais,
proximidade com áreas de proteção ambiental ou margem de rios etc.
Em seguida, há uma explanação quanto à definição destas zonas de uso já
mencionadas anteriormente (Quadro 1), sendo que se reserva particular atenção no texto
para a Zona Especial de Proteção, sobre a qual propõe a implantação de planos
específicos a serem submetidos à aprovação da Câmara Municipal de Paulínia.
No próximo capítulo do texto são definidas e caracterizadas categorias de uso da
terra organizado em três blocos: residencial, comercial, industrial e equipamentos.
Realizado de maneira extensiva e descritiva, os usos são caracterizados para que
posteriormente haja distribuição destes nas diferentes zonas de uso definidas à priori.
O capítulo III define que a ocupação e o aproveitamento do solo urbano serão
diferenciados conforme as Zonas e categorias de vias, definidas no quadro de
compatibilização dos usos segundo as zonas e categorias de vias (Anexo 1). É a partir
desta normatização e do mapeamento da divisão municipal em zonas e limites de uso da
terra que será realizado o diagnóstico do uso atual da terra observado no município a
fim de analisar a conformidade ou não destes usos com a legislação atualmente
instaurada.
Ainda que a Lei Complementar nº 36 ofereça dados suficientes para determinar
o uso a ser estabelecido no município em diferentes categorias e zonas de uso da terra
em escala intramunicipal, ao definir diferentes usos residenciais, comerciais, industriais
e de equipamento, este trabalho se limita à observação do uso e sua conformidade com a
lei em escala de menor detalhamento, por desejar abranger a totalidade municipal.
Assim, somente os usos já definidos no mapeamento do uso atual da terra a partir da
classificação do IBGE (2006) serão considerados para o confronto com os indicativos
do Plano Diretor.
Além do mapeamento do uso da terra apresentado anteriormente, o mapa de
delimitação das zonas e limites do uso da terra em Paulínia também foi essencial para
dar suporte ao mapeamento final do diagnóstico do uso instaurado com o uso legal
previsto.
A edição e elaboração do mapa de zonas e limites do município de Paulínia
(Figura 5), proposto pela Lei Complementar n° 36 (PAULÍNIA, 2007) também foi
realizada por meio de técnicas de geoprocessamento: a partir do arquivo do
mapeamento em formato do programa AutoCAD (.dwg), adquirido junto ao setor de
planejamento da Prefeitura Municipal de Paulínia, realizou-se a conversão e edição
deste tema em meio digital (shapefile), utilizando-se o software ArcGIS 9.3, e definiu-
se a escala cartográfica a ser trabalhada, de 1:10.000, por considerar um nível de
detalhamento apropriado para representação de uma escala municipal como a de
Paulínia e compatível com a base cartográfica disponível (IGC, 2002).
Com o software de geoprocessamento que realiza a conexão entre as feições
gráficas com uma tabela de dados correspondente, foi possível atribuir categorias
numéricas ou textuais às feições, ou seja, atribuir informações quanto à descrição de
cada zona delimitada ao banco de dados associado, o que permitiu um estudo conjugado
das informações gráficas e descritivas. Depois de averiguada a qualidade do arquivo
para que fossem eliminados erros físicos e/ou lógicos, por meio da revisão do arquivo
editado, foi elaborado o leiaute final do mapa.
Analisando este mapa, pode-se observar que as Zonas Especiais de Proteção e as
Zonas de Transição estão em locais bem definidos no território, correspondente ao
nordeste sudoeste do município além de compreender a área em torno do rio Atibaia e
do rio Jaguari; sendo que nessas zonas, o uso urbano-industrial é bastante restringido
pela legislação.
A Zona Industrial de Grande Porte também é bem definida e concentrada,
correspondendo justamente à área do complexo petroquímico a leste da cidade de
Paulínia. As outras zonas delimitadas, correspondentes ao uso comercial, residencial,
diversificado e outros são distribuídas por toda extensão municipal, sendo que há um
predomínio de zonas residenciais a oeste e de zonas comerciais, de serviços e de
industrial de médio porte no centro-leste do município.
Figura 5. Mapeamento de Zonas e Limites do Município de
Paulínia (PAULÍNIA, 2007)
3. PAULÍNIA REAL E FORMAL: DIAGNÓSTICO DO USO DA TERRA
Após reconhecer a atual organização do espaço paulinense através da
identificação das formas de uso da terra configuradas no território e também conhecer
as proposições do Plano Diretor Municipal quanto ao parcelamento, uso e ocupação da
terra indicadas no mapa de zonas e limites de uso da terra, foi possível propor a
composição de um mapeamento que contemplasse o confronto destas informações
instauradas e desejadas para o território, a fim de identificar possíveis inadequações e
conflitos de uso definidos pela legislação vigente. Através da elaboração deste
mapeamento há possibilidade de compreender a espacialização de áreas adequadas,
inadequadas ou em conflito com a legislação, suporte para análises quantitativas e
qualitativas desta disposição e atual configuração da organização espacial, mas também
suporte a uma discussão quanto às implicações dos usos em desconformidade tanto em
caráter social do ordenamento e funcionamento da cidade como de caráter ambiental,
que compromete o município e até mesmo a região.
3.1 USO DA TERRA REAL E FORMAL
A escolha dos termos real e formal ao referir-se ao uso da terra no município em
questão pretende abranger duas realidades observadas em Paulínia quanto à organização
socioespacial vigente. Em primeiro lugar, correspondente ao uso da terra real, observa-
se no município a materialização de ações e produções sociais que ao longo de um
processo histórico conformou o então denominado município de Paulínia, isto é,
entende-se a associação do termo real ao uso da terra materializado no plano da
realidade, fruto da produção do espaço desenvolvida processualmente por diversos
agentes desde a sociedade como um todo como também da parcela ligada ao governo
que preza pelas funções básicas da população local.
Por outro lado, entende-se que além deste uso da terra real, existam dispositivos
legais que dentro de uma dinâmica contextualizada historicamente instituem uma
legislação para um ordenamento urbano direcionado, a partir um ideal de uso da terra a
ser seguido segundo parâmetros estabelecidos, estudos e interesses pré-definidos por
uma parcela de agentes, sejam estes planejadores e gestores do governo local, fazendo
surgir o denominado uso da terra formal, isto é, previsto legalmente pela gestão em
vigor.
Apesar desta distinção de termos para o uso da terra, é importante destacar que
ambos encontram-se presentes no município, onde um não existe sem o outro, resposta
a um jogo dialético. O uso da terra real e formal por vezes se confrontam, outras vezes
se complementam, engendrando contradições e também as condições objetivas e
subjetivas para o entendimento da sua relação. A partir dessas considerações e definição
do uso da terra em termos real e formal é que se possibilitou estabelecer o mapeamento
e análise da adequação do uso atual da terra paulinense, denominado uso da terra real,
em relação ao definido pela legislação das zonas e limites do município, considerado o
uso da terra formal.
3.2 ADEQUAÇÃO DO USO DA TERRA PAULINENSE FRENTE ÀS
PROPOSIÇÕES DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL
A elaboração do mapeamento da adequação do uso atual da terra no município
de Paulínia frente às proposições do Plano Diretor utilizou-se de metodologias de
geoprocessamento para associação das informações gráficas e do banco de dados tanto
do mapa proposto pela legislação quanto do mapa de uso da terra do município para
composição de um único arquivo diagnóstico. Após a conjugação destas informações,
foi realizada a edição e redefinição de alguns limites sobrepostos. A partir deste arquivo
analisou-se a adequação de cada área identificada tomando como base a metodologia
proposta por Fonseca (2008), utilizada para o diagnóstico do uso e ocupação da terra.
Considerou-se Adequado o uso atual da terra compatível com o definido no
Plano Diretor Municipal e com as legislações específicas aplicáveis. O uso Inadequado
foi classificado quando em confronto com o definido pelo Plano Diretor Municipal e
com as legislações específicas aplicáveis, entretanto não configurando conflito, podendo
ser de caráter transitório e/ou temporário. O uso classificado como Conflitante é aquele
juridicamente irregular e incompatível com o definido pelo Plano Diretor Municipal e
legislações específicas aplicáveis. Em sequência, realizou-se a quantificação destas
áreas a fim de dimensionar a importância de cada uso, adequado, inadequado ou em
conflito, na extensão municipal. Por fim, realizou-se o leiaute final do mapa para que
pudesse ser analisado e problematizado posteriormente (Quadro 3).
A partir da construção e análise do mapa de diagnóstico do uso da terra no
município de Paulínia frente às proposições do Plano Diretor Municipal (2006) - Figura
6 - considerou-se que 64% da área municipal de 138,95 km² encontram-se em
adequação ao estabelecido pela legislação (Gráfico 2). Esta área corresponde
majoritariamente à porção central e também a nordeste do município.
Como por exemplo, a área nordeste do município é destinada à Zona de
Transição (ZT), de acordo com a legislação e, atualmente corresponde ao uso agrícola
temporário de cana-de-açúcar, o que é considerado adequado já que não se encontram
nesta área usos residenciais, comerciais ou industriais, que seriam conflitantes para esta
zona. A área centro–norte do município corresponde ao complexo petroquímico,
essencialmente composto pela Replan, é também considerada adequada por se encontrar
na Zona predominantemente industrial de médio porte (ZUPI) e na Zona industrial de
grande porte (ZUI) as quais permitem o uso industrial de pequeno e médio porte para a
primeira zona e de grande porte para a segunda zona, além de ambas não permitirem
uso residencial ou comercial, estando, portanto, em conformidade com a legislação.
Quadro 3. Metodologia para a elaboração do mapa diagnóstico do uso da terra no
município de Paulínia frente às proposições do Plano Diretor Municipal
Mapa diagnóstico do uso
da terra no município de
Paulínia frente às
proposições do Plano
Diretor
Confronto das informações do banco
de dados referente ao uso da terra
instaurado e às proposições legais do
uso da terra municipal
Quantificação e espacialização das
áreas classificadas, definição da
legenda e finalização do leiaute do
mapa
Definição de áreas de uso adequado,
inadequado ou conflitante com a
legislação a partir da metodologia de
Fonseca (2008)
TEMA: Mapeamento
do uso atual da terra no
município de Paulínia
TEMA: Mapeamento
das zonas e limites do
município de Paulínia
União dos temas, edição e
redefinição de alguns limites
sobrepostos
Software ArcGIS 9.3
Na porção oeste do município também se configurou um uso adequado, por se
tratar de um uso residencial em uma Zona predominantemente residencial de média
densidade (ZR3), a qual permite diversos usos residenciais, comerciais, mas não
industrial. Na área centro–sul do município também se observa conformidade quanto ao
uso já que diversos usos residenciais, comerciais e de serviços encontram-se em Zona
predominantemente residencial de baixa a média densidade (ZR2), Zona mista com
predominância de comércio e serviços de média a alta densidade (ZC1), Zona
predominantemente residencial de baixa densidade (ZR1) e Zona residencial Especial
de média densidade (ZR1-A), estando assim adequados quanto ao proposto pela
legislação. Desta forma, percebe-se que grande parte do município encontra-se em
conformidade com a legislação de zoneamento do uso do solo urbano por não haver
usos em desacordo com o proposto em cada zona.
A segunda categoria mais expressiva no município quanto à adequação ao
zoneamento proposto pela Lei Complementar n° 36 (PAULÍNIA, 2007) é a de uso
inadequado, ou seja, confrontante com a legislação, porém podendo se estabelecer como
de caráter provisório e/ou temporário, passível de ser revertido. Identificou-se 35% da
área municipal (48,6km²) como de uso inadequado, presente principalmente na porção
norte e sul do município.
Na porção norte, à margem do rio Jaguari, a inadequação se configura por ter
uso reservado para a Zona residencial especial (ZRE), Zona predominantemente
industrial de médio porte (ZUPI) e Zona predominantemente residencial de média
densidade (ZR3) que permitem uso residencial, industrial e residencial, comercial e
serviços, respectivamente, todavia apresentam atualmente diversos usos agrícolas como
culturas permanentes (citricultura e café), temporárias comerciais (soja e milho) como
também a cana-de-açúcar.
Esta situação foi considerada como inadequada por se tratar de um uso distinto
ao reservado para a zona, ainda que isto possa ser posteriormente revertido. Vale
salientar que o zoneamento proposto pela legislação, apesar de ser dedicado a todo o
município e não somente ao uso urbano paulinense, não destina áreas para o uso
agrícola, mas somente para o uso residencial, comercial e serviços, industrial e
institucional, considerados como usos antrópicos não agrícolas. Por conta deste fato, é
que o diagnóstico deste uso na porção norte, à margem do rio Jaguari, foi considerado
como inadequado. Situação semelhante ocorre com os outros usos classificados como
inadequado, por apresentarem uso agrícola em áreas reservadas para uso urbano
(residencial ou comercial e de serviços), o que revela uma incoerência entre o que é
estabelecido pela legislação, que aponta um perímetro urbano de 88,5% da extensão
territorial, e a realidade onde ainda se constata expressiva porção municipal com uso
agrícola de importância econômica e espacial instaurada.
Por fim, classificou-se 1,37 km² (0,99%) da extensão territorial do município
como de uso conflitante com a legislação, isto é, juridicamente irregular. Ainda que esta
área seja considerada bastante diminuta em vista da extensão territorial de 138,95km²,
esta área é passível de atenção por conta das consequências diretas que esta ocupação
irregular pode ocasionar.
Como, por exemplo, ao extremo norte do município, configura-se atualmente um
uso residencial, mais apropriadamente, composto por chácaras onde, todavia a
legislação prevê para esta área a Zona Industrial de Grande Porte (ZUI). Esta atual
configuração pode resultar em impactos socioambientais especialmente para estas
chácaras, devido à proximidade de indústrias de grande porte, possíveis causadoras de
poluição sonora, atmosférica e dos recursos hídricos.
Figura 6. Mapeamento da adequação do uso atual da terra no
município de Paulínia frente às proposições do Plano Diretor
(2006)
Outra irregularidade foi identificada a sudoeste do município, correspondente ao
local onde se situa o aterro sanitário, o qual se encontra situado em uma Zona de
Transição (ZT). De acordo com o estabelecido pela legislação, a ZT tem uso restrito
para os diversos usos antrópicos não agrícola citados até então, assim sendo,
considerou-se também como conflitante a instauração de um aterro em um local onde
possivelmente seria reservado para áreas de vegetação natural.
Gráfico 2. Adequação do atual uso da terra do município de Paulínia frente
às proposições do Plano Diretor Municipal (2006)
Outras áreas de conflito foram classificadas na porção leste do município que
correspondem às faixas de vegetação natural em plena Zona Industrial de Grande Porte
(ZUI), o que novamente pode configurar impactos ambientais ao uso por ora
configurado, devido à má alocação de dejetos que venham a contaminar a vegetação,
solo ou água circundante.
Pequenas áreas a sudeste foram classificadas como conflitantes por se tratarem
de uso industrial em zonas reservadas para residências, como em ZR1 e ZR2. Isso
poderá acarretar, como já mencionado, problemas para as residências por conta da
proximidade com indústrias que poderão causar transtornos desde barulho intensivo, até
poluição do solo por má alocação de seus resíduos. Também é possível que estas
indústrias ocasionem poluição atmosférica, o que atingiria diretamente a população
circundante.
Através do mapeamento realizado e das análises quantitativas e também
qualitativas constatou-se que grande parte do uso atualmente configurado no município
de Paulínia encontra-se em acordo com o proposto pela legislação vigente, ao passo que
uma porção diminuta se caracterizou como de uso conflitante. Apesar desta condição
favorável, vale lembrar que mais de um terço da porção territorial foi classificada como
inadequada perante a lei, visto que esta não destina zonas específicas para o uso
antrópico agrícola, exceto às Zonas de Transição (ZT) localizadas na porção nordeste e
sudoeste do município.
Como pode ser observado e analisado no mapeamento do uso atual da terra de
Paulínia, o uso predominante é composto por Áreas Antrópicas Agrícolas (48,58%),
correspondente à quase metade da extensão territorial. Ainda assim, neste diagnóstico
realizado, foi possível observar que a deliberação das zonas de uso da terra no
município não contemplou esta realidade, fato que trouxe à tona uma possível
inadequação de uso, onde usos urbanos são previstos em detrimento do rural.
A partir da classificação em unidades de uso da terra (IBGE, 2006), foi possível
constatar que o uso que mais contribui para tal dimensão da agricultura em Paulínia é o
cultivo de cana-de-açúcar, o que não é difícil de entender, já que Brito (1972) e Muller e
Maziero (2006) já afirmavam da relevância deste uso desde os primórdios, quando
Paulínia ainda era tida como Vila José Paulino. Assim, aspectos históricos do início da
ocupação desta área que atualmente corresponde ao município remontam à importância
deste uso, tanto pelo contexto regional como posteriormente para atender o setor
industrial que ali começou a se desenvolver. Este é o caso, principalmente da Rhodia,
que tinha a cana-de-açúcar como matéria-prima principal de sua produção. Nos estudos
de Matias (2009) também é possível compreender a relevância deste uso desde a
emancipação do município, sendo que em 1964 correspondia a uma abrangência no
município de 33,90%, aumentando para 35,95% em 1986 e correspondendo a 27,73%
na atualidade.
Diante dessa realidade, fica difícil entender o porquê de o município aprovar
uma legislação que prioriza o espaço urbano em detrimento do rural, ainda que este se
mostre bastante presente e importante economicamente. Esta situação incita, no
município, a ação de agentes imobiliários que acabam por serem protagonistas na
produção de espaço urbano seletivo. Ao legitimar o uso urbano em extensiva parcela do
território paulinense abre-se a possibilidade da ação destes agentes em especulação
imobiliária, priorizando e valorizando espaços com a construção de novos enclaves
fortificados, a partir da promoção de intensivos investimentos em infraestrutura para
alguns locais, que resulta na falta de assistência para outros. Como já apontava a
literatura, o fenômeno de urbanização acelerada conjugada à industrialização, ao
transformar intensa e rapidamente a relação de trabalho e produção rural até então
configurada é responsável por configurar um excessivo de concentração e inchaço
urbanos, calcado na segregação socioespacial. Os resultados podem ser dos mais
diversos, mas principalmente caracterizados por um uso desordenado da terra,
assentamentos ilícitos e ocupações frágeis, visto que há deficiência de um planejamento
municipal que contemple as diversas funções e atividades munícipes e sociais
(CARLOS, 2001; SOUZA, 2004; CALDEIRA, 1997; OLIVEIRA, 2001).
Esta realidade adequada à escala municipal de Paulínia, que representa uma
cidade média da RMC, pode ser observada conservando suas possíveis particularidades.
A legitimação por lei de uma Paulínia que é majoritariamente reservada para o uso
urbano, ainda que isso não se configure atualmente, possibilita uma rápida
transformação dos usos Antrópicos Agrícola existentes até então, além de dinamizar sua
malha urbana-industrial, que foi potencialmente crescente no período desde a
emancipação. O aumento legal da zona urbana em 1976 já explicita esta tendência que
prioriza o desenvolvimento da cidade em detrimento do rural, fato que responde
principalmente à chegada do complexo petroquímico para a região (BARBOSA, 1994).
É valido lembrar que é de competência do Plano Diretor planejar a atuação no
território municipal como um todo, isto é, não somente dentro do perímetro urbano, mas
também na área rural, uma vez que se considera a interdependência destes espaços
perante suas funções e atividades, mas também por dimensionar o município através da
visão de um todo (BRAGA, 1995; VILLAÇA, 2005). Por tais considerações é passível
de se considerar esta deficiência do Plano Diretor Paulinense por não contemplar os
diversos usos municipais com propriedade.
Outro fato de fundamental importância surge ao se analisar os usos da terra
conflitantes com a legislação. Ainda que responsável por parcela diminuta do território,
este usos devem ser passíveis de atenção especial por se tratar de casos mais agravados.
Mesmo diante da identificação dessas áreas de conflito e consequentemente de suas
implicações socioambientais, é pouco satisfatório e estimulante saber quanto ao
posicionamento da legislação frente a esta situação. O texto da Lei Complementar nº 36
trata, na seção III, “das conformidades e não conformidades” perante a definição legal
dos usos da terra (PAULÍNIA, 2007). Considerando o uso não conforme àquele que em
qualquer zona seja inadequado em relação às características estabelecidas para essa
zona, a legislação garante que:
§ 2º - Desconformidade de ocupação ou aproveitamento poderá ser
tolerada, exigindo-se, porém, que em projetos de ampliações, as novas partes estejam de acordo com o disposto nesta Lei.
§ 3º - A tolerância do uso não conforme, está condicionada à
liquidação na Prefeitura, por parte do interessado, de todos os débitos fiscais em atraso que incidem sobre o imóvel e atividade objeto da
tolerância (PAULÍNIA, 2007)
Fica evidenciado a partir destas diretrizes que não há movimento significativo
que vise à reversão dos quadros conflitantes instaurados anteriormente à legislação, ou
seja, irregularidades conformadas antes da promulgação da legislação serão “toleradas”,
ao menos que estas não estejam em regularidade com todos os débitos fiscais do imóvel.
Infelizmente, pode-se entender que o caráter socioambiental do município não está
sendo garantido, já que a premissa para a o uso conflitante fosse tolerado consistia em
obrigações fiscais com o município e não necessariamente socioambiental.
Inserido na atual lógica capitalista, Paulínia passou por transformações na sua
forma e função como cidade, em um cenário em que a busca por interesses diversos e
por lucratividade crescente redefiniam o município, onde o valor de troca supera o valor
de uso, isso porque novas ordens legitimam o processo capitalista vigente. Este
processo é materializado na ação do planejamento urbano, o qual permite a existência
de usos irregulares do território diante de condicionantes econômicos e certamente por
um jogo de interesses e poder local, ao passo que os problemas ambientais e sociais
decorrentes desta não conformação de uso são pouco assistidos ou minimizados. Dessa
forma, a atual organização do espaço paulinense se desenha à revelia de sua própria
sociedade, podendo gerar um todo espacialmente diversificado, marcado por espaços e
usos privilegiados ou excluídos (SPOSITO, 1988).
Também é importante dizer que a classificação de uso da terra em adequado em
mais da metade da extensão territorial pode ser levantada como fator positivo da atual
organização espacial paulinense, todavia, apesar desta significativa dimensão de áreas
em conformidade é preciso se atentar para o caso de que, o uso da terra formal em
Paulínia foi definido em 2007 a partir da Lei Complementar nº 36 ao Plano Diretor,
todavia o uso da terra real resulta da materialização da soma de diversos processos
ocorridos antes mesmo da emancipação municipal até os dias de hoje, assim é
questionável considerar uma adequação do uso da terra que é anterior às proposições da
legislação. Desta forma, é importante considerar a hipótese de que a adequação
observada pode ser fruto de uma legislação que ao ser elaborada agiu no sentido de
legitimar o uso por ora já estabelecido, resultando, assim, em uma classificação
aparentemente adequada.
Outro questionamento a ser feito se refere à aplicação da legislação à realidade
municipal, configurando em um embate entre discurso e prática social. Questiona-se
quanto ao uso cada vez mais corporativo deste território que tem crescido por meio de
condomínios fechados, indústrias e multinacionais que atuam de acordo com uma lógica
que não somente a local, servindo a interesses, muitas vezes hegemônicos, tanto do
mercado imobiliário quanto do complexo industrial, conferindo ao município destaque
em âmbito regional e também nacional por conta de seus excelentes indicadores
econômicos, mas em desarticulação com a realidade de uma parcela da população
pouco assistida e cada vez mais marginalizada. Assim, o discurso promissor quanto à
garantia da função social da terra no município, pensado como uma totalidade e com
favorecimento à esfera social e ambiental fica comprometida em benefício dos
interesses de uma parcela hegemônica, que acabam sendo legitimados quando
ideologicamente dissimulado aos interesses de toda sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste trabalho foi possível analisar algumas questões sobre a
organização do espaço paulinense por uma ótica geográfica, que buscou exprimir a
configuração do uso atual da terra no município e sua adequação diante da legislação
vigente e proposta no Plano Diretor, além de fomentar um debate quanto à produção
deste espaço a partir de condicionantes históricos desde a emancipação de Paulínia, seu
contexto regional e sua relevância econômica nacional. Também foi possível discutir
quanto aos agentes hegemônicos produtores deste espaço, assim como as ações
prioritárias do governo municipal que ao se apoiar em um planejamento e Plano Diretor
de caráter técnico, acabam por desarticulá-la com a prática local.
A partir do mapeamento do uso atual da terra no município de Paulínia, foi
possível adentrar em um debate quanto à atual configuração espacial do município, com
destaque para a mancha urbana de Paulínia, que ao crescer intensamente através dos
bairros residenciais mais jovens e de novos condomínios que se instalam na cidade,
percebe-se o processo de conurbação de Paulínia com municípios vizinhos como
Cosmópolis, Sumaré e Campinas. Este processo é responsável pelo adensamento urbano
próximo ao limite com outros municípios gerando uma contigüidade urbana que
compromete a definição de onde seria realmente o limite administrativo entre os
municípios e consequentemente até onde compete administração de uma ou de outra
prefeitura. Por conta dos altos recursos arrecadados pelo município de Paulínia, a
população que pertence efetivamente a outros municípios, mas que vivem nestas áreas
conurbadas acaba utilizando os equipamentos públicos como escola e saúde de Paulínia,
por significar uma possibilidade de melhor atendimento. Este fato pode ser prejudicial à
Paulínia, na medida em que satura o atendimento dos paulinenses ou pela demanda
maior de investimento nesses setores a uma população aquém da responsabilidade deste
município.
Com relação à economia municipal, observou-se a relevância da participação da
indústria petroquímica tanto pela significativa extensão territorial ocupada quanto pela
alta contribuição ao PIB municipal. Além disso, a extensão ocupada por Áreas
Antrópicas Agrícolas demonstra também a relevância deste setor na economia
municipal, principalmente na produção canavieira destinada as usinas produtoras de
álcool e a produção de culturas alimentares para consumo na própria região; já a
mudança das formas de uso da terra de Paulínia, condicionada pelo aumento
populacional no município e pela instalação de importantes indústrias petroquímicas,
acarretou uma transformação da paisagem natural do município, diminuindo
significativamente as áreas de vegetação natural, dentro da atual lógica de crescimento
econômico municipal.
Após compreender a atual configuração do uso da terra paulinense, denominado
uso da terra real, bem como sua distribuição espacial e contribuição percentual no
território, realizou-se um mapeamento diagnóstico da adequação do uso da terra diante
das proposições de zoneamento estabelecidas pela legislação, considerado uso da terra
formal. A partir de dados quantitativos deste mapeamento mensurou-se que mais da
metade do uso território encontra-se em conformidade com o proposto com a legislação,
ao passo que aproximadamente um terço do território foi classificado como inadequado,
sendo o restante (menos de 1%) considerado como conflitante.
Conforme a Lei Complementar nº 36 (PAULÍNIA, 2007), Paulínia é um
município de caráter eminentemente urbano por ter elevada parcela de seu território
com uso destinado às residências, comércios e indústrias. Entretanto, ao constatar que
mais da metade do território encontra-se adequado quanto ao proposto pela lei de
zoneamento e que esta lei foi promulgada no ano de 2007 e que a atual configuração
espacial do município representa um processo de organização iniciado antes mesmo de
sua própria emancipação em 1964, é natural considerar que a legislação ao ser
elaborada, agiu no sentido de legitimar o uso por ora já estabelecido, resultando, assim,
em uma classificação aparentemente adequada. Desse modo, o uso da terra real foi base
para a instituição do uso da terra formal paulinense, gerando uma conformidade de uso
na maior parcela territorial.
Ainda que se considere favorável o fato desta regularidade estar presente em
mais da metade do território municipal, é importante se atentar para o caso da
inadequação do uso em mais de um terço do território por conta de uma ocupação
agrícola em áreas destinadas a uso urbano. A questão a ser avaliada não é a presença
deste uso, mas sim o porquê de não se reservar áreas para o mesmo, sobretudo por conta
de sua importância municipal ainda instaurada. Essa realidade responde,
principalmente, pela atual dinâmica econômica e estrutural paulinense a nível regional e
nacional, que ao ter seu perímetro urbano legal aumentado em detrimento do uso
agrícola, pode destinar mais áreas ao uso industrial, por exemplo. Dessa forma, a fim de
promover maior desenvolvimento industrial no município a legislação buscou garantir
maiores porções territoriais designadas para este uso ainda que a prejuízo de outros.
Apesar disto, o uso agrícola, com destaque para o cultivo de cana-de-açúcar, apresenta
relevância no município mesmo que inadequadamente presente em zonas destinadas a
uso urbano.
Também é importante salientar que ao se classificar aproximadamente 1% do
território como de uso conflitante com o estabelecido pela legislação, deve-se dedicar
atenção particular para estes casos a fim de buscar soluções específicas para cada
situação diante de possíveis impactos socioambientais conformados.
A partir destas considerações, é possível considerar que o planejamento que vem
sido desenvolvido em Paulínia representa interesses bastante definidos, uma vez que
prioriza alguns usos e funções da cidade em detrimento a outras como é o caso do uso
industrial em detrimento do agrícola e natural, por exemplo. Além disso, questiona-se o
caráter de mediador frente aos problemas socioambientais, uma vez que a literatura e os
resultados desta pesquisa apontam para a configuração de problemas ocasionados tanto
pelo uso irregular do território (residências próximas às indústrias, áreas de vegetação
natural sendo ocupadas por áreas residenciais ou industriais gerando degradação da
mais diversa qualidade, entre outros) quanto pelas práticas inadequadas de má alocação
de resíduos, falta de filtros para partículas e gases poluentes, falta de tratamento de
esgoto, para citar algumas. Isso é resultante de uma preocupação insipiente quanto à
totalidade municipal, em termos territoriais e também sociais, ambientais, políticos e
econômicos.
Espera-se a partir deste estudo geográfico das relações de produção deste
espaço, ter elucidado algumas questões e mais que isto, incitado novas discussões
acerca desta temática da organização do espaço do município de Paulínia por entender
da necessidade em se compreender a dinâmica de um município que em pouco mais de
quatro décadas revelou tantas transformações no padrão do uso da terra, além de se
destacar regionalmente devido suas elevadas taxas de arrecadação de impostos, embora
também tenha noticiado casos de contaminação de solo, água e atmosfera,
caracterizando uma faceta de seus sérios problemas de ordem socioambiental. Neste
contexto, convida-se a participar desta discussão outros trabalhos que contribuam para o
entendimento desta realidade já que não se considera o esgotamento desta temática
abordada, além de possibilitar uma divulgação destas informações junto à população
local da realidade que os envolvem, no sentido de contribuir para um melhor
entendimento da organização de seu espaço geográfico que também possa subsidiar
ações do poder público no planejamento e gestão territorial com vistas à totalidade
social, ambiental e também econômica.
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