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CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – O DELITO DE
CORRUPÇÃO E A REPERCUSSÃO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA
NA ESFERA ADMINISTRATIVA
José Renato Martins
Doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito
Constitucional pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Advogado e Ex-Delegado de Polícia
de Carreira do Estado de São Paulo. Coordenador do Curso de Direito Campus Taquaral da Universidade
Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Professor de Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional e Direito
Penal na Faculdade de Direito na UNIMEP.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho destina-se tecer alguns comentários sobre os conceitos de
Administração Pública e de funcionário público, discorrendo sobre os entendimentos
doutrinários e jurisprudenciais acerca do assunto, bem como examinar os crimes de corrupção
passiva e corrupção ativa, previstos no Código Penal brasileiro, nos artigos 317 e 333,
tecendo breves considerações sobre os mesmos e diferenciando-os de outros, eventualmente
semelhantes, em especial dos delitos de concussão/excesso de exação e extorsão.
A doutrina explica o conceito de Administração Pública1 para fins penais, bem jurídico
tutelado no Título XI do Código Penal e cuja ofensa caracteriza os chamados crimes
funcionais2, tendo como sujeitos ativos os funcionários públicos3.
1 Na doutrina do Direito Administrativo Hely Lopes Meirelles indica que: “No Direito Público a locução Administração Pública tanto designa pessoas e órgãos governamentais como a atividade administrativa em si mesma. Assim sendo, pode-se falar de administração pública aludindo-se aos instrumentos de governo, como à gestão mesma dos interesses da coletividade”, apud PAGLIARO, Antonio; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Dos crimes contra a administração pública. São Paulo: Malheiros, 1997, p.10.2 A doutrina tradicional emprega a expressão delicta in officio e crimes de responsabilidade. Sem dúvida, o Código de Processo Penal, nos artigos 513 e 514, e a Constituição Federal, nos artigos 52, I e II; 85; 102, I, c; 105, I, a., abrigam essa denominação.3 Sobre o conceito penal de funcionário público conferir: CASOLATO, Roberto Wagner Battochio. O conceito penal de funcionário público. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais.
1
Magalhães Noronha entende que o conceito de Administração Pública para fins penais
deve ser tomado de modo amplo, a ultrapassar o conceito que a limite como a atividade única
do Poder Executivo. Diz o autor, em sua obra, o seguinte:
Razão teleológica do Estado é a consecução do bem comum. Para isso, tem ele que realizar finalidade que busque, em síntese, a preservação da independência no exterior e à manutenção da ordem no interior. Quanto à primeira, é óbvio ser requisito substancial de sua existência, já que as limitações que sofre na órbita internacional têm que ser por ele aceitas livremente, não podendo depender de outro Estado, pois as relações entre eles só podem ser de cooperação e coexistência, com o supedâneo da liberdade e igualdade. Relativamente ao segundo objetivo – a ordem, tomada em sentido amplo – impõe-se com toda a evidência, porque a ele cabe ditar as normas necessárias à harmonia e equilíbrio sociais4.
O Título XI da Parte Especial do Código Penal, atualmente está divido em quatro
Capítulos. É justamente nos dois primeiros (Capítulos I e II), que se acham tipificadas as
condutas objeto de estudo do presente trabalho, a primeira (corrupção passiva), cometida por
pessoas que integram a Administração Pública, desenvolvendo a função pública, que são os
funcionários públicos ou os intranei; a segunda (corrupção ativa), praticada por pessoas que
não a integram, que são os particulares, denominados extranei.
Os crimes funcionais vêm divididos pela doutrina em próprios e impróprios. Crimes
funcionais próprios são os que a função pública exercida pelo agente “é elemento tão
relevante que, sem ele, o fato seria, de regra, penalmente atípico ou irrelevante”5. Já os crimes
funcionais impróprios “são aqueles em que o fato seria igualmente criminoso, porém sob
outro título, se não viesse cometido pelo funcionário”6.
1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CONCEITO
Conceituar Administração é tarefa que apresenta dificuldade porque a palavra pode
assumir diversos significados, inter-relacionados, embora ostente a mesma grafia. No entanto,
é preciso fixar esse conceito porquanto o sujeito passivo dos delitos em estudo é a
Administração Pública.
4 NORONHA, Magalhães E. Direito penal, vol. IV. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 197.5 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. IX. Rio de Janeiro: Forense, p. 382.6 CASOLATO, Roberto Wagner Battochio Crimes contra a administração pública, 2. ed., p. 3. Arremata o referido autor na página seguinte da obra: “Não será demais lembrar que na pena dos delitos do Capítulo I não incidirá a agravante genérica contemplada no artigo 61, II, g, do Código Penal, já que a circunstância da violação do chamado “dever funcional” integra, como elementar que é, tais crimes. Como se sabe, a circunstância agravante genérica se põe quando não constitui (ou qualifica) o crime, a teor do “caput” do mesmo artigo 61.”
2
Edmir Netto de Araújo ensina que o sentido técnico-jurídico que interessa é oposto ao
de propriedade e diz com poderes de gerência e conservação, quando, na atividade privada
esses poderes são de disponibilidade e alienação. E destaca:
Administração privada (ou de empresas, sociedades, etc.) é a gerência de bens ou interesses privados ou particulares. Já quando os fins se referem ao Estado, é administração pública, que pode ser sinônimo de ‘Administração’ grafada com ‘A’ maiúsculo (máquina administrativa do Estado, seus órgãos e entidades) ou de ‘administração’ grafada com ‘a’ minúsculo (atividade de administrar, atividades administrativas)”7.
Adverte o autor, a seguir, que não se deve confundir Administração com Governo,
sendo esse último o “conjunto de funções estatais básicas” e Administração “o conjunto de
funções/atribuições necessárias aos serviços públicos, a serem desempenhadas por órgãos ou
entidades do Estado”8.
Para Hely Lopes Meirelles, por sua vez:
Em sentido lato administrar é gerir interesses, segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação alheias. Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza-se administração particular; se são da coletividade, realiza-se administração pública. Administração pública, portanto, é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum.9
Maria Sylvia Zanella Di Pietro observa que, basicamente, são dois os sentidos em que
se utiliza mais comumente a expressão administração pública:
a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a
atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos
incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função
administrativa;
7 ARAÚJO, Edmir Netto de. Administração indireta brasileira. São Paulo: Forense, 1997, p.16 – itálicos no original.8 Ibid.9 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 78/79 – itálicos no original.
3
b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade
exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a administração pública é a própria função
administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo.10
E prossegue, apontando outra distinção feita por alguns autores, a partir da idéia de
que administrar compreende planejar e executar:
a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada,
compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais
incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos
administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública em sentido estrito), aos
quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém
objetivamente considerada, a administração pública compreende a função política, que traça
as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa;
b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto subjetivo
apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa,
excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a função política.11
A Administração Pública, em sentido subjetivo é definida, pela autora, como “o
conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função
administrativa do Estado”.12 Essa conceituação abarca tanto a Administração Direta quanto à
chamada Administração Indireta.
O Decreto-lei nº 200, de 25/02/1967, em seu artigo 4º, com a redação dada pela Lei
federal nº 7.596, de 10/04/1987, enumera os entes que compõem a Administração Pública,
subjetivamente considerada. A norma é federal e dirige-se à União, mas, sem dúvida, se
incorpora aos Estados e Municípios, que admitem as mesmas entidades como integrantes da
Administração Indireta.
Art. 4º. A administração federal compreende:
I – a administração direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura
administrativa da Presidência da República e dos Ministérios;
II – a administração indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades,
dotadas de personalidade jurídica própria:
a) autarquias;
b) empresas públicas;
c) sociedades de economia mista;10 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, São Paulo: Ed. Atlas, 1994, p.49 – grifos no original.11 Ibid., p. 49 – grifos no original.12 Ibid., p. 56.
4
d) fundações públicas.
Foram introduzidas, ainda, pela Emenda Constitucional nº 19/1998, outras figuras
jurídicas que mantêm vínculo com a Administração. São elas as organizações sociais que não
compõem a Administração indireta e as agências executivas que têm natureza autárquica ou
fundacional e, portanto, personalidade pública, integrando, destarte, a Administração indireta.
Por fim, cumpre anotar a moderna prática de distribuir a execução e a prestação dos
serviços públicos, por via de desconcentração ou descentralização.
A desconcentração não oferece maior dificuldade eis que, como leciona Edmir Netto
de Araújo, nessa hipótese “não há a criação de outras pessoas jurídicas diversas do Estado,
mas atribuição de determinadas competências a serem exercidas no âmbito da mesma pessoa
jurídica”13 por vários órgãos de uma mesma entidade.
Já na descentralização, de acordo com o mesmo autor, existe sempre “a idéia de retirar
do centro (órgãos centrais) poderes decisórios para prestação do serviço público, e distribuí-
los por órgãos periféricos (locais) ou entidades diversas do Estado”.14 Há outorga do serviço
quando o Estado transfere sua titularidade a uma das entidades criadas por lei (autarquias,
fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista) e há delegação quando o
Estado transfere, por contrato (concessão, permissão) ou ato unilateral (autorização ou
decreto), apenas a execução do serviço, mantendo a titularidade. O autor considera que essas
entidades às quais foi conferida a prestação do serviço público farão parte da Administração
descentralizada, mas não da Administração Indireta, por não estarem arroladas no Decreto-lei
federal nº 200/67. A lei paulista – Decreto-lei complementar nº 07/69 não fala em
Administração indireta e sim em descentralizada, incluindo as empresas das quais o Estado
mantém controle acionário, independente terem sido criadas por lei.
Para o Direito Penal, segundo Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Júnior, o
conceito de administração pública é mais amplo. Abrange toda a atividade estatal, seja
administrativa, legislativa ou judiciária, em sentido subjetivo e objetivo. Afirmam os autores:
Sob a angulação subjetiva, a administração pública é entendida como o conjunto de entes que desempenham funções públicas. Sob o aspecto objetivo, considera-se como administração pública toda e qualquer atividade desenvolvida para satisfação do bem comum. Em outras palavras: em direito penal, administração pública equivale a sujeito-administração e atividade administrativa.15
13 Op. cit., p.23.14 Ibid., p. 25.15 Op. cit., p. 16.
5
O conceito de funcionário público, para efeitos penais, está expresso no artigo 327, do
Código Penal brasileiro, que em sua nova redação elegeu o critério funcional, ao definir que é
funcionário público aquele que exerce atividade típica da Administração.
Essa definição é válida para todos os casos em que o Código Penal ou leis especiais se
refiram a funcionário público, seja quando esse é sujeito ativo do crime, seja quando é sujeito
passivo, o ofendido, como v.g., no delito de desacato.
A concepção objetiva adotada pelo Código tem como nota marcante o tipo de
atividade desenvolvida pelo funcionário. Não importa que o sujeito seja empregado, ou não,
não importa que o encargo seja exercido temporária ou permanentemente, voluntária ou
obrigatoriamente, com retribuição ou não. Vale que o sujeito desenvolva, de fato, uma
atividade específica.
Função pública, em sentido formal é a atividade de interesse público a que o Estado
considera relevante para seu ordenamento jurídico. Em sentido material, é a atividade de
interesse público, que visa à satisfação de necessidades coletivas.
O § 1º, do artigo 327, CP, estende a conceituação de funcionário público àquele que
esteja vinculado à administração indireta e descentralizada.
A definição do Estatuto Repressivo não corresponde à do Direito Administrativo, em
que a expressão funcionário público é usada na acepção estrita, e serve para qualificar o titular
de cargo que mantenha vínculo estatutário com a Administração. Aliás, essa expressão não foi
encampada pela Constituição Federal de 1988, tampouco pelas Emendas 19 e 20, que
alteraram o seu texto. A Lei Maior utiliza a expressão servidor público, em sentido amplo,
que abrange todos os agentes públicos vinculados à Administração. Confira-se, a propósito,
Hely Lopes Meirelles:
Servidores públicos em sentido amplo, no nosso entender, são todos os agentes públicos que se vinculam à Administração Pública, direta e indireta, do Estado, a) sob regime jurídico estatutário regular, geral ou peculiar, ou b) administrativo especial, ou c) celetista (regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), de natureza profissional e empregatícia.16
No Direito Administrativo é expressiva a doutrina de Celso Antônio Bandeira de
Mello, da qual se podem extrair importantes subsídios na conceituação de funcionário
público, para os efeitos penais. Sua definição está bem próxima dos objetivos do Código
Penal.
16 Op. cit., p. 367.
6
Nesse sentido, diz o autor o seguinte: Os servidores públicos são uma espécie dentro
do gênero “agentes públicos”...
Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para
designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como
instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional e
episodicamente.
Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente
público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas)
como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da
Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações
governamentais, das empresas púbicas, das sociedades de economia mista nas distintas órbitas
de governo, os concessionários e permissionários de serviço público, os delegados de função
ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores
de negócios públicos.
Dentre os mencionados, alguns integram o aparelho estatal, seja em sua estrutura
direta, seja em sua organização indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações governamentais). Outros não integram a constelação de pessoas
estatais, isto é, são alheios ao aparelho estatal, permanecem exteriores a ele (concessionários,
permissionários, delegados de função ou ofício público, alguns requisitados, gestores de
negócios públicos e contratados por locação civil de serviços). Todos eles, contudo, estão sob
um denominador comum que os radicaliza: são, ainda que alguns deles apenas
episodicamente, agentes que exprimem manifestação estatal, munidos de uma qualidade que
só podem possuir porque o Estado lhes emprestou sua força jurídica e os habilitou a assim
agirem ou, quando menos, tem que reconhecer como estatal o uso que hajam feitos de certos
poderes.
Dois são os requisitos para a caracterização do agente público: um de ordem objetiva,
isto é, a natureza estatal da atividade desempenhada; outro de ordem subjetiva: a investidura
nela.17
2. Corrupção
O crime de corrupção existia na Consolidação das Leis Penais sob nome diverso.
Intitulava-se “peita ou suborno”. Embora as palavras fossem empregadas como sinônimas,
17 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 1999, p. 175/176.
7
enunciavam, realmente, duas modalidades. Já era assim no Código Criminal do Império. No
antigo Estatuto Repressivo de 1830, estava configurada a peita quando o funcionário
recebesse dinheiro “ou algum tipo de donativo”. Já o suborno ocorria quando o funcionário se
deixasse corromper por influência ou (é textual) “outro peditório de alguém”.
Atualmente, verificamos que a hipótese das vantagens materiais está localizada no
artigo 317, caput e no seu parágrafo 1º, e deparamos no parágrafo 2º a alusão à influência de
outrem, o que vem caracterizar o suborno, tal qual era previsto no Código Criminal do
Império. Temos, pois, no artigo 317 e seus parágrafos, a peita ou suborno (corrupção, para
usarmos a denominação vigente).
O delito em comento é dividido em corrupção passiva e corrupção ativa. Esta,
quando o agente é um particular que exerce no funcionário a influência perversiva, crime
previsto no artigo 333; aquela, em que figura como autor do crime o funcionário público,
delito tipificado no artigo 317.
Crime funcional que é, a corrupção passiva não se confunde com os delitos de
extorsão e concussão. Corrupção, conforme Magalhães Noronha é o “comportamento do
funcionário inescrupuloso que, tomado pela preocupação absorvente da busca pelo ouro,
trafica sua atividade para atingir esse objetivo, degradando-a. Auferindo proveitos de sua
conduta torpe, é ele verdadeiro proxeneta da função”.18
Busca-se, com isso, tutelar a moralidade da administração pública, o normal
funcionamento das atividades administrativas, mercê dos princípios de retidão e lisura que
hão de norteá-las19. Logo, tanto os seus interesses materiais quanto morais.
Cabe lembrar que nesse crime, que é próprio, “a bilateralidade não é requisito
indispensável da corrupção. Por isso cogitou o Legislador da corrupção em duas formas
autônomas, separadamente, conforme a qualidade do agente”.20 Destarte, não se trata de crime
de concurso necessário.
Todavia, Fragoso frisa o seguinte: “Na forma receber, o crime é bilateral, sendo
inconcebível a condenação do agente sem a do correspondente autor da corrupção ativa
(RTJ59/789)”.21
18 A citação é de Roberto W. B. Casolato, ob. cit., p. 61.19 Noronha: “É ainda no interesse da administração pública que a lei age; é na defesa da moralidade que ela atua, zelando por que o exercício da função se faça em plano superior, ou seja, naquele do exato cumprimento dos deveres, que só podem ter por objeto a satisfação das exigências e necessidades coletivas”. Direito Penal, v. 3, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 245-6.20 Des. Adriano Marrey, j. RJTJSP 14/335-6.21 Ob. cit., p. 416. Com efeito, haja a citada bilateralidade e não haverá “um” crime bilateral, mas condutas que se encontram para o perfazimento de um único fato de “compra de ato funcional”, que não obstante sua unidade perfará, dadas as duas condutas dos dois autores que atuam para compô-lo (oferecer e receber, prometer e aceitar promessa), “dois crimes distintos”, rompendo-se, então, a teoria unitária ou monista, consagrada no artigo 29,
8
O crime de corrupção passiva não se confunde com o crime de concussão. Assim,
exigir (que tem um caráter, sobretudo impositivo, valendo-se o agente do temor de seu poder
público), é mais que apenas solicitar.
A solicitação praticada pelo funcionário público tem a significação de um verdadeiro
mercadejo comércio de sua função. É um diálogo travado com o particular, que na
oportunidade se encontra em paridade com o funcionário público, podendo inclusive impor
também suas condições e necessidades.
Dessa forma, na corrupção há um diálogo “horizontal”, de certa forma “paritário”22, ao
passo que na concussão o diálogo será “vertical”, realizado “de cima para baixo”, sem
paridade alguma.23
Um outro aspecto a ser analisado é a conduta do particular que a despeito de uma
solicitação do funcionário público corrupto, acabada atendendo o seu pedido. Trata-se a
corrupção, na verdade, de um crime de mera conduta (perigo de perigo).
Para alguns, a conduta de dar praticada pelo particular resta plenamente configurado o
verbo oferecer do crime de corrupção ativa (artigo 333).24
Não nos parecer ser esse o melhor entendimento. O próprio legislador, no artigo 343,
cuidou de diferenciar o oferecer, conduta tipificada no crime do corruptor, de dar,
significando a existência de duas condutas distintas que, de acordo com o entendimento de
Casolato:
No sistema do Código Penal que vige, oferecer deve ser entendido como uma coisa – tomar a iniciativa de exibir a vantagem para que seja aceita; acenar com a vantagem, iniciando o diálogo corruptivo –, ao passo que dar deverá vir entendido com outra – entregar a vantagem; pô-la à disposição do recebedor, sem que isso implique a tomada da iniciativa, ínsita no núcleo oferecer.25
De se consignar também, que em recente reforma legislativa que acrescentou o
Capítulo II-A (Dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública
caput, do Código Penal.22 Roberto W. B. Casolato, ob. cit. p. 62.23 Roberto W. B. Casolato, ob. cit. p. 62. Quer nos parecer que se não há paridade alguma, certo é que a distância verticalizada entre o funcionário público e o particular, ou seja, a distância “de cima para baixo”, na corrupção, é menor do que aquela existente entre o particular e o funcionário público extorsionário.24 RT 684/316-20 e 641/316.25 Roberto W. B. Casolato, ob. cit. p. 62. Continua o citado professor: “Com razão, para nós, o Des. Ary Belfort, quando diverge da maioria vencedora para, asseverando a falta de tipicidade da conduta de dar que se segue à solicitação do intraneus, assinala: ‘Quando a iniciativa seja do agente público, a adesão do particular, até pagando o preço da vilania, não caracteriza a figura na modalidade ativa. Embora se porte com equivalente vileza, a censura restringe-se ao campo moral’”.
9
estrangeira), no Título dos crimes contra a Administração Pública, o legislador atual manteve
o binômio dar e oferecer no crime de corrupção ativa (art. 337-B).26
Diferente do que ocorre no crime de concussão, a expressão vantagem na corrupção,
segundo a maioria do entendimento doutrinário tem sentido amplo. Tal entendimento se
coaduna com a figura do parágrafo 2º, em que a ação do funcionário cede ao mero pedido ou
à simples influência. Dessa forma, ainda de acordo com o raciocínio de Casolato:
Verifica-se ter a lei considerado como corrupção a ação do funcionário que cede ao mero pedido ou à simples influência. Por que não será, pois, corrupção, quando ele agir, promovendo interesse seu ou de outrem, embora não de natureza patrimonial? Se se pune o menos, como não se punir o mais? Se é corrupto quem cede a simples pedido (desinteressadamente), por que não o será quem busca interesse próprio?27
Distingue-se, em cada uma das formas de corrupção, entre a própria da imprópria.
Na primeira, corrupção própria, o ato funcional objeto da venalidade é ilícito, contrário aos
deveres funcionais do servidor; já na corrupção imprópria, a prática do ato mercadejado é
lícita, legítima, regular, conforme ao dever funcional, apenas (é óbvio) que o agente não pode
receber qualquer vantagem estranha à sua legal remuneração para realizá-lo. Aliás, a licitude
ou ilicitude do ato funcional negociado será levada em conta pelo magistrado quando da
dosimetria da pena.
Seja ativa ou passiva, seja própria ou imprópria, a doutrina também distingue a
corrupção antecedente da subseqüente. A primeira ocorre quando a recompensa é oferecida,
prometida, solicitada ou recebida ou tem sua promessa aceita antes da realização do ato
funcional (a conduta típica da corrupção antecede a prática funcional); a segunda, quando o
oferecimento, a promessa, a solicitação ou o recebimento da vantagem ou sua aceitação
ocorre após a realização do ato funcional, sem que houvesse entabulado qualquer acordo ou
promessa de vantagem, em uma situação em que o funcionário agiu na esperança ou na
certeza de que se lhe seguiria a ilegítima recompensa, recompensa que, agora e então, ele
solicita, recebe ou cuja promessa aceita (a conduta típica da corrupção se subsegue à prática
funcional).
Quanto ao elemento subjetivo do tipo, somente é admitida a conduta dolosa,
consubstanciada na vontade de comerciar o ato funcional, com a evidente ciência de que sua
26 “Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional: Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa”.27 Roberto W. B. Casolato, ob. cit. p. 67.
10
prática (abstenção) não pode comportar uma tal recompensa ou retribuição (por isso mesmo
indevida). A cláusula para si ou para outrem caracteriza o que a doutrina chama de “dolo
específico” (ou elemento subjetivo específico do tipo) e marca, na definição do crime de
corrupção, a consciência por parte do funcionário do destino que dará à vantagem
eventualmente recebida.
Por derradeiro, o delito de corrupção é de consumação antecipada (crime formal),
bastando para sua consumação o só oferecimento ou promessa, pelo particular, ou então, a
mera solicitação ou a só aceitação da promessa da vantagem, “mesmo que não fosse
intenção do intraneus praticar a ação ou abstenção de que se cogite”, assinala Hungria, para
quem, ainda na hipótese de efetivo recebimento da vantagem, “não importa que o intraneus,
por arrependimento ou obstáculo superveniente, deixe de cumprir o torpe ajuste: o crime se
considerará como levado ad exitum”.28
Entretanto, questão mais delicada é aquela que trata da tentativa desse crime.
Para Hungria, “não é concebível, em qualquer caso, a tentativa”29. Paulo José também
não vislumbra tal possibilidade, “em nenhuma hipótese”30. Nem a corrupção passiva, nem a
corrupção ativa admitiriam, pois, a modalidade tentada, Quanto ao funcionário, será punido
como réu de crime consumado, se se limitar a pedir. Mesmo que não receba o ilícito provento,
estará perfeita a infração. No que toca ao particular, consumará o delito ainda que se restrinja
a um oferecimento, repetido ou não. Pode dar-se que o oferecimento não seja repelido e, no
entanto, não chegue a converter-se em aceitação, por motivos alheios aos interessados no
conchavo. Perante a lei, o crime estará consumado.
Por outro lado, Noronha diverge desse posicionamento, assinalando, porém, a
dificuldade prática do conatus. Para ele, se a solicitação se fizer por escrito e vier a ser
interceptada antes de chegar ao destinatário terá havido mera tentativa. “Uma solicitação que
não chega ao conhecimento do solicitado é solicitação imperfeita, inacabada ou tentada”.31
A respeito da consumação de aceitar promessa, Fragoso entende o seguinte:
28 Ob. cit., p. 369-70. Pagliaro e Paulo José têm passagem muito ilustrativa: “O recebimento da vantagem ou a aceitação da promessa não requerem nenhuma forma particular. O funcionário demonstra sua vontade de receber a vantagem com o simples gozo. A aceitação da promessa não precisa ser efetuada com uma declaração explícita. Ou, melhor, via de regra o funcionário infiel demonstra sua aceitação com frases ou condutas que, de per si, mostram-se ambíguas. Somente diante da situação concreta é que adquirem univocidade” (ob. cit., p. 111). Mais adiante os professores se reportam ao silêncio como modo de manifestar consentimento à proposta recebida.29 Ob. cit., p. 371.30 Ob. cit., p. 1.016.31 Ob. cit., p. 252.
11
O crime em tal caso consuma-se quando o agente manifesta de forma inequívoca (por palavras ou atos) sua aceitação da promessa feita. A forma mais eloqüente de o fazer é precisamente a de praticar ou deixar de praticar a ação que constitui fundamento ou condição da promessa.32
De outro lado, receber ou mesmo tentar receber a vantagem anteriormente prometida
será inequívoco comportamento demonstrador da referida aceitação. Só se move para “entrar
na posse” da vantagem quem já a aceitou. O ato de receber ou tentar receber constitui, pois,
uma exteriorização sinalizadora da prévia aceitação da vantagem previamente prometida.
Logo, cabe discutir o núcleo receber. Tentar receber é algo faticamente possível.
Receber é conduta plurissusistente que se consumaria quando da “tradição” plenamente
efetivada, que resultasse em efetivo poder de disponibilidade sobre a vantagem. Imagine-se,
para tanto, a ação policial que flagra o sujeito quando ele estende a mão para apanhar o
dinheiro que lhe é exibido pelo entregador. Terá havido recebimento? Pensamos que não:
tratar-se-á de mera tentativa de receber.
Pois bem, tentar receber redundará na demonstração do crime consumado na
modalidade aceitar promessa de vantagem? Sim, como vimos, se se provar que houve
anterior promessa feita pelo particular. Mas e se não houve o ato prévio de prometer
vantagem, como ficamos? O particular simplesmente estende a vantagem em clara
demonstração do intuito de dá-la e o funcionário resolve, então, recebê-la.
Temos que, se for possível equiparar aceitar promessa de vantagem (o menos
tipificado) com aceitar receber vantagem (o mais que não está expresso no tipo), estaremos
diante de um crime cujo núcleo tentado (receber) bastará para consumar o delito à luz de
outro núcleo (aceitar promessa), integralmente caracterizado pela só tentativa daquele. De
fato, admitindo-se que se incrimine como crime consumado a aceitação de uma vantagem que
não se exibe, mas se promete exibir, não teria sentido não punir da mesma forma a aceitação
de vantagem que se exibe.
Conforme Fragoso: “A tentativa é juridicamente possível na forma de receber (sem
anterior solicitação), especialmente no caso de corrupção subseqüente”.33
32 Ob. cit., p. 420. Hungria (ob. cit., p. 372) lembra: “No caso de agente provocador, isto é, da fingida proposta de vantagem para experimentar o intraneus, que a aceita, julgando-a séria, não há senão crime putativo, que escapa à punição”.33 Ob. cit., p. 420. Ocorre, com a devida vênia, que a antecedência ou a subseqüência do ato corruptor não tem o relevo que lhe confere o autor. Tentar receber a vantagem, seja porque se vai praticar um ato de ofício em troca dela, seja porque já se o praticou, sempre traduzirá a idéia de já ter aceito receber a vantagem. Cabe, então, indagar: aceitar receber vantagem abrange, engloba, encerra em si aceitar promessa de vantagem? Seja a resposta positiva e teremos crime consumado. Não, evidentemente, no núcleo receber, mas no aceitar promessa de vantagem.
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Importa, a partir de agora, tecermos alguns comentários sobre os tipos penais
circunstanciais previstos nos artigos 317 e 333 do Código Penal.
O legislador revestiu o exaurimento do delito de corrupção passiva com a natureza
jurídica de causa especial de aumento de pena34, ao prever, no parágrafo 1º do artigo 317, a
elevação da pena do agente em um terço quando ele, em razão da vantagem recebida ou
prometida, efetivamente retarda (atrasa ou procrastina) ou deixa de praticar (não leva a efeito)
ato de ofício que lhe competia desempenhar ou termina praticando o ato, mas desrespeitando
o dever funcional.
De fato, já consumado (com a vantagem já recebida, ou com a promessa já aceita pelo
funcionário que, então, já solicitou, recebeu ou aceitou a promessa de referida vantagem),
o crime “prossegue” para atingir conseqüência ulterior: o efetivo desvio de comportamento do
funcionário, que agora se dará sob o aspecto material (o desvio moral já se deu quando da
conduta que consumou o crime). Assim é que o corrupto, por causa da corrupção, passa a
realizar comportamento funcional indevido em sentido estrito, vale dizer, retarda ato de
ofício (relegando sua prática para realizá-la somente após o transcurso de tempo significativo,
ultrapassando o prazo de sua realização), deixa de praticar tal ato (simplesmente abstendo-se
de realizá-lo como se lhe impunha), ou pratica o ato infringindo dever da função (cometendo
ato irregular, ilegal, contrário às normas de realizabilidade).
O tipo exasperador em comento trata, na verdade, de hipótese de corrupção
antecedente. A corrupção antecede a prática (retardamento, omissão) funcional negociada
pelo agente público.
E mais: são, todas, hipóteses de corrupção própria (é indevido o retardar, é
indevido o deixar de praticar, é indevido o praticar infringindo dever funcional). Além
disso, o ato praticado pelo funcionário pode constituir, por si só, um crime autônomo –
extravio de documento (artigo 314), facilitação de contrabando (artigo 318), violação de
sigilo funcional (artigo 325), por exemplo. Se isto ocorrer, a nosso ver caberá observar este
último delito. Seja ele um crime subsidiário, como o dos mencionados artigos 314 e 325, e o
melhor será desconsiderá-lo enquanto delito autônomo e tomar a sua prática para a afirmação
da corrupção majorada, atendendo-se a sua preconizada subsidiariedade. Se, todavia, o crime
funcional cometido pelo corrupto em virtude da corrupção não ostentar o caráter do subsídio,
tal como ocorre na hipótese do artigo 318, já se poderá pensar em um concurso entre este e o
34 É mais que freqüente, contudo, a denominação de “corrupção qualificada”, encontrando-se-a, por exemplo, em Hungria (ob. cit., p. 372). Ainda, pode ser encontrada com a denominação de “corrupção exaurida”, por exemplo, em Delmanto (ob. cit., p. 481).
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crime do estudado artigo 317, apenas que tal concurso não poderá vir à luz de uma corrupção
agravada, sob pena de bis in idem.
De seu turno, o legislador atribui o mesmo colorido – causa especial de aumento de
pena – ao tipo previsto no parágrafo único do artigo 333, cuja pena aplicada ao particular
também será elevada da terça parte quando, em razão da promessa ou da vantagem,
efetivamente o agente público atrasa ou não faz o que deveria, ou mesmo não pratica o ato,
infringindo dever funcional. Nessa hipótese, o crime é material, isto é, exige resultado
naturalístico.
Por derradeiro, há que se comentar também o tipo constante do parágrafo 2º do artigo
317: a corrupção (passiva) privilegiada.
Aqui não é a vantagem, o interesse próprio em obtê-la, que move o servidor. No caso,
ele trai seu dever funcional “para ser agradável ou por bajulação aos poderosos, que o
solicitam; ou por se deixar seduzir pela ‘voz de sereia’ do interesse alheio”, explica Hungria35.
Paulo José, a seu turno, leciona: “Não existe na conduta criminosa venalidade alguma.
O funcionário, por vezes carreirista, por vezes desprovido de personalidade suficientemente
robusta, deixa-se influenciar pelos pedidos dos mais graduados, ou pela intervenção indevida
dos poderosos”36. Como se nota, o que há é deferência, uma ilegal deferência.
Fragoso, por sua vez, lembra a incriminação, no Código Penal de 1830, do crime que
ali se chamou suborno: “deixar-se corromper por influência ou peditório de alguém, para
obrar o que não dever ou deixar de obrar o que dever”.37
A modalidade privilegiada objeto de análise constitui corrupção antecedente, em que
antes da prática (abstenção) funcional há o anuir ao pedido ou à influência. A cláusula “com
infração de dever funcional”, informando, no tipo, os três núcleos, dá a perceber, também,
tratar-se de corrupção própria.
A propósito, Mirabete lembra, oportunamente, que a consumação, neste caso, terá
momento distinto: “Opera-se a consumação quando caracterizado o retardamento, a omissão
ou a prática do ato de ofício, ao contrário do que ocorre nas demais modalidades típicas
35 Ob. cit., p. 373.36 Ob. cit., p. 1.017. Ainda de Paulo José, na obra comum com Pagliaro (cit., p. 124, grifamos): “Pode suceder igualmente que o pedido ou a influência provenha de pessoa não particularmente poderosa, mas ligada ao funcionário por liames particulares (v.g., um parente, a mulher, a amante, etc.)”.37 Ob. cit., p. 422. O mesmo Fragoso, mais adiante, arremata: “A eventual vantagem recebida pelo autor do pedido ou por quem exerce a influência, não altera a situação do agente” (ob. cit., p. 423). É certo, ainda, que o referido autor do pedido bem como o exercente da influência estará cometendo o delito do artigo 321, se for funcionário público e se valer dessa qualidade para atuar junto ao colega corrupto.
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semelhantes”38. Estamos, portanto, diante de crime material, e omissivo nos núcleos retardar
e deixar de praticar o ato de ofício.
À guisa de conclusão, vale lembrarmos a previsão do delito de corrupção em diversas
leis penais esparsas, a saber: Lei nº 1.079/50, art. 9º, nº 6 (crimes de responsabilidade); Lei nº
4.729/65, art. 1º, V (crimes de sonegação fiscal); Lei nº 4.737/65, art. 299 (crimes eleitorais);
Lei nº 4.898/65, art. 4º, f (crimes de abuso de autoridade); Lei nº 7.492/86, art. 7º; art. 17 e
parágrafo único (crimes contra o sistema financeiro nacional); Lei nº 8.137/90, art. 2º, III; art.
3º, II; art. 6º, I e III (crimes contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo);
Lei 8.666/93, art. 92 e parágrafo único (crimes na lei de licitações e contratos da
Administração Pública); Lei nº 9.279/96, art. 195, IX e X (lei que regula direitos e obrigações
relativos à propriedade industrial); Lei nº 9.434/97, art. 14, § 1º (lei que dispõe sobre remoção
de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento).
4. Concussão/excesso de exação e crime de extorsão
O mestre Nelson Hungria utiliza a seguinte expressão para denominar o crime em tela:
“uma espécie de extorsão”, sendo seguido por boa parte da doutrina. Contudo, data
venia, tal expressão não nos parece apropriada para denominar o crime de extorsão.
A conduta de exigir do crime de concussão não implica em constranger, núcleo do
tipo de extorsão e que aponta sua prática em uma verdadeira coação. Coagir não é exigir, pelo
menos não é ainda.
Na conduta de exigir, o funcionário público provoca uma sensação de medo no
particular, de modo a intimidá-lo com o seu poder legítimo. Logo, imprescindível que o
funcionário público se valha de sua função para atemorizar o extraneus.39
Contudo, caso o funcionário passe a ameaçar o particular em face de uma eventual
recusa, ou até mesmo utilizar-se de violência física para compelir, ele particular, a
cumprimento de sua ordem, crime de extorsão haverá.
Registre-se o respeitável entendimento doutrinário de que, mesmo existindo a ameaça
na conduta de exigir, se esta não foi determinante, ou foi desnecessária para impelir o
comportamento do particular no cumprimento da vantagem indevida, o crime continua sendo
concussão.40
38 Ob. cit., p. 316.39 “A conduta deve comportar a assunção, explícita ou implícita, de poderes conexos com o cargo de funcionário público. Em suma, a exigência deverá relacionar-se com a função que o agente desempenha ou irá desempenhar” (Paulo José da Costa e Antonio Pagliaro, ob. cit., p. 86).40 De toda correta nos parece tal posição. V. Roberto W. B. Casolato, ob. cit. p. 47.
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Ademais, o melhor argumento de que concussão não é extorsão, encontra-se na mesma
doutrina tradicional que diferencia os crimes funcionais próprios dos crimes funcionais
impróprios.
Ao tratarem do assunto, os doutrinadores alistam entre os crimes funcionais próprios o
delito de concussão, ou seja, delito cuja condição do agente de ser funcionário público é tão
relevante que, sem ela, o fato seria penalmente atípico.
Ao revés, admitir que o crime de concussão fosse uma espécie de extorsão, vale dizer,
em não sendo o agente funcionário público praticasse o crime de extorsão, só seria possível
caso se considerasse a concussão um crime funcional impróprio, ao contrário do que nos
ensina a doutrina.
Por derradeiro, a concussão, distinta da extorsão, implica em uma pluriofensividade: o
mal uso da potestade administrativa outorgada ao funcionário, a moralidade administrativa, e
o patrimônio.41
No que diz respeito à vantagem exigida, a doutrina se divide em considerá-la de
natureza patrimonial ou não. A vantagem que é indevida, para alguns é de natureza
econômica42, e para outros poderá ser de qualquer natureza.43
Aqui, nos parece que o a expressão vantagem pode significar tanto de natureza
econômica como de outra natureza – sexual, moral, profissional etc. –, pois a lei não
distingue. Tal afirmativa se reforça através de uma interpretação terminológica com o excesso
de exação (forma clássica de concussão).44
Sinteticamente, para melhor diferenciarmos tais delitos na prática, podemos entender
que a base da distinção entre os mesmos se acha na relação de poderes, de forma a se
entender o seguinte:
• “solicitar”, significa um pedir simplesmente;
41 Roberto W. B. Casolato, ob. cit., p. 45.42 Nesse sentido, Nelson Hungria (ob. cit., p. 361), e Celso Delmanto (ob. cit. p. 478).43 Nesse sentido Pagliaro e Paulo José: “Vantagem é um quid apto a acrescentar, para um indivíduo, a possibilidade de satisfazer uma necessidade humana qualquer, isto é, fazer cessar uma sensação dolorosa ou causar uma sensação agradável. Posto que a lei não distingue, a vantagem poderá ser patrimonial ou não patrimonial. A vantagem poderá ser representada por uma coisa (dinheiro, títulos, jóias), mas pode também consistir num bem imaterial (uma fórmula química ou matemática, uma promoção, uma condecoração). O nexo terminológico com o conceito de ‘exação’ permite excluir, com respeito a este crime, as utilidades consistentes em meras prestações (como as sexuais). Descendo à exemplificação, configuram ‘vantagens’ não só presentes de coisas, como mútuos, descontos, dilações no pagamento, recuperação de um crédito, remissão de um débito, bilhetes de loteria, uso gratuito ou semigratuito de uma habitação, seguros de vida, pensão, emprego, missões, promoções, licenças, transferências desejadas, ocupações colaterais retribuídas, títulos, condecorações, um bom patrimônio. A vantagem poderá ser mesmo indireta, como no caso de demissão de alguém de um emprego público a que um parente do agente aspire” (in ob. cit., p. 89).44 Paulo José: “O crime de excesso de exação (crimen superexactionis) é a forma clássica de concussão” (in Comentários ao Código Penal, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 1.006).
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• “coagir”, significa constranger, com violência ou grave ameaça;
• “exigir”, significa pedir com conteúdo de poder, com sanção, ainda que legítima.
5. Ilícito penal e ilícito administrativo – repercussão da sentença penal na esfera
administrativa – o princípio da autonomia das instâncias
As relações do direito disciplinar com o direito penal são estudadas pela doutrina,
havendo corrente que admite analogia entre as sanções disciplinares e as penais quanto aos
fins (Manzini, Otto Mayer, Dolhamann), outra que reconhece a identidade dos meios usados
nas diversas espécies de sanções, embora diferentes as normas aplicadas (Liszt, Jellinek,
Raneletti, Santo Romano) e outra que estabelece perfeita afinidade com o direito penal
(Mittermayer, Mater, Hauriou, Presutti).
Parece-nos mais próxima de nosso sistema a última tendência.
Themístocles Brandão Cavalcanti45, observa que, de acordo com essa tendência
o direito disciplinar se aproxima muito do direito penal, estabelecendo, de início a identidade
das penas que para ele são originárias do direito penal. No entanto, admite que as sanções
penais têm âmbito mais largo, que as distinguem das sanções puramente disciplinares. A
principal nota de sua teoria reside em que a pena criminal fica na dependência de uma
especificação legal maior que defina o crime, bem como todos os seus elementos, o que não
ocorre com a falta disciplinar, mencionada de forma genérica na lei. Além disso, a pena
disciplinar é imposta pelo poder administrativo enquanto a sanção penal é aplicada pelo poder
jurisdicional, com todas as regras processuais. Essa pode atingir qualquer indivíduo, enquanto
a pena disciplinar só alcança aqueles dependentes da administração e subordinados
hierarquicamente. Embora próximos, o autor ressalta que não existe relação de subordinação
entre o direito administrativo e o penal.
O ilícito administrativo, à semelhança do ilícito penal, é lesão efetiva ou
potencial a um bem jurídico, pois de outro modo não se compreenderia a existência de um
direito administrativo disciplinar.
Antonio Pagliaro e Paulo José da Costa Jr. consideram a diferença entre ilícito
penal e ilícito administrativo apenas de grau, e não ontológica já que o último não apresenta
suficiente gravidade para ser erigido em delito penal. “A falta disciplinar representa um minus
com respeito ao crime. E a pena criminal, um plus com relação à sanção disciplinar”. E o
45 Themístocles Brandão Cavalcanti, Direito e Processo Disciplinar, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1966, p.88/94.
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fazem inspirados nos ensinamentos de José Cretella Jr., que transcrevem e que reputamos
relevante reproduzir: “No campo do direito, o ilícito alça-se à altura de categoria jurídica e
como entidade categorial, é revestida de unidade ôntica, diversificada em penal, civil,
administrativa, apenas para efeito de integração, neste ou naquele ramo, evidenciando-se a
diferença quantitativa ou de grau, não a diferença qualitativa ou substancial”.46
Na doutrina administrativa prevalece a idéia de independência das esferas
penal e disciplinar, com algumas exceções. Uma delas é quando a condenação criminal
envolve medida de ordem administrativa, e a repressão disciplinar passa a ser um efeito dessa
condenação, evitando-se duplicidade de penas. Trata-se de um efeito da condenação penal
previsto no artigo 92, inciso I, do Estatuto Criminal e interfere na instância disciplinar já que a
Administração submete-se à coisa julgada penal.
Repercute, também, no âmbito administrativo, a sentença penal condenatória, quando
proferida em ação proposta para investigar a mesma conduta perquirida na órbita disciplinar.
Ou ainda, nessa mesma circunstância, repercute a sentença penal absolutória que negar a
existência do fato ou a autoria.
Não interferem na esfera disciplinar: absolvição por falta de provas, absolvição por
atipicidade da conduta, arquivamento de inquérito policial, não instauração de inquérito
policial, rejeição de denúncia, sentença de impronúncia por insuficiência de provas, extinção
de punibilidade pela prescrição, absolvição por sentença não transitada em julgado.
Não se dá ainda a repercussão quando a conduta administrativamente punida
não corresponda ao ilícito penal em relação ao qual a absolvição foi proferida, ou quando
consista em procedimento irregular, embora não criminoso.
Para o Prof. Edmir Netto de Araújo o julgamento administrativo deve ajustar-
se ao que se decidiu no crime, seja quando há dupla condenação, isto é, na esfera
administrativa, confirmada na instância penal, seja quando a condenação penal ocorra em
caso no qual se deu a absolvição administrativa, devendo ser revisto o julgamento disciplinar.
A dupla absolvição também confirma o julgamento administrativo. Mas, haverá casos de
repercussão, como lembra, quando a sentença penal absolutória estiver fundamentada na
inexistência do fato, na falta de prova de existência do fato ou na não vinculação do fato ao
pretenso autor.47 Ao considerar como hipótese de interferência a falta de prova de existência
do fato (prevista no inciso IV, do CPP), inova na doutrina em companhia do Prof. José
Cretella Jr.
46 Op. cit., p.19 – itálicos no original.47 Edmir Netto de Araújo, O ilícito administrativo e seu processo, R.T., 1994, p. 255/256.
18
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, digna representante da doutrina tradicional:
Repercutem na esfera administrativa as decisões absolutórias baseadas nos
incisos I e V (do artigo 386, do CPP); no primeiro caso, com base no artigo 1525 do
Código Civil48 e, no segundo, com esteio no artigo 65 do Código de processo Penal.
Não repercutem na esfera administrativa:
1. a hipótese do inciso III, porque o mesmo fato que não constitui crime pode
corresponder a uma infração disciplinar; o ilícito administrativo é menos do
que o ilícito penal e não apresenta o traço da tipicidade que caracteriza o
crime;
2. as hipóteses dos incisos II, IV e VI, em que a absolvição se dá por falta de
provas; a razão é semelhante à anterior: as provas que não são suficientes
para demonstrar a prática de um crime podem ser suficientes para
comprovar um ilícito administrativo.49
A Constituição do Estado de São Paulo de 1989 traz dois dispositivos relativos à
reintegração do servidor público absolvido pela Justiça Criminal, a saber os artigos 136 e 138,
§ 3º:
Artigo 136. O servidor público civil demitido por ato administrativo, se
absolvido pela Justiça, na ação referente ao ato que deu causa à demissão, será
reintegrado no serviço público, com todos os direitos adquiridos.
Artigo 138, § 3º. O servidor público militar demitido por ato administrativo, se
absolvido pela Justiça, na ação referente ao ato que deu causa à demissão, será
reintegrado à Corporação com todos os direitos restabelecidos.
Para definir a matéria, delimitando a aplicação dos preceitos, foi editado, na esfera
estadual, o Despacho Normativo do Governador, publicado no Diário Oficial do Estado de 30
de março de 1990:
48 Atual artigo 935, do Código Civil de 2003.49 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, Atlas, 1994, p. 390/391. De acordo com o novo Código Civil, Lei 10.406/2002, o artigo correspondente é o 935.
19
Tendo em vista a manifestação da Procuradoria Geral do Estado e os termos do
Parecer 228/90 da Assessoria Jurídica do Governo, acolho em caráter normativo o
entendimento que limita a aplicabilidade das regras dos artigos 136 e 138, § 3º, da
Constituição Estadual aos casos em que a decisão judicial absolutória decorra da
negação do fato ou de sua autoria e abranja todos os motivos determinantes do ato
demissório.
Essa orientação, de resto, estava compatível com a Súmula nº 18, do Supremo
Tribunal Federal: “Pela falta residual não compreendida na absolvição, é admissível a punição
administrativa do servidor público”.
Desse modo, além da reintegração do servidor demitido efetivada em cumprimento a
decisão judicial, proferida no juízo cível e transitada em julgado, que expressamente
determine tal reintegração, passou-se a promover, a reintegração, na via administrativa, na
forma dos artigos 136 e 138, § 3º, em decorrência da coisa julgada criminal, que
expressamente conclua pela inexistência do fato criminoso ou negativa de sua autoria.
6. Tendência jurisprudencial
O plenário do Tribunal de Justiça, por votação unânime, em 19 de setembro de 1990,
dirimiu as questões fundamentais de constitucionalidade dos dispositivos da Carta Paulista
que sofreram contestações nos primórdios de sua origem:
Diante do exame literal do artigo 136 da Constituição Estadual de 1989, ter-se
ia como ilimitado o efeito da sentença absolutória na esfera administrativa. O
legislador estadual teria desobedecido ao princípio de independência e harmonia dos
poderes, invadido esfera de atribuições exclusivas da União em legislar sobre direito
civil, penal e administrativo. Haveria assim manifesta violação dos artigos 2º, 22, I e
25 da Constituição da República de 1988. Mais adequada, todavia, a interpretação
menos ampla do texto constitucional paulista, de forma a compatibilizá-lo com a Carta
Federal. Daí porque deve prevalecer o entendimento de que o texto legal de que se
trata não tem o alcance pretendido, fugindo à sua incidência a absolvição criminal
ocorrida, como no caso, por insuficiência de provas, mormente quando não se
sustente a demissão administrativa na condenação criminal (Mandado de
Segurança nº 11.130-0, Sessão Plenária, RJTJESP 129/370).
20
Pode ser considerado paradigma, Acórdão proferido na Apelação Cível nº 116.139-
1/9, pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça:
Insuficiência de provas: Certamente a Constituição não está se referindo à
absolvição penal por falta de provas e sim à absolvição por motivos outros e
catalogados no Código de Processo Penal. A absolvição do acusado, pela prática dos
atos de natureza penal e que motivaram sua demissão do serviço público, só terá, nos
termos da Constituição Paulista, efeito de ordenar a reintegração no serviço público,
quando delineado no processo penal a nenhuma dúvida do julgador, quer quanto
à autoria e materialidade. Não tem o in dubio pro reo maior efeito que a sua
absolvição no campo penal. E certamente que o legislador constituinte não se
posiciona de forma a afrontar os princípios mais básicos do Direito.
Depois, inúmeros outros arestos sufragaram a mesma orientação:
Falta funcional. O procedimento administrativo realizou-se regularmente, sem
qualquer ilegalidade, ficando aí bem caracterizada a falta funcional imputada à
apelante, que acabou gerando sua demissão, dada a gravidade da mesma. Nenhuma
ilegalidade no ato demissório, portanto, pelo que não procede a pretensão
reintegratória (Apelação Cível nº 140.505/0 – SP - 8ª Câmara).
Insuficiência de provas. O fato de ter sido absolvido perante a Justiça comum,
in casu, não o favorece. É que, tal absolvição, se lastreou na insuficiência de provas de
ter praticado os crimes que lhe foram imputados. Não foi negada a existência dos
delitos ou a própria autoria.
Conforme bem asseverou o ilustre Procurador da Justiça oficiante, analisando a
norma invocada pelo impetrante, deve ser ela interpretada restritivamente, ou seja,
ocorrerá a reintegração somente na hipótese de absolvição com negativa categórica do
fato ou de sua autoria e abranja todos os motivos do ato demissório, bem como na
hipótese de absolvição por excludente de criminalidade.
Caso contrário se chegaria à conclusão de que o dispositivo da Constituição
Estadual é inconstitucional, porque viola a autonomia dos poderes do Estado e cria
21
efeitos processuais e civis de uma sentença penal, sobre o que o Estado não pode
legislar. Mas, reprise-se, a norma é válida e foi bem aplicada (Apelação Cível nº
142.787-1/0 – SP – 6ª Câmara).
Também no Supremo Tribunal Federal a interpretação ora defendida encontra amplo
respaldo, como se vê do acórdão proferido por unanimidade pelo plenário da Suprema Corte,
em 22 de março de 1991, sendo relator o Ministro Aldir Passarinho:
Embora possa ter sido absolvido o funcionário na ação penal a que respondeu,
não importa tal ocorrência na sua volta aos quadros do serviço público, se a absolvição
se deu por insuficiência de provas, e o servidor foi regularmente submetido a regular
inquérito administrativo, no qual foi apurado ter ele praticado o ato pelo qual veio a
ser demitido. A absolvição criminal só importaria anulação do ato demissório se
tivesse ficado provado, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não fora
o autor (Ementa, Mandado de Segurança nº 20.814-7 – DF, in Lex – Jurisprudência do
STF, 151/90).
Outros arestos trazem à colação a orientação tradicional do Excelso Pretório:
Funcionalismo. Demissão. Absolvição no juízo criminal. Repercussão no juízo
cível. Falta residual. Súmula 18. A súmula nº 18 do STF reflete o princípio da
autonomia da jurisdição cível e criminal, consubstanciado nos arts. 1525 do CC e 200
da Lei nº 1.711/52, segundo o qual a absolvição no juízo criminal não invalida a
demissão, em processo administrativo, senão quando naquele se estabeleça a
inexistência do fato ou da autoria. A absolvição por falta de provas não repercute na
instância administrativa, sendo sempre possível a sanção administrativa pela falta
residual (Recurso Extraordinário 99.958, in RTJ nº 106/893); e
Não há violação de direito líquido e certo na demissão de funcionário contra o
qual ficou regularmente apurada a existência de faltas graves administrativas, sendo
por isso mesmo irrelevante o arquivamento do processo penal contra o mesmo
servidor (MS 19.581, in RT 423/255 e ainda MS 20.947).
Essa, também, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
22
A autonomia dos Poderes, por força constitucional, acarreta distinção entre a
jurisdição criminal e a jurisdição administrativa. A primeira, no entanto, repercute de
modo absoluto na segunda quando a sentença absolutória nega o fato ou a autoria da
infração imputada. A conseqüência será, inexistindo resíduo, a perda de eficácia do ato
administrativo (RMS nº 402 – RJ, 2ª Turma, Relator Ministro Luiz Vicente
Cernicchiaro, votação unânime, em 01.10.1990).
Igualmente, em outros Estados a mesma lógica tem imperado:
A absolvição criminal não invalida a demissão precedida de processo
administrativo em que ficar comprovada conduta reprovável consistente em grave falta
funcional, senão quando no Juízo criminal se estabeleça a inexistência do fato ou da
autoria (TJ-GO, 4.9.90, DGJ 1.734 – Goiânia, in Jurisprudência Adcoas, Ementa nº
131.982).
O arquivamento do inquérito policial, aqui, não tem o condão de repercutir na esfera
administrativa. Já porque não se trata de decisão absolutória que tenha feito coisa julgada,
mas de decisão cuja precariedade sobressai com a invocação, expressa, do artigo 18 do
Código de Processo Penal, que permite o desarquivamento do inquérito diante de novas
provas.
Mesmo que se tratasse de sentença criminal definitiva, e não de mero arquivamento de
inquérito policial, a Administração tem sempre a preocupação de preservar a independência
das instâncias, decidindo de acordo com seus critérios e com a prova colhida na esfera
disciplinar, até porque a condenação criminal é sujeita a vários recursos e remédios, que
podem alongar-se no tempo, como no caso da revisão criminal, do recurso especial, do
recurso extraordinário e do habeas-corpus.
Conforme lição traçada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da
Apelação Cível nº 146.067.1/4 – SP, 8ª Câmara, votação unânime, sendo relator o
Desembargador Jorge Almeida:
A condenação penal reclama maior rigor probatório que a sanção
administrativa. A prova suficiente no âmbito administrativo, para demissão, não é a
mesma exigida para o juízo de condenação criminal. Daí ensinar Marcel Waline: "O
julgamento penal não subordina a autoridade investida de poder disciplinar, a não ser
23
na medida em que afirma a existência ou a inexistência material do fato incriminado,
mas numa absolvição pode significar apenas que os fatos apurados não reúnem os
elementos de um delito, podendo, entretanto, configurar numa falta disciplinar”
(Traité élémentaire de droit administratif, 6ª ed., p. 352, ed. 1952).
Existe, ainda, decisão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo a reafirmar tal
orientação:
Apelação – Policial militar – Demissão.Servidor acusado de participar de
movimento paredista. Absolvição na ação penal por insuficiência de provas.
Pretendida repercussão da absolvição criminal na esfera administrativa.
Inadmissibilidade. Apenas a decisão que afirma a inexistência de crime ou de que o
acusado seja o seu autor faz coisa julgada no cível e no âmbito administrativo.
Existência, ademais, de resíduo administrativo. Recurso improvido. "A absolvição da
ação penal, por falta de provas ou ausência de dolo, não exclui a culpa administrativa e
civil do servidor que pode, assim, ser punido administrativamente e responsabilizado
civilmente, posto que o ilícito penal é mais que o ilícito civil e o ilícito administrativo
(TJSP – 3ª Câm. de Direito Público; AC nº 58.912-5/0-SP; Rel. Des. Rui Stoco; j.
21/3/2000; v.u., in Boletim AASP 2211, de 14 a 20/5/2001).
7. Conclusões
1. Não é correto da doutrina tradicional a referência de que o crime de concussão seria
“uma espécie de extorsão”. O elemento do tipo de concussão é exigir sem violência ou grave
ameaça à pessoa. A presença de violência física ou moral caracteriza o crime de extorsão.
2. Caracterizará o crime de concussão e não de extorsão a conduta do funcionário
público praticada com a ameaça, desde que esta não foi determinante ou veio desnecessária
para obtenção da vantagem indevida.
3. A expressão vantagem indevida no crime de concussão tem natureza em sentido
amplo, que pode ser outra que não só a econômica. Isso em virtude da interpretação do
parágrafo 1º do art. 316.
4. No crime de corrupção, a expressão vantagem tem sentido amplo, em virtude de
interpretação com o parágrafo 2º do mesmo artigo.
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5. A afirmação de Julio Fabrini Mirabete sobre o crime de concussão de que “ainda
que a consumação ocorra com a exigência, é co-autor aquele que, sendo ou não funcionário,
intervem posteriormente a conduta do agente, procurando auxilia-lo na obtenção da
vantagem” (“Manual de Direito Penal”, ed. Atlas, v. 3, p. 309), não está em consonância com
o artigo 29 do Código Penal, já que o crime é formal e se consuma com a simples exigência.
O auxílio posterior à consumação do crime não caracteriza caso de co-autoria.
6. A diferença conceitual entre os crimes de corrupção passiva e concussão é que, na
primeira conduta o particular “recebe o pedido”, e na segunda modalidade o particular “sofre”
a exigência.
7. O crime de corrupção não é um crime bilateral ou de concurso necessário uma vez
que na hipótese houve uma quebra a teoria monista da ação, punindo em figuras autônomas a
conduta do particular da do funcionário público. Haverá o crime ainda que não se puna a
conduta do particular.
8. A conduta de “dar” por parte do particular que atente a “solicitação” do funcionário
público é atípica, já que são condutas distintas. Tanto é verdade que recente reforma
legislativa que acrescentou o Capítulo II-A (Dos crimes praticados por particular contra a
Administração Pública estrangeira), no Título dos crimes contra a Administração Pública, o
legislador atual manteve o binômio dar e oferecer no crime de corrupção ativa (art. 337-B).
9. Não se confundem o ilícito penal com a falta administrativa.
10. A apuração da conduta infracionária na esfera administrativa deve ser promovida,
ainda que os fatos estejam sendo investigados no âmbito criminal.
11. São independentes as instâncias penal e administrativa. A regra é a não
interferência do julgado criminal perante a Administração.
12. Essa regra não é absoluta. Em certos casos há repercussão da decisão judicial na
esfera administrativa.
13. A sentença penal condenatória sempre interfere no desfecho do processo
administrativo.
14. A sentença penal absolutória somente influirá na decisão administrativa se negar o
fato ou a autoria do delito.
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