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Monografia apresentada ao Curso de Design com habilitação em Projeto de Produto e Programação Visual das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila como Trabalho de Conclusão de CursoOrientador: Prof. Dr. Nelson Tavares Matias
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CAMILA BORGES RIBEIRO
DESIGN DE MODA: MINI COLEÇÃO UTILIZANDO UPCYCLING DE RESÍDUOS TÊXTEIS
LORENA, 2012
CAMILA BORGES RIBEIRO
DESIGN DE MODA: MINI COLEÇÃO UTILIZANDO UPCYCLING DE RESÍDUOS TÊXTEIS
Monografia apresentada ao Curso de Design com habilitação em Projeto de Produto e Programação Visual das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila como Trabalho de Conclusão de Curso
Orientador: Prof. Dr. Nelson Tavares Matias
LORENA, 2012
391
Ribeiro, Camila Borges
Design de moda: mini coleção utilizando upcycling de resíduos. Lorena – Camila Borges Ribeiro – 2012
128 f.
Monografia (Graduação em Design) – Faculdades Integradas Teresa D’Àvila, 2012
Orientador: Prof. Me. Nelson Tavares Mathias
1.Design 2.Design de Moda 3.Upcyling 4.Resíduos Têxteis
R484d
CAMILA BORGES RIBEIRO
DESIGN DE MODA: MINI COLEÇÃO UTILIZANDO UPCYCLING DE RESÍDUOS TÊXTEIS
Monografia apresentada ao Curso de Design com habilitação em Projeto de Produto e Programação Visual das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila como Trabalho de Conclusão de Curso
Orientador: Prof. Dr. Nelson Tavares Matias
BANCA EXAMINADORA
Faculdades Integradas Teresa D’Ávila
Faculdades Integradas Teresa D’Ávila
Faculdades Integradas Teresa D’Ávila
Lorena, 27 de novembro de 2012
A minha mãe, Aureci, por ser minha inspiração. Ao meu pai, Cesar, por ser
meu mestre. Aos meus queridos amigos e professores.
“Sou contra a moda que não dure. É o meu lado masculino. Não
consigo imaginar que se jogue uma roupa fora só porque é
primavera.”
Coco Chanel
RESUMO
O projeto trata-se do desenvolvimento de uma pequena coleção de roupas feitas com materiais residuais têxteis a fim de prolongar a vida útil dos mesmos. O trabalho está alicerçado em um conceito que surgiu em resposta ao atual modelo da indústria têxtil, e tem como base as premissas do desenvolvimento sustentável minimizador de impactos tanto ambientais quanto sociais, além da preocupação com a sazonalidade detectada na moda e com a quantidade de tendências em prazos cada vez mais curtos, responsável pela obsolescência perceptiva e o recorrente descarte de materiais com vida útil longa.
Palavras-chave: design, moda, upcyling, slow, fashion, reutilização, têxtil.
ABSTRACT
The project is about the development of a small clothes’ collection made from textile waste materials in order to prolong their useful life. The work is rooted on a concept that has arisen in answer to the present model of the textile industry, and is based on the sustainable development premises, minimizing the environmental and social impacts, as well as concern about the seasonality detected in fashion and with the amount of trends in ever shorter deadlines, responsible for perceptive obsolescence and the recurrent disposal of materials with long service life.
Keywords: design, fashion, upcyling, slow, fashion, reuse, textile
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O ciclo da moda que acontece em cada estação ............................ 27
Figura 2 - Trickle-down e Bubble-up, as duas teorias de disseminação de uma
tendência .......................................................................................................... 29
Figura 3 - Consumo de energia (MJ/kg) das Fibras ......................................... 33
Figura 4 - Consumo de água (L/Kg) das fibras ................................................. 34
Figura 5 - Entre os materiais presentes nos produtos e-fabrics: tecidos de
algodão orgânico, fibras naturais e couro alternativo. ...................................... 39
Figura 6 - Coleção de inverno/07 Osklen “AmazonGuardians” ........................ 39
Figura 7 - Desfile Animale SPFW Verão 2013 ................................................. 41
Figura 8 – Bio jóias de Ronaldo Fraga com a Cooperativa de artesãs de
Tucumã, do Pará .............................................................................................. 42
Figura 9 - Irmãs Green, moda com responsabilidade ecológica e social, mas
não tem estética hippie ....................................... Erro! Indicador não definido. Figura 10 - Algumas marcas de moda ecofriendly brasileiraErro! Indicador não definido. Figura 11 - Linha do tempo dos tecidos antigos ............................................... 45
Figura 12 - Fibras têxteis .................................................................................. 46
Figura 13 - Porcentagem de fibras do tecido utilizado na roupa ...................... 46
Figura 14 - Musseline de poliéster ................................................................... 50
Figura 15 - Vestido de viscose estampada ...................................................... 50
Figura 16 - Vestido de tafetá Reinaldo Lourenço ............................................. 51
Figura 17 - Conjunto Herchcovitch com cetim duchese ................................... 51
Figura 18 - Exemplo de resíduos gerados no corte dos moldes ...................... 53
Figura 19 - resíduos acumulados em sacos no Bom Retiro ............................. 54
Figura 20 - Brechó e Antiquário Minha Avó Tinha, localizado em São Paulo .. 55
Figura 21 - Modelo Alicia Zukcman, famosa pelo estilo composto por peças de
brechó .............................................................................................................. 56
Figura 22 - Estilo retrô nas ruas ....................................................................... 57
Figura 23 - Casaco a partir de uma vela de windsurf ....................................... 58
Figura 24 - Upcycling Fashion Store, loja alemã que reúne marcas que
reaproveitam materiais ..................................................................................... 59
Figura 25 - Coleção "Conexão", upcycling de uma fábrica do Sri Lanka ......... 60
Figura 26 - Bolsas Cavalera feitas a partir de sacos de cimento ...................... 60
Figura 27 - Bolsas e sapatilhas Prada feitas com tecidos de estoques antigos 61
Figura 28 - Partes das calças jeans separadas na fábrica ............................... 61
Figura 29 - Resultado: desfile Gustavo Silvestre verão 2011, vestido Upcycled
......................................................................................................................... 62
Figura 30 - Fluxograma dos dois tipos de fornecimento de matéria prima para o
projeto .............................................................................................................. 64
Figura 31 – Retalhos estocados ....................................................................... 65
Figura 32 - Retalhos separados por cor ........................................................... 66
Figura 33 - Retalhos de moletom mostarda ..................................................... 66
Figura 34 - Retalhos de moletom vermelho ..................................................... 66
Figura 35 - Retalhos de moletom laranja ......................................................... 67
Figura 36 - Retalhos de moletom azul .............................................................. 67
Figura 37 - Partes e retalhos de gabardine branca .......................................... 67
Figura 38 - Zíperes usados que estavam estocados sem utilidade .................. 68
Figura 39 - Retalhos diversos de sarja, tule e cetim ......................................... 68
Figura 40 - Manequins utilizados para a moulage ............................................ 69
Figura 41 - Moldes base de saia e blusa e as posições de pences mais comuns
para dar forma à peça ...................................................................................... 70
Figura 42 - Medidas do corpo para vestuário ................................................... 72
Figura 43 - Tabela internacional aproximado de padrão de medidas para o
vestuário ........................................................................................................... 72
Figura 44 - Costura overlock ............................................................................ 74
Figura 45 - Costura galoneira com agulha tripla ............................................... 74
Figura 46 - Painel semântico Tangram ............................................................ 77
Figura 47 - Painel semântico mosaicos ............................................................ 78
Figura 48 - Mural semântico Patchwork ........................................................... 80
Figura 49 - Painel semântico de arte geométrica abstrata ............................... 81
Figura 50 - Coleção Yves Saint Laurent de 1960 ............................................. 83
Figura 51 - Vestidos tubinhos Pierre Cardin 1967 ............................................ 84
Figura 52 - Coleção André Courrèges nos anos 60 ......................................... 84
Figura 53 - Coleção Moschino verão 2013, modelagem e beleza herdada dos
anos 60 ............................................................................................................ 85
Figura 54 - Coleção Louis Vuitton verão 2013, influencia forte dos anos 60 .... 85
Figura 55 - Cores dos tecidos usados na coleção ............................................ 86
Figura 56 - Cores primárias .............................................................................. 86
Figura 57 - Cores secundárias ......................................................................... 87
Figura 58 - Circulo cromático e cores opostas ................................................. 87
Figura 59 - Cores análogas .............................................................................. 87
Figura 60 - Cores da paleta e como elas se comporta junto das cores base ... 88
Figura 61 - Esboços do modelo 1 ..................................................................... 89
Figura 62 - Esboços do modelo 2 ..................................................................... 90
Figura 63 - Esboços do modelo 3 ..................................................................... 91
Figura 64 - Croqui do modelo 1 ........................................................................ 92
Figura 65 - Croqui do modelo 2 ........................................................................ 93
Figura 66 - Croqui do modelo 3 ........................................................................ 94
Figura 67 - Especificações técnicas do modelo 1 ............................................ 95
Figura 68 - Especificações técnicas do modelo 2 ............................................ 96
Figura 69 - Especificações técnicas do modelo 3 ............................................ 97
Figura 70 - Os sentidos dos fios de um tecido ................................................. 98
Figura 71 - Indicação da direção do fio do tecido ............................................. 99
Figura 72 - Modo incorreto de encaixar o molde no retalho ........................... 100
Figura 73 - Modo correto de encaixar o molde no retalho .............................. 100
Figura 74 - Marca de corte ............................................................................. 101
Figura 75 - Cortando as peças ....................................................................... 101
Figura 76 - Moldes marcados e numerados ................................................... 102
Figura 77 - Molde e corte da frente ................................................................ 103
Figura 78 - Costas e frente montados ............................................................ 103
Figura 79 - Frente e costas do modelo 1 montado e alinhavado.................... 104
Figura 80 - Molde da frente do modelo 2 ....................................................... 105
Figura 81 - Frente e costas do modelo 2 montado e alinhavado ................... 105
Figura 82 – Montagem da frente do modelo 3................................................ 106
Figura 83 - Costas do vestido 3 ..................................................................... 106
Figura 84 - Frente e costas do modelo 1 montado e alinhavado.................... 107
Figura 85 - Acabamentos ............................................................................... 107
Figura 86 - Acabamentos ............................................................................... 108
Figura 87 - Modelo 1 finalizado ...................................................................... 109
Figura 88 - Modelo 2 finalizado ...................................................................... 110
Figura 89 - Modelo 3 finalizado ...................................................................... 111
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Resumo de diferentes abordagens às noções de rápido e lento na
indústria têxtil ................................................................................................... 19
Quadro 2 - Empresas usuárias de tecidos reciclados ...................................... 40
Quadro 3 - Tipos de tecidos planos .................................................................. 47
Quadro 4 - Tipos de tecidos de malha ............................................................. 48
Quadro 5 - Classificação dos tecidos de acordo com seu caimento ................ 49
Quadro 6 - Tamanhos de agulhas. ................................................................... 75
LISTA DE SIGLAS
CNTL Centro Nacional de Tecnologias Limpas
IBOPE Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
ABRAVEST Associação Brasileira de Vestuário
OMS Organização Mundial da Saúde
PET Poli Tereftalato de Etila
ABIPET Associação Brasileira da Indústria do PET
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................... 16
1.1. Apresentação ...................................................................................... 16
1.2. Justificativa do Projeto ........................................................................ 17
1.3. Objetivos ............................................................................................. 20
1.3.1. Objetivo Geral ............................................................................... 20
1.3.2. Objetivos Específicos ................................................................... 20
1.3.3. Objetivos Operacionais ................................................................. 21
2. METODOLOGIA DO PROJETO ............................................................... 23
3. IDENTIFICAÇÃO DE ASPECTOS E FUNÇÕES ...................................... 25
3.1. Moda e consumo ................................................................................. 25
3.2. A indústria têxtil e a (falta de) sustentabilidade. .................................. 32
3.3. O mercado de moda sócio ambientalmente responsável .................... 37
4. LIMITES .................................................................................................... 45
4.1. Tecidos ................................................................................................ 45
4.2. Reutilização têxtil ................................................................................ 52
4.2.1. Resíduos (retalhos) ...................................................................... 53
4.3. Identificar Fornecedores ...................................................................... 63
5. DISPONIBILIDADE TECNOLÓGICA ........................................................ 65
5.1. Definir os materiais .............................................................................. 65
5.2. Definir a técnica de modelagem .......................................................... 69
5.3. Aspectos técnicos de pilotagem .......................................................... 73
5.3.1. Agulhas ......................................................................................... 74
6. FASE DA CRIATIVIDADE ......................................................................... 76
6.1. Referências estéticas .......................................................................... 76
6.2. Referências de modelagem ................................................................ 81
6.3. Paleta de cores ................................................................................... 86
6.4. Desenvolvimento dos croquis ............................................................. 88
6.5. Especificações técnicas ...................................................................... 95
7. MODELOS ................................................................................................ 98
7.1. Corte ................................................................................................... 98
7.2. Montagem ......................................................................................... 102
7.2.1. Montagem do modelo 1 .............................................................. 102
7.2.2. Montagem do modelo 2 .............................................................. 104
7.2.3. Montagem do modelo 3 .............................................................. 106
7.3. Acabamentos .................................................................................... 107
CONCLUSÃO ................................................................................................. 112
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 114
APÊNDICE A – Mural de amostras de materiais utilizados no projeto ........... 127
APÊNDICE B – Release e fotografias do lookbook da coleção ..................... 128
16
1. INTRODUÇÃO
1.1. Apresentação
Este trabalho tem como tema o Design de Moda, que nos últimos anos
deixou de fazer parte do universo frívolo de luxo e passou a fazer parte do
cotidiano das pessoas. A acessibilidade fashion e a quantidade de informações
disponíveis para o consumidor tornou-o mais atento sobre as tendências
sazonais (de estações), fazendo com que estes ficassem ansiosos pelos
produtos novos nas grandes magazines.
Estes grandes magazines são chamados de fast fashion por este motivo:
a rapidez em traduzir uma tendência da passarela e levá-la ao consumidor
final. Porém, quando falamos em sustentabilidade, é pensado apenas em
produtos ecológicos que não agridem o meio ambiente, dessa forma, é
esquecido o conceito de que o consumo exagerado é uma forma de ir à
contramão a esse movimento. Assim, observa-se que para que os produtos
vendidos em lojas populares possam ser comercializados com rapidez, existiu
grande demanda de recursos naturais e mão de obra barata ou ilegal. Aliada a
atual necessidade do segmento que visa poupar recursos e buscar alternativas
para que este consumo seja menos acelerado e menos impactante tanto em
ecossistemas quanto em comunidades.
Em contra partida, surge na Europa o conceito slow fashion (moda lenta)
que visa desacelerar o ciclo sazonal da moda e a ânsia pelo novo que
rapidamente se torna velho. O slow fashion caracteriza-se por ser um
movimento internacional, não uma tendência, e atinge uma nova gama de
consumidores interessados em comprar produtos que contenham uma ética,
uma responsabilidade social e ambiental, além de qualidade e preços justos. A
busca pela identidade pessoal passa por essa descoberta dentro da cultura do
consumo, você é o que você consome.
A partir deste conceito, como hipótese, o projeto irá tratar da construção
de produtos de moda com materiais encontrados em locais de descarte a fim
de prolongar a vida útil desses materiais.
17
1.2. Justificativa do Projeto
A moda está intrinsecamente ligada a fatores culturais, econômicos e
sociais no mundo, por isso, qualquer sintoma de movimentação nestes três
segmentos, a moda rapidamente os detecta. Dentre sua evolução, ela passou
de uma representação de classe social para a expressão da personalidade do
indivíduo e seus valores dentro de um contexto na sociedade.
Lipovetsky (2009) ressalta que o consumidor, hoje, está consolidado na
ideia de desmaterialização, ou seja, é preciso adquirir produtos com valores
intrínsecos socioeconômicos, artísticos e culturais que contenham informação.
Manzini e Vezzoli (2002) completam quando delimitam o cenário hipercultural e
hipertecnológico onde a verdadeira inovação no consumo estaria na mudança
do conceito de bem estar social.
O consumidor adquire não só um produto ou serviço, mas também um
discurso pessoal. Contudo, moda atualmente, além de traduzir suas escolhas
pessoais, seu modo de vida e em que grupo ou sociedade você está inserido,
também é índice de economia e alarme para o modo de consumo e do ritmo
das produções industriais.
O modo de consumo detectado na indústria do vestuário atualmente,
principalmente no Brasil, por conta do crescimento decorrente da classe C
(IBOPE, 2010) nos últimos anos, é incoerente com a necessidade ambiental de
desacelerar excesso de emissão de resíduos e a exploração de recursos
naturais. De acordo com o Centro Nacional de Tecnologias Limpas (CNTL)
(MILAN et al, 2009), as confecções geram desperdícios significativos,
principalmente da matéria-prima tecido, que é transformada em aparas,
retalhos e peças rejeitadas. Durante o processo produtivo, os resíduos são
gerados devido ao mau planejamento de criação, modelagem, corte e encaixe,
qualidade ou falta de padronização das matérias primas, mão de obra
desqualificada, máquinas inapropriadas, entre outros fatores.
O excesso e rapidez da informação devido às redes sociais
especializadas em moda também contribuem para o aumento do consumo,
pois tornam os consumidores mais exigentes e ansiosos pela novidade, e num
18
mercado concorrido e dinâmico como o da moda, sendo necessário inovar
cada vez mais e em um curto espaço de tempo para suprir a demanda sazonal
de tendências, a indústria não hesita em atingir esses objetivos.
As fast fashions, ou lojas populares, são as principais exploradoras de
recursos e de mão de obra. Com o título autoexplicativo, elas exigem rapidez
da produção para que as micro tendências sejam disseminadas para o varejo o
quanto antes. De acordo com Fletcher e Grose (2011), responsáveis pelo curso
de moda e sustentabilidade na Faculdade de Moda de Londres e fundadoras
do movimento slow fashion, dizem que fast fashion não é realmente sobre a
velocidade em si, mas sobre a ganância: vender mais, ganhar mais dinheiro.
Assim, o tempo é apenas um fator de produção, juntamente com
trabalho, o capital e recursos naturais, porém ser rápido não é ser livre. Ou
seja, prazos curtos e roupas baratas são apenas possíveis serem feitas pela
exploração de recursos trabalhistas e naturais.
Quanto melhor o desempenho da indústria da moda, piores os efeitos
– que são sintomas não de seu fracasso, mas de seu sucesso.
Assim, falar dos efeitos da moda rápida para a sustentabilidade, sem
criticar as práticas de negócio, é tratar do assunto de maneira
superficial ou absolutamente ineficaz, da mesma forma, discutir o
suposto antídoto da moda rápida, a moda lenta, sem considera-la
dentro de outro conjunto de prioridades econômicas e práticas de
negócio (que contribuem para a sustentabilidade), tampouco ajuda a
compreender a natureza da lentidão em seu nível de cultura mais
profundo. (FLETCHER; GROSE, 2011 p.126 e 127)
Os processos sustentáveis na produção da indústria do vestuário estão
em voga por conta da necessidade mundial de modificar seus conceitos sobre
processos produtivos, consumo e pós-uso dos produtos. Em meio a tanta
produção em massa e ciclos acelerados, surge um conceito totalmente
contrário ao que estamos acostumados a observar. Este conceito aparece com
a ideia de que é necessário frear o modo de produção e consumo, ele é
chamado slow fashion ou moda lenta. A moda lenta sugere um comportamento
mais devagar na hora de produzir e consumir, sugerindo a criação de peças
perenes, duráveis e versáteis, na qual designers, fornecedores, varejistas e
19
consumidores estão mais conscientes dos impactos dos produtos sobre os
trabalhadores, comunidades e ecossistemas.
Slow fashion é uma questão de escolha, informação, diversidade cultural
e identidade. No entanto, criticamente, também é uma questão de equilíbrio,
claro que qualidade custa mais, mas vamos comprar menos produtos, maiores
em valor e qualidade. Uma distribuição mais justa do preço através da cadeia
de abastecimento é uma parte intrínseca do conceito. O slow design permite
uma rica interação entre designer e fabricante; fabricante e de vestuário;
vestuário e do usuário (Quadro 1). Um forte laço de relações é formado, que
permeia muito além da cadeia de fabricação de vestuário. Slow fashion é um
vislumbre de um diferente e mais sustentável futuro para o setor têxtil e uma
oportunidade para que o negócio possa ser feito de uma maneira que respeite
os trabalhadores, meio ambiente e os consumidores em igual medida.
(FLETCHER, 2011 p. 128).
Quadro 1 - Resumo de diferentes abordagens às noções de rápido e lento na indústria têxtil Mentalidade rápida
(fast fashion) Mentalidade lenta
(slow fashion) Produção em massa Diversidade
Globalização Global-local
Imagem Autoconciência
Novo Confecção e Manutenção
Dependência Confiança Mútua
Não ciente dos impactos Ligada intimamente aos impactos
Custo baseado em mão de obra e materiais (exploração)
Preço real incorporando custos sociais e ecológicos
Grande escala Pequena e média escala
Fonte: Fletcher e Groose (2011 p. 129)
De acordo com Lipovetsky (2009), a moda vive uma fase de
ambiguidade, uma vez que propõe a padronização do vestir através da
indústria de confecção em série e ao mesmo tempo propõe agentes de
diferenciação e instrumentos de individualização com a produção de artigos
exclusivos, o indivíduo, mesmo submetendo-se às regras coletivas da moda
nos dias atuais por meio da padronização das tendências, quer se distinguir
social e pessoalmente pela diferenciação.
20
Baseado na ideia de individualização do estilo pessoal há uma gama de
consumidores cansados de comprarem peças e logo perceberem que ela está
ultrapassada em pouco tempo de uso ou o simples fato de encontrar pessoas
na rua usando a mesma peça. Na busca por produtos que expressem uma
identidade personificada, esses consumidores procuram peças especiais,
únicas. Uma alternativa para esse público é a busca de peças em brechós ou a
customização, porém muitos consumidores não são adeptos a cultura dos
brechós.
O projeto que será desenvolvido será alicerçado no conceito slow
fashion para a criação de uma mini coleção de roupas, reutilizando tecidos e
outros materiais resgatados em locais que ocorrem o descarte de materiais que
ainda têm um ciclo de vida longo, focando produzir peças que contenham, além
de um apelo ético e ecológico, uma durabilidade estética e física.
1.3. Objetivos
1.3.1. Objetivo Geral
Criar uma minicoleção de roupas utilizando um conceito que visa
desacelerar a obsolescência perceptiva caracterizada na moda, empregando o
upcycling a partir de resíduos têxteis, para que assim haja a reflexão sobre a
produção e o consumo consciente do vestuário.
1.3.2. Objetivos Específicos
Analisar as relações do atual cenário de consumo de moda e seus
impactos ambientais, econômicos e sociais.
Analisar a indústria têxtil e seus aspectos sustentáveis e pesquisar sobre
o atual mercado de moda ético-ecológica;
21
Basear-se no conceito slow fashion para o desenvolvimento de uma mini
coleção de materiais residuais de locais de descarte a fim de prolongar a vida
útil dos mesmos.
1.3.3. Objetivos Operacionais
Identificação de Aspectos e Funções
Levantar dados sobre consumo de moda e sua relação com aspectos culturais e com cenário socioeconômico brasileiro;
Levantar dados sobre os processos da indústria têxtil e as relações desta indústria com sustentabilidade;
Levantar dados sobre o mercado de moda atual que trabalha com processos ecológicos;
Limites
Levantar dados sobre tecidos;
Levantar dados sobre reutilização;
Identificar os locais fornecedores das matérias primas;
Disponibilidade Tecnológica
Definir os materiais utilizados no projeto;
Definir a técnica de modelagem e corte utilizado;
Criatividade
Levantar referências estéticas e de modelagem;
Desenvolver os croquis;
Desenvolver as especificações técnicas;
23
2. METODOLOGIA DO PROJETO
A metodologia adotada neste projeto será a de Bruno Munari
apresentada no livro Design e Comunicação Visual (1968), esta metodologia é
adaptável a qualquer projeto, além de ser um método sintético e bastante
prático. Ele consiste em seis etapas: Enunciação do Problema, Identificação
dos Aspectos e Funções, Limites, Disponibilidades Tecnológicas, Criatividades
e Modelos.
A Enunciação do problema trata da justificativa do projeto, de acordo
com o autor “o problema pode ser indicado pela indústria ao designer segundo
uma análise das necessidades, ou então, proposto pelo designer à indústria”
(MUNARI. 1968 p. 366). Nesta etapa, o projeto apresenta como proposta a
reutilização de materiais com base na problemática do excesso de exploração
de recursos humanos e naturais na cadeia de produção da indústria têxtil. O
objetivo, como solução, é apresentar em forma de uma coleção de roupas que
é possível prolongar a vida útil de tecidos e trazer a reflexão sobre os impactos
causados pelos processos dentro da indústria têxtil diretamente ao consumidor
final, de forma que estes se conscientizem e reflitam sobre o atual modo de
consumo excessivo. O projeto também aponta como problema a extrema
sazonalidade de micro tendências dentro do sistema de moda, que é
diretamente responsável pela obsolescência perceptiva1
Em Identificação dos Aspectos e das Funções, o problema passa pela
verificação no âmbito físico e psicológico. “Na parte física, realiza-se uma
verificação técnica e econômica do objeto a ser projetado, na parte psicológica
faz-se uma verificação cultural, histórico-geográfica que se refere à relação
entre o objeto e o usuário.” (MUNARI 1968, p. 365). Nesta fase, verificou-se
que são necessárias pesquisas que pudessem servir como base para o
desenvolvimento do projeto dentro dos contextos atuais, tanto físicos quanto
psicológicos. Foram realizadas três pesquisas base: Consumo de moda;
Indústria têxtil e sustentabilidade; Mercado de moda ético-ecológica no Brasil.
.
1 A obsolescência perceptiva ocorre quando o produtor lança uma nova versão mais atraente do produto e o consumidor é induzido a comprar a nova versão, mesmo quando o modelo antigo continua operacional.
24
Na fase de Limites, Munari diz que com as informações levantadas na
etapa anterior torna-se possível determinar os limites do problema e entre
estes limites identificar os elementos do projeto. Neste projeto os fatores que
limitam o desenvolvimento são basicamente a reutilização de materiais
(tecidos) e a definição de possíveis fornecedores de matérias primas. Pois com
a premissa de somente trabalhar com materiais usados, é preciso estabelecer
como será o fornecimento deles para o projeto e quais parâmetros serão
utilizados na seleção das matérias primas.
Após Seleção e Análise dos Materiais, em Disponibilidades Tecnológicas
serão definidos quais serão os tecidos utilizados no projeto, e também os
métodos de modelagem e costura (pilotagem), todos visando obter o máximo
resultado com o mínimo custo.
Depois de todos os dados colhidos, ferramentas e materiais definidos,
entra a fase da Criatividade, momento em que serão selecionadas referências
estéticas gerando um painel do que será utilizado como referência ou
inspiração para os modelos. Nesta fase também serão feitos os croquis da
coleção e os moldes das roupas.
“Da síntese criativa surgem modelos, reais ou em escala”.
(MUNARI,1968. p. 367), de acordo com o autor, o designer deve escolher o
mais simples dentre as alternativas geradas, neste caso não haverá a geração
de alternativa, entretanto, os modelos serão adequados ao conceito do objetivo
proposto com base em todas as informações levantadas ao decorrer do
projeto.
25
3. IDENTIFICAÇÃO DE ASPECTOS E FUNÇÕES
3.1. Moda e consumo
A autoafirmação como indivíduos dentro da sociedade, nos tornou além
de cidadãos, consumidores (MIRANDA, 2008). Ser consumidor é mais
complicado do que pensamos, de forma superficial consumimos para dizermos
quem somos e o que fazemos, através de símbolos e signos, os produtos que
adquirimos falam por nós, entretanto o consumo é acima de tudo uma
linguagem. A moda também é linguagem, não verbal, que nos distingue
perante nosso próximo e nos agrupa quando temos gostos ou escolhas
similares às de outras pessoas.
De forma intencional, “as pessoas usam o ato de consumir como forma
de comunicação” (MIRANDA, 2008, p.14), essa comunicação está intrínseca
no discurso dos produtos que são adquiridos. Desse modo, o consumo de
moda é um paradoxo de duas grandes expressões dentro da sociedade: se
formar como indivíduo que se difere e possui personalidade própria e ao
mesmo tempo a necessidade de ser aceito como semelhante dentro de um
grupo.
Os valores intrínsecos num produto de moda variam de acordo com a
cultura e com o contexto social do grupo ou do indivíduo, a leitura das
mensagens inseridas num produto também varia de acordo com esses fatores.
Um produto de moda contém muito mais um discurso do que uma utilidade (no
caso da roupa, além da função básica de proteger e adornar o corpo). De
acordo com pesquisadores na área do consumo, já está sendo provado que as
pessoas procuram adquirir produtos de moda pelo fator simbólico que a marca
representa para elas em relação aos outros e a elas mesmas. (MIRANDA,
2008)
A comunicação desses significados acontece dentro de um ambiente
culturalmente consolidado e as ferramentas para essa comunicação é o design
de produto e a publicidade, assim, essas duas ferramentas conceituam um
discurso para que o consumidor identifique o produto como parte da construção
de sua identidade pessoal. Se uma marca simboliza um desejo ou necessidade
26
que a pessoa valoriza, ele toma isso como parte de sua individualidade, porém
“o indivíduo possui tendência psicológica à imitação” (MIRANDA, 2008, p. 25),
entretanto outras pessoas que também possuem os mesmo valores irão se
identificar com o mesmo produto para se sentirem aceitas ou parte de um
grupo de semelhantes. A socialização é constituída de fatores de imitação
encontrados em meios como família, trabalho, círculo de amizade, etc.
Para que um produto passe a ser desejado pelas pessoas e assim
adquirido de forma que ele carregue uma mensagem que seja valorizada por
quem o usa e para quem o vê usando, ele depende de fatores do ambiente
culturalmente consolidado e também de necessidades externas, como por
exemplo, a causa sustentável (MANZINI; VEZZOLI, 2002). Uma onda de
produtos e serviços que levantam a bandeira da causa ambiental tem sido um
dos maiores fenômenos da industrial atual, pois existe hoje a necessidade de
ser sustentável por parte das organizações e a necessidade de se consumir
conscientemente por parte das pessoas. Este conceito envolve não só o
ambiente, mas também fatores socioeconômicos e interfere em todo o
processo de produção de um produto.
O conceito de sustentabilidade surgiu no relatório Nosso Futuro
Comum mais conhecido como relatório Brundtland, produzido em
1987. O relatório apontou de forma pioneira a necessidade de mudar
padrões de produção e consumo para assegurar o desenvolvimento
sustentável do planeta que só será possível ao “atender às
necessidades do presente sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades. (RAMOS,
2009 p. 7).
Desse modo, sustentabilidade é manter um equilíbrio entre o ambiental,
o social e o econômico de forma que possamos produzir e consumir
explorando menos possível os recursos não renováveis do planeta. Mas uma
nova forma de consumo dentro do sistema de moda é possível mesmo com
este sistema sendo sazonal e autodestrutivo para sobreviver?
O sistema de moda consiste num sistema que necessita da renovação,
trata-se de um ciclo (Figura 1) da busca pelo novo para se diferenciar o
passado do presente. “A moda é de natureza autodestruidora, pois uma
27
proposta vigente é anulada em privilégio de outra que trás novas realidades, se
não fosse nessa dinâmica, uma espécie de fagocitose, a moda não existiria, ou
melhor, não sobreviveria.” (BRAGA, 2006 p. 16).
Figura 1 - O ciclo da moda que acontece em cada estação
Fonte: adaptado de Jones (2006 p. 128)
A partir da teoria de que o sistema moda é um ciclo sazonal e não
perene, constata-se que esses ciclos estão cada vez mais curtos devido a
grande demanda de novas tendências.
28
Roupas, independente de moda, sempre foram diferenciadores de
camadas sociais, seja pela cor, tecido, corte, volume, forma, técnica,
etc. Contudo, o tempo de durabilidade de um determinado padrão,
gosto ou exigência já foi bem mais duradouro.(BRAGA, 2006 p. 36).
Durante a Antiguidade pouca coisa mudou em três mil anos, já no fim da
Idade Média é que o conceito de sazonalidade foi criado graças aos burgueses
que copiavam as roupas dos nobres e por sua vez os nobres tinham que
modificar para se diferenciar socialmente, a partir daí moda se consolida como
sinônimo de mudança (CALANCA, 2008 p.51). As mudanças continuaram
aumentando a velocidade, no século XIX, por exemplo, houve cerca de quatro
estilos distintos, com poucas variações, em média 25 anos para cada estilo
(BRAGA, 2006. p. 37). Assim, percebe-se que o fator tempo de duração de
uma tendência comportamento já foi muito reduzido. Atualmente, um dos
fatores para o aumento do consumo é justamente o excesso de novidade a que
os consumidores são apresentados em um curto espaço de tempo para que
elas sejam assimiladas e assim percorram o ciclo mais rápido para chegar à
obsolescência.
Existem duas maneiras em que as novidades ou tendências chegam até
a sua obsolescência, ou a sua disseminação em massa (Figura 2). A
disseminação em massa é o ápice que precede o declínio de uma novidade,
ela acontece pelo efeito “desaguamento” chamado trickle down. Este efeito é o
modo tradicional de disseminação de um visual, ou seja, as classes mais
baixas copiam o visual das classes altas, a tendência surge nos desfiles,
editoriais e criadores e são encaminhadas para a disseminação de massa. Por
outro lado surge o efeito ‘borbulha’, também chamado de bubble-up, que
emerge da contracultura das ruas, de determinadas tribos urbanas e é
assimilado pelos “fashionistas” e disseminado para a massa. (JONES, 2005, p.
51).
29
Figura 2 - Trickle-down e Bubble-up, as duas teorias de disseminação de uma tendência
Fonte: Adaptado de Jones (2006, p. 51)
Outro fator essencial no aumento do consumo de moda no Brasil é o
relevante crescimento da classe C, que tem se tornado quase a metade da
população do país. O estabelecimento econômico e a facilidade ao crédito têm
dado ao consumidor mais oportunidades de adquirir novos produtos. De acordo
com a pesquisa do IBOPE MaxMídia (2010), a classe C é em maioria composta
por jovens de até 34 anos, buscam inclusão social através do consumo e cerca
de 41% das tomadas de decisões de compras nas famílias são de mulheres.
Neste mesmo painel, é mostrado que existem quatro perfis de consumidor na
classe C: o conformista, o consumista, o racional e o personalista. O perfil de
consumista consiste em 29% da classe e a maioria são mulheres. Outro fator
30
interessante nesta pesquisa é que 20% cultuam celebridades e o que elas
consomem e esse grupo é fundamentalmente composto pelo perfil consumista,
que por sua vez, são de maioria mulheres.
A acessibilidade de páginas na internet especializadas em moda e
comportamento, como blogs, redes sociais e revistas online tem grande
influência sobre o desejo de compra do consumidor de moda. Como citado, a
publicidade é uma importante ferramenta no envio da mensagem do produto ou
marca, portanto, com o aumento da procura do consumidor por informações
sobre as novidades e tendências, tornando-o mais decidido no que se diz
respeito a sua formação como indivíduo por meio do ato de adquirir certo
produto de certa marca. A facilidade e a velocidade da informação aceleram o
fator decisório da compra e define os gostos, fazendo com que o indivíduo se
estabeleça na sociedade como alguém que está atualizado.
O consumo de moda é em sua maioria simbólico e é munido de valores
culturais, a consumidora de moda brasileira é diferente da consumidora de
moda europeia, apesar da cultura brasileira sofrer influência direta da cultura
europeia e americana, o contexto socioeconômico se difere. Uma pesquisa
recente feita pelo portal de pesquisa de tendência e comportamento
UseFashion (2011), traçando o perfil do consumidor de moda brasileiro aponta
que cerca de 80% deste consumidor é do gênero feminino e 82% se mantém
informado sobre moda por meio de sites e portais especializados na internet.
Nesta mesma pesquisa foi indicado que 33% das consumidoras fazem
compras pelo menos uma vez por mês e que 96% delas irão em 2012 dedicar
15% ou mais da sua renda para artigos de moda, outro fato importante é que
40% das entrevistadas compram em lojas multimarcas e 38% em lojas de
departamento ou fast fashions.
As lojas de departamento são as principais disseminadoras de
novidades no mundo da moda, são versáteis, acessíveis e trocam de
mercadoria com muita frequência, isso aumenta a decisão de compra, pois a
consumidora tem consciência que se não adquirir o produto naquele momento,
quando voltar o produto não estará mais disponível. Além de oferecerem
produtos com preço baixo e rapidez, elas pouco investem em qualidade. O
31
sistema fast fashion vem revolucionando o consumo de moda, pois trata de um
sistema prático, que dá o que a consumidora procura (novidade, variedade,
velocidade) e com preços baixos, estimulando assim o consumo desenfreado.
Fletcher e Grose (2011, p. 124) dizem que:
Embora efeito econômico desejado de tal velocidade seja promover o
crescimento do negócio, a consequência inevitável é aumentada na
demanda por recursos materiais e mão de obra, ditado por uma
produção de mercadorias cada vez maior. O impacto dessa dinâmica
sobre os ecossistemas e os trabalhadores está no cerne de desafio
da sustentabilidade para a moda.
O fast fashion consiste basicamente em produzir e vender rapidamente
as novas tendências para suprir a falsa necessidade do consumidor, entretanto
este modelo de negócio é visto como uma ameaça ao meio ambiente devido ao
excesso de produção, de exploração de recursos naturais, grande numero de
resíduos gerados e o aumento do descarte por obsolescência.
O descarte por obsolescência perceptiva hoje em dia também ocorre por
conta de um grande volume de variedades e novas coleções são enviadas ao
varejo. Com tantas novidades e com preços acessíveis, ocorre um descarte
antecipado das peças, um fator importante neste ciclo é a qualidade. Peças
com qualidade inferior ficam com o aspecto de velhas rapidamente e logo são
substituídas. As parceiras de lojas populares com estilistas famosos na criação
de produtos com qualidade inferior, porém com um design característico do
estilista (tendência europeia que surgiu em meados de 2000 com as duas
maiores magazines europeias H&M e Zara) é uma estratégia de crescimento
das grandes magazines com o intuito de causar o desejo de levar um produto
de uma grife, que antes só poderia ser usada por um grupo distinto dentro do
contexto social, para o alcance da consumidora comum. Este fato apresenta a
ideia de moda como pluralização e que a principal característica de
estratificação social não ocupa mais o topo do conceito.
Hoje em dia,
Não há mais uma única verdade de moda e, sim, uma pluralidade de
opções que se mesclam e se influenciam de uma maneira tão
32
intercambial que praticamente não se pode mais distinguir o que é
código desde ou daquele grupo social. (BRAGA, 2006 p. 24).
A partir disso é possível observar a característica de individualização
pela customização, pela construção do estilo que antecede a moda, e pode-se
constatar que acima de ciclos de tendências curtos, acima de ascensão
financeira, acima da velocidade da informação e da produção, existe a busca
pela identidade de um povo, a busca pela personalização do indivíduo dentro
de uma sociedade massificada pela produção em série (MIRANDA, 2008).
Porém é necessário que o indivíduo que busca isso através do consumo esteja
consciente que por trás do consumo existe um caminho longo que foi
percorrido até o produto pertencer a ele e que tudo que ele adquire será
descartado provavelmente antes do fim da sua vida útil (MANZINI; VEZZOLI,
2002) por conta do alto nível de obsolescência, principalmente no sistema de
moda, e poderá ou não virar lixo.
3.2. A indústria têxtil e a (falta de) sustentabilidade.
O vestuário é a ponta do iceberg do sistema de moda, é através da
roupa e do costume que a sociedade traduz seus movimentos como uma
linguagem material. “A roupa diz respeito à pessoa inteira, a todo o corpo, a
todas as relações do homem com o seu corpo, assim como às relações do
corpo com a sociedade” (BARTHES, [S.d], p. 117 apud CALANCA, 2008, p.17).
Entretanto, o vestuário é um segmento industrial que se abastece
principalmente da produção de fibras têxteis em tecelagens e fiações.
O Brasil é o quarto produtor mundial de vestuário (ABRAVEST, 2010),
contudo, a indústria têxtil consiste em uma indústria que como qualquer outra,
é composta de várias etapas em seu processo de produção, inicialmente ela
depende de fatores ambientais como água, ar e solo, já que as matérias-primas
mais utilizadas na fiação e tecelagem são de origem vegetal. Além disso, todos
os materiais que a indústria têxtil processa (de origem vegetal ou não) afetam
de alguma forma os sistemas ecológicos.
33
Os impactos ambientais, como o consumo de energia e consumo de
água, se diferem de uma fibra a outra (Figuras 3 e 4), os impactos da indústria
têxtil são tanto ambientais como econômicos e sociais (FLETCHER; GROSE.
2011). O plantio de algodão, por exemplo, a matéria prima vegetal mais
utilizada na fabricação de roupas, é também a matéria prima que mais afeta o
ambiente e as comunidades com o seu plantio e processamento. Os
trabalhadores em algodoais relatam problemas de saúde frequentes depois de
expostos á pesticidas com alto grau de toxidade, sendo o algodão responsável
pela utilização de 16% do uso de inseticidas no mundo, mais do que qualquer
outro cultivo isolado. A Organização Mundial da Saúde (OMS, [S.d], p. 117
apud FLETCHER;GROSE, 2011 p.20) indica que há cerca de 3 milhões de
envenenamentos por pesticida a cada ano, resultando em 20 mil mortes, na
maioria das vezes entre pobres das zonas rurais dos países em
desenvolvimento.
Figura 3 - Consumo de energia (MJ/kg) das Fibras
Fonte: Fletcher e Grose (2011 p. 26)
34
Figura 4 - Consumo de água (L/Kg) das fibras
Fonte: Fletcher e Grose (2011 p. 29)
No desenvolvimento de produtos de moda é imprescindível pensarmos
em qual tecido e matéria prima iremos utilizar no projeto, fibras renováveis,
recicladas ou que utilizam menos recursos é uma alternativa para um projeto
com característica sustentável. A utilização de algodão orgânico ou de fibras de
baixo impacto, como por exemplo, o Lioncel2
O linho está no quadro de materiais mais ecológicos, porém observando
os quadros de consumo de recursos, os materiais que consomem muita água,
por sua vez, consomem menos energia, e vice-versa. Assim, o equilíbrio de
uma produção sustentável se mantém buscando alternativas em outras etapas
do projeto. (FLETCHER; GROSE, 2011)
, está em voga em marcas
pioneiras na produção com impactos reduzidos. A marca sueca H&M foi a
primeira fast fashion a lançar em 2010 uma coleção de peças feitas de Lioncel
combinado com outros materiais, como poliéster reciclado, algodão orgânico e
linho orgânico.
2Lioncel ou Tencel - trata-se de uma fibra artificial obtida pela celulose da polpa da madeira de árvores, que, para manter a ecologia equilibrada, são constantemente replantadas. Tem a maciez do algodão, o toque da seda, o caimento das fibras com celulose e um brilho peculiar e ligeiro. (CHATAIGNIER, 2006 p. 158).
35
Existem caminhos na produção de fibras com menos impactos tanto
sociais quanto ambientais, um exemplo disso é a Cotton Connect, fruto de uma
pareceria da C&A3 com a Textile Exchange4
No Brasil, o maior mercado para o PET pós-consumo é a produção de
fibra de poliéster para indústria têxtil (MASSAMBANI, 2009), a empresa de
malharia Hering tem um grupo de produtos de malhas composto por PET
reciclado, assim como a Hering, outras marcas já aderiram o PET reciclado em
sua composição têxtil nas coleções (ABIPET, 2010). Entretanto a fibra oriunda
da reciclagem do PET (fibra de poliéster) é uma fibra totalmente sintética que
não é indicada para a fabricação de roupas para o Brasil, por não serem
confortáveis a transpiração, por conta do clima tropical, além da produção dos
fios de poliéster gerar uma grande quantidade de resíduos químicos.
(DUARTE, 2011).
, que consiste numa organização
cujo objetivo é transformar toda a cadeia produtiva do algodão, desde o plantio
até o produto acabado, através da mobilização de parceiros em toda a cadeia
de produção, o crescimento do mercado entra em sintonia com a capacidade
de produtores de fornecer fibras têxteis de forma viável em longo prazo, assim
gera um equilíbrio de produção agrícola e industrial em termos econômicos,
sociais e ecológicos. (COTTON CONNECT, 2011).
Além da preocupação com o tipo de material utilizado na produção do
vestuário, é de suma importância verificar as etapas seguintes da
transformação das fibras. Depois de processada, a fibra ainda passa pelo
processo de tingimento ou branqueamento, nesta fase é detectado o consumo
de enorme quantidade de água, energia e substâncias químicas e muitas vezes
este processo é foco de análises ambientais. “O branqueamento também
influencia a durabilidade da roupa: a peça mal tingida por tratamento
inadequado pode desbotar com a lavagem e ser descartada mais depressa.”
(FLETCHER; GROSE. 2011 p. 35).
Após a transformação dos materiais no tingimento, o próximo processo é
a de montagem do produto, no caso de roupas, é a modelagem. Nesta etapa
3 C&A - importante varejista de roupas com sede na Europa. 4Textile Exchange - uma organização sem fins lucrativos, internacional, que opera na expansão responsável da sustentabilidade em toda a cadeia têxtil mundial
36
da produção é constado o alto índice de resíduos sólidos (retalhos e sobras),
os moldes geralmente são criados pelos modelistas que planificam as partes
da peça para serem cortadas e encaminhadas para a construção da peça piloto
(pilotagem). A parte negativa dos moldes (que sobra após o corte) gera uma
quantidade enorme de resíduos sólidos muitas vezes por projeto de moldes
que não se encaixam de forma adequada, que reduza a geração de resíduos.
(CNTL, 2009).
O projeto de moldes não depende de nenhuma grande tecnologia além
de obedecer ao padrão de medidas vigente para a produção em diversos
tamanhos. O conhecimento pleno de modelagem, ergonomia de vestuário e a
ideia criativa do designer para solução de problemas são grandes aliadas nesta
etapa projetual. Um molde plano bem projetado de forma que se encaixe bem,
para assim reduzir a geração de sobras e retalhos é importante na redução de
resíduos. Já existem alguns designers especialistas na produção de moldes
para peças com resíduos zero (FLETCHER; GROSE. 2011), porém, como na
indústria a demanda de modelos é muito grande e rápida, o modelista não tem
autorização de modificar o molde que dará a forma da roupa planejada pelo
designer porque exige um tempo de estudo do modelo para adaptar ao molde
com zero geração de resíduo, além de não ser qualquer modelo que permite
este tipo de reestruturação.
Uma alternativa para esse processo seria a reciclagem das sobras e
retalhos, porém o processo de reciclagem de resíduos têxteis é muito
complexo, pois os resíduos são encontrados em diversas composições, de
várias gramaturas e outras tantas cores. (MASSAMBANI, 2009 p. 233).
Além de todas as etapas industriais dos processos têxteis em relação ao
ambiente, existe uma parte nessa cadeia que é feito o uso intensivo de mão de
obra, que é onde o produto é montado para ser enviado ao varejo. As
confecções são uns dos principais locais onde acontece a exploração de mão
de obra na cadeia produtiva da indústria do vestuário. Com a premissa de
geradoras de empregos, as facções de grandes marcas transferem as
instalações para locais onde a mão de obra é deveras barata, havendo muitas
37
vezes condições péssimas de trabalho, a ausência dos direitos trabalhistas e a
falta de qualificação de equipamentos e funcionários.
Após denúncias realizadas no Brasil sobre confecções clandestinas que
empregam ilegalmente imigrantes de países com menos desenvolvimento que
o Brasil, em condições desumanas e sem nenhuma estrutura ou de marcas
que terceirizam a fabricação das peças para essas confecções (PYL;
HASHIZUME, 2011), fez com que o setor procurasse medidas para solucionar
a exploração de mão de obra, uma delas é o Pacto Nacional pela Erradicação
do Trabalho Escravo, na qual tanto o designer quanto o consumidor comum
podem verificar uma lista de fornecedores que fazem parte deste pacto como
forma de evitar negócio com fornecedores ou confecções que possam estar
explorando o trabalhador.
São algumas atitudes das marcas e designers para o varejo, do varejo
aos fornecedores, dos fornecedores para a agricultura que o modelo de
produção está se modificando devagar (FLETCHER; GROSE. 2011), desse
modo o futuro da indústria têxtil consiste basicamente na premissa de que
produtos e serviços irão se adaptar, se flexibilizar e mudar de acordo com as
condições ambientais e como consequência disso, os significados serão
alcançados pela moda e será inevitavelmente disseminado, pois a
prevalescência da moda é global e assim pode despertar mentes criativas,
modelar atitudes culturais e sugerir novos comportamentos em todo o mundo.
3.3. O mercado de moda sócio ambientalmente responsável
É fato que hoje a indústria da moda está, em parte, consolidada no
discurso ético ambiental, o mercado de moda ‘ecofriendly’ no Brasil é um
mercado em ascensão, porém muitas nomenclaturas (eco, ético, sustentável,
produtos verdes) são confundidas e, muitas vezes por comodidade, o
consumidor acaba adquirindo produtos que não são realmente feitos sob essas
premissas, muitas vezes por falta de informação sobre o produto (GADALETA,
2011).
38
Com toda a falácia do desequilíbrio ambiental e toda a necessidade em
produzir de forma que agrida menos o ecossistema, o setor da moda começou
a se mobilizar, pois a moda sempre acompanha movimentos que acontecem
dentro da sociedade, atuando como um sintoma de novos comportamentos.
Uma das primeiras grandes manifestações desse movimento aconteceu em
2004/05 com o Ethical Fashion Show, feira paralela ao Paris Fashion Week e
em 2006, a London Fashion Week, uma das mais importantes feiras de
comércio de moda no mundo, inaugurou um espaço ético em seus desfiles, a
Esthetica. No mesmo ano, houve a primeira exibição Autre Monde,
posteriormente rebatizada de So Ethic, na feira prêt-à-porter5
No Brasil esse movimento foi caracterizado em meados de 2007. A grife
Osklen, uma das principais marcas da vitrine de moda nacional, apresentou no
São Paulo Fashion Week (SPFW, 2007) do mesmo ano a primeira proposta de
moda sustentável, uma coleção de vestidos utilizando pela primeira vez tecidos
do e-fabrics
de Paris (LEE,
2009).
6
(Figura 5), e o desfile de sua coleção de inverno intitulada
Amazon Guardians (Figura 6), considerada um marco no desenvolvimento de
moda para a sustentabilidade. Assim, a Osklen se torna a primeira grife a se
posicionar dessa forma no mercado brasileiro.
5 Pret-à-porter: Em 1949, J.C. Weill lança na França a expressão “pret-à-porter” tirada da fórmula americana ready to wear. O pret-à-porter engajou-se no caminho novo de produzir industrialmente roupas acessíveis a todos, e ainda sim “moda” inspiradas nas ultimas tendências da Alta Costura. (LIPOVETSKY, 2009 p. 126.) 6 Projeto e label (marca) de identificação de matéria-prima ecologicamente correta concebidos pelo Instituto-e, “faz a interlocução entre produtores de materiais ecológicos e estilistas e suas grifes,apresentando-lhes matérias-primas de caráter renovável a serem utilizadas pela cadeia produtiva da moda em geral” (E-FABRICS, 2010)
39
Figura 5 - Entre os materiais presentes nos produtos e-fabrics: tecidos de algodão orgânico, fibras naturais e couro alternativo.
Fonte: Divulgação (2011)
Figura 6 - Coleção de inverno/07 Osklen “AmazonGuardians”
Fonte: Osklen (2007)
Oskar Metsavath, criador e responsável pela marca, em entrevista para o portal especializado em moda Fashion Forward diz que:
Na verdade eu percebi que havia um “gap”. Sustentabilidade
antigamente era o que era feito por comunidades carentes e se
comprava para ajudar, por caridade. Esqueceu-se de qualificar o
design. Faltava uma gestão desse processo. E é isso que eu tento
fazer: qualificar a mão de obra, promover o Brasil como uma
referência em desenvolvimento sustentável. Compramos o trabalho
dessas comunidades, damos condições para que esse trabalho tenha
continuidade, para que não cause impactos ao meio ambiente e
40
elevamos a capacidade de percepção do consumidor para o que
realmente é luxo. (BRUNETTI, 2012)
Até agosto de 2011, ocasião da primeira edição do Paraty Eco Fashion
não constava, no Brasil, nenhuma feira exclusiva de moda ética sustentável.
Por outro lado, é crescente o número de empresas nacionais que utilizam
matéria-prima ecologicamente correta no desenvolvimento de suas coleções,
caso da própria Osklen. (DUARTE, 2011)
Outras marcas brasileiras, além da Osklen, já utilizam matéria prima
ecológica (Quadro 2) e têm como fornecedor de tecidos a E-Tex Ecológica7 A
tecelagem Santa Constância8
também oferece tecidos Eco-Friendly para
diversas marcas, além de oferecer etiquetas de certificação para serem
anexadas nas peças (GADALETA, 2011). Assim é possível perceber que o
mercado de moda está se mobilizando ecologicamente, porém algumas delas
não utilizam o discurso ecológico como ideologia da marca ou sequer utilizam
isso como ferramenta de publicidade.
Quadro 2 - Empresas usuárias de tecidos reciclados Empresa Seguimento
Cantão Casual, moda jovem TNG Jeanswear, moda jovem Lucy in The Sky Feminina, moda jovem San Chef Uniformes Redley Sportwear, casual Foller Masculino, casual Uncle K Acessórios Richards Casual Maria Filó Moda jovem Timberland Calçadossportwear King 55 Jeanswear, moda jovem
Fonte: adaptado de ETEX Ecologia (2012)
Em sua 33ª edição, o São Paulo Fashion Week (2012) teve como tema a
sustentabilidade e isso foi o ponto alto das discussões entre estilistas que
desfilaram neste evento, que é o maior expoente de moda da América latina. O
7 E-tex ecológica: Empresa que pesquisa, desenvolve e produz tecidos 100% reciclados de alta qualidade, reaproveitando descarte da indústria têxtil e de garrafas PET recicladas. 8 Santa Constância: uma das mais antigas do Brasil que atualmente produz tecidos ecológicos para as marcas Afgan, Enjoy, Espaço Fashion, Farm, Lucidez, Maria Bonita, Myplace, Opção, Osklen, Wollner e Zinzane.
41
designer Marcelo Rosembaum apresentou seu projeto “A Gente Transforma”
na bienal, o projeto visa promover o desenvolvimento local de comunidades
tradicionais do interior do Brasil por meio do design (ARTIGAS, 2012), a edição
do SPFW de 2012 foi toda em torno de projetos sociais e ecológicos para a
moda, dando uma visibilidade maior ao movimento de moda para a
sustentabilidade, mostrando que a preocupação socioambiental é um fato
consolidado hoje na moda brasileira.
Dentre discussões sobre a indústria têxtil nacional e protestos para que
haja um plano de negócio governamental a longo prazo para o setor, somente
3 das 32 marcas que desfilaram na 33ª edição do SPFW (verão 2013), contém
de fato alguma característica sustentável: Osklen, com tecidos e-fabrics,
Animale (Figura 7) que apresentou looks com peças tingidas de forma
ecológica com eucalipto e amoreira (GADALETA, 2012) e Ronaldo Fraga,que
lançou uma linha de biojóias (Figura 8) feitas em parceria com uma cooperativa
de artesãs de Tucumã, no Pára. Ronaldo desenvolveu um trabalho minucioso
com a comunidade, transformou a produção em coleções regulares que são
vendidas tanto na comunidade quanto em sua loja.
Figura 7 - Desfile Animale SPFW Verão 2013
Fonte: Fotosite (2012)
42
Figura 8 – Bio jóias de Ronaldo Fraga com a Cooperativa de artesãs de Tucumã, do Pará
Fonte: Lott (2012)
Gadaleta (2010), consultora de moda, criou em 2006 o portal “Ser
Sustentável com Estilo”, apoiando ações de moda ética, abrindo um novo
espaço e dando mais visibilidade para esta nova moda que cresce cada vez
mais no Brasil.
O mercado de moda ético-ecológica no Brasil é maior do que se pensa,
em 2011 foi criado o Coletivo Brasil, movimento nacional de vanguarda, que
visa promover e popularizar, dentro e fora do Brasil, a moda sustentável
brasileira e o primeiro desfile deste coletivo, aconteceu no evento Moda Recife,
em 2011. O Moda Recife contou com palestras sobre a moda sustentável no
Brasil e desfiles de marcas que trabalham sob essa premissa. O interesse da
mídia, ainda que pequeno, está tomando força.
Dentre as marcas nacionais que não fazem parte da vitrine da mídia de
moda (semanas de moda), marcas com menor visibilidade, porém não menos
importantes, pois são essas que a maior parte da população pode ter acesso.
Estas marcas (Figura 9) são exemplos que tem a premissa de fazer produtos
sustentáveis, porém desmistificam o rótulo de que para que um produto
contenha um valor ético, social e ambiental ele tem que ter aparência “super
rústico” ou “hippie”. São marcas que contém alta qualidade estética, como a
Irmãs Green (figura 10), por exemplo, que produzem suas peças sem obedecer
43
a sazonalidade, peças atemporais e com materiais ecológico, que minimizam
impactos, resultando em produtos de qualidade e alto nível estético.
Figura 9 - Algumas marcas de moda ecofriendly brasileira
Fonte: adaptado de Gadaleta, Maia, Duarte (2012)
Figura 10 - Irmãs Green, moda com responsabilidade ecológica e social, mas não tem estética hippie
Fonte: Irmãs Green (2012)
44
Se no Brasil, a moda para a sustentabilidade está engatinhando, no
exterior ela já toma passos largos. De acordo com Lee (2008) a revista Vogue
britânica, em 2006, devotou cerca de 15 páginas direcionadas ao mercado de
moda ética, a revista Vanity Fair lançou na primavera do mesmo ano uma
edição chamada “Edição Verde”, logo após, outras publicações direcionaram
colunas e editoriais para a moda sustentável, abrindo um panorama do
mercado de moda ética na Europa. Muitas das escolas de moda da Inglaterra
incorporam a questão sustentável em seus projetos, o que projetam estilistas e
designers para a criação pensando no sustentável desde a universidade.
Até as lojas populares europeias estão aderindo a produção com algum
aspecto sustentável, afinal, elas também fazem parte do sistema de moda e
exercem um papel importante na democratização do vestir. A rede suéca H&M
lançou uma linha com foco em baixo impacto em 2012 (FLETCHER, 2011) e a
rede americana de departamentos Barneys investiu em 2007 em uma linha de
roupas ecológicas com parceria com a marca de tecidos orgânicos Loomstate
(LEE, 2008).
No Brasil, as lojas de departamentos Renner emitiram um relatório de
sustentabilidade da empresa em 2011, que entre outros aspectos, indica a
implantação de gestão de resíduos sólidos e energia limpa. A C&A abriu em
Porto Alegre uma loja C&A Eco, toda planejada com a premissa de minimizar
impactos e com conteúdo ecológico.
Constata-se então, que o mercado de moda ética e para a
sustentabilidade, no Brasil, apesar de ser um movimento recente, tem um
potencial enorme, pois o país é rico em cultura regional e têm pessoas e
projetos capazes de tornar o país num exemplo de moda sustentável
(METSAVATH, 2008), se seguirmos os passos do movimento sólido que
acontece na Europa, e adaptando as nossas condições, torna-se viável, pois a
indústria nacional está comprovando que esse novo modelo de produção é
lucrativo e equilibrado, vide os exemplos de marcas citados anteriormente.
45
4. LIMITES
4.1. Tecidos
O material utilizado é parte importante do projeto, então é considerável
conhecer um pouco mais sobre ele. Foi citada que a indústria têxtil, de fiação, é
a base para o mercado da moda, entretanto os tecidos existiram muito antes do
sistema de moda que conhecemos hoje e acompanham a história da
humanidade. Hoje em dia existe uma variedade incrível de tecidos no mercado
misturando materiais e compostos, porém os primeiros tecidos eram de fibras
totalmente naturais.
De acordo com Chataignier (2006), o linho e a lã (Figura 11) são as
fibras mais antigas, entretanto existem outras fibras naturais muito antigas que
são o cânhamo (fibra da Cannabis), a fibra do bambu, a juta, o sisal e o rami,
que existem desde a Idade Antiga.
Figura 11 - Linha do tempo dos tecidos antigos
Fonte: Adaptado de Chataignier (2006)
As fibras têxteis se dividem em dois grupos, as naturais e químicas, as
naturais podem ser vegetais, minerais e animais e as químicas podem ser
sintéticas ou artificiais. (Figura 12).
46
Figura 12 - Fibras têxteis
Fonte: Adaptado de Chataigner (2006)
Geralmente uma peça de roupa é composta de um ou mais tecidos, e
esses tecidos de uma ou mais fibras. Na etiqueta de informações sobre o
produto vem especificado o material (o tipo de fibra) que compõe o tecido. Um
tecido pode ser de uma única fibra ou mistura de duas ou mais fibras como
mostrado na figura 13.
Figura 13 - Porcentagem de fibras do tecido utilizado na roupa
Fonte: Kramolisck (2011)
47
Um fator muito importante no tecido é sua textura, pois isso influencia
diretamente a queda do pano, o corte e a modelagem. Chataignier (2006) diz
que existem quatro tipos básicos de texturas, e que elas se subdividem em
outras sub texturas.
O primeiro tipo são os tecidos planos ou comuns, são os tecidos que
possuem o entrelaçamento de dois conjuntos de fios formando o ângulo de 90º
(Quadro 3).
Quadro 3 - Tipos de tecidos planos Tipos de
tecido Planos
Liso Maquinetado Jacquard Estampado
Caracterização
A
B
C
D
Descrição São tecidos que tem o aspecto uniforme e sem estampa, como por exemplo: brim, veludo, linho, fustão.
São tecidos planos feitos por vários processos diferentes e tem aspectos originais seja pelos fios ou pelo acabamento, como por exemplo, os xadrezes e os tecidos de camisaria.
São tecidos produzidos com fios multicoloridos, entrelaçados formando desenhos mais complexos, ele pode ser chamado de tecido façonê, seu avesso tem fios corridos e lineares e no direito há nuances de brilho ou opacidade.
São os tecidos que após a tecelagem recebem no acabamento aplicação de desenhos variados, padronagens decorativas com uma ou mais cores que só são aplicados de um lado do tecido.
Fonte: adaptado de Chataignier (2006), A: Elle (2012), B: Focus Têxtil (2012), C: Suzuki (2009),D: Barros (2012)
O segundo tipo de tecido são os tecidos de malha, que “são aqueles
formados por laços que se interceptam e se apoiam lateral e verticalmente,
provenientes de um ou mais fios como, por exemplo, o jérsei e o tricô”
(CHATAIGNIER, 2006 p. 44) (Quadro 4).
48
Quadro 4 - Tipos de tecidos de malha
Fonte: Adpatado de Chataignier (2006), A: Texsite (2012), B: Texsite (2012), C: Paganini (2011)
O terceiro tipo de tecido são os tecidos de laçada, que são tecidos
obtidos através do entrelaçamento, o processo é parecido com o tecido
comum, a diferença é que eles consistem em laçadas completas, como por
exemplo, a renda e o cobertor. O quarto tipo de tecido é o tecido não tecido,
que como o próprio nome indica, eles se encaixam nessa categoria por não
sofrerem os procedimentos da tessitura (entrelaçamento dos fios com o
urdume e trama), são camadas que se unem umas as outras por meio de
processos químicos ou físicos como, por exemplo, o feltro e o Tecido Não
Tecido (TNT).
Em relação ao caimento dos tecidos, é considerado que o caimento é
fator importantíssimo para a confecção de roupas, assim há a possibilidade de
classificar os tecidos quanto ao resultado de seus caimentos, portanto há
quatro tipos de tecidos de acordo com o resultado de caimento na peça: os
finos e leves, os finos e médios, os médios e os pesados. (Quadro 5).
Tipos de tecido
Malha Trama Teia Mista
Caraterização
A
B
C
Descrição Malha obtida pelo entrelaçamento de um único fio, pode ser tecido aberto ou em forma circular inteiriça.
Malha obtida pelo entrelaçamento de um ou mais fios colocados lado a lado no tear.
Malha obtida pela inserção periódica de um fio de trama, produzindo mais estabilidade dimensional ao tecido.
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Quadro 5 - Classificação dos tecidos de acordo com seu caimento Tipos de tecido: Classificação pelo caimento
Classificação Descrição/Indicação Exemplos Tecidos finos e leves Indicados para vestidos
festivos, de noiva, de gala, xalinhos, echarpes, blusas finas, etc. Porém há sempre possibilidade de utiliza-los de outras formas, com forros para estrutura-los.
Musseline (figura 14), crepe georgette, organza cambraia de linho, cambraia de algodão, popeline e tricoline finas, seda pura, sintéticos com base na poliamida (náilon), entre outros.
Tecidos leves e médios Têm certo peso no caimento, mas ainda são considerados leves. São indicados para vestidos, conjuntos de saia ou calça, camisas, blusas, saias enviesadas ou godês
Sedas mistas ou sintéticas, cetim, viscose (Figura 15), linho, popeline mais densa, algodões indianos, microfibras, entre outros
Tecidos médios Caimento mais encorpado, eles podem ser usados tanto no fio reto quanto no fio enviesado e são utilizados em tailleurs leves, calças compridas, jaquetas, saias godês ou retas, vestidos estruturados, roupas infantis e masculinas.
Microfibra, fustão, algodão mais encorpado, crepes diversos, sarja leve, veludo cotelê de algodão, jeans leve, tafetá (Figura 16), gorgurão fino, linho com trama mais fechada, entre outros.
Tecidos pesados São indicados para serem usados no fio reto da trama, pois no fio enviesado aumenta o volume e irá causar problemas na peça. Os tecidos pesados são usados principalmente para casacos, calças, blazers, ternos, saias, jaquetas, vestidos secos, xales, etc.
Lãs com tramas fechadas, tweed, brim, jeans, gabardine, lona, crepe romano, veludo de seda, tafetá encorpado, tecidos bordados, brocados compactos, jacquard, cetim duchese (Figura 17), entre outros.
Fonte: Adaptado de Chataignier (2006)
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Figura 14 - Musseline de poliéster
Fonte:GJ Tecidos (2012)
Figura 15 - Vestido de viscose estampada
Fonte: Aratangy (2010)
51
Figura 16 - Vestido de tafetá Reinaldo Lourenço
Fonte – Moritz e Barakat (2009)
Figura 17 - Conjunto Herchcovitch com cetim duchese
Fonte: Reprodução (2012)
Dentre todos os tecidos, ainda existe uma nova gama de destes que são
os tecidos ecológicos, como citado anteriormente, os e-fabrics e tecidos
ecofriendly. Há também os tecidos orgânicos, que são cultivados sem
agrotóxicos ou com bio-pesticidas, além de acontecer um cultivo mais lento o
que dá ao solo mais tempo de recuperação e consequentemente a fibra é de
52
qualidade superior, há sedas orgânicas, jeans orgânicos e algodões orgânicos
no mercado.
A reciclagem de PET pode ser aplicada a qualquer tecido que tenha o
poliéster como base, pois esta fibra é resultante do processo de reciclagem,
elas são bastante utilizadas mescladas com celulose e algodão, formando uma
malha que atualmente é bastante utilizada para confecção de camisetas. Há
também o modal e o Lyoncell, tecidos ecologicamente correto, proveniente da
celulose, também existem tecidos reciclados de resíduos têxteis, couros
ecológicos (que são látex sobre algodão), o biodenim (jeans de fios reciclados),
e outros tecidos de origem natural, orgânicos e reciclados. (GreenCo., 2012).
Tratando o conhecimento em tecidos como limitação da problemática, é
considerado que no projeto de vestuário são necessárias informações básicas
sobre os fios e fibras a serem utilizadas, quais as possibilidades de uso e quais
as melhores adaptações a serem executadas, sem essas noções básicas do
material, não há a viabilização da produção.
4.2. Reutilização têxtil
As indústrias têxteis, confecções de grande, médio e pequeno porte
geram toneladas de resíduos sólidos por ano, esses resíduos têxteis sólidos
são retalhos, off-moldes (Figura 18) e peças e tecidos com defeitos, além
disso, o descarte têxtil acontece também por meio de roupas que são
descartadas antes do fim de sua vida útil pelo próprio consumidor, muitas
vezes sua vida útil estética chegou ao fim por conta do ciclo de moda e
obsolescência perceptiva, porém muitos materiais com vida útil longa que
demorariam muitos anos para se decompor estão empregadas nessas peças e
ao serem jogadas no lixo, são misturadas com outros lixos orgânicos nos
aterros.
53
Figura 18 - Exemplo de resíduos gerados no corte dos moldes
Fonte: autora (2012)
4.2.1. Resíduos (retalhos)
Assim como o papel, plástico e vidro, tecido também é lixo que não é
lixo,a reutilização têxtil é uma alternativa a esse excesso de emissão de
resíduo em aterros sanitários e ao meio ambiente de forma irresponsável. Só
no bairro do Bom Retiro (região central em São Paulo) onde está localizado um
dos maiores polos de confecções de vestuário do Brasil, é gerada cerca de
doze toneladas de resíduos por dia (SINDITÊXTIL, 2011), e o que é feito com
esse resíduo? Nada. Até 2010 os donos de confecção colocavam esses
resíduos para serem recolhidos pelos lixeiros ou por catadores, além disso, o
Brasil importa resíduo (retalhos) de outros países para ser processado aqui o
que não faz sentido algum importarmos o que jogamos no lixo (Figura 19).
Em 2010 o Governo Federal implantou uma lei chamada Política
Nacional de Resíduos Sólidos, que pune empresas que não encaminham o
seus resíduos, neste caso retalhos, às instituições que processem este tipo de
resíduo de forma adequada e que não seja lançado ao meio ambiente. Porém,
de acordo com a Sinditêxtil (2012), essas medidas são exigidas apenas de
empresas que emitem 200 litros de resíduos por dia. Então as confecções de
pequenos e médios portes não se enquadram nesta lei, fazendo com que os
resíduos das confecções do Bom Retiro, por exemplo, seja encaminhado para
54
aterros sanitários ou coletado informalmente por catadores, que por sua vez,
abrem os sacos de lixo em busca dos retalhos de maior valor e espalham o
resto dos resíduos pelas ruas.
Figura 19 - resíduos acumulados em sacos no Bom Retiro
Fonte: EcoAção (2012)
Por conta da desorganização que gera o desperdício e o prejuízo em se
importar retalhos, considerando que no Brasil são jogados fora, foi criado,
então, o projeto Retalho Fashion, pela Sinditêxtil SP, que tem como objetivo
formalizar o trabalho dos catadores, organizar a coleta e encaminhar os
resíduos coletados tanto por eles quanto pelas empresas responsáveis pela
coleta dos resíduos dos grandes geradores, para uma cooperativa que ficará
responsável por gerenciar os catadores, separar os resíduos e preparar a
matéria prima para ser vendida às empresas recicladoras, evitando que
toneladas de resíduos têxteis sejam descartadas em aterros sanitários ou nas
ruas.
O grande problema na reutilização de tecidos é justamente a
desorganização das coletas do material para ser reutilizado como matéria
prima, portanto o Retalho Fashion é uma forma de organização de coletores e
de instituições que trabalham com isso na região do Bom Retiro. Segundo o
presidente da Sinditêxtil SP, Alfredo Bonduki, o Brasil é o quarto maior produtor
55
mundial de algodão e não poderia continuar importando o que jogamos no lixo.
Além disso, o projeto poderá contribuir para a inclusão social e preservação
ambiental. (PALMEIRAS, 2012) Este projeto é um ótimo exemplo de como
organizar a coleta de resíduos têxteis que podem ser reutilizados,
transformados em novos produtos de moda, em tapetes e forrações para
indústria automobilística.
Duarte (2012) iniciou um projeto de Engenharia, pela UFMG, cujo
objetivo é “obter compósitos a partir da reciclagem de resíduos têxteis, que
implique em processo produtivo limpo e possa ter um amplo uso em setores
além do da moda, como a arquitetura e o design”, isto é, reutilizar resíduos
para criar novos materiais (além de fios e tecidos), como compósitos com ótima
resistência física e mecânica para serem utilizados em outras áreas.
4.2.2. Peças de roupas
Outra forma de descarte têxtil são as próprias roupas que compramos,
muitas vezes doamos uma roupa que não temos mais afinidade de usa-la por
conta da moda vigente ou do aspecto da peça. O pós-uso do vestuário ainda é
uma questão delicada, pois as peças que não queremos mais são passadas a
outras pessoas que prolongam o ciclo do produto ou são enviadas a bazares e
brechós para revenda ou caridade.
Figura 20 - Brechó e Antiquário Minha Avó Tinha, localizado em São Paulo
Fonte: autora (2011)
56
Figura 21 - Modelo Alicia Zukcman, famosa pelo estilo composto por peças de brechó
Fonte: Jardim (2011)
Os bazares são geralmente voltados à caridade, são locais que recebem
roupas usadas para doação, não tem uma estética peculiar, pois recebem
roupas de muitas pessoas e lugares diferentes, portanto, a mistura de peças e
objetos é grande, há a necessidade de garimpar para encontrar peças boas
para o uso, mas também são locais que existem muitos materiais e aviamentos
que estão empregados nessas peças, materiais que estão estocados sem o
uso, empregados em peças que não são usadas hoje em dia.
Os brechós (Figura 20) são locais onde são estocadas roupas antigas e
usadas, uma espécie de antiquário de roupas, que são peças geralmente pré-
selecionadas com melhor aspecto e com estética ‘antiga’ peculiar das décadas
do século XX (dos anos 20 aos anos 90). Com a moda vintage em alta, esses
locais são frequentados não só por quem procura roupas mais baratas ou
figurinos exóticos, mas também por jovens que adotam um estilo próprio
(Figura 21), buscam exclusividade e se inspiram nas décadas passadas.
57
Figura 22 - Estilo retrô nas ruas
Fonte: Morais (2011)
De acordo com a antropóloga Krás ([S.d.] apud TERRA, 2008),
especialista em brechós e bazares, os brechós passaram de simples
antiquários para locais populares (hypes) nas grandes cidades, eles estão em
alta porque de acordo com pesquisadores, as modas das primeiras décadas do
século 21 são nada mais que olhar para trás, resgatar o que foi marcante no
século passado e mesclar com um novo olhar moderno (Figura 22), mesclar
peças antigas,vintage,com peças atuais formando o estilo “retrô”, ou até
mesmo manter uma estampa ou tecido de alguma década do século passado e
renovar a modelagem. Além do estilo das peças vintage, a fama dos brechós
aumenta principalmente por conta da necessidade de obter peças únicas, com
uma estética marcante por um preço baixo. O ato de comprar em brechó, quer
dizer que você está prolongando a vida útil de uma peça, reutilizando-a, dando
a ela um novo modo de usar e como combinar, inserindo-a num novo contexto.
Por mais que as pessoas não notem isso, comprar roupas em brechó é uma
atitude ecologicamente correta.
58
Em meio a tantos descartes de peças de roupas e de resíduos gerados
pelo processo de produção e em busca de uma forma de utilizar esses
materiais que estão fadados ao lixo, surge um conceito na moda chamado
upcycling. Gadaleta (2012) define o upcycling como:
Termo usado para a reinserção, nos processos produtivos,
de materiais que teriam como único destino o lixo, para criar
novos produtos. É transformar algo que está no fim de sua
vida útil em algo novo, de maior valor, sem precisar passar
pelos processos físicos ou químicos da reciclagem. O
material é usado tal como ele é.
Existem muito exemplos de upcycling surgindo atualmente, mas um dos
estilistas mais antigos e tradicionais no uso dessa técnica é o belga Martin
Margiela, que utiliza materiais de outros objetos além do vestuário para fazer
roupas únicas e incríveis (TAVARES, 2012) (Figura 23).
Figura 23 - Casaco a partir de uma vela de windsurf
Fonte: ImaxTREE (2012)
59
Figura 24 - Upcycling Fashion Store, loja alemã que reúne marcas que reaproveitam materiais
Fonte: Silva (2012)
Existem marcas que são especializadas nesse tipo de produção, em
Berlin, Alemanha, foi fundada a primeira loja multimarca focada em upcycling,
chamada Upcycling Fashion Store (Figura 24), essa loja recebe marcas
europeias que utilizam este conceito na produção de suas peças. (GADALETA,
2012) Um exemplo nacional é a estilista Gabriela Mazepa, tendo uma linha de
peças que ela produz em parceria de uma indústria têxtil do Sri Lanka que a
envia roupas novas com pequenos defeitos, excesso de produção, ou peças
não comercializadas (coleções passadas) para a produção da linha chamada
“Conexão” (Figura 25). A marca Cavalera também aderiu o upcycling lançando
uma linha com mais de 50 modelos de bolsas e carteiras feitas com sacos de
cimento usados (GADALETA, 2010) (Figura 26).
60
Figura 25 - Coleção "Conexão", upcycling de uma fábrica do Sri Lanka
Fonte: Mazepa (2012)
Figura 26 - Bolsas Cavalera feitas a partir de sacos de cimento
Fonte: Denardin (2010)
61
Algumas marcas estão aplicando o upcycling para reaproveitar estoques
e retalhos de suas próprias coleções antigas, que, por exemplo, é o caso da
Prada (Figura 27) (PACCE, 2011), e do estilista brasileiro Gustavo Silvestre
(GADALETA, 2012) que em sua coleção passada utilizou o upcycling fazendo
modelos a partir de lonas de caminhão e outros materiais e que em sua ultima
coleção utilizou jeans antigos do seu estoque (figura 28 e 29).
Figura 27 - Bolsas e sapatilhas Prada feitas com tecidos de estoques antigos
Fonte: Reprodução (2010)
Figura 28 - Partes das calças jeans separadas na fábrica
Fonte: Chiara (2010)
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Figura 29 - Resultado: desfile Gustavo Silvestre verão 2011, vestido Upcycled
Fonte: Agência Fotosite (2010)
Os limites da utilização da técnica upcycling estão no fornecimento de
matéria prima para a produção. Como a matéria prima deste tipo de produto é
proveniente e depende da demanda de produção de outro produto, existe uma
limitação por parte do fornecimento, o que torna o produto exclusivo ou com
pouca oferta (tiragem limitada), agregando valor à mercadoria. Mesmo com
parceiras como a da estilista Gabriela Mazepa citada anteriormente, a tiragem
do produto é limitada, pois ela depende da demanda de resíduos que recebe
da indústria parceira no projeto. Portanto, é necessário compreender que os
produtos provenientes de resíduos são além de originais e criativos, limitados
no que se diz respeito produção em massa, o que consequentemente, inspira
um consumo reduzido, porém o consumo é de produtos de qualidade.
63
4.3. Identificar Fornecedores
A identificação dos fornecedores é uma etapa que consiste em verificar
os diferentes tipos de fornecimento de resíduos que serão utilizados como
matéria prima no projeto. Dependendo do tipo de fornecimento o processo tem
maior ou menor percurso até a utilização do material para a construção do
produto em si. Foram percebidos dois possíveis tipos de fornecimento de
resíduos: o fornecimento de resíduos repetidos, ou seja, provenientes de uma
produção em série, larga escala de alguma indústria ou facção (confecção de
grande porte) e os resíduos fracionados que provém de confecções pequenas
e também de peças descartadas que são distintas e misturadas nos locais de
descarte.
Na figura 30 é possível verificar o processo de administração do
fornecimento de matéria prima para confecção da mini coleção, conforme
observado, o processo com a matéria prima proveniente de uma produção em
série pode ser mais ágil, pois não requer separação de peças e categorização,
além de propiciar a reprodução do mesmo modelo mais vezes. Por outro lado o
fornecimento de material fracionado pode instigar a criatividade e a criação de
modelos novos e uma produção mais limitada e exclusiva, ou seja, com menor
probabilidade de repetição em série e em diversos tamanhos.
64
Figura 30 - Fluxograma dos dois tipos de fornecimento de matéria prima para o projeto
Fonte: autora (2012)
65
5. DISPONIBILIDADE TECNOLÓGICA
5.1. Definir os materiais
Os materiais definitivos que serão utilizados na coleção foram
encontrados em uma confecção de pequeno porte e estavam cerca de dois
anos estocados sem nenhum plano futuro do uso. São retalhos e partes de
peças com defeitos, os retalhos são de moletom9
As partes de peças com defeito são de uma produção de jalecos para a
área da saúde que a empresa fez há algum tempo e ocorreu um defeito no
bordado de algumas peças então elas ficaram estocadas, o tecido é
gabardine
(Figuras 31 e 32) e em
diversas cores diferentes, eles foram separados por cores e tamanhos (Figura
33, 34, 35 e 36) e passados.
10
Nesta mesma confecção foram encontrados zíperes (Figura 38) e botões
antigos que estão estocados sem plano de uso, que seriam descartados numa
próxima limpeza, estes aviamentos também serão utilizados na coleção.
acetinado na cor branca (Figura 37). Esses dois tecidos são
tecidos classificados como médios, portanto tem um caimento encorpado e são
ideias para vestidos estruturados. Estes serão os principais materiais utilizados
na confecção das peças.
Figura 31 – Retalhos estocados
Fonte: autora (2012)
9 Moleton: tipo de malha aflanelada de lã, algodão ou poliéster misto, feita com entrelaçamentos flutuantes, usado em peças esportivas, casuais e infantiis. (CHATAIGNIER, 2006 p. 151). 10 Gabardine: de algodão ou fibras sintéticas (inclusive com o uso do elastano, esse tecido é um clássico do guarda roupa, tanto masculino como feminino. Sua armação é sarjada, plana e lisa, pode ser impermeabilizado e é indicado para peças mais estruturadas. (CHATAIGNIER, 2006 p. 146)
66
Figura 32 - Retalhos separados por cor
Fonte: autora (2012)
Figura 33 - Retalhos de moletom mostarda
Fonte: autora (2012)
Figura 34 - Retalhos de moletom vermelho
Fonte: autora (2012)
67
Figura 35 - Retalhos de moletom laranja
Fonte: autora (2012)
Figura 36 - Retalhos de moletom azul
Fonte: autora (2012)
Figura 37 - Partes e retalhos de gabardine branca
Fonte: autora (2012)
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Figura 38 - Zíperes usados que estavam estocados sem utilidade
Fonte: autora (2012)
Além dos materiais principais utilizados, foram separados retalhos
diversos para detalhes e suporte, como retalhos de sarja, tule e cetim preto
(Figura 39).
Figura 39 - Retalhos diversos de sarja, tule e cetim
Fonte: autora (2012)
69
5.2. Definir a técnica de modelagem
A concepção de um produto de moda depende do método de
modelagem que é utilizado, existem dois tipos de técnicas de modelagem:
moulage e a modelagem plana.
De acordo com Jones (2005) moulage11 (Figura 40) é uma técnica que
implica na modelagem do tecido diretamente no manequim ou no corpo,
esculpindo o modelo utilizando o tecido ou toile12
Figura 40 - Manequins utilizados para a moulage
. Quando o formato do modelo
e o tamanho estão corretos, o toile é planificado e passado para um molde de
papel para sua reprodução nos outros tamanhos.
Fonte: Graziella (2010)
A técnica de moulage funciona melhor quando se tem grande
quantidade de tecidos e que eles sejam leves e fluídos, pois permite verificar
como vai ficar o caimento da peça e seu movimento tanto no fio reto quanto o
tecido no viés (com o fio na transversal). Essa técnica também permite
amarrações e costuras invisíveis, tem como caráter principal a criação e a 11 Moulage: do francês modelagem. 12 Toile: tecido liso que tem caimento similar ao do tecido que será feito a roupa, a primeira peça piloto é o molde deste tecido que passa por ajustes no manequim.
70
experimentação, pois é possível ver o resultado em três dimensões e fazer
ajustes e correções diretamente no manequim, porém é uma técnica que pode
frustrar por ser baseada na experimentação de novos cortes, no corpo, com
movimentos, podem ser obtidos resultados inesperados. (JONES, 2005 p. 149-
150)
“A modelagem plana é uma técnica que exige precisão nas medidas e
cálculos, além da habilidade para imaginar o efeito em três dimensões.”
(JONES, 2005 p. 143) Moldes planos são geralmente criados a partir de uma
medida padronizada (mas podem ser sob medida, com as medidas do cliente)
e geralmente os moldes são feitos nos tamanhos 36 e 38 (Brasil). Este sistema
de trabalho em duas dimensões é prático e indispensável para a indústria, pois
se utiliza uma base de modelagem (blocks) de blusas, casacos, calças e saias
e depois essas bases podem ser modificadas para dar vida a outros modelos.
(Figura 41)
Figura 41 - Moldes base de saia e blusa e as posições de pences mais comuns para dar forma à peça
Fonte: Adaptado de Jones (2005)
As duas técnicas podem ser complementares, a moulage é planificada
após a criação do modelo no manequim e a modelagem plana pode utilizar o
manequim, dando uma visão em três dimensões do modelo criado
bidimensionalmente e assim corrigir algum erro ou fazer ajustes e melhorar o
molde.
71
A técnica escolhida para o desenvolvimento dos modelos será a
modelagem plana por ser feita a partir de uma medida padrão e a partir dos
blocks. Como o material é fragmentado, o encaixe dos fragmentos no molde
plano é mais prático e ágil.
Para um molde básico ser bom e assim dar um bom caimento à roupa, o
molde precisa ser feito com as medidas exatas do corpo (Figura 42), as
medidas classificam-se em três categorias, as fundamentais: circunferência do
busto, da cintura e dos quadris. As auxiliares: a medida do ombro, largura da
frente e altura do busto e as complementares: folgas, comprimento da frente,
das costas, da manga, contorno do braço, do pescoço e altura total do corpo.
(HEIRICH, 2007)
No Brasil ainda não existe um padrão obrigatório de medidas corporais
para o vestuário, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
disponibilizava uma norma criada em maio de 1995 (a ABNT NBR 13377:1995)
com apenas algumas medidas padrões, porém de acordo com a ABNT (2012)
esta norma foi cancelada e outra norma, o Projeto 17:700.04-005 Referenciais
de medidas do corpo humano - Vestibilidade Feminina, padronizará as medidas
brasileiras de vestuário, auxiliando empresas a adaptar as medidas ao seu
público, este projeto teria início previsto para o 2º trimestre de 2012, porem até
o momento não há registro de uma nova norma para o vestuário feminino.
Atualmente cada empresa tem o seu padrão seguindo padrões de outros
países ou criam suas medidas através de pesquisas de acordo com seu
público alvo.
72
Figura 42 - Medidas do corpo para vestuário
Fonte: adaptado de Yip (2010)
Figura 43 - Tabela internacional aproximado de padrão de medidas para o vestuário
Fonte: Yip (2010)
73
Esta tabela (Figura 43) está disponível no livro Fashionary (2010) e a
medida utilizada para os protótipos (ou peças pilotos) da mini coleção será a
numeração equivalente ao número 40 do padrão da União Europeia. Como
citado anteriormente, cada empresa constrói seu padrão de acordo com seu
público alvo ou baseado em medidas internacionais.
As medidas padrão são medidas próximas do corpo, não contam com a
folga do tipo da modelagem da peça (silhueta mais justa ou solta) e nem a
margem da costura e bainha, podendo ter variações de mais 1 ou 2
centímetros em algumas medidas e até 5 centímetros em outras. (HEIRICH
2007)
Após a construção certa do molde do protótipo, existe a etapa da
graduação, onde o molde piloto é diminuído e aumentado para atingir os outros
tamanhos da tabela de medidas. Esta técnica existe para que um modelo
possa ser vestido por pessoas de diferentes tipos físicos.
5.3. Aspectos técnicos de pilotagem
As máquinas de costuras são categorizadas em três níveis, as
domésticas, as semi-industriais e as industriais. Em grandes confecções e
facções são utilizadas as industriais, pois são robustas e resistentes à grande
demanda de trabalho, as domésticas e semi-industriais são as caseiras,
geralmente utilizadas por costureiros sob medida e pequenas confecções.
Para a fabricação das peças da coleção serão utilizadas três máquinas
industriais (Figuras 44 e 45), sendo uma para costura reta, uma para costura
overlock (arremate e acabamentos internos) e uma para costura galoneira
(utilizada para acabamentos em malharia).
74
Figura 44 - Costura overlock
Fonte: autora (2012)
Figura 45 - Costura galoneira com agulha tripla
Fonte: autora (2012)
5.3.1. Agulhas
Para cada tipo de tecido costurado é necessário um tamanho de agulha,
isso influencia diretamente na resistência e no acabamento da costura, uma
agulha muito grossa para um tecido leve pode franzir a costura. Agulhas de
ponta redonda são usadas para malharia e de ponta afiada para tecidos
sintéticos, a agulha universal é uma adaptação da agulha de ponta redonda
que pode ser usada nos dois tipos de tecidos, essas agulhas são encontradas
em diversos tamanhos e espessuras, da mais fina a mais grossa, quanto mais
fino o tecido, mais fina deve ser a agulha. (JONES, 2005)
75
Quadro 6: Tamanhos de agulhas. Tabela de tamanho de agulhas
Tamanhos Tipo De Tecido Exemplos
60/8 Leve Seda Fina
65/9 Leve Renda
70/10 Leve - Médio Crepe fino
75/11 Médio Cambraia
80/12 Médio - Pesado Algodão
90/14 Pesado Veludo Cotelê
100/16 Pesado Brim Grosso
100/18 Muito Pesado Jeans
120/19 Muito Pesado Lona
Fonte: Adaptado de Jones (2005)
As agulhas vêm com duas numerações, pois uma numeração é o padrão
Europeu e a outra é o padrão Americano, portanto todas as agulhas vêm com
dois números como mostrado no quadro 6. Os tecidos que irão ser utilizados
na coleção são o moletom e a gabardine acetinada, que são caracterizados
como tecidos médios, portanto a agulha utilizada será a agulha de número
75/11.
76
6. FASE DA CRIATIVIDADE
6.1. Referências estéticas
No que se diz criatividade do projeto e conceituação da coleção, foi
determinado um método processual criativo no qual serão realizados painéis
semânticos. Esses painéis foram divididos em quatro categorias formando o
referencial estético de base para o desenvolvimento do conceito.
As referências estéticas e visuais para a criação dos modelos surgem a
partir da ideia de utilizar como matéria prima tecidos fragmentados, a
fragmentação logo conecta a ideia de peças que se encaixam dando forma a
outras coisas. A partir da condição de utilizar tecidos considerados resíduos,
são traçados algumas referências principalmente para a estética dos modelos:
O jogo tangram, mosaicos, patchwork e arte gráfica.
O jogo tangram (Figura 46), constituído de peças geométricas que se
encaixam dando forma a diversos ícones é uma das referências centrais. Este
jogo é datado do século 18 e criado na China, ele consiste em um simples
quadrado dividido em sete peças, que são cinco triângulos (dois grandes, um
médio e dois pequenos), um quadrado e um paralelogramo e a partir dessas
formas, são construídos diversos ícones e figuras. (MOTTA, 2006)
Os mosaicos (Figura 47) feitos com azulejos também são uma referência
forte, apesar da irregularidade das partes, os mosaicos formam desenhos e
efeitos interessantes. A palavra mosaico significa o estudo do preenchimento
do plano com figuras geométricas ou uniformais e vem do Latim “musa” e se
encontra entre as primeiras manifestações culturais do homem (SILVEIRA;
BISOGNIN, 2005), o primeiro trabalho em mosaico registrado na humanidade
foi descoberto em torno de 3.500 a. C., seus motivos eram figurativos e de
batalha (SILVEIRA; BISOGNIN, 2005 apud CHAVARRIA, 1998).
77
Figura 46 - Painel semântico Tangram
Fonte: A: Hosempa (2012), B: Lowry (2012), C: Ford (2012), D: Pelle (2012), E: Audoly (2012),
F: Shaw (2012)
78
Figura 47 - Painel semântico mosaicos
Fonte: A: Stwart (2012), B: Tenyenhuis (2012), C: Horrocks (2012), D: Marion (2012),
E: Alicia (2012), F: Kowal (2012)
79
Uma técnica já utilizada na moda e principalmente em decoração
também entra como referência para a criação. O patchwork (Figura 48) é uma
técnica muito antiga de reuso, utilizando peças que muitas vezes já foram
empregadas de outra maneira. Até meados do século dezessete, muitos
tecidos eram produzidos em casa em teares domésticos, onde primeiro se
plantavam as fibras, depois se torciam os fios e finalmente os tecido, então eles
eram bens valiosos e somente eram descartados quando usados ao máximo e
seu uso possível estivesse esgotado, contudo o seu último uso possível era
muitas vezes em patchwork. (WILKINSON, 1999)
De acordo com as referências citadas, temos em comum a geometria
que é também um pilar de referências visuais na arte gráfica herdada de
movimentos artísticos de vanguarda como o Neoplasticismo e o
Construtivismo, que unem traços precisos a cores chapadas, além da escola
que deu origem ao design contemporâneo, a Bauhaus, na qual a estética
minimalista e moderna herdou seus aspectos de forma simples e funções bem
definidas (Figura 49).
As cores primárias e chapadas, além das formas geométricas, são
referências importantes na estética da coleção, pois os materiais definidos são
de cores chapadas, cores primárias e secundárias, além do tecido branco que
servirá de base e de contraste para a coleção.
80
Figura 48 - Mural semântico Patchwork
Fonte: Adaptado de A: Eckenswiller (2012), B: Meg (2012), C: Holland (2012), D: Gaye
(2012), E: Thompson (2012), F: Caballosalvaje (2012) G: Colangelo (2012), H: Leskoven (2012)
81
Figura 49 - Painel semântico de arte geométrica abstrata
Fonte: A: Whitmore (2012), B: Jaffe (2012), C: Lee (2012), D: Hancock (2012), E:
Cervera (2012), F: Fabre (2012)
6.2. Referências de modelagem
Em relação à modelagem e silhuetas, as referencias se baseiam no
conceito slow fashion que consiste na criação de peças perenes esteticamente
(FLETCHER; GROSE, 2011), assim os modelos clássicos que dificilmente
82
abandonam as modas sazonais serão a base para o desenvolvimento, mais
precisamente algumas características herdadas da moda dos anos 60.
Os anos 60 foram muito importantes, pois foi um momento em que a
moda jovem surgiu e pela primeira vez na história, a juventude é caracterizada
como um nicho de mercado, rompendo o padrão social de moda da época. A
moda jovem aparece em meio aos protestos dos jovens em relação ao modo
de vida dos seus pais, onde o consumo e o formato da família de comercial de
televisão era o molde ideal de sociedade.
Neste sentido, os anos 60 são um período de grande revolução em
todo o mundo ocidental. Dos Estados Unidos à Holanda as jovens
gerações recusaram os modelos existentes e procuraram novas
formas que possam manifestar uma ruptura com a ordem constituída.
(CALANCA, 2008 p. 151)
Em meio à guerra do Vietnã, os jovens americanos se opuseram e
surge o movimento hippie como forma de protesto à estética e o
comportamento vigente da época, além do uso da calça jeans e da camiseta
branca, que tomaram força graças ao James Dean e Marlon Brando, ícones do
cinema, na Inglaterra surge a minissaia, da estilista Mary Quant, como símbolo
da emancipação feminina, o jeans, a camiseta branca e a minissaia são peças
universais e se tornaram clássicos da moda. A corrida espacial e o homem na
lua são acontecimentos que também marcaram a década de 60 e refletiu-se na
moda como se o futuro fosse naquele momento, em Paris, nascente de
tendências sofisticadas e com característica de glamour por ser o berço da
moda mundial, estilistas como Yves Saint Laurent (Figura 50), Emilio Pucci,
Pierre Cardin (Figura 51) e André Courrèges (Figura 52) foram influências para
uma moda marcante desta década. (BRAGA, 2004).
Com relação aos nomes de moda citados, podemos considerar André
Courrèges um dos mais importantes com os seus minivestidos e
minissaias dando à moda o aspecto de dinamismo e modernidade
que tanto se exigia neste período, Pierre Cardin também revolucionou
com seus cortes e formas impecáveis em seus looks espaciais de
muita inspiração nos aspectos de futuro, onde o uso do zíper passava
a ideia de futuro; Yves Saint Laurent que havia lançado em 1958 a
linha trapézio, agora nos anos 60 sua maison com criações
83
inovadoras como o tubinho com desenhos do Mondrian. (BRAGA,
2004 p. 87, 88).
As silhuetas tubinho, com linhas retas e aspectos futuristas se tornaram
clássicos na história da moda do século XX e são constantemente repaginados
por estilistas atuais (Figuras 53 e 54), principalmente por conta de a moda
sempre revisitar estéticas passadas aplicando características atuais.
Figura 50 - Coleção Yves Saint Laurent de 1960
Fonte: Johnson (2012)
84
Figura 51 - Vestidos tubinhos Pierre Cardin 1967
Fonte: Beckman (2011)
Figura 52 - Coleção André Courrèges nos anos 60
Fonte: Cindric (2012)
85
Figura 53 - Coleção Moschino verão 2013, modelagem e beleza herdada dos anos 60
Fonte: Hagedorn (2012)
Figura 54 - Coleção Louis Vuitton verão 2013, influencia forte dos anos 60
Fonte: ImaxTREE (2012)
86
6.3. Paleta de cores
Como os materiais pré-selecionados na etapa anterior contém uma
grande nuance de cores chapadas (Figura 55), pode-se constatar que a paleta
de cores já está resolvida, porém, é preciso fazer algumas analises de
combinação entre as cores para reduzir a paleta, pois a coleção é pequena. De
acordo com Jones (2005) uma paleta de cor pode ter de 4 a 10 cores, tendo
uma ou duas como base e outras para dar nuances e contrastes.
Figura 55 - Cores dos tecidos usados na coleção
Fonte: autora (2012)
As cores trazem informação intrínseca, Jones (2005) cita que as
pessoas reagem intuitivamente, emocionalmente e até fisicamente às cores,
como por exemplo, os azuis e verdes diminuem a pressão sanguínea enquanto
o vermelho e outras cores intensas podem acelerar os batimentos cardíacos.
Jones também cita que as cores mudam de aparência dependendo do
seu contexto, em qualquer esquema de cor, tão importante quanto à identidade
de uma cor é a sua relação com outras cores da composição, dependendo das
cores que a cercam, uma cor individual pode mudar sua identidade, ficando
mais ou menos contrastante ou suave.
Figura 56 - Cores primárias
Fonte: adaptado de Jones (2005)
As cores primárias (Figura 56) são cores que não podem ser criados
pela mistura de outras cores, são as cores básicas. As cores secundárias
(Figura 57) são as misturas de duas cores primárias. As cores secundárias são
também complementares das cores primárias, isto é, são opostas no circulo
cromático e exercem um contraste entre si (Figura 58).
87
Figura 57 - Cores secundárias
Fonte: adaptado de Jones (2005)
Figura 58 - Circulo cromático e cores opostas
Fonte: adaptado de Jones (2005)
Outro tipo de combinação entre as cores são as temperaturas das cores,
as cores quentes são associadas ao fogo, luz solar, paixão (vermelho, amarelo,
laranja, roxo) e as cores frias associadas céu, mar, gelo, paz (azuis, verdes,
violetas, tons diluídos em água), existem também as cores análogas que são
as cores que estão bem próximas no circulo de cores, por exemplo, anil, azul,
azul marinho e violeta, ou verde limão, amarelo, laranja e vermelho (Jones,
2005 p.116) (Figura 59).
Figura 59 - Cores análogas
Fonte: Jones (2005)
De acordo com a paleta pré-estabelecida dos materiais que serão
utilizados na coleção, foi percebido que os moletons azuis estão em maior
quantidade do que os moletons de outras cores, portanto, junto com a
gabardine branca, servirá de cor base para a paleta. As combinações do azul
88
marinho e do azul médio foram feitas com as outras três cores: laranja,
mostarda e vermelho. (Figura 60).
Figura 60 - Cores da paleta e como elas se comportam junto das cores base
Fonte: autora (2012)
Levando em consideração o contraste entre as cores e como elas se
comportam ao lado das cores base (azul e branco), o azul marinho exerceu
maior contraste com os tons quentes, portanto essas cores foram escolhidas
para serem trabalhadas na coleção.
6.4. Desenvolvimento dos croquis
O croqui é uma palavra de origem francesa (croquis) que quer dizer
esboço ou rascunho e se caracteriza por ser um desenho que não exige
grande precisão gráfica, ou seja, sem muito refinamento e acabamento. O
croqui é utilizado pelo estilista para discutir ou expressar a ideia graficamente.
(JONES, 2005).
Cada estilista tem um estilo de expressar sua ideia, portanto o croqui
tem um caráter bem pessoal e individual. Após todo o levantamento conceitual
estético e de silhueta, além do material e paleta de cores já definidos, o
desenvolvimento dos esboços e dos croquis é parte que finaliza a fase da
criatividade, após os desenhos feitos, serão feitos os desenhos com aspectos
técnicos para que o modelista se guie para fazer os moldes planos.
89
Antes do croqui definitivo são feitos alguns esboços ou rascunhos para o
amadurecimento da ideia, seguem ilustrados nas figuras 61, 62 e 63. Os
croquis definitivos (Figuras 64, 65 e 66) foram desenvolvidos em papel Canson
A4, com lápis 2B, caneta nanquim 0.5. e lápis de cor aquarelável para colorir.
Ao todo foram feitos três modelos: vestido Triângulos (modelo 1), vestido Setas
(modelo 2) e vestido Losangos (modelo 3).
Figura 61 - Esboços do modelo 1
Fonte: autora (2012)
95
6.5. Especificações técnicas
As especificações técnicas de uma roupa são as medidas exatas da
peça piloto junto com informações de recorte, pênces e zíperes (Figuras 67, 68
e 69). Esse desenho é feito para que o modelista leia e reproduza o molde
plano da peça e depois faça a graduação do molde nos tamanhos da tabela de
medidas utilizada. Estes desenhos estão geometrizados, porém ao fazer o
molde o modelista arredonda as arestas para o modelo tomar a forma do
corpo.
Figura 67 - Especificações técnicas do modelo 1
Fonte: autora (2012)
98
7. MODELOS
7.1. Corte
Num plano de corte é preciso ter atenção em alguns detalhes do tecido,
evitando o desperdício. Quando o molde está pronto ele é colocado em cima
da peça de tecido, para assim cortá-lo, é importante saber que o tecido tem a
trama (fio da largura) e o urdume (fio do comprimento), e o posicionamento do
molde sendo guiado pelo arremate nas laterais do comprimento, promovendo a
chamada de Ourela (Figura 70). (HEIRICH, 2007).
Figura 70 - Os sentidos dos fios de um tecido
Fonte – Heirich (2007, p. 35)
Os moldes em geral são marcados com uma seta indicando o sentido
que ele deve ficar no tecido, chamado sentido do fio. O sentido do fio do molde
deve ficar na mesma posição do sentido do corte desejado, pois isso influencia
diretamente no caimento da roupa. O corte no fio reto é quando o molde é
colocado de acordo com urdume, o corte no fio atravessado é quando o molde
é colocado de acordo com a trama e o corte enviesado é quando o molde é
colocado de acordo com o viés. O caimento perfeito da roupa está relacionado
com o a queda do fio, ou seja, a direção do fio em relação ao solo.
99
Porém neste projeto, está sendo trabalhado com retalhos e não tem a
Ourela para servir de guia, portanto é necessário observar o sentido do fio, no
caso do moleton que é uma malha mista, ou seja, tem a inserção de um fio de
trama para dar estabilidade à malha, seremos guiados pelo fio de trama (Figura
71) para posicionar o molde corretamente sobre o retalho.
Figura 71 - Indicação da direção do fio do tecido
Fonte: autora (2012)
Considerando o caimento da roupa totalmente dependente do sentido do fio
em que as partes são cortadas, é considerado também que o encaixe dos
moldes nos retalhos deve obedecer ao sentido do fio, para assim obter um bom
resultado na peça. Se o produto se tratasse de uma peça que não dependesse
do caimento no corpo para seu desempenho, como, por exemplo, mantas ou
cobertores feitos de retalhos, não seria necessário obedecer ao sentido do fio.
Nas imagens abaixo é demonstrado a forma incorreta e a forma correta de
posicionar o molde no tecido, neste caso, no retalho. (Figuras 72 e 73)
100
Figura 72 - Modo incorreto de encaixar o molde no retalho
Fonte: autora (2012)
Figura 73 - Modo correto de encaixar o molde no retalho
Fonte: autora (2012)
Após posicionar o molde corretamente sobre o tecido, é necessário
prende-lo com alfinetes e marcar a linha de corte com um giz ou lápis próprio
para tecido. De acordo com Heirich (2007) é necessário deixar cerca de 1 cm
para a costura (Figura 74), o corte foi todo feito manualmente (Figura 75), mas
se forem cortados muitos tecidos de uma vez (em caso de produção em massa
do mesmo modelo) utiliza-se a faca elétrica ou o corte a laser.
Todos os ‘off moldes’ das peças cortadas serão recolhidos e
encaminhadas ao projeto Retalho Fashion.
101
Figura 74 - Marca de corte
Fonte: autora (2012)
Figura 75 - Cortando as peças
Fonte: autora (2012)
102
7.2. Montagem
Os moldes são todos numerados, formando um grande quebra cabeça
para não haver erro na montagem (Figura 76), depois das partes cortadas, elas
são alinhavadas (costuradas com um ponto grande e frouxo) para a montagem
da peça para possíveis ajustes e depois acabamento.
Figura 76 - Moldes marcados e numerados
Fonte: autora (2012)
7.2.1. Montagem do modelo 1
O modelo 1 consiste num vestido com a frente composta de várias
partes triangulares (Figura 77 e 78) que se unem formando toda a frente,
conforme a combinação das cores é possível fazer desenhos e padrões
diferentes a cada modelo, utilizando a mesma modelagem. As partes em
moletom foram unidas com costura overlock e as outras partes (frente e costas)
foram unidas com alinhavado de costura reta, costura mais frouxa que a
definitiva que é aplicada apenas no acabamento. (Figura 79)
103
Figura 77 - Molde e corte da frente
Fonte: autora (2012)
Figura 78 - Costas e frente montados
Fonte: autora (2012)
104
Figura 79 - Frente e costas do modelo 1 montado e alinhavado
Fonte: autora (2012)
7.2.2. Montagem do modelo 2
O vestido 2 é composto por dois cortes frontais que modelam o corpo e
entre esses dois cortes existem várias partes geométricas de moletom que se
encaixam (Figura 80), dependendo das cores usadas, é possível formar
diversos padrões e desenhos. A parte de trás é constituída de quatro partes,
sendo duas do top e duas da saia do vestido, todas as partes em gabardine
branca. Na figura 81 é possível visualizar o modelo montado e alinhavado.
105
Figura 80 - Molde da frente do modelo 2
Fonte: autora (2012)
Figura 81 - Frente e costas do modelo 2 montado e alinhavado
Fonte: autora (2012)
106
7.2.3. Montagem do modelo 3
O modelo 3 trata-se de um tubinho dividido em duas partes, a blusa e a
saia (Figuras 82 e 83). Na saia não haverá costuras laterais, apenas uma
costura nas parte de trás. A parte de cima é dividida em dois recortes que
saem da cava e vão em direção à cintura, para acomodar o modelo ao busto e
ter um caimento adequado. Na figura 84 é apresentado o modelo 3 montado e
alinhavado sem os detalhes em branco da saia, que serão aplicados após o
acabamento.
Figura 82 – Montagem da frente do modelo 3
Fonte: autora (2012)
Figura 83 - Costas do vestido 3
Fonte: autora (2012)
107
Figura 84 - Frente e costas do modelo 1 montado e alinhavado
Fonte: autora (2012)
7.3. Acabamentos
Os acabamentos foram feitos com costura reta externa e costura overlock interna como mostrado nas figuras 85 e 86.
Figura 85 - Acabamentos
Fonte: autora (2012)
108
Figura 86 - Acabamentos
Fonte: autora (2012)
7.4. Peças prontas
Nas figuras 87, 88 e 89 é possível visualizar as peças prontas. Para
salientar a identidade da mini coleção foram feitas algumas fotos para compor
um lookbook que estará disponível no apêndice B junto com um release
comercial sobre a mesma. Batizada de “Tri ângulos”, a coleção tem esse nome
por conter três peças e as peças terem bastantes polígonos em sua
construção.
112
CONCLUSÃO
A sustentabilidade na moda é um desafio mais profundo do que se
pensa. Ao iniciar a pesquisa que desencadeou neste projeto, constatou-se que
criar um produto dentro desta premissa atinge dimensões muito maiores do
que a do papel do designer dentro do sistema de moda. Entendeu-se que o
modelo de negócio que vigora hoje dentro da indústria é ainda, deveras
ganancioso.
O Brasil é um país que tem extremo potencial para ser exemplo deste
novo modelo de desenvolvimento, tanto cultural quanto material, além de
sermos eficientes em pesquisas e novas tecnologias, porém a moda faz parte
de um sistema totalmente autodestrutivo e superficial que tem o consumo e a
ganância como combustíveis para o sistema econômico que vivemos. A partir
disso, o conceito tratado neste projeto diz respeito a um novo modelo de
negócio, trata-se de uma contracultura emergente a partir deste sistema
destrutivo que vigora atualmente. Utópico ou não, é um movimento consistente
e consciente dos problemas que existem, o slow fashion ou slow design tem
tudo a ver com a realidade brasileira. Juntar artesãos e designers, aliar
empresas a comunidades, trocar informações, fazer o produto de forma
simplesmente correta no que se dizem valores ambientais e sociais além de
valorizar a cultura local, essas são algumas premissas deste novo olhar do
design.
Minimizar impacto é a primeira e mais importante missão do slow
fashion, minimizar tanto ambientalmente quanto economicamente e o projeto
foi focado nisso. No decorrer do projeto de uma mini coleção utilizando
resíduos de uma confecção, foi detectado uma série de fragilidades no que se
diz fornecimento do material (resíduos), pois no Brasil, o “calcanhar de Aquiles”
tanto da reciclagem quanto do upcyling é a logística reversa dos produtos
descartados ou dos resíduos de indústrias. A falta de organização destes
produtos dificulta o processo de reutilização, alguns órgãos estão se
mobilizando, pois detectaram o enorme desperdício de material com vida útil
ainda muito longa, este foi o principal problema enfrentado, pois se não há a
113
administração da matéria prima a ser (re) utilizada, não há como planejar uma
demanda de produtos, e então o design ficaria limitado ao trabalho de artesão,
fazendo peças exclusivas e sem demanda de repetição. Aliás, todo produto
que é feito com material proveniente de descarte ou reutilizado contém a
característica da limitação de produção, pois você depende de outra cadeia de
produção para produzir os seus produtos. O design tem o papel de,
considerando estes problemas, criar soluções e criar produtos que minimizam
os impactos, trabalhar sobre a premissa sustentável no Brasil ainda é muito
difícil, portanto, quanto menos impacto, melhor. E menos é mais, menos
custos, mais lucros, que é a linguagem na qual a indústria fala melhor.
O upcyling entra aí, quando o material é aplicado num produto que tem
uma estética e um valor agregado maior, o material também passa a ter esse
valor intrínseco do produto, aumentar o valor do material que estava fadado ao
lixo é uma das soluções que o designer tem dentro da sustentabilidade.
O poder estético é uma das vantagens de criar um produto de moda com
upcyling, desprender-se de tendências sazonais pode ser um caminho muito
mais firme e original, concordando com o que Manzini e Vezzoli citam e
adaptando para o contexto da moda, é certo que num cenário hipercultural
futuro, o design de moda será liderado por impactos e não por tendências.
Conforme surjam novas ideias para reconstituir o meio ambiente e a sociedade,
estas passarão a impulsionar a inovação e surgirão de diversos locais,
relações, problemas, culturas e não de abstratos “oráculos de tendências”.
Portanto, é considerado que o projeto concluiu-se com sucesso em
relação ao objetivo geral, a ideia de fazer uma coleção com impacto ambiental
menor, utilizando o upcyling e com base no slow fashion, permitiu que a esfera
do designer aumentasse e que essa informação fosse passada para o produto.
A informação estética e ética estão intrínsecas no produto final, que também
contém uma cara jovem, descolada e atual, atingindo o objetivo de fazer uma
coleção esteticamente rica e desvinculada da austeridade que é associado
qualquer assunto sobre sustentabilidade.
114
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YIP, Peter. Fashionary. Hong Kong, 2010.
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APÊNDICE B – Release e fotografias do lookbook da coleção
Release: Mini Coleção “Tri ângulos” por Camila Ribeiro
A coleção com três vestidos é jovem, porém com um ar “sessentinha”,
do comprimento curto às cores, enxerga-se nitidamente a influencia futurista
desta década. Silhuetas justas ao corpo e layout geométricos tornam a coleção
atual e original, ainda mais por conta de ser totalmente feita com resíduos
(retalhos!) e ter reaproveitado tecidos de outras linhas de produção, ela é
“sustentável” sem ser ter cara de ”eco-chata”. A mulher que usa “Tri ângulos” é
bem humorada, espontânea e se preocupa com o que está consumindo,
consome moda conscientemente e esbanja autenticidade.
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