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“DESAPRENDENDO” COM MANOEL DE BARROS: RELATO DE
EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO CURSINHO PRÉ-VESTIBULAR
SOLIDÁRIO (PVS) DA UFCG
CRUZ, Magnólia de Negreiros1 (UFCG)
RESUMO: O ensino de literatura nas escolas, geralmente, é desenvolvido a partir de
um “estudo” do texto literário com base apenas em fatores historiográficos e em
características estruturais ou temáticas predominantes nos textos. Embora muitos dos
documentos parametrizadores tais como as Orientações Curriculares para o Ensino
Médio ou os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio na Paraíba apresentem
possibilidades diferenciadas para o trabalho com a literatura na sala de aula, pouco é
feito para modificar esse modelo de ensino. Partindo de uma reflexão acerca dessa
perspectiva de estudo do texto literário, apresentamos nesse artigo uma proposta de
trabalho com poemas de Manoel de Barros desenvolvida na turma “D” do cursinho Pré-
Vestibular Solidário (PVS) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
através da disciplina de estágio (Prática de Ensino de Língua Portuguesa II) do curso de
Licenciatura em Letras (Língua Vernácula) da UFCG. Objetivamos analisar de que
modo se deu a recepção do texto literário por parte dos alunos a partir da metodologia
utilizada nas aulas. Como suporte teórico analisamos estudos que discutem o ensino de
literatura apresentados por Nóbrega (2012), Petit (2008) e Moisés (1996); assim como
Jauss (1994) e Iser (1979), autores que apresentam conceitos e reflexões acerca da teoria
da Estética da Recepção. Metodologicamente, nosso trabalho organiza-se da seguinte
forma: apresentaremos, inicialmente, a proposta de trabalho com os poemas de Manoel
de Barros no PVS e, em seguida, analisaremos de que modo a metodologia utilizada
contribuiu para o aprendizado do aluno, e na sua formação enquanto leitor reflexivo.
Percebemos então que o trabalho com o texto literário desenvolvido através da leitura
oral do mesmo seguida de uma discussão promovida pelos próprios estudantes
contribuiu consideravelmente na compreensão dos poemas lidos.
PALAVRAS-CHAVE: Manoel de Barros; Leitura; Literatura; Recepção.
1. Introdução
A disciplina Prática de Ensino em Língua Portuguesa II é componente curricular
obrigatório do último semestre do Curso de Licenciatura em Letras – habilitação em
Língua Vernácula – da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), logo, é um
pré-requisito para a conclusão do curso. Consiste em estágio obrigatório que contempla
o ensino de Literatura para alunos do ensino médio, objetivando: oportunizar aos alunos
de Letras uma experiência sistematizada de prática docente de Literatura voltada para o
1 Aluna do programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina
Grande.
Ensino Médio, a partir de subsídios teórico-metodológicos adquiridos ao longo do
curso, bem como:
1. Reconhecer os princípios e parâmetros teóricos e oficiais que norteiam o
ensino de Literatura no nível médio;
2. Planejar atividades para um curso de Literatura voltado para o Ensino
Médio, numa perspectiva discursivo-interacional;
3. Aplicar atividades planejadas em turmas-piloto e/ou de escolas públicas;
4. Produzir relato analítico-reflexivo da experiência de prática de ensino
vivenciada.
Partindo dos objetivos listados acima, foram realizados alguns procedimentos
iniciais para a organização do trabalho dos alunos/ estagiários da Prática de Ensino II.
Inicialmente, houve um momento de reflexão teórico-metodológica que norteou o
planejamento do trabalho a ser desenvolvido em sala de aula, retomando conhecimentos
gerais que fundamentam o trabalho docente. Foram realizados alguns debates com base
nas seguintes temáticas: propostas de ensino de literatura através dos documentos
parametrizadores para o ensino médio, a importância da leitura para a formação de
leitores proficientes, análise de material didático (livros) para o ensino de literatura, o
papel do professor enquanto mediador no desenvolvimento das aulas de literatura etc.
Após este momento inicial, nos voltamos para o nosso público-alvo, que são
alunos do ensino médio, considerando também os que o finalizaram (alunos de
cursinho). Delimitamos então, como local para o desenvolvimento das atividades de
estágio o Pré-Vestibular Solidário (PVS) da UFCG. Como o trabalho com literatura na
sala de aula do ensino regular é sempre baseado num modelo historiográfico, ou seja, os
textos literários são analisados apenas enquanto produção delimitada por características
determinantes do seu momento histórico, decidimos não utilizar este método em nossas
aulas. O importante seria despertar no leitor o gosto pela leitura, apreciação e
interpretação do texto, e não conduzir uma aula com base em características
predominantes para determinada época ou escola literária.
Tendo isso e mente, dividimos as aulas em 04 (quatro) módulos para, em cada
um deles, trabalhar textos em poesia e prosa de determinados autores contemporâneos.
Essa escolha se deu pelo fato de muitos alunos pensarem que a literatura brasileira só
existe a partir dos autores canônicos, ou seja, eles afirmam que conhecem os textos
clássicos, mas pouca coisa da nossa literatura contemporânea. Selecionamos os
seguintes autores para ser estudados a partir de uma antologia com textos selecionados:
Cecília Meirelles, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Manoel de Barros,
Moacyr Scliar, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan.
Dentre estes, destacamos o trabalho que foi desenvolvido a partir das leituras dos
poemas de Manoel de Barros, autor contemporâneo que tem ganhado destaque na
atualidade, mas que desperta bastante dificuldade nas leituras e interpretação de seus
textos. No entanto, a metodologia aplicada nas aulas contribuiu para que houvesse uma
mudança no ponto de vista dos alunos diante da poesia do autor. Logo, apresentamos
aqui este trabalho que consiste em um relato descritivo e analítico da experiência
docente desenvolvida no Pré-Vestibular Solidário, a partir do qual objetivamos relatar
de que modo se deu a recepção dos poemas de Manoel de Barros na turma “D” do Pré-
Vestibular Solidário (PVS) da UFCG a partir da metodologia utilizada nas aulas.
2. Fundamentação teórica
2.1. Reflexões iniciais sobre o ensino de literatura
A pesquisa em literatura abrange uma série de possibilidades de estudo e, dentre
elas, podemos destacar uma das mais importantes que é o ensino de literatura
propriamente dito. O desenvolvimento desta atividade tem se modificado bastante e,
atualmente, encontramos diversas possibilidades de metodologias para a realização
deste trabalho na sala de aula.
Ao longo dos anos, tem-se discutido muito sobre o método de trabalho com o
texto literário. Muitas das críticas feitas referem-se ao ensino com base em moldes
historiográficos utilizados desde os primórdios da implantação dos estudos de literatura
no Brasil (SOUZA, 1999), tendo como finalidade organizar cronologicamente os
movimentos artístico-literários delimitando suas características (estruturais, temáticas) e
enquadrando determinados autores dentro de um estilo sempre de acordo com uma
“escola literária”. Como resultado desse método de trabalho, temos a formação de
alunos que não são capazes de perceber as particularidades de um estilo – seja do autor
ou do movimento artístico – , mas que estão preocupados apenas em memorizar
características predominantes no texto literário.
Sempre que pensamos no ensino de literatura nas escolas, nos recordamos da
maneira como estudamos esta disciplina e, quase sempre, encontramos o motivo pelo
qual não temos tanto apreço pela literatura brasileira, sejam estas as obras clássicas, ou
as contemporâneas. Ao refletir sobre o (ainda) atual ensino de literatura, nos deparamos
com uma realidade conduzida por moldes de estudo tradicionais preconizada há muitos
anos. Logo, não importa há quanto tempo você não faz mais parte de uma sala de aula
de ensino regular, pois o método usado pelos professores não tem mudado
Podemos concluir, num primeiro momento, que este tipo de metodologia de
ensino não funciona como “modelo” para se trabalhar o texto literário em sala de aula.
Decerto, ele conduzirá os alunos a uma visão totalmente mecânica acerca da literatura,
não despertando neste o desejo da leitura, da apreciação, da reflexão, da curiosidade etc.
No entanto, é interessante saber que os documentos parametrizadores para o
estudo de literatura no ensino médio têm propostas bastante viáveis para modificar essa
realidade, indicando possibilidades completamente viáveis para o trabalho com o texto
literário na sala de aula. Nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), o
propósito de se estudar literatura vem do conceito de que esta é uma manifestação
artística. No entanto, a visão “artesanal” que muitas pessoas têm da arte em geral, faz
com que a literatura seja vista não enquanto o trabalho resultante do esforço de um
artista, mas algo desimportante, menor. Chega-se a pensar qual seria a função de se
estudar qualquer tipo de manifestação artística nas escolas, já que a “utilidade” desta
não contribui em nada na formação do aluno.
Diante de uma reflexão acerca da importância do estudo da literatura enquanto
fator indispensável para a humanização do aluno, as OCEM preconizam a ideia da
realização de um “letramento literário” que advém da seguinte reflexão:
[...] não se deve sobrecarregar o aluno com informações sobre épocas,
estilos, características de escolas literárias, etc. como até hoje tem
ocorrido [...] Trata-se , prioritariamente, de formar o leitor literário, melhor ainda, de “letrar” literariamente o aluno, fazendo-o apropriar-
se daquilo a que tem direito (2006, p. 54).
Este mesmo trabalho pensado sob o olhar dos Referenciais curriculares para o
Ensino Médio da Paraíba volta-se, também, para uma nova proposta de ensino de
literatura, como podemos observar:
As sugestões metodológicas e orientações de caráter geral que seguem
estão ancoradas numa concepção de ensino de literatura que privilegia
o contato direto do estudante com as obras literárias de diferentes gêneros e épocas. O fato de ter como meta a leitura das obras desloca
o foco do ensino tradicionalmente voltado para uma historiografia
excessivamente abrangente, geradora de uma abordagem que põe ênfase no decorar características de autores e estilos de época, para
uma prática em que o leitor, diante do texto lido, terá condições de
discutir diferentes questões que o enfrentamento com o texto possa
suscitar.
Não se trata, portanto, de abandonar a rica tradição de nossas letras e
mergulhar numa proposta de facilitação da leitura. Antes, trata-se de
uma perspectiva mais exigente e com mais possibilidades de formar ou consolidar a formação de leitores de literatura (2006, p. 81).
Ao refletirmos sobre o que é proposto pelos dois documentos citados acima
percebemos que o trabalho com o texto literário além de não ser voltado para um
modelo de estudo historiográfico e estrutural, ensino não está mais direcionado apenas
para o o texto propriamente dito, pois pensa-se bastante na figura do aluno, na sua
formação enquanto leitor. Para isso, a proposta de ensino apresentada pelos Referenciais
curriculares para o Ensino Médio na Paraíba sugere o aprimoramento do currículo
para as aulas de literatura:
Por sua configuração, esta proposta deverá ser implantada no primeiro ano do ensino médio e, paulatinamente, sendo levada às demais séries.
No fim de três anos, teríamos sua consolidação. Dessa forma, estamos
propondo que, no primeiro ano, seja estudado poesia, narrativa (conto e/ ou crônica) e literatura dramática; no segundo, narrativa
(romance) e já iniciar, neste ano, com um panorama de história da
literatura brasileira. As escolas devem ter liberdade de optar por que gênero vão iniciar o ensino de literatura (2006, p. 84).
Com o surgimento das várias vertentes de estudo do texto literário, junto às
novas propostas de trabalho com a literatura apresentadas nestes documentos, algumas
mudanças estão sendo efetivadas no âmbito dos estudos dos textos literários nas escolas.
Apesar desse trabalho ainda estar em processo aos poucos percebemos, através da
formação de novos profissionais (professores e pesquisadores) na área de literatura,
propostas diferenciadas para a realização deste trabalho na sala de aula.
Se considerarmos o desenvolvimento de um método com base nas experiências
de leitura dos alunos, chegamos a uma discussão apresentada por Jauss (1994) e Iser
(1979), que abordam a concepção de leitura voltada para a relação entre o leitor e o
texto, que consiste em uma das correntes de crítica literária chamada Estética da
Recepção. Dentro destas sugestões de trabalho com o texto literário vemos que, como
foi dito anteriormente, as aulas não são mais focadas apenas no texto em si, mas sim na
leitura do mesmo e, sobretudo, no leitor.
A partir do momento em que o leitor e o processo de leitura são considerados
importantes, a relação leitor x texto passa a fazer mais sentido, a ser completa. No
trabalho intitulado Por uma metodologia triangular para o ensino de literatura:
contribuições da experiência estética de Jauss, Nóbrega reflete exatamente sobre a
importância da leitura para o ensino de literatura a partir da teoria da Estética da
recepção, sob o olhar da teoria de Jauss:
No contexto de escolarização, o diálogo que a literatura possibilita
entre leitor e texto só é possível através de um contato real com ela
mesma, de modo que o aluno, ao se apropriar da literatura, busque obter uma experiência estética. [...] Há, portanto, um modelo de
educação literária humanista, posto que há uma preocupação com a
formação integral do ser humano, por centralizar o foco de construção de sentidos do texto na figura do leitor (2012, p. 243).
As OCEM já fazem este paralelo entre leitura, texto literário e leitor,
apresentando toda uma reflexão acerca do foco das aulas de literatura para a leitura e a
formação do aluno enquanto leitor proficiente e crítico-reflexivo; ou seja, as aulas de
literatura deixam de estar voltadas unicamente para o trabalho com o texto e conteúdos,
direcionando-se para a leitura literária. As propostas de trabalho são diversas e cabe ao
professor modificar o seu método de ensino. Sobre isso, Petit reflete em seu texto
Literatura para todos:
[...] o professor de literatura no secundário deve dosar a sua oferta de leitura, de modo que ela seja acessível para o aluno, mas nunca
transgredir em matéria de qualidade. Dentre os autores e obras
disponíveis, existem aqueles mais legíveis, pelos quais se pode começar, e que, sendo bons, darão vontade de continuar, até chegar
aos textos mais complexos. E quanto mais o aluno ler, mais será capaz
de organizar seu próprio texto. Truísmo por truísmo, lembremos que o objetivo de qualquer ensino deve ser o de elevar e ampliar (2008, p.
22).
O papel do professor enquanto mediador no processo de aprendizagem do aluno
é fundamental. Mais que os documentos que apresentam propostas interessantes para o
ensino de literatura nas escolas, sabemos que apenas os professores serão capazes de
promover uma melhoria e avanço para o ensino de literatura. A importância de um
professor mediador na sala de aula é fundamental, já que pode despertar no aluno o
gosto pela leitura (MOISÉS, 1996).
A monitoração adequada do processo de leitura é que vai conduzir o aluno e
despertar nele um interesse cada vez maior à leitura. Uma das estratégias que podem ser
utilizadas, por exemplo, é a leitura oral e compartilhada. A participação do aluno no
momento de leitura e discussão é fundamental, pois pode despertar nele um interesse
por esse tipo de atividade e, ainda, contribuir para que ele se sinta importante no
processo de construção do seu próprio conhecimento. Consequentemente, o papel
do professor não será apenas de repetir conteúdos e engessar o processo de fruição do
texto literário para o aluno, mas sim de fazer com que este tenha um papel determinante
na construção de seus conhecimentos através do gosto pela leitura e pela literatura.
2.2. Entre o texto e o leitor: estudos sobre a estética da recepção
Jauss e Compagnon apresentam possibilidades de estudo semelhantes para se
analisar o texto literário: ambos o observam na perspectiva da Estética da Recepção. A
apresentação sobre esta vertente de crítica literária é feita por Jauss através do livro A
história da literatura como provocação à teoria literária. O autor inicia seu trabalho
discutindo a crise no ensino de literatura já que este, como apresentamos anteriormente,
preconiza um trabalho cronológico da mesma, focando apenas em características de
obras de autores em determinadas épocas.
Após fazer uma retomada acerca dos métodos de estudo da literatura, Jauss
apresenta a primeira vertente de crítica literária: o formalismo russo. Essa se volta para
o estudo da forma e do texto em sua particularidade sem fazer relação com qualquer
outro elemento externo a ele. A partir daí, o autor passa a criticar o formalismo, assim
como o positivismo, mencionando a ausência de participação do leitor nas teorias
apresentadas: “Ambos os métodos, o formalista e o marxista, ignoram o leitor em seu
papel genuíno, imprescindível tanto para o conhecimento estético quanto para o
histórico: o papel do destinatário a quem, primordialmente, a obra literária visa” (1994,
p. 23).
Jauss inicia sua discussão sobre a importância da presença do leitor diante do
texto, no entanto, ele sistematiza o seu trabalho através de métodos de estudo divididos
em sete teses, estas que têm como objetivo geral propor uma visão sobre o estudo de
literatura priorizam a importância do papel do leitor na experiência da leitura literária. O
horizonte de expectativas é um dos primeiros conceitos apresentados por Jauss, e é a
partir dele que o leitor poderá compreender a obra. No momento em que ele inicia a
leitura, suas lembranças já lhe despertarão uma série de conhecimentos prévios que
serão utilizados na compreensão do texto. As suas expectativas é que conduzirão a
leitura, não sendo o conteúdo da obra algo totalmente novo para o leitor. Sobre isso,
Jaus ainda afirma:
[...] a predisposição específica do público com a qual um autor conta para determinada obra pode ser igualmente obtida a partir de três
fatores [...]:em primeiro lugar, a partir de normas conhecidas ou da
poética imanente ao gênero; em segundo, da relação implícita com obras conhecidas do contexto histórico-literário; e, em terceiro lugar,
da oposição entre ficção e realidade, entre a função poética e a função
prática da linguagem, oposição esta que, para o leitor que reflete, faz-se sempre presente durante a leitura, como possibilidade de
comparação (1994, p. 29).
Ainda, de acordo com Jauss, a compreensão de uma obra não pode ser feita
levando-se em consideração apenas o momento histórico em que ela é desenvolvida, ou
seja, devemos isolá-la deste tempo para que possamos percebê-la não apenas dentro de
uma época literária, mas também através do seu potencial enquanto significado histórico
desse contexto. É o que Jauss chama de evolução literária:
[...] o caráter histórico de uma obra seria sinônimo de seu caráter artístico: tal e qual o princípio que afirma ser a obra de arte percebida
contra o pano de fundo de outras obras, o significado e o caráter
evolutivo de um fenômeno literário pressupõem como marco decisivo a inovação (1994, p. 42).
Se ainda nos atentarmos ao caráter histórico da literatura, podemos encontrar
nela uma sincronia e uma diacronia, pois o texto literário consegue ser marcado pela
época em que foi publicado e, a partir daí, se inserir num determinado padrão de
classificação e ainda, simultaneamente, desenquadrar-se desse perfil para significar-se
dentro de uma esfera mais variável, que implica nas suas temáticas, motivos e imagens
literárias. Para tanto, o leitor ainda recorrerá ao seu horizonte de expectativas,
lembranças de outras leituras para a compreensão desse texto.
Por fim, Jauss discute a relação entre literatura e sociedade. Sendo essa vertente
artística uma forma de representação do real, afirmamos que o seu leitor fará inferências
através de suas expectativas para entender o texto e o mundo que ele mimetiza. A nova
forma artístico-literária vem, de certo modo, romper com o nosso automatismo de
percepção do cotidiano, nos possibilitando uma nova percepção de conceitos que já
temos pré-estabelecidos sobre nosso conhecimento de mundo. Concluímos com a
seguinte afirmação de Jauss: “De tudo isso, conclui-se que se deve buscar a contribuição
específica da literatura para a vida social precisamente onde a literatura não se esgota na
função de uma arte da representação” (1994, p. 57).
Com base nas reflexões teóricas apresentadas por Jauss, Compagnon (2003)
inicia seu trabalho fazendo uma apresentação sobre como a experiência de leitura
literária era vista pelos teóricos, em geral. O texto era, antes, o principal “ator” do
processo de leitura, sendo o leitor elemento dispensável; a obra literária se completava
por si só:
O livro, a obra, cercados por um ritual místico, existem por si mesmos, desgarrados ao mesmo tempo de seu autor e de seu leitor, em
sua pureza de objetos autônomos, necessários e essenciais. Do mesmo
modo que a escritura da obra moderna não pretende ser expressiva, sua leitura não reivindica identificação por parte de ninguém (p. 140).
Esse pensamento define que, por mais que o texto literário seja obscuro, o
“problema” da sua compreensão está totalmente voltado para o leitor, este que
precisaria ler mais cautelosamente para poder superar suas limitações individuais e
culturais. Essa desconfiança diante do leitor foi se modificando a partir do momento em
que percebe-se a importância das suas experiências pessoais para que ele forme
impressões sobre o que está sendo lido, como cita Compagnon: “O leitor é livre, maior,
independente: seu objetivo é menos compreender o livro do que compreender a si
mesmo através do livro; aliás, ele não pode compreender um livro se não se compreende
ele próprio graças a esse livro” (2003, p. 144).
Com o passar do tempo, a recepção começa a ser levada em consideração no
espaço da leitura literária. Sobre esse momento, Compagnon retoma três conceitos
importantes para se entender como o texto literário precisa da interação com o leitor,
estes que são: o leitor implícito, a obra aberta, e o horizonte de expectativa, que são
também referência aos conceitos estudados por Jauss e já discutidos anteriormente.
Ainda considerando os estudos de Estética da recepção, apresentamos Iser que
em A interação do texto com o leitor (1979) vai apresentar conceitos que envolvem
processo de “comunicação” entre ambos. A partir do conceito de interação, que é o
processamento do texto através da leitura e o efeito deste sobre o leitor, o autor
questiona de que modo acontece essa relação, considerando que a comunicação
propriamente dita ocorre através de um processo diádico envolvendo um emissor e um
receptor em que os dois exercem influência um no outro.
Sabendo que na interação entre leitor e texto não acontece esse processo de tal
modo, como podemos caracterizar esta relação? Ela é constituída por vazios que
indicam a assimetria entre o texto e o leitor e que originam o processo de comunicação
entre ambos. Este vazio é o que vai fazer com que o leitor realize suas projeções diante
do texto para a sua compreensão, como afirma Iser: “O equilíbrio só pode ser alcançado
pelo preenchimento do vazio, por isso o vazio constitutivo é constantemente ocupado
por projeções” (1979, p. 88). Ele ainda explica que essa relação só terá êxito quando o
vazio provocar alguma mudança no leitor, pois:
Os vazios possibilitam as relações entre as perspectivas de representação do texto e incitam o leitor a coordenar estas
perspectivas. Os vários tipos de negação invocam elementos
conhecidos ou determinados para suprimi-los; o que é suprimido, contudo, permanece à vista e assim provoca modificações na atitude
do leitor quanto a seu valor negado. As negações, portanto, provocam
o leitor a situar-se perante o texto (ISER, 1979, p. 91).
O autor continua suas reflexões acerca da recepção do leitor diante do texto a
partir de de conceitos apresentados por Ingarden, como os pontos de indeterminação,
estes que, semelhantes aos vazios, separam o texto da sua concretização. Para ele, a
experiência estética do leitor não será direcionada a partir destes elementos, mas sim da
emoção original. Iser apresenta estes conceitos, no entanto, critica a forma como os eles
são trazidos por Ingarden. Por exemplo, sobre os pontos de indeterminação, estes não
podem ser totalmente preenchidos pelo leitor, mas apenas sugerem possibilidades de
interpretação do texto.
Isso acontece porque o texto não completa tudo o que nele está descrito em sua
totalidade, pois é apenas a descrição superficial de uma realidade permeada por vazios
que derivam da indeterminação do texto. Temos, então, os pontos de indeterminação,
estes que serão completados pelo leitor através dos seus atos de projeção. Segundo Iser:
“Quanto maior a quantidade de vazios, tanto maior será o número de imagens
construídas pelo leitor” (1979, p. 110).
A nossa leitura de um determinado texto literário é conduzida através dos vazios
apresentados pelo próprio e, também, pelas imagens e pressuposições que vamos
construindo ao longo da narrativa. Logo, podemos afirmar que estes elementos, junto ao
texto propriamente dito, permitem uma compreensão mais clara do mesmo.
Ao longo da leitura, os vazios vão sendo apresentados pelo texto, assim como as
informações que precisam ser explicitadas. Através de um “processo hermenêutico”, o
vazio se auto-regula, retirando a questão da subjetividade que poderia suscitar na
construção do texto pelo leitor, ou seja, este é guiado de tal forma que o seu
entendimento não ficará livre para qualquer interpretação da obra. Logo, podemos
afirmar que o vazio e o leitor agem em conjunto, pois “o vazio possibilita a participação
do leitor na realização do texto” (1979, p. 131).
As abordagens acerca da Estética da recepção apresentadas por Jauss,
Compagnon e Iser se complementam. Os conceitos de leitor implícito, obra aberta
(preenchida por vazios), e horizonte de expectativa podem ser muito importantes para
analisar o quanto o trabalho com a poesia contemporânea pode despertar no aluno/ leitor
uma determinada compreensão do texto literário na sala de aula.
3. Metodologia de trabalho no Pré-vestibular Solidário (pvs)
A prática docente referente ao estágio desenvolvido a partir da disciplina Prática
de Ensino de Língua Portuguesa II, tendo sido realizada no cursinho Pré-Vestibular
Solidário (PVS) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). A turma em que
as atividades aqui relatadas foram realizadas foi a turma “D” do PVS, esta que continha
entre 30 e 40 alunos. O perfil destes é bastante diversificado, considerando que existem
desde idosos, ou seja, que já haviam deixado de freqüentar a escola regular há bastante
tempo, e alguns ainda jovens recém saídos do ensino médio.
Antes do início propriamente dito do trabalho no PVS houve um processo de
planejamento para organizar os conteúdos que seriam distribuídos ao longo das aulas.
Foi pensado, inicialmente, no público-alvo e o objetivo deste para estar matriculado em
um cursinho que é a realização de uma prova de concurso para ingresso na
universidade. Logo, se pensarmos em uma das provas deste tipo chegaremos ao Exame
Nacional do Ensino Médio, o ENEM.
Por ser um exame realizado em todo o país, esta prova tem peculiaridades que
não encontramos nos “tradicionais” vestibulares, sobretudo se considerarmos a prova de
Literatura, que está incluída na prova de: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Além
do nome, esta prova se diferencia pelo conteúdo das questões, que não abrangem apenas
um estudo da língua(gem) de modo restrito e estrutural. Este tipo de prova faz com que
o candidato reflita sobre o uso da mesma nas várias situações em que ele precisa utilizar
seus conhecimentos de interpretação de textos (tanto verbais como não-verbais). O foco
é a leitura e interpretação do texto literário enquanto linguagem artística que pode
transpor o texto e passar a ser do ramo das artes plásticas, ou seja, a concepção de
leitura vai além ao trabalho com escolas literárias ou conceitos estruturais
descontextualizados.
Desse modo, o nosso trabalho no PVS se adequa através desta perspectiva de
leitura do texto literário, já que a prova do ENEM não exige uma bibliografia específica
para se trabalhar com literatura tal qual encontramos nos concursos de vestibular, logo,
o aluno precisa ter conhecimento amplo sobre várias vertentes artísticas.
Ao pensar nas competências que precisam ser desenvolvidas nos nossos alunos
ao longo das aulas, planejamos um trabalho que visa não só concentrar-se na capacidade
de interpretar o texto literário e classificá-lo enquanto parte de determinada escola
literária ou a partir de conceitos estruturalistas arraigados ao texto mesmo porque,
escolhemos apenas autores contemporâneos para a realização de leituras. A nossa
proposta vai além de trabalhar com o texto literário no intuito de apenas capacitar o
aluno para resolver provas de concurso para o ingresso na universidade, pois também
objetivamos despertar neste o prazer da leitura para formá-lo enquanto leitor proficiente
e crítico-reflexivo.
O trabalho com o texto literário precisa ser abrangente, logo, escolhemos tanto a
poesia quanto a prosa (o conto) para serem utilizados em nossas aulas. A leitura aqui vai
provocar estranhamento e confusão, a princípio, já que a proposta do Modernismo e
suas várias vertentes é desconstruir a concepção temática e formal de texto literário que
apreendemos ao longo dos anos. Após o levantamento de ideias, alguns textos (em
prosa) foram selecionados, dentre os quais selecionamos os seguintes autores: Moacyr
Scliar, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan.
Os critérios para a escolha dos poemas (e seus respectivos autores) foi
semelhante. Selecionamos, inicialmente, Manoel de Barros, poeta que vem ganhando
bastante destaque e reconhecimento atualmente, sendo suas obras até exigidas como
leitura obrigatória nos concursos de vestibular. Sobre os outros autores escolhidos para
trabalhar com poesia, estes já mais familiares foram: Cecília Meireles, Carlos
Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Em seguida, escolhemos uma temática
predominante nos poemas destes. Pensamos na metalinguagem por ser algo apresentado
constantemente pelos autores: o fazer poético é algo de extrema importância e que exige
muita reflexão para que o texto seja uma transgressão aos modelos literários sempre
exigidos ou esperados.
Considerando metodologicamente o trabalho a ser desenvolvido no PVS,
organizamos uma sequência didática dividida em 04 (quatro) Módulos: I) a poesia
metalingüística de Cecília Meirelles, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira;
II) a poesia contemporânea de Manoel de Barros; III) a prosa contemporânea em
Moacyr Scliar; IV: a prosa contemporânea em Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. A
proposta do estudo do texto literário realizado distribuída numa sequência de trabalho
com gêneros literários através da perspectiva de estilo dos autores tornou-se
interessante, pois possibilitou ao aluno a apreensão de conhecimento diverso e gradativo
ao longo das aulas.
4. Execução da sequência didática
4.1. Aula 01: leitura dos poemas de manuel de barros: “a disfunção”, “poema” e
“infantil”
Na primeira aula do Módulo II ministrada no Pré-Vestibular Solidário (PVS)
da UFCG tínhamos o objetivo de realizar a leitura dos poemas “A disfunção”,
“Poema” e “Infantil” de Manoel de Barros, sendo um Módulo em que pretende-se
trabalhar com um escritor pouco conhecido da maioria dos alunos de literatura, mas
que tem ganhado destaque recentemente através das provas de vestibular e do ENEM.
Questionou-se se alguém da turma conhecia, já tinha lido algo sobre o autor ou
escrito por ele. Apenas uma aluna afirmou que um dos livros dele foi indicado para o
vestibular no ano passado (UEPB 2013). No entanto, ninguém da turma conhecia o
poeta. Aproveitando a discussão, foi questionado também se eles conheciam algum
poeta contemporâneo já que, normalmente, só estudamos/ conhecemos os clássicos ou
os cânones da literatura brasileira. Todos mantiveram suas respostas: nunca leram
nada escrito por autores brasileiros contemporâneos. Falou-se então que Manoel de
Barros, por exemplo, iniciou seus trabalhos com a literatura na mesma época em que
os autores já estudados nas aulas anteriores (Cecília Meireles, Carlos Drummond de
Andrade e Manuel Bandeira), mas ainda hoje é pouco conhecido pelos leitores e
muitos dizem quem ele é um autor que escreve textos difíceis de compreender.
Após essa discussão, foi entregue uma antologia com 06 (seis) poemas
retirados do livro “Tratado geral das grandezas do ínfimo”, de Manuel de Barros. A
proposta consistia em trabalhar com 03 (três) destes nessa aula. “A disfunção” foi o
primeiro indicado para uma primeira leitura individual e silenciosa. Muitos alunos
estranharam a leitura e afirmaram que não estavam entendendo nada contido no texto,
já que não parecia um poema, pois: o texto não tinha rima, ritmo, era composto por
uma lista/ sequência de informações numeradas. A partir destes questionamentos,
pudemos indicar uma das primeiras características da escrita de Manoel de Barros: ele
quebra com a nossa expectativa sobre a forma do poema.
Para que os eles conhecessem o poeta e se familiarizassem melhor com este,
propusemos a leitura de uma reportagem da revista Bravo sobre o mesmo. O texto foi
entregue e a turma fez uma leitura silenciosa. Após alguns minutos, iniciou-se uma
discussão sobre as informações apresentadas acerca do autor, sua personalidade, sua
forma de trabalhar e criar etc. Muitos acharam curioso o jeito de ser dele e destacaram
a questão das “mentiras” que ele diz inventar. Os alunos puderam identificar estas
questões no poema lido, já que a inventividade tanto de palavras quanto de
“situações” é algo bastante comum na poesia de Manoel de Barros.
A discussão do texto foi retomada após uma releitura do mesmo. A sua análise
começou a partir do título: o que é disfunção? Como os alunos não sabiam, o conceito
foi apresentado e fizemos a relação entre o sentido da palavra e o desenrolar do texto.
Eles ainda conseguiram fazer a referência entre o poeta ter “um parafuso a menos” e
ser um “louco”. Os “sete sintomas da disfunção lírica” foram lidos e discutidos e, em
algum momento, a turma já conseguia identificar a principal característica desse
poema: a inventividade do poeta e o destaque para as coisas da vida consideradas
desimportantes.
O segundo texto da antologia trabalhado foi “Poema” e sua leitura foi
realizada mais de uma vez. Os alunos conseguiram, facilmente, identificar a relação
entre a temática apresentada neste e no primeiro: que o poeta busca sempre inspirar-se
nas coisas que não percebemos/ observamos. Resgatamos ainda o conceito de
metalinguagem, temática recorrente nos poemas lidos e discutidos nas aulas
anteriores, para que a turma pudesse perceber qual a intencionalidade de Manoel de
Barros ao falar sobre o processo de escrita.
Fizemos, então, a leitura do terceiro poema, “Infantil”. Os alunos destacaram a
forma como Manoel de Barros escreve, além da temática apresentada no poema.
Muitos conseguiram fazer a relação entre o que está escrito no texto e a infância, já
que o protagonista do poema é um “menino” que conta histórias para sua mãe. Ao
mesmo tempo, fez-se o contraponto com a idade adulta, representada pela mãe que
não consegue compreender as histórias criadas pelo filho. Ainda a partir da leitura da
entrevista, fizemos a ponte com uma das temáticas que o autor gosta de destacar em
seus textos: a infância.
Antes da aula ser concluída, pediu-se que um dos alunos indicasse outro
poema da antologia para apenas ser lido em voz alta. O escolhido foi “O vidente”, não
tão explorado em forma de análise, mas que ainda foi reforçado enquanto texto que
demonstrava o estilo de escrita de Manoel de Barros e uma temática referente à sua
obra.
Muitos alunos consideram a leitura de poemas de Manoel de Barros bastante
difícil, mas acreditamos que a maneira como as aulas foram conduzidas (leitura oral
seguida de discussão em turma) está sendo produtiva e importante no aprendizado dos
alunos, fazendo com que eles apreendam conhecimento através do compartilhamento
deste de modo coletivo (entre a turma) ao longo das aulas.
4.2. Aula 02: leitura do poema de Manuel de Barros: “uma didática da invenção”
A segunda aula do Módulo II teve como objetivo realizar a leitura do poema
“Uma didática da invenção” de Manoel de Barros, 1° parte de “O livro das
ignorãças”. Inicialmente, foi feito um resgate das discussões realizadas na aula
anterior: foi anotado no quadro as principais características dos poemas de Manoel de
Barros identificadas pelos alunos como a valorização das coisas simples da vida e o
retorno à infância.
Um ponto interessante foi a resposta de alguns alunos que afirmaram achar a
poesia deste autor mais fácil de compreender que os trabalhados anteriormente
(Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira). Possivelmente,
esse resultado se justifica através do exercício constante de leitura oral (e repetida)
dos poemas, assim como as discussões que ocorrem após este momento. Para
aumentar o interesse dos alunos pelo poeta, foi indicado o documentário: “Só dez por
cento é mentira” que contém entrevistas com o escritor e esclarece muito do que o
inspira para trabalhar com poesia.
Para esta aula, o poema escolhido para discussão dividia-se em 21 (vinte e
uma) partes, logo, decidiu-se dividir estas estrofes para que cada aluno fizesse a
leitura de uma delas. Foram entregues os fragmentos do poema e a turma fez uma
leitura silenciosa desse material. Antes do início deste trabalho, foi transcrita no
quadro a citação que introduz o poema: “As coisas que não existem são mais bonitas.
Felisdônio”. A reação inicial da turma foi achar graça. Eles não conseguiram
compreender o propósito do autor na criação desta frase e, dessa forma, foi explicada
a intenção de Manoel de Barros para iniciar o seu texto de tal maneira.
A primeira impressão de todos após a leitura das estrofes do poema foi de
estranhamento do texto, sensação que permaneceu ao longo da leitura oral. Cada
aluno foi fazendo a leitura da estrofe que recebeu e este também deveria fazer
comentários sobre o texto. No entanto, a principal reação da turma foi de achar que as
estrofes não faziam sentido, tampouco o poema como um todo.
Muitos deles tentavam compreender ao menos alguns excertos do texto a partir
da leitura que os colegas faziam das estrofes. Além das temáticas já identificadas
enquanto recorrentes na poesia do autor, alguns outros aspectos foram destacados
como: a intertextualidade com obras de arte modernistas ou pré-modernistas (“Os
girassóis”, de Van Gogh e as estátuas de Rodin como “O pensador”2), com outros
textos como “A Bíblia” e “Hamlet” de Shakespeare.
Após a apresentação oral das 21 (vinte e uma) estrofes, foi entregue para a
turma o poema completo, para que cada aluno pudesse fazer uma leitura individual de
todo o texto. Além de não compreender boa parte do mesmo, os alunos encontraram
muitas dificuldades com relação ao vocabulário, pois não conheciam boa parte das
palavras utilizadas pelo poeta na construção do seu texto.
Como os alunos não conseguiram identificar ao menos as ideias gerais contidas
no poema e até as partes do mesmo, concluímos que a discussão foi um pouco aquém
do esperado. Alguns comentaram que o texto poderia ser trabalhado ao longo de várias
aulas, mas que a sua leitura num dia só não seria suficiente para que eles pudessem
compreendê-lo.
Apesar deste ponto negativo, ainda podemos considerar a experiência de leitura
e discussão dos poemas de Manoel de Barros nestas duas bastante positiva, por se
tratar de um escritor desconhecido da turma; logo, acreditamos que a primeira
impressão diante destas leituras não foi negativa como parecia ser no início.
Podemos afirmar que o trabalho com a poesia de maneira diferenciada da
experiência dos alunos na educação básica (e diante da formação deles enquanto
leitores em geral) foi positivo. A leitura oral e compartilhada ajudou bastante para que
eles compreendessem melhor os poemas e deixassem de ter “medo” de interpretar
textos deste gênero literário. Observamos também um aumento de interesse de alguns
alunos sobre poetas ou poemas trabalhados em sala, e até a leitura posterior de outros
textos que não foram lidos na aula, mas que estavam inclusos nas antologias entregues
como material didático.
5. Considerações finais
O trabalho desenvolvido no estágio no PVS da UFCG através da Prática de
Ensino II foi um processo muito interessante, já que num cursinho, encontramos uma
diversidade de alunos vindos de realidades diferentes e que tiveram uma formação
escolar distinta, sendo o objetivos de todos o mesmo: o ingresso na universidade. Na
turma “D” do PVS encontramos alunos que já concluíram a educação básica há mais de
10 anos, outros há menos tempo, uns que trabalham o dia inteiro, moram em cidades
próximas a Campina Grande; ou seja, são pessoas que estão enfrentam dificuldades para
adquirir conhecimento suficiente para terem a chance de construir (ou melhorar) o seu
futuro profissional.
Considerando estes fatores junto à melhoria do desempenho dos alunos ao longo
das aulas com relação às leituras e discussões em sala, podemos dizer que estes se
2 Foram levadas reproduções das obras de Van Gogh e Rodin para a turma observar a estética das
mesmas e foi falado um pouco sobre o seu contexto de produção e acerca da intenção dos seus autores
para produzí-las.
mostraram mais interessados em ler e analisar os textos trabalhados. Isso nos mostra a
importância da utilização de um método menos tradicional (falamos, aqui, do modelo
historiográfico de ensino) e mais voltado para as particularidades e interesses do aluno:
o espaço para que este traga suas opiniões sobre a leitura, para que ele participe das
aulas enquanto indivíduo que contribui através da exposição de seus conhecimentos
prévios etc. Desse modo, despertamos no aluno o gosto pela leitura, o interesse pelo
texto literário e, provavelmente, a curiosidade em buscar outros conhecimentos nesta
área de estudos de maneira autônoma.
6. Referências
BRASIL. Ministério da Educação e do desporto. Orientações Curriculares para o
Ensino Médio – Volume 01: Linguagens, códigos e suas tecnologias. 2006, p. 49-81.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo
Horizonte: UFMG, 2003, p. 139-164.
ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In: JAUSS, Hans Robert. A
literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Organização e tradução de Luiz
Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 83-132.
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São
Paulo: Ática, 1994.
MOISÉS, Leyla Perrone. Literatura para todos. In: Literatura e sociedade.
Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada/ Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas/ Universidade de São Paulo, n° 01. São Paulo: USP/
FFLCH/ DTLLC, 1996, p. 17-29.
NÓBREGA, Maria Marta dos Santos Silva. Por uma metodologia triangular para o
ensino de literatura: contribuições da experiência estética de Jauss. In: MILREU, Isis;
RODRIGUES, Márcia Candeia (org). Ensino de língua e literatura – Políticas, práticas
e projetos. Campina Grande: Bagagem/UFCG, 2012, p. 235-251.
PARAÍBA. Secretaria de Estado da Educação e Cultura. Coordenadoria de Ensino
Médio. Referenciais curriculares para o Ensino Médio da Paraíba– Volume 1:
Linguagens, códigos e suas tecnologias/ Conhecimentos de literatura. 2006, p. 81-97.
PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. Tradução de Celina Olga
de Souza. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 147-189.
SOUZA, Roberto Acízelo de. O império da eloqüência: retórica e poética no Brasil
oitocentista. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999, p. 17-37.
POR UMA RENOVAÇÃO DO ENSINO DE LITERATURA:
OFICINA DE CRIAÇÃO POÉTICA
Fábio Cavalcante de Andrade
Professor Adjunto de Estudos Literários/ UFRPE
RESUMO: O crescimento de estudos e pesquisas voltadas para os métodos de ensino
da literatura respondem a uma necessidade muito frequente de redefinição do papel da
disciplina e de sua atualização diante da sociedade contemporânea. Este artigo apresenta
uma prática didática diferenciada que é a oficina de criação poética, sues fundamentos e
resultados. O principal objetivo da oficina é a mudança da postura dos alunos diante do
texto literário e, especificamente, da poesia. A oficina, de caráter intertextual, realiza-se
em seis etapas, nas quais se vivenciam alguns dos procedimentos mais frequentes na
produção do texto literário e poético. Com essa prática constatou-se uma mudança na
relação dos alunos com o texto poético, que passa a ser encarado com maior
proximidade e mais intensamente como objeto de prazer estético.
PALAVRAS-CHAVES: Ensino de literatura; Poesia; Oficina de criação.
1. Introdução
Nos últimos anos, assistimos a um crescente número de trabalhos e pesquisas
acadêmicas que discutem a questão do ensino da literatura. Alguns exemplos
importantes são o livro Literatura /Ensino: Uma Problemática (1992), de Maria Thereza
Fraga Rocco; o Poesia na Sala de Aula (2007), de Helder Pinheiro; o Letramento
Literário: Teoria e Prática (2006), de Rildo Cosson; e ainda o livro Ensino de Literatura
(2005), de William Cereja. Numa época de redefinição do papel da própria escola,
disciplinas como a de literatura se veem especialmente exigidas no sentido de
delimitação seja de objetivos mais condizentes com as propostas de ensino atuais, seja
da função que ela venha a exercer na vida do próprio indivíduo em formação. Isso tudo
toca numa questão fundamental: o processo de escolarização da literatura. Escolarizar a
literatura não pode prescindir, como muitos estudiosos do assunto afirmam, do esforço
em trazer o seu caráter artístico para a sala de aula, sem o qual o risco de desvirtuar
completamente a compreensão do literário se torna iminente.
Nesse sentido, as práticas pedagógicas concebidas e propostas por muitos teóricos,
professores e pesquisadores; buscam, em geral, não simplesmente atualizar os
conteúdos da matéria, mas propor uma renovação metodológica. Dito de outra maneira:
não basta apenas inserir os conhecimentos relativos à teoria e à crítica literária na
perspectiva de ensino da educação do níveo básico e médio, mas – e principalmente –
pensar no “como” fazer isso. Até mesmo porque o longo domínio do jargão
estruturalista provou que a presença da teoria da literatura ou de uma prática crítica
embasada por ela não produzem necessariamente mudanças significativas na relação
dos sujeitos com o texto literário.
De fato, os conhecimentos teóricos e críticos lançam outra luz sobre a compreensão
do literário que pode provocar mudanças, mas não impedem e podem até mesmo, de
maneira contraditória, favorecer certa distância do aluno em relação ao texto literário.
Muitas vezes privilegia-se a leitura ostensiva de textos teóricos em detrimento da leitura
de textos literários. Esse pernicioso desequilíbrio também deve ser uma mola propulsora
para se pensar em métodos de ensino que possam, ao mesmo tempo, trabalhar com a
ideia do texto literário como objeto de conhecimento, e, logo, como objeto de uma
reflexão teórica; mas também como objeto de uma relação estética, em que a fruição da
arte literária possa ser estimulada e mesmo potencializada.
Foi com o objetivo de unir essas duas perspectivas, a da reflexão teórica e a da
experiência estética, que desenvolvemos uma proposta didática de oficina de criação
poética. A oficina foi aplicada em turmas de segundo período do curso de licenciatura
em Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco, no âmbito da disciplina de
Análise e Interpretação de Textos Literários. Ao projetarmos a Oficina de Criação
Poética levamos em conta os três eixos da aprendizagem da literatura como definidos
por Cosson (2006): o primeiro seria a aprendizagem da literatura; o segundo, a
aprendizagem sobre a literatura; e o terceiro, a aprendizagem a partir da literatura.
Neste caso, a oficina se enquadraria no primeiro eixo, o da aprendizagem da literatura,
pois, nas apalavras do próprio Cosson: “consiste fundamentalmente em experienciar o
mundo por meio da palavra” (p.47).
Após a realização da oficina em suas seis etapas, produzidos os poemas, os alunos
participantes responderam a um questionário com o objetivo de averiguar a partir da
experiência de cada um como foi recebida tal proposta didática e que tipo de frutos ela
pode ter gerado na percepção deles da literatura.
2. Ensino de literatura e renovação da prática pedagógica
Ensinar literatura hoje só se efetiva se essa prática estiver aliada a uma renovação da
prática pedagógica. Para Pinheiro (2007, p.43): “À medida em que o trabalho com o
texto poético vai se tornando constante, vão surgindo necessidades de procedimentos
pedagógicos novos”. Fazendo coro com ele, Cosson (2009) propõe nas suas sequências
didáticas, denominadas por ele de Básica e Expandida, uma prática com o texto literário
que se baseia no caráter prático das oficinas, e de onde “se projetam as atividades
lúdicas ou associadas à criatividade verbal” (p.48). Nas possibilidades abertas por
tentativas de renovação da prática pedagógica é que pode ser restaurada justamente a
dimensão estética da relação literária. Não apenas a percepção de sua natureza de arte
da linguagem – como podem proporcionar a teoria e a crítica literárias – e de produto da
cultura e da história – no caso da história literária; mas como objeto de uma experiência
estética. É claro que a leitura seria o espaço fundamental para a realização plena do
texto literário em sua dimensão estética. Ao que nos parece, de alguma forma, porém, e
vários são os fatores que explicam isso, a leitura literária, ou seja, um tipo de leitura que
é a responsável por possibilitar a apreensão mais objetiva dos traços que assinalam o
literário; tem se tornado cada vez menos frequente. A grande lacuna entre o discurso do
professor, que teria se apropriado de vários sentidos possíveis e calcados justamente
nesse tipo de leitura, e a leitura que o próprio aluno faz do texto, é um sinal disso.
Muitas vezes, a impressão que pode ficar marcada no aluno é a de que a leitura do
professor é sempre mais interessante porque ele detém um conhecimento para além do
seu conhecimento de aprendiz, instaurando uma distância que o discurso teórico pode
até intensificar.
Um fator importante nas práticas renovadoras utilizadas no ensino da literatura é a
possibilidade dessas práticas assimilarem elementos que são próprios do fazer literário.
Assim, se elas se investem de uma dimensão lúdica, podem conseguir desenvolver a
percepção justamente do caráter lúdico que o texto literário muitas vezes assume. Do
mesmo modo, outras que lancem o aluno numa trama intertextual podem igualmente
favorecer a percepção dele de que literatura é sempre intertexto, um texto que nasce de
outros textos, de uma trama simbólica que atravessa o tempo e nele se atualiza, crítica e
criativamente, como propôs William Cereja (2005) em sua proposta dialógica de ensino
de literatura, a parir do pensamento de Antonio Cândido, Mikhail Bakthin e Hans
Robert Jauss.
Por fim, a renovação das práticas pedagógicas, que o ensino da literatura enseja,
pode se transformar num espaço de discussão da própria ideia de escola. Valorizando a
intuição, os afetos, as paixões, o belo e a contemplação “desinteressada”, para utilizar
um temo kantiano; tensionam o paradigma da escola como o lugar do saber racional, do
cogito, e favorecem a vivência de outras dimensões do humano. A desvalorização da
literatura e das artes no âmbito escolar, vistas como, no máximo, um divertimento que a
escola concede aos alunos, desde que não atrapalhem o curso de atividades das
disciplinas consideradas mais tradicionalmente como mais importantes (matemática,
física, língua portuguesa, História); representa a negação dessa outra parcela do homem
para a qual a escola não soube ainda se abrir. Nas palavras de Edgar Morin (1998, p.35):
“(...) é preciso reconhecer que, qualquer que seja a cultura, o ser humano produz duas
linguagens a partir de sua língua: uma racional, empírica, prática, técnica; outra,
simbólica, mítica, mágica”. Segundo ainda o mesmo Morin, à definição de homo
sapiens deve ser somada a do Homo demens, ou seja, de modo a compreendermos
melhor a integralidade do homem que, se por um lado é o homem da razão, do saber e
da ciência (sapiens), é também o homem dos afetos, das paixões, dos mitos e da poesia
(demens).
3. Oficina de criação poética
A experiência da oficina provou que justamente o envolvimento com uma práxis
poética, criativa, pode revelar sentidos aos quais os alunos poderiam nunca chegar se
tivessem que se valer apenas de um conhecimento teórico/crítico e historiográfico. O
desenvolvimento da oficina de criação poética contribui para a valorização do primeiro
eixo das aprendizagens literárias estabelecidas por Cosson (2006), deslocando o
discente da condição de receptor para a de produtor de textos literários. Embora Cosson
esteja se referindo à leitura, quando explica a aprendizagem da literatura, sem dúvida a
partir da definição mesma que ele nos oferece, a produção de um texto literário – no
caso um poema –, numa prática como a oficina, pode ser considerado uma experiência
direta com do literário. A leitura efetiva dos textos literários e a produção de um poema
como prevê a oficina, convergem para o centro do debate que é o contato com a própria
literatura: “(...) é fundamental que se coloque como centro das práticas literárias na
escola a leitura efetiva dos textos, e não as informações das disciplinas que ajudam a
constituir essas leituras, tais como a crítica, a teoria ou a história literária” (COSSON;
2006, p.23). Os outros dois eixos de aprendizagem apresentados por Cosson são a
aprendizagem sobre a literatura, em que se articulam os conhecimentos de teoria,
crítica e história literárias; e a aprendizagem por meio da literatura, que consistiria nos
saberes e habilidades que o contato com a literatura proporcionaria a quem se apropria
dela enquanto experiência e prática de leitura/escrita.
Outra questão importante foi o fato da oficina tratar especificamente da criação do
poema. Num certo sentido, isso provocou um efeito previsível nos alunos, que
acreditavam ser o poema um gênero muito mais difícil de ser realizado do que uma
narrativa literária. Não há como esperar deles uma frequentação dos textos poéticos se a
própria aula de literatura dificilmente abre espaço para a poesia. A ausência da poesia
em sala de aula é um fato, como nos lembra Pinheiro:
De todos os gêneros literários, provavelmente, é a poesia o menos prestigiado no fazer pedagógico da sala de aula. Mesmo depois da
massificação da literatura infantil e juvenil, não tivemos nem produção,
nem trabalho efetivo com a poesia. Os problemas relativos à aplicação da poesia são inúmeros e diversos. (2007, p.17)
Pinheiro continua apresentando esse quadro de maneira ainda mais dramática,
exprimindo apuradamente a realidade das aulas de literatura:
Quando chegamos ao primeiro grau maior, (da quinta à oitava séries) os
problemas ficam mais dramáticos. Aqui, a poesia praticamente
desaparece da sala de aula ou restringe-se a longos (e fatigantes) exercícios de interpretação. O agravante é que quase não há obras
poéticas minimamente adequadas a este público – como há para o
público infantil. E mesmo a garimpagem em nossos melhores poetas (o que é uma saída possível e recomendável) não existe, porque, de fato,
não temos professores/leitores de poesia. Afirmamos que aqui a
situação é mais dramática porque os professores têm formação específica em Letras e supõe-se que tenham ao menos um conhecimento
mínimo de nossa tradição poética. O que é apenas suposição. De fato, a
maioria dos professores de Português e Literatura não procura desperta
o senso poético no aluno, não se interessa por uma educação da sensibilidade de seus alunos. (2007, p.19)
Apesar de colocar com agudeza o problema que cerca a ausência da poesia na
sala de aula, Pinheiro não reduz seu trabalho a um desfile de lamúrias. Ao contrário, a
constatação inicial dos diversos problemas que continuam expatriando a poesia,
funciona como tomada de consciência para a necessidade e urgência de repensarmos o
ensino da literatura como um todo, e de como o discurso poético pode assumir um lugar
de destaque na possível transformação desse quadro. Boa parte de seu livro é a
apresentação de possibilidades, estratégias e sugestões de como tornar a poesia uma
presença marcante e constante nas aulas de literatura.
Foi a partir desse quadro que se esboçou a ideia da oficina de poesia. Com um
pouco de intuição e sistematização, a proposta foi se formando lentamente até estar
pronta para ser aplicada de maneira mais frequente. Antes da aplicação nas salas de aula
da Universidade, por duas vezes tivemos a oportunidade de aplicar o que eram esboços
dessa atividade em mostras literárias promovidas pelo SESC Recife, em 2012 e 2013.
Num certo sentido a prática como desenvolvida no curso de Letras foi o aprimoramento
da oficina, uma versão mais sistematizada e fundamentada.
No dia de realização da atividade, apresentamos a prática que seria desenvolvida
muito sucintamente, pois como notamos um clima de expectativa grande em torno da
ideia de escrever o seu próprio poema, não entramos em detalhes a respeito das etapas
que compunham a prática, nem de seus fundamentos teóricos e metodológicos, que
foram discutidos apenas após a realização da oficina e da avaliação deles através de um
breve questionário. A surpresa que acompanhou as etapas, à media em que eram
realizadas, contribuiu para o entusiasmo e o envolvimento da turma.
4. Etapas de realização da oficina
A expectativa, como dissemos aos próprios alunos, não era a de transformar cada
um deles num escritor, num poeta; mas, antes, fazer com que eles percebessem
determinados traços do discurso poético a partir de “dentro”, ou seja, a partir da
experiência de produção do poema. Num certo sentido, as etapas da oficina – que
elencaremos logo abaixo, comentando parte da reação deles a cada etapa – simula num
tempo relativamente curto3 as etapas pelas quais geralmente o próprio poeta passa para
a realização de seu poema, desde o corte e aproveitamento de seu repertório de leitura,
até a reescrita e revisão do texto. Em seguida, ao final desta seção apresentamos um
quadro sintético com os procedimentos que compõem cada uma das seis etapas da
oficina.
4.1 Primeira etapa: “leitura livre”
A ideia desta primeira etapa é responder ao primeiro questionamento deles: como
iniciar o poema? Perguntas frequentes são: “Como eu começo?” e “Vou tirar do nada?”.
Muitos acabam afirmando que a única maneira de começar o trabalho de produção do
poema é pela inspiração. Essa etapa permite ao aluno perceber que a leitura de poesia é
algo extremamente importante para a criação poética. E esta etapa consiste justamente
em apresentar poemas de autores brasileiros para que a partir dos poemas com os quais
eles se identifiquem, possam produzir os seus próprios poemas. Levamos uma
quantidade de livros iguais a quantidade de alunos que tínhamos em sala – caso o
professor não disponha de tantos livros de poesia, pode elaborar uma antologia. O
fundamental é apresentar um conjunto de poetas/poemas previamente escolhidos. No
nosso caso, enfocamos a poesia brasileira contemporânea que além de ser objeto de
pesquisa nosso4, apresenta, em geral, uma linguagem mais próxima e mesmo temas e
signos mais sintonizados com a realidade dos alunos. Assim distribuímos os livros e
cada aluno pegou um e começou a folheá-lo. Lia um, dois, três poemas... e caso não
3 Para a realização da oficina foram utilizadas quatro aulas, divididas em dois dias com aulas geminadas. 4 Ver: ANDRADE, Fábio. A Transparência Impossível: Poesia Brasileira e Hermetismo. Recife: Edufpe,
2010.
gostasse do estilo do autor, caso não ocorresse uma identificação mínima (admiração ou
inquietação), passava o livro adiante. Desse modo, os livros foram circulando pelo
grupo, até que cada um estivesse com o seu poema. O tempo reservado para essa etapa
foi de trinta minutos.
Após esse tempo, cada um já estava de posse do livro de um poeta e com o
poema escolhido para começar o trabalho. Alguma explicação deve ser dada ainda sobre
a expressão “leitura livre”. Ora, de fato, a leitura não é totalmente livre na medida em
que há uma seleção prévia realizada por parte do professor que supõe já certa
legitimação e julgamento de valor. Isso nos parece inevitável, pois em certa medida, o
gosto e o conceito de valor de um professor terá papel preponderante na formação da
sensibilidade dos seus alunos, pois algum parâmetro se faz necessário. Mesmo porque,
seja dentro da tradição literária brasileira, seja entre os autores contemporâneos, o
professor, levado por vários fatores, deverá realizar escolhas. O primeiro valor digamos
assim, é o da qualidade. Se o professor deseja que seus alunos produzam bons poemas,
ele levará, logicamente, poemas que considera donos de algum valor, de uma certa
“qualidade” a partir da sua perspectiva de leitor/professor. Nas palavras de Pinheiro
(2007, p.20): “É evidente que vale a pena trabalhar a poesia na sala de aula. Mas não
qualquer poesia, nem de qualquer modo. Carecemos de critérios estéticos na escolha das
obras ou na confecção das antologias”. Nesse primeiro momento, é fundamental o
trabalho de seleção que o professor realiza, no sentido de oferecer um material de
“qualidade”, como se oferecesse certo grau de poeticidade que eles poderiam não ter
como ponto de partida se dependessem de ideias muito cristalizadas a respeito do que é
a poesia, de como ela deve ser escrita ou ainda de que tipo de tema é poético. O que os
alunos chamam de inspiração, muitas vezes, é a maneira como ocultam o senso comum
que só lhes pode oferecer uma poesia de lugares-comuns e fórmulas exaustas. Assim, a
preocupação de Pinheiro a respeito da qualidade da poesia que será lida pelos alunos é
bastante legítima aplicada a primeira etapa da oficina, que é uma etapa de leitura.
4.2 Segunda etapa: “desconstrução”
A segunda etapa consiste em propor aos alunos que copiem o poema escolhido
para uma folha de papel e tentem reescrevê-lo de maneira a desconstruir o texto. É uma
fase importante, pois é um momento de desmistificação, de instauração de uma
liberdade sem a qual não pode haver criação. A proposta é que eles desconfigurem
completamente o poema, transformando versos afirmativos em perguntas ou em
negativas, substituindo determinadas palavras por sinônimos ou antônimos... enfim,
todo tipo de mudança é aceitável e bem-vindo. Aqui eles vão tomando mais consciência
do caráter intertextual da trama poética. A própria leitura e escolha de um poema para
começar a produzir o seu próprio texto assinala essa relação dialógica com a poesia. A
intertextualidade se afigura então como recurso de criação também, o que só reforça a
ideia de Barbosa Filho de que:
A intertextualidade tem se configurado, principalmente no âmbito da
poética moderna e contemporânea, como um destes procedimentos e, no espaço destes procedimentos, um dos mais utilizados e um dos mais
eficazes no sentido de garantir, ao momento da recepção, um sólido
rendimento estético. (2006, p.27)
Às vezes é preciso um acompanhamento mais de perto nessa etapa. O professor
pode oferecer exemplos em que ele mesmo demonstra esse tipo de procedimento. Pode
ser aconselhável também, nesse momento, aproximar-se de cada um para ver a evolução
de seu poema “desconstrutor” e mesmo sugerir soluções. De qualquer modo, esse
acompanhamento do professor não será estranhado, pois eles já encararão com
naturalidade, a essa altura, o diálogo como elemento deflagrador do poema.
4.3 Terceira etapa: “corte”
A etapa seguinte consiste em propor aos alunos que diante do texto que têm em
mãos agora, produzido a partir da desconstrução do poema escolhido, ponham-se a
efetuar cortes em cada verso. Retirar, por exemplo, uma palavra de cada verso. Para
alguns essa tarefa se mostrou bem difícil, já que a poesia contemporânea que foi o nosso
ponto de partida, cultiva uma importante característica da poesia moderna que é a
concisão. Claro que se o verso do texto que o aluno produziu a partir daquele poema
inicial só tem, por exemplo, uma única palavra, ele não precisa necessariamente cortar
algo desse verso; se for o caso, porém, pode suprimir a palavra e cortar o verso todo.
Enfim, o poder de decisão a respeito do que fica e sai do projeto de poema é dele.
Brandão (2010, p.57) nos lembra de que “Há provas de sobra – em anotações de
originais, biografias – dos inúmeros cortes, acréscimos, revisões que os escritores
renomados fizeram em seus textos”. Muitos dos alunos optaram por reescrever o
poema, numa outra folha, sem as palavras que tinham decidido suprimir do texto. O fim
dessa etapa consumiu o restante da aula e assim terminamos o primeiro dos dois
encontros programados para a realização da oficina.
4.4 Quarta etapa: “lista”
Esta é a etapa que mais causou estranhamento nos alunos. Após o corte, propusemos
a eles que elaborassem uma lista a partir do texto deles – o poema original já havia sido
completamente esquecido a essa altura –, com aquelas palavras que por algum motivo
se mostrassem as mais importantes, as mais significativas. Alertamos para não
escolherem palavras só pelo fato de pertencerem ao poema original, caso elas ainda
constassem no texto deles. Essa lista deveria ser elaborada à parte. As reações foram as
mais diversas, muitos sorriram e alguns externaram o que a maioria estava pensando:
“não vai sobrar nada daqui, professor!”. Ainda ouvimos expressões do tipo: “E vai ser
um poema daqui?” Pedimos calma a eles, que se mostraram muito agitados e
lembramos que só havia mais duas etapas a serem realizadas. A maioria duvidava que
seria capaz de produzir nas duas últimas etapas um poema.
4.5 Quinta etapa: “escrita restritiva”
Na etapa seguinte propus que eles agora, a partir daquela lista, escrevessem um
poema que poderia utilizar apenas aquelas palavras, ou ainda somar outras novas
àquelas e mesmo utilizar apenas uma parte das palavras que compunham a lista. Essa
etapa, como pode se imaginar, foi, nesse segundo encontro, a que consumiu mais
tempo, no mínimo uma meia-hora. Ao mesmo tempo, não deixa de ser curto o tempo
que eles utilizaram para escrever seu próprio poema. O princípio de uma escrita
restritiva não é algo novo na criação poética. A escrita poética limitada por
determinadas regras – e talvez a lista aqui deva muito mais ser considerada como uma
espécie de moldura verbal do que uma regra – foi largamente utilizada por tendências
literárias modernas e contemporâneas de caráter experimentalista, como o OULIPO
(Ouvroir de Littérature Potentiel: Oficina de Literatura Potencial). O OULIPO foi uma
tendência de criação literária que despontou na França dos anos 60, capitaneada por
escritores, poetas e matemáticos. Os oulipianos se lançavam à criação poética a partir de
“contraintes”, palavra que pode ser traduzida como “limitação” ou “restrição”. Os
autores que participaram do OULIPO afirmavam que restrições ou limitações sempre
foram recursos utilizados pela tradição poética, como é o caso de formas fixas como o
soneto, a redondilha, o acróstico e a sestina. Eles apenas intensificaram a consciência
lúdica sobre esses processos de criação.
De qualquer modo, é importante assinalar o entusiasmo de muitos alunos ao se
perceberem produzindo o próprio poema que, como muitos afirmaram, “praticamente
fluiu”, emergindo como texto novo daquela trama de escrita e reescrita que haviam
empreendido. Lançando-se num jogo potencializador das palavras, as várias etapas
foram intensificando a convivência deles com aquele conjunto reduzido de
possibilidades, e estimulando a sensibilidade deles a testarem novas combinações.
Muitos alunos chegaram a afirmar terem gostado até mais do próprio poema do que dos
textos originais e geradores.
4.6 Sexta etapa: “revisão”
Na última etapa, empreendemos uma grande revisão conjunta dos poemas. A
orientação era que cada aluno passasse para o colega do lado, no sentido horário – eles
estavam em círculo desde o início da atividade – o seu poema, e o colega faria uma
leitura silenciosa com vistas a sugerir cortes ou modificações que poderiam ser acatadas
ou não pelo autor. Permiti que, no tempo dedicado a esta última etapa, pudessem
conversar sobre as sugestões e impressões gerais a respeito do texto do colega o que
parece ter sido muito produtivo para o grupo todo. Após quinze minutos, os textos
voltaram para os autores e eles puderam realizar mudanças, quando acharam
interessantes e necessárias, ou mesmo dar o poema por “finalizado”, passando-o a
limpo.
4.7 Quadro sintético da prática da oficina de criação poética
A nossa intenção com o quadro sintético que segue abaixo é facilitar a visualização
de todo o processo, até para aqueles que venham a desenvolver tal prática ou mesmo
modificá-la para, desta forma, atender a demandas específicas de sua realidade e
trabalho. Até mesmo porque tal prática didática tem como principal objetivo servir de
exemplo, e não de modelo. Ao referir-se às suas sequências básica e expandida, Cosson
(2009) alerta para o risco de transformá-las em “modelos que devem ser seguidos
cegamente” (p.48). Mais do que a aplicação cega de uma panaceia, a proposta dessa
oficina deve ser um exemplo motivador ou inspirador, instigando o espírito do professor
a buscar estratégias e caminhos renovadores:
ETAPAS DA OFICINA DE CRIAÇÃO POÉTICA
1ª Etapa: “Leitura livre” Distribuição dos poemas e um tempo
razoável dedicado à leitura para que os
alunos escolham poemas de que gostam.
2ª Etapa:
“Desconstrução”
Desconfiguração do poema, substituindo
palavras pelos seus contrários,
transformando frases afirmativas em
interrogativas ou vice e versa.
3ª Etapa: “Corte” Supressão de uma ou duas palavras de
cada verso do texto da etapa anterior (caso
o verso seja composto por uma única
palavra não é necessário cortar).
4ª Etapa: “Lista” A partir das palavras que ficaram escolher
as mais importantes e compor uma lista.
5ª Etapa: “Escrita
restritiva”
Escrever o poema utilizando as palavras-
chaves da lista (pode-se utilizar também
outras palavras, além das que estão na
lista).
6ª Etapa: “Revisão” O texto é apresentado ao colega do lado
que deve lê-lo e tentar sugerir alguma
mudança que ache pertinente. O próprio
autor pode ainda fazer alguma mudança
que ache necessária.
5. Resultados
Após a leitura dos poemas, dada por finalizada a prática da oficina, empreendemos
uma breve explanação dos pressupostos teóricos e metodológicos que embasaram a
criação e aplicabilidade dela. Comentamos rapidamente dois pontos fundamentais que
são o lúdico e a intertextualidade, elementos que consideramos fundamentais na
estruturação do discurso literário e que tentamos assimilar em várias das etapas da
atividade. Todo o grupo se mostrou muito entusiasmado e se colocaram a responder um
breve questionário elaborado para averiguar o impacto da oficina sobre os discentes.
Para exemplificar o impacto da prática sobre eles, expomos a resposta de dois
alunos a última questão do questionário, que era a seguinte: “Qual o impacto, na sua
opinião, que esse tipo de prática pode ter na aula de literatura?” Abaixo as respostas de
dois dos alunos que responderam:
ALUNO 1: Extremamente positivo. Foi mais um passo e exemplo da literatura
como forma, e na defesa da idéia de que o trabalho e a técnica produz o bom texto.
ALUNO 2: O impacto produzido é positivo, pois quebra a idéia de que para
escrever precisa ser profissional e que o indivíduo deve estar repleto de inspiração.
Além de facilitar a atividade
Como se pode perceber acima, nas respostas dos alunos, reconhece-se um
impacto positivo não só no que diz respeito à apropriação de certo discurso teórico –
“literatura como forma” – como também no que diz respeito a um processo de
desmistificação da suposta “dificuldade” ou mesmo “inacessibilidade” que ronda a
criação de um poema – “quebra a ideia de que para escrever precisa ser profissional”.
Deste modo, duas metas, que se multiplicam nas várias respostas dadas pelos alunos,
parecem ter sido atingidas: a ampliação daquilo que podemos chamar de consciência
formal, e que os discursos teóricos e críticos procuram desenvolver; e a criação de um
espaço de vivência do literário de maneira mais próxima, de “dentro” como o dissemos
anteriormente. Assim, aos alunos determinadas noções são apreendidas não à distância,
através do discurso teórico; mas a partir de uma práxis que confere sentido e substância
a esse mesmo discurso, porque a compreensão deles do que é um poema começa, com
atividades dessa natureza, a ser transformada.
6. Conclusão
A oficina de criação poética de caráter intertextual que realizamos teve como
objetivo básico promover uma mudança de mentalidade. Mudança essa que parece ter
na vivência próxima com o texto literário o principal caminho para sua realização. Esse
experienciar a linguagem literária na condição de criador, por sua vez, torna evidentes
certos traços estruturantes do discurso poético e da experiência de leitura da poesia. A
possibilidade de aguçar a consciência dos alunos sobre os processos implicados na
produção de um poema confere a eles certa autonomia, na medida em que eles têm,
agora, além do discurso teórico como referencial para pensar a poesia, a própria
experiência deles como criadores, mesmo que apenas pontualmente. Outra contribuição
da oficina nos moldes como ela foi realizada foi a possibilidade dela ser um encontro
com a poesia brasileira contemporânea, que raramente é contemplada pelos currículos
dos cursos de Letras. O futuro professor pode ter sua atenção despertada para uma
produção rica e de grande qualidade, e que pode funcionar como uma importante via de
acesso para a sensibilidade do futuro aluno.
Além disso, a prática da oficina agrega-se ao esforço de muitos professores, teóricos
e pesquisadores em desenvolver práticas pedagógicas que sejam capazes de manter os
traços estéticos definidores da literatura, para que ela seja uma presença viva na escola e
contribua para a formação da sensibilidade dos alunos.
7. Bibliografia
BARBOSA FILHO, Hildeberto. Anotações acerca da poesia e do poema in: A luz e o
rigor: reflexões sobre o poético. João Pessoa: Manufatura, 2006.
BRANDÃO, Sérgio Vieira. Laboratório do jovem escritor: gêneros literários e narração.
São Paulo: Paulinas, 2010.
CEREJA, William. Ensino de Literatura. São Paulo: Moderna, 2006.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2009.
MORIN, Edgar. Amor Poesia Sabedoria. Tradução de Edgar Assis Carvalho. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
PINHEIRO, Hélder. Poesia na sala de aula. Campina Grande: Bagagem editora, 2007.
ROCCO, Maria Thereza Fraga. Literatura/Ensino: uma Problemática. São Paulo: Ática,
1992.
8. Anexo (antologia de poemas produzidos pelos alunos)
Tudo me inunda
Mas nessa sensação de estar sempre incompleto
Não me sobra um nome, uma presença
Apenas restou esse lar
Como uma caixa de esquecimento.
(Priscila Melo)
* * *
Admirando o mar vejo a onda
Dinâmica, rápida e envolvente
Rolar ao chão da praia
Devolvida é ao mar
Desfeita para tudo começar.
(Thiago Santos do Nascimento)
* * *
Enquanto a prisão do abandono goteja a tua ausência
Num puteiro
Fustigo a tua lembrança
No caos do combate das coxas,
Enquanto alguém, não você
Urra e geme,
Gritante,
Um falso gozo.
Combato o imbatível.
(Jonas Costa)
* * *
O sorriso que me cobre
É o respirar
Do teu enorme desamparo
Com esse barulho
De leveza enferrujada
Um segundo de pesadelo
Como um fino cristal
Que a insônia abandona.
(Natália Souza do Rego Barros)
* * *
Dança
Sexo
Sísmico
Corte
Rítmico
Nexo
Tântrico.
(Raul da Rocha Colaço)
* * *
Ao alcançar as margens do labirinto
A escuridão anuncia
Com lua opaca
Que a noite chegou.
Desperta de um leve sono
O temido Minotauro:
Menos homem e mais touro.
(Manuela Christina Marques da Paixão)
Sim
Sim, silêncio e oceano
Silêncio, oceano e homem
Oceano
O alto, alívio
O homem
Encontro
Silêncio, ouço o oceano
Homem
O alívio
Sim
(Emanuel Monteiro Borges)
Renascer
Naco do céu chega
des-faz o ódio
cresce calmo
cria claridade de novo
hoje, nosso amor o sol
(Nathália Regina dos Santos)
* * *
Nasci através do fórceps
Não outro não
Será que estive por fora?
Vim ao mundo por saber
Quem é agora?
Um se certo, a crer
Países: pais e “sés”?
Idéias, fatos e profissão
Não importa, cresces
Na ação, sou nação
O meu território estadual é viver sem vocação.
(Amanda Bioni)
* * *
Parte a juventude.
Apaga-se a chama.
Empacam-se as horas.
Os dias e as semanas.
Morre a alegria.
Chora a criança.
Que já fui um dia.
Sem ter segurança.
Só restam poesias.
Cachorros e plantas.
E assim eu concluo.
Velhice é uma merda.
(Jonas de Oliveira)
* * *
Ora!
Mulher que pragueja
Tu que oculta tuas verdades embriagadas.
(Mariane Monteiro Nascimento)
PALAVRA DE NORDESTINO NA ESCOLA
Paloma do Nascimento OLIVEIRA
E.E.E.F. Dom Hélder Câmara / CESREI
RESUMO: A literatura é uma arte complexa, desafiadora, específica, identificada por
sua pluralidade de significados, pelo trabalho com o conotativo, pela liberdade de
criação e, sobretudo, pela ênfase no significante. Esses pontos a tornam peculiar e a
colocam em uma posição que, por lidar desafiadoramente com a linguagem, fazem-na
trabalho de sensibilidade com a arte. Desse modo, pensamos no trabalho com a
literatura de maneira diferente das sugestões do livro didático utilizado em sala de aula.
Partindo do princípio de que a criança também precisa conhecer aquilo que faz parte da
tradição de sua região, elegemos o livro Palavra de Nordestino (1987), do campinense
Amazan, para trabalhar a poesia com alunos do 6° ano do Ensino Fundamental. Nosso
objetivo principal foi desenvolver a sensibilidade dos alunos, sobretudo os que
necessitam de educação especial, para a competência leitora de poemas a partir do livro.
Com base nos pressupostos de Roth (2007), que nos auxiliou com experiências
educacionais inclusivas, e Colomer (2007), que serviu de apoio para utilizarmos sua
teoria da leitura compartilhada, analisamos alguns poemas do livro e trabalhamos
conjuntamente com a construção de uma linha interpretativa desses. Como resultados
do projeto foi possível perceber uma positiva interação dos alunos com a poesia
regional, assim como as habilidades e competências orais foram desenvolvidas e
apreciadas nos momentos de recitação em sala.
Palavras-chave: poesia; ensino; leitura.
1. Introdução
Um dos temas que mais atraem o professor de português do ensino fundamental
é, sem dúvida, o que toca na importância da literatura para a formação do leitor e,
sobretudo, como já disse Antonio Candido na década de 70, para a formação do homem.
Enquanto professores, sabemos do papel fundamental que a literatura exerce no
processo de humanização dos indivíduos. No entanto, quando nos aproximamos da
realidade escolar, percebemos um significativo distanciamento dos jovens com relação à
literatura.
Em pesquisa realizada com alunos do Ensino Fundamental II da Escola Estadual
de Ensino Fundamental Dom Helder Câmara, Localizada na rua: Licionéia Maria da
Conceição – 125 Santa Rosa, no município de Campina Grande –PB, pudemos
constatar que muitos alunos não atribuíam valor à leitura literária5.
Não desprezamos a relação entre homem, literatura e realidade, pelo contrário,
ressaltamos a importância da conexão entre esses elementos para a concretização da
arte. A respeito disso:
A literatura é o homem em ação. Ora, o homem em ação é,
forçosamente, um ser na sociedade. Estabelece, de imediato, um
relacionamento com o mundo, com as coisas e, sobretudo com os outros homens: cria uma humanidade . Cada obra literária oferece a
evidência dessa sociabilidade do homem. (SANTOS, 1987, p. 42)
É perceptível, pois, que homem e literatura estão imbricados e se não enxergamos essa
conexão não somos passíveis de entender, sentir e interagir com o texto literário. Não
‘enxergar’ essa conexão nos leva a pensar que é comum na nossa sociedade observar a
literatura como objeto envolto na cápsula protetora do intelecto superior e negar que
no decurso do tempo ela produz uma diferença na fala, na sensibilidade, nas vidas de todos os integrantes de uma sociedade, de
todos os membros de uma comunidade, de todo o povo, independente
de que leiam e apreciem poesia ou não, ou até mesmo, na verdade, de que saibam ou não os nomes dos seus maiores poetas. (ELIOT, 1991,
p. 33)
Portanto, é preciso sim entender a literatura e, sobretudo, a poesia enquanto
instrumento social, para que nós, enquanto professores, possamos apresentar a literatura
ao aluno como fonte de prazer e realização humana.
Entretanto, enquanto educadores e mediadores da arte literária nós devemos
observar o fato de a poesia ter em si uma linguagem plurissignificativa sendo
interpretada, por alguns, como inacessível, complexa e impenetrável. Essa impressão,
em relação à poesia, é explicada por uma das maiores dificuldades do rol interpretativo
do universo literário, senão a maior: a de que a linguagem poética não é essencialmente
informacional, ou seja, ela não se enquadra no rol dos textos de rápido e fácil
entendimento.
Isso se justifica por entendermos que o comportamento da língua nos textos
literários não pode ser tratado da mesma maneira que em situações de uso
comunicativo, apesar de compreendermos a potencialidade da função estética em
diversas situações, inclusive nas de domínio comunicacional, como informa
Mukarovsky (1978).
5 Chegamos a essa conclusão através de perguntas aos alunos sobre a influência da literatura em suas
vidas até aquele momento, como também a partir da observação das interpretações destes de alguns textos
literário utilizados em sala de aula.
Estudar poesia é, portanto, além de um desafio um dever para o pesquisador e o
professor de português. O desafio de entender, investigar e analisar o poético e o dever
de executar seu projeto.
Partindo deste contexto, planejamos, ainda no primeiro bimestre letivo, um
trabalho de leitura literária envolvendo diferentes gêneros (contos, poemas, crônicas,
literatura dramática) buscando sensibilizar os alunos para a leitura literária. Feito isto,
elegemos o livro Palavra de nordestino (1987), do poeta Amazan e com o ainda intuito
de desenvolver a sensibilidade dos alunos, sobretudo os que necessitavam de educação
especial, para a competência leitora de poemas.
O estudo do livro em sala pautou-se pela leitura oral dos poemas e discussão de
aspectos temáticos que chamava a atenção dos alunos. A metodologia adotada está
próxima do que Colomer (2007) denomina como “Leitura compartilhada”. Ela esclarece
que
Compartilhar as obras com outras pessoas é importante porque torna
possível beneficiar-se da competência dos outros para construir o
sentido e obter o prazer de entender mais e melhor os livros. Também porque permite experimentar a literatura em sua dimensão
socializadora, fazendo que a pessoa se sinta parte de uma comunidade
de leitores com referências e cumplicidades múltiplas. (p. 143)
Desse modo foi possível avaliar como a poesia é recepcionada pelos alunos, bem
como entender de que maneira a linguagem poética, dependendo do modo como a obra
é abordada, pode se transformar ou não numa experiência significativa.
2. Objetivos
Objetivo geral:
Desenvolver a sensibilidade dos alunos, sobretudo os que necessitam de
educação especial, para a competência leitora de poemas a partir do livro Palavra de
nordestino (1987), de Amazan.
Objetivos específicos:
Pesquisar vida e obra do poeta, compositor e cantor Amazan com o propósito de
situar os alunos acerca do objeto de estudo;
Analisar poemas regionais de autoria do poeta e compositor para promover a
interação dos alunos com a poesia regional e a variedade linguística existente;
Estimular as habilidades e competências orais, promovendo recitações de alguns
dos poemas trabalhados;
Trabalhar a interpretação de poesia a partir de desenhos feitos pelos alunos.
3. Justificativa
Um dos grandes desafios do professor de literatura da educação básica é
encontrar nas práticas pedagógicas, a que ele tem acesso, o auxílio necessário para
motivar os alunos à análise e interpretação de obras literárias. Devido a essa dificuldade
de encontrar uma metodologia eficaz, surgem perguntas do tipo: “Como lidar com a
literatura em sala de aula?” ou “Como fazer com que o aluno se sinta envolvido pela
literatura?”.
Uma das questões a serem pensadas é: por que o aluno vê a literatura como um
código indecifrável? Martins (2006) aponta uma das causas para esse fenômeno escolar
e diz que a escassez de práticas de leituras literárias é um fator que contribui para que o
aluno encare a literatura como objeto artístico de difícil compreensão. A autora diz
ainda que essa situação seja herança de possíveis lacunas oriundas do ensino
fundamental, como também do encaminhamento dado ao estudo de literatura no ensino
básico.
Percebemos que essa leitura da literatura enquanto inacessível está mitificada
nas bases sociais. Santaella (1996) destaca que um dos grandes mal-entendidos da
sociedade para com a arte literária é “aquele que exige que a literatura tenha uma
linguagem compreensível, didática, acessível ao nível de entendimento de um leitor
médio” (p. 217), ou seja, pede-se que o texto literário tenha uma pedagogia que a obra
literária não comporta. É com esse tipo de pensamento que leva o aluno a negar,
inconscientemente, o caráter de experimento e singularidade próprias da literatura, com
o horizonte limitado, condicionando a arte ao seu imediato.
A primeira atitude que devemos tomar, enquanto professores, é a de sermos
claros em relação ao conceito ou à tentativa de produção de um conceito do que vem a
ser literatura. Não iremos dizer o que ela é, mas o que não é. Inicialmente deve-se
deixar claro que a literatura não é ciência, ou seja, não se pode fazer um paralelismo
com as outras disciplinas estudadas pelo aluno, como a biologia ou a química. Não há
fórmulas, nem tabelas para decorar. Pode-se dizer que “O discurso literário decorre,
diferentemente dos outros, de um modo de construção que vai além das elaborações
linguísticas usuais, porque de todos os modos discursivos é o menos pragmáticos, o que
menos visa aplicações práticas” (BRASIL, 2006, p. 49).
Devemos observar que “as técnicas de abordagem ao texto literário não são
diversificadas, contribuindo para que o educando desenvolva uma compreensão
mitificada e homogênea do fenômeno literário” (MARTINS, 2006, p. 84). É necessário
encontrar formas simples de trabalhar o texto literário de modo que o aluno perceba que
se trata de um trabalho artístico. Atingindo esse objetivo o professor desmitificaria o
fenômeno literário enquanto ciência e traria para o aluno uma literatura para ser
apreciada.
Estando clara a concepção de uma literatura desvinculada do ideário científico, o
professor pode voltar-se para o trabalho com a leitura. Partindo da ideia de que esta
leitura é um instrumento para o aluno desenvolver a criatividade e a imaginação, a
interação com o texto literário pode ser introduzida em sala de aula de maneira que o
professor, juntamente com o aluno, construa possíveis interpretações do texto.
A partir dessa concepção de construção de sentidos do texto na relação
professor-aluno, encontramos um dos motivos que facilitou a escolha da obra Palavra
de nordestino (1987): a proximidade da linguagem do livro com o meio em que os
alunos estão inseridos. Trabalhar assuntos relativos ao Nordeste aproximam os alunos
dos costumes e tradições, visto que muitas vezes vão sendo apagados pela variedade
cultural, de outras regiões, explorada pelos meio de comunicação em massa. Os jovens,
em contato com outras culturas, sobretudo do ponto de vista musical, deixam de
conhecer aquilo que lhe é próprio da terra e a tradição local vai aos poucos se afastando
de sua realidade.
Outro fator importante foi a popularidade do poeta entre os alunos. O fato de
Amazan ter uma grande visibilidade no meio ‘forrozeiro’ e de morarmos na cidade
conhecida por sediar o ‘Maior São João do Mundo’, foram dois pontos decisivos para
nossa escolha. Por mais que os estudantes nunca tivessem tido contato visual com seus
poemas, todos certamente já teriam ouvido falar dele e/ou conheciam suas músicas.
Essa visibilidade do autor também é meio facilitador da prática inclusiva dos alunos
especiais envolvidos no projeto, já que a relevância do poeta no nosso meio é um fator
importante de identificação com essa categoria de estudantes.
Além disso, o trabalho com a poesia regional permite o aprofundamento de um
dos requisitos para a formação do aluno do 6° ano: o estudo da variedade linguística
aliado ao estudo poético. A partir dessa perspectiva é possível mostrar ao aluno, por
meio da poesia, que é preciso abandonar a concepção do preconceito linguístico e
descartar que só haja “uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a
língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogadas nos dicionários”
(BAGNO,2011, p.56).
Desse modo nosso projeto se justifica em um trabalho com a literatura que busca
meios para a redução da evasão e melhoria do rendimento escolar dos estudantes.
5. Metodologia
Este projeto foi executado com alunos do ensino fundamental II, do 6º ano da
Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Helder Câmara, localizado no Bairro de
Santa Rosa em Campina Grande - PB.
O material utilizado enquanto recurso didático será:
Livro Palavra de nordestino (1987), de Amazan;
Folhas de papel ofício, tipo A4;
Cartolina;
Cola;
Canetas coloridas;
Aparelho de som;
Máquina fotográfica.
Todas as aulas envolveram estratégias de teoria e prática, sendo
metodologicamente abordados os seguintes procedimentos:
1. Inicialmente será apresentado ao aluno a vida e obra do cantor e compositor
Amazan, para que o estudante possa conhecer elementos além do que aquilo
que é apresentado pela mídia local. Será levado para a sala de aula
informações relevantes sobre a produção do autor tanto do ponto de vista
poético quanto musical; assim como será exposta a origem do escritor, para
que o aluno entenda o contexto situacional de produção poética.
2. Identificada a figura de Amazan, iniciar-se-á a segunda parte do projeto
aonde alguns poemas serão apresentados aos alunos por meio de recitação da
professora e do aparelho de som, cujos poemas serão explanados através da
própria voz do poeta, musicados. Sobre este aspecto Pinheiro (2007, p. 69)
diz que a “música pode ‘se converter em recurso para apreciação da
literatura’, como afirma Maria G. Bordini. Partindo do gosto do professor e
do conhecimento prévio do universo de interesse dos alunos é possível
realizar experiências significativas”.
3. A terceira ação parte do aspecto da recitação de poesia por meio do aluno.
Lidos os poemas silenciosamente e escutados via professor e via áudio, os
alunos terão conhecimento mínimo para elaborar sua própria entonação
poética.
4. O último passo, visando um produto final, será a aplicação da interpretação
poética através de desenhos. Auxiliados pelas disciplinas de artes e
geografia, os alunos poderão se expressar livremente através do código não-
verbal; recebendo tratamento especial aqueles com transtornos globais de
desenvolvimento, visando a melhoria do rendimento escolar dos estudantes.
O processo de avaliação ocorreu continuamente, observando sempre a
participação efetiva de cada aluno, com atenção específica aos especiais, e a busca da
autonomia de cada indivíduo envolvido no projeto.
Observou-se o empenho e envolvimento dos estudantes de modo geral. Além
disso, foi utilizada como estratégia de adequação ao aluno com deficiência a observação
mais atenta e o acompanhamento da equipe psicopedagógica da instituição.
Não esquecendo nunca que para o trabalho com alunos especiais foi necessário
“criar um espaço educativo, onde os alunos sintam motivação para aprender, trocar
experiências, compartilhar os saberes, trocar pontos de vista e desempenhar seu papel de
sujeito ativo e reflexivo, sujeito em construção” (Roth, 2007, p. 150).
Assim, vejamos a seguir o detalhamento do nosso projeto.
6. Detalhamento das atividades
O projeto “Poesia regional em sala: o lirismo matuto de Palavra de nordestino”,
teve início em 09 de maio de 2013, segundo semestre, e foi concluído em 20 de
setembro de 2013, fim do terceiro bimestre.
Participaram dele alunos de duas turmas da escola do 6° ano do ensino
fundamental II, 6°A e 6° B. Professores, especificamente de geografia e artes, e
funcionários também foram envolvidos no projeto, visando o alcance de uma boa
prática interdisciplinar e a interação do aluno com o corpo de funcionários da
instituição.
A seguir, vejamos como este projeto foi executado:
No dia 09 de maio de 2013: Início das atividades com os alunos do projeto. O
primeiro contato dos alunos com a poesia foi feito, em primeiro momento oralmente,
com explanação da professora e conversa com os alunos sobre o poeta e compositor
Amazan. Os alunos externaram as informações que sabiam sobre o autor a ser estudado
e se surpreenderam ao descobrir que Amazan é mais do que cantor e sanfoneiro, é
poeta.
Após discussão e explanação verbal, os alunos tiveram o primeiro contato visual
com a poesia de Amazan, lendo o poema “Mulé, Forró e Galinha”.
No Dia 22 de Maio de 2013 a 14 de Junho houve a apresentação da poesia de
Amazan através da leitura de alguns poemas como “Homem de Sorte”, “Casamento
atrapaiado” e “Pensamentos”.Durante esse período foram levados para sala de aula
alguns poemas do livro com o intuito de apreciação da leitura. Ler por ler, sem pressão,
sem cobranças. A ideia era ler por prazer, por diversão, para que o aluno pudesse
entender o universo poético como uma porta de entrada para o criativo, o imaginário.
Em algumas aulas levamos poemas fotocopiados, em outras copiamos na lousa e
apreciamos a linguagem por minutos. Desse modo, fomos colhendo informações a
respeito do sentido daquele tipo de escrita. Junto com a professora, os alunos
descobriram o sentido real da variação linguística desvencilhada do livro didático e
construíram, a partir das concepções de preconceito linguístico, o conceito do uso da
língua portuguesa.
Do dia 10 de Julho a 07 de Agosto de 2013 houve a Poesia em áudio. Nessa
etapa do projeto os alunos já estavam em vivência com a poesia de Amazan e já haviam
lido e escutado, via voz da professora, vários poemas do livro. Chegou, pois, o
momento de escutar tais poemas na voz do próprio autor. Além da sala de aula, os
alunos também foram levados para o pátio e escutaram alguns poemas, sempre
acompanhados da poesia transcrita. O resultado foi, além de muita concentração,
bastantes risadas dado o teor bem humorado dos poemas escolhidos.
Em sala, alguns alunos acompanhavam lendo, outros escutavam de olhos
fechados ou cabeça baixa. A professora deixou que esse momento de vivência com o
áudio fosse natural, sem exigências. Assim o aluno pôde se sentir mais à vontade e o
grau de concentração só aumentou.
Do dia 13 de Agosto a 30 de Agosto de 2013: Recitação de Poesia pelos alunos.
Após leituras individuais e escuta dos poemas os alunos tiveram a oportunidade de fazer
a recitação da poesia de acordo com as diferenças regionais encontradas na linguagem
matuta. Alguns se voluntariaram para realizar a leitura para a turma. Neste grupo abaixo
temos uma aluna com transtorno global. Ela foi uma das que mais participaram do
projeto. Sempre chegava em sala comentando como estava gostando de participar e o
quanto conversava com seus pais sobre os poemas que a professora levava pra sala.
Do dia 03 de Setembro a 19 de Setembro: Produção dos cartazes. Nossa
proposta de trabalho com o livro era mostrar que a leitura poderia ser prazerosa, afinal
“a poesia pode ser um elemento fundamental de educação da sensibilidade” (ALVES,
2008, p. 25). E foi a partir de algumas lições de Martins (2006) que ajudamos os alunos
a elaborar ou até rever suas interpretações iniciais dos poemas de Amazan, obviamente
sem descartar suas primeiras leituras. Segundo a autora “o professor deveria colaborar
com os alunos, visando à construção/reconstrução de interpretações e não simplesmente
apresentando leituras já prontas” (p. 85).
Desse modo, a professora acompanhou cada um dos alunos envolvidos do
projeto apenas auxiliando na interpretação feita através dos desenhos, sem maiores
intervenções.
Os alunos eram geralmente levados para o pátio da escola e tinham a liberdade
para trabalhar em grupo e pedir auxílio aos colegas para concluírem as atividades
propostas. Além de socializar os alunos compartilhavam ações de solidariedade e
companheirismo com os outros.
Do dia 20 de Setembro de 2013: Finalização do Projeto. Após meses
vivenciando a poesia de Amazan através de seu livro os alunos concluíram o projeto
com cartazes que expunham a interpretação deles através de desenhos. De acordo com
Alves (2007, p. 76), a poesia quando preenche a sala de aula pode transbordar e inundar
outros espaços e regar outras experiências significativas. Assim fez-se nosso projeto,
regado pelo desenho e empenho de alunos, funcionários e professores.
Por fim, a exposição pronta nos mostra que mesmo muitas vezes “os textos
literários (sendo) apresentados em desarticulação com o mundo da vida, com a história e
o contexto social-cultural” (DALVI, p. 75, 2013) a escola é o agente principal para
desfazer esse mal entendido.
Com a metodologia correta é possível obter resultados inimagináveis tamanha a
capacidade criativa dos alunos. Assim vejamos o produto final do nosso projeto, não
esquecendo que ‘final’ é apenas fictício, pois o aluno levará os conceitos estudados e a
vivência de poesia para toda a vida.
7. Resultados
Ministrar aulas de literatura não é uma tarefa fácil, sobretudo quando o objeto da
aula é a poesia. Durante o período em que trabalhamos com os estudantes do Ensino
Fundamental II percebemos que trabalhar com poemas em sala de aula não era nosso
maior desafio, mas sim deixar claro para os alunos que a leitura de poesia desse trabalho
não deveria ser atribuída a negatividade.
Foi trabalhando com a obra de arte em sala que empiricamente comprovamos
que o ensino historiográfico de literatura sem articulação com a análise está totalmente
ultrapassado e, ao invés de contribuir para o gosto por textos literários, afasta os alunos
da vivência afetiva com obras de suma importância.
Obtivemos sucesso com as duas turmas que trabalhamos e pudemos observar
que muitos alunos viram na leitura a oportunidade de conhecer um universo revelador
de sentidos e sensibilidade, o literário.
Através do trabalho com os mais variados gêneros preparamos um terreno
fecundo à poesia. Desse modo, quando levamos Amazan e seu livro Palavra de
nordestino para sala de aula, os alunos já se sentiam confortáveis e sem medo algum de
desvendar os mistérios da poesia regional.
Deixamos, portanto, ao longo do texto alguns pontos de reflexão para o
professor que trabalha com o Ensino Fundamental II, de modo que esses poderão se
apropriar de nossa experiência como suporte para dar andamento a seu próprio
procedimento metodológico.
Fica claro, por fim, que o assunto não se esgota neste artigo, pelo contrário.
Nestas páginas, levantamos do trabalho com a poesia regional como pretexto para que o
professor possa (re)pensar nas estratégias que está usando para dar aula.
8. Referências
AMAZAN. Palavra de nordestino. Brasília: Centro gráfico do senado federal, 1987.
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. Ed. 54. Loyola: São
Paulo,2011.
BRASIL. Linguagens, códigos e suas tecnologias: conhecimentos de literatura. In:
______. Orientações curriculares para o ensino médio. Brasília: MEC/Secretaria de
Educação Básica, 2006, p. 49 – 81.
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 10 ed. Rio de Janeiro Ouro Azul, 2008.
COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. Trad.
SANDRONI, Laura. São Paulo: Global, 2007.
ELIOT, T. S. “A função social da poesia”. In: ______. De poesia e poetas [trad. e
prólogo Ivan Junqueira]. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 33
MARTINS, Ivanda. A literatura no ensino médio: quais os desafios do professor?. In:
BUZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (orgs). Português no ensino médio e
formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006, p. 83 – 102.
MUKAROVSKY, Jan. “A denominação poética e a função estética da língua”. In:
GUINSBURG. J. (org). Círculo lingüística de Praga. São Paulo: Perspectiva, 1978, p.
74.
PINHEIRO, Hélder. Poesia na sala de aula. Campina Grande-PB: Bagagem, 2007.
ROTH, Berenice Weissheimer. (org). Experiências educacionais inclusivas: programa
educação inclusiva: direito à diversidade. Brasília: Ministério da educação, Secretaria de
educação especial, 2007.
SANTAELLA, Lúcia. “Literatura e ideologia”. In: ______. Produção de linguagem e
ideologia. 2 ed. São Paulo: Cartez, 1996, p. 209 – 249.
SANTOS, Wendel. Crítica: uma ciência da literatura. Goiás: UFG Editora, 1987, p. 42.
ENTRE VERSOS E MOVIMENTOS: VOZES DA INFÂNCIA EM HAICAIS DE
SAULO MENDONÇA
João Paulo FERNANDES6
jp.rose@terra.com.br
Universidade Federal da Paraíba – PPGL
José Hélder Pinheiro ALVES
helderpin@uol.com.br
Universidade Federal de Campina Grande
RESUMO: É cada vez mais comum encontrar materiais que insistem em
definir/conceituar a Literatura e, sabemos que esse princípio das especificações não é
uma marca apenas da contemporaneidade. Há muito, em paralelo à história do país,
tende-se a historicizar a produção literária, aspecto importante às influências para o
registro das ideias dos autores, no entanto, não determinante, uma vez que a linguagem
literária se diferencia de outros relatos, inquietando-nos a: quais elementos possibilitam
ao leitor a compreensão de uma Literatura infantil e/ou juvenil? A partir dessa
contextualização, objetivamos em nosso trabalho evidenciar possíveis elementos que
(re)criam o universo da infância, considerando as obras Luz do Musgo (2008) e
Pirilampo (2008), ambas do poeta paraibano Saulo Mendonça. Em diálogos teórico-
literários, fundamentamos nossa discussão aos pressupostos de Franchetti (1990),
Gutilla (2009), Pound (2003), entre outros que corroboram ao entendimento das
imagens dos haicais por ora considerados. Tais pressupostos elucidam a sistematização
metodológica da ação, a que se exige leitura analítica que reverbere as vozes da infância
e coadune com o imaginário dos leitores. As descobertas do leitor pelas imagens que se
movimentam pelo ritmo dos versos são resultados satisfatórios quando elegemos a
poesia no uso da linguagem, apontados em nossa análise pelos pontos de interseção
responsáveis pela construção de sentido nos interlocutores.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Haicais. Saulo Mendonça. Vozes da infância.
1. Considerações iniciais
A poesia surge em meu caminho ainda criança. Não como uma pedra, mas como
um reflexo sonoro da viola dos poetas cantadores de minha cidade natal, Pilõezinhos.
Lá, o anfitrião Sebastião da Silva reunia outros poetas da voz e da viola para os
desafios, além dos que tinham a arte como improviso apenas como prazer, e o público
formado por amigos, admiradores que lançavam motes e, poeticamente, ganhava ritmo e
sonoridade nas construções improvisadas pelas duplas, tudo isso na década de 1980.
6 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL – da Universidade Federal da Paraíba
– UFPB, sob orientação do Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves.
Não demorou muito para que esse contato aumentasse ainda mais, agora na
forma escrita, uma vez que em idade escolar os sons se completavam as palavras
internalizadas pelos ensinamentos de minhas primeiras professoras das séries iniciais do
Ensino Básico. Ao saber decodificar as palavras, lia para meus avós não alfabetizados
os folhetos comprados na feira-livre de Guarabira. Entre eles, estava O Romance do
Pavão Misterioso, obra do também piloezinhense José Camêlo de Mélo, que narra o
romance entre João Batista e Creuza ambientado na Grécia, e considerado um poema
épico.
A poesia popular nas vozes de repentistas, os folhetos de cordéis, e alguns versos
da poesia erudita, todos se mesclavam na infância de uma criança que tinha sede pela
leitura, que queria mudar o mundo, ter ideias revolucionárias e, talvez, sua maior
revolução tenha sido a poesia, que foi descoberta pelos sons, pelas cores, que juntas
formavam imagens e transformavam aquele leitor em um sonhador de universos
paralelos ao seu cotidiano, principalmente das ausências.
Ao som da viola, vozes dos repentistas, folhetos de cordéis, uma antologia de
Gonçalves Dias, outra de Fernando Pessoa, estas últimas, consideradas proibidas à
leitura, serviam como objeto decorativo da penteadeira do quarto na casa de estilo
rudimentar de minha avó Sebastiana. Tais proibições não me impediram que as
folheasse. A partir daí outros eventos poéticos surgiram, principalmente com a ida à
universidade, isso nos anos 2000.
Entre idas e vindas, os ritmos constroem novos olhares quando o assunto é
poesia, e os assuntos se amalgamavam em torno do sonho de criança de território rural
com as palavras rebuscadas dos poetas românticos, todos sob a mesa, que para mim iam
além da proibição, já que a curiosidade permitiu conhecer o saudosismo patriota nos
versos da Canção do Exílio, além do fingidor de Fernando Pessoa.
Não faz muito tempo que conheci outra expressão poética, o haikai, que, para
Paulo Franchetti, "... é uma forma de canto”, que passamos a observar através dos livros
Pirilampo e Luz de Musgo, ambos do poeta paraibano Saulo Mendonça, a poesia
nipônica ganha uma sacada brasileira. Sendo o haikai uma forma de canto, e Saulo um
de seus maiores cantadores, abrasileira-se ainda mais a arte de origem japonesa, grafado
assim como “haicai”, sem que haja perda de sentido.
A compreensão do haikai é possível pela tríade: a poética de Bashô, a técnica do
haikai e sua história no ocidente. Outra tríade é considerada por Amador Ribeiro Neto
na feitura do haikai: “Para fazer haikai o poeta vale-se da própria capacidade reflexiva,
do domínio rigoroso da linguagem poética condensada e, é claro, das possibilidades do
acaso”. A fusão desses três elementos é notável quando se observa o exemplo a seguir:
Chegou o inverno!
Sobre as pétalas de uma flor
escorre a chuva.
Nota-se a construção de um ideograma, pela forma poética, mantendo a
condensação, a reflexão e o acaso. A estação representada pela água que orvalha as
plantas, folhas, flores etc., permite adentrar no universo úmido. Ao mesmo tempo em
que denota um efeito de efemeridade, ou seja, o escorrer das águas da chuva nas pétalas,
e os possíveis efeitos de vitalidade deixados pela serenidade que a água proporciona.
A tradição da poesia japonesa tem em Bashô o maior símbolo, e seu primeiro
renga haikai, ou ainda haikai, que significa “poema de dezessete sílabas”, solidifica-o
no cenário da concisão. Além de ser caracterizado por dezessete sílabas, o haicai é
conhecido também por não tematizar “o amor sexual, o transporte amoroso, o desejo
carnal. O haikai tem uma preferência temática marcada pelo rural, pelo rústico e pela
vida pobre e solitária” (FRANCHETTI, 1990, p. 25). Paradigmas como esse são
rompidos por Saulo Mendonça e, não perdem a caracterização de haicai; apenas é-lhe
acrescentada uma pitada brasileira – com sabor paraibano do jeito Saulo de criar.
Influenciado pela magnitude de Bashô e Saulo, sugiro antes mesmo de
direcionar o olhar à poesia mendonciana, revisitar o percurso do haicai no Brasil. Em
1906, o Brasil conhece, através de Monteiro Lobato, a poesia japonesa quando publica
artigo “A poesia japonesa”, no qual traduz seis haicais, mostrando seu espírito crítico e
inovador, antecedendo a Semana de 22, na qual se inaugura o Modernismo. Dois anos
depois aportam em Santos 781 imigrantes japoneses, entre eles, o autor do primeiro
haikai produzido em terras brasileiras, Shûhei Uetsuka, que passa a trocar informações
poéticas com Guilherme Almeida.
O país, não diferente de hoje, mantinha preconceitos contra povos, culturas,
etnias, entre outros, de modo que as inovações poéticas só foram popularizadas na
década de 1940, com a influência de Guilherme de Almeida. Antes disso, em 1919,
Afrânio Peixoto fixa “a forma do haicai à brasileira: três versos com cinco, sete e cinco
pés, respectivamente, totalizando dezessete sílabas métricas. E nada mais.” (GUTILLA,
2009, p. 12). Este legado serviu de base para muitos praticantes de haicai.
Esse caráter inovador à escrita de haicai eram também discussões dos mentores
da Semana de Arte Moderna acerca do haicai. O cenário literário era marcado pela
ruptura da forma da sintaxe tradicional, inserindo o verso livre, além da linguagem que
primava pelo coloquialismo na poesia. Alguns desses mentores, a exemplo de Luís
Aranha, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade e
Manuel Bandeira se encantaram e produziram haicais. Apesar de suas criações terem
sido representadas por um número pequeno de poemas, eles imprimiram a
tropicalização em um gênero originalmente japonês.
A partir daí, seguidores do haicai brasileiro, como Rosa, Quintana, Millôr e entre
outros continuavam a discussão do gênero e sua criação poética. Desconhecendo ou
intencionalmente, o autor de Grande Sertão: Veredas ignorava as formas legadas por
Peixoto e, singularmente, produzia seus haicais, sem perder a qualidade estético-
literária.
Nas discussões sobre o haicaísmo, ora influenciada pelas vanguardas europeias,
norte-americanas, brasileiras, entre outras, destacaram-se alguns dos poetas concretistas,
que enfatizavam o haicai, abrindo o leque para os experimentos de José Paulo Paes e
Pedro Xisto, e a brilhante estreia de Paulo Leminski. Nessa perspectiva da concisão,
contribuíram na consolidação os poetas Ronaldo Azeredo, Edgard Braga, Mário da
Silva Brito, além dos irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos e Décio
Pignatari, o que marca a década de 1950 e 1960.
A partir de 1980 o haicai recebe os devidos méritos e ocupa, no cenário literário,
lugar de destaque, sendo considerado uma das mais populares expressões poéticas. O
trabalho iniciado por Monteiro Lobato, em 1906, tem continuidade com a editora
Brasiliense, que ganha destaque por publicar os haicais traduzidos e produzidos por
brasileiros. Assim, o “poemirim”, como nomeou Cyro Armando, o haicai que significa
“poema pequeno”, alcança leitores e seguidores, obedecendo ou não ao modelo
abrasileirado.
Retornando a Saulo Mendonça, paraibano de Alagoa Grande, terra do grande
poetamúsico Jackson do Pandeiro, sabe do gingado que sustenta a qualidade de um
haicai e traduz, em linguagem poética e concisa, expressões do acaso. “Saulo Mendonça
é um poeta que tem o que dizer a todos os leitores e – mais - , que tem muito o que
ensinar a outros poetas”, considera Amador Ribeiro Neto (2001, p. 21).
Dessa forma, deleito-me com a leitura dos livros Luz de Musgo e Pirilampo,
apresentados durante a disciplina Teoria do Texto Poético, ministrada pelo professor Dr.
Amador Ribeiro Neto, no semestre 2010.1, pelo Programa de Pós-Graduação em Letras,
da Universidade Federal da Paraíba. Arrisco-me, diante de sua beleza poética a
selecionar dois haicais dos cinquenta e um que compõem Pirilampo, e dois dos trinta e
três que forma Luz de Musgo, e apresentar uma breve leitura, tecendo comentários
sobre alguns elementos representados pelas ambiguidades das imagens iconizadas
nesses haicais.
2. Vozes da infância em haicais de Saulo Mendonça
As abordagens aqui trazidas pedem uma delimitação, uma vez que há uma
diversidade de temas abrasileirados ao modo de Saulo Mendonça, acentuando sons e
cores aos sentimentos rememorados. Sem critério de seleção, a princípio, inicio pelo
haicai de número catorze, de Pirilampo, com ênfase às vozes da infância, o que não
determina um tema, mas que dialoga com o universo da criança e suas memórias.
O efeito nostálgico dado pelo Eu do poema me emociona enquanto leitor, e me
traz recordações sentimentais da imagem da figura paterna, seja do pai ou do avô, o que
não me impede de olhar às construções poéticas da infância trazidas pelos haicais de
Saulo Mendonça. Tudo isso nos convida a entender os movimentos da infância, onde
antíteses promovem adentrar ao universo, ora inocente, ora reflexivo; os quais norteiam
o leitor e a existências de universos paralelos, como se tratasse de dois planos e esferas,
como observa-se:
Noite fria e escura.
Na memória, acendo
o candeeiro de meu pai.
O poema rememora a saudade. No primeiro verso dá ideia de finalização,
término, através da palavra noite, processo naturalizado pelo tempo, ou seja, a noite que
conclui, que finaliza um ciclo de um dia, ou de um período. Em algumas culturas, a
noite remete à morte, pois o dia implica vida e luz, e a ausência dessa luz implica morte.
Quando acrescida ao adjetivo “fria”, observa-se, implicitamente, a estação do inverno,
que remete à dormência das estações e, em alguns casos, metaforiza o fim da vida ou a
passagem a outro estágio de vivência.
O adjetivo “escura” conclui a referência de passagem a um novo estado de
permanência. Remete à ausência de luz, que representa a vida. Outra possibilidade é de
que a memória esteja adormecida, e com a noite fria e escura os flashes do passado
venham à tona, a lembrança do pai retorne à mente e permeie o pensamento do eu
poético. A luz do candeeiro representa o retorno da memória a uma experiência do
passado.
As lembranças são, assim, reacendidas quando a noite fria e escura remete à
imagem do candeeiro de seu pai. A memória afetiva parte de um estímulo concreto e
presente espiralado, traz à tona o sentimento de saudade ou materializa uma ausência.
Contudo, não temos uma memória de infância inocente, mas que dialoga por esse
distanciamento proposto com a vida adulta, ou seja, há um entrelaçamento de
dualidades temporais, o que nos faz pensar na possibilidade de transição, fitando pela
memória acontecimentos que marcaram a infância, mas que projetou um sujeito com
memória quase sempre afetiva.
É assim, na arte do haicai, que a concisão da linguagem torna-se um artefato do
poeta para nos dizer algo indizível, ou ainda revelar toda a transcendência do verbo,
possibilitada pela palavra poética. Essa transcendência encontra-se no poema dedicado a
José Di Lorenzo Serpa, contido em Luz de Musgo.
Na casa do meu avô
o tempo era longo.
A noite chegava devagarinho.
Nesses versos, a reflexão à lentidão, ao aproveitamento das experiências de
modo muito proveitoso. Mas remete intensamente à memória, como no haicai
apresentado anteriormente. Daí, observamos a conexão entre os dois poemas, marcados
pela memória, que estabelece pela temporalidade dos fatos, nos quais velocidade e
lentidão se completam.
Em “Na casa do meu avô/o tempo era longo”, observa-se a intensidade dos
momentos vividos e do quanto fortuitos e especiais eram na representação da memória
do eu poético. O sentimento de saudade e a lembrança estão fortemente marcados no
último verso: “A noite chegava devagarinho”, ou seja, o fim das experiências e dos
sentimentos afetivos demorava-se. Porém, não se apresentam enquanto queixa,
angústias, mas como fio condutor entre a memória e o tempo, o que nos faz pensar na
possibilidade da existência da casa como espaço que constrói as lembranças do sujeito,
que no poema, materializa-se como eu poético. Ainda da coletânea Luz de Musgo,
destaco o haicai:
Aviõezinhos decolando ao léu...
Levaram meu jogo de bila
e meus sonhos de papel.
O terceto acima me conduz a uma viagem ao poema de Manuel Bandeira,
Balõezinhos, que tematiza a infância através de objetos com detalhes arredondados,
todos ambientados na feira. A ideia de ambiente aberto esta presente no poema de
Saulo, uma vez que para brincar com aviõezinhos e bila é preciso um espaço amplo, o
que nos remete a uma área aberta, podendo ser rural ou não, onde o eu poético tenha
passado a infância. Tal fusão projeta o sonho, tanto pelo colorido quanto pelo formato
arredondado da bila, na qual funde cores e que estão, intrinsicamente, relacionadas à
construção e vivência das crianças.
A propósito, refletir a infância parte da fresta do acaso, do simples fato de ser
criança e não ter compromisso, responsabilidade. O decolar dos “aviõezinhos”
possivelmente remeteria à brincadeira de criança e esta desencadearia as lembranças da
infância, quando “aviõezinhos” são objetos que projetam barulho, no universo infantil
podem ser provocados pelos sons da boa e feitos de papel.
Nessa perspectiva, os sonhos são metaforizados pelos sons, de modo que
remetem a uma realidade fria e quente, antagonicamente conectados à infância, mais
uma vez faz ponte com algo que está no passado do eu poético e do qual ele sente
saudades. Importante acrescentar que essa projeção vai além, já que o imaginário
infantojuvenil permite infinitas possibilidades e alcances.
A rima entre o primeiro e o terceiro versos reforça o elo que há desde a
brincadeira à sua fragmentação, ou seja, a vivência na época da infância e as
circunstâncias da mudança de estágio, que muitas vezes provocam distanciamento entre
as realidades, metaforizado pela saudade. Outro aspecto a considerar é a ambiguidade
do vocábulo “papel”, que tanto poder dar forma ao avião da infância como a algo frágil,
passageiro, matéria que facilmente se dilui, ao contrário da “bila”, feita de material
rígido e de tamanho pequeno que pode representar dureza, resistência, ou ainda a
interface de fortaleza e sensibilidade.
A referência à infância é recorrente em outro poema de Saulo, situado na página
42 de Pirilampo. E, segundo o autor, é dedicado “A todas as crianças que, sozinhas,
abastecidas de pureza, fazem da boca um mini motor nos seus momentos plásticos”.
Menino brincando sozinho.
Ouve-se apenas
a zuadinha do seu carro.
Permeado por uma inocência sábia, o menino figurativiza o barulho do motor do
carro com a boca. Sem espectadores, monta seu próprio palco, constrói companhias,
elimina a solidão. A delicadeza não é perdida. Seu canto é composto de paz,
sensibilidade, harmonia, e seu “motorzinho” traduz a felicidade sentida. É possível notar
que os sons, os barulhos estão ligados ao universo infantil como elemento indissociável
à sua existência, o que faz crer no paralelismo que se constrói à memória de cada sujeito
poético nos haicais.
Há ou parece haver uma falsa solidão no “sozinho” do primeiro verso. É
possível reconhecer o imaginário do “menino”, que recria o brincar, estabelece
companhia a partir da “zuadinha” de seu carro, aspecto sonoro que não está
necessariamente ligado ao motor do carro, mas ao efeito motorizado produzido pela
boca.
O aspecto sonoro surge como imagem que ressignifica o poema, mas que
complementa o campo semântico, isto é, oferece ao leitor possibilidades de
compreender o universo construído pelo “personagem” do poema. Tal universo é
metáfora de vida, seja ela interna ou externa, que relaciona o ser criança com suas
descobertas e memórias perpassadas pelo tempo.
Sobre a memória que perpassa o tempo, é possível notar seus efeitos pelas
imagens do poema que se articula pelo encadeamento sintático e semântico, de modo
que os versos me levam ao sentido, ou a possibilidade desse sentido. Esse efeito é
coadunando entre o efeito do “brincar” com sua construção do movimento do carro e
seu barulho que leva o leitor-ouvinte à construção de território infantil, e ao mesmo
tempo uma racionalidade adulta.
O momento emoldura uma cena que permanece na memória afetiva, aquela que
o tempo não rouba, não corrompe, não destrói. Apenas adormece, e só. Basta uma
viagem no tempo para reviver acontecimentos puros. As lembranças permitem retorno
ao túnel do tempo pela memória fotográfica, o que restaura o presente pela sonoridade
produzida na boca inocente da criança.
Em sua brincadeira solitária ainda é possível reconhecer que a criança do poema,
mesmo brincando sozinha não é caracterizada pela dor da solidão. Transforma o
sentimento de solidão em ocasião memorável, que posteriormente pode servir de
recordação de um momento feliz, o qual ocasionado na infância que não foi esquecido.
A ressignificação de momentos da infância é possível pela organização da
vivência trazida pelo poema, bem como as aproximações entre o sujeito e o objeto,
neste caso, o carro. Sendo o carro metáfora de condução da mensagem, vale destacar
que os efeitos sonoros mostram que o sonho e sua realização dependem dessa
continuidade de trajeto.
Diante de cantos populares, literatura clássica e as inovações abrasileiradas da
poesia japonesa, a presença de Saulo Mendonça no cenário dos haicais é, sem dúvida,
marcada pela harmoniosa combinação da reflexão, do domínio da linguagem poética e
das possibilidades das vivências. Dessa foram, se temos Maiakovski como um dos
maiores poetas do mundo, considero Saulo Mendonça como um brasileiro mais
representativo dos haicais, pois sabe temperar a técnica japonesa com ingredientes
nacionais, configurando o haicai com uma sacada brasileira.
3. Considerações finais
Revisitar a poesia é algo que urge, em todos os espaços sociais, inclusive nas
instituições de ensino, sejam elas do segmento Fundamental, Médio ou Superior . No
entanto, essa é uma prática pouco comum, o que não impede que a poesia comece a ser
olhada, de fato. E foi com essa premissa que escolhi pesquisar a poesia, a começar pelo
gosto pessoal, por ter sido apresentado aos sons dos versos e da viola, e querido buscar
mais e mais.
Nessa busca pela harmonia entre sons, signos, versos, estrofes, a poesia se
constrói e não se limita apenas aos territórios demarcados pela forma tradicional, mas
alcança novos espaços, uns navegados e outros aguardando por novos olhares. Diante
disso, nosso foco neste trabalho foi observar os sons, os movimentos que retratam a
infância em haicais de Saulo Mendonça, os quais dizem muito quando olhamos para
eles, promovendo o pensar do leitor.
Enquanto leitor investigo como a infância é projetada em seus versos,
principalmente como a memória é trazida, e como esse sujeito da memória desnuda-se
para revelar suas lembranças, sonhos, entre outros. Tais aspectos permitem que o espaço
da criança seja adentrado, sem descartar os resquícios da memória adulta, que por vezes
se projeta diante do leitor.
A projeção desse leitor e dessa memória permite aos interlocutores maior
compreensão dos objetos da infância, ou aspectos dessa fase, que metaforizam a
existência, bem como a subjetividade proposta pelos sonhos. As cores, os sons, os
arredondamentos são aspectos que destacam a existência da criança, além de projetarem
suas vidas adultas, no caso dos poemas de Saulo Mendonça, na figura do pai, do avô.
As metáforas, as ambiguidades, na verdade, revelam as possíveis nuanças da
infância, principalmente em contextos lúdicos, em que o brincar figurativiza o sujeito
em seus espaços, sejam eles concretos ou da memória, que podem ser imaginados ou
recriados a partir de suas vivências.
As ambivalências são fatores que ajudam o leitor de Saulo Mendonça
compreender que seus haicais não são projeções da poesia japonesa, mas, que recriam a
partir dela seus universos, vividos ou não. De fato, a sacada é considerada brasileira em
torno de seus haicais, considerando que elementos são acrescentados, além daqueles que
convencionam a arte dessa poesia. Saulo Mendonça vai além da metrificação silábica,
ele estabelece com o leitor através de sentimentos do cotidiano e projeção de nuanças
que são possíveis, a partir de sua observação criteriosa ou não.
Nessa perspectiva, é possível considerar que a arte de fazer poesia em forma de
haicais torna o paraibano Saulo Mendonça um representante desse gênero pouco
praticado, mas, que pelo caráter condensado expressa questões intrínsecas ao poeta e ao
leitor, evidenciando questões de ordem simples, sem ser simplória, do universo rural
que alcança o urbano ou vice e versa.
Dessa forma, conclui-se que os haicais de Saulo Mendonça vão muito além da
desconstrução formal, ganha ingredientes brasileiros e o jeito Saulo de mapeamento
poético, mantendo a simplicidade, revelando múltiplos sentidos, que só mesmo um
leitor atendo pode perceber. Além, é claro, de ser convite a mais leitores ao universo da
poesia, em que a concisão pode sim, revelar novas possibilidades dos universos
humanos.
4. Referências
FRANCHETTI, Paulo. Haikai – antologia e história. São Paulo: Editora da Unicamp,
1990.
GUTILLA, Rodoldo Witzig. (Org). Haicai. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
MENDONÇA, Saulo. Luz de Musgo. João Pessoa: Sal da Terra Editora, 2008.
______ . Pirilampo. João Pessoa: Sal da Terra Editora, 2008.
RIBEIRO NETO, Amador. Suplemento cultural do Jornal A União. João Pessoa,
2001.
______. Suplemento cultural do Jornal A União. João Pessoa, 2001.
O GÊNERO CORDEL NUMA PERSPECTIVA EDUCATIVO-CULTURAL
BEZERRA, Haiany Larisa Leôncio7 - UEPB
¹Graduanda do curso de Letras, habilitação Língua Portuguesa. E-mail: haianyleoncio@hotmail.com
²Graduanda do curso de Letras, habilitação Língua Portuguesa. E-mail: goretteandrade1@hotmail.com
³Mestra em Letras, Área de Concentração Linguagem e Ensino, UFPB. E-mail:
maglianarodrigues@hotmail.com
SILVA, Maria Gorette Andrade8 - UEPB
SILVA, Magliana Rodrigues da9 - UEPB
RESUMO: O presente artigo pretende discutir a relevância de práticas inovadoras no
âmbito educacional da escola pública, em especial, no que diz respeito à valorização de
aspectos culturais envoltos no contexto social dos alunos. Considerando as experiências
adquiridas por meio do projeto Base Artística e Reflexiva - B.A.R., apoiado pelo
Programa Institucional de Iniciação à Docência - PIBID, objetivamos promover o
contato dos alunos do ensino médio da Escola Assis Chateaubriand, em Campina
Grande - Paraíba, com as mais diversificadas atividades, apresentando meios didáticos,
que se tornem favoráveis no processo de ensino/aprendizagem dos mesmos. Sabendo-se
da dimensão cultural do gênero textual cordel, desenvolvemos procedimentos
metodológicos voltados para a abordagem do referido gênero, enfatizando a cultura
popular nordestina como temática principal, a fim de promover a sua valorização.
Pretendemos, ainda, discutir sobre o caráter educativo do cordel, apresentando os efeitos
da sua abordagem sobre os educandos. Durante a realização das aulas, contamos com
alguns meios tecnológicos como computador e data show, para a exibição de filmes,
vídeos e slides acerca do gênero e da temática em estudo, além da utilização de
módulos. Pudemos verificar, a partir da interação dos alunos, bem como de atividades
em grupos, que a leitura de um texto com sonoridade, o contato direto com a arte
ilustrativa dos folhetos de cordel, a musicalidade dos versos, o humor e as diversas
temáticas abordadas, além de proporcionar momentos de fruição, é também um
estímulo ao poder argumentativo, despertando a sensibilidade, a criticidade e a
criatividade dos alunos. Para tanto, utilizamos como embasamento teórico, os
documentos oficiais, teóricos como Marcuschi (2008) e pesquisadores como Arantes
(2007), Ayala (2011), Marinho e Pinheiro (2012) e Luyten (1983).
PALAVRAS-CHAVE: Práticas inovadoras. Escola pública. Cultura popular
nordestina. Gênero textual cordel.
1. Introdução
Sabendo-se da relevância da educação na sociedade, é mister discutir acerca de
aspectos envoltos no processo de ensino/aprendizagem, em especial, de língua
portuguesa. No que se refere às práticas escolares, faz-se necessário a busca constante
de inovações, uma vez que o público é heterogêneo e diversificado. Os PCN (1997, p.
30) apontam que a escola tem o papel de "viabilizar o acesso do aluno ao universo dos
textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los", o que implica
dizer que o professor enquanto mediador, deve procurar inserir os alunos nessa
diversidade de textos e de gêneros existentes. Em vista disso, as OCEM (2006)
enfatizam a relevância dos estudos sobre a produção de sentido em práticas orais e
escritas, considerando as situações de interação, i. e., as formas pelas quais se dão a
produção, a recepção e a circulação de sentidos. Entende-se, assim, que desenvolver nos
alunos um trabalho diferenciado, pode ser uma estratégia favorável, uma vez que a
construção de sentidos envolve diferentes textos e contextos.
Nessa perspectiva, promover a interação entre arte e língua portuguesa, torna-
se relevante, uma vez que a língua e seus aspectos sociais estão interligados e, por
conseguinte, repletos de significação. O projeto Base Artística e Reflexiva - B.A.R.,
com o apoio do Programa Institucional de Iniciação à Docência - PIBID, promovido
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e, em
parceria com a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Assis Chateaubriand,
localizada em Campina Grande - Paraíba, procura desenvolver atividades em que os
alunos possam aprender de maneira diferenciada e lúdica, a riqueza e a dinâmica da
língua. O projeto B.A.R. é desenvolvido em horário oposto ao habitual, não
comprometendo o rendimento dos alunos, mas, sobretudo, ampliando suas percepções
com o intuito de contribuir para o melhor desenvolvimento dos mesmos.
Dentre os objetivos do PIBID, destaca-se o incentivo à formação de
professores para a educação básica; a elevação da qualidade da escola pública; a
valorização do magistério e elevação da qualidade das ações acadêmicas, bem como a
possibilidade de inserção do licenciando no cotidiano escolar da rede pública,
proporcionando experiências, a partir de atividades de caráter inovador.
Neste artigo, procuraremos relatar nossas experiências com alunos do 1º A e B
do ensino médio, a partir de atividades relativas ao gênero textual cordel, com o intuito
de apresentar o caráter cultural e educativo do mesmo. Além disso, pretendemos enfocar
a relevância do resgate da cultura popular nordestina para o contexto dos alunos,
buscando a valorização de uma cultura tão rica, mas que ainda sofre certos tipos de
preconceito. E, sobre esse aspecto, no que se refere à pluralidade cultural, os PCN
(1997) vão dizer que a escola deve levar o aluno a reconhecer as qualidades da própria
cultura, valorando-as criticamente. Desta feita, ao longo deste trabalho, refletiremos
acerca da literatura de cordel enquanto um meio que envolve a valorização de aspectos
culturais e que contribuem para o desenvolvimento do estudante, através de seu caráter
educativo. De acordo com as OCEM (2006, p. 32) espera-se que o aluno do ensino
médio possa "conviver, de forma não só crítica mas também lúdica, com situações de
produção e leitura de textos, atualizados em diferentes suportes e sistemas de linguagem
– escrito, oral, imagético, digital, etc." Após tais reflexões, detalharemos nossa prática
escolar, a partir das atividades desenvolvidas no mês de maio de 2013.
2. Literatura de Cordel: cultura, valorização e educação
De acordo com Arantes (2007) a cultura está longe de ser um conceito bem
definido, na realidade, ela independe de saber ler e escrever, pelo fato de carregar
consigo características próprias, originais, interativas, dinâmicas, que são criadas e
recriadas pelo ser humano. Nesse sentido, é preciso resgatar os aspectos culturais para o
contexto escolar, compreendendo e fazendo com que os alunos percebam a verdadeira
dimensão e riqueza da cultura da qual fazem parte. E foi pensando nessa dimensão
cultural que, ao trabalharmos o gênero cordel em sala de aula, elencamos como temática
principal, a cultura popular nordestina, na expectativa de mostrar aos alunos o mérito da
sabedoria popular e o quanto é relevante reconhecer a sua própria identidade.
Ao falar em literatura de cordel, associa-se de imediato à oralidade. De fato,
inicialmente, as histórias, fatos e notícias, eram divulgadas nas cidades de interior, ora
cantadas, oras declamadas pelos cancioneiros e menestréis. Assim, além de lúdico, o
cordel era fonte de informação para a sociedade da época e, posteriormente impresso,
não perdeu sua importância oral. Compreende-se, com isso, que a arte envolta nos
folhetos de cordel consiste em uma forma de conhecimento que produz conteúdos
importantes para serem inseridos no espaço escolar, como instrumentos de
aprendizagem em sala de aula. A expressão “Literatura de Cordel”, segundo Marinho e
Pinheiro (2012), foi inicialmente empregada em Portugal, ao trabalho desenvolvido em
folhetos impressos em papel barato, presos por um cordel ou barbante e vendidos em
feiras, praças e mercados. No Brasil, a literatura de cordel surge por intermédio dos
colonizadores, instalando-se na Bahia e nos demais estados do Nordeste, onde
encontrou um terreno propício para tais manifestações de arte. Interessantemente,
Luyten (1983) nos diz que, por ser popular, a riqueza dessa literatura mostra a
verdadeira situação do homem do povo, ultrapassando sua finalidade inicial de
informar, expondo o cotidiano como arte, manifestando a importância do imaginário
popular e de seus poetas. A musicalidade presente no cordel, prende a atenção e instiga
em quem escuta o desejo de permanecer atento ao seu desfecho final que, geralmente,
apresenta um teor humorístico e divertido. E sobre esse aspecto, Ayala (2011, p. 110)
vai dizer que os declamadores, utilizam em seu repertório, composições próprias ou de
outros compositores.
Neste caso, há uma especialidade a mais: a declamação, com
estratégias que mantêm os ouvintes atentos. Além de decorar os
poemas, muitas vezes longos, deve saber apresentá-los bem
oralmente, dramatizando-os e dirigindo as emoções da plateia,
que se comove e delira diante dos bons declamadores. O sucesso
é tão grande quanto o dos poemas narrativos de folhetos e dos
versos dos repentistas.
Nos folhetos, os cordelistas produzem saberes, a partir de suas próprias leituras
da realidade, bem como de seu cotidiano. No que se refere à linguagem, o cordel
apresenta um forte traço regional, utilizando gírias e expressões típicas de cada contexto
social. Além de encantar, promove a criatividade, a sensibilidade, a vivência de
experiências de vida, enfim, o aprender de forma prazerosa. Em sua construção
contempla aspectos como a argumentação, proposta nas pelejas, aprofundando os
conhecimentos em torno do tema e contribuindo para a formação de um indivíduo
autônomo e consciente. Contudo, ao falar em literatura de cordel não se pode deixar de
destacar a arte da xilogravura, que embora seja um trabalho independente do cordel, é
frequentemente utilizada para ilustrar as capas dos folhetos. A xilogravura (gravura em
madeira), trata-se de uma técnica antiga, de origem chinesa, em que o artesão utiliza um
pedaço de madeira para entalhar um desenho, utilizando uma tinta específica para pintar
a parte em relevo do desenho, ao final do processo, é utilizada um tipo de prensa para
que a imagem do papel seja revelada.
Outro aspecto relevante que deve ser explorado no contexto escolar, em
consonância com a literatura de cordel, trata-se da variação linguística, uma das
características do gênero, que emprega os falares do cotidiano, constituindo-se uma
linguagem permeada de significação poética. Não há, portanto, como dissociar a
variedade linguística do gênero textual cordel, pois, a substituição desses traços de
oralidade, descaracterizaria o gênero. Espera-se que o professor aborde essa questão,
mostrando a relevância da adequação da linguagem, considerando o contexto social,
bem como a finalidade de determinados discursos e gêneros textuais.
Os documentos oficiais defendem que as manifestações culturais devem ser
inseridas no âmbito escolar, compreendendo-se que cada gênero textual possui
características particulares e vincula ao texto especificidades próprias deste. Sabendo-se
da importância de tais gêneros no processo de ensino/aprendizagem, não há como
distanciar o gênero do contexto social em que está inserido. Conforme nos diz
Marcuschi (2008, p. 149), "o trato dos gêneros diz respeito ao trato da língua em seu
cotidiano nas mais diversas formas".
3. Relato de uma experiência educativo-cultural
Sabendo-se da dimensão cultural da literatura de cordel, especialmente na
região Nordeste, é interessante resgatar a sua riqueza para o contexto escolar e social do
público escolar, na expectativa de quebrar as barreiras do preconceito, a começar pelos
próprios alunos, como integrantes dessa rica cultura. Nesse sentido, o projeto Base
Artística e Reflexiva, com o intuito de mostrar a dinamicidade da língua e resgatar
aspectos representativos do universo social dos alunos, procura integrá-los em
atividades não muito comuns no cotidiano escolar. Para tanto, dentre tantos gêneros
significativos, elencamos a Literatura de cordel para trabalhar em sala de aula,
objetivando mostrar aos alunos a relevância do cordel, promovendo a valorização da
cultura popular nordestina e evidenciando as variações linguísticas, especialmente do
Nordeste.
Os procedimentos metodológicos utilizados ao decorrer das aulas,
contemplaram oito encontros, os quais procuraremos descrever ao longo deste trabalho.
Iniciamos nossas atividades com a finalidade de aproximar os educandos da sonoridade
típica do cordel, que o torna tão significativo. Assim, com o intuito de despertar
previamente a criatividade dos alunos, realizamos uma dinâmica que consistia em
escolher três palavras em uma roleta e, a partir destas, elaborar um pequeno texto
rimado para, em seguida, haver a socialização. Esta atividade foi bastante divertida e
proveitosa, uma vez que surgiram belas histórias rimadas. Num segundo momento,
fazendo uso da tecnologia disponível na escola, exibimos através do data show, as
animações “Cabra da peste”, de Patativa do Assaré; “O rico e o pobre”, de Caju e
Castanha e “O matuto no cinema”, de Jessier Quirino, declamados pelos próprios
poetas. Tais vídeos contribuíram para a percepção musical e rimada do cordel, bem
como para a percepção das diferenças e semelhanças existentes entre a embolada, o
repente e a literatura de cordel.
Após apresentarmos a sonoridade tão importante e perceptível no cordel, no
segundo encontro, promovemos o contato direto com o gênero, a partir das obras “A
chave do cadeado”, de Antônio Travassos que, inclusive, é da cidade de Campina
Grande; “A peleja da carta com o e-mail” e “A mulher que vendeu o marido por R$
1,99”, ambos de Janduhi Dantas. Os alunos foram orientados a fazer a leitura individual
dos textos e, após esse momento, dividimos a turma em três grandes grupos para que,
através da leitura oral e interpretativa, houvesse a compreensão das diferenças sonoras e
a percepção de um trabalho incomum com a palavra, conforme a imagem 1. Através da
socialização, os alunos puderam expor a temática presente nos cordéis, tecendo
comentários acerca da forma como o poeta abordou a questão, percebendo a mensagem
envolta em cada cordel.
Foto 1 - Alunos fazendo a leitura em grupos
Fonte: Fotos do autor
Sabendo-se da dinamicidade da língua e o quanto ela sofre mudanças e
variações ao longo do tempo, iniciamos a terceira aula com uma leitura atenta e
silenciosa do texto "Antigamente", de Carlos Drummond de Andrade. De imediato, o
texto causou estranheza nos alunos em relação à linguagem presente no mesmo. A partir
disso, discutimos com os alunos acerca da linguagem utilizada no referido texto, bem
como o uso das diversas expressões, tentando descobrir pelo contexto os seus
respectivos significados. Em seguida, adentrando nas variações linguísticas do
Nordeste, apresentamos o "Dicionário Paraibês" e a "Anatomia nordestina", contidos no
módulo, discutindo a linguagem presente em cada um. Após isso, solicitamos aos
alunos que eles produzissem o próprio dicionário paraibês. Esta atividade foi dinâmica e
proveitosa, uma vez que os alunos puderam comparar a linguagem dos textos
apresentados e resgatar do seu contexto social diversas expressões representativas da
nossa cultura.
Na expectativa de aprofundarmos sobre a variação linguística, no quarto
encontro, utilizamos slides para mostrar o dinamismo da língua e como ela varia,
dependendo da época, região ou grupo social de cada falante, exemplificando com um
personagem popular presente nas mídias sociais, trata-se do "Bode Gaiato" que
representa bem as falas do cotidiano. A partir disso, enfocamos a linguagem presente na
literatura de cordel, própria do gênero, enfocando a história e as características da
mesma, mostrando sua origem e sua importância para a cultura popular, destacando a
estrutura e a organização das rimas no gênero.
Na quinta aula, assistimos ao filme “Lisbela e o prisioneiro”, dirigido por Guel
Arraes, para que os alunos percebessem na fala dos personagens expressões típicas do
Nordeste, como também algumas expressões paulistas retratadas pelo personagem
“Douglas”, um pernambucano com sotaque carioca. Interessantemente, enquanto
assistiam ao filme, os alunos iam identificando as expressões e os sotaques dos
personagens.
Com a finalidade de proporcionar aos alunos uma proximidade maior com a
belíssima arte da xilogravura, no sexto encontro, recebemos a visita do xilógrafo
Arnilson Montenegro (imagem 2), o qual fez uma oficina de xilogravura com os alunos,
falando sobre a técnica utilizada, sua experiência na área e sobre a importância dessa
técnica no Cordel. Os alunos tiveram a oportunidade de imprimir várias xilogravuras, a
partir das matrizes do artista, para servirem de base para suas futuras produções (ver
imagem 3). Entusiasmados, os alunos declamaram poemas e todos se envolveram, com
um sentimento de valorização daquilo que é essencialmente nosso.
Foto 2 - Arnilson Montenegro Foto 3 - Matrizes para a XILO
Fonte: Fotos do autor Fonte: Fotos do autor
Considerando o sucesso da oficina de xilogravura na aula anterior, iniciamos o
sétimo encontro relembrando a estrutura do cordel para que, em seguida, os alunos
produzissem os seus próprios cordéis. Para tanto, a história contida nas suas produções,
deveria estar de acordo com a xilogravura produzida anteriormente (Confere imagem 4).
Com o intuito de incentivá-los, ainda mais, elaboramos um enunciado em forma de
cordel (Ver tabela 1), contendo todas as informações para a produção, como também,
para que eles percebessem com mais clareza, a estrutura, a sonoridade, a organização
das ideias, bem como a distribuição das rimas. Partimos do pressuposto de que não
basta, simplesmente, dizer ao aluno Faça mas, subsidiá-lo, a fim de que a produção de
determinada atividade não se torne, apenas, uma obrigação.
Foto 4 - Alunos produzindo o cordel com base na xilogravura escolhida
Fonte: Fotos do autor
Tabela 1 - Enunciado em forma de cordel para elaboração dos cordéis dos alunos
AGORA É SUA VEZ!
Já vimos que nossa cultura
É repleta de riqueza
E a literatura de cordel
É nosso orgulho com certeza
Tem linguagem popular
Que é nossa por natureza.
Agora que você já entrou
Nesse mundo do cordel
Já riu e se divertiu
pegue caneta e papel
Ta na hora de criar
O seu folheto de cordel.
Pense num fato engraçado
Numa história bem legal
Qualquer tema vira assunto
E pode ser sensacional
Faça um cordel bem bacana
Para mostrar pro pessoal.
Se juntem agora em duplas
Pra situação melhorar
E vão logo já pensando
No que vão apresentar
Turmas de primeiro ano:
Esse negócio vai é bombar!
E para finalizar
Fique agora bem contente
Dê um nome ao seu cordel
E uma xilogravura invente
Boa sorte pra vocês
Mãos à obra e sigam em frente!
Fonte: Produzido por Gorette Andrade/Bolsista
Em nosso último encontro, realizamos o Sarau do B. A. R.. Para tanto, fizemos
uma exposição dos cordéis dos alunos, devidamente digitados, dispostos em um
barbante, para que cada um procurasse e declamasse o seu respectivo cordel, conforme
mostram as imagens 5, 6 e 7. As temáticas foram variadas, surgiram histórias de
aventuras, humorísticas, de amor, bem como histórias fantasiosas. Através desse gênero
tão rico, os alunos puderam adentrar e vivenciar a composição dos folhetos, percebendo
a literatura de cordel como uma manifestação genuinamente nordestina.
Foto 5 - Os cordéis produzidos pelos alunos
Fonte: Fotos do autor
Foto 6 - O aluno Felipe declamando seu cordel
Fonte: Fotos do autor
Foto 6 - Aluna declamando seu cordel
Fonte: Fotos do autor
3. Considerações finais
Partindo do pressuposto de que existe uma amplitude de textos e gêneros na
sociedade, vale ressaltar o trabalho com essa diversidade textual em sala de aula, uma
vez que o papel da escola, dentre outros aspectos, é formar cidadãos críticos diante de
situações comunicativas diversificadas. Assim sendo, procuramos trazer para o contexto
escolar o gênero textual cordel, em sua abordagem funcional e literária. A inovação de
práticas escolares, não raras vezes, tem sido alvo de reflexões, espera-se que os
professores busquem aprimorar seus métodos e que tais inovações possam refletir no
desenvolvimento dos alunos. Nesse sentido, numa perspectiva educativo-cultural,
procuramos desenvolver juntamente com os educandos, a importância da cultura
popular nordestina, a partir de um dos gêneros mais representativos da mesma.
No decorrer das atividades, verificamos a receptividade dos alunos, mediante a
frequência satisfatória e participação nas discussões abordadas em sala. Verificamos,
assim, a partir da interação dos alunos, bem como de atividades em grupos, que a leitura
de um texto com sonoridade diferente da habitual, o contato direto com a arte ilustrativa
dos folhetos de cordel, a musicalidade dos versos, o humor e as diversas temáticas
abordadas, além de proporcionar momentos de fruição, é também um estímulo ao poder
argumentativo, despertando a sensibilidade, a criticidade e a criatividade dos alunos. A
proposta de inserir a arte ao ensino de língua portuguesa, permite que o aluno possa
enxergar a arte em textos e conteúdos, aparentemente, não atrativos.
A partir do trabalho com a literatura de cordel, esperamos que os próprios
alunos se reconheçam como produtores de sua cultura e valorizadores de suas raízes.
4. Referências Bibliográficas
ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 2007.
AYALA, Maria Ignez Novais. Aprendendo a aprender a cultura popular. In: Pesquisa
em Literatura. PINHEIRO, Hélder (org.). 2. ed. Campina Grande: Bagagem, 2011, p.
95-131.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. In:
Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua portuguesa. Brasília: Ministério de
Educação, 1997.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. In: Parâmetros
Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília: MEC/ SEF,
1997.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Conhecimentos de
língua portuguesa. In:Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens,
códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério de Educação, 2006.
LUYTEN, Joseph M. O que é literatura popular. São Paulo: Brasiliense 2° edição.
1983.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão.
São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MARINHO, Ana Cristina. PINHEIRO, Hélder. O cordel no cotidiano escolar. Editora
Cortez. 1° edição. São Paulo, 2012.
RELAÇÕES ENTRE ENSINO E ESCOLARIZAÇÃO LITERÁRIA:
A FUNÇÃO ESTÉTICA NA LITERATURA INFANTIL
Viviane Sulpino da SILVA10
(UEPB/MFP)
Rosilda Alves BEZERRA 11
(UEPB/MFP)
RESUMO: O presente trabalho busca evidenciar a relevância da função estética na
literatura infantil para a formação humanística, problematizando as relações entre
ensino e escolarização literária. Objetiva-se, desse modo, contribuir para a formação
docente e a prática pedagógica valorizando a função estética literária para reelaboração
de conceitos. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo e exploratório executada
numa escola pública municipal, constituindo-se nosso campo de estudo. Os
colaboradores são os alunos, professores alfabetizadores e a equipe técnica escolar. Os
registros em diário de campo, fichamentos de livros relacionados à temática, entrevistas
e as produções das crianças constituem instrumentos de coleta de dados. A perspectiva
de análise desses dados é descritivo-qualitativa baseada na teoria da Estética da
Recepção. Os principais teóricos que embasam esse estudo são: Compagnon (2010),
Zilberman (1985; 1987; 1989), Jauss (1994), Saraiva (2001), Soares (2003) e Cosson
(2003; 2006). A comunicação de opiniões e ideias a respeito da temática propicia a
interação dialógica entre autor, leitor e texto mediada por discussões coletivas que
fomentam a escrita do texto de opinião. Os resultados iniciais das análises evidenciam
que as reflexões produzidas pelas leituras possibilitam gerar aprendizagem e novos
significados desvelados e problematizados pela ruptura do horizonte de expectativas das
crianças. Constatamos ainda que a interação e a mediação facilitam a prospecção, ou
seja, a reformulação das expectativas pela apresentação de novas perspectivas.
PALAVRAS CHAVE: Literatura infantil; Estética da Recepção; formação
humanística.
1. Introdução
10 Professora da rede municipal de Campina Grande, PB; Aluna do Mestrado Profissional em Formação
de professores pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). 11 Professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade da Universidade
Estadual da Paraíba. Atualmente leciona e coordena o Profletras (Programa de Mestrado Profissional em
Letras) no Centro de Humanidades. É orientadora da referida pesquisa para conclusão do mestrado
profissional de que trata esse artigo ( Mestrado Profissional Formação de Professores, na UEPB,
CEDUC).
A literatura infantil atrai a criança enquanto recurso pedagógico e estético.
Como objeto cultural desperta nossa preferência, e considerando ainda suas
potencialidades para formação humanística, temos motivos suficientes para eleger o
texto literário como motivador e facilitador da aprendizagem. Se fôssemos elencar todas
as possibilidades advindas do uso da literatura na educação, esse espaço seria
insuficiente.
Ao observarmos as metodologias utilizadas por colegas docentes no trabalho
com texto literário, constatamos pouca diversificação metodológica, assim como a
repetição de técnicas e estratégias didáticas no cotidiano escolar. A ilustração da
história, o preenchimento de fichas com dados sobre o livro, o trabalho com ortografia e
gramática envolvendo palavras ou trechos da história, são exemplos de atividades que
constam entre as práticas didáticas recorrentes. A partir dessas observações sentimos a
necessidade de ampliar nossos conhecimentos sobre as potencialidades da literatura
infantil para a aprendizagem, com foco na estética como elemento propiciador da
formação humanística. Buscamos ainda descobrir novas formas de trabalhar o texto
literário em sala de aula, cujo resultado seja a abordagem mais densa da história
possibilitando a percepção do que não está escrito e conduzir o ouvinte/leitor a
relacionar a temática ao seu cotidiano ampliando o conhecimento das relações humanas
no seu entorno social.
O referido artigo traz um recorte do aporte teórico e da experiência prática, parte
das etapas da pesquisa qualitativa e exploratória executada para conclusão do Mestrado
Profissional em Formação de Professores (UEPB), intitulada A literatura infantil e a
formação humanística no cotidiano da sala de aula.
Pretendemos responder a seguinte questão: como fomentar o letramento
literário, nas turmas do primeiro ano do ensino fundamental, possibilitando a
aprendizagem de questões relevantes do contexto social, propiciadas pela discussão e
ampliação do horizonte de expectativas infantil através da leitura literária? Contudo,
para que a literatura possa despertar na criança esse potencial, a qualidade da mediação
entre autor, leitor e texto é fundamental.
A literatura infantil, nesta medida, é levada a realizar sua função
formadora, que não se confunde com uma missão pedagógica. Com efeito, ela dá conta de uma tarefa a que está voltada toda a cultura - a
de “conhecimento do mundo e do ser”, como sugere Antônio Candido,
o que representa um aceso á circunstância individual por intermédio
da realidade criada pela fantasia do escritor (ZILBERMAN, 1985, p. 25).
Objetivamos neste trabalho compartilhar a experiência de mediação de leitura
literária com o gênero narrativa ficcional que gerou sequências didáticas, contemplando
alternativas pelas quais, o texto literário, torne-se motivador da escrita do texto de
opinião na alfabetização. Inicialmente buscamos compreender a literatura infantil em
seus aspectos e potencialidades, verificando como ela age no intelecto infantil.
Problematizamos as relações entre literatura infantil e ensino, assim como sua
“inevitável” escolarização. Posteriormente justificamos a importância da escolha de
temáticas relacionadas à diversidade cultural, como meio de promover a formação
humanística, almejada nesta pesquisa. Por fim provocamos a externalização das
opiniões infantis através das discussões orais ratificadas pela escrita das opiniões e
ideias reelaboradas a partir da experiência com o texto literário.
2. As potencialidades artísticas da literatura infantil para a aprendizagem
O que faz da literatura infantil um produto cultural tão almejado pela pedagogia?
Divertir, promover a formação humanística, nutrir o psicológico através do terapêutico,
discutir o social, divulgar o cultural, até ensinar conteúdos (não sendo para este fim
criada), enfim, são muitas as potencialidades do seu uso. Em meados do séc. XVII e
XVIII, quando se originou a literatura infantil, a transmissão ideológica de normas,
valores e dogmas burgueses através do ludicidade, era sua principal utilidade. Com o
passar do tempo os docentes perceberam que o fascínio provocado pela literatura não
poderia ser limitado apenas ao utilitarismo pedagógico.
A literatura no exercício de suas funções age não só no interior do indivíduo,
mas pode desencadear reações que tenham efeitos na coletividade através das mudanças
causadas individualmente. Ao referir-se às propriedades artísticas da obra literária
infantil, Cadermatori; Zilberman (1987) destacam que essa obra não conhece fronteiras,
desconhece temas específicos, não tem forma determinada e aborda a realidade (ou não)
através do maravilhoso. Dentre as funções atribuídas a literatura quando relacionada ao
ensino, cabe uma pergunta: Ensino do quê? A literatura ensina, veicula, “transmite”
conhecimentos do mundo, do eu, sobre o outro, da cultura, enfim a literatura tem função
formadora em várias dimensões.
A função social da literatura facilita ao homem a compreensão sobre seu mundo
para assim poder emancipar-se dos dogmas que lhe são impostos pela sociedade. Nessa
reflexão e questionamento crítico compreende-se que só pela educação emancipadora
busca-se a formação do novo homem, e a infância é o principal alvo para se atingir tal
meta. Acreditar na literatura e sua função social no sentido de:
oferecer uma nova concepção de texto escrito aberto a múltiplas
leituras transforma a literatura para crianças em suporte para experimentação do mundo, (...) abrem espaço para o questionamento e
a reflexão, provenientes da leitura (CALDIN, 2003, p.5).
A literatura comporta em si uma gama de funções que se resumidas podem ser
apresentadas como uma função principal: “é a apresentação de novas possibilidades
existenciais, sociais, políticas e educacionais. É nessa dimensão que ela se constitui um
meio emancipatório que a escola e a família, como instituições, não podem oferecer”
(CADERMATORI, 2006, p. 19- 20). Não podem oferecer, mas podem propiciar o
encontro da criança com textos literários onde essa integralidade de funções poderá se
concretizar mediante um trabalho de qualidade e motivações adequadas.
O interesse que a literatura desperta sobre a maioria das crianças pode ser
observado no momento da leitura/audição dos textos literários. A especificidade desse
leitor nos remete as formas singulares com que a literatura age para atrair o público
infantil. Zilberman; Bordini (1989) ratificam que dos textos verbais escritos, o literário,
trabalhando artisticamente a palavra e seus sentidos, reintroduz na dimensão da leitura o
lado do prazer desinteressado que outros textos não possibilitam.
A autora argumenta sobre o modo como o texto literário age com relação ao
leitor infantil enfatizando que é justamente por explorar o que ainda não é, mas poderia
vir a ser, usando a linguagem de modo a impressionar “o ouvido e a imaginação do
leitor, que a literatura garante o prazer da leitura e um conhecimento não do mundo –
que pertence às ciências – mas dos modos como o homem pode agir em relação ao
mundo e aos outros homens” (ZILBERMAN; BORDINI, 1989, p.13).
Para Oliveira (2010), a literatura contribui para a formação das crianças em
todos os aspectos, especialmente na formação de sua personalidade, por meio do
desenvolvimento estético e da capacidade crítica, garantindo a reflexão sobre seus
próprios valores e crenças, como também os da sociedade a que pertence. Coelho (2000,
p.16) privilegia também os estudos literários para a constituição do sujeito reflexivo,
pois para ela de maneira mais abrangente do que quaisquer outros, “eles estimulam o
exercício da mente; a percepção do real em suas múltiplas significações; a consciência
do eu em relação ao outro; a leitura do mundo em seus vários níveis [...]”.
As reflexões sobre o contexto social que a literatura infantil pode suscitar ao
promover o encontro com textos de valor estético e cultural, que representam o sentido
vivencial por apresentarem respostas a seus conflitos e emoções, acrescentam uma nova
motivação à vida conduzindo-os a interagir de forma mais consciente no seu meio social
e nas relações com o outro.
Como forma de arte, os textos literários ocupam-se da representação do real tangível e do real psíquico das crianças, proporcionando-lhe
condições de elaborar significativamente os dados da realidade e a sua
interação com ela (SARAIVA, 2001, p.83).
A literatura infantil propicia a representação de papéis que permitem a
transmutação do leitor em vários personagens, da ludicidade, do uso do imaginário para
a compreensão do real, a discussão temática e dialógica proporcionadas pela escolha
adequada de textos estéticos literários. Encontramos na literatura infantil a oportunidade
de desenvolver a criticidade e a reflexão sobre o contexto social e o entorno da criança,
que poderá emancipar o leitor infantil. Dada à importância da literatura infantil para a
educação, refletiremos a seguir sobre a maneira como o texto literário é trabalhado na
escola.
3. A escolarização da literatura infantil
A discutida aproximação da literatura infantil com a escola, se questionável,
pode e deve ser repensada constituindo-se em práticas renovadas que propiciem um
melhor aproveitamento do potencial literário na sala de aula. De acordo com Zilberman
(1985, p.22), “Se essa relação sujeitou a arte ao ensino deve-se investigar a
contrapartida deste modelo, no qual a didática se submete a virtualidade cognitiva do
texto literário”. Para essa autora é importante trabalhar literatura na escola, pois
considera, nesse contexto, o espaço da sala de aula privilegiado para o desenvolvimento
da leitura e intercâmbio do texto literário. Ela considera que as relações originais entre
literatura e pedagogia e o vínculo de ordem prática prejudicam a recepção das obras e a
relação prazerosa do leitor, assim como a avaliação da crítica que não considera arte
uma escrita feita primordialmente para ensinar. Torna-se então imprescindível um
redimensionamento dessas relações com vistas a proporcionar um novo e saudável
diálogo entre o livro e a criança.
Polêmico por natureza, principalmente por conta dos seus objetivos (explícitos e
às vezes ocultos) a inadequação da escolarização literária vem sendo feita desde a sua
associação renitente ao ensino, ao pedagógico, e utilizada como pretexto para trabalhar
conteúdos diversos. Assim a relação de troca entre literatura, escola e sociedade
consolidavam-se desde que a literatura contivesse os valores e ensinamentos que a
sociedade queria transmitir. A literatura servia de intermediária entre os valores e os
novos consumidores da emergente sociedade burguesa, e posteriormente os
mantenedores do status quo vigente. A função mais relevante da literatura (despertar o
imaginário, a estética o prazer, a formação humanística, evocar a subjetividade, emoção
e sensibilidade através da arte), ficou relegada a segundo plano.
Magda Soares (2003) traz, no entanto, uma oportuna reflexão sobre o termo
escolarização, que associado a escola, a arte ou a literatura apresenta uma conotação
negativa. A autora argumenta que não há como ter escola sem ter escolarização de
conhecimentos, pois o surgimento da escola é indissociável a constituição de “saberes
escolares”. Essa escolarização inadequada pode ocorrer não só com a literatura, mas
com outros conhecimentos transformando-os em saberes escolarizados.
Na escola, existe um espaço e tempo de aprender sistematizado que gerou as
séries, classes, currículos, disciplinas, programas, metodologias, manuais, os textos,
enfim, aquilo que se constitui até hoje a essência da escola.
É a esse inevitável processo – ordenação de tarefas e ações,
procedimentos formalizados de ensino, tratamento peculiar dos
saberes pela seleção, e consequentemente exclusão, de conteúdos, pela ordenação e sequenciação desses conteúdos – é a esse processo que se
chama escolarização, processo inevitável, porque é da essência
mesma da escola, é o processo que a institui e que a constitui
(SOARES, 2003, p. 21).
Sendo assim, a literatura como arte, saber, conhecimento, ao entrar na escola
sofre intervenção e intermediação do sistema escolar, que são inerentes a esse processo.
O que torna a escolarização da literatura ideia corrente de negativação é a forma como
ela é feita. De acordo com a contribuição de vários estudos deve-se reivindicar um
espaço próprio para a literatura na sala de aula. Não se pode crer ingenuamente que a
leitura literária dispensa a aprendizagem. Cosson (2006) contribui nesse sentido ao
afirmar que não basta apenas a leitura do texto literário. Convém perceber que essa
experiência poderá e deverá ser ampliada com informações específicas do campo
literário até fora dele e que, rompendo o círculo da reprodução ou da permissividade,
permita que a leitura literária seja exercida sem o abandono do prazer, mas com o
compromisso de conhecimento que todo saber exige. E esse espaço da literatura como
texto na sala de aula demanda a necessidade do contato permanente com o texto literário
e a mediação do professor.
Ao fazer uso da literatura infantil como objeto de fruição na escola buscou-se
imitar o comportamento leitor adulto, mas o prazer de ler muitas vezes tornou-se
proposta mal compreendida esquecendo-se seus proponentes que todo modo de ler
passa necessariamente por uma aprendizagem, não existindo um “modo natural” ou
espontâneo de leitura.
Segundo Soares, as três instâncias mais evidentes pelas quais ocorre o processo
de escolarização são: a biblioteca escolar, a leitura e estudos de livros de literatura e o
estudo de textos nas aulas de português.
Ainda de acordo com esta autora (2003, p.42), “se é inevitável escolarizar a
literatura infantil, que essa escolarização obedeça a critérios que preservem o literário,
que propiciem à criança a vivência do literário, e não de uma distorção ou uma
caricatura dele.” Devemos, enquanto docentes, ser mais criteriosos com o material
didático que usamos. Ao participarmos das escolhas de livros didáticos a criticidade,
embasada pelo conhecimento teórico, é fundamental, se quisermos oferecer um trabalho
de qualidade literária para nossos alunos.
Quanto aos objetivos da leitura de textos literários no livro didático quase
sempre não propiciam aos alunos a análise do que é essencial neles, a percepção de sua
literariedade, dos recursos de expressão, do uso estético da linguagem. “Centram-se nos
conteúdos, e não na recriação que dele faz a literatura, volta-se para a informação que os
textos veiculam não para o modo literário como as veiculam”. A maior parte dos
exercícios centra-se na solicitação de informações literais dos textos, localizá-las. Ou
como já dito antes o texto serve de pretexto para trabalhar ortografia e gramática.
Os tipos de questões propostas sobre os textos literários nos materiais didáticos
deveriam levar o aluno a fazer inferências, a analisar os gêneros, os recursos de
expressão, a reelaboração da realidade, das figuras do autor, narrador, personagem.
Deveriam privilegiar aqueles conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias à
formação de um bom leitor de literatura, a interpretação de analogias, comparações,
metáforas, identificação de recursos estilísticos, poéticos. Estudar o que é textual e
literário.
Na sala de aula a literatura precisa de espaço para ser texto, que deve ser lido em si mesmo, por sua própria constituição. Também precisa
de espaço para ser contexto, ou seja, para que seja lido o mundo que o
texto traz consigo. E precisa de espaço para ser intertexto, isto é, a leitura feita pelo leitor com base em sua experiência, estabelecendo
ligações com outros textos e, por meio deles, com a rede da cultura
(COSSON, 2003, p.67).
Ainda de acordo com este autor “Não se deve temer a análise literária”. O
espaço da sala de aula deve conter a exploração do contexto, assim como faz na
elaboração do texto, pois apesar do texto não ser pretexto para se trabalhar o contexto,
sua leitura é sempre contextual. Nesse interim, a intertextualidade é importante, pois um
texto é sempre um diálogo com outros textos. Ainda no espaço da sala de aula é
fundamental promover o desenvolvimento das obras confirmando ou refazendo
conclusões, aprimorando percepções e enriquecendo o repertório discursivo do aluno.
Para um bom trabalho com literatura na sala de aula, Zilberman, (1985) sugere
que devemos considerar ainda as predisposições etárias e culturais, encarando a
literatura como objeto de estudo em si, independente de outras disciplinas e finalidades
extraliterárias. Pois sem permitir a liberdade de interpelação, o exercício da
subjetividade e da criatividade, sem incentivo ao senso crítico, o resultado será a
inibição do leitor. “Por fim, devemos compreender que o letramento literário é uma
prática social e, como tal, reponsabilidade da escola” (COSSON, 2006, p23). Para o
autor, a questão a ser enfrentada não é se a escola deve ou não escolarizar a literatura,
como bem nos alerta Magda Soares (2003), mas sim como fazer essa escolarização sem
descaracterizá-la, sem transformá-la em um simulacro de si mesma que mais nega do
que confirma seu poder de humanização.
4. A prática educacional e o fazer literário na perspectiva humanística
Se o trabalho com a literatura é importante na escola, devemos refletir sobre os
textos literários disponibilizados para nossos alunos. Os textos que tratam de temáticas
relacionadas ao ser humano e suas relações com o outro, não contendo conteúdos
discriminatórios, são opções que devem ser consideradas. De acordo com os PCN’s
(Brasil, 1997, p. 32), para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso
respeitar os diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é
formada não só por diferentes etnias, como por imigrantes de diferentes países. Além
disso, as migrações colocam em contato grupos diferenciados. Sabe-se que as regiões
brasileiras têm características culturais bastante diversas e a convivência entre grupos
diferenciados nos planos social e cultural muitas vezes é marcada pelo preconceito e
pela discriminação. Nesse sentido, a escola deve ser local de diálogo, de aprender a
conviver, vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentes formas de expressão
cultural.
Stuart Hall (2006) ao abordar sobre a concepção de identidade referente ao
sujeito sociológico argumenta que a noção desse sujeito reflete a crescente
complexidade do mundo moderno e a consciência de que seu núcleo interior não é
autônomo e auto suficiente, mas formado na relação com "outras pessoas importantes
para ele", que mediam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos — a cultura. Essas
outras pessoas importantes para nós, pais, professores, amigos, demais membros
próximos da sociedade são responsáveis pela construção das diversas opiniões que
temos sobre as várias visões de mundo e sobre o outro que nos constitui.
Trabalhar com a pluralidade cultural propõe uma concepção da sociedade brasileira que busca explicitar a diversidade étnica e
cultural que a compõe compreender suas relações, marcadas por
desigualdades socioeconômicas, e apontar transformações necessárias. (...) oferece, também, elementos para a compreensão de que respeitar
e valorizar as diferenças étnicas e culturais não significa aderir aos
valores do outro, mas, sim respeitá-la como expressão a diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade
intrínseca , sem qualquer discriminação (BRASIL, 1997, p.19-20).
Tendo em vista a importância da literatura para a formação humanística do
sujeito e a relevância de se problematizar e valorizar a diversidade e a pluralidade
cultural que compõe nossa sociedade e os ambientes escolares por extensão,
objetivamos incluir diversos sujeitos aprendizes na constituição positiva de suas
identidades propiciando-lhes práticas da leitura e escrita significativas na fase inicial do
ensino fundamental. Utilizamos a literatura para fomentar essas práticas de leitura,
através da audição das histórias e escrita discursiva para fortalecer as diversas
identidades e diversidades encontradas nas nossas salas de aula.
Ao considerar que as identidades são construídas, e nos identificamos a partir da
diferença que se instaura entre nós e o outro, o trabalho com a literatura nesta pesquisa
visa a discussão de pré-conceitos que geram discriminação por causa das diferenças
físicas. Essa discussão gera reflexão e o investimento nas identidades objetiva fomentar
o respeito às diferenças e nos ajuda a ter compreensão sobre o nosso eu, e a
subjetividade que envolve a psique humana.
A oferta de padrões de interpretação para a construção do mundo do homem, em sentido lato, é o que se chama de educação: a apreensão
de padrões de interpretação que lhe forem oferecidos. Portanto, o
processo de constituição de um homem depende dos padrões de
interpretação a ele oferecidos. (CADERMATORI, 2006, p. 22).
O discurso lúdico e, consequentemente, a literatura podem ser considerados
como sinônimo de ruptura, por isso ao retratar, despretensiosamente, situações amenas,
tendo em vista o entretenimento e o prazer do leitor, podem levá-lo a refletir sobre
situações cotidianas, por conseguinte são também discursos inacabados que só se
realizam no contato com o destinatário.
Nesse contexto concentra-se a importância da literatura na formação do sujeito
interpretativo e discursivo através das diferentes mensagens que lhe são transmitidas por
meio da literatura e em consequência nossa responsabilidade na escolha de tais obras
que poderão emancipar ou não o sujeito. Ao considerar a fase da infância,
(especificamente a fase da alfabetização) como momento propício para a formação de
conceitos, acredita-se ser esse o momento basilar e primordial para essa construção, e a
literatura infantil se configura não só como instrumento de formação conceitual, mas
também de emancipação. A escola sensível à diversidade está pronta para trabalhar
com realidades variadas, tal qual o mundo lá fora. A sala de aula é uma soma de
individualidades, que interagem em grupo, afirmando suas identidades e nem sempre se
chega a um consenso. “Por esses caminhos, aumenta a complexidade da escola, uma vez
que a sala de aula passa a ser o espaço da variedade de sujeitos, de objetos de leitura e
de práticas culturais” (AGUIAR, 2003 p. 240).
Essa troca cultural propiciada pelo ambiente escolar, pode se dar através da
literatura e suas temáticas porque forma o humano. Colomer (2003, p. 374) sugere que a
literatura infantil venha cumprir uma função de formação cultural da infância e favoreça
sua educação social por meio de uma interpretação do mundo, propondo iniciá-la na
aprendizagem das convenções literárias.
Por ser uma disciplina por excelência de cunho humanístico torna-se natural o
trabalho com temáticas sociais, pois através da literatura permite-se a discussão de
verdades estabelecidas, a abordagem de conflitos, paradoxos e ambiguidades. Ao
trabalhar com literatura a escola não deve censurar temas que considera polêmicos,
delicados, perigosos, ousados, não deve promover assepsia temática. O diálogo com a
literatura possibilita a discussão de enigmas da existência humana e da complexidade
das relações sociais.
5. Como se efetivou a experiência literária?
Construímos sequências didáticas para concretizar a experiência com o texto
literário na condição de propiciar aprendizagem através do componente estético contido
nas narrativas. As etapas consideradas fundamentais para a execução dessas sequências
foram: o aquecimento para audição da história; o desenvolvimento da leitura
literária; o desenlace de sentidos e o desdobramento textual através da escrita.
Realizamos doze sequências didáticas, contendo a mesma sistematização de
procedimentos, com cada temática selecionada dentro da diversidade cultural.
Selecionamos livros abordando os seguintes temas: diferenças físicas (aparência,
obesidade), preconceito étnico racial, gênero e deficiência física. Para organização
dessas sequências didáticas, pautamo-nos no modelo de Dolz, Schneuwly & Noverraz
(2004) na qual uma sequência didática:
É uma sequência de módulos de ensino, organizados conjuntamente
para melhorar uma determinada prática de linguagem [...] É a relação
entre um projeto de apropriação de uma prática de linguagem e os instrumentos que facilitam essa apropriação (DOLZ, SCHNEUWLY
& NOVERRAZ, 2004, p.51).
Os gêneros vivenciados foram às narrativas de ficção e o texto de opinião. A
forma inicial de apropriação do gênero texto de opinião será suscitada pelas discussões
e interações sobre a diversidade cultural motivada pela literatura. Salientamos que o
texto literário não será usado como pretexto para se trabalhar o gênero, mas que a
polissemia motiva a discussão e é terreno fecundo para instrumentalizar a criança
munindo-a de conteúdo para argumentação.
A combinação de gêneros é abordada na sequência quando contemplamos a
oralidade e a escrita em prol de um mesmo objetivo: a construção do texto de opinião
que leve o aluno, a se posicionar (primeiro oralmente) a respeito de questões de
relacionamento humano e depois de forma escrita, respeitando a fase escolar e a
maturidade da criança no trato dessas questões. Pela especificidade da turma, recém-
alfabetizada, e ainda muito ligada ao processo de decodificação, optamos pela leitura da
história como principal veículo para o compartilhamento dos textos literários. Assim, o
professor passa a ser mediador da leitura, com o intuito de que o esforço desprendido
neste ato, não viesse a prejudicar a compreensão do discurso literário veiculado.
A título de exemplificação descreveremos a sequência didática que trata da
questão do gênero por considerá-la adequada a proposta de intervenção para formação
humanística, visto que em nossa sociedade esse é um tema que suscita debates e
preconceitos recorrentes sobre os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres. Para
essa sequência utilizamos a obra Feminina de menina e masculino de menino de Márcia
Leite.
Eis à sequência didática...
Temática: Gênero
Objetivos:
Ler a história: Feminina de menina e masculino de menino de Márcia Leite
Fomentar discussões sobre gênero, propiciando a ampliação dos conhecimentos
prévios a respeito da temática.
Promover a produção do texto de opinião referente à história e a temática em
questão
Duração da aula: 120 minutos
Recursos didáticos: o livro de literatura, folhas avulsas, atividades para escrita.
Etapas da sequência:
Aquecimento: Após acomodar as crianças sentadas em frente à sala, iniciamos a roda
de conversa questionando se existem brinquedos ou brincadeiras para meninos ou
meninas. As crianças se posicionaram respondendo sim ou não, elencando oralmente
quais seriam esses brinquedos. Outros contestaram dizendo que tais brinquedos também
podiam ser de menino ou menina (unissex) e que brincavam com eles. Questionamos as
crianças sobre a existência de objetos exclusivamente masculinos ou femininos (objetos,
cargos, coisas diversas, cores, etc.). Todos opinaram. Nesse momento deixamos a
discussão correr livremente sem nos posicionarmos, concedendo turno de fala a todos.
Iniciamos o momento da interação com o livro explorando os aspectos pré-textuais da
história.
O desenvolvimento da leitura literária: Essa é a fase da audição da história
propriamente dita. Um fato que chamou atenção nessa fase é que diferente das demais,
as crianças interviam frequentemente no decorrer da leitura deste texto, não
conseguindo conter-se, mesmo após combinarmos previamente que as intervenções se
dariam no final da história.
O desenlace de sentidos: No decorrer da história alternam-se comentários críticos ou
polêmicos sobre o modo de agir de meninos e meninas. O texto é narrado por duas
crianças: um menino (falando das meninas) e uma menina (falando dos meninos), e
cada alternância de narrador muda-se também o tipo de letra utilizado na página. A cada
página as crianças se acusavam, caçoavam das diferenças, etc. A autora surpreende no
final da história, pois deixa subtendido que as crianças falavam mal umas das outras
porque estavam apaixonadas e não queriam que ninguém soubesse. Esse desfecho
impactou as crianças que ficaram momentaneamente caladas, tentando processar a
informação. Mediamos as discussões questionando os pré-conceitos identificados e as
construções sociais sobre papéis de homens e mulheres na sociedade ao utilizar
situações do cotidiano para exemplificar tais construções. Nessa fase o debate foi
profícuo e as crianças contribuíram ricamente com seus relatos.
O desdobramento textual através da escrita: Nesse momento após as discussões e
mediações necessárias, propomos uma atividade de escrita onde às crianças deveriam
opinar sobre questões suscitadas no texto e discussões orais:
Você já ouviu na sua casa alguém dizer que alguma coisa é só de /para menino
ou de/para menina? O que foi?
O que você pensa sobre essa divisão de atividades para meninos e meninas,
homens e mulheres? Isso deve existir? Porque?
Para melhor compreensão das discussões e análises das atividades vejamos
alguns trechos da história: Feminina de menina, Masculino de menino:
Eu acho que as meninas são as pessoas mais mandonas do mundo
[...]Menino é o ser vivo mais folgado que existe [...]As meninas falam
que são vaidosas, mas eu acho que elas são umas frescas... Alguém morre se ficar sem tomar banho e pentear os cabelos um dia? Menina
morre [...]Os meninos são um tipo de gente muito esquisita. Parece
que eles escolhem a roupa de olhos fechados. Nada combina com nada
[...] (LEITE, 2011, p. 21).
Enquanto mediadores é nossa responsabilidade prezar pela qualidade das obras
que são oferecidas as crianças. A união proposta, pelos expoentes das teorias
recepcionais, privilegia estudos e obras que visem propor a interação entre o contexto e
a forma. A maneira como a autora compõe a textualidade da sua narrativa, provocando
o leitor e o contexto histórico vivenciado referentes ao gênero, ao bullying, aos
movimentos sociais em prol das diferenças, implementam conteúdos para o debate de
ideias.
A estrutura apelativa e provocativa da linguagem utilizada na narrativa constitui-
se um fator que motivou a recepção do texto pela oposição. Ao deparar-se com a escrita
da autora e o uso de adjetivos pejorativos relacionados aos meninos e meninas a
exemplo de: selvagens, frescas, convencidas, fofoqueiras, nervosinhas, irritantes,
nojentas, dedo-duro, folgado. As crianças agiram como se estivessem constantemente
defendendo-se de ataques pessoais, revidando e refutando as afirmações da autora.
Sabemos que o horizonte de expectativas do autor pode opor-se propositadamente a
auto-imagem projetada da criança, levando-a a reflexão e ampliando-a para
compreender/criticar o tratamento e os papéis sociais exercidos por homens e mulheres
observados na comunidade como um todo. Selecionamos essa história por acreditar que
ela propiciaria bons momentos para discussões sobre os modos de ser entre os gêneros,
a começar pelo próprio leitor infantil enquanto menina ou menino “alvo das assertivas
da autora.” Após a leitura da história confirmamos a hipótese de que o texto incitou o
debate.
Jauss (1994) afirma que a identidade e qualidade da obra dependem, entre outras
características, da propensão a ruptura e inovação desafiando as normas vigentes. Os
adjetivos citados e utilizados pela autora causaram impacto, mas mantiveram o interesse
pela história. A literatura contribui nesse sentido para a constatação identitária singular.
Segundo Jauss , quando o leitor consegue fazer a relação da literatura com o processo de
construção da sua experiência de vida, através da relação dialógica possibilita
implicações tanto estéticas quanto históricas. As crianças tomavam parte da criação da
obra, contestando-a, argumentando, preenchendo os sentidos, respondendo a autora. A
atividade do leitor se manifestava na diversidade das recepções que variavam à medida
que o texto fluía.
O texto é um exemplo de obra que não é vista apenas como a mera organização
linguística que transmite ideologias através do seu produtor. O fato das crianças
discordarem muitas vezes da autora demonstra criticidade em relação à obra. A criança
não se conforma com o dito e reelabora o não dito.
Ao analisarmos a primeira questão construída para a interação: Você já ouviu na
sua casa alguém dizer que alguma coisa é só de /para menino ou de/para menina? O
que foi? As crianças trouxeram exemplos de situações cotidianas que seriam
desmistificadas ou discutidas no debate. Vejam alguns exemplos:
A1: Quando eu vou brincar com meu primo ele diz que é brincadeira de menino;
A2: Quarto de menino é azul e cheio de carrinhos;
A3:Meu pai disse que brinquedo de homens é de homens e de mulher é de mulher;
A4:Só homem dirige ônibus;
A5: Só as mães “cozinha”;
Posteriormente verificamos que as opiniões escritas evidenciaram que, ao fazer
comparações com a tradição e elementos de sua cultura, de seu tempo histórico e
cotidiano, com o teor das discussões, o processo de recepção completa-se. Pudemos
observar na maioria das crianças a disposição e preparação para novas leituras e
experiências de ruptura com esquemas pré-estabelecidos no texto.
A1: Eu gostei dessa história porque eu não sabia que coisas de mulher “pode” ser de
homens.
A2: Menino e menina deve se juntar, homem pode se maquiar, cortar cabelo, trabalhar
juntos, ser professor.
A3: Meninos e meninas devem se juntar porque quando as meninas crescem podem
dirigir e as crianças brincam juntas.
A4: “Tem que ser tudo juntos”, as cores, as roupas, o trabalho, os carros, os
brinquedos, usar rosa não é só para meninas também é para meninos.
Após as discussões as escritas das crianças evidenciam a ampliação dos
horizontes ao fazerem analogias com o contexto social do qual fazem parte. As crianças
contribuíram para as discussões trazendo como exemplos situações do seu cotidiano
familiar ou escolar. Chegamos a essa conclusão, pois os elementos descritos abaixo não
fazem parte do texto literário em estudo, porém não fogem da temática. Vejamos
trechos das produções em sala:
A1: Porque todo mundo trabalha (a criança chega a essa conclusão baseada nas
discussões travadas em sala e reflete sobre o fato de que hoje, mulheres e
homens trabalham fora de casa).
A2: As cores são para todos (ao se problematizar a dicotomia entre as cores
“tradicionalmente selecionadas como rosa para menina e azul para menino).
A3: A mulher tem que dirigir (sobre a afirmativa compreendemos que a criança
se refere aos novos papéis assumidos pela mulher na sociedade)
A4: A menina convida os homens para brincar...(Infere-se o fato do homem
comumente tomar a iniciativa frente a determinadas situações).
Não desejamos que todas as crianças manifestem o mesmo entendimento da
obra, pois há que se consideram as questões sociais e ideológicas de cada contexto
histórico. A obra pode ou não romper com o horizonte de expectativas da criança,
mantendo-o. Porém verificamos o contrário na maioria dos textos analisados.
Podemos observar momentos de negatividade que para Jauss fazem mover a
obra e provocam, desconcertam os expectadores. As reações físicas manifestadas pelas
crianças, o entusiasmo e as participações nos debates evidenciam a quebra desse
horizonte de expectativas conduzindo-os a reelaborar algumas de suas ideias.
6. Concluindo
Percebemos várias inferências entre o contexto social das crianças e o texto
literário. Essa constatação confirma as expectativas com relação à potencialidade do
texto emancipatório quando provoca a criança a renovar sua percepção da realidade.
Deve-se estimular a participação, a expressão do ponto de vista das crianças, a
valorização do modo peculiar de acolher e referenciar o texto lido. O objetivo, portanto,
não é necessariamente chegar a uma compreensão, mas favorecer uma aproximação do
texto. A ressignificação é consequência da interpretação. O leitor torna-se parte
integrante da obra ao completa-la com suas experiências, vivências de situações
semelhantes, ampliando o sentido do texto literário.
Ao propormos que a criança possa exprimir suas impressões sobre a temática
abordada no texto através da oralidade e da escrita estamos propiciando o encontro de
culturas distintas: a do leitor e do autor, mediadas pelo debate proposto na sala.
Coletivamente as opiniões são socializadas e cada ouvinte tem a oportunidade de
acrescentar mais conhecimentos aos que já possui ressignificando-os e tornando-os
conscientes e publicáveis, através do registro escrito. Mesclam-se história (contexto),
prazer, e ensino. Pudemos verificar os diversos sentidos que um mesmo texto pode
contemplar as reações dos leitores, assim como suas participações e significativas
contribuições nos momentos de debate e escrita.
Consideramos a experiência positiva, pois acreditamos ser possível a
sistematização de procedimentos para propiciar o trabalho diferenciado com o texto
literário nas salas de aula de turmas em fase de alfabetização. Diferente das
metodologias que utilizam a literatura infantil como pretexto para trabalhar conteúdos
da língua, a exemplo de gramática e ortografia, ou apenas transcrever elementos literais.
Cremos ter ampliado as possibilidades do trabalho com a literatura que venha a
aproximá-la mais da sua essência: proporcionar a fruição estética através dos sentidos
conduzindo o indivíduo a explorar sua humanidade, construir e reconstruir conceitos, a
aprender sobre o outro, através de si mesmo, da introspecção.
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Centro de Pesquisas literárias PUC-RS. São Paulo: Cortez, Brasília: INEP/MEC; Porto
Alegre, CPL-PUC-RS, 1989.
RECITAL ROMÂNTICO: (RE)VIVENDO A LITERATURA POR MEIO DE
DECLAMAÇÕES
BARRETO, Enilda Cabral – EREMASB
RESUMO: Comenta-se que o estudante da atualidade, devido às inúmeras tecnologias
da informação e comunicação deixou um pouco para trás as leituras dos livros
impressos. Nesse patamar a leitura e apreciação da poesia, em muitos casos,
restringiram-se a algumas das atividades de sala de aula (leitura seguida de exercícios
interpretativos), perdendo assim seu espaço devido, diferentemente dos tempos remotos
em que aquelas práticas tinham seu momento garantido nas escolas por meio da
declamação. Essa constatação e a necessidade de promover o letramento literário dos
estudantes de uma escola pública fez surgir a ideia e concretude do Projeto “Recital
Romântico”, sobre o qual nos propomos a apresentar e comentar os resultados nesse
trabalho tendo como base os relatos dos estudantes e da professora responsável.
PALAVRAS-CHAVE: Poesia – declamação – letramento literário.
1ª Parte
1-Introdução
É indiscutível ser o afã de todo e qualquer professor desenvolver uma prática de
leitura concreta na vida de seus estudantes. Prática essa voltada para a experiência com
os inúmeros impressos dispostos no mercado e, com as novas tecnologias, dispostas no
mundo virtual. Da mesma forma é inegável que nunca os jovens leram tanto.quanto na
atualidade. Se fôssemos comparar o que hoje se ler num dia através da internet com o
que se lia antes da sua existência comprovaríamos que a prática da leitura é uma
verdade cotidiana na vida da maioria das pessoas do planeta. Nesse sentido, os
professores já têm o que comemorar: os jovens estão lendo assiduamente.
Todavia, a leitura de muitos deles ainda é solta e diversificada, não havendo
muito espaço (ou nenhum) para os textos literários. No que tange à poesia, por exemplo,
quase não se tem notícias de momentos de estudo, apreciação e deleite. Quando se vê-
las, na sua grande maioria não passam de cópias coladas em algumas páginas virtuais
apenas motivadas pelo verbo “curtir”.
Por iniciativa própria será sempre mais difícil esperar acontecer na vida da
juventude atual, sempre ávida por coisas novas e por descobertas mil. Ficando o papel
para a escola de incentivar a leitura de textos diversos e entre eles, o literário.
Acreditamos que ela, como principal agência do letramento que é, poderá dar os
subsídios necessários à formação do leitor de poesia.
O trabalho voltado para a leitura cotidiana e variada, começando na escola, por
meio da interação professor x aluno, justifica-se pela própria natureza de autoridade da
instituição. Se dela partir o incentivo, o exemplo de seus profissionais, a adequação da
linguagem à situação comunicativa, a declamação das poesias estudadas é possível que
se crie uma atmosfera de aceitação, imitação e divulgação na sociedade, o que trará de
volta as práticas passadas de declamação, tornando-se pois um evento comum nas
escolas.
Assim, nossa hipótese é de que estudar as escolas literárias e não “(re)viver”
mais de perto suas produções pode tornar estático e sem vida o trabalho do professor.
Por ser a literatura a “arte da palavra escrita” entendemos que esta deva ter seu espaço
devido na sala de aula.
O projeto Recital Romântico surgiu da necessidade de, por um lado, reviver
mais intensamente o teor das produções poéticas românticas e, por outro de despertar
nos educandos o gosto pela literatura e assim resgatar a prática da “declamação /
recitação de poesias” tão vivenciada nas escolas (primárias) há anos atrás, inclusive por
nós mesmos e mais acertadamente pelos nossos pais.
Sabe-se que a prática da leitura de poesias nas escolas atualmente se realiza, na
maioria das vezes, apenas pela leitura e no mais por uma interpretação escrita que por
sua vez não adentra as possibilidades do texto literário. Ali o estudante corrige a
atividade proposta, acredita que aprendeu, por sua vez, o professor acredita que ensinou
e assim vão-se os anos, as práticas e as rotinas de “leituras do texto poético”num eterno
faz de conta de tudo no ensino.
A verdadeira “viagem” do leitor se restringe a pequenas inferências que esse faz
sem ao menos ter uma noção clara do movimento histórico ao qual está engajada a
poesia e seu autor. O estudo do Romantismo na poesia nos levou a – como de fato
aconteceu – dividir seu estudo em três (03) fases. Para tanto teríamos que situar os
estudantes na época do surgimento de cada uma delas, apresentar os poetas mais
significativos de cada fase, suas produções, bem como a temática escolhida em cada
uma delas.
Assim, percebemos a necessidade de organizarmos um breve projeto que levasse
em conta as exigências acima citadas e que ao mesmo tempo tivesse a marca da
vivência, do encontro de diferentes ideologias representadas através dos versos
românticos e proferidos por interlocutores de tempos longínquos (estudantes) do
movimento romântico.
Acreditávamos, pois no protagonismo juvenil dos estudantes da Escola de
Referência em Ensino Médio Abílio de Souza Barbosa como força capaz de tornar
próximo um passado distante mediante a declamação de poesias nas aulas e,
especificamente num dia marcado para que toda a escola conhecesse o ideário
romântico vivenciado por uma juventude que também se apaixona (quase diariamente!),
tem orgulho da terra natal e sabe defender questões sociais inquietantes.
Nesse sentido, o presente trabalho visa mostrar como uma escola do Estado de
Pernambuco (Escola de Referência em Ensino Médio Abílio de Souza Barbosa – Orobó
– PE) trabalhou o estudo da poesia romântica a partir de uma metodologia que
privilegiou e realização de declamações e discutir os resultados significativos de um
projeto (Recital Romântico) elaborado pela professora de Português para tal estudo o
qual resultou no letramento literário dos estudantes.
Para aquela ocasião o objetivo geral era a declamar / recitar poesias do
Romantismo. Especificamente pretendíamos apresentar as características temáticas das
três gerações românticas através do estudo de poesias selecionadas para cada geração;
desenvolver o gosto pela leitura de poesias românticas e decorar as mais significativas
para declamação ao público e contribuir para uma reflexão sobre a literatura produzida
em séculos passados promovendo a intertextualidade com as produções românticas da
atualidade.
Teoricamente nos embasamos nas contribuições de ABAURRE (2008) para
tratarmos da leitura literária; CEREJA (2005) para o estudo do texto literário;
KLEIMAN (2001), SOARES (1998) e Parâmetros Curriculares Nacionais (2001) para
as noções de agência de letramento e letramento e para as diretrizes do ensino de
literatura seguimos as orientações dos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa
para a educação básica do Estado de Pernambuco (2012).
Assim, este trabalho encontra-se dividido em quatro partes: na primeira está a
introdução, na qual apresentamos um breve panorama do nosso estudo, incluindo os
objetivos do presente trabalho, bem como daquele ao qual nos referimos, na segunda
apresentamos o aporte teórico, no qual situamos o leitor acerca dos nossos seguimentos
em termos da formação do leitor de literatura e seu letramento, bem como da construção
de conceito para o letramento; na terceira está a análise dos dados, onde, além de
tecermos comentários sobre os resultados do projeto acima referido, apresentamos a
metodologia do mesmo; na quarta apresentamos as considerações finais, onde
elaboramos os parágrafos conclusivos seguidos pelas referências bibliográficas.
2ª Parte
2- Aporte teórico
2.1- O leitor de literatura e seu letramento
O ensino da leitura e da escrita como prática social, desde o início da
década de 80, encontra-se no cerne das discussões da linguística no sentido de melhorar
a qualidade de educação no país. Tendo em vista em fator, apontam-se novas teorias e
concepções de ensino, mencionando no que diz respeito ao processo de alfabetização,
com foco de alfabetizar para o letramento, numa proposta interdisciplinar, gerida por
um profissional apto a conduzir tais inovações (PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS, 2001).
Por outro lado, a ideia divulgada pelos Parâmetros Curriculares de Língua
Portuguesa para a educação básica do Estado de Pernambuco (2012, p. 87) como
objetivo para a literatura é de “formar leitores que sabem e, sobretudo, gostam de ler o
texto literário, ou seja, o objetivo é “letrar literariamente” os estudantes. Esses
documentos (p.89) elencam como alguns dos motivos para ler literatura na escola o de
“conhecer nossos grandes autores, refletir sobre um tempo a partir de suas
manifestações artísticas e literárias”.
Nesse sentido contemplamos a formação do leitor de literatura a partir da leitura
de textos poéticos. Os parâmetros citados definem o leitor de literatura como sendo
“alguém que escolhe ler porque descobriu o prazer de ler” (op. cit, p. 85). Seguindo esse
raciocínio a leitura literária é vista como uma prática e consolidação do desejo de modo
que o letramento literário ultrapassa a mera leitura da poesia ou drama e se atrela
àqueles que se apropriam dela de fato por meio da experiência estética e da fruição.
Dessa forma,
“O resultado da leitura permanece associada a sentimentos “positivos” como a alegria, a esperança ou o alívio trazidos pela ficção. Essa evocação de muitas emoções é ainda mais
imediata se nos tornarmos leitores de poesia”. (ABAURRE, 2008, p. 05).
Por isso a recomendação é que o texto literário deva ser objeto central das aulas,
abordado nas dimensões de suas relações com as situações de produção e recepção,
incluindo o contexto social do movimento literário, do público leitor, da ideologia da
época e de suas relações dialógicas com outros textos da mesma época ou de outras
(CEREJA, 2005).
Segundo esse mesmo estudioso, “(...) uma metodologia consequente de ensino
de literatura deve estar comprometida com a formação de leitores de textos literários.”
(op.cit, p. 161). Se o estudante, ao término de sua formação básica, ainda não for o leitor
pretendido pelos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa para a educação básica
do Estado de Pernambuco (2012), podemos atribuir parte da responsabilidade à escola
que o formou, já que as práticas de leitura também podem ter outras origens e outras
motivações. Todavia não podemos nos esquecer de que a escola é, por excelência, a
principal agência do letramento e que o professor, membro pertencente a ela, como
verdadeiro agente do letramento é aquele que propõe tarefas que tenham como
fundamento a prática social, caracterizada em atividades cujo motivo está na própria
realização da atividade (KLEIMAN, 2001).
Formar o leitor pela via da literatura é a oportunidade que todo professor
de língua portuguesa pode desfrutar, uma vez que nas aulas de língua materna figuram
textos de toda natureza: ficcionais ou não, religiosos, verbais, não verbais, científicos
etc. Esse leitor além da prática da leitura propriamente dita de textos poéticos (leitura,
análise, debates) terá a chance de desenvolver sua capacidade de expressão oral –
desenvolver o letramento literário – se tiverem mescladas às aulas de poesia e o
momento da declamação, pois através dela ele terá a oportunidade de trabalhar sua
expressividade linguageira e corporal, entonação e.dicção, além de se apropriar da
cultura poética de uma época, o que resultará num estudante letrado.
2.2 – O que é mesmo letramento?
Seguindo a orientação teórica de Soares (1998), letramento é palavra e conceito
recentes, introduzidos na linguagem da educação e das ciências lingüísticas há pouco
mais de duas décadas. Podemos interpretar seu surgimento como resultado da
necessidade de que atualmente temos de nomear comportamentos e práticas sociais
mediadas pela leitura e escrita. Inclui-se também nesse conceito a leitura de poesias
acompanhadas de suas declamações, uma vez que essas são a continuidade daquela.
Conforme Soares (op.cit, p.34-35) “O termo letramento surgiu porque apareceu
um fato novo para o qual precisávamos de um nome, um fenômeno que não existia
antes, ou, se existia, não nos dávamos conta dele e, como não nos dávamos conta dele,
não tínhamos um nome para ele”. Acompanhando esse raciocínio o letramento acontece
quando os indivíduos / grupos se apropriam da escrita e de suas práticas sociais. Devido
as necessidades instaladas na vida moderna, a qual conta com as ofertas de leitura e
escrita do mundo virtual, hoje podemos definir o letramento como um conjunto de
práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia,
em contextos específicos, para objetivos específicos (KLEIMAN, 2001).
À medida que a vida social e as atividades profissionais tornaram-se mais
centradas na escrita, e por esse motivo, mais dependentes dela, os usos sociais da leitura
e da escrita foram ocupando posição de destaque. Poderíamos assim dizer que os
comportamentos humanos e suas atividades sociais atualmente direcionam para o
domínio dessas duas habilidades, ou seja, da leitura e da escrita como práticas
sociais.Tanto isso é verdade que, se considerarmos grande parte da nossa história, dos
valores, do conhecimento construído pela humanidade, da própria possibilidade da
fantasia, ou seja, poder ler romances, poemas, poesias, biografias etc, perceberemos que
todos esses textos estão registrados no símbolo escrito.
Vale salientar que uma coisa bem diferente é ter o domínio da escrita, outra, é
apenas conhecer o essencial no mais rudimentar uso do termo. Um indivíduo pode
muito bem ler poesia, por exemplo, mas não passar disso, apenas decodificar sem mais
outra prática adicional a essa decodificação, não consideramos letramento, pois, como
prática social a decodificação é um ato mínimo, não confere interpretação, inferências,
e, no caso do gênero acima, envolvimento, fruição e prazer.
Ler poesia na escola deve ser uma prática voltada para a conquista do
letramento, uma vez que toda produção é marcada por um momento histórico, por
características do movimento literário a qual pertence (Barroco, Arcadismo,
Romantismo, Simbolismo etc) e pelas características peculiares de seu autor. Saber
disso e interpretar os textos poéticos tendo essa base é uma das formas de crescer
culturalmente, de adquirir letramento. Levar isso a público por meio da reprodução oral,
ou seja, da declamação é pois outra forma de se apoderar de outros letramentos, pois
outras competências e habilidades estarão sendo testadas e adquiridas / desenvolvidas.
Como síntese e comprovação do que até então afirmamos, é possível
observarmos que a imprensa divulga frequentemente as exigências das empresas para
não contratarem pessoas que evidenciam desempenho linguístico inadequado a
situações de comunicação mais formal, tanto por meio da fala quanto por meio da
escrita. Ou seja, cada vez mais se exige que as pessoas demonstrem desenvoltura nas
práticas sociais constituídas por meio da escrita.
3ª Parte
3- Análise dos dados
A análise dos nossos dados será feita tendo como base os relatos produzidos pela
professora das turmas e pelos estudantes na época da culminância do projeto.
Inicialmente, para uma melhor compreensão de como foi o andamento do projeto,
apresentamos sua metodologia e, em seguida, seguem os dados comentados.
O estudo da poesia romântica foi vivenciado no período de dois (02) meses,
especificamente durante o primeiro bimestre de 2013 com as turmas do 2º ensino médio
(A, B e C) da Escola de Referência em Ensino Médio Abílio de Souza Barbosa, de
Orobó – PE. Para organizarmos aquele estudo utilizamos uma metodologia voltada para
o ensino / estudo / pesquisas e vivência da poesia românica tendo como base as fases
(gerações) em que foi dividida na história literária: 1ª geração, 2ª geração e 3ª geração,
em conformidade as aulas foram divididas em 03 etapas para o estudo de cada uma das
fases acima: 1ª, 2ª e 3ª etapas.
Nelas estudamos as características da geração, a temática predominante, o nome
dos poetas de destaque e suas poesias. Assim elas estiveram organizadas do seguinte
modo:
1ª etapa: Estudo das produções da primeira geração. Nele foram abordados a temática
do indianismo e o patriotismo. Tiveram destaque as poesias de Gonçalves Dias “Canção
do Exílio” e “Marabá”. Ainda nesse ínterim foi abordado o início do Romantismo com
sua poesia introdutória, seu autor e ano. Realizamos leituras teóricas em círculos,
discussões e apreciação / leitura de imagens de figuras do livro didático;
2ª etapa; Nos estudos da segunda geração abordamos a saudade e o amor, a ideia do
mal-do-século presente nessa época e os poetas mais significativos dessa geração, como
Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, com ênfase no estudo do poema “Meus oito
anos”. Paralelamente ao estudo desses poetas estudamos a letra da música “Esse cara
sou eu”, de Roberto Carlos como forma de aproximar / comparar/ intertextualizar a
temática do amor, do eu-lírico apaixonado em épocas distintas. Promovemos debates
sobre o papel do homem / mulher apaixonados do passado e do presente;
3ª etapa: Para o estudo da terceira geração o enfoque foi na poesia, vida e obra do poeta
baiano Castro Alves, através da leitura e análise de poemas do livro “Os Escravos”.
Fizemos ainda a leitura de um dos seus poemas líricos (“Laço de fita”) para
constatarmos um novo perfil de mulher (concreta, de carne e osso), diferentemente da
visão de mulher da segunda geração (inacessível, intocada) conforme os poemas de
Álvares de Azevedo.
Durante todo o bimestre realizamos exercícios em sala de aula os quais foram
corrigidos na aula seguinte. Também fizemos abordagens a fatos da História, a exemplo
da chegada dos portugueses. Após o estudo das três gerações foram escolhidos os
poemas a serem declamados no dia da culminância do projeto. Para melhor organizar
cada fase, escolhemos as três turmas do 2ªº ano seguindo a seguinte ordem: 2º A
apresentou a 1ª geração, seus poetas e alguns dos seus poemas; o 2º B fez o mesmo com
a segunda geração e o 2º C, com a terceira geração.
Como resultados tivemos uma série de relatos de estudantes dessas turmas e da
professora, como podemos observar nos exemplos seguintes:
Exemplo 01:
Os demais poemas estiveram voltados para a poesia social de Castro Alves, a qual foi
detalhadamente explicada pelos nomes que recebeu: condoreira, hugoana e social. Isso
fez com que os poemas seguintes ficassem mais emotivos ao serem recitados(...) (Relato
da professora)
O exemplo acima nos leva a crer na existência ou concretude do estudo amplo
da poesia romântica. A esse respeito defendemos que o trabalho em sala com poesia
deva favorecer essa amplitude, pois somente assim a diversidade é apresentada e todos
os estudantes passam a ter contato mais estreito com as produções de uma época. Pelas
palavras da professora (Isso fez com que os poemas seguintes ficassem mais emotivos ao
serem recitados (...)) podemos compreender que ela buscava levar para o recital a
emoção, a fruição, enfim o prazer de recitar, características capazes de fazer nascer ali
mesmo na sala de aula o leitor apaixonado por poesia.
O exemplo seguinte é apenas um recorte da fala de uma estudante, porém ilustra
bem o que afirmamos: nele ela afirma ter sido a participação no projeto o motivo pelo
gosto pela poesia, como podemos observar:
Exemplo 02:
“ (...)Passei a gostar de poesia com a participação do
projeto” (Maria Celeste, 2º A);
O exemplo 03 também fala da participação no recital, e em especial, do desfecho
dessa participação comprovando o que a partir da experiência com a poesia a estudante
passou a fazer, vejamos:
“(...) Após o recital minha curiosidade foi despertada e assim procurei me informar
sobre outros assuntos os quais são tão interessantes quanto os que apresentei, tornando
a meu ver, a literatura formadora do ser, pois ao ler textos, poemas, entre outros além
de falarmos e nos expressarmos melhor, escrevemos bem e assim por diante” (Samara
Souza, 2º A)
Vimos o papel da literatura sendo definido, “formadora do ser”, como bem
pontua a estudante. Compreendemos então que ela além de ter sua curiosidade
despertada para outras pesquisas, ela atribui a tudo isso o que podemos chamar de
letramento literário. Toda e qualquer atividade do professor em sala de aula deve de fato
promover a curiosidade do ir além.
4ª Parte
4.1 – Parágrafos conclusivos
A ideia de resgatar uma prática do passado através de momentos de declamação ou
recitação ficou implantada na escola. O projeto que ora apresentamos serviu de norte
para outras atividades da mesma ou de outra natureza. A esperança é que a ideia do uso
da poesia continue e se faça presente na vida dos estudantes e dos colegas educadores.
A formação do leitor de literatura (e de qualquer outra disciplina) não se faz por
imposição ou mesmo com promessas de notas. Sendo assim não é formação de leitor e
por isso ruirá. O professor deve enxergar além e promover situações para suas
estudantes motivadoras, que despertem o interesse da pesquisa. Somente assim valerá a
pena investir em projetos, pois eles não ficam no acaso, ao contrário, tem continuidade
futura.
Em outras palavras poderíamos dizer que o interessante é que o gosto pela leitura
de textos literários surja por prazer, identificação e desejo. Resta, pois ao professor o
direcionamento de muitos desses comportamentos e foi isso que o projeto “Recital
Romântico” se propôs a fazer, por sinal, com resultados significativos.
Bibliografia
ABAURRE, Maria Luíza M. et all . Guia de recursos – Fundamentação teórico –
metodológica. In: ABAURRE, Maria Luíza M. Português: contexto, interlocução e
sentido. São Paulo: Moderna, 2008.
CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o
trabalho com literatura. São Paulo: Atual, 2005.
KLEIMAN, Ângela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola.
In: KLEIMAN, Ângela B. Os significados do letramento. Uma nova perspectiva sobre
a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2001. p. 15-61.
Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: língua Portuguesa. 3ed, Brasília: A Secretaria, 2001
Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa para a educação básica do Estado de
Pernambuco. Parâmetros de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio.
Secretaria da Educação. Pernambuco Governo do Estado, 2012.
SOARES, Magda B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,
1998.
O LIRISMO EXISTENCIAL DA POESIA DE SÉRGIO DE CASTRO PINTO
EM: O CRISTAL DOS VERÕES (2007): UMA PROPOSTA DE ENSINO À LUZ
DO MÉTODO RECEPCIONAL
Gabriela Santana de OLIVEIRA12
gabrielasantana_118@yahoo.com
(Universidade Federal de Campina Grande-UFCG)
RESUMO: A presente pesquisa busca a partir de análise de alguns poemas da obra: O
Cristal dos Verões (2007) do poeta paraibano Sérgio de Castro Pinto, estudar as
questões existenciais suscitadas por meio de temas da poética do autor. Considera-se
que a poesia desse paraibano tem sido apresentada no cenário da crítica literária como
uma poética de linguagem seca, na qual os temas da subjetividade humana estariam
quase ausentes. No sentido de examinar esta conjectura, confrontando-a com outra a
esta contraposta, objetiva-se, através desse estudo, identificar na poesia de Castro Pinto
extratos textuais e discursivos que tematizem questões existenciais tais como: angústia,
finitude, morte transitoriedade, esperança, solidão, entre outros análogos. Além desse
aspecto, almejamos elaborar uma proposta que leve essa poesia para alunos do Ensino
Médio, uma vez que, infelizmente, as aulas de literatura nesse nível escolar ainda
apresentam lacunas quanto ao trabalho com a leitura integral desses textos, bem como a
inclusão da poesia paraibana em sala de aula. Nesse sentido, através do Método
Recepcional defendido por Bordini e Aguiar (1993) tencionamos elaborar uma proposta
de ensino venha instigar a boa recepção dos discentes quanto ao contato com a poesia
de Castro Pinto por meio de uma sequência didática que oportunize a leitura, o debate e
a reflexão dos alunos a partir da mediação do professor para discorrer em sala de forma
interativa à presença desses temas existenciais concernentes a sua obra poética. Desse
modo, para realizar a fundamentação desse trabalho, tomamos como aporte teórico:
Alves e Marinho (2012), Bordini e Aguiar (1993), Cosson (2006), PCNEM (2000),
OCEM (2008), RCEM-PB (2006), Todorov (2007), dentre outros.
PALAVRAS- CHAVE: Ensino, Literatura, Poesia, Temas existenciais e Método
Recepcional.
1.0 Introdução
Desde o ano de 1967 o paraibano Sérgio de Castro Pinto escreve poesia.
Entretanto, permanece desconhecido entre o grande público-leitor do Brasil, mesmo que
esse nome importante da literatura paraibana contemporânea tenha sido incluído em
várias antologias nacionais como, por exemplo: Antologia da nova poesia brasileira
(1992), Os cem melhores poetas brasileiros do século e a mais recente: Sincretismo: a
12 Mestranda em Literatura e Ensino pela UFCG e professora efetiva da rede estadual de ensino da
Paraíba. Atualmente, pesquisa sobre a obra poética de Sérgio de Castro Pinto à luz do ensino de literatura.
Com a orientação do professor Dr. José Hélder Pinheiro Alves.
poesia da geração 60 sob a organização de José Neunânne Pinto e Pedro Lyra
respectivamente. Além dessas publicações nacionais, Castro Pinto também participou
de antologias poéticas publicadas na Espanha e em Portugal.
Mesmo que ainda se encontre nesse relativo anonimato entre o grande público
leitor, sua obra poética recebeu importantes premiações a nível local e nacional pela
qualidade evidente em suas publicações. Dentre alguns desses prêmios temos: A
medalha Augusto dos Anjos que foi concedida pela Assembleia Legislativa do Estado
da Paraíba em 2008, o Ano Cultural Sérgio de Castro Pinto, o Voto de aplausos pelo
Zôo Imaginário que o imortalizou pela publicação do livro Zôo Imaginário e o 3º lugar
no quesito poesia do Concurso Nacional Gilberto de Mendonça Telles patrocinado pela
União Brasileira dos Escritores de Goiás.
A partir dessas importantes premiações recebidas como reconhecimento de sua
densidade poética, Castro Pinto ingressa na Academia Paraibana de Letras em 1996 e
tem sua poesia enquanto objeto de discussão no âmbito da crítica literária paraibana, o
que nos mostra que embora ainda seja pouco estudada e possua poucas fortunas críticas,
ela tem ganhado espaço.
De caráter Neo-vanguardista cujo poema Praxi e Neo-concretista eram bastante
cultivados, a poesia castropintiana surgiu na década de 60 com o auge do Sanhauá. Esse
importante grupo de poetas do qual o autor de O Cristal dos Verões (2007) fez parte,
buscou sua identidade no meio literário através da afirmação do estado de
marginalidade em que essa poesia se encontrou. Dentre os meios mais peculiares de o
Sanhauá negar os purismos patentes na poesia que vinha sendo produzida na Paraíba,
tínhamos as publicações de livros graficamente singelas em papel de embrulhar carne.
Através dessa maneira de utilizar o suporte gráfico e a poesia como protestos, esse
grupo de poetas conseguiram trazer para o âmbito da literatura paraibana uma poesia
nordestina de vanguarda, bem como influenciar o inicio da produção literária de Castro
Pinto que mostrava em seus primeiros livros um trabalho diferenciado por meio de uma
poesia que era quanto ao uso da linguagem e a construção estilística através de uma
maior objetividade cabralina que fez a uma nova maneira de utilizar o lirismo com forte
teor existencial seguido de fortes construções metafóricas e fonéticas. Além disso,
Castro Pinto sofreu diversas críticas negativas quanto à suposta ausência de um aspecto
mais humano e lírico em sua poesia, em que a linguagem foi considerada como “seca”
de influência latente e visível da poesia mais objetiva de João Cabral de Melo Neto. Em
decorrência dessa rejeição e críticas a essa considerada ausência de temas concernentes
à subjetividade humana, compreendemos que esse anonimato expresso com esse
importante poeta da literatura da Paraíba, refletiu o espaço de marginalidade que o
Sanhauá sofreu ao romper com os tradicionalismos patentes na poesia paraibana vigente
na década de 60, o que fez classificarem a poesia de Castro Pinto de antilírica.
Nesse sentido, essa pesquisa tem como problematização a compressão da
presença anticonfessional desse lirismo na poesia “seca” do poeta paraibano através de
um estudo de questões existenciais suscitadas na construção poemática de temas
profundamente humanos que se mostram por meio de extratos textuais e discursivos que
explicitam a presença de uma subjetividade humana nesse considerado puro antilirismo.
Com base nesse aspecto apresentado, as questões centrais desse estudo se configuram
nos seguintes questionamentos: Quais os temas existenciais relativos à finitude humana
estão presentes na poesia de Sérgio de Castro Pinto? e De que modo os alunos do
Ensino Médio receberiam essa condição humana expressa no teor existencial da poesia
de Castro Pinto?
Além desses questionamentos, a pertinência desse estudo justifica-se porque um
trabalho de natureza acadêmica que contempla a poesia de um escritor paraibano advém
do fato de existir poucas fortunas críticas que fomentem pesquisas com poetas cuja
produção literária é de alta qualidade, bem como uma abordagem à luz de uma ótica
existencial que ainda tem sido pouco estudado no âmbito acadêmico. Outro fator que
nos motivou a escolha da poesia de Castro Pinto como base do nosso trabalho, também
está relacionada com a indicação da obra: O Cerco da Memória (1993) nos vestibulares
da UFCG em 2009 e do CEFET em 2007, além do Ano Cultural Sérgio de Castro Pinto
em 2009 que foi promovido pela prefeitura municipal de João Pessoa no qual a
Secretaria de Educação reuniu professores da rede municipal de João Pessoa para
conhecerem a sua obra poética por meio de palestras e oficinas que incentivaram o
estudo de suas produções na sala de aula, visto que o livro Zôo Imaginário (2005) foi
selecionado para fazer parte do Programa Nacional Biblioteca na Escola e os
professores precisavam de um maior contato com esse autor.
Quanto aos objetivos, almejamos por meio desse estudo identificar na poesia de
Castro Pinto extratos textuais e discursivos que tematizem questões existenciais tais
como: angústia, finitude, morte, transitoriedade, esperança e solidão. Assim como,
interpretar esses sentidos existenciais como o lirismo que mesmo sendo
anticonfessional, levanta questões profundamente humanas. Por fim, objetivamos
também compreender as implicações dessa poesia para o ensino de literatura, uma vez
que tem ela sido adotada no vestibular.
Portanto, esse estudo contribui para a emergência no cenário acadêmico porque
ele vem ampliar fortunas críticas que contemplem autores paraibanos e gerar pesquisas
que vem inserir a literatura paraibana na sala de aula. Para realizarmos esse intento,
norteamos esse trabalho nas teorias de Abbagnano (2006), Barbosa Filho (1985),
(2001), (2008), Brito (1995), Bordini e Aguiar (1988), Candido (2004), Cosson (2006),
Jolivet (1975), PCNEM (2000), OCEM (2008) e RCEM-PB (2006).
2.0 O ensino de literatura e o espaço da poesia paraibana na sala de aula
Infelizmente, o ensino de literatura ainda se pauta na excessiva abordagem
histórica seguida com estilos de época com características e dados biográficos dos
autores. Essa concepção não consegue instigar os alunos a enxergarem a literatura de
forma prazerosa, todavia, o distancia desse importante saber, porque o educando não é
estimulado a ler o texto literário, o que o faz não vê sentido no que está sendo estudado
e consequentemente sentir ojeriza à literatura que ainda tem sido abordada com “apenas
uma cronologia literária, em uma sucessão dicotômica entre estilos de época”
(COSSON, 2006, p. 21).
Nesse sentido, defendemos o ensino de literatura ancorado em uma concepção
que “privilegia o contato direto do estudante com as obras literárias de diferentes
gêneros e épocas” (RCEM-PB, 2006, p. 81). Através dessa nova perspectiva, alunos e
professores terão uma maior interatividade quando estiverem estudando literatura, tendo
em vista que o texto literário terá maior relevância, de forma que através de sua leitura,
a sala de aula passará a ser um espaço de debate e reflexão.
Além disso, trabalhar a literatura de forma inovadora na sala de aula pressupõe
que as aulas terão como finalidade promover o letramento literário defendido por
Cosson (2006). No entanto, é necessário que o docente não restrinja suas aulas ao
aspecto essencialmente expositivo, porém desperte nos discentes o prazer pela leitura
literária, mesmo diante das dificuldades encontradas.
É preciso que o professor chame sempre a atenção dos educandos para o fato de que as facilitações de leitura e o pragmatismo nem sempre
levam a um amadurecimento do jovem como leitor e como pessoa.
Essa postura põe em cheque as tradicionais aulas expositivas, e sobre
tudo os modelos fechados de interpretação que ainda predominam em muitos livros didáticos. (RCEM-PB, 2006, p. 82)
Essa ausência de finalidades no ensino de literatura tem distanciado os discentes
do universo literário, pois geralmente, o livro didático enquanto importante ferramenta
pedagógica traz fragmentos de textos literários seguidas de questões que priorizam a
confirmação das formas fixas e características pontuadas no livro, o que compromete o
contato e o deleite com os gêneros em sala de aula, tais como: contos, crônicas e
poemas dentre outros.
Outra dificuldade encontrada relaciona-se ao fato de que quando as aulas de
literatura levam textos literários para a sala de aula, esse momento que deveria ser de
deleite e de aprendizado, recai nos textos fragmentados do livro didático que é seguido
de propostas de atividades que ainda apresentam lacunas quanto o incentivo a leitura
integral do texto literário e a compreensão de suas nuances a partir da experiência
leitora conforme defende Bordini e Aguiar (1988). Dessa forma, percebemos que
embora o livro didático seja uma importante ferramenta no processo de ensino-
aprendizagem, continua sem atividades que propiciem a criticidade e reflexão do
discente, mas para comprovar características dos períodos literários anteriores.
Quanto à presença da abordagem da poesia paraibana em sala de aula, também
encontramos outra dificuldade, pois geralmente os livros didáticos priorizam autores
canônicos e o aluno termina o Ensino Médio não conhecendo a sua realidade literária
local como deveria o que distancia o ensino da literatura de sua função social e
humanizadora enquanto elemento de extrema importância para se promover um
letramento literário.
Por essa razão, em decorrência da falta obras literárias em especial, de autores
paraibanos como Sérgio de Castro Pinto, além da carência de leituras pertinentes a
textos da crítica literária que auxiliem o professor quanto a sua formação intelectual,
muitos docentes que lecionam no Ensino Médio sentem dificuldades em desenvolver
práticas pedagógicas que comtemplem a literatura na sala de aula sob uma perspectiva
inovadora.
Por outro lado, os professores ainda enfrentam outras dificuldades em
possibilitar aos alunos o prazer pela leitura literária tais como: a falta ou precariedade de
bibliotecas e salas de leitura, seguido da desmotivação de docentes e discentes, dentre
outros fatores concernentes à realidade da Educação Básica do Brasil, que infelizmente,
ainda inviabilizam o professor de fazer um excelente trabalho na formação desses
jovens leitores.
Dessa forma sendo, a presente pesquisa vem trazer como proposta de estudos
tanto a nível acadêmico como na vertente do ensino de literatura a poesia paraibana
contemporânea de Sérgio de Castro Pinto, que embora não possua tantas fortunas
críticas em termos quantitativos, sua obra vem sendo merecidamente reconhecida a
partir de sua inclusão na sala de aula através da indicação do livro: O Cerco da
Memória (1993) no vestibular do CEFET em 2007 (atualmente o IFPB) e o da UFCG
em 2009, além de importantes premiações como, por exemplo: O Ano Cultural Sérgio
de Castro Pinto em João Pessoa.
2.1 Poesia seca X aspecto humano em Sérgio de Castro Pinto
Dentre as vozes mais representativas da literatura paraibana, destacamos o poeta
Sérgio de Castro Pinto. A poesia desse paraibano apresenta diversas particularidades
quanto à linguagem e significativas influências que são refletidas nos poemas escritos.
É importante ressaltarmos que a poesia de Castro Pinto possui um raro
equilíbrio, bem como instigante tensão dialógica entre a tradição da palavra e do verso,
bem como a nova visão ante o fazer poético expresso no viés vanguardista em face da
linguagem poética.
Essa característica marcante resulta da influência que a poesia castropintiana
sofreu de outros poetas, como: Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo
Neto, Cassiano Ricardo, Gilberto Mendonça Teles, Afonso Romano de Sant’Anna,
César Leal e Vital Corrêa de Araújo.
Quanto a essa influência, percebemos que o paraibano além de beber na fonte
dos poetas citados, sua poesia também se destacou pela forte e grande influência do
pernambucano João Cabral de Melo Neto quanto à “consciência da necessidade de um
texto enxuto, de um texto preciso [...] e pela contenção substantiva no corpo expressivo”
(BARBOSA FILHO, 2008, p. 21).
Todavia, essa influência direta com a poesia cabralina reflete o cenário existente
na poesia paraibana de vanguarda da década de 60 com o Sanhauá. Em meio ao
processo de metropolização da Paraíba e o contexto da Ditadura Militar no Brasil, o
engajamento e a eficácia revolucionária da palavra poética, surge o grupo Sanhauá.
Mais precisamente em 1963 surge e é marcado pela publicação do livro: Alguns
Gestos do poeta Marcos dos Anjos, visto que ele era o mentor do grupo. Essa atitude foi
uma resposta às transformações econômicas e sociais da época através da união do
impulso vanguardista do fazer “numa exploração por dentro das potencialidades de
revitalização da linguagem poética, como o sentido social e participante da lírica,
especialmente, “engajada na sondagem das motivações nordestinas” (BARBOSA
FILHO, 1989, p. 37).
Aglutinados em função do Sanhauá, os poetas Marcos dos Anjos, Marcos
Tavares, Marcos Vinícius, Anco Márcio, Ponce de Leon, A. Serafim Rêgo e Sérgio de
Castro Pinto, promovem por meio do grupo uma atitude de ruptura que vai além da
aversão a uma poética do passado, mas também no plano material dos produtos
artísticos mediante uma nova proposta editorial.
Semelhantemente, a poesia de Sérgio de Castro Pinto também teve o seu
surgimento relacionado ao grupo de poetas paraibanos que romperam com os
paradigmas teóricos e estéticos que se voltavam contra o sistema literário vigente que
subjugava o que não seguia esses padrões, bem como a “ideologia do sul que
privilegiava temários, modos de recepção e atitudes críticas” (BRITO, 1995, p. 21).
Essas reivindicações também dialogaram com a nova proposta editorial cujos livros das
Edições Sanhauá foram impressos em papel de embrulhar carne com publicações
graficamente singelas de cunho artesanais, o que refletiu a sua marginalidade.
A poesia paraibana através do Grupo Sanhauá dá um salto de aproximadamente
20 anos em comparação com outro grupo de poetas da mesma época que ficou
conhecido como Geração 59, posto que, esse grupo de poetas, diferentemente do
Sanhauá não conseguia sair do sonetismo, bem como da influência do
Neoparnasianismo.
Dessa forma, o Sanhauá objetivou reagir contra a burocracia da vida literária
paraibana que apresentava uma poética “clicheirizada na retórica das tertúlias e dos
grêmios literários” (BARBOSA FILHO, 1989, p. 37). De maneira surge no contexto de
metropolização de João Pessoa nos anos 60 e trouxe grandes contribuições para um
novo despertar no cenário literário através de uma poética que despertou a consciência
revolucionária de uma linguagem filiada à tradição da modernidade através de uma
tentativa de unir o impulso vanguardista ao fazer poético.
3.0 Análise de um poema de Sérgio de Castro Pinto: uma proposta para a sala de
aula
Os retratos dos avós
as gravatas enforcam
as palavras dos avós
e se mais tento o diálogo
mais se apertam os nós
dos avós que se enforcam
de cabeça para baixo
presos aos seus silêncios
cientes dos seus recatos
de que não podem falar
sobre o que foi viajado
e da distância que há
entre o neto e seus retratos.
No poema: Os retratos dos avós, Castro Pinto traz à tona uma reflexão em torno
da existência humana novamente. Dessa vez, temos a figura dos avós que é algo
cotidiano em muitas famílias e próprio do ciclo de vida, como também da existência
humana. O fato de nascermos e ao longo da vida construirmos uma família que no
perpassar do tempo tomam outros rumos está implícito no contexto poemático. Os
filhos, seguindo esse ciclo próprio da existência humana, constroem outras famílias.
Nessa fase de solidão, bem própria da velhice, percebemos outra vez que a
finitude humana é retomada na figura dos avós que estão em uma fase final da vida, no
qual já cumpriram suas etapas biológicas e mesmo a educação dos filhos.
Quanto aos aspectos estilísticos, observamos que não há vírgulas no poema,
apenas um ponto final, o que sugere uma reflexão da vida com ênfase no ponto final de
todo ser humano, a morte. Além desse aspecto, a leitura do poema nos direciona para
um tom elegíaco entre os “retratos dos avós” que ambiguamente podem remeter aos
retratos do neto que fica na casa dos avós, como também os retratos dos avós que
mortos estão nas lembranças do neto que ficou órfão dos seus avós,o que ocasiona a
saudade, que é um tema patente na Filosofia da Existência. O sentido de morte dos
avós, é reforçado no poema pela figura “silêncios” (7º verso) que retomam o tema
existencial da morte.
Embora a palavra solidão não apareça nos versos do poema: O retrato dos avós,
ele é pertinente ao estado de solidão em que os avós se encontram. Além desse aspecto,
o tema existencial da solidão é reforçado no poema através das figuras “silêncios” (7º
verso) e “recatos” (8º verso), pois “não podem falar /sobre o que foi viajado” (10º
verso).
Outro fator que intensifica esse estado de solidão está nos retratos do neto que
possivelmente mora longe, o que reforçado no poema pelo uso da palavra “distância”.
Como se percebe, as figuras “enforcam” (1º verso), “apertam” (4º verso) e “presos” (7º
versos), reforçam o sentimento de solidão que os sufocam, os mantém “presos aos seus
silêncios” (7º verso). Por isso, a metáfora entre as “gravatas” e os “nós” evidenciam o
caráter solitário vivido pelos avós, que “cientes dos seus recatos” (8º verso) se
confortam com lembranças do neto através dos retratos.
Essas interfaces tanto nos extratos textuais quanto nos discursivos reforçam a
tese de que os poemas de Castro Pinto apresentam diálogos com a Filosofia da
Existência, através de temas como, por exemplo, o da finitude humana e o da solidão
dos avós, o que novamente rompe o paradigma de que a poesia castropintiana é mera
linguagem seca, com ausência do aspecto humano, além de enfatizar esse cunho
existencial por meio de figuras que trazem temas subjacentes à Filosofia da Existência.
Através desse diálogo com a Filosofia da Existência, o poema da obra: O Cristal
dos Verões nos conduz à possibilidade de que o elemento humano é privilegiado por
meio do viés interior, expresso nos temas existenciais e das figuras interdicursivamente.
Diante desse estado de solidão em que os avós vivem, no qual sentem a saudade
do neto, eles se sentem angustiados porque tem consciência de que seus recatos são
decorrentes da “distância que há/ entre o neto e seus retratos” (11º e 12º versos). Esse
sentimento de angústia entre a situação de silêncio nos quais os avós vivem, está
presente nos seguintes versos: “as gravatas enforcam/as palavras dos avós” ( 1º e 2º
versos).
A metáfora estabelecida entre a figura da gravata que como sabemos é um
acessório que prende e ajusta uma camisa, de maneira que ela fica próxima ao pescoço,
demonstra que os avós se sentem angustiados, pois vivem presos e solitários. Como a
gravata no contexto poemático sugere o espaço social e público, não toma parte no
espaço privado (retrato). A intensificação dessa angústia gerada, a metáfora da gravata é
novamente reforçada por meio da imagem trazida no poema do ato de enforca-se, ou
seja, um possível suicídio, mas no contexto do poema: Os retratos dos avós esse ato de
enforcamento de cabeça para baixo com gravatas, diz respeito ao “diálogo” (3º verso)
que é impossibilitado por causa da ausência do neto, ou mesmo a ausência dos próprios
avós em relação ao neto.
O campo semântico equivalente ao enforcamento e mesmo a imagem desse
suicídio é intensificada no poema através dos extratos textuais “apertam” e “nós” (4º
verso) que sugerem não um enforcar enquanto suicídio, mas um enforcamento de
palavras, ou seja, um sentimento de angústia diante do fato de não poderem ver o neto e
nem dialogarem, posto que eles vivem na solidão.
Diante da leitura do poema: Os retratos dos avós, percebemos que por traz da
linguagem considerada seca, ou mesmo de raízes cabralinas, o elemento humano é
evidente na produção poética do paraibano Sérgio de Castro Pinto.Observamos também
que os poemas da obra: O Cristal dos Verões dialogaram interdiscursivamente com a
Filosofia da Existência, através da presença patente de extratos textuais e discursivos
que tematizam questões pertinentes à condição humana, confirmando, assim o caráter
plurissignificativo do texto literário. Além disso, a poesia castropintiana também tem
contribuído para se enfatizar os temas que desvelam esses sentimentos da ótica humana.
Quanto ao âmbito do ensino esse poema pode ser trabalhado na sala de aula com
a seguinte proposta:
Roteiro de trabalho com o poema no Ensino Médio:
Levantamento do horizonte de expectativas do aluno a partir de um questionário
que identifique sua leitura de mundo sobre a literatura;
Seleção dos poemas a partir da realidade encontrada;
Escolha de poemas que tragam essas temáticas existenciais;
Momento de leitura em sala de aula através do debate e da reflexão sem limitar
esse momento a uma aula essencialmente expositiva;
Antes de realizar a leitura desse poema (em uma aula anterior) pedir para os
alunos levarem retrato dos seus avós;
Deixar a sala em círculo e não filas para que os alunos possam falar sobre a
convivência com os avós, o que eles representam ou representaram, de modo
que, o aluno possa interagir na aula.
Após esse encontro levar o poema para a sala e pedir que os alunos realizem a
leitura silenciosa;
Posteriormente, realizar leitura oral e iniciar a discussão do poema a partir dos
questionamentos feitos aos alunos;
Estudo dos temas existenciais encontrados e estudo do gênero lírico com base
nesses aspectos encontrados no poema, sem limitar esse aprendizado a
memorização de conceitos definidos no livro didático de Língua Portuguesa.
4.0- Considerações Finais
Esta pesquisa nos conduziu a reflexão de que embora a poesia do paraibano
Sérgio de Castro Pinto seja classificada de antilítica, é possível inseri-la em sala de aula
a partir de um novo olhar que promova momentos de leitura, debate e reflexão dos
alunos, assim como, a compreensão de que essa linguagem aparentemente seca,
apresenta temas concernentes à subjetividade humana que evidenciam presença de
lirismo.
Sendo assim, através do método Recepcional, o professor tem uma maior
possiblidade de desenvolver momentos de leitura de poemas de um autor paraibano e
contemporâneo em sala de aula. Além desse aspecto, uma proposta como essa vem
favorecer o estudo do gênero lírico mediante a experiência leitora, uma vez que o livro
didático de Língua Portuguesa ainda tem trazido atividades voltadas para as formas
fixas e a caracterização homogênea do lírico.
5.0- Referências
ABBAGNANO, Nicola. Introdução ao existencialismo. Tradução de Marcos
Marcionilo. São Paulo: Martins, 2006.
BARBOSA FILHO, Hildeberto. Sanhauá: Uma ponte para a modernidade. João
Pessoa: Edições FUNESC, 1989.
_____________, Arrecifes e Lajedos: breve itinerário da poesia na Paraíba. João
Pessoa: Editora da UFPB, 2001.
_____________, O pó dos sábados, memória dos domingos!: Sobre Sérgio de Castro
Pinto. João Pessoa: Ideia, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério de Educação,
2000.
________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Conhecimentos de
língua portuguesa. In: Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens,
códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério de Educação, 2008.
BRITO, João Batista B. de. Signo e imagem em Castro Pinto. João Pessoa: Editora
Universitária da UFPB, 1995.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
PARAÍBA. Secretaria de Estado da Educação e Cultura. Coordenadoria de Ensino
Médio. Referenciais Curriculares para o ensino médio da Paraíba: linguagens,
códigos e suas tecnologias. Girleard Medeiros de Almeida Monteiro (coordenadora
geral) João Pessoa: [s.n.], 2006.
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Tradução de Caio Meira. São Paulo:
Difel, 2007.
Corpus:
PINTO, Sérgio de Castro Pinto. O cristal dos verões, poemas escolhidos: 40 anos de
poesia (1967- 2007). São Paulo: Escrituras, 2007.
NARCISA AMÁLIA: MAIS QUE UM BELO SEXO, UMA VERDADEIRA VOZ
(FEMININA) NA LITERATURA BRASILEIRA
Saionara Ferreira ALVES
13 (UFCG)
Paulo Ricardo Soares PEREIRA14
(UFCG)
Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro ALVES 15
(UFCG)
Resumo: A poesia lírica produzida por mulheres, no século XIX, é praticamente
desconhecida de leitores que se dedicam às Letras. Livros de História da Literatura
brasileira, em sua grande maioria, nem se quer citam os nomes das poetisas. Dentro
deste contexto de esquecimento está a poesia de Narcisa Amália, poetisa, professora e
jornalista. Antes de tudo, mulher de todos os tempos, provida da sensibilidade literária
de uma poetisa e com a alma crítica de uma jornalista defensora das ideias libertárias.
Este trabalho tem como objetivo realizar uma rápida apresentação da poetisa – temas e
procedimentos predominantes – e estudar mais particularmente os poemas Resignação e
Perfil de escrava, observando essencialmente entre outros aspectos, a linguagem, a
temática e a ligação ou não com o Romantismo. Fundamentará nossa leitura as
reflexões de PAIXÃO (1991); CANDIDO (2008); ASSIS (1992) e RAMOS (1963).
Esta análise vem ainda, para ressaltar a importância dessa escritora para a literatura
brasileira, uma vez que, Narcisa Amália foi muito mais do que uma simples poetisa
resendense. As descobertas nos estudos sobre Narcisa Amália revelam com surpresa,
que ela é considerada – mesmo que pouco lembrada – como uma das mais significativas
e notável autora e mulher do século XIX, merecendo então, ser sempre lembrada, ter
sua memória reavivada e assim, ser reconhecida.
Palavras-chave: Narcisa Amália. Romantismo. Lírica Feminina.
1. Introdução
No ensino básico nos deparamos com a literatura, porém de uma forma diferente
com a que nos deparamos no ensino superior, em se tratando de poetas e poetisas,
percebemos que as poetisas só são mais lembradas quando se refere ao Modernismo, no
entanto as que fizerem parte do século XIX, poucas são lembradas e foram deixadas
fora do cânone. A poesia lírica produzida por mulheres, no século XIX, é praticamente
desconhecida de leitores que se dedicam às Letras. Livros de História da Literatura
brasileira, em sua grande maioria, nem se quer citam os nomes das poetisas.
Diante dessa lacuna existente na literatura, nosso objetivo é realizar uma rápida
apresentação da poetisa Narcisa Amália – temas e procedimentos predominantes – e
estudar mais particularmente os poemas Resignação e Perfil de escrava, observando
13 Estudante de Letras Português da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Atualmente é
monitora da disciplina Teoria da Narrativa – saionara.ferreiraalves@hotmail.com 14 Estudante de Letras Português da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), onde também é
bolsista do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID), subprojeto Letras. –
pauloricardo_sp_@hotmail.com 15 Professor, doutor, Associado II da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), PB. Tem
experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes
temas: literatura e ensino, poesia, literatura infantil, contos e literatura de cordel. – helderpin@uol.com.br
essencialmente entre outros aspectos, a linguagem, a temática e a ligação ou não com o
Romantismo.
O corpus analisado nesse trabalho é constituído por dois poemas de Narcisa
Amália, quais são: Resignação e Perfil de escrava. Vale ressaltar que por ter sido uma
poetisa praticamente desconhecida, os seus poemas não são fáceis de ser encontrados,
logo, o critério para a escolha desses dois poemas se deu pelo fato de se tratarem de
temas diferentes, como veremos mais detidamente na análise.
Diante desses termos, selecionamos algumas referências teóricas que fornecerão
subsídios inerentes à produção desse trabalho, tais como: ASSIS (1992), CANDIDO
(2008); PAIXÃO (1991) e RAMOS (1963). A justificativa de trabalharmos com essa
poetisa se dá pelo fato de que a mesma foi muito mais do que uma simples poetisa
resendense e para salientar a sua importância como escritora para a literatura brasileira.
A relevância de estudarmos essa trovadora se dá pelo fato de ela ser uma das
mais significantes e notáveis autoras do século XIX, merecendo dessa forma ser
lembrada e reconhecida diante do lirismo feminino. Salientamos, por fim, que esse
trabalho apresenta, além dessa introdução, outras sessões: Pressupostos Teóricos;
Análise e Discussão dos Poemas; e for fim, as Considerações Finais.
2. Pressupostos Teóricos
2.1 O Romantismo
Antes de qualquer coisa, é necessário fazer uma distinção entre romantismo e
Romantismo. O romantismo é um estado de alma ou uma posição diante do mundo que
pode ser sinônimo de idealismo. Pode, portanto, ocorrer em qualquer período. O
Romantismo é um estilo de época, um movimento artístico, que ocorreu em um
determinado momento histórico como forma de expressão artística.
O gosto pela cultura clássica, que se inicia no século XVI, com o renascimento,
perdura até o século XVIII. Com o tempo, ele se foi se restringindo ao público
aristocrático, formado pela nobreza e pelo clero. Com a ascensão da burguesia ao poder
na França, em 1789, surge a necessidade de uma arte sintonizada com aquele contexto
social e com a sensibilidade o novo público que se formava. Essa arte é o Romantismo.
A época representada culturalmente pelo Romantismo – das duas últimas
décadas do século XVIII até a metade do século XIX – é o resultado das transformações
que já vinham ocorrendo desde o início do século XVIII em vários planos: econômico,
social, político e ideológico.
Como expressão cultural e um turbulento período da história, não se pode
esperar que o movimento romântico fosse equilibrado e uniforme. Ao contrário, ele traz
as contradições e as marcas próprias de uma revolução: otimismo e reformismo social,
decepção, e pessimismo, saudosismo e contrarrevolução.
O sentido da aventura e a criação individual é a única lei imposta pelo romantismo, o que permite que cada escritor possa conceber a sua
poética. Dominante na primeira metade do século XIX, o movimento
apresentaria assim uma grande multiplicidade de atitudes e
características. Daí, talvez, não ter chegado a elaborar uma poética que totalizasse as suas características e inovações, o que foi
compensado pela ação das grandes figuras românticas. (CANDIDO,
2008, p.157).
É justamente neste seleto grupo as “figuras românticas” que podemos e devemos
(re)pensar a poesia de Narcisa Amália. Na arte romântica, particularmente na poesia, o
eu lírico, substancialmente, volta-se para sim mesmo, buscando retratar com
profundidade seu muno interior e suas dificuldades em “relacionar-se” com o mundo
exterior. “Ressalta-se nele (diz-se o Romantismo) a ruptura do equilíbrio a vida interior,
com o triunfo da intuição e da fantasia, as quais alimentam o contraste entre as
aspirações e a realidade.” (CANDIDO, 2008, p.158).
(...) o romântico exprime a insatisfação do mundo contemporâneo: inquietude, tristeza, aspiração vaga ou imprecisa, anseio e algo melhor
do que a realidade, inconformismo social, ideais políticos e de
liberdade, entusiasmo nacionalista. Dá grande ênfase à vida sentimental, tornando-se intimista e egocêntrico, enquanto o coração é
a medida mais exata da sua existência. (...) Também alimenta o
sentimento religioso, vibra com a pátria e se irmana com a humanidade. Pula assim do círculo fechado de sua fantasia interior
(...) para cogitações morais e espirituais (...).(CANDIDO, 2008,
p.158).
No Brasil, a história do Romantismo confunde-se com a própria história política
brasileira durante o século XIX.
Ainda no Brasil é o que nos abre novas perspectivas, nova visão do
nosso passado, a nossa formação, da nossa paisagem e principalmente
da nossa realidade, que se fez então sujeita à deformação bovarista.
Esse sentimento se reverte assim ao presente, que é tomado nos seus aspectos sociais e políticos, defendidos ou combatidos sob o apanágio
dos direitos do homem livre, no caso particular do Brasil, a abolição a
escravidão, dando matéria para o romance, o teatro e a poesia social. (CANDIDO, 2008, p.160).
Com o subjetivismo romântico, as suas cogitações morais, a sua religiosidade, ou com a interpretação do ser individual, cultivamos a
visão total da nacionalidade, da nossa paisagem física e social, da
nossa sensibilidade, valores e tradições, das lutas sociais e políticas do
momento. E assim, ao mesmo tempo em que se faz acentuadamente nacional, pelos temas e pelo estilo, o romantismo no Brasil,
progressivamente, também se preocupa com o sentido da sua
universalização. (CANDIDO, 2008, p.167).
O Romantismo brasileiro contou com um grande número de escritores com uma
vasta produção. “Amor, religião, sentimento da natureza e da sociedade são as grandes
constantes do lirismo romântico, sobretudo na poesia.” (CANDIDO, 2008, p.159).
2.2 Narcisa Amália
Escritora, jornalista, professora... Antes de tudo, mulher de todos os tempos,
provida da sensibilidade literária de uma poetisa e da alma crítica de uma jornalista
defensora das ideias libertárias. Narcisa Amália de Campos nasceu em São João da
Barra, Rio de Janeiro, a 03 de abril de 1852. Aos 11 anos se transfere para Resende com
a família e catorze casa-se com João Batista da Silveira, de quem se separa alguns anos
depois.
Em 1872, publica seu primeiro e único livro de poesias, Nebulosas, que alcança
grande repercussão nos meios literários. “Seu renome foi tal na ocasião, que, publicadas
as Nebulosas (1872), o próprio Imperador a quis conhecer e declamou para ela estrofes
do livro. Narcisa Amália de Campos, além de poetisa de talento, parece ter sido, a julgar
pelo retrato, uma formosa mulher.” (RAMOS, 1963, p. 362). “Os poemas de Nebulosas
são expressivos na exaltação da natureza, nas lembranças a infância e no amor à pátria.”
(PAIXÃO, 1991, p. 84).
Além desse livro, Amália publicou ainda um livro de contos, Nelúmbia, e
prefaciou – Duas palavras sobre este livro – a Flores do campo, de Ezequiel Freire,
além de inúmeras colaborações em jornais e revistas.
As Flores do Campo (...) tiveram a boa fortuna e trazer um prefácio
devido à pena delicada e fina de D. Narcisa Amália, essa jovem e bela poetisa, que há anos aguçou a nossa curiosidade com um livro de
versos (...) Naturalmente, a simpatia da escritora vai de preferência às
composições que mais lhe quadram a boa índole, e, no nosso caso basta conhecer a que lhe arranca maior aplauso, para adivinhar todas
as delicadezas da mulher. (ASSIS, 1992, p. 832).
Uma das primeiras mulheres do Brasil a romper com o preconceito do que era
considerado masculino e feminino, abordando temas e explorando assuntos que até
então eram considerados exclusivamente de homens, não se limitando assim, ao
romantismo amoroso que se esperava de uma literatura feminina. Através de suas
poesias e em artigos e jornais divulgava suas ideias em apoio ao regime republicano e
contra a escravidão e a condição submissa imposta à mulher pela sociedade
conservadora da época.
Casa novamente, dessa vez com Francisco Cleto da Rocha. O segundo
casamento não poderia durar muito, devido às diferenças intelectuais que separavam o
casal. Narcisa Amália é obrigada a deixar a cidade que considerava sua terra,
pressionada por campanha maledicente movida pelo marido despeitado. “O seu poema
dedicado a Resende exprime a dor ao se ver obrigada a abandonar a cidade onde havia
estabelecido seus pontos de referência, condição essencial para que possa construir sua
identidade.” (PAIXÃO, 1991, p. 85).
A vocação de Narcisa literária de Narcisa Amália se extingue, vítima o
preconceito social por sua condição de mulher. A sociedade da época ainda não estava
acostumada a ver sobressair um talento feminino desse porte e se assusta. Narcisa
Amália morre aos setenta e dois anos, cega e paralítica, no dia 24 de junho de 1924.
3. Análise e Discussão dos Poemas
O estudo dos poemas a seguir (01 e 02 - Resignação e Perfil de escrava,
respectivamente) nos leva a identificar algumas características da linguagem (da
temática...) e outros aspectos que também marcam a produção da poetisa Narcisa
Amália.
1. Resignação
No silêncio das noites perfumosas,
Quando a vaga chorando beija a praia, Aos trêmulos rutilos das estrelas,
Inclino a triste fronte que desmaia.
E vejo o perpassar das sombras castas Dos delírios da leda mocidade;
Comprimo o coração despedaçado
Pela garra cruenta da saudade.
Como é doce a lembrança desse tempo
Em que o chão da existência era de flores, Quando entoava o múrmur das esferas
A copla tentadora dos amores!
Eu voava feliz nos ínvios serros Empós das borboletas matizadas...
Era tão pura a abóbada do elísio
Pendida sobre as veigas rociadas!...
Hoje escalda-me os lábios riso insano,
É febre o brilho ardente de meus olhos: Minha voz só retumba em ai plangente,
Só juncam minha senda agros abrolhos.
Mas que importa esta dor que me [acabrunha, Que separa-me dos cânticos ruidosos,
Se nas asas gentis da poesia
Eleva-me a outros mundos mais formosos?!...
Do céu azul, da flor, da névoa errante,
De fantásticos seres, de perfumes,
Criou-me regiões cheias de encanto, Que a luz doura de suaves lumes!
No silêncio das noites perfumosas Quando a vaga chorando beija a praia,
Ela ensina-me a orar, tímida e crente,
Aquece-me a esperança que desmaia.
Oh! Bendita esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
De longe vejo as turbas que deliram, E perdem-se em desvios tortuosos!...
2. Perfil de escrava
Quando os olhos entreabro à luz que avança
Batendo a sombra e a pérfida indolência,
Vejo além da discreta transparência
Do níveo cortinado uma criança.
Pupila de gazela – viva e mansa,
Com sereno temor colhendo a ardência... Fronte imersa em palor... Rir de inocência,
- Rir que trai ora a angústia, ora a [esperança...
Eis o esboça fugaz da estátua viva, Que – de braços em cruz – na sombra [avulta
Silenciosa, atenta, pensativa!
- Estátua? Não, que essa cadeia estulta
Há de quebrar-te, mísera cativa,
Este afeto de mãe, que a dona oculta!
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Inicialmente, em um nível lexical, analisando os poemas percebemos uma
linguagem recorrente, expressões como: noite, sombra, cruenta, saudade, plangente,
agros, lágrima, angústia, horror, deslumbrada, nevoeiro, frio, triste, lânguido, tristeza.
Procede-se a utilização de substantivos (na maioria indicando generalização) e seus
qualificadores/caracterizadores, isto é, adjetivos – a combinação semelhante de
substantivo e adjetivo. “Como tema recorrente nessa poesia feita por mulheres, o
inverno, o frio, a noite invocam uma tristeza que insiste em se fazer presente (...)”
(PAIXÃO, 1991, p. 71).
O valor simbólico da noite representa o inconsciente, os instintos adormecidos, o recalque, o que disciplina para viver o dia, o que não é
dito, mas se apresenta metaforicamente (...) o silêncio e a ausência de
luz imprimem ao ser humano a volta para dentro de si mesmo, que
pode se fixar num ponto de absoluta nulidade, porque não comprometido. A noite e o silêncio são como estados de Nirvana,
onde reina o absoluto dentro do nada. É o momento em que o ser se
despoja dos seus atributos e se deixa conduzir, em liberdade, ao encontro do EU. (PAIXÃO, 1991, p. 88).
No nível sintático, verificamos o predomínio da ordem indireta das frases além
do uso de interrogações, exclamações e reticências. Já no nível semântico, destacamos
como figuras de linguagem, as metáforas, os paradoxos e personificações. “A metáfora
da noite, na poesia de Narcisa Amália , mostra esse lado obscuro da mente que promove
o recalque , uma forma de defesa contra algo que não quer revelado, mas que se mostra
no simbólico.” (PAIXÃO, 1991, p. 89).
Outros pontos de destaque são: o retorno ao passado; a presença de elementos da
natureza, sendo esses como um prolongamento do próprio poeta (eu lírico) e seu estado
de espírito; o registro de elementos sensoriais; a metalinguagem; e a presença de
elementos mitológicos (antiguidade pagã). A seleção vocabular, a utilização de ritmos e
sonoridades ao gosto da sensibilidade da poetisa fazem dos poemas analisados,
verdadeiros instrumentos de autenticidade. Notamos então que a relação entre o artista
romântico – a poetisa – e o mundo é sempre mediada pela emoção. Qualquer que seja o
tema abordado – amoroso, político, social – o tratamento literário revela grande
envolvimento emocional do artista. Certos sentimentos, com saudade, tristeza são
constantes não só nos poemas observados como no conjunto dos textos românticos.
De maneira geral, acentua-se na poesia romântica o seu caráter
intimista, uma vez que ela devia ser, conforme os próprios românticos,
a voz do coração ou a expressão de um pensamento divino. Daí porque o poeta se põe em primeiro plano, como um ser privilegiado e
até mesmo deslocado no seu meio, cabendo-lhe, excepcionalmente,
uma missão de reformador ou de profeta. (CANDIDO, 2008, p.163).
Em uma análise mais detida do primeiro poema – Resignação – começaremos
pelo próprio nome do poema, Resignação, que podemos inicialmente inferir uma ideia
referente ao poema, pois resignar é o mesmo que submeter-se á vontade de alguém ou
ao destino, ao decorrer da análise detida de cada verso, saberemos do que se trata essa
resignação de que a poetisa fala.
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Partindo para a primeira estrofe, percebemos que o eu lírico encontra-se na
praia, podemos verificar através do verso “Quando a vaga chorando beija a praia” e
quando usa o termo vaga refere-se às ondas do mar e está sobre o silêncio da noite
como podemos ver no verso “No silêncio das noites perfumosas” e que sobre o trêmulos
brilhos das estrelas “Aos trêmulos rutilos das estrelas” esse eu lírico cai com o rosto
sobre a areia da praia e desmaia, “Inclino a triste fronte que desmaia”.
Na segunda estrofe é como se o eu lírico em seu desmaio começasse a ver/passar
uma geração de família, que fica claro no verso “E vejo o perpassar das sombras
castas”, pois casta refere-se à geração, família ou povo. A partir dessa visão o eu lírico
começa a delirar lembrando-se de sua alegre mocidade “Dos delírios da leda mocidade”.
Leda é um nome de origem no latim que significa alegre, e consequentemente seu
coração despedaçado é comprimido pela saudade “Comprimo o coração
despedaçado/Pela garra cruenta da saudade”.
Na terceira estrofe o eu lírico continua com lembrança desse tempo “Como é
doce a lembrança desse tempo” e que nesse tempo tudo era bom “Em que o chão da
existência era de flores” e que sobre o murmúrio/som das águas “Quando entoava o
múrmur das esferas” a tentação dos amores era inspiração para a copla (pequeno poema
lírico de inspiração popular) “A copla tentadora dos amores!”.
A quarta estrofe percebemos que o eu lírico era feliz (fazendo uso da metáfora
“voava”) nas serras que ainda não existia caminhos “Eu voava feliz nos ínvios serros”, e
após o voo das borboletas cheias de cores “Empós das borboletas matizadas...” o céu
dos justos/virtuosos ficavam tão puro “Era tão pura a abóbada do elísio” que se sentia
suspensa sobre os campos férteis e cultivados cheios de orvalho “Pendida sobre as
veigas rociadas!...”.
Na quinta estrofe é como se o eu lírico “acorda-se” de suas visões e vê que não
se encontra mais na sua mocidade e pensa que está insano/louco “Hoje escalda-me os
lábios riso insano/ É febre o brilho ardente de meus olhos:” e que sua voz só ecoa em
choro/pranto “Minha voz só retumba em ai plangente,” e que esse choro/pranto só faz
cobrir o seu “novo” caminho que tornou-se estreito, que antes era alegre e doce que
agora se tornou árduo e difícil. Na sexta estrofe o eu lírico apesar de encontrar-se nesse
sofrimento, nessa dor que lhe adoece “Mas que importa esta dor que me acabrunha,/Que
separa-me dos cânticos ruidosos,” ele encontra conforto através da poesia “Se nas asas
gentis da poesia/Eleva-me a outros mundos mais formosos?!...”. A sétima estrofe descreve o que o eu lírico encontra nos outros mundos famosos
em que a poesia a leva “Do céu azul, da flor, da névoa errante,/De fantásticos seres, de
perfumes,” e que a partir desses novos mundos criou-se dentro de si um novo encanto
cheio de luz “Criou-me regiões cheias de encanto,/Que a luz doura de suaves lumes!”.
Na oitava estrofe o eu lírico retoma os dois primeiros versos, só que de forma diferente,
é como se agora aquela praia naquele silêncio da noite a ensinasse ter esperanças diante
de todo sofrimento e dor “No silêncio das noites perfumosas/Quando a vaga chorando
beija a praia,/Ela ensina-me a orar, tímida e crente/Aquece-me a esperança que
desmaia.”.
Na última estrofe é como se o eu lírico acaba-se aceitando o seu sofrimento/dor
que tanto lhe adoece, pois ela percebe que estes delírios que antes ela passou, que lhe
perturbou acabam tomando outra direção “Oh! Bendita esta dor que me acabrunha,/Que
separa-me dos cânticos ruidosos,/De longe vejo as turbas que deliram,/E perdem-se em
desvios tortuosos!...” Ao final dessa análise e retomando ao nome do poema
Resignação, podemos inferir que o eu lírico apesar de ter tido uma mocidade alegre e
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doce, encontra-se agora em um novo caminho que é de sofrimento/dor, ou seja, ela
submeteu-se ao seu destino, aceitou toda a sua aflição. “O que realmente caracteriza um
estilo é aquilo que determina o tratamento dos temas preferidos, que podem ser
originais do momento ou retomados a tradições de estilos anteriores.” (CANDIDO,
2008, p.159).
4. Considerações finais
O romantismo é a expressão cultural e uma época de transformações e rupturas, de
lutas e incertezas e, por isso, nele convivem tenências ou aspectos variados e
contraditórios. Contudo, essa riqueza de formas, temas e atitudes foi instrumento
primordial – mesmo que momentâneo para alguns – de libertação e para a disseminação
dos diferentes discursos e manifestações poéticas, essencialmente, pelas mulheres –
verdadeiras poetisas – sufocadas, policiadas e “presas” a convenções de uma sociedade
patriarcal e preconceituosa, uma vez que, a poesia serviu a Narcisa Amália como
exercício de resistência às investidas dessa sociedade, onde os valores femininos eram
inevitavelmente a fragilidade e a subordinação social.
Reiteramos a relevância dos estudos e discussões voltados para a mulher que
escreve – substancialmente aquela escrita de autoria do passado, sendo claramente
perceptível que tal abordagem não se configura como algo ultrapassado ou fora de
moda.
5. Referências
AMÁLIA, Narcisa. In A Família. Rio de Janeiro, 31 dez. 1889. Disponível em <
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/narcisa_vida.html> acessado em 17.
Jul.2013.
________, ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE RESENDE. Disponível em
<http://arquivoresende.blogspot.com.br/2009/04/poetisa-narcisa-amalia-156-anos.html>
acessado em 15. Jul.2013.
ASSIS, Machado de. A nova geração. In: Crítica Literária. Rio de Janeiro, 1992.
CANDIDO, Antônio. Romantismo. In.: Presença da Literatura Brasileira: história e
antologia. 13 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
CEREJA, William Roberto. Literatura Brasileira. – 2 ed. Refor. – São Paulo: Atual,
2000.
GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons e Ritmos.13 ed. São Paulo: Ática, 2000.
PAIXÃO, Sylvia P. A fala a menos. A repressão do desejo na poesia feminina. Rio de
Janeiro, 1991.
RAMOS, P. E. da Silva. Poesia Romântica. In.: Poetas Românticos. São Paulo, 1963.
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