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7/24/2019 Edair Gorski - Tese
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EDAIR MARIA GORSKI
Departamento de Lingüística e Filologia
O TÓPICO SEMÂNTICO DISCURSIVO NA NARRATIVA
ORAL E ESCRITA
Tese de Doutorado
Faculdade de Letras
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 1º semestre de 1994
7/24/2019 Edair Gorski - Tese
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O TÓPICO SEMÂNTICO DISCURSIVO NA NARRATIVA
ORAL E ESCRITA
por
EDAIR MARIA GORSKI
Departamento de Lingüística e Filologia
Tese de Doutorado em Lingüística apresentada à
Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação da
Faculdade de Letras da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
Orientador: Prof. Dr. Sebastião Josué Votre
Co-orientadora: Profª. Drª. Giselle Machline deOliveira e Silva
Rio de Janeiro, 1º semestre de 1994
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AGRADECIMENTOS
Ao professor Sebastião Votre, pela orientação crítica, segura e sempre estimulante.
À professora Giselle Machline de Oliveira e Silva, pela co-orientação tranqüila e segura e
pelo apoio, no momento certo.
Ao CNPq, pelo suporte financeiro no decorrer do curso de Doutorado.
Ao Departamento de Letras e Artes da FURG-RS e ao Departamento de Língua e Literatura
Vernáculas da UFSC, por me possibilitarem tempo para a pesquisa.
A Átilla Louzada Júnior, pela disponibilidade para discutir idéias e pelas críticas e sugestões
valiosas e decisivas.
A Maria Lúcia Leitão de Almeida e, em especial, a Mônica Rio Nobre, pela leitura crítica do
trabalho em sua fase inicial e pelo apoio amigo.
A Maria Maura Cezario e Fernanda do Amaral, pela colaboração na organização do corpus
da pesquisa.
A todos os colegas do grupo de pesquisa Discurso & Gramática, pelas inúmeras e
proveitosas discussões.
A Elias Lima Coutinho, pelo suporte operacional e pelo apoio paciente e persistente.
A minha família, pela compreensão, pelo carinho e pelo incentivo permanente.
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A
Meu pai, “in memoriam”
Ilda, minha mãe
Chico, meu irmão
Elias, meu companheiro
Marcelo e Cristine, meus filhos
– participantes de minha experiência pessoal,
tópicos proeminentes no meu discurso narrativo
dedico.
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SINOPSE
Abordagem do tópico semântico-discursivo, através da delimitação e caracterização de
episódios e eventos na narrativa, a partir da análise das unidades de codificação nos
canais de fala e escrita; estabelecimento de correlações entre o nível semântico-discursivo e o nível de codificação lingüística nos dois canais.
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SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS, TABELAS E FIGURA
DEFINIÇÃO DE TERMOS
0 INTRODUÇÃO
I O OBJETO DE ESTUDO
1 Aspectos gerais2 Colocação do problema2.1
Tópico: breve revisão da literatura2.1.1
Tópico no plano sintático2.1.2 Tópico no plano discursivo: âmbito da frase2.1.3 Tópico no plano discursivo: âmbito do texto/discurso2.2 Tópico: nesta tese2.3 Principais questões e hipóteses
II BASE TEÓRICA E METODOLÓGICA
0 Introdução1 Princípios, propriedades e categorias funcionalistas
1.1 Princípios funcionalistas1.1.1 Princípio da iconicidade1.1.2 Princípio da marcação1.2 Propriedades funcionalistas e categorias operacionais de análise1.2.1 Informatividade1.2.2 Topicidade1.2.3 Planos1.2.4 Transitividade2. A noção de modelo de discurso2.1 Modelos cognitivos: algumas contribuições2.2 Modelo de construção do discurso narrativo
2.2.1 Perspectiva do falante2.2.2. Perspectiva do ouvinte2.2.3 Representação e descrição do modelo3 Base metodológica3.1 Corpus3.1.1 Constituição do corpus3.1.2 Caracterização do corpus D&G3.1.3 A amostra desta pesquisa3.2 Orientação metodológica da tese3.3 Etapas da pesquisa
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III A ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO NARRATIVO EM DIFERENTES NÍVEIS
0 Introdução
1 Definição das unidades de análise2 A explicitação de tópicos e subtópicos3 A organização de episódios e eventos3.1 Episódios3.2 Eventos3.2.1 A seqüencialidade na narrativa3.2.2 Tipos de eventos4 A organização das unidades de codificação4.1 A integração semântico-sintática4.2 Constituição das UCEs5 Conclusões parciais
IV O TÓPICO SEMÂNTICO-DISCURSIVO NA FALA E NA ESCRITA0 Introdução1 Análise em nível de episódios e eventos1.1 Episódios orais vs. escritos1.2 Eventos orais vs. escritos1.3 Conclusões parciais2 Análise em nível de UCEs2.1 Variável de referência: episódio, evento e não-fronteira2.1.1 Papel semântico das unidades2.1.2 Seqüencialidade discursiva
2.1.3 Tipo de conexão sintática2.1.4 Tipo de tópico frasal2.1.5 Sintaxe de referência2.1.6 Conclusões parciais2.2 Variável de referência: fala vs. escrita2.2.1 Fronteira de unidade2.2.2 Tipo de conexão sintática2.2.3
Sintaxe de referência2.2.4 Tipo de tópico frasal2.2.5 Seqüencialidade discursiva2.2.6 Complexidade estrutural2.2.7
Conclusões parciais
V CONCLUSÕES
VI REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
VII ANEXO
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LISTA DE QUADROS, TABELAS E FIGURA
QUADROS
Quadro 01: Distribuição dos informantes do corpus D&GQuadro 02: Caracterização dos textos do corpus D&GQuadro 03: Distribuição dos informantes da pesquisaQuadro 04: Relação dos informantes e das narrativas produzidas
TABELAS
Tabela 01: Freqüência de episódios codificados em cada canalTabela 02: Freqüência de eventos codificados em cada canal
Tabela 03: Freqüência de eventos não codificados explicitamente em cada canalTabela 04: Freqüência de eventos ausentes em cada canalTabela 05: Distribuição das UCE causais na fala e na escritaTabela 06: Papel semântico das UCE que abrem episódios/eventos (em oposição a não
fronteira), nos dois canaisTabela 07: Papel semântico das UCE que abrem episódios (em oposição a eventos), nos dois
canaisTabela 08: Seqüencialidade em UCE que abrem episódios/eventos (em oposição a não
fronteira), nos dois canaisTabela 09: Seqüencialidade em UCE que abrem episódios (em oposição a eventos), nos dois
canais
Tabela 10: Tipo de conexão sintática em UCE que abrem episódios/eventos (em oposição anão fronteira), nos dois canais
Tabela 11: Tipo de conexão sintática em UCE que abrem episódios (em oposição a eventos),nos dois canais
Tabela 12: Tipo de tópico em UCE que abrem episódios/eventos (em oposição a nãofronteira), na fala
Tabela 13: Tipo de tópico em UCE que abrem episódios (em oposição a eventos), nos doiscanais
Tabela 14: Sintaxe de referência em UCE que abrem episódios/eventos (em oposição a nãofronteira), na fala
Tabela 15: Sintaxe de referência em UCE que abrem episódios (em oposição a eventos), na
falaTabela 16: Fronteira de unidade na fala (em oposição à escrita)Tabela 17: Tipo de conexão sintática na fala (em oposição à escrita)Tabela 18: Sintaxe de referência na fala (em oposição à escrita)Tabela 19: Tipo de tópico na fala (em oposição à escrita)Tabela 20: Seqüencialidade discursiva na fala (em oposição à escrita)Tabela 21: Complexidade estrutural na fala (em oposição à escrita)
FIGURAFigura 01: Representação da construção do modelo de discurso narrativo
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DEFINIÇÃO DE TERMOS
Gramática: conjunto de estratégias que funcionam como instruções de processamento
mental, empregadas para se produzir uma comunicação coerente.
Gramaticalização: processo de regularização pelo qual construções inicialmente
motivadas pela situação comunicativa evoluem para formas que vão se padronizando até se
cristalizarem em estruturas gramaticais que passam a ser vistas, muitas vezes, como
arbitrárias.
Tópico: categoria discursiva que se manifesta simultaneamente nos planos hierárquico
e linear do discurso. No primeiro plano, o tópico distribui-se ordenadamente, por graus de
abrangência, em tópicos e subtópicos semântico-discursivos; no segundo plano, o tópico
corresponde a um participante de uma situação codificado com diferentes graus de
proeminência e através de diferentes mecanismos que envolvem a sintaxe de referência e a
ordenação pragmática.
Topicidade: propriedade funcional da organização geral do discurso em tópicos
hierárquica e linearmente distribuídos.
Iconicidade: correlação de um-para-um e conexão não-arbitrária entre forma e função
na gramática da língua.
Marcação: relação sistemática, dependente de contexto, entre complexidade estrutural
e cognitiva.
Episódio: unidade semântico-cognitiva correspondente a um cenário constituído por
um conjunto de eventos que se relacionam, discursivamente recobertos por um tópico
semântico-discursivo.
Evento: unidade semântico-cognitiva que corresponde a um centro de interessecontendo ações/estados com graus variáveis de integração, discursivamente recobertos por um
subtópico semântico-discursivo.
UCE: unidade sintático-discursiva de codificação do evento, com graus variáveis de
integração.
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Macroepisódio: episódio que assinala a abertura da narrativa, contextualizando
situacionalmnte o que vai ser relatado e funcionando como pano de fundo para os demais
episódios.
Modelo de situação: representação da percepção de fatos, construída pela associação
entre fatos vivenciados ou elementos lingüísticos e informações culturalmente compartilhadas,
e armazenadas na memória.
Frame: padrão culturalmente determinado, resultante de modelos de situação
recorrentes, que orienta a organização do conhecimento e auxilia na interpretação da
experiência.
Modelo de discurso: esquema conceptual e estrutural que vai sendo preenchido pelosinterlocutores se uma situação comunicativa, mediante processos interpretativos, à medida que
o texto vai sendo produzido; é um componente intermediário entre o modelo de situação e o
texto.
Esquema discursivo: padrão culturalmente determinado, decorrente de modelos de
discurso recorrentes em determinados contextos comunicativos, que orienta a distribuição da
informação na organização do discurso.
Integração semântico-sintática: entrelaçamento de ações/estados percebidos de modo
compactado num único centro de interesse e codificados com forte vinculação sintática entre
seus elementos.
Ancoragem: mecanismo que integra sintaticamente uma informação de maior relevo
(principal) a outra que lhe serve de complementação ou detalhamento (âncora).
Figura: categoria associada à seqüencialidade e à perfectividade da ação na narrativa.
Fundo: elemento integrador de ações/estados cotemporais num centro de interesse.
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0 INTRODUÇÃO
Esta tese trata da organização do tópico no discurso narrativo. O fenômeno é situado
num domínio funcional complexo e é visto como resultante de motivações cognitivas,
comunicativas e gramaticais. O estudo desenvolve-se sob uma perspectiva funcionalista que
coloca em evidência o poder explicativo do princípio da iconicidade em sua versão moderada,
a qual prevê que a forma deve de alguma maneira refletir a função que desempenha. Sob esta
ótica, investiga-se a topicidade, enquanto propriedade geral de organização do discurso, e sua
manifestação na codificação oral e escrita do discurso narrativo.
A noção de tópico suscita controvérsias em termos mesmo de sua definição e, principalmente, de seu nível de abrangência. Os enfoques alternam-se entre abordagens
predominantemente sintático-discursivas e tratamentos semântico-discursivos do tópico,
chegando, não raro, a ser considerados como dois fenômenos distintos. A proposta do presente
estudo é associar os níveis de abordagem e tratar o tópico como uma categoria discursiva
única que se organiza semanticamente de modo hierarquizado e sintaticamente de modo
linearizado no discurso.
Delimitado o âmbito geral do fenômeno, cumpre verificar como ele se realiza num tipo
específico de discurso – a narrativa. E como se organiza nos meios de codificação da fala e da
escrita. Estes são os objetivos centrais da tese.
Para realização desse estudo, primeiramente delineamos seus contornos e traçamos um
breve percurso de trabalhos que vêm privilegiando ora um, ora outro tipo de abordagem do
fenômeno. A seguir, firmamos nossa concepção de tópico e formulamos as questões e as
hipóteses gerais que orientam o desenvolvimento da investigação. Isso foi feito no capítulo I.
O segundo capítulo contém a base teórica do trabalho, em que se apresentam os
princípios gerais e as principais propriedades e categorias de análise do funcionalismo, os
quais foram, com graus variáveis de intensidade, utilizados nesta tese. Discutem-se, também,
alguns processos cognitivos envolvidos na produção do discurso narrativo, apresentam-se
alguns modelos cognitivos de processamento e propõe-se um modelo de construção do
discurso narrativo, na perspectiva do falante e do ouvinte de uma situação comunicativa. Este
arcabouço teórico fundamenta a tese e funciona em parte como pressuposto, em parte como
explicação para os fatos analisados. Ainda neste capítulo apresenta-se a metodologia, com
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descrição do corpus utilizado, e a orientação metodológica da pesquisa, em que se explica o
tratamento qualitativo e quantitativo dispensado à análise dos dados.
O terceiro capítulo retoma problemas colocados inicialmente e desenvolve-se no
sentido de validar as hipótese formuladas. As questões abordadas referem-se à organização do
tópico no discurso narrativo e suas unidades constituintes. Através de uma análise qualitativa,
depreendem-se e caracterizam-se essas unidades no plano semântico e sintático da
organização do discurso. Estabelecem-se critérios de delimitação e descreve-se a constituição
interna dessas unidades, com base no fenômeno da integração semântico-sintática.
No quarto capítulo realiza-se uma análise quantitativa, através da qual pretende-se
ratificar conclusões delineadas no capítulo anterior a respeito de alguns aspectos do fenômenoem estudo, e estabelecer correlações entre fatores sintáticos, semânticos e discursivos e a
organização da narrativa em episódios e eventos, na fala e na escrita. Neste capítulo, responde-
se à última questão colocada na tese e sustenta-se a hipótese de que não há diferenças
relevantes entre fala e escrita no que se refere à organização do tópico no nível semântico-
discursivo; as diferenças ocorrem no nível da codificação.
No quinto capítulo são reunidas as principais conclusões do trabalho e propostos novos
desdobramentos para estudos futuros.
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I O OBJETO DE ESTUDO
1 Aspectos gerais
Nosso interesse está centrado no duplo papel desempenhado pela codificação
lingüística do discurso produzido num contexto situacional e cultural específico: do ponto de
vista do falante, evidenciando a tarefa de comunicar uma mensagem a um interlocutor; do
ponto de vista do ouvinte, como ponto de partida para a elaboração e interpretação da
mensagem recebida.
Assumimos a perspectiva de Givón (1990:893) de que, para compreender o uso dalíngua na comunicação, é preciso estabelecer correlações entre os mecanismos gramaticais e
os contextos discursivos em que estes aparecem, ou seja, é preciso verificar a gramática-no-
texto. Admitimos, também, de acordo com a visão funcionalista, que a gramática não é
autônoma, mas decorrente de um fenômeno de gramaticalização (ou regularização), pelo qual
construções inicialmente motivadas pela situação comunicativa evoluem para formas que vão
se padronizando até se cristalizarem em estruturas gramaticais que passam a ser vistas, muitas
vezes, como não-motivadas, ou arbitrárias. Uma vez regularizadas, essas formas entram em
competição com outras discursivamente motivadas gerando o que DuBois (1984;1987)
denomina de "motivações em competição".
Admitimos ainda, com Givón, que no comportamento comunicativo a gramática não
interage diretamente com o texto: tanto uma quanto o outro, bem como a relação entre ambos,
tem sua origem na mente. Do ponto de vista do falante, a gramática é desdobrada pela mente
que, por sua vez, produz o texto. Do ponto de vista do ouvinte, a gramática aciona a mente
que, por sua vez, interpreta o texto. Neste caso, mecanismos gramaticais de codificação
detonam operações específicas na mente do ouvinte, envolvendo basicamente os domínios da
ativação da atenção e da busca na memória. (1990:893-4; 1991:07)
Assim, em nosso modelo teórico consideramos que, subjacente à gramática-no-texto,
existe a mente usando a gramática e processando textos, e que a gramática deve ser
interpretada, nos termos de Givón, como instruções de processamento mental (1991:07). A
gramática, nesta perspectiva, deixa de ser considerada como "um conjunto de regras rígidas
que devem ser seguidas para se produzirem sentenças gramaticais", e passa a ser concebida
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como "um conjunto de estratégias empregadas para se produzir uma comunicação coerente"
(1993:01).
Como estamos considerando a língua em uso, é natural que levemos em conta, além
dos mecanismos de processamento do texto que se evidenciam no contexto lingüístico, e do
contexto situacional imediato, também o contexto cultural global compartilhado pelos
membros de uma mesma comunidade de fala, e que se reflete em padrões convencionais
institucionalizados. É neste sentido que admitimos com Fillmore que
categorias codificadas lingüisticamente pressupõem uma compreensãoestruturada particular de instituições culturais, crenças sobre o mundo,
experiências compartilhadas, modos padronizados ou familiares de fazer ascoisas, e modos de ver as coisas (1985: 231).
O autor propõe, como um instrumental útil para análise, a noção de frame, entendida
como representação organizada da experiência ou do conhecimento, subjacente à compreensão
do significado (p.222-4). Ou, em outras palavras, como padrões culturalmente determinados,
devido à recorrência, que orientam a organização do conhecimento e auxiliam na interpretação
da experiência. Esta noção é também considerada por Givón ao enfocar a gramática da
coerência referencial, especialmente a busca pela referência culturalmente compartilhada(1990:925-29; 1993:234).
Consideramos, por fim, que o interesse do analista do discurso deve centrar-se,
principalmente, na função de uma seqüência discursiva determinada e no processamento
desses dados lingüísticos, tanto pelo falante como pelo ouvinte (Brown & Yule, 1989:25).
Caracteriza-se, dessa maneira, uma abordagem do fenômeno lingüístico não como objeto
estático, mas como um meio dinâmico de expressão. Nesse sentido, concordamos com Grimes
(1984:30), quando afirma que: a) o analista da linguagem deve considerar tanto as decisões
tomadas pelo falante sobre o que dizer, como os mecanismos e padrões disponíveis para
implementação dessas decisões; b) a estrutura semântico-discursiva das decisões tomadas é
verificável apenas indiretamente a partir das formas que o falante enuncia.
É, portanto, a partir da análise do texto produzido que poderemos chegar à dinâmica do
discurso. Para tanto, é pertinente que consideremos o fenômeno lingüístico como resultante de
um complexo de motivações de base comunicativa, cognitiva, sócio-cultural e gramatical (cf.
Givón, 1990; 1991).
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2 Colocação do problema
O termo tópico, de uso corrente na literatura lingüística, é controverso. Longe estamos
de ter uma definição consensual de tal categoria. Em vista disso, apontaremos, nesta seção,
alguns tipos diferenciados de abordagem do fenômeno em estudo, indicando algumas
tendências verificadas na área. Em seguida, apresentamos nossa concepção de tópico nesta
tese.
Uma distinção básica que se pode estabelecer em termos de enfoque é entre 'tópico
sintático' e 'tópico discursivo'. No âmbito da sintaxe, trabalha-se com 'estruturas de tópico', que
envolvem basicamente as chamadas construções de topicalização e de deslocamento para aesquerda. Nesse caso, como não se extrapolam os limites da frase, não há necessidade de
contextualização discursiva, seja de ordem lingüística ou situacional.
Embora constatemos hoje uma inclinação para identificar o tópico como uma função
do domínio discursivo, mesmo nessa abordagem mais ampla não há consenso quanto a sua
definição na literatura lingüística. Tem se verificado enfoques que se alternam entre: a) uma
acepção semântica que, em nível de texto/discurso1, identifica tópico com assunto,
depreendendo-o a partir de uma estrutura hierarquizada; b) e uma acepção sintática que, em
nível de frase, trata basicamente do elemento que se constitui no ponto de partida do
enunciado2 sendo, portanto, depreendido com base numa estrutura linearizada. Em ambas as
acepções, pressupõe-se que o tópico seja contextualizado lingüística ou situacionalmente, ou
seja, o contexto discursivo é fundamental.
Diante desse quadro, propomo-nos a realizar uma revisão bibliográfica centrada em
três aspectos: primeiro, comentando algumas abordagens do tópico no plano sintático;
segundo, focalizando o tópico discursivo que se manifesta no âmbito da frase; por último,
tratando do tópico discursivo no âmbito do texto/discurso. Vejamos como alguns autorestratam a questão.
1 Não estamos, nesta tese, fazendo distinção entre ‘texto’ e ‘discurso’, usando um termo ou outro para referir oresultado da produção verbal numa situação comunicativa.2 Os termos ‘frase’ e ‘enunciado’ são empregados indistintamente, para referir a atualização ou concretizaçãodiscursiva de uma proposição ou sentença. Opõem-se a ‘sentença’, entendida como unidade do plano puramentesintático ou estrutural.
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2.1 Tópico: breve revisão da literatura
Discute-se, nas próximas seções, o tópico nos planos sintático e discursivo, este último
no âmbito da frase e do texto/discurso.
2.1.1 Tópico no plano sintático
Trabalhando com dados do português falado no Brasil, Callou, Moraes, Leite, Kato e
outros pesquisadores (1990) partem das idéias de Ross (1967) para analisar construções de
topicalização e de deslocamento para a esquerda. Esses dois tipos de construção sãorespectivamente exemplificados abaixo:
(01) A passagem eu compro φ a prazo.
(02) Então a minha de onze anos...ela supervisiona o trabalho dos cinco.
De acordo com os autores, em (01), a topicalização é caracterizada pela possibilidade
de vinculação sintática do SN externo a uma categoria vazia dentro da sentença. Em (02), o
deslocamento para a esquerda é caracterizado pela possibilidade de vinculação a um elemento
pronominal ('cópia') na sentença que se segue. Ambos os tipos de construção correspondem a
uma estrutura de topicalização lato sensu, cujos tópicos são considerados como SNs externos à
estrutura gramatical da sentença. Em sua análise, os autores concluem que, do ponto de vista
da sintaxe, os dois processos apresentam-se em distribuição complementar: enquanto a
topicalização tende a ser co-indexada a objeto, o deslocamento para a esquerda tende a ser co-
indexado a sujeito.
Esse tipo de abordagem, enquanto restrito à sintaxe, limita-se à análise de sentençasisoladas sem levar em conta o contexto discursivo3. É natural que os resultados desse tipo de
investigação sejam diferentes daqueles a que se chega através de uma abordagem do tópico no
plano discursivo. É o que passamos a ver a seguir.
3 O contexto discursivo, aqui mencionado, envolve o próprio texto produzido e aspectos contextuais diretamenteligados aos interlocutores e à situação imediata de comunicação.
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2.1.2 Tópico no plano discursivo: âmbito da frase
Analisando dados do português, Pontes (1987) procura distinguir os processos de
topicalização e de deslocamento para a esquerda, buscando uma solução no nível do discurso.
A autora conclui que tais construções exercem funções discursivas diferentes: a topicalização
está associada à mudança de tópico, com função contrastiva; e o deslocamento para a
esquerda, à continuidade no discurso, com função coesiva (p.82-3).
Comparando-se os resultados das análises, observa-se que enquanto a primeira,
limitando-se a descrever os contextos sintáticos de ocorrência das construções tópicas,
restringe-se a uma análise formal, a segunda, ampliando o domínio de manifestação dofenômeno estudado, chega a uma análise funcional, encontrando explicações de base
comunicativa para o uso das diferentes estruturas em contextos discursivos distintos.
Também estudando dados do português, Braga (1986) investiga construções de tópico
sujeito e objeto, em dados do tipo:
(03) ... porque o cara, quando ganha muito dinheiro, ele fica meio bobo.
(04) Ele, eu conheci φ aqui na escola.
A autora testa fatores lingüísticos, psicolingüísticos, semânticos e discursivos, e
caracteriza as condições ideais para aparecimento de construções de tópico sujeito e objeto.
Dentre essas condições, destacam-se: a) para construção de tópico sujeito _ sujeito longo,
discursivamente importante, com material interferente entre ele e seu predicado, com o traço
semântico [+ animado], introduzindo informação nova ou evocada; b) para construção de
tópico objeto – status inferível ou evocado das entidades, reiteração total ou parcial de itens ou
conceitos –, fatores esses que funcionam como mecanismos coesivos no desenvolvimento dodiscurso.
Como se pode observar a partir dos exemplos (01) - (04), as chamadas 'construções de
tópico' de Braga integram tanto a 'topicalização' quanto o 'deslocamento para a esquerda',
conforme trabalhados pelos outros autores. Muda também o enfoque das análises, pois
enquanto Braga procura caracterizar as condições discursivas ideais para aparecimento das
construções de tópico sujeito e objeto, Pontes descobre funções discursivas associadas
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especificamente à topicalização e deslocamento para a esquerda, e Callou et alii descrevem as
condições sintáticas de manifestação dessas construções.
Na revisão da literatura feita até o momento, temos como ponto em comum a análise
de construções de tópico (incluindo topicalização e deslocamento para a esquerda) e, em
conseqüência, a posição inicial que ocupam no enunciado e a ruptura da ordem canônica SVO
que caracteriza a estrutura gramatical da oração em determinadas línguas.
Numa perspectiva claramente funcionalista, vejamos agora como se posiciona Givón em
alguns de seus trabalhos a respeito do assunto. Em From discourse to syntax (1979), o autor
considera tópico como uma noção discursivo-funcional relacionada com a noção sintático-
gramatical de sujeito, constatando que no desenvolvimento de uma língua sujeitos sentenciaissão derivados diacronicamente de tópicos gramaticalizados, de modo que construções a
princípio pragmaticamente frouxas evoluem para construções sintaticamente formalizadas.
Ressalva, porém, que a gramaticalização de tópicos em sujeitos não significa que a língua
tenha perdido a topicidade, e sim, que as construções de tópico passaram a ser codificadas
gramaticalmente adquirindo propriedades morfossintáticas de sujeito. (p. 83-4)
Já em Topic continuity in discourse (1983), Givón diz que tópico não é uma função
simples, mas um domínio funcional complexo identificado como "grau de acessibilidade do
tópico"; não é uma entidade atômica, discreta na frase mas manifesta-se num continuum,
sendo, portanto, uma noção escalar. O autor propõe a seguinte escala, abrangendo aspectos
fonológicos, morfológicos e sintáticos, que reflete a codificação do grau de continuidade do
tópico (p.16-7):
tópico mais contínuo/acessível
anáfora zero pronome átono pronome tônico
SN definido deslocado para a direitaSN definido em ordem neutraSN definido deslocado para a esquerdaSN em topicalização contrastiva (movimento Y)construção clivada/de focoSN indefinido referencial
tópico mais descontínuo/inacessível
O autor associa os graus de topicidade depreendidos pela distribuição dos SNs na frase
a uma hierarquia de casos semânticos e a outra de casos gramaticais (p.22):
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(a) AGT > DAT/BEN > PAC > OUTROS
(b) SUJ > OD > OUTROS
estabelecendo uma forte correlação entre as categorias de tópico primário/ agente/ sujeito, e
de tópico secundário/ paciente/ objeto direto (e mostrando que quando há dativo/benefactivo
presente na frase, esse elemento tende a ser codificado como objeto direto). No exemplo
abaixo, os elementos destacados funcionam, respectivamente, como tópico primário/ sujeito e
tópico secundário/ objeto:
(05) João comprou um carro ontem.
Ressalve-se, porém, que podem ocorrer casos em que o tópico primário não
corresponde a sujeito, ou que um mesmo participante pode ser codificado duplamente como
tópico e como sujeito. Vejam-se os exemplos:
(06) João, nós o vimos ontem.
(07) João, ele veio ontem.
No primeiro caso, 'João' é tópico primário e 'nós' é o sujeito. No segundo, o tópico
primário e o sujeito são correferenciais.
Givón concebe o tópico como uma noção discursiva que se realiza como um elemento
constituinte da frase, logo, sempre codificado pelo falante e concretamente percebido pelo
ouvinte. É o tópico discursivo manifestando-se no âmbito da frase. Avança-se em relação às
abordagens iniciais desta seção, nos seguintes aspectos: tópico deixa de ser visto como
categoria discreta e passa a ser concebido como continuum (concepção esta que o próprio
autor vem a descartar posteriormente); deixa de estar necessariamente associado à primeira posição no enunciado (a menos que seja tópico primário); não implica necessariamente ruptura
ou deslocamento na ordem das palavras na frase.
Em Syntax – a functional-typological introduction (1990), Givón rediscute a noção de
escalaridade anteriormente atribuída ao tópico, assumindo que a topicidade implica uma
organização discreta dos participantes no discurso. Como justificativa, o autor ratifica DuBois
(1987), ao considerar que o número de argumentos nominais no discurso raramente excede a
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dois por oração (o que, segundo o autor, descarta a idéia de continuum). Partindo do fato de
que as evidências de ser o sujeito mais tópico que o objeto direto, e de ser este mais tópico que
o indireto são indícios do caráter discreto da organização discursiva, Givón acaba admitindo
que a linguagem humana parece codificar somente três níveis discretos de topicidade dos
participantes (p.902):
(a) tópico principal = sujeito
(b) tópico secundário = objeto direto
(c) não-tópico = todos os outros casos
Considerar o tópico como uma entidade discreta, isolável em diferentes posições na
frase, não implica porém deixar de reconhecer o aspecto de continuidade/ descontinuidade deum tópico no fluxo do discurso. Um participante pode se manter no discurso como tópico
contínuo primário em várias frases, pode alternar as funções de tópico primário e secundário
em frases consecutivas ou não, ou pode sair temporariamente do fluxo discursivo; essas
diferentes possibilidades vão corresponder a diferentes estratégias de codificação. Tópicos
contínuos serão preferencialmente codificados por anáfora zero ou pronome átono; tópicos
não contínuos à curta distância serão mais codificados como pronome tônico, e assim por
diante.
Tratando especificamente das construções de topicalização que envolvem o uso
pragmático da ordenação vocabular, Givón as relaciona à descontinuidade do tópico,
destacando: construções existenciais apresentativas (com SN indefinido), deslocamento para a
esquerda, deslocamento para a direita, construções de foco contrastivo (clivadas e movimento
Y), promoção de objeto indireto a objeto direto (dative-shifting ), promoção de argumento de
oração subordinada a argumento de principal (raising ). Essas construções de topicalização
interagem com outros mecanismos de codificação do tópico, tais como: anáfora zero,
pronominalização, sintagma nominal pleno definido e indefinido, constituindo-se, segundo oautor, num dos principais focos na organização da gramática de uma língua. (1990; 1993)
A escolha desses mecanismos gramaticais pelo falante é restringida por duas
propriedades do referente: a acessibilidade referencial (que tem a ver com o julgamento do
falante sobre quão acessível está o referente para o ouvinte, dado o contexto discursivo
anafórico), e a importância temática (que tem a ver com o julgamento do falante a respeito de
quão importante é o referente em termos do discurso catafórico). Esses julgamentos do falante
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norteiam a seleção das estratégias de codificação do referente, que passam a funcionar como
instruções para o ouvinte relativas à acessibilidade ou à importância do referente tópico. A
"topicidade pragmática" fica, assim, estreitamente relacionada com a "referencialidade
semântica". (Givón, 1993)
2.1.3 Tópico no plano discursivo: âmbito do texto/discurso
Trabalhando com textos escritos, Garcia (1972) enfatiza a posição inicial do parágrafo
como sendo o lugar, por excelência, do tópico. O autor fala em "tópico frasal", caracterizando-
o da seguinte maneira: "constituído habitualmente por um ou dois períodos curtos iniciais, otópico frasal encerra de modo geral e conciso a idéia-núcleo do parágrafo" (p.188). Segundo o
autor, "enunciando logo de saída a idéia-núcleo, o tópico frasal garante de antemão a
objetividade, a coerência e a unidade do parágrafo, definindo-lhe o propósito e evitando
digressões impertinentes" (p.189).
Diferentemente das abordagens anteriores, o que o autor denomina de tópico frasal não
corresponde a um elemento que é o tópico da frase, e sim, a uma frase que é o tópico do
parágrafo, uma espécie de resumo inicial do que vem a seguir. O tópico frasal, assim
entendido, restringe-se ao gênero descritivo e dissertativo, uma vez que, segundo o autor, no
parágrafo narrativo não há, via de regra, tópico frasal explícito (p.229).
Esta idéia de tópico como síntese de um segmento discursivo reaparece em outros
estudos, como veremos a seguir.
Van Dijk (1985) associa tópico à noção de micro e macroestrutura semântica. No nível
micro, o autor trabalha com a dicotomia tópico/comentário, admitindo-as como "funções
textualmente dependentes, atribuídas a fragmentos de estrutura semântica das sentenças num
discurso" (p.48). No nível global, uma macroestrutura define a coerência de um discurso,indicando a "questão central ou tópico", sendo "tipicamente expressa pelo resumo de um
discurso"(p.50-2). Nesse nível macro, o tópico corresponde a uma reconstrução abstrata, não
sendo explicitado diretamente no texto4.
4 Observe-se como os termos 'tópico' e 'tema' aparecem na literatura, ora alternando-se na designação do mesmofenômeno lingüístico – tomado em nível de texto (no que se refere genericamente a assunto) ou de frase (nestecaso, estabelecendo-se freqüentemente as oposições tópico/comentário e tema/rema, sendo o primeiro elemento
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Mentis (1988) investiga a organização do tópico na conversação e define tópico como
"uma oração ou SN que identifica a questão de interesse imediato e que fornece uma descrição
global do conteúdo de uma seqüência de enunciados" (p.59).
Segundo a autora, o tópico não precisa aparecer explicitamente no discurso; uma
denominação lhe é atribuída (por ex.: festa das bruxas, viagem, etc,) de modo a indicar o que
os falantes estão conversando e identificar o interesse central num trecho de discurso. A autora
trabalha, ainda, com as noções de 'seqüência tópica' – conjunto de enunciados reunidos sob o
escopo de um tópico denominado; e 'subtópico' – parte da seqüência tópica principal 5.
Nessa mesma linha se posiciona Koch (1992) ao postular que um texto conversacional
pode ser dividido em fragmentos recobertos por um mesmo tópico, e que cada conjunto dessesfragmentos irá constituir uma unidade de nível mais alto, e assim sucessivamente, sendo que
cada uma dessas unidades, em seu próprio nível, é um tópico. Para distinguir tais níveis
hierárquicos, a autora aborda o tópico através das seguintes divisões: 'supertópico', 'quadro
tópico', 'subtópico' e 'segmentos tópicos' (p.72). Por exemplo, o supertópico Família pode
dividir-se em quadros tópicos como tamanho da família, papel da mulher dentro e fora do lar ,
etc. O quadro tópico papel da mulher dentro e fora do lar , por sua vez, pode recobrir
subtópicos como trabalho com os filhos, acúmulo de tarefas, etc. O subtópico trabalho com os
filhos pode conter o segmento tópico problemas com filhos adolescentes, etc. (p.92)
O que há de comum na perspectiva desses quatro autores é a idéia de que o tópico
sintetiza um fragmento de discurso coerente, sem que seja, via de regra, explicitamente
mencionado pelo falante. Tem relação com o assunto do texto. Situa-se no nível semântico.
Uma tentativa de distinguir "o tópico, como elemento da S, do tópico como elemento
do discurso" é empreendida por Pontes (1986:178), a partir de algumas colocações de Reinhart
(1980). Esta última trabalha tópico como uma relação de ser sobre, como se pode verificar na
referência feita por Pontes retomando o exemplo discutido por Reinhart:
O Sr. Morgan é um pesquisador cuidadoso e um sábio semiticista, mas suaoriginalidade deixa algo a desejar .
do par o constituinte mais à esquerda da frase), ora especializando seu sentido, como faz Givón (1983) aodistinguir 'tópico' de 'tema', reservando ao segundo o sentido de assunto.5 A abordagem de Mentis assemelha-se às idéias de Grimes (1975) quando este, falando de narrativas, diz que ostemas podem ser globais ou locais quanto ao escopo. Na visão do autor, um tema global abrange o texto inteiro,constituindo o esquema hierarquizado da narrativa em sua totalidade, enquanto que temas locais correspondem a
partes da narrativa, constituindo 'sub-árvores' dentro da estrutura geral. (p.367)
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Pode-se dizer, afirma a autora, que a S é sobre o Sr. Morgan, ou sobre acapacidade acadêmica do Sr. Morgan. Segundo ela, só no primeiro sentido éque se tem tópico de S, porque algo é predicado do Sr. Morgan. No segundo
sentido, trata-se de tópico do discurso”. (Pontes, 1986:181)
Pontes questiona as afirmativas de Reinhart, considerando que "distinguir tópico
sentencial de discursivo (como faz Reinhart)[...] é o mesmo que distinguir sujeito de tópico
discursivo" (p.183-4). E continua: "se tópico é uma nocão pragmática, não pode ser estudado
dentro do âmbito da S" (p.191).
A nosso ver, entram em conflito, aqui, os níveis sintático e semântico que envolvem a
noção de tópico discursivo. De um lado, Reinhart opõe tópico de sentença a tópico do
discurso; de outro, Pontes parece tratar indistintamente as noções de tópico de sentença e de
sujeito, excluindo a possibilidade de se abordar o tópico discursivo no âmbito da frase.
Todavia, o fato de termos um referente codificado como tópico na frase não exclui a
possibilidade de que seja considerado como tópico discursivo, já que a idéia de tópico
discursivo se aplica tanto ao âmbito do discurso como da frase, desde que considerado o
contexto discursivo.
Assim, no exemplo discutido por Reinhart, pode-se dizer que o tópico discursivo se
manifesta no nível semântico como "a capacidade acadêmica do Sr. Morgan" (ou seja, édepreendido e sintetizado pelo ouvinte/analista), e no nível da codificação sintática como "o
Sr. Morgan" (ou seja, é codificado pelo falante na frase). O fato de o tópico corresponder ao
sujeito não implica que o primeiro deixe de apresentar propriedades discursivas, visto que
estamos diante de duas entidades diferentes – uma puramente sintática (o sujeito), e outra
discursiva (o tópico).
***
Conforme proposto no início da seção, expusemos alguns aspectos tidos como
relevantes em estudos cujo objeto de análise é o tópico. Esses estudos foram agrupados tendo
em vista o tipo de abordagem realizada: tópico sintático realizado na sentença/frase (cf.
referência a Callou et alii); tópico discursivo manifestado explicitamente no âmbito da frase
(cf. proposta funcionalista em geral e cf. análise realizada por Braga e Pontes); e tópico
discursivo não necessariamente explicitado no âmbito do texto/discurso (cf. van Dijk, Mentis,
Koch e Reinhart).
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Até que ponto se pode afirmar que estamos diante de entidades ou categorias
lingüísticas diferentes? Se as entidades forem diferentes, estaremos nos deparando com um
caso de homonímia e, então, não há razão para considerá-las em conjunto. Se a categoria for a
mesma, manifestando-se em níveis diferentes, uma abordagem conjunta passa a ganhar
sentido. É esta a proposta que se segue.
2.2 Tópico: nesta tese
A noção de tópico tem sido amplamente discutida na literatura lingüística e não
pretendemos propor novas definições nem inovar na terminologia. Como nosso interesse,nesta tese, está centrado no tópico discursivo e, conforme temos observado ao longo do
trabalho, tal tópico pode se manifestar e ser analisado tanto no âmbito frásico como no âmbito
textual/discursivo, nosso propósito é vincular esses dois níveis e propor uma abordagem única
para tópico, que passamos a explicitar a seguir.
No âmbito da frase, tópico corresponde, via de regra, ao participante de um evento ou
situação codificado morfossintaticamente no plano seqüencial como elemento sobre o qual se
fala, ou como ponto de referência (cf. Naro & Votre, 1991) do enunciado. Esse tópico é vistonuma estrutura linearizada, sendo explicitamente mencionado pelo falante, podendo ser
codificado com diferentes graus de proeminência (tópico primário ou secundário), e através de
diferentes mecanismos de codificação que incluem a forma (SN, pro ou anáfora zero) e a
ordenação pragmática (deslocamento, contraste, etc). Apesar de se manifestar na frase, esse
tópico é discursivamente dependente. (cf. Givón, 1990;1993)
No âmbito do texto/discurso, o tópico é enfocado numa estrutura hierarquizada,
distribuindo-se ordenadamente por graus de abrangência, de modo que tópicos mais gerais
dominam ou recobrem tópicos que sejam especificações do tópico global; daí podermos falar
de tópicos e subtópicos (cf. Mentis, 1988; Koch, 1992). Esse tópico se organiza
hierarquicamente em 'nós', configurando uma espécie de esquema arbóreo.
O tópico, no âmbito do texto/discurso, manifesta-se em nível semântico-discursivo,
não costumando aparecer explicitamente codificado no discurso. Tanto na perspectiva do
falante quanto na do ouvinte, tópicos e subtópicos organizam-se em camadas, precisando ser
apreendidos e controlados para que a comunicação se efetive. Já na perspectiva do analista,
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além da necessidade de se captar o seu grau de abrangência, é preciso explicitá-lo, conferindo-
lhe um rótulo (label) adequado, de modo a recobrir a seqüência discursiva sob seu domínio. O
processo de explicitação do tópico é parte integrante da análise do discurso. A esse respeito,
veja-se o exemplo a seguir, em que destacamos um trecho da narrativa Perdida em Campo
Grande6 :
(08) antigamente no supermercado também armava presépio na época de Natal aí tavaeu, minha mãe, meu irmão, eu fiquei vendo a vitrine, vendo a vitrine... minhamãe chamou pra ir embora do supermercado mas eu não devo ter ouvido porqueeu tava entretida vendo a vitrine aí meu irmão foi com a minha mãe... quando euolhei não tinha ninguém conhecido perto, eu fui embora porque minha mãe foiembora eu vou embora pra casa também aí peguei o caminho de casa a pé, isso
sem chorar, tranqüila (...) (N2O-3F-API)
O trecho narrativo pode ser assim distribuído em tópicos e subtópicos.
TÓPICOS SUBTÓPICOS TEXTO
1
1
22
233
4
1
2
34
567
8
antigamente no supermercado também armava presépio naépoca de Natal
aí tava eu, minha mãe, meu irmão, eu fiquei vendo avitrine, vendo a vitrine
minha mãe chamou pra ir embora do supermercadomas eu não devo ter ouvido porque eu tava entretida vendo a
vitrineaí meu irmão foi com a minha mãequando eu olhei não tinha ninguém conhecido pertoeu fui embora porque minha mãe foi embora eu vou pra casa
tambéma í peguei o caminho de casa a pé, isso sem chorar, tranqüila
O trecho acima foi distribuído, no âmbito do texto/discurso, em quatro tópicos, com
seus respectivos subtópicos, que podem ser explicitamente nomeados, ou rotulados, como:
Tópico 1: ContextualizaçãoSubtópico 1: Localização espaço-temporal
Subtópico 2: Apresentação dos participantes
Tópico 2: Chamado não percebido
Subtópico 3: Chamado da mãe
Subtópico 4: Não percepção do chamado
6 As narrativas encontram-se em anexo, distribuídas aos pares, com a versão oral e a escrita do mesmoacontecimento.
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Subtópico 5: Ida da família
Tópico 3: Percepção do isolamento e saída
Subtópico 6: Ausência de conhecidos à vista
Subtópico 7: Saída do supermercado
Tópico 4: A caminho de casa
Subtópico 8: Modo de deslocamento
No âmbito da frase, há uma alternância de tópicos explícitos envolvendo, basicamente,
os participantes do acontecimento: 'eu', 'minha mãe', 'meu irmão'.
Resumindo, pode-se dizer que o tópico é uma categoria discursiva que se manifesta
simultaneamente nos planos hierárquico (vertical) e linear (horizontal) do discurso. Temostópicos e subtópicos que no nível semântico-discursivo sintetizam fragmentos de discurso,
como temos também tópicos que no nível sintático-discursivo funcionam como pistas
lingüísticas que orientam a (re)constituição dos tópicos semântico-discursivos. Os dois níveis
se imbricam numa inter-relação permanente, já que o que é dito projeta-se necessariamente no
como é dito.
O interesse central desta tese consiste em investigar o tópico que se manifesta no
âmbito do texto/discurso, ou seja, o tópico semântico-discursivo. Como este tópico não
costuma aparecer diretamente explicitado no texto, o ponto de partida para sua depreensão,
identificação e análise é a codificação morfossintática que o concretiza no discurso. Assim,
trabalharemos lado a lado a função discursiva e a forma que lhe dá sustentação. O que justifica
a abordagem sintático-semântica-discursiva do fenômeno.
Delimitado, em termos gerais, nosso objeto de estudo, passemos às questões que
direcionam a pesquisa.
2.3 Principais questões e hipóteses
Do exposto nas seções anteriores, emergem as seguintes questões básicas7:
7 Nossas questões, de certa maneira, reativam problemas já apontados por outros lingüistas, como por exemploGivón (1983), que ao focalizar a continuidade no discurso a partir da implicação: Tema > Ação >Tópicos/Participantes, considera o 'tema' (assunto) como a entidade mais nebulosa das três, daí sua expectativa deque seja a mais fracamente codificada. Callou, Omena e Paredes da Silva (1991) indagam sobre os critériosdisponíveis para se aferir as divisões estruturais do discurso, ou mais precisamente as unidades intermediáriasentre a frase e o discurso como um todo, e mencionam que temos problemas que vão desde a definição do tópico
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(1) Como se organiza o tópico semântico-discursivo na narrativa?
(2) Como se constitui a narrativa?
(3) Em que aspectos há diferenças relevantes na organização do tópico semântico-
discursivo entre a narrativa oral e a escrita?
As hipóteses que norteiam a investigação são formuladas a seguir.
Hipótese geral: a organização do tópico no discurso narrativo se processa num domínio
funcional complexo, envolvendo motivações cognitivas, comunicativas e estruturais
Esta hipótese geral desdobra-se nas seguintes sub-hipóteses:
(1) O tópico se organiza na narrativa a partir de um esquema cognitivo que orienta a
distribuição hierarquizada das informações num plano semântico-discursivo, concretizadolinearmente num plano sintático-discursivo. Assim temos a seguinte correlação:
esquemas mentais <---> organização hierarquizada
organização linearizada <---> codificação sintática
(2) A narrativa constitui-se de unidades que se situam em planos distintos:
a) num plano semântico-cognitivo (baseado na percepção e armazenamento de fatos), a
narrativa é constituída por episódios e eventos;
b) num plano semântico-discursivo (baseado na organização da informação no
discurso), a narrativa é constituída por tópicos e subtópicos;
c) num plano sintático-discursivo (baseado na concretização da codificação
lingüística), a narrativa é constituída por unidades de codificação.
A narrativa pode ser representada pela seguinte configuração hierárquica:
NARRATIVA
EPISÓDIO1 EPISÓDIO2 ... EPISÓDIOn
EVENTO1... EVENTOn EVENTO1...EVENTOn EVENTO1 ... EVENTOn
UCE UCE UCE UCE UCE UCE
<...> <...> <...> <...> <...> <...>
e subtópicos discursivos (vistos numa perspectiva semântica) até o estabelecimento de sua relação com marcasformais (p.20). Votre (1992b), ao falar das tarefas em lingüística funcional, expõe a necessidade de se concentrara atenção nos processos de ordenação sintática em diferentes níveis, entre os quais, ordenação de episódios eeventos (p.59).
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Donde temos a seguinte correlação:
tópico <---> episódio
subtópico <---> evento
(3) Não há diferenças relevantes entre fala e escrita no que se refere ao plano
semântico. Há diferenças entre os dois canais no plano sintático8.
A proposta desta tese é responder às questões colocadas, procurando evidências que
validem as respostas provisórias formuladas em termos de hipóteses, e explicando o fenômeno
estudado com base nos princípios cognitivos da iconicidade e da marcação e em princípios
gerais de organização do discurso.Os princípios, as propriedades e as categorias de análise que servem de apoio à
pesquisa são apresentados no capítulo a seguir.
8 A sintaxe é entendida aqui em seu sentido alargado de sintaxe discursiva que engloba todos os níveisgramaticais implicados na codificação lingüística.
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II BASE TEÓRICA E METODOLÓGICA
0 Introdução
Ao elegermos como campo de estudo a língua em uso, estamos pressupondo a presença
de interlocutores numa situação dialógica; adicionalmente, ao caracterizarmos nosso objeto de
investigação como um fenômeno semântico-discursivo que é captado a partir da codificação
lingüística, estamos pressupondo, de um lado, o envolvimento de aspectos cognitivos como a
percepção interpretativa dos fatos, o armazenamento e a ativação desses elementos na
memória; e de outro lado, o envolvimento de aspectos discursivos e gramaticais presentes nacodificação. Logo, precisamos de uma base teórica que considere a interação dos três planos:
cognitivo, comunicativo/discursivo e estrutural.
A interação desses planos é contemplada no quadro teórico do funcionalismo
lingüístico, especialmente em Givón (1990; 1991) que a sintetiza na formulação e explicação
dos princípios gerais da iconicidade e da marcação. É encontrada, com ênfase ora num ora
noutro plano, na explanação de propriedades discursivas como informatividade (cf. Chafe,
1976; Prince, 1981; DuBois, 1987; Gorski, 1985 e 1991; Almeida, 1991, entre outros); planos
(cf. principalmente Hopper, 1979; Silveira, 1990); transitividade (cf. Hopper & Thompson,
1980; McCleary, 1982; Slobin, 1982; Silveira, 1990, entre outros); e topicidade (cf. Givón,
1983; 1990; 1993). É encontrada ainda na referência à ativação de frames e de esquemas
culturalmente condicionados que orientam a organização hierarquizada do conhecimento e das
informações no discurso (cf. Chafe, 1977; van Dijk & Kintsch, 1983; Givón, 1990;1993). Tais
frames e esquemas interagem com mecanismos de processamento das informações que
envolvem o foco da atenção (cf. Chafe, 1980; Tomlin, 1987) e a busca da informação na
memória (cf. Givón, 1990;1993), e com mecanismos de codificação (como sintaxe de
referência, conexão sintático-discursiva, ordenação vocabular, embalagem da informação e
integração sintática) na construção do modelo de discurso que subjaz ao texto produzido.
O poder explicativo dos princípios e das propriedades funcionalistas em geral tem
mostrado sua pertinência em inúmeros estudos que investigam a língua em situações reais de
comunicação (conforme referências do parágrafo anterior, entre outras).
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30
1 Princípios, propriedades e categorias funcionalistas
Nesta seção, são apresentados os fundamentos teóricos da tese, acompanhados de
algumas considerações de ordem crítica ou analítica quando julgado necessário. Apoiamo-nos
nos princípios básicos do funcionalismo (Givón 1990; 1991), bem como em algumas
propriedades discursivas e categorias operacionais de análise que se têm mostrado relevantes
nas pesquisas lingüísticas de orientação funcionalista. À medida que julgarmos pertinente ao
nosso trabalho, iremos inserindo sínteses de estudos que se utilizam das propriedades ou
categorias em foco, bem como do poder explanatório dos princípios em questão.
A apresentação, em uma seção à parte, dos princípios que fundamentam a pesquisa edas propriedades básicas da organização do discurso, tem o caráter metodológico de organizar
internamente a tese, facilitando referências posteriores e evitando que se tenha que explicitar
cada conceito à medida que for mencionado no decorrer da análise. Esses princípios,
propriedades e categorias são explicitados a seguir.
1.1 Princípios funcionalistas
Dois são os princípios formulados por Givón: princípio da iconicidade e princípio da
marcação. Vejamos como o autor os concebe e enuncia.
1.1.1 Princípio da iconicidade
O funcionalismo adota um princípio idealizado que está formulado em termos de que
existe, na gramática da língua, uma correlação de um-para-um e uma conexão não-arbitrária
entre forma e função (Givón, 1991a: 01).Para Givón, todavia, esta correlação idealizada, de um-para-um, entre forma (código) e
significado (o que é codificado) é super-estendida. Primeiro, porque a polissemia e a
homonímia são comuns na linguagem, em contraste com a sinonímia, que é rara. Segundo,
porque a iconicidade do código lingüístico está sujeita a pressões diacrônicas que levam tanto
ao desgaste do código por atrito fonológico (provocando neutralizações), quanto à alteração da
mensagem por elaboração criativa (originando expansões de sentido). (1991b:106)
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31
O autor acaba defendendo a idéia de que a sintaxe da linguagem humana não é
totalmente arbitrária, mas resultante da interação entre princípios mais icônicos e mais
simbólicos de codificação sintática. Não obstante, ele considera que há uma forte tendência
para o código ser icônico. (1990: 965; 1991a: 01; 1991b:106) Dessa maneira, Givón opõe-se
ao estruturalismo dominante neste século até o início da década de 70 e especialmente a
Chomsky que, ao estabelecer uma nítida distinção entre a faculdade humana inata para a
linguagem e o sistema de comunicação animal, associa a linguagem humana à arbitrariedade
estrutural e a comunicação animal à iconicidade (p. 86).
Nesse sentido, vale a observação de Votre (1992: 44) de que
o exame de qualquer fragmento de codificação lingüística, na análise dequalquer domínio funcional, vai revelar muito cedo ao analista que o princípio da relação de um-para-um entre forma e função, bem como ossubprincípios que o manifestam, é um suporte fecundo para a busca dasregularidades de codificação, mas se revela radical demais, porque as pressões estruturais, decorrentes de freqüência de uso, também atuam poderosamente na regularização.
Nesta linha de pensamento enquadra-se DuBois (1984; 1987), ao considerar a
gramática como um sistema adaptativo, parcialmente autônomo e parcialmente motivado por
pressões externas. O autor rejeita tanto a concepção que denomina de "estruturalismo
autônomo" (em que as forças que organizam a linguagem são internas ao sistema), quanto a
concepção de um "funcionalismo transparente" (em que os fatos sintáticos aparentemente
autônomos são resultados transparentes de metas comunicativas do falante), considerando o
fenômeno da gramaticalização como uma evolução de construções relativamente livres no
discurso, cuja forma idiossincrática é motivada pelos eventos de fala, para construções
relativamente fixas na gramática, vistas como arbitrárias. Daí considerar a interação de
influências internas (sistema gramatical) e externas (discursivas) gerando "motivações em
competição".
Conforme já mencionado, Givón considera que a gramática é construída a partir de um
número relativamente pequeno de princípios icônicos cognitivamente transparentes que, em
cada domínio gramatical, combinam-se com convenções estruturais aparentemente mais
arbitrárias (1991b:87). Esses princípios são descritos a seguir.
(I) Princípio da quantidade
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Este princípio pode ser formulado como:
(a) “Uma fatia maior de informação receberá uma fatia maior de codificação"
(b) "Informação menos previsível receberá mais material de codificação"
(c) "Informação mais importante receberá mais material de codificação.
A base cognitiva do princípio da quantidade deve ser buscada especialmente em áreas
da atenção e esforço mental. Esse princípio está refletido, por exemplo, na forma de
codificação dos referentes que apresenta a seguinte gradação: SN pleno > pronome > anáfora
zero.
(II) Princípio da proximidade
(a) "Entidades que estão mais próximas funcional, conceptual ou cognitivamente serãocolocadas mais próximas no nível da codificação, i.e., temporal ou espacialmente"
(b) "Operadores serão colocados mais próximos, temporal ou espacialmente no nível
da codificação, da unidade conceptual para a qual forem mais relevantes". (p.89)
Com relação à base cognitiva do princípio da proximidade, supõe-se que se a ativação
de um conceito desencadeia a ativação de outros conceitos estreitamente relacionados, segue-
se que codificar conceitos com contigüidade temporal deve garantir processamento mais
rápido devido à ação da memória associativa. Como exemplo da atuação desse princípio,
temos o grau de integração de complementos oracionais com suas orações principais.
(III) Princípios da ordem seqüencial
Há dois princípios envolvidos aqui:
A) Princípio semântico da ordem linear (cf. enunciado por Haiman, 1980 e mantido
por Givón):
(a) "A ordem das orações no discurso coerente tenderá a corresponder à ordem
temporal de ocorrência dos eventos descritos" (p.92)
A motivação cognitiva deste princípio é a mesma do anterior, ou seja, é mais fácilassociar entidades mentais que devem ser estreitamente associadas, se elas forem codificadas
com estreita proximidade temporal. Este princípio reflete-se, por exemplo, na codificação de
cláusulas que representam causa > efeito.
O segundo princípio envolve o uso pragmático da ordenação vocabular para indicar
topicidade de referentes em termos de importância ou acessibilidade.
B) Princípio pragmático da ordem linear :
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(a) "Informação mais importante ou urgente tende a ser colocada primeiro no fluxo"
(b) "Informação menos acessível ou menos previsível tende a ser colocada primeiro no
fluxo". (p.93)
A importância e a acessibilidade têm sido consideradas por Givón (1990:764 e 902;
1993:182) como dois subcomponentes da topicidade: o primeiro definido em termos
catafóricos (referente importante permanece no discurso) e o segundo, em termos anafóricos
(referente anteriormente mencionado é mais acessível).
O autor considera que cognitivamente a informação importante e imprevisível
demanda mais atenção. Sendo o elemento inicial do fluxo discursivo o que controla mais
atenção e o que é mais bem memorizado, segue-se que a posição inicial é a natural paracodificar informação importante e imprevisível. Entre outros exemplos, o autor menciona a
colocação inicial de SN pleno indefinido, ou importante, em línguas com ordem vocabular
flexível. (1991b:94)
Seguem-se algumas considerações a respeito dos princípios da ordem seqüencial e suas
implicações, a partir de resultados de estudos feitos em português.
O princípio semântico da ordem linear prevê que a ordem das orações tende a
corresponder à ordem temporal da ocorrência dos eventos. Tal previsão foi fortemente
ratificada por Paiva (1991) em estudo variacionista sobre a ordenação das cláusulas causais
em português, em dados da amostra CENSO, do Projeto NURC-Rio de Janeiro e de gravações
informais.
Investigando fatores semânticos no âmbito da cláusula, a autora constata que
a tendência à anteposição de cláusulas causais de evento pode ser atribuída àforma de codificação de eventos: se um evento X é causa de um evento Yele é representado lingüisticamente na ordem em que se pressupõe a sua
ocorrência: o evento causa anteriormente ao evento efeito. Neste sentido, podemos falar na atuação de um princípio da iconicidade atuando sobre arepresentação lingüística da relação causa-efeito. (p.108)
Entretanto, considerando também fatores de ordem discursiva como continuidade do
tópico e status informacional, Paiva verifica que há uma tendência para que a ordenação das
cláusulas causais se processe de forma a manter o tópico do discurso. Cláusulas causais são
preferencialmente antepostas quando possuem o tópico idêntico ao da cláusula anterior,
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aumentando a probabilidade de posposição quando a cláusula efeito é que possui tópico
contínuo. (p.95)
Com relação ao status informacional da cláusula, a autora constata que a segunda
posição do enunciado é normalmente preenchida pela informação nova; assim, se a causa
constitui a informação nova ocupará esta posição. Paiva conclui que "a ordenação das
cláusulas causais sofre restrições impostas pela forma como a informação se distribui no
discurso", e que "a organização linear dos enunciados causais reflete um princípio mais geral,
segundo o qual os elementos lingüísticos comunicativamente mais dinâmicos ocorrem na
segunda posição e os que são mais temáticos introduzem os enunciados" (p.87). Dessa
maneira, afirma a autora que "as ordenações causa-efeito e efeito-causa são realizaçõesdiferentes do mesmo princípio de organização discursiva" (ibidem).
Os resultados de Paiva mostram que os fatores discursivos interagem e reforçam-se
mutuamente: continuidade do referente tópico implica manutenção de informação velha em
primeira posição na cláusula, estabelecendo cadeia tópica; e cláusula cujo status informacional
é velho tende a ocupar a primeira posição no enunciado, independentemente de sua função
semântica. Por outro lado, os fatores semânticos correspondentes à ordenação temporal dos
eventos também atuam na ordenação lingüística das cláusulas, favorecendo a ordem causa >
efeito. Vemos, então, que fatores semânticos e discursivos atuam como forças distintas
parecendo gerar o que DuBois denomina de "motivações em competição".
O estudo de Paiva apresenta evidências para a atuação do princípio semântico da
ordem linear, mas fornece também resultados que mostram a força de pressões discursivas na
codificação lingüística. Aparentemente nem o princípio semântico nem o pragmático da ordem
linear (conforme formulados por Givón) dão conta dessas pressões. Voltamos a este ponto em
seguida.
Estudando as condições de entrada do referente em narrativas orais de informantescariocas9, Gorski (1985 e 1991) constata, com relação ao padrão de introdução de referentes
novos no discurso, que a informação nova entra regularmente em posição e função de objeto
na narrativa. Se o referente desempenhar o papel de agente nos eventos e for retomado como
tópico contínuo, ele é primeiramente apresentado em posição pós verbal como sujeito
posposto de verbo intransitivo, ou como objeto de ter existencial. Nesses dois últimos casos o
9 Os dados analisados fazem parte do corpus Gorski & Fernandes, CNPq/UFRJ, 1983.
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fio narrativo tende a ser interrompido, a apresentação é feita e a narrativa segue sua
seqüência10.
Esses achados a respeito da posição preferida para introdução de informação nova, no
que se refere ao status dos referentes, foram corroborados por Paiva (1991) no âmbito da
cláusula. Assim, tanto os referentes (no nível da estrutura argumental) como as cláusulas (no
nível do enunciado complexo), tendem a vir em posição final quando novos. A posição inicial
é reservada à informação velha, sendo que no caso dos referentes temos freqüentemente
continuidade de tópico. Nesse caso, os fatores que atuam na distribuição da informação são
nitidamente discursivos.
O próprio Givón (1993), exemplificando os mecanismos de codificação de tópicosimportantes com dados do inglês, mostra que construções de sujeito indefinido em orações
existenciais apresentativas e em orações iniciadas por locativos, seguem a ordem VS (p.207-
8):
(01) There once lived a king in a faraway land...
(02) On top of the house was a small zoo...
Retomando o princípio pragmático da ordem linear, vemos que sua formulação implica
as idéias de importância e acessibilidade, em termos de que informações importantes e
imprevisíveis tendem a vir primeiro no fluxo do discurso. Conforme já visto, Givón
exemplifica a atuação deste princípio com a anteposição de SN pleno indefinido tido como
informação importante e imprevisível. Ora, o português é uma língua que apresenta uma certa
flexibilidade na ordenação vocabular, portanto enquadra-se no tipo descrito pelo autor como
passível de antepor SN indefinido, dando conta assim do princípio pragmático da ordem
linear. Entretanto, conforme verificado em análises com dados do português falado, a
informação nova, logo imprevisível e importante (quando retomada), tende a vir por último no
fluxo do discurso. O padrão discursivo de introdução de informação nova e o princípio pragmático parece entrarem em conflito.
Acresce-se a isso o fato de o autor falar em tendências ao enunciar o princípio dizendo
que informações mais importantes e menos acessíveis tendem a ser colocadas primeiro no
fluxo. Esta formulação parece entrar em choque com as próprias idéias de Givón quando este,
10 Cf. também DuBois, 1987:817-29 e Votre & Naro, 1986:466-69.
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em trabalho anterior, afirma que o tópico contínuo, freqüentemente codificado como zero ou
pronome, é o caso estrutural, distribucional e cognitivamente não marcado, enquanto que um
tópico na forma de SN pleno é marcado (pouco freqüente), uma vez que um referente tópico
importante aciona uma série de mudanças cognitivas no processamento da informação
(1990:961).
Na formulação do princípio pragmático da ordem linear Givón não leva em conta as
características discursivas, notadamente as estratégias de embalagem da informação nova.
Acreditamos que uma formulação adequada do princípio deva considerar o padrão de
regularidade discursiva quanto à introdução de informação nova, prevendo-se, no entanto, a
possibilidade de construção cognitiva e estruturalmente marcada, que neste caso traz ainformação importante para o início do fluxo discursivo.
Isso posto, parece ser relevante que se considere, a par de motivações semântico-
cognitivas que refletem o princípio da iconicidade – tanto no que se refere à ordenação
temporal de eventos, como à ordenação com base na relevância, importância ou saliência
atribuída a certos elementos através de construções marcadas – também motivações
discursivas que refletem princípios de distribuição das informações no discurso. Essa
necessidade fica evidente no estudo de Paiva acerca de cláusulas de causa > efeito, que mostra
fatores de natureza distinta competindo na ordenação linear.
1.1.2 Princípio da marcação
Numa perspectiva funcional, a noção de marcação envolve uma relação sistemática
entre complexidade estrutural e cognitiva. Givón considera a marcação como "meta-
iconicidade" e assim enuncia o princípio meta-icônico da marcação: "categorias que são
cognitivamente marcadas – i.e., complexas – tendem a ser também estruturalmente marcadas"(1991b:106).
Segundo o autor, a marcação não é absoluta, mas dependente de contexto, de modo que
uma estrutura, que num contexto é marcada, pode não ser em outro. Três critérios básicos são
apresentados por Givón para se trabalhar a marcação (1990:947-8):
(a) Complexidade estrutural – a estrutura marcada tende a ser mais complexa (ou
maior) do que a não-marcada.
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(b) Distribuição de freqüência – a categoria marcada tende a ser menos freqüente do
que a não-marcada.
(c) Complexidade cognitiva – a categoria marcada tende a ser cognitivamente mais
complexa, em termos de demandar maior atenção, mais esforço mental e tempo de
processamento, do que a não-marcada.
1.2 Propriedades funcionalistas e categorias operacionais de análise
Apresentamos, nesta seção, as principais propriedades que caracterizam
funcionalmente um discurso organizado: informatividade, topicidade, planos e transitividade.Tais propriedades têm correlatos básicos em termos de categorias analíticas, conforme é
explicitado em seguida. Essas propriedades e categorias são direta ou indiretamente referidas
no decorrer da tese.
PROPRIEDADES CATEGORIAS OPERACIONAIS
Informatividade status informacional, sintaxe de referência,ordenação
Topicidade organização de tópicos/subtópicos,
continuidade/descontinuidade,sintaxe de referência, ordenação
Planos figura/fundo
Transitividade complexo de traços sintático-semânticos
As propriedades funcionalistas apontadas se manifestam concretamente na codificação
gramatical, via sintaxe funcional, que opera, entre outras, com as categorias apresentadas.
Tanto as propriedades quanto as categorias que as viabilizam são orientadas pelos princípios
gerais da iconicidade e da marcação. Temos, assim, uma hierarquia implicacional: princípios > propriedades > categorias analíticas.
As propriedades funcionalistas podem ser caracterizadas como se segue.
1.2.1 Informatividade
Concordamos com Votre (1992:24) em que
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o fundamento cognitivo da informatividade parece-nos evidente, uma vez
que em tese nos comunicamos para informar nosso interlocutor sobrealguma coisa, que pode ser algo do mundo externo, do nosso próprio mundointerior, ou algum tipo de manipulação que pretendemos exercer sobre esseinterlocutor.[...] em certo sentido, todas as seis funções de Jakobsonencaixam-se numa macrofunção informativa.[...] A informatividade semanifesta em todos os níveis da codificação lingüística, e diz respeito,sempre, ao que os interlocutores sabem ou supõem que compartilham, e aoque criam e recriam via interação.
Essa propriedade se manifesta discursivamente mediante estratégias de codificação que
envolvem a ordenação dos elementos na frase, a sintaxe de referência e a embalagem da
informação, dando conta do status novo, velho ou inferível (com respectivas subdivisões) da
mesma.
Uma taxonomia detalhada do status da informação dos referentes foi proposta por
Prince (1981), reformulada por Gorski (1985; 1991) e revisada por Almeida (1991). Os
referentes são distribuídos numa escala de familiaridade pressuposta assim hierarquizada, do
maior ao menor teor de novidade da informação:
novo-em-folha > novo ancorado > disponível > inferível > dado textualdecorrente > dado textual anafórico > dado situacional.
Um importante trabalho centrado na informatividade foi desenvolvido por DuBois
(1987), estudando a língua Sacapultec. O autor estabelece uma correlação isomórfica, icônica,
entre padrão gramatical de ergatividade e fluxo da informação, argumentando que o primeiro
deriva da gramaticalização de padrões recorrentes no discurso. Aponta para uma "estrutura de
argumento preferida" ( preferred argument structure) cujas características principais são: a) a
informação nova é introduzida na forma de sintagma nominal pleno como objeto de verbos
transitivos (O) ou sujeito de intransitivos (S); b) cada estrutura argumental tende a conter
apenas uma informação nova, portanto apenas um sintagma nominal pleno; c) a informaçãovelha tende a aparecer na forma de pronome ou de anáfora zero, como sujeito de verbo
transitivo (A).(p. 817-29).
O autor mostra uma correlação forte entre o status pragmático e o gramatical das
restrições para a estrutura argumental, já que a um argumento novo corresponde um
argumento na forma de SN pleno, e a um argumento velho corresponde um pronome ou
anáfora zero (p.829). Evidencia ainda, no decorrer de sua exposição, que a dimensão
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discursivo-pragmática (responsável pela distribuição da informação nova em O/S) compete
com a dimensão semântica (responsável pela continuidade do tópico agente e humano que
associa A/S), e formula a hipótese de que há duas motivações competitivas, independentes,
operando simultaneamente (p.842-5).
1.2.2 Topicidade
Esta é uma das propriedades fundamentais da organização geral do discurso,
responsável pela estruturação da informação em tópicos e subtópicos, cujo controle sustenta a
informatividade do discurso numa situação comunicativa.Em nossa abordagem a topicidade situa-se no mesmo nível da informatividade, dos
planos e da transitividade – todas caracterizadas como propriedades funcionais, que têm, como
correlatas, uma série de categorias operacionais de análise. Tal proposta difere em parte da
distinção feita por Votre (1992) entre "categorias essencialmente funcionais" (informatividade,
contrastividade, plano e transitividade) e "discursivo-estruturais" (topicidade, definição e
continuidade) – estas últimas consideradas pelo autor como situadas a meio caminho entre as
funções propriamente ditas e a estrutura.
Esta propriedade será retomada e discutida no decorrer da tese.
1.2.3 Planos
O fundamento desta propriedade provém da Gestalt . Koffka (1936/1975) descreve o
plano ambiental como sendo duplamente organizado: com um plano de relevo (figura) onde se
destacam alguns elementos percebidos como mais salientes; e um plano de moldura (fundo),
caracterizado como neutro em relação ao primeiro. Há uma dependência funcional entre figurae fundo, na medida em que a figura depende do fundo que lhe serve de suporte.
Hopper (1979), analisando narrativas do malaio, constata a existência desses dois planos
distintos e complementares no discurso, que se caracterizam como segue: figura – onde são
relatados os eventos pertencentes ao esquema estrutural da narrativa através de orações que
representam iconicamente a seqüência de ações; fundo – onde os eventos, coocorrentes com
os do primeiro plano, são codificados em orações descritivas, explicativas ou avaliativas
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(normalmente subordinadas) que funcionam como a poio adicional à seqüência de ações do
"esqueleto" narrativo (p.214-6). A figura contém eventos dinâmicos, cujas ações são pontuais,
de aspecto perfectivo, em oposição ao fundo, onde predominam situações estáticas e
descritivas, cujos verbos denotam aspecto imperfectivo.
Givón (1987) chama a atenção para o caráter dinâmico da produção do texto,
destacando que uma oração considerada como figura num ponto do discurso pode tornar-se
fundo em outro ponto; assim, a determinação do que é figura ou fundo no discurso real deve
ser relativa a um ponto particular no discurso (p.176). O autor propõe ainda que se deixe de
analisar a categoria como binária e se passe a considerá-la como escalar.
Silveira (1990) retoma e redefine a dicotomia figura/fundo, propondo uma hierarquiade "fundidade", e Louzada (1992: comunicação pessoal) também amplia a dicotomia,
propondo uma escala de "figuridade".
Esta distinção entre os planos será retomada no capítulo 3, ao tratarmos da
seqüencialidade na narrativa.
1.2.4 Transitividade
Segundo Hopper & Thompson (1980), a transitividade é um universal lingüístico
determinado discursivamente, que se refere à transferência de uma ação de um agente para um
paciente. Esta propriedade se manifesta no discurso num continuum que envolve um
complexo de dez traços sintático-semânticos, relativos aos participantes do evento e a
características associadas ao verbo no que se refere, basicamente, a aspecto e modo. Os traços
são listados a seguir:
Quanto aos participantes:
- número de participantes (agente e objeto)- volitividade (grau de intencionalidade do agente)
- agentividade (grau de atividade do agente)
- afetamento do objeto (grau de impacto sofrido)
- individuação do objeto (grau de definição/ identificação)
Quanto à ação:
- cinese (ação/estado)
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- aspecto (grau de completude da ação ou telicidade)
- punctualidade (grau de duração da ação)
Quanto à caracterização do fato:
- polaridade (afirmação/negação do fato)
- modalidade (realis/irrealis)
Os autores pontuam binariamente cada traço e consideram que o grau máximo de
transitividade ocorre quando os dez traços estão marcados positivamente, caracterizando a
oração transitiva canônica que: envolve dois participantes, reporta um evento cinético, é
punctual e perfectiva, tem paciente/objeto individuado e afetado, tem sujeito agente e
intencional, é afirmativa e 'realis'. O extremo da escala, com todos os traços negativos,corresponde ao grau zero de transitividade.
Hopper & Thompson associam transitividade a uma função discursiva/ comunicativa,
de modo que o maior ou menor grau de transitividade da oração reflete a maneira como o
falante estrutura seu discurso com fins comunicativos. Ao operacionalizarem o complexo de
traços sintático-semânticos que caracterizam a transitividade, os autores correlacionam a alta
taxa de transitividade à figura, atribuindo uma importância maior às informações contidas
neste plano. Propõem, então, que figura seja associada à seqüencialidade e à importância na
narrativa.11
Alguns estudos foram realizados a partir da proposta acima, dentre os quais destacam-
se os de Kalmár e McCleary, sumarizados a seguir.
Kalmár (1982), analisando narrativas folclóricas tchecas, investiga a correlação entre
transitividade e figura, considerando esta última em seu duplo aspecto de assinalar a
seqüencialidade e a importância de eventos. O autor conclui que a correlação mantém-se mais
forte entre transitividade e seqüencialidade (um dos aspectos da figura) do que entre
transitividade e figura como um todo (ou seja, envolvendo seqüencialidade e importância)(p.242). Ele propõe algumas revisões importantes de ordem operacional, situando, por
exemplo, os discursos direto e indireto em figura, e não separando orações subordinadas da
principal neste mesmo plano (p. 249).
11 Silveira (1990) propõe uma redistribuição eneária dos traços do complexo funcional da transitividade, eassocia transitividade e figura na definição de 'relevância'.
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McCleary (1982), explorando os mesmos parâmetros na análise de uma narrativa em
português12, também confirma a relação entre transitividade e seqüencialidade, e rejeita a
correlação entre orações seqüenciais e importantes na narrativa. Ambos os estudos corroboram
o fato de que orações seqüenciais são altamente transitivas, e que orações consideradas
importantes não o são. Portanto, só é possível correlacionar transitividade e figura se esta
última for caracterizada somente pelo traço da seqüencialidade temporal (e não da
importância).
O aspecto mais relevante do trabalho de McCleary parece-nos, todavia, ser o seguinte.
O autor distingue duas funções no discurso: a) uma função comunicativa – responsável pela
organização interna do discurso); e b) uma função cognitiva – responsável pela organização einterpretação do mundo exterior. E, diferentemente de Hopper & Thompson que consideram a
transitividade como uma propriedade determinada pelo discurso, McCleary desloca a
transitividade do domínio discursivo para o domínio cognitivo, associando-a a traços da
situação percebida como evento causal prototípico (p.68-70). Dessa forma, a transitividade
assume, em princípio, uma função cognitiva relacionada à forma de percepção de um evento e,
em segundo plano, reflete-se na organização do discurso através de traços sintático-semânticos
que se manifestam na codificação do evento percebido.
Este aspecto cognitivo da transitividade também é explorado por Slobin (1982), ao
afirmar que os eventos prototípicos mais salientes correspondem a eventos transitivos, ou seja,
eventos onde um agente animado causa intencionalmente uma mudança física e perceptível no
estado ou locação de um paciente por meio de um contato físico direto. Segundo o autor, estes
eventos são consistentemente gramaticalizados pela criança por volta dos dois anos, o que
evidencia o status especial conferido às orações transitivas nas fases iniciais do
desenvolvimento gramatical, em decorrência da saliência cognitiva dos eventos
percebidos.(p.411)Da mesma forma para De Lancey (1987), a interpretação de qualquer enunciado
baseia-se no contexto do mundo real, sendo mais fácil explicar o fenômeno discursivo em
termos de um modelo semântico prototípico do que explicar os fatos semânticos em termos de
uma teoria discursiva da transitividade. Para o autor, os parâmetros de transitividade codificam
aspectos de um protótipo semântico que é reflexo de um esquema cognitivo subjacente.
12 Cap. 1 de Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
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Segundo ele, a associação estabelecida entre transitividade e figura no discurso explica-se pelo
fato de que a primeira reflete a saliência cognitiva do evento codificado. (p.54-5)
O que se destaca nitidamente, na maioria dos estudos acima mencionados, é a
inclinação para deslocar a transitividade do plano discursivo para o plano cognitivo. Tal
propriedade pode ser vista como tendo sua origem na percepção de eventos mais ou menos
prototípicos que passam a ser codificados como mais ou menos transitivos. Nessa ótica, não é
a oração que é transitiva, mas o evento percebido. A transitividade é atribuída ao discurso
porque é nele que se manifesta. Eis um bom exemplo para ilustrar a atuação do princípio da
iconicidade.
* * * Nessa apresentação dos princípios e propriedades da organização discursiva,
esperamos ter tornado evidente, por um lado, a inter-relação que existe entre os aspectos
cognitivos e comunicativos inerentes a cada princípio ou propriedade; por outro lado, a
correlação entre certas propriedades (por exemplo, entre transitividade e planos; entre
informatividade e topicidade). Outro aspecto que ressalta é que as propriedades, apesar de
independentes, imbricam-se umas nas outras de modo que o conjunto todo atua
simultaneamente na organização do discurso, tornando-se difícil investigar uma sem referir as
demais. Daí a importância da presente seção, como suporte teórico para o desenvolvimento da
tese.
2 A noção de modelo de discurso
Consideramos, de acordo com Goffman (1974), que o propósito de uma narrativa seja
o de recriar, na mente do ouvinte, algo similar à representação mental que o falante tenha de
um acontecimento. Admitimos, também, que as narrativas "não são discursos estáticos,unidades pré-embaladas de experiência composta de eventos discretos"; assim, os falantes, ao
reportarem suas experiências, "não codificam simplesmente um conjunto pré-determinado de
eventos em seqüência temporal", mas podem variar as formas de relato dos eventos,
apresentando, por exemplo, alguns como mais ou menos proeminentes do que outros (cf.
Szatrowski, 1987:421).
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A liberdade de que o falante dispõe para reportar acontecimentos passados é, todavia,
relativa. Pawley (1987:330), discutindo a relação existente entre a língua e a estruturação da
experiência, menciona que o que é reportado como um evento é o resultado de um complexo
de variáveis, dentre as quais cita: fenômenos físicos e impressões sensoriais cuja interpretação
é influenciada pelos hábitos e expectativas do falante, limitações de memória afetando a
recordação, e padrões estruturados que interferem na percepção inicial e na memorização do
que aconteceu.
Da mesma forma que o falante goza de uma liberdade relativa ao relatar
acontecimentos experienciados, as interpretações atribuídas pelos ouvintes ao relato podem
também variar, em função de diferentes fatores. A margem de flutuação, entretanto, é tal quenão chega a interferir no processo comunicativo, que se efetiva se falante e ouvinte
construírem representações mentais similares dos eventos.
Os aspectos levantados nesse início de seção levam-nos a formular a seguinte questão:
como falante e ouvinte constroem o discurso narrativo?
Para tentar responder à pergunta, selecionamos e apresentamos, inicialmente, algumas
contribuições julgadas relevantes a respeito de modelos cognitivos de processamento e,
posteriormente, apresentamos uma proposta teórica de construção de modelo de discurso, a
qual resgata alguns elementos dos modelos apontados e incorpora outros.
2.1 Modelos cognitivos: algumas contribuições
De acordo com van Dijk (1988), as primeiras teorias do processamento cognitivo do
discurso admitiam que os usuários da língua constróem uma representação textual, definida
em termos de conceitos e proposições, na memória de episódios. Posteriormente, foi
introduzida a noção de modelo na teoria cognitiva da linguagem e passou-se a admitir que"adicionalmente à representação mental do texto, os usuários da língua constroem um modelo
da situação (MS) sobre a qual o discurso versa" (p.160).
Segundo o autor, tal modelo de situação, armazenado na memória episódica, é
construído com utilização de informações de dois tipos: derivadas da representação textual, e
de frames – constituídos pela padronização de modelos de situação. A recorrência de eventos
num mesmo contexto sócio-cultural e comunicativo leva os usuários da língua a padronizarem
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seus modelos de situação em forma de conhecimentos prototípicos mais gerais, abstratos e
descontextualizados – os frames –, que são armazenados na memória semântica (ou social, ou
permanente). No processamento de textos temos, então, representação textual, frames e
modelos de situações. (p.162) Assim, considerando a perspectiva do ouvinte,
quando os usuários da língua reproduzem informação sobre o que ouviramou leram antes, usualmente não têm mais acesso à maioria das RT(representações textuais) originais. De fato, estas RT servem apenas paracriar o modelo. Na verdade, as pessoas recordam o modelo, e reproduzeminformação derivada dele. (p.165)
Introduzindo também a perspectiva do falante na proposta de van Dijk, pode-se dizerque o que o autor propõe é basicamente o seguinte: fatos percebidos (vivenciados, ouvidos ou
lidos) são armazenados na memória episódica em forma de modelos de situações, mais ou
menos específicas. Tais modelos são construídos a partir da associação entre os elementos
lingüísticos (no caso de fatos lidos ou ouvidos), ou os fatos vivenciados (no caso de
experiências não verbais), e as informações culturalmente compartilhadas que estão
armazenadas na memória semântica em forma de frames. Teríamos então, num primeiro
plano, os fatos reais e, num segundo plano, a representação da percepção desses fatos em
forma de modelos de situação. O texto/discurso teria duas funções: para o falante,
concretizaria verbalmente um modelo de situação subjacente; para o ouvinte, seria um recurso
detonador para a construção de um modelo da situação sobre a qual o discurso estaria
versando.
A idéia de modelo de situação apresentada por van Dijk, a nosso ver, é insuficiente
para dar conta do caráter dinâmico e criativo associado ao discurso enquanto processo. A
nossa proposta é de introduzir ainda a noção de 'modelo de discurso', situando-a num ponto
intermediário entre o modelo de situação e o texto/discurso produzido. Antes, porém, faremosuma revisão de alguns modelos cognitivos de processamento do discurso, apresentados por
diferentes autores, que servirão de base para nossa proposta. Limitar-nos-emos, nesta seção, a
apresentar as idéias de cada autor que julgamos relevantes para o nosso estudo.
O modelo de van Dijk & Kintsch
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Van Dijk & Kintsch (1983) propõem um modelo de processamento de discurso
baseado em pressupostos cognitivos e contextuais, assim caracterizados (p.13-21):
Pressupostos cognitivos – a) tanto o experienciador de um acontecimento, quanto
aquele que ouve o relato, interpretam o acontecimento e constroem uma representação na
memória com base em informações perceptuais e lingüísticas, respectivamente; b) a
compreensão e o processamento das informações ocorrem de forma gradual e flexível, de
modo que o experienciador e o ouvinte vão atribuindo significados e estabelecendo relações
entre as informações antes mesmo de processá-las e armazená-las por completo; c) a
compreensão implica não só o processamento e interpretação de informações exteriores, mas
também a ativação e uso de informações internas e cognitivas relativas a: experiências prévias,conhecimentos mais gerais, crenças, opiniões, motivações específicas, expectativas, etc.
Pressupostos contextuais – a) as dimensões sociais do discurso interagem com as
dimensões cognitivas, de modo que os usuários constróem uma representação interativa do
texto e do contexto; b) o ouvinte constrói, também, uma representação dos possíveis atos de
fala envolvidos, atribuindo uma função específica ao enunciado, ao falante e ao processo
interacional.
O modelo compõe-se de estratégias dos seguintes tipos (p.27-34): a) proposicionais –
as proposições são construídas com base no significado da palavra e nas estruturas sintáticas
das orações; b) de coerência local – o usuário procura possíveis ligações entre elementos
correferenciais, conetivos, modo de ordenação, etc. (pressupõe-se que os usuários estabeleçam
a coerência o mais rápido e eficazmente possível, sem ter que esperar pelo processamento
completo das orações); c) macroestratégias – inferem macroproposições, são flexíveis e
permitem previsões a partir de títulos, palavras temáticas, informações contextuais, etc.; d)
estratégias esquemáticas – correspondem a formas globais, convencionais e culturalmente
variáveis, que organizam o conteúdo global do texto. (O esquema narrativo das histórias, porexemplo, contém categorias convencionais como 'situação', 'complicação' e 'resolução'); e)
estratégias de produção – o locutor constrói uma macroestrutura, enquanto plano semântico do
discurso, executando-a, simultaneamente, através de estruturas de superfície que funcionam
como inputs controladores.
Destacamos como idéias relevantes dessa proposta: o caráter interpretativo associado à
percepção do acontecimento e sua representação na memória; o caráter gradual e flexível do
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processamento das informações textuais e contextuais, com associação de elementos externos
e cognitivos; a busca da coerência através de previsões e do estabelecimento de conexões entre
os elementos textuais; os esquemas como formas globais e convencionais de organização
discursiva; e a construção simultânea dos planos semântico e sintático do discurso.
O modelo de Scliar-Cabral
Scliar-Cabral (1991) propõe um modelo com três sistemas, cujos módulos operam
integradamente: a) o sistema periférico – diretamente associado ao contexto situacional; b) o
sistema executivo central – onde os módulos da recepção e da produção elaboram modelos
mentais; c) o arquivo – em cujo componente cognitivo há um conjunto de esquemas que possibilitam a compreensão/interpretação de textos bem como o planejamento do discurso, e a
memória episódica, que permite a conversão do conhecimento de experiências em narrativas.
O modelo caracteriza-se por ser: a) integrado: não dissocia, no arquivo, a recepção da
produção; b) contextual: o emissor e o receptor dividem um mesmo contexto espaço-temporal;
c) interativo: não prevê uma só direção, o que permite ajustes permanentes; d) dinâmico: deve
dar conta de processos que se dão no tempo real, continuamente modificados por mudanças
externas e internas; e) criativo: deve dar conta da sensibilidade do ser humano a contextos
novos, da capacidade de reportatividade, e da capacidade de entender e produzir mensagens
novas (p.123-8).
Nessa proposta, destacamos como pontos relevantes: a noção de esquemas que
possibilitam ao falante/ouvinte o planejamento, a compreensão e a interpretação do discurso; o
caráter integrado, contextual, interativo, dinâmico e criativo do modelo de processamento do
discurso.
O modelo de Chafe Segundo Chafe (1980), as pessoas têm disponível uma grande quantidade de
conhecimento, provindo de diversas fontes: da percepção, da memória e da afetividade
(emoções, sentimentos e atitudes associadas ao que é percebido e lembrado). Dessas
informações, apenas uma pequena quantidade é ativada por vez, de modo que podemos dizer
que estamos "prestando atenção a ela", ou "conscientes de". A consciência, por sua vez, tem
as seguintes propriedades: uma capacidade e uma duração limitadas; um movimento não
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contínuo, mas em 'saltos', através do fluxo de informações disponíveis; um foco central e uma
periferia, com graus máximo e mínimo de ativação (i.e., num dado momento, uma pequena
quantidade de informação é maximamente ativada, enquanto outras informações permanecem
fora do foco da atenção, embora o indivíduo esteja consciente delas). (p.11-12)
O autor formula a hipótese de que os processos relativos ao modo como a informação é
obtida no contexto circundante, como é focalizada pela consciência durante a recordação e
como é verbalizada, são guiados por um único mecanismo executivo que determina o que está
em foco, por quanto tempo e em que seqüência. Os focos são considerados como partes do
esquema geral que está sendo comunicado passo a passo, e suas funções têm a ver com: a) a
interação pessoal entre o falante e sua audiência (ex.: 'OK'); b) o próprio processo derecordação (ex.: 'deixe-me ver'); c) a narrativa com introdução de personagens e seu
envolvimento em estados e eventos (ex.: 'havia outros três garotos parados ali'); d)
comentários avaliativos (ex.: 'as cores eram muito estranhas'). Algumas vezes, mais de um
foco narrativo é combinado num foco único, como ocorre no exemplo: 'e um menino vem
andando de bicicleta' em que se combinam a introdução de um personagem e seu
envolvimento num evento durativo (p.16-19).
Além do foco de consciência e da memória como um todo (tidos como unidades
cognitivas), Chafe propõe um tipo de unidade intermediária: o centro de interesse, associando-
o à idéia de "imagem mental". Enquanto os focos de consciência são representados por
"unidades de idéia", normalmente constituídas pelo verbo e os SN a ele relacionados, os
centros de interesse são representados por sentenças cujo número de elementos e cuja
organização do conteúdo pelos indivíduos, ou por um mesmo indivíduo em momentos
diferentes, são altamente variáveis. Daí o autor postular que o foco de consciência é uma
unidade de processamento restringida por limitações de capacidade e de duração, ao passo que
o centro de interesse é resultante de decisões tomadas pelo falante durante o processo deverbalização, em função do conteúdo que o integra.
As noções de percepção, consciência, memória e recordação, conforme discutidas por
Chafe, são básicas para nossa proposta de modelo de discurso a ser apresentada na seção
seguinte. A noção de centro de interesse, por sua vez, é de fundamental importância na
caracterização das unidades semânticas da narrativa, no capítulo 4.
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2.2 Modelo de construção do discurso narrativo
A decisão de se considerarem motivações de ordem cognitiva, comunicativa, estrutural
e sócio-cultural como subjacentes ao discurso, conforme referido na delimitação do objeto de
estudo, implica a tarefa de se lançar mão de um modelo teórico suficientemente amplo e
flexível, para dar suporte ao processo de construção do discurso pelos participantes de uma
situação comunicativa.
Nos termos de Webber (1981), um dos objetivos do discurso é que um falante
comunique a um ouvinte um modelo que ele tenha de alguma situação; assim, o discurso
resultante é uma tentativa da parte do falante de orientar o ouvinte na síntese de um modelosimilar. O modelo é caracterizado como "um conjunto estruturado de entidades organizadas de
acordo com os papéis que desempenham umas em relação às outras, as relações em que se
incluem, etc" (p.283).
No caso específico do discurso narrativo, o ponto de partida para o falante é o estímulo
experienciado e percebido e o respectivo armazenamento na memória, para posterior ativação
no nível da consciência. Tal ativação permite a construção de um modelo de discurso que tem
como resultado final o texto produzido. O ponto de partida para o ouvinte é esse texto, cuja
codificação lingüística e cujo conteúdo orientá-lo-ão na construção de um modelo de discurso
similar ao do falante.
Partilhamos a hipótese formulada por Votre (1992:91) de que "na produção do discurso
oral autêntico observa-se uma tensão constante entre negligência e cooperação". No caso
específico de nosso corpus, porém, dadas as condições de coleta dos dados, acreditamos que a
cooperação seja mais forte do que a negligência. Assim, julgamos que a construção do modelo
de discurso seja um processo cooperativo que envolve 'negociação' de ambas as partes.
Trabalhamos com um modelo que opera na tensão entre a rigidez de padrões sócio-culturais e gramaticais e a flexibilidade associada a conhecimentos ainda não cristalizados, a
experiências individuais e à criatividade presente no processamento textual/discursivo uma
vez que esse processamento, na situação comunicativa, é nitidamente dependente de contexto.
Dessa forma, o modelo de discurso é não-determinístico, mas interpretativo e adaptável a
contextos comunicativos particulares.
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A noção de modelo de discurso, como etapa intermediária entre um modelo de situação
e o texto efetivamente produzido como verbalização da situação, parece-nos mais abrangente
do que o que van Dijk (1988) denomina de "representação textual", definida em termos de
conceitos e proposições, uma vez que o modelo de discurso incorpora elementos extra-
lingüísticos, prevendo-se que seja influenciado por fatores de diversas ordens, conforme será
visto a seguir.
2.2.1 A perspectiva do falante
Quatro processos básicos estão envolvidos na produção do discurso narrativo: a percepção, o armazenamento, a ativação e a verbalização de acontecimentos passados.
Segundo Chafe (1977:218), quando falamos sobre coisas que são recuperadas na
memória, ocorrem dois inputs na consciência: um através da percepção do estímulo, outro
através da ativação (recordação) do estímulo que foi percebido, interpretado e armazenado na
memória (em forma de um modelo da situação). Chafe considera que a percepção dos eventos
envolve um processo interpretativo, influenciado por fatores como saliência e crenças
(resultantes de predisposições individuais ou de padrões culturalmente condicionados). Assim,
o indivíduo identifica alguns elementos ou fatos como sendo mais salientes do que outros e, ao
reportar tais eventos, irá codificá-los lingüisticamente de modo a destacá-los.
A verbalização envolve, entre outras estratégias, o que Chafe denomina de "fatiamento
do conteúdo" (1977:220) (que está associado à idéia de centro de interesse (cf. 1980:26). O
processo de fatiamento do conteúdo é também interpretativo e não-arbitrário. A não-
arbitrariedade é resultante da influência de um complexo de fatores, dentre os quais destacam-
se os seguintes fatores cognitivos: a) a saliência associada à cena; b) frames – entendidos
como padrões culturalmente determinados devido à recorrência, que orientam a organizaçãodo conhecimento e auxiliam na interpretação da experiência; c) esquemas – vistos como
padrões que orientam estrutural e funcionalmente a distribuição das informações na
organização do discurso, contribuindo para que o usuário não só planeje e interprete, mas
também faça previsões a respeito do discurso.
Assume-se que, subjacentes aos processos de fatiamento de conteúdos, existam
esquemas discursivos que atuam, por um lado, garantindo a organização hierarquizada do
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discurso em tópicos e subtópicos e, por outro lado, fornecendo categorias funcionais
específicas de cada gênero como, por exemplo, a orientação, a complicação e a resolução no
gênero narrativo.
No caso de narrativas, dado o estímulo para o falante evocar experiências passadas, os
episódios podem ser lembrados como um todo, ou fragmentados, através de uma forma de
"recordação seletiva" (cf.van Dijk, 1988) que pode privilegiar, por exemplo, fatos agradáveis,
pessoas envolvidas (mas não pormenores de ação), ações (mas não os agentes), detalhes
descritivos apenas, impressões ou sensações vagas associadas a determinados fatos, e assim
por diante. Entretanto, estamos supondo que, dadas as condições da coleta de dados (em que o
informante dispõe de algum tempo para lembrar de uma experiência pessoal que queirarelatar), o acontecimento escolhido para ser relatado seja lembrado como um todo, passível de
ser hierarquicamente organizado.
Com base especialmente em Chafe, consideramos, então, que o armazenamento de
idéias de episódios/eventos na memória, em forma de modelos de situações, reflete uma
percepção interpretativa. Para que ocorra o processo de verbalização, os modelos são
lembrados (trazidos da memória para o foco da consciência), e organizados discursivamente.
Supõe-se que o falante inicialmente ative uma idéia global para, então, proceder a um
processamento hierarquizado de fatiamento desse conteúdo geral. Como é à medida que vai
fazendo o relato que o falante vai organizando e detalhando os episódios, situando os
participantes nos eventos, atribuindo-lhes papéis e estabelecendo relações entre eles, esse
processo é influenciado também por fatores de ordem comunicativa que atuam durante a
verbalização.
As etapas iniciais de percepção do estímulo e armazenamento na memória dizem
respeito apenas ao falante. Porém, as etapas de recordação (ativação da memória, trazendo o
input para o nível da consciência) e de verbalização envolvem os dois interlocutores: falante eouvinte. Mesmo no discurso narrativo, que supõe manutenção mais duradoura do turno, o
ouvinte entra no circuito comunicativo, pois ele é um dos ingredientes que participam do
processo de elaboração mental e verbal do falante. Como afirma Givón (1990:897): ocorre
uma interação entre as duas perspectivas – do falante e do ouvinte – de modo que cada um, em
acréscimo à sua própria perspectiva, também constrói, ou tenta construir, algum modelo da
perspectiva do outro.
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2.2.2 A perspectiva do ouvinte
Dado que o discurso é produzido numa situação interativa, o estímulo que dá origem à
recordação e verbalização de acontecimentos, por parte do falante, coloca o ouvinte no
circuito comunicativo. Enquanto o ponto de partida para o falante é a ativação da memória, o
ponto de partida para o ouvinte é o texto produzido pelo falante. Em ambas as perspectivas,
supõe-se que uma estrutura hierarquizada seja acionada e que seu preenchimento vá ocorrendo
à medida que o discurso vá fluindo. Para tornar a informação mais acessível ao ouvinte,
supõe-se que o falante tente codificar coerentemente o seu discurso. Um discurso coerente
implica, entre outros aspectos, recorrência de alguns elementos de modo a garantir acontinuidade referencial, temporal, locativa e de ação-evento (Givón 1990:896-7).
No que se refere ao processamento referencial, Givón (1990) considera que, do ponto
de vista do ouvinte, o discurso engloba dois aspectos importantes quanto ao tópico frasal
(p.902-03, 914-15, 938-41):
a) o acesso ao referente que está no foco da consciência, pela busca na memória
examinando contextos partilhados: deiticamente – através do modelo mental da situação de
fala; culturalmente – mediante busca no estoque de conhecimentos genéricos armazenados na
memória semântica permanente; e textualmente – pela procura no discurso precedente
armazenado na memória episódica. Em termos de status informacional, temos no primeiro
caso os referentes "situacionalmente dados", no segundo caso, os referentes "disponíveis" ou
"inferíveis", e no terceiro caso, os "textualmente dados" (cf. Prince 1981; Gorski, 1985 e
1991). Este aspecto está ligado, em termos gerais, à continuidade de um tópico que já foi
anteriormente introduzido, sendo portanto um processo anafórico. Mecanismos gramaticais
utilizados: pronome e anáfora zero (para menor distância referencial) e SN definido (para
maior distância referencial, ou para elementos pragmaticamente partilhados); b) a importância temática do referente que vai ser introduzido no modelo mental do
ouvinte, pela ativação da atenção nesse referente através de mecanismos de codificação que
operam como instruções de processamento mental. Quando um referente tópico é ativado,
serve como endereço (label ) do arquivo que vai receber e estocar a informação relativa a ele
na memória episódica. A ativação de um arquivo significa que ele está aberto para armazenar
informação; no discurso, a ativação contínua de um arquivo aberto corrente é tido como caso
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não marcado (default ). No processo de busca cognitiva de um referente pode-se então:
continuar a ativação do arquivo aberto corrente; ou terminá-la para ativar outro arquivo, seja
pela abertura de um arquivo novo ou pela reabertura de um já existente. É nesses dois últimos
casos que se define a importância temática do referente, o que se refletirá no grau de
persistência do mesmo no discurso (processo catafórico).
A instrução para continuar a ativação é dada por mecanismos sintáticos como anáfora
zero ou pronome anafórico (aspecto diretamente relacionado à continuidade do tópico à curta
distância referencial); o comando para abrir um novo arquivo é dado por SN indefinido (fato
relativo à introdução de novo referente tópico) e para reativar um arquivo existente, o
comando é dado por SN definido (caso relacionado à descontinuidade do tópico com retomadaà longa distância referencial, ou com introdução de referente partilhado situacional ou
culturalmente).
Segundo Givón (1993), se um referente é tematicamente importante, esta importância
pode ser marcada por mecanismos de codificação tais como: construções apresentativas que
introduzem SN indefinido (referente novo); construções com SN definido que envolvem
deslocamentos para a esquerda (com retomadas à longa distância) ou construções de foco
contrastivo (com retomadas à curta distância) (p.201-11). Tais referentes são integrados como
"nós temáticos importantes" na estrutura esquemática do discurso corrente (p.203).
Essa argumentação de Givón diz respeito à função do referente que é tópico sintático-
discursivo. Considerando, no entanto, a unidade global de referentes, ações e localização
espaço-temporal em termos de continuidade/descontinuidade, parece-nos possível ampliar o
domínio de abrangência dos procedimentos expostos nos parágrafos anteriores para o âmbito
do tópico semântico-discursivo. Dessa forma diríamos que a organização do tópico discursivo
envolve a ativação de arquivos (tópicos) sob cujo domínio se localizam outros arquivos
(subtópicos), configurando uma estrutura hierarquizada. Os tópicos semântico-discursivos sãomantidos por algum tempo desenvolvendo-se em subtópicos (ativação continuada de arquivo
aberto corrente), até que se passe para um novo tópico e assim sucessivamente (ativação de
novo arquivo), prevendo-se possíveis retornos a um tópico já abordado anteriormente
(reativação de arquivo). Neste último caso, teríamos uma aparente digressão, correspondente a
deslocamentos no plano linear da codificação, mas não no plano hierarquizado da organização
semântica, pois neste nível todas as informações acabam se acomodando em seus respectivos
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arquivos. Os tópicos/subtópicos não precisam ser denominados explicitamente, mas precisam
ser reconhecidos; eles funcionam como uma espécie de síntese de fatias de conteúdo e, nesse
sentido, identificam um arquivo, ou seja, assinalam o lugar de uma seqüência na organização
do discurso, permitindo ao ouvinte localizar a posição que eles ocupam no esquema
hierarquizado da narrativa.
A proposta de Givón acerca dos mecanismos de acesso ao referente e de importância
temática, bem como a expansão desses mecanismos para o nível semântico-discursivo da
organização do tópico, parece-nos adequada para dar conta dos procedimentos cognitivos
envolvidos no processamento das informações por parte do ouvinte. O acesso ao referente e a
atribuição de importância temática ao mesmo são aspectos cognitivos vinculados ao tópicoque se manifesta na frase (nível sintático-discursivo). A organização do tópico diz respeito à
apreensão dos tópicos e subtópicos que se manifestam no texto/discurso (nível semântico-
discursivo).
Do ponto de vista do analista, o mecanismo de explicitação do tópico semântico-
discursivo é semelhante ao processo de identificação do referente que é tópico frasal, no
sentido de que se procura saber sobre o que se fala. O que distingue os dois processos é o fato
de que enquanto o tópico referente é codificado na frase, portanto, concretamente visível ou
audível, o tópico semântico-discursivo não é explicitamente codificado, necessitando ser
depreendido e então nomeado.
O tratamento diferenciado dispensado a esses aspectos (acesso ao referente,
importância temática e organização do tópico) não implica que eles sejam independentes. Pelo
contrário, existe uma interdependência entre os planos linear e hierárquico, de modo que as
diferentes estratégias de codificação do tópico no nível da frase funcionam como pistas para
apreensão dos tópicos e subtópicos semântico-discursivos.
2.2.3 Representação e descrição do modelo
Para a representação do modelo de construção do discurso narrativo que propomos a
seguir, encontramos sustentação em Chafe (1977; 1980), Webber (1981), Van Dijk & Kintsch
(1983), Tomlin (1987), Van Dijk (1988), Scliar-Cabral (1991) e Givón (1984; 1990; 1991;
1993).
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FIGURA 01: Representação da construção do modelo de discurso narrativo
FALANTE:
OUVINTE:
Na perspectiva do falante, o estímulo corresponde à origem da experiência e chega ao
nível da consciência através da percepção (interpretação do estímulo), sendo estocado na
memória na forma de um modelo da situação. Ao lado de modelos, a memória armazena
informações tanto relativas a conhecimento lingüístico quanto relativas a esquemas e frames –
ambos refletindo aspectos padronizados de conhecimento, organizados em estruturas
ConsciênciaEstímulo
Memória
MODELODEDISCURSO
Estratégias decodificação
(sintaxe funcional)Texto
ConsciênciaTexto
Memória
MODELODEDISCURSO
Estratégias decodificação
(sintaxe funcional)
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cognitivas, devido à recorrência de fatos particulares em nossa experiência cotidiana.
Enquanto ativadas, essas informações permanecem no foco da consciência; se inativadas,
permanecem de algum modo guardadas na memória de longo termo.
No processo comunicativo (no caso específico das narrativas), o input que vem à
consciência sai da memória. A ativação mental do modelo da situação a ser relatada aciona um
modelo de discurso, traduzido em termos de um esquema estrutural e conceptual básico que
vai sendo preenchido à medida que o texto vai sendo produzido, mediante processos
interpretativos.
Na construção do modelo de discurso interferem fatores como: conhecimento
compartilhado, grau de empatia entre os interlocutores, previsão sobre o valor informacionaldos itens, frames, esquemas, grau de saliência associado à percepção de episódios e eventos,
intenções comunicativas e princípios de cooperação. O modelo de discurso se materializa
através de estratégias de codificação que são orientadas, em termos gerais, pelos princípios
cognitivos da iconicidade e da marcação, por esquemas discursivos que organizam as
informações em tópicos e subtópicos semânticos, por pressões discursivas que atuam no
controle do tópico frasal ((des)continuidade) e na distribuição da informação em função do
teor de novidade que lhe está associado, e por convenções gramaticais.
O modelo de discurso vai sendo construído num processo interativo entre a ativação
permanente da consciência (com buscas na memória) e a produção do texto. O texto é, por sua
vez, o ponto de partida para o ouvinte construir o seu modelo de discurso. As estratégias
lingüísticas usadas pelo falante sinalizam ao ouvinte o modo como ele poderá construir a sua
própria representação mental. Nesse sentido, é pertinente a definição que Prince dá para texto
como “um conjunto estruturado de instruções de um falante para um ouvinte sobre como
construir um modelo de discurso particular" (1981:235).
Na perspectiva do ouvinte, então, operações mentais específicas são acionadas pelosmecanismos gramaticais e discursivos presentes na codificação do texto e pelo conteúdo que
veiculam. Essas operações envolvem dois domínios cognitivos: ativação da atenção em
tópicos referentes e tópicos semântico-discursivos, e busca no estoque de memória, com vistas
à organização das informações.
Tudo se dá como se as buscas ocorressem na memória de curto termo (modelo mental
do contexto imediato); na memória episódica (onde o modelo de discurso projeta um modelo
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da situação a que o texto se refere); e na memória permanente (em que estão armazenados
frames semântico-culturais e esquemas discursivos). As buscas são detonadas e orientadas por
mecanismos de codificação lingüística (sintaxe funcional) que envolvem o modo de embalar a
informação no discurso. A ativação da atenção e as buscas na memória operam
interativamente na construção do modelo de discurso do ouvinte.
Em resumo, pode-se dizer que um modelo de discurso de base funcionalista tem as
seguintes características fundamentais: é interativo, no sentido de que opera em mão-dupla em
relação a falante ouvinte, modelo de discurso texto, e função forma
(mostrando "motivações em competição"); é adaptativo, ou seja, flexível e adaptável a
situações comunicativas particulares; é parcialmente determinístico quanto ao esquema básicoque pré-existe, porém dinâmico no sentido de que o esquema vai sendo preenchido aos
poucos; é criativo e interpretativo, já que dependente tanto de motivações internas ao
indivíduo, quanto de contexto (e as situações contextuais são múltiplas e variáveis); é
integrado, pois trata produção e recepção como um processo único (com as devidas
particularidades) de construção do discurso; é, por fim, estratégico, trabalhando com hipóteses
operacionais que vão sendo confirmadas ou rejeitadas durante o processamento das
informações.
* * *
O propósito da seção 2 foi de fornecer suporte teórico que permitisse alguma resposta à
questão: como falante e ouvinte constroem o discurso narrativo?
Acreditamos que a noção de modelo de discurso, como um processo de construção
subjacente ao texto produzido, responde satisfatoriamente à questão, e pode funcionar como
um instrumental teórico-metodológico adequado aos objetivos desta tese.
Parece-nos viável considerar que, paralelamente ao processo de padronização de
modelos de situação recorrentes em frames, ocorre também um processo de padronização demodelos de discurso recorrentes, em esquemas discursivos. E que tanto uns quanto outros
fazem parte do complexo de fatores cognitivos, comunicativos e culturais que influenciam a
organização, a produção e a interpretação do discurso. Esta é uma proposta inferencial no
sentido de que esperamos, no decorrer da tese, encontrar inferências (mais do que evidências)
da construção do modelo de discurso, ou da utilização de esquemas discursivos pelos usuários.
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3. Base metodológica
O nosso estudo está centrado em textos narrativos produzidos oralmente e por escrito
por falantes do português. Interessa-nos investigar a estratégia de organização do discurso em
tópicos e subtópicos, caracterizar e delimitar as unidades narrativas correlatas, estabelecer
correlações entre essas unidades e as construções gramaticais que as codificam, e, por fim,
comparar fala e escrita com base nesses aspectos.
Para realizar tal tarefa, inserimo-nos no panorama teórico do funcionalismo e servimo-
nos de uma metodologia híbrida com análise qualitativa e quantitativa dos dados. A seguir,
descrevemos e explicamos o corpus utilizado para a realização da pesquisa e a metodologiaempregada na análise dos dados.
3.1 Corpus
Nesta seção, falamos inicialmente a respeito do corpus Discurso & Gramática (D&G),
onde está inserida a amostra desta pesquisa. Descrevemos e explicamos a constituição do
corpus em termos de informantes e do tipo de material lingüístico coletado.
3.1.1 Constituição do corpus D&G
Os dados para realização deste trabalho fazem parte do corpus do Programa de Estudos
DISCURSO & GRAMÁTICA, que vem desenvolvendo o Projeto Integrado Características
do uso da fala e da escrita – Iconicidade. Este projeto está vinculado aos Programas de Pós-
Graduação da Faculdade de Letras/UFRJ e ao CNPq. É coordenado pelo professor Sebastião
Votre (UFRJ) e agrega pesquisadores do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, eRio Grande do Norte. As características básicas deste projeto são apresentadas a seguir.
A base teórica do projeto está centrada no princípio da iconicidade, que prevê uma
correlação idealizada de um para um entre forma e função; ou, numa versão mais fraca, que
denota que a estrutura deve refletir a função que desempenha, ou ser restringida por ela. O
projeto busca "identificar e integrar as motivações de natureza comunicativa e convencional
que configuram os diversos mecanismos de funcionamento da língua" e dar conta "da
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59
interação entre o princípio de iconicidade forte e as convenções estruturais arbitrárias como
determinantes das formas de ser das gramáticas". (Projeto D&G, 1992:10)
O corpus do projeto D&G constitui-se de textos produzidos por 220 informantes,
estudantes de escolas públicas e privadas, distribuídos pelas variáveis sociais: nível de
escolaridade, sexo e região geográfica. Os informantes são assim distribuídos, por módulos:
a) Nível de escolaridade:
Módulo 1: 44 alunos de classe de alfabetização;
Módulo 2: 44 alunos da 4ª série do I grau;
Módulo 3: 44 alunos da 8ª série do I grau;
Módulo 4: 44 alunos da 3ª série do II grau;Módulo 5: 44 alunos do último período do III grau.
b) Sexo: em cada um dos módulos, 50% dos informantes são do sexo masculino e os
outros 50%, do sexo feminino.
c) Região geográfica:
Região 1: Município do Rio de Janeiro
. Subregião 1: Regiões administrativas de I a IX;
. Subregião 2: Regiões administrativas de X a XIX.
Região 2: Juiz de Fora, Minas Gerais;
Região 3: Rio Grande, Rio Grande do Sul;
Região 4: Natal, Rio Grande do Norte.
Observações:
- foram selecionados alunos de CA em final de ano letivo, que já dominavam a escrita;
- para os informantes de 3º grau, impunha-se a condição de que não tivessem obtido
outro grau universitário antes;- quanto à faixa etária, procurou-se seguir o padrão de idade escolar regular;
- o nível sócio-econômico foi controlado indiretamente através do tipo de escola;
- quanto à região geográfica, controlam-se regiões polares, sob justificativa de que os
pesquisadores do projeto residem nos estados mencionados; e de que os fenômenos estudados
estão concentrados em aspectos sintáticos que, supostamente, apresentam diferenças regionais
irrelevantes. O material permitirá testar a hipótese da homogeneidade.
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60
A distribuição dos informantes por células é a seguinte:
Quadro 1: Distribuição dos informantes do corpus D&GREGIÃO
(origem demoradia)
ESCOLAS PÚBLICASCA 4ª 8ª 3ª ES
M F M F M F M F M F
ESCOLAS PRIVADASCA 4ª 8ª 3ª ES
M F M F M F M F M FRJ/Reg 1
RJ/Reg 2
MG/J. de F.
RS/R.G.
RN/ Natal
4 4 4 4 4 4 4 4 4 4
4 4 4 4 4 4 4 4 4 4
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
4 4 4 4 4 4 4 4 4 4
4 4 4 4 4 4 4 4 4 4
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
3.1.2 Caracterização do corpus D&G
O projeto dispõe de 2.200 textos (1.100 orais e 1.100 escritos), uma vez que o que
interessava da entrevista era a produção de cinco textos orais e cinco textos escritos, por
informante, conforme especificação que segue:
a) narrativas de experiências pessoais; b) narrativas recontadas;
c) textos descritivos;
d) relatos de procedimentos;
e) textos de opiniões.
Os informantes foram entrevistados por alunos bolsistas, previamente treinados para
realizar a coleta, considerando sempre a disposição dos possíveis informantes de participar do
trabalho, com vistas à obtenção de entrevistas mais produtivas. O roteiro da entrevista foi
estruturado de modo que o informante negociava com o entrevistador o melhor momento e
local para realizar a gravação e, posteriormente, a coleta escrita, e sabia, de antemão, os cinco
itens que iria abordar. O informante tinha um tempo para pensar sobre o que gostaria de falar
e, durante esse tempo, ia interagindo informalmente com o entrevistador.
Havia comandos básicos de coleta para garantir a diversidade de gêneros pretendida.
Por exemplo:
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61
- para narrativa de experiência pessoal: conte um fato (história) que tenha acontecido
com você e que tenha sido muito engraçado, ou muito triste, ou muito constrangedor...;
- para narrativa recontada: conte uma história (fato) que alguém tenha lhe contado e
que você tenha achado muito engraçada, ou muito triste, ou constrangedora...;
- para descrição: fale sobre o local onde você mais gosta de ficar, ou passear...;
- para relato de procedimentos: o que você sabe/ gosta de fazer?... como se faz isso?
- para opinião: o que você acha sobre... a escola; relacionamentos afetivos (amizade,
namoro...); pressões sociais (família, escola, igreja...); vocação; política interna do país... Ou:
fale sobre algo que lhe incomoda/ provoca/ agrada...
Esses comandos serviam de orientação para o entrevistador, para que ele pudesseavaliar, no decorrer da entrevista, se os cinco tipos de textos pretendidos haviam sido
produzidos. A ordenação dos tipos não era fixa, podendo variar de acordo com a disposição e
o interesse demonstrado pelo informante, que deveria ser captado pelo entrevistador e
estrategicamente explorado, no sentido de se obter o tipo de texto desejado.
A orientação dada aos entrevistadores era para que realizassem o mínimo de
interferências no momento em que o informante estivesse discorrendo de acordo com o gênero
textual pretendido. Objetivava-se, com isso, conseguir textos com unidade discursiva e não
fragmentados.
Foram utilizadas fichas de controle para registro de dados de identificação de cada
informante e dos textos produzidos, bem como um diário de campo onde foram registradas
informações relativas ao contexto da entrevista, tais como descrição do local e do tipo de
interação entrevistador/informante, ou outras observações julgadas relevantes.
O procedimento de coleta propriamente dita envolveu três etapas:
- 1º encontro: gravação de todos os tipos de texto;
- 2º encontro: registro escrito dos dois tipos de narrativas;- 3º encontro: registro escrito de descrição, procedimentos e opiniões.
A coleta do material escrito não deveria ser imediata, mas também não poderia
ultrapassar o intervalo de dez dias, a partir da gravação. Os informantes já sabiam que iriam
escrever sobre os mesmos temas relatados oralmente; mesmo assim, os entrevistadores foram
orientados para lembrar o assunto geral sobre o qual o informante havia falado, caso ele não se
recordasse do mesmo. O objetivo era conseguir de cada informante duas versões (falada e
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62
escrita) do mesmo tipo de discurso. A transcrição dos textos foi feita com base ortográfica,
sem preocupação com detalhes de ordem fonológica.
A distribuição dos textos pelos grupos de informantes está descrita no quadro que
segue.
Quadro 2: Distribuição dos textos do corpus D&G
REGIÃO(origem de
moradia)
ESCOLAS PÚBLICASCA 4ª 8ª 3ª ES
M F M F M F M F M F
ESCOLAS PRIVADASCA 4ª 8ª 3ª ES
M F M F M F M F M FRJ/Reg 1
RJ/Reg 2
MG/J. de F.
RS/R.G.
RN/ Natal
80 80 80 80 80 80 80 80 80 80
80 80 80 80 80 80 80 80 80 80
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
80 80 80 80 80 80 80 80 80 80
80 80 80 80 80 80 80 80 80 80
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
3.1.3 A amostra desta pesquisa
Interessam-nos, nesta pesquisa, as narrativas de experiências pessoais; portanto, os
textos produzidos a partir do primeiro comando de coleta referido anteriormente. O corpus
selecionado provém de dois corpora – um oral e outro escrito –, e consiste de 50 narrativas,
sendo 25 orais e 25 escritas, oriundas de 25 informantes cariocas.
O presente estudo inclui dados do projeto piloto que serviu de base para o
desenvolvimento desta investigação. Esses dados são provenientes de dez informantes
universitários do corpus Votre/91, que funcionou como uma amostragem do que seria o
corpus do projeto integrado. Foram, posteriormente, incorporados ao corpus D&G, por
mostrarem-se compatíveis em termos de orientação metodológica da coleta.
O quadro de distribuição dos informantes é o seguinte.
Quadro 3: Distribuição dos informantes da pesquisa no RJ
SEXO ESCOLARIDADE
3º grau 2º grau 1º grau Total
Masc.Fem.
78
23
23
1114
Total 15 5 5 25
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A distribuição desigual dos informantes por grau de escolaridade justifica-se pelo fato
de que 2º e 1º graus funcionariam, de início, como grupo de controle. Os resultados,
entretanto, mostraram diferenças irrelevantes e o grupo de controle foi incorporado
naturalmente aos demais informantes.
Como cada informante produziu uma versão oral e outra escrita do mesmo fato, 50
textos foram analisados.
Os informantes e seus respectivos textos foram identificados da seguinte maneira: foi
registrado o número da narrativa (N1), seguido do grau de escolaridade e sexo (3F) = 3º grau,
feminino, e da identificação do informante, pelas iniciais do nome (AMV). A relação dosinformantes, com as respectivas narrativas, é dada a seguir.
Quando da identificação dos exemplos, nos capítulos de análise dos dados, a indicação
do canal oral ou escrito é feita imediatamente após o número da narrativa: N1O= narrativa 1
oral; N1E= narrativa 1 escrita.
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Quadro 4: Relação dos informantes e das narrativas produzidas
INFORMANTES NARRATIVAS
N1-3F-AMV Travessura com a bicicleta
N2-3F-API Perdida em campo Grande
N3-3F-PAB Acidente na Rio-Manilha
N4-3F-IPS Perseguição na volta para casa
N5-3F-MAL Tombo do telhado
N6-3F-AMC Arroz a peso de ouro
N7-3F-AMP Troca de professor
N8-3F-MCB Momentos de angústia N9-3M-ACD Encontro no engarrafamento
N10-3M-AAM No banheiro delas
N11-3M-FRJ Jogo de bola com a árvore
N12-3M-CBG Assalto ao carro
N13-3M-JLN Encontro na porta do motel
N14-3M-DMM Batida no Rebouças
N15-3M-CRH Aventura no Sumaré N16-2F-CMP O curso de aprendizagem acelerativa
N17-2F-MRH Susto com os pombos
N18-2F-APA Incêndio no prédio
N19-2M-CSF O tíquete refeição
N20-2M-ANT Acidente no futebol
N21-8F-CGS Armadilha no banheiro
N22-8F-MIM Tratamento de convulsões
N23-8F-DGM Acidente na churrasqueira
N24-8F-RAF Sono interrompido
N25-8M-ANT A perda da prova
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65
3.2 Orientação metodológica da pesquisa
Reafirmamos o objetivo central desta tese como o de investigar uma das propriedades
gerais do discurso, que é a topicidade. Mais especificamente, como se organiza o tópico
semântico-discursivo na narrativa, considerando-se os dois canais de manifestação – fala e
escrita. Para tanto, é necessário que se lance mão de uma metodologia que possibilite o
tratamento do fenômeno em estudo considerando-se a ótica sob a qual é enfocado e suas
características sintático-semântico-discursivas. Uma metodologia que permita abordar o
fenômeno a partir de sua função para se chegar à forma em que se manifesta. Ou seja, que
permita averiguar a hipótese da correlação entre função e forma.Dada a natureza do fenômeno pesquisado, a função (tópico semântico-discursivo) só é
captada em sua manifestação na codificação lingüística, ou seja, na forma que lhe serve de
suporte. Assim, realiza-se um percurso interativo que vai da função à forma e desta novamente
à função:
função forma
Isso porque a organização do tópico que se dá no nível semântico-discursivo se
manifesta no nível sintático-discursivo, e a hipótese é de que este, por sua vez, deve refletiriconicamente aquele. Dessa forma, o percurso é bidirecional.
Os tipos de questões e hipóteses formuladas definem um tratamento qualitativo e
quantitativo dos dados. Inicialmente, através de um tratamento qualitativo, procura-se captar a
estrutura semântico-cognitiva organizada em episódios e eventos. Como o acesso a essa
estrutura se dá inferencialmente, nossa busca tem como ponto de partida o texto produzido; e
as estratégias de codificação utilizadas pelo falante aliadas ao conhecimento prévio do
interlocutor (analista) vão possibilitando o processamento das informações e a construção de
um modelo de discurso que tem subjacente o modelo da situação que foi relatada. Mediante
esse processo, os episódios e seus eventos constituintes vão se delineando e sendo
interpretativamente captados. Procede-se, então, a uma análise comparativa prévia em que se
coteja a versão oral e escrita de cada informante, para depreensão dos tópicos e subtópicos
semântico-discursivos correlacionados aos episódios e eventos. A partir daí, isolam-se as
unidades de análise, passando-se a examiná-las internamente com vistas a caracterizá-las e
descrevê-las em sua constituição. Esses dados passam a ser codificados e tratados
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66
quantitativamente, o que permite uma descrição mais acurada dos contextos de realização do
fenômeno, e propicia que se verifique até que ponto as funções investigadas espelham-se nas
formas de manifestação.
O processo, então, é o seguinte: parte-se do texto para a depreensão dos tópicos e
subtópicos semântico-discursivos; delimitam-se e transcrevem-se as seqüências discursivas
sob o domínio de cada um desses tópicos e subtópicos, as quais passam a se constituir em
contrapartes codificadas dos episódios e eventos; segmentam-se as seqüências discursivas em
unidades de codificação; caracterizam-se essas unidades com base em fatores sintáticos,
semânticos e discursivos; quantificam-se os dados codificados e, a partir dos resultados, se
delineia o perfil dos eventos e dos episódios na fala e na escrita.Quanto à análise quantitativa, o tratamento estatístico a ser dispensado aos dados dessa
pesquisa provém da metodologia da Teoria da Variação, cujos recursos envolvem a
identificação da variável dependente (conjunto de variantes sob análise) e de grupos de fatores
coocorrentes. Um detalhamento dessa teoria com aplicação a dados do português pode ser
encontrado em Mollica (1992;1989), Scherre (1988;1978), Paredes da Silva (1988), Naro et
alii (1984), entre outros. A utilização do instrumental metodológico da Teoria da Variação
(originariamente destinado a análises em nível fonológico) a pesquisas centradas em
fenômenos sintáticos e discursivos tem se intensificado nos últimos anos. Vejam-se, por
exemplo, os trabalhos de Braga (1986) sobre construções de tópico; de Paredes e Silva (1988)
abordando a expressão variável do sujeito; de Gryner (1990) tratando de orações condicionais;
de Paiva (1991) investigando forma e função de orações causais; e de Louzada (1992)
explorando as características das cláusulas que compõem o texto narrativo.
Dois requisitos devem ser cumpridos para que um fenômeno seja considerado variável:
manutenção do significado e possibilidade de ocorrência num mesmo contexto. No caso de se
estudar um fenômeno sintático, entretanto, é discutível a identificação do mesmo comovariável já que cada maneira de dizer remete a um sentido diferente, ou seja, a cada forma
corresponde uma função; além disso, muitas vezes construções supostamente variantes
apresentam-se, na verdade, em distribuição complementar. A rigor, casos que extrapolam o
campo da fonologia não poderiam ser sujeitos a tratamento variacionista. Alargando-se,
porém, a noção de 'mesmo significado' para 'mesmo valor verdade' ou 'mesmo significado
referencial', é possível que fenômenos sintáticos sejam considerados como regra variável e que
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fatores semânticos e discursivos sejam levantados e testados para averiguar sua força
condicionante ou determinante para o fato em questão.
Assim é que fatores discursivos como status informacional, continuidade do tópico,
distância referencial, paralelismo, grau de conexão de uma seqüência, entre outros, têm sido
examinados e têm se mostrado relevantes na caracterização de diferentes fenômenos sintático-
discursivos. É importante ressaltar que o tratamento quantitativo, nesse caso, propicia o
estabelecimento de correlações entre os fatores e a variável em foco, possibilitando que se
caracterizem os contextos associados a cada uma das variantes. Trabalha-se mais com a idéia
de correlações do que com a noção de condicionamento. Esse tipo de abordagem encontramos,
por exemplo, em Paiva (1991), Gryner (1990) e Braga (1986).O instrumental quantitativo da Teoria da Variação pode ser útil também em estudos de
fenômenos discursivos que não se configuram como regras variáveis, dando sustentação a
hipóteses qualitativamente investigadas, ou mesmo fornecendo elementos para a própria
caracterização do fenômeno em estudo. É com esse objetivo que Louzada (1992) se utiliza dos
pacotes estatísticos tipicamente usados em pesquisas variacionistas. E é com esse mesmo
intuito que será utilizado tal suporte estatístico nesta tese. A proposta de se tratar
quantitativamente os dados visa ao estabelecimento de correlações a partir de uma variável de
referência e de parâmetros que atuam interativamente, à avaliação da ação de diferentes
motivações na configuração do fenômeno investigado, e, basicamente, à ratificação de
resultados obtidos ou delineados no decorrer da análise qualitativa.
Em resumo, esta tese segue uma orientação teórica funcionalista (FUNC) e se utiliza
do aparato metodológico variacionista (TV). O interesse central de cada linha pode ser assim
sumarizado (Louzada e Gorski, 1993):
a) a TV busca fatores condicionantes de formas variáveis, no pressuposto de que o
significado se mantém; o FUNC lingüístico estrito considera que alterações da formaimplicam alterações do sentido pretendido pelo usuário, uma vez que representam diferentes
funções cognitivamente definidas;
b) a TV parte das formas buscando determinar seus contextos de uso e demonstrar a
inerência e sistematicidade da variação; o FUNC parte das funções e procura explicar suas
formas de codificação através de princípios gerais de base cognitiva e comunicativa;
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68
c) a TV analisa fatores lingüísticos e sociais condicionadores do fato investigado; o
FUNC estabelece correlações entre o fenômeno em estudo e fatores de natureza gramatical e
discursiva, podendo considerar também fatores sociais.
Atualmente, verifica-se uma tendência para associar FUNC/TV, segundo três
perspectivas:
a) a regra variável é interpretada de um ponto de vista formal: a alternância das
variantes não afeta o significado; consideram-se fatores lingüísticos, não-lingüísticos e, em
trabalhos recentes, discursivos (ex.: estudos de Scherre, 1988, sobre a concordância de número
em SNs);
b) a regra é variável do ponto de vista do significado referencial, mas entende-se quesua natureza é discursiva: a alternância das variantes resulta em diferentes interpretações da
comunicação intentada pelo falante; consideram-se fatores lingüísticos, não-lingüísticos e
discursivos, e o fenômeno é explicado através de princípios funcionalistas (ex.: estudos de
Paiva (1991) sobre a ordenação das causais);
c) o fato observado é puramente discursivo e não se comporta como regra variável: o
método variacionista é empregado pela adoção dos fatores sociais clássicos na identificação
dos informantes e na definição do corpus, o suporte quantitativo é uma ferramenta empregada
com a finalidade de melhor caracterizar o fenômeno sob análise, bem como de estabelecer
correlações entre ele e fatores de natureza diversa; a análise, porém, baseia-se numa proposta
teórica centrada nos princípios de iconicidade e marcação e em propriedades funcionais, de
caráter discursivo-pragmático, como informatividade, topicidade, plano e transitividade. (Ex.:
estudos de Louzada (1992) sobre a organização de textos, e proposta desta tese.)
3.3 Etapas da pesquisa
São descritas, a seguir, as etapas por que passou a presente pesquisa.
(a) Projeto piloto
Numa fase preliminar, foram analisadas vinte narrativas produzidas pelos dez
primeiros informantes listados no quadro 4. O exame foi feito aos pares, observando-se
paralelamente fala e escrita. À medida que se avançava nesse exercício prévio de análise, iam
sendo delimitadas questões norteadoras, formuladas hipóteses, delineados alguns critérios para
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69
definição e segmentação das unidades de análise e para explicitação dos tópicos e subtópicos
semântico-discursivos.
Como decorrência desse projeto piloto, foram levantadas as questões e postuladas as
hipóteses constantes do primeiro capítulo. As definições e critérios, inicialmente propostos
para análise, sofreram ajustes e passaram a ser utilizados como instrumental metodológico
para a pesquisa.
(b) Análise qualitativa
A formulação das duas primeiras hipóteses gerais, conforme apresentadas no capítulo
1, em termos de esquemas discursivos que implicam estruturação hierárquica e linear de
informações, e em termos de correlações entre tópicos e episódios, subtópicos e eventos,definiu o tratamento dos dados através de uma análise qualitativa.
Num processo artesanal, as narrativas foram distribuídas lado a lado, fala e escrita,
divididas em suas unidades constitutivas, com rotulação de tópicos e subtópicos e distribuição
paralela das unidades de codificação. Esse esquadrinhamento simultâneo das duas versões
facilitou a análise comparativa e auxiliou nas decisões tomadas no que se refere à delimitação
duvidosa de algumas unidades discursivas. Este procedimento foi efetuado nos vinte e cinco
pares de narrativas e, durante esse processo e a partir dele, efetuou-se uma análise
predominantemente qualitativa, objetivando-se encontrar pistas inferenciais para validação das
hipóteses. Tal procedimento analítico deu sustentação ao terceiro capítulo desta tese, em que
se responde aos dois primeiros problemas levantados no capítulo 1, quais sejam:
(1) Como se organiza o tópico semântico-discursivo na narrativa?
(2) Como se constitui a narrativa?
(c) Análise quantitativa
A análise quantitativa objetivou comparar fala com escrita e desenvolveu-se em duas
etapas: a) primeiramente prendeu-se ao nível de episódios e eventos – momento em que todosos tópicos e subtópicos identificados em cada narrativa foram cotejados nos dois canais, para
se verificar em que medida fala e escrita apresentam um comportamento similar no nível
semântico-discursivo; b) posteriormente os dados foram codificados de acordo com os
seguintes grupos de fatores sintáticos, semânticos e discursivos: conexão sintática das
unidades, sintaxe de referência, tipo de tópico frasal, papel semântico, papel discursivo e
complexidade estrutural, na tentativa de se descrever os contextos de ocorrência das unidades
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70
de codificação que abrem episódios e eventos e que os desenvolvem na narrativa oral e escrita.
Os dados foram então submetidas a tratamento estatístico, através da utilização do
pacote VARBRUL, versão de 1988. Os cálculos indicam freqüências, percentagens e pesos
relativos associados a cada fator, e mostram o nível de significância atribuído ao poder
condicionante de determinado fator para a aplicação ou não de uma dada regra. Esses
resultados permitem que se estabeleçam correlações entre os diferentes grupos de fatores que
interagem com determinada variável tomada como referência.
Nessa etapa da tese, interessa-nos basicamente a caracterização das unidades de
codificação, tendo em vista suas diferentes funções na narrativa falada e escrita. A partir
desses resultados, traça-se o perfil sintático-semântico-discursivo de episódios e eventos. Osresultados desta análise encontram-se no quarto capítulo, onde se procura responder ao
terceiro problema formulado quando da apresentação do objeto de estudo:
(3) Em que aspectos há diferenças relevantes na organização do tópico semântico-
discursivo entre a narrativa oral e a escrita?
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71
III A ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO NARRATIVO EM DIFERENTES
NÍVEIS
0 Introdução
No presente capítulo, propõe-se responder aos dois problemas básicos, inicialmente
levantados:
(1) Como se organiza o tópico semântico-discursivo na narrativa?
(2) Como se constitui o discurso narrativo?
Conforme mencionado no capítulo II, o falante, ao reportar experiências passadas, o
faz a partir da percepção e interpretação dos fatos arquivados na memória. O caráter
interpretativo da percepção deixa uma margem de liberdade ao falante para codificar suas
experiências. Entretanto, esta liberdade é relativa, pois o discurso narrativo, como resultante
da relação entre estruturação da experiência (envolvendo vivência, percepção interpretativa e
armazenamento) e mecanismos lingüísticos de codificação, é influenciado por um complexo
de fatores cognitivos, comunicativos e culturais. Dentre esses fatores, destacam-se:
a) limitações de memória interferindo na recordação dos fatos; b) a saliência associada à cena ou a seus participantes;
c) o contexto situacional, incluindo os interlocutores;
d) as pressões internas do processo discursivo, onde a seqüência textual precedente
motiva o que vem a seguir;
e) frames, entendidos como padrões culturalmente determinados, resultantes de
modelos de situação recorrentes, que orientam a organização do conhecimento e auxiliam na
interpretação da experiência;
f) esquemas discursivos, vistos como padrões decorrentes de modelos de discurso que
se regularizaram pela recorrência em contextos comunicativos de tipologia variada; tais
esquemas orientam de maneira funcionalmente estruturada a distribuição das informações na
organização do discurso e permitem que os usuários compartilhem expectativas e façam
previsões em relação à estruturação discursiva.
Esses esquemas de base estruturante atuam na distribuição hierarquizada e linearizada
da informação. No primeiro caso, orientam a organização do discurso em geral em tópicos e
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72
subtópicos – o que caracteriza a propriedade discursiva topicidade. No que se refere
especificamente à narrativa, propõe-se que essa propriedade geral correlaciona-se à estocagem
organizada de unidades de base semântico-cognitiva – os episódios e os eventos (percebidos
como ações/estados que se desenrolam integradamente num espaço e tempo determinados, e
cujos elementos estabelecem relações entre si). Assim, apesar de suas naturezas diferenciadas,
podemos estabelecer uma correlação entre unidades de base semântico-discursiva, quais
sejam, os tópicos e subtópicos, e unidades de base semântico-cognitiva, a saber, os episódios e
eventos. Nesse caso, motivações de natureza diversa se conjugam como funções estruturantes
no discurso narrativo, configurando um esquema hierarquizado.
No segundo caso (distribuição linearizada), os esquemas discursivos contêm categoriasconvencionais que orientam o desenvolvimento de cada gênero de discurso. Aqui podem ser
enquadradas as categorias labovianas: resumo (abstract ), orientação (orientation),
complicação (complicating action), avaliação (evaluation), resolução (result ou resolution) e
fechamento (coda). Estas partes têm as funções descritas a seguir (1972:363-71):
- resumo - situa os interlocutores criando expectativas em relação ao que vai ser
relatado; corresponde a uma possível resposta à pergunta: 'sobre o que é?';
- orientação - fornece o cenário onde se situam os acontecimentos, explicitando a
localização espaço-temporal, os participantes e suas atividades; corresponde a possíveis
respostas às perguntas: 'quem?', 'quando?', 'o quê?' 'onde?'. Pode coocorrer com o resumo;
- complicação - é onde se inicia a narrativa propriamente dita, e onde se desenrolam as
ações ordenadas seqüencialmente; responde basicamente a: 'então, o que aconteceu?'
- avaliação - indica a interferência do narrador interpretando ou justificando o relato,
expondo suas opiniões e seus sentimentos em relação ao sucedido;
- resolução - indica o término dos eventos da complicação;
- fechamento - assinala o final da narrativa, indicando um corte entre o fim da narrativae o momento presente do relato.
Uma revisão interessante dessa proposta de Labov foi efetuada por Louzada (1992).
Segundo o autor, as categorias responsáveis pela organização geral do texto são três: o resumo
(abstract ), a complicação e o fechamento (coda), constituindo um esquema seqüencial que,
grosso modo, corresponde ao começo, meio e fim da narrativa. Louzada reúne essas categorias
num nível de "estrutura de composição", que é diferente e complementar ao nível da "estrutura
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das funções discursivas", no qual se situam a orientação, a avaliação e a resolução – categorias
cuja função é de esclarecer o conteúdo das demais partes, podendo aparecer em qualquer uma
das partes da estrutura de composição (p.105-49).
No que se refere à distribuição linearizada da informação, pode-se dizer, então, que há
funções gerais, seqüencialmente estruturantes, que consistem nos três componentes
depreendidos por Louzada como composição da narrativa. E há funções específicas que são as
funções discursivas desempenhadas pelas cláusulas na narrativa.
Nosso interesse, no presente capítulo, está centrado nos esquemas discursivos que
orientam a organização hierarquizada da narrativa em tópicos e subtópicos, o que vale dizer,
em episódios e eventos.As hipóteses iniciais que norteiam a pesquisa são as seguintes:
1) O tópico se organiza na narrativa a partir de um esquema cognitivo que orienta a
distribuição hierarquizada das informações num plano semântico-discursivo,
concretizado linearmente num plano sintático-discursivo. Assim temos a seguinte
correlação:
esquemas mentais organização hierarquizada
organização linearizada codificação sintática
(2) A narrativa constitui-se de unidades que se situam em planos distintos:
a) num plano semântico-cognitivo (baseado na percepção e armazenamento de fatos), a
narrativa é constituída por episódios e eventos;
b) num plano semântico-discursivo (baseado na organização da informação no discurso), a
narrativa é constituída por tópicos e subtópicos;
c) num plano sintático-discursivo (baseado na concretização da codificação lingüística), a
narrativa é constituída por unidades de codificação.Donde temos a seguinte correlação:
tópico episódio
subtópico evento
Para efeitos metodológicos, não faremos distinção na análise entre os níveis cognitivo
e discursivo, denominando de episódios e eventos as unidades semânticas delimitadas a partir
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da análise das unidades de codificação. Os respectivos tópicos e subtópicos são então
depreendidos e nomeados para efeitos de identificação das unidades.
Em busca de fundamento empírico para as hipóteses acima, este capítulo tratará dos
seguintes aspectos: as unidades de análise; a explicitação de tópicos e subtópicos; a
organização de episódios e eventos, em que se enfoca a questão da seqüencialidade e o
estabelecimento de critérios para delimitação das unidades semânticas da narrativa; e a
organização das unidades de codificação, onde se caracterizam unidades simples e complexas,
e se discute a questão da integração sintático-semântica dessas unidades.
1 Definição das unidades de análise
Nossa proposta toma por base Chafe (1980), van Dijk (1982) e Tomlin (1987) no que
se refere à postulação das unidades semânticas de análise – episódio e evento. Em Van Dijk e
Tomlin buscamos elementos que reunimos para categorizar o episódio; em Chafe e Tomlin
encontramos elementos que relacionamos para categorizar o evento. Vejamos como esses
autores tratam essas unidades.
Van Dijk correlaciona episódio a parágrafo, caracterizando-os como
seqüências coerentes de sentenças de um discurso, lingüisticamentemarcadas quanto ao começo e/ou fim, e definidas, além disso, em termos dealgum tipo de 'unidade temática" – por exemplo, em termos dos mesmos participantes, tempo, lugar, ou evento ou ação global (1982:99).
O autor distingue episódio – enquanto unidade semântica com propriedades
lingüísticas e cognitivas, que apresenta "extensão ou escopo variáveis no discurso" –, de
parágrafo, como manifestação de superfície ou expressão do episódio (p.100 e 104). Segundo
ele, os episódios "podem ser o locus para estratégias de coerência local", como sintaxe de
referência e indicações implícitas de tempo e espaço, de modo que os usuários da língua "não
necessitam procurar pela informação relevante em toda a representação do discurso precedente
na memória, mas apenas na representação do episódio em curso" (p.117).
Tomlin (1987), explorando a relação entre a organização tópica do discurso narrativo e
a sintaxe de referência, trabalha com três unidades de análise: episódio, evento e proposição.
Sua concepção de episódio apresenta pontos de contato com a de van Dijk, na medida em que
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o episódio é definido como "uma unidade semântica na organização do discurso que consiste
num conjunto de proposições relacionadas governadas por uma macroproposição ou tema em
nível de parágrafo" (p.460).
Em termos gerais, ambos os autores definem o episódio como uma unidade semântica
representada por uma seqüência de sentenças/proposições agrupadas em um parágrafo
temático. E apresentam idéias complementares quanto à delimitação da unidade: enquanto
Tomlin caracteriza em termos cognitivos os limites do episódio associando-os à mudança do
foco da atenção no fluxo da informação, van Dijk coloca em relevo traços semântico-
discursivos ao relacionar o domínio do episódio à permanência de elementos como
participantes, tempo e espaço num mesmo cenário. Retomamos essas idéias ao apresentarmosnossa definição de episódio.
A noção de evento emerge dos exemplos que Tomlin apresenta. Vejamos o episódio
inicial de um discurso produzido a partir de um cartoon em vídeo (cf. p.478).
Exemplo (01) (tradução livre):
EPISÓDIO EVENTO PROPOSIÇÃO TEXTO
1
1
1
1
1
1
1
1
2
2
2
3
1
2
3
4
5
6
OK, há um peixe no oceano/
Isso é um cartoon/
E vem um caranguejo
e tenta pegá-lo com suas garras
e ele parece estar se esquivando
e agora desaparece/
Para Tomlin, o evento aparece como uma unidade intermediária entre o episódio e a
proposição. Vemos, na ilustração, um episódio constituído por três eventos com um número
variável de proposições por evento. Os respectivos tópicos e subtópicos são assim rotulados
pelo autor (p.467):
Episódio: 1. Aparecimento do peixe e do caranguejo e primeiro ataque
Eventos: 1. peixe aparece 2. caranguejo aparece e ataca peixe 3. caranguejo sozinho
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O autor trabalha com dados experimentais ( slides projetados) e elicitados (cartoon em
vídeo), determinando externamente os limites de episódios, através de cortes na projeção
correspondentes às mudanças no cenário da história.
Da mesma forma que Tomlin, Flashner (1987) também considera a constituição da
narrativa em episódios e eventos, ao analisar a des/continuidade do tópico e da ação no
discurso. Abreu (1992) adota uma concepção de episódio baseada em Tomlin e Van Dijk ao
analisar relatos orais e escritos produzidos a partir de projeção de slides que representam uma
Ida ao médico13. Ela investigou os possíveis condicionamentos para o uso de elementos
conjuntivos nos canais de fala e escrita (especialmente os elementos aí e e), entre os quais a
divisão da narrativa em episódios mostrou-se um fator altamente significativo.Os estudos mencionados mostram a operacionalidade das noções de episódio e evento,
embora apenas o primeiro tenha recebido um tratamento mais sistemático. Vamo-nos ater a
seguir à caracterização de evento. Para tanto, retomamos a concepção de Chafe a respeito do
que ele denomina de centros de interesse (cf. capítulo II).
Chafe (1980) propõe como unidades cognitivas o foco de consciência e o centro de
interesse. Enquanto os focos de consciência são representados lingüisticamente por unidades
de idéia, identificáveis com base em critérios relativos à entonação, a pausas e à estrutura
sintática (geralmente verbo e SNs a ele associados) (p.13-15), o centro de interesse
corresponde, grosso modo, a uma sentença (linguistic sentence) ou a uma sentença estendida
(extended sentence) constituída por uma seqüência de focos (p.36). Por exemplo (tradução
livre):
(02) a) O filme começou nessa cena bonita, b) era no campo,c) tinha carvalhos,d) parecia a costa oeste.e) Talvez não fosse.f) Mas tinha colinas e grama seca,g) um... e arbustos.
O centro de interesse ilustrado acima é constituído por sete unidades de idéia
correspondentes a focos de consciência, por três sentenças (limitadas pelos pontos) e por uma
sentença estendida que engloba toda a seqüência. Representa uma imagem mental coerente da
caracterização de uma cena. Um centro de interesse não é uma unidade de processamento de
13 Abreu (1992) utiliza-se do mesmo experimento usado por Silveira (1990) em sua tese de doutorado.
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informação, mas o resultado de julgamentos variáveis feitos durante o processo de
verbalização a respeito do conteúdo que o integra. Enquanto as unidades de idéia expressam
focos de consciência e são restringidas por limitações de processamento, as sentenças
expressam centros de interesse e são determinadas pelas próprias informações contidas em tais
centros (p.39-40).
De acordo com o autor, um centro de interesse pode representar a introdução de um
personagem com sua caracterização ou sua localização; a apresentação do cenário com seus
diferentes aspectos; uma série de ações encaminhadas para uma meta comum, e assim por
diante (p.26-27). Tais centros são lembrados como um todo, porém o foco de consciência vai
examinando as várias partes da informação nele contidas, num movimento ordenado de umfoco para outro potencialmente disponível na periferia.
Essa noção de centro de interesse parece ser compatível com a idéia de evento
apresentada por Tomlin. Considerando os eventos como sendo as partes integrantes de um
episódio, sob a denominação de evento podemos inserir ações/estados percebidos
integradamente num único centro de interesse.
Tanto os episódios como os eventos são unidades semânticas de origem cognitiva, às
quais o ouvinte/analista só tem acesso a partir da codificação lingüística. Diferentes unidades
lingüísticas têm sido propostas como unidades de análise: oração, sentença, cláusula, unidade
de idéia, entre outras. Que unidade adotar? A oração é uma categoria puramente sintática
definida e recortada em torno de um núcleo verbal; o rótulo de sentença costuma aparecer
vinculado a uma abordagem formal da língua; cláusula é uma unidade tida como discursiva,
mas da qual não se tem uma definição consensual; e a noção de unidade de idéia parece
restringir-se ao verbo e seus argumentos. Das categorias mencionadas, a que parece melhor se
adaptar aos nossos interesses é a cláusula. Todavia, dado o caráter polêmico desse rótulo que
vem sendo utilizado para designar diferentes entidades lingüísticas, ora delimitadas porcritérios sintáticos, ora por critérios discursivos, ora por critérios sintático-discursivos,
optamos por chamar simplesmente de "unidade de codificação" a seqüência lingüística que
tem a função de codificar o evento. A caracterização detalhada dessa unidade será feita no
desenrolar do capítulo.
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A abordagem da estrutura hierárquica da narrativa será feita, então, a partir das
seguintes unidades de análise: episódio, evento e unidade de codificação. A seguir, é definido
cada um desses termos, com base em critérios semântico-cognitivos, discursivos e sintáticos.
– Narrativa: relato de fatos (episódios/eventos) passados, armazenados e disponíveis
na memória.
– Episódio: unidade semântico-cognitiva correspondente a um cenário constituído por
um conjunto de eventos relacionados e discursivamente recobertos por um tópico semântico-
discursivo.
– Evento: unidade semântico-cognitiva que corresponde a um centro de interesse
contendo ações/estados com graus variáveis de integração, discursivamente recobertos por umsubtópico semântico-discursivo.
– Unidade de codificação: unidade sintático-discursiva de codificação lingüística do
evento, com graus variáveis de integração.
2 A explicitação de tópicos e subtópicos
Tópicos e subtópicos são categorias do plano semântico-discursivo e não costumam
aparecer explicitamente nomeados na narrativa. Dificilmente nos deparamos com uma
situação discursiva em que o falante anuncie: "agora vou falar sobre X, depois sobre Y e, por
fim, sobre Z", em se tratando de uma narrativa. Os fatos vão sendo relatados e o ouvinte vai
depreendendo X, Y e Z mesmo que o falante não enuncie explicitamente os tópicos
discursivos. Como se dá o reconhecimento de tópicos e de seus respectivos subtópicos pelos
usuários, se essas categorias não são diretamente explicitadas? É uma questão que merece ser
discutida.
Brown & Yule (1983:71) admitem que o tópico seja uma "paráfrase possível" de umaseqüência de enunciados. Van Dijk (1985:132) observa que não se deve dizer que um texto
"tem" tópicos, mas que tópicos são atribuídos ao texto pelos usuários (p.132). O tópico
semântico-discursivo é, na verdade, uma categoria abstrata, que só se concretiza se for
nomeado. E esta tarefa de atribuir um rótulo ao tópico cabe, via de regra, ao analista do
discurso.
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Do ponto de vista do falante, o tópico é derivado do modelo de discurso que dá origem
ao texto produzido; do ponto de vista do ouvinte, precisa ser captado e devidamente encaixado
na construção de seu próprio modelo. Uma vez identificado, o tópico passa a funcionar como
um eixo que orienta a organização e interpretação das seqüências discursivas sob seu domínio.
Nos termos de Givón (1990:914-5), os tópicos funcionam como rótulos de "nós de arquivos",
servindo para identificá-los e ativá-los durante o processo de busca na memória para
armazenamento adequado de informações.
Embora apenas o analista referencie explicitamente os tópicos, a identificação dos
mesmos é feita também pelos interlocutores do processo comunicativo (considerando-se que
identificação ou reconhecimento não implicam necessariamente nomeação explícita). No casodo falante, o processo hierarquizado de fatiamento do conteúdo relatado implica controle do
tópico nos diversos níveis, o que se evidencia no modo de codificação das informações,
ordenadas em camadas e situadas em pontos estratégicos sob o domínio de determinados
tópicos que as recobrem. O ouvinte também deve deter esse controle, já que ele é capaz de
armazenar adequadamente as informações em arquivos diferentes e estrategicamente
localizados de acordo com a mudança de tópico no discurso. O mecanismo de controle do
tópico é o que garante a estocagem adequada das informações e, portanto, o que assegura a
comunicação.
Já o analista, partindo do texto produzido, precisa reconhecer, identificar e nomear os
arquivos, de modo que o rótulo atribuído seja abrangente o suficiente para abrigar as
informações relativas a cada tópico.
Por conseguinte, mesmo que apenas o analista se utilize do recurso de denominar os
tópicos, nossa hipótese é que estes são identificados, ou identificáveis, pelos interlocutores, já
que estes, em situações adequadas de comunicação, detêm o controle do tópico discursivo na
medida em que vão inserindo tópicos e subtópicos na organização hierarquizada do discursonarrativo.
O mecanismo de explicitação de tópicos e subtópicos é um auxiliar produtivo na tarefa
de segmentação do discurso em suas partes constitutivas. A esse respeito, vejam-se os
exemplos seguintes que contêm duas versões da mesma narrativa oral, com seus tópicos e
subtópicos respectivamente delimitados e nomeados. O exemplo (03) corresponde à
segmentação de episódios, e o exemplo (04) inclui também a delimitação de eventos. Os
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critérios para dividir a narrativa em suas unidades constitutivas serão discutidos nas seções
seguintes. No momento, interessa-nos ilustrar o processo de explicitação dos tópicos e
subtópicos. Os limites de episódios estão assinalados com duas barras inclinadas //.
Exemplo (03):
Travessura com a bicicleta
A minha já é bem mais assim mais cômica tá é uma travessura eu tinha oitoanos de idade aí tava na moda de andar de bicicleta a pessoa em pé atrás coma mão no ombro do colega o colega dirigindo né // aí o pessoal combinamosde descer a rua aí foi eu e uma amiga minha // na volta quando a gente tavasubindo a gente viu um casal de namorados assim naquele beijo lá no muroné aí minha colega vamo lá ver como é que é num sei o que pequenininha né
ali atrás ela subiu com a bicicleta com toda força em cima da calçada só queaconteceu um imprevisto em vez da gente passar discretamente a bicicletaentrou no meio do casal aí ia dar um soco na testa do homem minha colegaentrou no meio com a bicicleta uma confusão só aí a gente na volta levou ummonte de fora do casal que não sei o que não sei o que lá // aí quando a gentevoltou a gente ria tanto mas ria tanto que a gente não tinha nem força pra pedalar a bicicleta pra subir a rua né aí tive que voltar tudo a pé /// é curtinha(N1O-3F-AMV)
O mecanismo de nomeação dos tópicos implica que o rótulo atribuído seja abrangente
o suficiente para abrigar os subtópicos que se articulam sob seu domínio. Entretanto não é adenominação; é uma denominação possível, já que consideramos o tópico rotulado como uma
"paráfrase possível", nominalizada, logo abstrata, de uma seqüência de discurso.
Os tópicos relativos a cada episódio foram assim denominados:
EPISÓDIO 1: Contextualização
EPISÓDIO 2: A descida da rua
EPISÓDIO 3: A subida da rua com a cena do beijo
EPISÓDIO 4: O retorno
A mesma narrativa, agora delimitada também em seus eventos, é apresentada a seguir.
Os eventos estão assinalados com uma barra inclinada /.
Exemplo (04):
Travessura com a bicicleta
A minha já é bem mais assim mais cômica tá é uma travessura / eu tinha oitoanos de idade / aí tava na moda de andar de bicicleta a pessoa em pé atráscom a mão no ombro do colega o colega dirigindo né // aí o pessoalcombinamos de descer a rua / aí foi eu e uma amiga minha // na volta
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quando a gente tava subindo a gente viu um casal de namorados assimnaquele beijo lá no muro né / aí minha colega vamo lá ver como é que é numsei o que pequenininha né ali atrás / ela subiu com a bicicleta com toda força
em cima da calçada / só que aconteceu um imprevisto em vez da gente passar discretamente a bicicleta entrou no meio do casal aí ia dar um soco natesta do homem minha colega entrou no meio com a bicicleta uma confusãosó / aí a gente na volta levou um monte de fora do casal que não sei o quenão sei o que lá // aí quando a gente voltou a gente ria tanto mas ria tanto quea gente não tinha nem força pra pedalar a bicicleta pra subir a rua né / aí tiveque voltar tudo a pé ///é curtinha (N1O-3F-AMV)
O mecanismo de explicitação dos subtópicos relativos aos eventos é similar ao que foi
feito com os episódios. A distribuição dos eventos dentro dos respectivos episódios é
representada pelos seguintes subtópicos:
EPISÓDIO 1: CONTEXTUALIZAÇÃO
EVENTO 1: Caracterização do relato
EVENTO 2: Localização temporal
EVENTO 3: Descrição da situação
EPISÓDIO 2: A DESCIDA DA RUA
EVENTO 1: Resolução de descer
EVENTO 2: A descidaEPISÓDIO 3: A SUBIDA DA RUA COM A CENA DO BEIJO
EVENTO 1: Visão do casal
EVENTO 2: Decisão de aproximação
EVENTO 3: Aproximação do casal
EVENTO 4: Interrupção do beijo
EVENTO 5: Reação do casal
EPISÓDIO 4: O RETORNO
EVENTO 1: Impossibilidade de pedalar
EVENTO 2: Volta a pé
FECHAMENTO
3 A organização de episódios e eventos
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Retomando a idéia da construção do modelo de discurso no circuito comunicativo (cf.
capítulo 2), situamos como ponto de partida para a análise o texto produzido. Nosso
pressuposto é de que o falante percebe e interpreta os fatos do mundo real, armazenando-os na
memória como modelos de situação constituídos por episódios e eventos. O estímulo que vai
originar o relato ativa um modelo de situação que, por sua vez, detona a construção de um
modelo de discurso cuja materialização ocorre através da codificação lingüística.
O ouvinte percebe e interpreta os episódios e eventos relatados e constrói o seu modelo
a partir de pistas da codificação e de dados do contexto circundante, portanto apenas
indiretamente tem acesso ao modelo de discurso do falante. Da mesma maneira, o analista
parte da codificação do relato para descobrir como são constituídos os episódios e os eventos e para depreender os critérios para delimitar essas unidades no discurso narrativo. Assim, a
análise descritiva da constituição interna das unidades e o estabelecimento de critérios de
delimitação, embora de base semântica já que centrados na percepção e na interpretação,
apóiam-se na codificação lingüística.
Na próxima seção, procederemos a uma caracterização pormenorizada de episódios e
eventos, com estabelecimento de critérios para delimitação dessas unidades.
3.1. Episódios
Partimos da noção de episódio como um conjunto de eventos relacionados e
discursivamente governados por um mesmo tópico que funciona como um eixo semântico em
torno do qual se organiza uma seqüência do discurso. Que critérios utilizar para a delimitação
dos episódios? Esta é a primeira questão que deve ser respondida para que possamos proceder
à análise dessas unidades semânticas.
Chafe (1980:44) faz referência à delimitação de unidades discursivas ao falar que a passagem de uma unidade para outra está correlacionada à reorientação em termos de espaço,
tempo e pessoas, podendo esses componentes estar associados entre si ou não. Van Dijk
(1982:105), Grimes (1984:101), Genetti (1988:37) e Abreu (1992:86) também consideram
critérios relativos à mudança de personagens e de ambiente como elementos relevantes a
serem considerados na delimitação de episódios. Com base nesses autores, consideramos que a
mudança de episódio está vinculada à reorientação, que pode se dar em termos de espaço, de
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tempo e de participantes, ou seja, à mudança de cenário. Esses critérios orientam, então, a
segmentação das narrativas em seus episódios constitutivos.
A seguir, retomamos a narrativa Travessura com a bicicleta, justificando a delimitação
dos episódios que a constituem.
(05)
Travessura com a bicicleta
A minha já é bem mais assim mais cômica tá é uma travessura eu tinha oitoanos de idade aí tava na moda de andar de bicicleta a pessoa em pé atrás coma mão no ombro do colega o colega dirigindo né // aí o pessoal combinamosde descer a rua aí foi eu e uma amiga minha // na volta quando a gente tavasubindo a gente viu um casal de namorados assim naquele beijo lá no muro
né aí minha colega vamo lá ver como é que é num sei o que pequenininha néali atrás ela subiu com a bicicleta com toda força em cima da calçada só queaconteceu um imprevisto em vez da gente passar discretamente a bicicletaentrou no meio do casal aí ia dar um soco na testa do homem minha colegaentrou no meio com a bicicleta uma confusão só aí a gente na volta levou ummonte de fora do casal que não sei o que não sei o que lá // aí quando a gentevoltou a gente ria tanto mas ria tanto que a gente não tinha nem força pra pedalar a bicicleta pra subir a rua é aí tive que voltar tudo a pé /// é curtinha(N1O-3F-AMV)
Os quatro episódios que constituem esta narrativa podem ser assim descritos:1º) caracteriza o relato, situa o fato no tempo, apresenta os participantes e o tópico
global;
2º) há mudança de cenário (descida da rua) com início da seqüência de ações;
3º) há nítida mudança de cenário (volta: subindo a rua) com sucessão de ações
desencadeadas e agrupadas sob um tópico comum;
4º) há deslocamento de cenário (volta: término da ação) e o fechamento da narrativa.
Passamos, agora, a caracterizar os episódios encontrados no corpus analisado. O
número de episódios nas narrativas varia de três a doze. O primeiro episódio costuma
apresentar características comuns; é o responsável pela contextualização do relato que
envolve um complexo de elementos: localização e caracterização espaço-temporal,
apresentação e caracterização dos participantes e apresentação do tópico global. Vejam-se os
exemplos, com destaque em negrito do primeiro episódio.
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(06) Na volta de um feriado que passei em Búzios no ano retrasado, estávamos nocarro: meu namorado, a irmã dele, duas amigas e eu
e vínhamos pela estrada Rio-Manilha.
Tinha chovido muitoe a estrada estava escorregadia.//
De repente quando meu namorado tentava ultrapassar um carro, o nosso derrapou[...] (N3E-3F-PAB)
(07) eu tinha uns doze anos, doze ou treze anosaí tinha um churrasco do lado da minha casaentão eu tava com duas amigas minhas, uma vizinha e uma sobrinha da
minha vizinha também,nós não tínhamos o que fazer//
aí resolvemos... uma delas teve a idéia de subir no telhado para olhar a paisagemlá de cima
[...] (N5O-3F-MAL)
Há autores, como van Dijk (1982), para quem essa seqüência inicial da narrativa não
deveria ser considerada como episódio, já que consiste apenas em preparativos para o
desenrolar das ações propriamente ditas e, como tal, num estereótipo derivado de nosso
conhecimento sobre o mundo (p.106). Entretanto, como desde o início estamos propondo
trabalhar com as noções de tópico e subtópico, situando-os numa hierarquia onde nós maisaltos recobrem nós mais baixos, e considerar as motivações cognitivas e comunicativas do
discurso (levando em conta as noções de frames e de esquemas, por exemplo), é natural que
optemos por tratar esse trecho inicial da narrativa como episódio. É um episódio que tem uma
função específica: assinala a abertura da narrativa, situando o que vai ser relatado e passando a
funcionar como pano de fundo para o desenrolar dos demais episódios. É, por isso, um
episódio global, o macroepisódio da narrativa – que rotularemos sistematicamente como
contextualização. Tal tópico domina os mesmos tipos de eventos: localização ou
caracterização espaço-temporal, apresentação ou caracterização dos participantes, e eventuais
avaliações.
Os exemplos anteriores, novamente transcritos, ficam assim distribuídos em seus
tópicos e subtópicos:
(08)
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃOEVENTO 1: Localização espaço-temporal e apresentação dos participantes
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Na volta de um feriado que passei em Búzios no ano retrasado, estávamos nocarro: meu namorado, a irmã dele, duas amigas e eu
e vínhamos pela estrada Rio-Manilha.
EVENTO 2: Caracterização espaço-temporalTinha chovido muitoe a estrada estava escorregadia.
EPISÓDIO 2:De repente quando meu namorado tentava ultrapassar um carro,o nosso derrapou[...] (N3E-3F-PAB)
(09)
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO
EVENTO 1: Localização temporal eu tinha uns doze anos, doze ou treze anos
EVENTO 2: Localização espacial aí tinha um churrasco do lado da minha casa
EVENTO 3: Apresentação dos participantes e descrição da situaçãoentão eu tava com duas amigas minhas, uma vizinha e uma sobrinha da
minha vizinha tambémnós não tínhamos o que fazer
EPISÓDIO 2:aí resolvemos... uma delas teve a idéia de subir no telhado para olhar a paisagem
lá de cima
[...] (N5O-3F-MAL)
Em decorrência dessa perspectiva adotada, redistribuímos o início do esquema básico
da narrativa anteriormente apresentado, situando o macroepisódio em um nível acima dos
demais.
NARRATIVA
MACROEPISÓDIO
EPISÓDIO 1 EPISÓDIO 2 ... EPISÓDIO n<...> <...> <...>
Nem todos os macroepisódios apresentam a mesma distribuição interna: às vezes
localizam o acontecimento no tempo e/ou no espaço, outras vezes não; o mesmo ocorrendo em
relação à apresentação e caracterização dos participantes e à própria avaliação do fato. O
exemplo abaixo ilustra esse aspecto.
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(10)
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO
EVENTO 1: Apresentação dos participantes e da situação geralbom, uma vez meu irmão aprontou uma armadilha comigoEVENTO 2: Avaliação do fato
foi tão engraçadoEPISÓDIO 2:
ele tinha colocado uma xícara é... em cima do espelhinho do banheiro que ficava perto do Box
aí quando eu fui tomar banho
[...] (N21O-8F-CGS)
Os episódios intermediários caracterizam a narrativa propriamente dita, mostrando aseqüência de ações de acordo com a cronologia temporal, apoiada em passagens descritivas e
comentários avaliativos. Nas cinqüenta narrativas analisadas, encontramos apenas uma
ocorrência de episódio deslocado na linha do tempo, e duas ocorrências de episódios
durativos, cujas ações são imperfectivas. Transcrevemos esses casos a seguir.
(11)
EPISÓDIO 6: Aparecimento da babá com a criança às duas e meia da tarde, a moça apareceu com o menino que vinha dormindo
tranqüilamente no carrinhoEPISÓDIO 7: Acidente no elevador e providências tomadas
ao sair do elevador, ele deixara prender o dedinho dele na portae, sem avisar ao porteiro nem a ninguém, resolveu levá-lo ao INPS para fazer
uma radiografiaconclusão: foi com ele empurrando o carrinho debaixo do sol quenteenfrentou quatro horas de filae depois fez todo o caminho de volta nas mesmas condições
(N8E-3F-MCB)
No exemplo (11), percebemos uma inversão temporal nas ações: a seqüência registrada
no sétimo episódio antecede cronologicamente a ação que compõe o sexto episódio.
Entretanto, há coerência discursiva na narrativa, pois a informante relatava seus momentos de
angústia devido ao desaparecimento do filho com a babá, falava sobre as providências
tomadas e, no decorrer de dois episódios anteriores aos transcritos, detalhou o processo de
busca do filho. O aparecimento da babá com a criança foi, na realidade, o episódio de
culminância da busca, e mantém o encadeamento natural do discurso.
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Temos, aqui, um exemplo típico de seqüência discursiva que não tem correspondência
temporal. Entretanto, o rompimento da ordem cronológica das ações só se configura como
inversão na seqüência temporal real, mas não na seqüência discursiva. Nesse caso, a
motivação discursiva da continuidade do tópico é mais forte do que a cognitiva, que está
associada à percepção da seqüência temporal dos fatos. A chegada da babá com a criança é o
ponto alto daquele trecho do relato centrado na angústia da procura. As ações que causaram o
afastamento dos participantes aparecem posteriormente para justificar a ausência dos mesmos.
Logo, o efeito (episódio 6) foi codificado antes de sua causa (episódio 7), por ser, nesta
situação, mais relevante no discurso do que a causa, cujo papel discursivo é o de justificativa
de uma situação.O exemplo de codificação efeito>causa encontrado em nível de episódio, corrobora as
evidências para o nível da cláusula encontradas por Paiva (1991), no sentido de que "a
ordenação das cláusulas causais se processa de modo a manter o tópico do discurso" (p.95).
(cf. seção 2.1.1.)
Os episódios de aspecto imperfectivo, durativo, são mostrados a seguir.
(12)
MACROEPISÓDIO: Contextualização
é... eu desde pequena eu tinha... eu tive um problema de convulsõesEPISÓDIO 2: Tratamento tradicional
mas eu ia nos médicose eles diziam que... eu era epiléptica e um monte de história e que eu tinha
que usar gardenal, tomar gardenal que é um remédio superfortepra disritmia
EPISÓDIO 3: Tratamento homeopático aí eu fui pra homeopatia[...] (N22O-8F-MIM)
O aspecto durativo predominante no episódio destacado do exemplo (12) justifica-se
pela própria característica dos fatos narrados, que representam idas repetidas a médicos que
davam o mesmo diagnóstico.
(13)
EPISÓDIO 4: Prestação de socorro pelo massagista o massagista lá do clube (Florença) colocou a minha rótula de volta no lugare mandou eu passar gelo na região afetadadepois passou uma pomada
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e colocou uma atadura no joelhoEPISÓDIO 5: Volta para casa
chegando em casa, minha mãe nem queria saber o que havia acontecido
comigo,só brigava por causa da chave
EPISÓDIO 6: A semana seguinte domingo, fui à praia de atadura no joelhosegunda, desci para ver os colegas ainda com a atadura[...] (N20E-2M-ANT)
Nesse exemplo, temos uma seqüência de ações perfectivas no episódio 4, todas
atribuídas ao massagista. No episódio 6 temos novamente uma seqüência de ações perfectivas,
desta vez, praticadas pelo próprio informante. Já o episódio 5 caracteriza-se pelo aspectodurativo das ações atribuídas à mãe, possivelmente justificável pela própria carga semântica
contida nos verbos 'querer saber' e 'brigar' (supondo uma discussão que se estende por algum
tempo).
Com relação ao último episódio das narrativas, encontramos dois tipos de funções
discursivas: a) apresentação da seqüência final de ações, encerrando dessa maneira o relato; e
b) aproximação com o momento da enunciação, introduzindo o tempo cronológico do instante
da gravação na narrativa, principalmente através de comentários avaliativos. Ilustramos esses
dois tipos, respectivamente, a seguir.
(14)
EPISÓDIO 5: Prestação de socorro e negociação da ajudauma moça parou com o fuscae queria me levar para casaeu dizia que não porque minha mãe sempre dizia para eu não entrar em carro de gente estranha
EPISÓDIO 6: Retorno bem sucedidodepois de insistir muito a moça acabou me convencendo
eu disse o endereçoe ela me levou até em casa (N2E-3F-API)
(15)
EPISÓDIO 6: A semana seguintedomingo fui à praia com uma atadurae terça-feira tentei vir pro colégio com a ataduratava doendo muito o ligamentoe eu resolvi ir embora
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EPISÓDIO 7: Tratamento médicoaí tô com gesso na pernae tô achando uma droga
só isso (N20O-2M-ANT)
Em 50 relatos analisados, nas versões oral e escrita de 25 narrativas, foram encontrados
285 episódios, o que equivale a uma média de quase seis episódios por narrativa. Esses
episódios foram delimitados com base no critério de mudança de cenário, no que diz respeito à
(re)orientação em termos de localização espaço-temporal.
O processo de segmentação das narrativas em episódios e a descrição da constituição
dos mesmos mostra:
a) o isomorfismo sistemático entre a ordenação cronológica dos episódios e a
codificação seqüencial dos mesmos;
b) o encaminhamento seqüencial das ações presente na quase totalidade dos episódios;
c) a produtividade do critério de mudança de cenário utilizado para delimitação dos
episódios;
d) a possibilidade de se considerar o episódio como uma unidade de análise;
e) a organização hierarquizada das informações no discurso narrativo, onde um tópico
geral domina tópicos gradativamente menos abrangentes – o que valida parte da hipótese quenorteia o presente capítulo: "o tópico se organiza na narrativa a partir de um esquema
cognitivo que orienta a distribuição hierarquizada das informações num plano semântico-
discursivo[...]".
Uma vez descrita a constituição das unidades maiores da narrativa – os episódios,
passamos, a seguir, a descrever a constituição dos eventos.
3.2 EventosDefinimos eventos como centros de interesse contendo ações/estados percebidos com
graus variáveis de integração, correspondentes a subtópicos discursivos. Com isso, estamos
ampliando a noção de evento, geralmente vinculada à idéia de ação, que costuma se contrapor
à noção de estado/situação. Em nosso estudo, os eventos não indicam necessariamente
seqüencialidade na ordenação temporal do relato. Embora sua função básica na narrativa seja a
de encaminhar cronologicamente as ações, os eventos podem também corresponder a ações
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que dão continuidade ao fluxo discursivo mas que não avançam temporalmente o relato; e
podem ainda consistir em estados ou situações descritivas que acompanham em segundo plano
o desenrolar das ações.
No contexto situacional, concomitantemente a ações seqüenciais, percebemos
ações/estados cotemporais que funcionam como pano de fundo para as primeiras,
configurando-se um conjunto integrado num centro de interesse. Ações/estados percebidos
integradamente refletem-se na codificação de orações adjacentes que, com freqüência, são
sintaticamente vinculadas numa única unidade de codificação. Evidencia-se, assim, um
isomorfismo entre a percepção conjunta e integrada de fatos e elementos situacionais e a
verbalização do que é percebido, através da codificação de unidades lingüísticassintaticamente integradas. Tais meios de codificação são reflexos do princípio cognitivo da
iconicidade e, como tais, espelham o grau de integração entre fatos e elementos percebidos no
contexto (cf. Givón, 1990:515-6). Ao mencionarmos, então, a integração semântico-sintática
de eventos ou de suas unidades de codificação, estamos nos referindo à relação isomórfica
entre o plano cognitivo da percepção e o plano lingüístico da codificação14.
É difícil estabelecer com precisão os limites dos eventos. É possível focalizarmos, em
um cenário, um núcleo mínimo de ações/estados integrados que pode ir crescendo e
incorporando novos elementos do contexto à medida que o foco for ampliando seus limites no
tempo e no espaço. Podemos, pois, ter eventos que poderiam ser considerados como
integrantes de outro mais abrangente – o que é perfeitamente previsível devido ao caráter
hierarquizado da distribuição das informações no discurso. Em face dessa problemática, é
imprescindível que se estabeleçam critérios que possibilitem a operacionalização da noção de
evento. Um dos critérios básicos a ser considerado na caracterização dessa unidade de análise
é a seqüencialidade. É o que abordamos a seguir.
3.2.1 A seqüencialidade na narrativa
A esse respeito, há controvérsias na literatura que trata de narrativas, conforme se pode
verificar na referência a ser feita a alguns estudos que focalizam a seqüencialidade de ações na
14 O nível semântico está sendo considerado, nesta tese, como estreitamente ligado à percepção, sendo, portanto,cognitivamente motivado.
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codificação do relato: Labov (1972), Hopper (1979), Hopper & Thompson (1980) e Thompson
(1987). Posteriormente, esclarecemos como será tratada essa questão na tese.
Labov (1972) distingue cláusulas narrativas de cláusulas não-narrativas ou livres.
Segundo o autor, as primeiras são sintaticamente autônomas e temporalmente ordenadas, de
modo que, pelo critério de reversibilidade, uma mudança em sua ordenação resultaria em
mudança na seqüência temporal da interpretação semântica original (p.360-62). Labov exclui
a possibilidade de uma cláusula narrativa ser sintaticamente subordinada, associando a
subordinação às cláusulas não-narrativas.
Em termos gerais, a distinção laboviana entre cláusulas narrativas e livres coincide
com as noções de figura ('espinha dorsal' da narrativa) e fundo (suporte adicional) (cf. Hopper,1979; Hopper & Thompson, 1980). Tanto Labov quanto Hopper e Thompson elegem a
seqüencialidade como critério central para opor as duas funções e relacionam a subordinação
às cláusulas livres e de fundo, respectivamente.
Thompson (1987:442-51), considerando irrelevante o fato de a oração ser ou não
subordinada, estabelece a pontualidade como critério para a seqüencialidade temporal, desde
que uma ação pontual siga uma ação seqüencial precedente e anteceda outra ação seqüencial.
A autora formula a hipótese de que: a) a maioria das orações subordinadas não se situa na
linha do tempo; b) as que se situam desempenham outra função discursiva, além de indicar
seqüência temporal.
Na medida em que a pontualidade dos verbos passa a ser considerada o critério para a
determinação da seqüencialidade das ações, (e não mais o status sintático da oração), orações
subordinadas podem vir a integrar a seqüência temporal, desde que contenham verbos
pontuais. Nesse caso, tais orações têm um papel duplo, pois além de assinalarem evento na
linha do tempo, assumem outras funções discursivas como: de orientação coesiva, conectando
o evento com ações precedentes; ou de indicação de simultaneidade entre a ação em foco e adescrição de um estado ou situação. Veja-se a exemplificação de Thompson (os verbos em
itálico representam a seqüência temporal):
(16) Nim smiled a smile the size of which I had never seen and shrieked in a way I'd neverheard. At first he seemed too excited even to hug Stephanie. His smiling and shriekingcontinued for what seemed to be at least three minutes. During that time he sat down across from Stephanie. [...] Only after he stopped smiling and shrieking did he go toStephanie and hug her.[...] (p.437)
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Thompson justifica a seqüência destacada, dizendo que, em termos de ordenação
temporal, o fato de Nim ter parado de rir e de gritar precede sua ida à Stephanie e o ato de
abraçá-la. Mas, como o autor expressou também a intensidade da reação de Nim, o modo de
conseguir isso foi codificando a seqüência de tal forma que o abraço (primeira reação natural)
é reportado como sendo possível somente após Nim ter se acalmado. (p.446)
Temos, no último enunciado do exemplo, orações subordinadas ("Only after he
stopped smiling and shrieking did he go to Stephanie and hug her") indicando seqüencialidade
de ações na linha do tempo. Neste caso, tais orações desempenham funções discursivas
adicionais, além de indicarem ordenação temporal, quais sejam, a de ressaltar a intensidadedas reações de Nim, e a de estabelecerem coesão discursiva, retomando parte do discurso
antecedente (o riso e o grito já haviam sido referidos antes).
Como a oração subordinada é normalmente não-seqüencial, quando acontecer de ela
desempenhar funções superpostas como no exemplo acima, ou seja, quando ela indicar
seqüencialidade aliada a outro papel discursivo, Thompson considera essa construção como
marcada no nível da codificação.
Se a abordagem de Thompson, por um lado, torna mais flexível a análise da ordenação
temporal ao considerar que um certo tipo de subordinação também pode assinalar
seqüencialidade através de construções marcadas, por outro lado, restringe essa ordenação ao
associar a seqüencialidade ao aspecto de pontualidade dos verbos. Essa associação inviabiliza
o fato de se considerarem como seqüenciais verbos que apresentem caráter durativo como, por
exemplo, 'watched', 'walked' e 'looking for' na passagem seguinte, em que a seqüencialidade
deve-se apenas à forma em itálico:
(17) I can still recall my anger as I marched him back to the classroom. Nom watched me verycarefully as we walked down the hall-ways, looking for another opening for escape.(p.443)
Nossa proposta é de deslocar a correlação seqüencialidade/ pontualidade para
seqüencialidade/ perfectividade, mantendo, porém, a categoria de aspecto como critério básico
para ordenação temporal na narrativa. Com esse deslocamento, ampliamos o escopo da
seqüencialidade de ações, visto que todo aspecto pontual implica codificação perfectiva, mas
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nem toda ação perfectiva está associada à pontualidade, podendo apresentar-se com graus
variáveis de duração. Essa questão é discutida a seguir.
Consideramos que a categoria lingüística tempo representa na língua a posição que os
fatos relatados ocupam no tempo cronológico, tomando como ponto de referência o falante no
momento da enunciação. Assim, numa linha temporal imaginária, o fato que se situar à
esquerda do ponto dêitico da enunciação é naturalmente anterior, o que se situar à direita é
posterior e o que se situar junto ao ponto é simultâneo ao momento em que o falante produz o
seu discurso. Temos aqui as noções de passado, futuro e presente que se atualizam no tempo
verbal. Como o discurso narrativo está centrado em acontecimentos passados em relação ao
momento da enunciação, a categoria tempo tende a concentrar-se à esquerda do ponto dêiticode nossa linha e a realizar-se nas formas verbais de pretérito.
Temos ainda a categoria lingüística de aspecto para expressar o tempo cronológico.
Enquanto a categoria tempo diz respeito à localização do fato em relação ao momento da
enunciação, a categoria aspecto representa o modo como o tempo é decorrido dentro dos
limites do fato relatado: se há duração ou instantaneidade; se a ação está no começo, em
desenvolvimento, ou no fim; se está completa ou incompleta. Estabelece-se, assim, uma
distinção entre o que se chama "tempo externo" (categoria dêitica que ordena
cronologicamente os fatos, centrando os fatos no tempo) e "tempo interno" (categoria que trata
da constituição temporal interna do fato, centrando o tempo no fato), que dizem respeito,
respectivamente, às categorias de tempo e de aspecto (cf. Costa, 1990:19-21).
No que se refere à seqüencialidade, estamos adotando o princípio geral de ordenação
referencial de situações (cf. Travaglia, 1991:129), que estabelece uma correlação entre
situações seqüenciais e verbos no aspecto perfectivo; e entre situações simultâneas e verbos no
aspecto imperfectivo. O aspecto perfectivo apresenta a situação em sua completude, como se
fosse vista de fora, em sua totalidade; o aspecto imperfectivo apresenta a situação comoincompleta, como se fosse vista de dentro, em uma de suas fases de desenvolvimento (p.243-
4). O perfectivo é o aspecto não-marcado, i.e., sem referência explícita à constituição temporal
interna de uma situação, ao passo que o imperfectivo é marcado com relação à temporalidade
interna (Costa, 1990:30). Esses dois aspectos constituem a oposição aspectual básica, fundada
na constatação de que um fato pode ter sua constituição temporal interna considerada ou não
pelo falante (ibidem).
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Conforme temos destacado, o relato da experiência envolve a idéia de acontecimentos
passados e estes se constituem de ações/estados. As ações podem conduzir ou não o fio
narrativo, dependendo de sua forma de codificação. Em nosso estudo, vamos considerar que:
a) A percepção da seqüencialidade na linha do tempo real é, em geral, representada
pela codificação morfossintática de ações perfectivas que encadeiam a seqüência narrativa.
Ex.:
(18) [...] eu acendi a luz dentro do carro...peguei a chave...fiz bem barulhinho pra ele ver que era chave mesmoabri a minha porta...saí...
aí ele entrou no carro...entrou o motorista do táxie eles ó... foram embora (N12O-3M-CBG)
b) O inverso nem sempre é verdadeiro, visto que nem toda ação perfectiva corresponde
à ordenação temporal seqüencial, podendo ter função recapitulativa, resumitiva ou
antecipativa, ou ainda função de orientação coesiva. Ex.:
(19) [...] nisso parou um caminhãoe só tinha mulher
só tinha as meninaseu era a mais velhae veio o caminhãoo motorista saltouo outro também [...] (N3O-3F-PAB)
No exemplo acima, a construção "e veio o caminhão", apesar de conter uma ação
perfectiva, não expressa uma ação seqüencial, mas funciona como elemento coesivo,
retomando a mesma ação (chegada do caminhão) que foi interrompida com a descrição de
fundo, para então prosseguir com a ordenação temporal das demais ações.c) Um enunciado perfectivo pode desempenhar mais de uma função discursiva,
dependendo de sua codificação. Ex.:
(20) Quando o professor entroue sentouas pessoas ainda estavam conversandoe eu não me liguei que ele pudesse ser o professor [...] (N7E-3F-AMP)
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Nesse trecho, "quando o professor entrou" representa seqüencialidade de ação, mas
também indica cotemporalidade entre as ações de "entrar" e "estar conversando". Assemelha-
se às construções exemplificadas por Thompson (1987) como formas marcadas: orações
subordinadas que acumulam diferentes funções discursivas.
d) Nem toda seqüencialidade é codificada por verbo no pretérito perfeito. Ex.:
(21) [...] quando eu levanto assim com o prato e o garfo na mãotodo o restaurante assim olhando pra minha carae eu com uma cara de idiota sem saber o que fazerdiscretamente morrendo de vergonha arrumei a mesinha [...] (N19O-2M-CSF)
No trecho anterior, o verbo 'levantar' diz respeito a uma ação passada que integra a
cronologia temporal da narrativa, cuja seqüencialidade é dada pela ação representada por
'arrumei'. No entanto, o informante codifica a ação no tempo verbal presente, utilizando um
recurso de "metáfora temporal"15 ao substituir um tempo verbal (no caso, o pretérito perfeito)
por outro que não é típico do gênero narrativo (o presente).
No exemplo a seguir, a ação em destaque não é perfectiva, entretanto é considerada
como seqüencial:
(22) [...] no momento em que ficamos sozinhas
um caminhão parousaltando dois homens muito estranhos [...] (N3E-3F-PAB)
Nesse caso, a descida dos homens é posterior à parada do caminhão e não simultânea
como sugere a forma verbal no gerúndio. Apesar da codificação de "saltando" numa forma que
é típica indicadora de aspecto não-perfectivo e durativo, há uma ordenação temporal entre as
ações de parar o caminhão e os homens saltarem. Casos desse tipo são escassos nos dados
analisados.
Além da seqüencialidade, outros dois fatores são levados em conta na caracterização do
evento: a oposição figura/fundo, especialmente o papel do último, e a noção de âncora. Vamos
tecer algumas considerações sobre esses itens.
15 Weinrich divide as situações comunicativas em dois grupos – mundo comentado e mundo narrado – em cadaum dos quais predomina um dado grupo temporal. Por exemplo, o presente é típico do mundo comentado,enquanto que o pretérito perfeito e imperfeito são característicos do mundo narrado. Quando se introduz umtempo do mundo narrado no mundo comentado, ou vice-versa, tem-se o que o autor chama de "metáforatemporal". (cf. Koch, 1987:37-41)
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A noção de figura está associada à seqüencialidade e à perfectividade da ação;
enquanto a noção de fundo está relacionada à não-seqüencialidade, ou mais especificamente à
cotemporalidade de ações/estados, em que um deles apresenta-se mais durativo, sendo
codificado como imperfectivo. A dicotomia figura/fundo deixa de ser obrigatoriamente
vinculada à codificação sintática de orações principal e subordinada, o que implica podermos
ter figura codificada por oração subordinada e, inversamente, fundo codificado por oração
principal. Ex.:
(23) [...] e quando cheguei lá meu pai tava superapressado [...] (N190-2M-CSF)
No trecho acima, analisando comparativamente as unidades de codificação, vemos quea primeira oração corresponde à figura: a ação é perfectiva e seqüencial, embora codificada
sintaticamente como subordinada. A segunda oração, apesar de sintaticamente principal,
representa o fundo: a situação é de estado, imperfectiva, durativa e cotemporal à ação de
'chegar'.
O fundo desempenha um papel relevante como elemento integrador de ações/estados
num centro de interesse, ou seja, num evento. Veja-se o exemplo:
(24) [...] no momento em que ficamos sozinhas um caminhão parousaltando dois homens muito estranhos [...] (N3E-3F-PAB)
Neste caso, as duas últimas orações codificam uma seqüência de ações. Ações
seqüencias, basicamente, conduzem o fio narrativo constituindo eventos diferentes. No
entanto, em alguns casos, como no trecho acima, ações seqüenciais podem integrar um mesmo
centro de interesse, quando houver um elemento que funcione como integrador dessas ações.
No exemplo em foco, a primeira oração desempenha o papel de fundo integrador do evento,
devido ao seu aspecto mais durativo em relação às demais orações, cujas ações se desenrolamenquanto a primeira situação perdura.
O processo sintático de subordinação também assume um valor especial em nosso
estudo devido a seu papel na codificação de eventos integrados, através do que chamamos de
mecanismo de ancoragem, que integra sintaticamente uma informação de maior relevo
(principal) a outra que lhe serve de complementação ou detalhamento. Ex.:
(25) [...] nesse momento assim... angustiante eu tomei consciência de que eu estavanovamente... agora não diante mas em cima desse paredão né... pronto pra cair...
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despencar lá de cima [...] (N15O-3M-CRH)
Na ilustração anterior, a oração destacada em negrito está ancorada à oração
sintaticamente subordinada que lhe serve de complementação. Temos, neste caso, uma
unidade complexa de codificação do evento.
Em termos de codificação lingüística do evento, o fundo caracteriza-se por apresentar
oração subordinada circunstancial desenvolvida através de conectores e verbo flexionado; ou
por oração principal – ambos os casos exprimindo um aspecto durativo da ação/estado que
cotemporaliza outra ação. A âncora constitui-se em oração subordinada complementizadora,
modificadora ou circunstancial nominalizada, de modo a estabelecer, com a oração quecontém a ação em relevo, uma unidade sintaticamente mais integrada do que a unidade que
contém fundo.
No que se refere à integração, não temos como captar diretamente a percepção e
interpretação do falante relativamente aos fatos que está relatando. A partir do discurso
produzido, o que podemos fazer é estabelecer correlações, autorizadas pelas pistas discursivas,
entre codificação de eventos e percepção interpretativa de ações/estados do mundo real. Nosso
ponto de partida é a codificação lingüística e as correlações são, então, estabelecidas a partir
daí.
Nossa análise, norteada pelas idéias de: seqüencialidade e cotemporalidade de
ações/estados; perfectividade e duração; ancoragem e fundo integrador – permitiu
caracterizarmos os eventos como se segue. Apresentaremos, primeiramente, uma distribuição
geral dos tipos para, posteriormente, ilustrarmos cada um.
3.2.2 Tipos de eventos
I) EVENTOS AUTÔNOMOS, que podem ser codificados, alternativamente, como:
1. ação perfectiva
2. ação imperfectiva
3. estado.
II) EVENTOS INTEGRADOS, que podem ser codificados, alternativamente, como:
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1. ação ou estado semântica e sintaticamente ancorada(o) a outra situação (de
ação/estado), podendo apresentar em relevo:
a) uma ação perfectiva
b) uma ação imperfectiva
c) um estado;
2. ações/estados semântica e sintaticamente vinculados numa relação de causalidade;
3. ações/estados semântica e sintaticamente vinculados numa relação de
cotemporalidade, podendo apresentar alternativamente:
a) ações simultâneas
b) ação seqüencial (ou ações) e fundo durativoc) ações seqüenciais em que uma delas funciona também como fundo
integrador do evento
d) ação não-seqüencial (ou ações) e fundo não-seqüencial;
4. ações/estados semanticamente associados, mas com independência sintática,
podendo apresentar alternativamente:
a) recorrência
b) detalhamento ou justificativa
c) descrição de cenário ou de situação
Observando-se a enumeração dos tipos, percebe-se que os eventos que envolvem as
noções semânticas de causalidade (II.2) e de temporalidade (II.3) são tratados como tipos
distintos, o que se justifica pela própria natureza do discurso narrativo, que representa
situações onde os fatos se interligam numa relação de causa e efeito, e se sucedem ou
coexistem no tempo.
Todos esses tipos de eventos são exemplificados a seguir, com destaque em negrito para o
evento em foco.
I) EVENTOS AUTÔNOMOS
Embora não exista autonomia semântica entre os eventos no interior de um episódio,
mas graus mais estreitos ou mais frouxos de integração, estamos denominando de 'eventos
autônomos' aqueles que são representados por unidades de codificação sintaticamente simples.
Tal estratégia de codificação indica um grau de integração baixo entre as ações relatadas, o
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que faz com sejam consideradas como eventos distintos. A seguir, mostramos as três
alternativas de codificação de evento autônomo:
1)
UMA AÇÃO PERFECTIVA que assinala ordenação temporal:
(26)
EPISÓDIO 4: O ASSALTO
EVENTO 1: Parada junto ao carro
O táxi PAROU defronte meu carro
EVENTO 2: Descida do passageiro
o passageiro DESCEUEVENTO 3: Batida no vidro
e armado bateu no vidro da janelaEVENTO 4: Abertura do vidro
eu ABRI o vidroEVENTO 5: Anúncio do assalto
e então ele anunciou o assalto dizendo que só queria o carro (N12E-3M-CBG)
Temos aí três eventos autônomos cujas ações perfectivas encaminham seqüencialmente
o relato. Os demais eventos são integrados.
2) UMA AÇÃO NÃO-PERFECTIVA, que não assinala ordenação temporal:
(27)
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO
EVENTO 1: Localização espaço-temporal
eu ESTAVA COMEÇANDO a Faculdade de EducaçãoEVENTO 2: Apresentação de participante
e não sabia que o professor Armando de literatura também dava aula lá
(N7E-3F-AMP)
Esse tipo de evento é raro, pois no discurso narrativo dificilmente o falante codifica
isoladamente, numa oração sintaticamente independente, uma ação não-perfectiva. Os
exemplos de que dispomos aparecem quase sempre na Contextualização.
3) UM ESTADO:
(28)
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100
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃOEVENTO 1: Localização temporal
eu TINHA uns doze anos, doze ou treze anos
EVENTO 2: Localização espacialaí TINHA um churrasco do lado da minha casa
EVENTO 3: Apresentação dos participantes e descrição da situação então eu TAVA com duas amigas minhas, uma vizinha e uma sobrinha da
minha vizinha também (N5O-3F-MAL)
Esse tipo de evento, da mesma maneira que o anterior, aparece mais na
Contextualização, devido a suas características descritivas. Isoladamente, funciona
localizando o tempo e o espaço em que se desenrola o fato, situando os participantes e, às
vezes, apresentando também o tópico global como em: "aí tinha um churrasco..." (EVENTO 2,acima).
II) EVENTOS INTEGRADOS
Sob o rótulo de eventos integrados agrupamos as situações percebidas integradamente,
em que ações/estados, bem como participantes envolvidos, são codificados com forte
vinculação sintática entre seus elementos, representando um único centro de interesse. O
princípio da iconicidade atua fortemente na codificação lingüística de eventos, na medida em
que o grau de integração percebido reflete-se no grau de integração sintática dos constituintes
da unidade de codificação. As noções de âncora e de fundo integrador são fundamentais na
caracterização de eventos integrados, como se verá à medida que forem elencados os
diferentes tipos.
A seguir, mostramos os quatro tipos de eventos integrados encontrados, com suas respectivas
subdivisões.
1) AÇÃO OU ESTADO SEMÂNTICA e SINTATICAMENTE ANCORADA(O) a
outra SITUAÇÃO (de ação/estado)Este tipo pode apresentar em relevo: uma ação perfectiva, uma ação imperfectiva, ou
um estado. A âncora, caracterizada como situação de apoio, pode ter sintaticamente função
complementizadora, modificadora ou, em certos casos, circunstancial. Vejam-se os exemplos
a seguir.
1.a) Relevo em uma AÇÃO PERFECTIVA
(Obs.: a ação em relevo aparece em caixa alta, e a âncora, sublinhada.)
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(29)
EPISÓDIO 3: ENCONTRO NO TRÂNSITO ENGARRAFADO
EVENTO 2: Contato inicial entre os participantese aí CONSEGUI FALAR com o guitarrista do grupoque tinha notado que eu os havia reconhecido
EVENTO 3: Pedido de discocomo bom fã, PERGUNTEI se eles possuíam disco novo para me dar
EVENTO 4: Resposta negativa mas o vocalista GESTICULOU que não (N9E-3M-ACD)
O grau de integração dos eventos é variável e isso se reflete na estrutura de
codificação. O EVENTO 2 do exemplo acima apresenta nítida integração em "consegui falar",
associando intimamente duas ações de um mesmo participante numa construção em que o primeiro verbo funciona como modal. A integração se verifica, ainda, entre a ação de falar
com o guitarrista, o fato de o informante ter reconhecido o grupo de rock do qual faz parte o
guitarrista, e o fato de este ter percebido o reconhecimento daquele. Reconstituindo a
cronologia dos fatos, temos a seguinte ordenação:
a) o informante reconhece os integrantes de um grupo de rock;
b) o guitarrista do grupo percebe que o conjunto foi reconhecido pelo informante;
c) o informante tenta falar com o guitarrista;d) o informante realiza seu intento.
Como a codificação não se deu nesta ordem, poder-se-ia objetar que o princípio da
iconicidade, ou mais especificamente o princípio semântico da ordem linear, que prevê uma
correspondência entre a ordem de ocorrência dos fatos e a ordem das orações no discurso, não
atuou neste caso. Entretanto, esta possibilidade relativa à ordem seqüencial é apenas uma das
previstas nos desdobramentos do princípio em subprincípios (cf. seção 2.1.1.). No exemplo em
foco, o subprincípio que predominou foi o referente à ordem seqüencial e topicidade,
associado ao subprincípio da proximidade. Vejamos como isso acontece.
O informante, relatando um Encontro no engarrafamento, conduz da seguinte maneira
a narrativa:
(30)
[...] notei que numa kombi, ao nosso lado, passaram os rapazes do grupo de rock "Ira"mas não consegui ficar ao lado da Kombi, que era da Rede Manchete, por causa do
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trânsito porém logo depois nossos carros ficaram emparelhadose aí consegui falar com o guitarrista do grupo que tinha notado que eu os
havia reconhecido [...]
Observe-se que o tópico primário, no âmbito da frase, está centrado na primeira
pessoa: 'notei', 'não consegui', 'consegui'; mesmo em 'nossos carros' o informante está incluído.
Como o tópico corresponde explicitamente à pessoa do falante, é natural que o discurso
continue centrado neste tópico. Por outro lado, a codificação integrada dos fatos anteriormente
desdobrados, verificada no evento destacado em negrito em (30), reflete o subprincípio da
proximidade no que tange ao seguinte: elementos que estão cognitivamente próximos serãocolocados mais próximos no nível da codificação. A atuação simultânea desses dois
subprincípios justifica a codificação integrada do evento, com a ação do falante em relevo, e
as demais como âncora.
Os eventos integrados apresentam graus variáveis de complexidade sintática nas
unidades de codificação. O tipo que ilustramos em (29), cujos eventos contêm uma ação
perfectiva em relevo ancorada a outra situação, tem seu nível de complexidade determinado
pela quantidade de elementos que se integram num centro de interesse, e depreendido pela
estrutura das orações que funcionam como relevo e como âncora. O último evento do
exemplo: "mas o vocalista gesticulou que não", por envolver dois aspectos factuais
interligados – a resposta traduzida em gesto e o próprio conteúdo da resposta – é codificado
com menor complexidade estrutural do que os demais eventos do mesmo episódio, que
envolvem um número maior de fatos. E esta complexidade estrutural é depreendida pela
codificação que integra o verbo com seu complemento oracional, sendo que a oração
complemento traz o verbo omitido, refletindo o próprio tipo de resposta dada pelo guitarrista
ao informante: apenas um gesto significativo.Passemos, agora, ao segundo subtipo da primeira categoria de eventos integrados.
1.b) Relevo em uma AÇÃO IMPERFECTIVA
O único traço que distingue esse tipo de evento do tipo anterior está associado à
perfectividade ou não da ação nucleadora do evento.
(31)
EPISÓDIO 2: IMPORTUNAÇÃO NA SAÍDA DA CASA DE AMIGOS EVENTO 4: A perseguição
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mas ele foi me seguindo sempreEVENTO 5: O descaso das pessoas
as pessoas não PRESTAVAM atenção no que estava acontecendo (N4O-3F-
IPS)
Enquanto em (30) ocorrem em relevo as ações perfectivas "consegui falar", "perguntei"
e "gesticulou", em (31) temos a ação imperfectiva "prestavam". No primeiro caso, os eventos
destacados conduzem seqüencialmente o fio narrativo, ao passo que no segundo, o evento em
foco é durativo e cotemporal ao ato da perseguição, representado no evento precedente.
O terceiro subtipo de evento apresenta um estado ancorado a outra situação (de ação ou
de estado). Veja-se, a seguir.
1.c) Relevo em um ESTADO:
(32)
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃOEVENTO 3: Apresentação de participante 1
e eu não sabia que o professor daqui da Letras dava aula lá tambémEVENTO 4: Apresentação de participante 2
e TINHA um colega que parecia com esse professor (N7O-3F-AMP)
Diferentemente dos dois subtipos anteriores, este evento não apresenta ação, sendo
nitidamente de apresentação e caracterização de um participante. Tal como ocorre com o
evento autônomo constituído por um estado, como foi exemplificado em (28), o tipo integrado
que estamos mostrando em (32) também tende a ocorrer na Contextualização, devido à sua
função descritiva geral.
Os três subtipos de eventos ilustrados em (29)-(32) apresentam-se paralelamente
distribuídos em relação aos três autônomos, transcritos anteriormente em (26)-(28). A
diferença reside na presença ou não de âncora, caracterizada sintaticamente por ser
subordinada com função complementizadora, modificadora ou circunstancial (neste últimocaso, em forma reduzida).
A seguir, apresentamos o segundo tipo de evento integrado.
2) AÇÕES/ESTADOS SEMÂNTICA e SINTATICAMENTE ASSOCIADOS numa
relação de CAUSALIDADE
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Optou-se por se considerar em separado os eventos que apresentam relações de
causalidade ou de temporalidade (grupo 3, a seguir) entre os fatos ou elementos que os
contituem. Isso porque, em se tratando de narrativas, é típico que as ações desencadeiam-se
sucessivamente ou simultaneamente no tempo, estabelecendo com freqüência relações de
causa>efeito.
O tipo ora focalizado agrupa ações/estados que apresentam relações semânticas de
causalidade. Causalidade é tomada em seu sentido amplo, de acordo com Paiva (1991:08-21),
abrangendo o que a gramática tradicional trata como subordinação causal e consecutiva, e
como coordenação conclusiva e explicativa.
Nesse grupo, estamos reunindo eventos cuja relação de causalidade é sintaticamenteindicada por conectores, como mostram os exemplos:
(33)
EPISÓDIO 4: O PÂNICOEVENTO 1: Sem saber o que fazer
mas na hora o nervoso foi tanto que eu não sabia o que fazia (N18O-2F-APA)
(34)
EPISÓDIO 2: SAÍDA DA SALA E ENTRADA NO BANHEIRO EVENTO 1: Saída apressada
saí apressado
EVENTO 2: Entrada na 1ª porta devido à escuridão e como estava muito escuroeu entrei na primeira porta que vi (N10E-3M-AAM)
(35)
EPISÓDIO 3: INÍCIO DE JOGO ACIDENTADO EVENTO 6: O "berreiro"
comecei a berrar com as mãos à cabeçaEVENTO 7: Autoproteção
fechei os olhospois sabia que tinha muita gente a minha volta (N20E-2M-ANT)
Nos três exemplos transcritos, percebe-se que a relação de causalidade, a par do que foi
visto nos eventos ancorados, também apresenta graus de integração. Para identificar a
gradação, é importante que se distingam as orações consecutivas das demais (causal
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propriamente dita, explicativa e conclusiva), devido à ordem de colocação dessas orações no
interior da unidade de codificação. As chamadas consecutivas apresentam uma ordem fixa
causa>efeito, codificando naturalmente a relação estabelecida entre fatos no mundo real. Já as
demais, dependendo do tipo de conector utilizado, podem variar a ordem de colocação no
enunciado e, com isso, alterar o grau de integração entre seus elementos. Comparem-se os
eventos novamente transcritos:
(36) mas na hora o nervoso foi tanto que eu não sabia o que fazia
(37) e como estava muito escuroeu entrei na primeira porta que vi
(38) fechei os olhos pois sabia que tinha muita gente a minha volta
Em (36), a relação de causa e conseqüência entre os fatos de estar nervoso e não saber
o que fazer é tão íntima que se reflete na codificação sintaticamente integrada de uma mesma
unidade lingüística. Em (37), a causa também precede o seu efeito, porém a codificação é
sintaticamente mais frouxa, ao apresentar a escuridão como motivo do ato de o informante
entrar na primeira porta que viu. Já em (38), a ação-efeito precede a causa (nesse caso,
codificada como oração explicativa), com inversão da ordem natural dos fatos e,
conseqüentemente, com menor grau de integração. Portanto, em termos de graus de
integração, o evento (36) é o mais integrado e o (38), o menos integrado dos três.
No que se refere ao nível de codificação, pode-se considerar que unidades que contêm
oração consecutiva são mais integradas do que as demais; entre essas, as causais propriamente
ditas, com ordenação causa>efeito, dado seu caráter icônico de linearidade, são mais
integradas do que as que apresentam a ordenação efeito<causa.
O terceiro tipo de evento integrado, caracterizado pela temporalidade, é mostrado aseguir.
3) AÇÕES/ESTADOS SEMÂNTICA e SINTATICAMENTE vinculados numa
relação de COTEMPORALIDADE
A cotemporalidade que caracteriza esse tipo de evento é sintaticamente indicada
através de subordinação adverbial, com conectores explícitos ou com formas verbais
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reduzidas. A cotemporalidade pode ser representada de diversas maneiras: por ações
simultâneas em que uma é ancorada na outra; por ações seqüenciais vinculadas a um fundo de
ação não-seqüencial; por ações seqüenciais associadas a um fundo estático; por ações
seqüenciais onde uma delas funciona também como fundo integrador do evento; por ações
não-seqüenciais vinculadas a fundo não-seqüencial; e por estados vinculados a fundo não-
seqüencial.
Passemos às exemplificações de cada subtipo.
3.a) AÇÕES SIMULTÂNEAS
Nesse caso, uma das ações aparece ancorada à outra, demonstrando a estreita relação
de cotemporalidade existente entre as duas, através de uma codificação sintaticamenteintegrada pela forma nominal do verbo da oração que funciona como âncora. Observem-se os
exemplos:
(39)
EPISÓDIO 7: PRESTAÇÃO DE SOCORROEVENTO 1: Vinda do pai com o reboque
ele VEIO algum tempo depois TRAZENDO um reboqueEVENTO 2: Cobertura do seguro
porém o seguro deu perda total do veículo (N3E-3F-PAB)
(40)
EPISÓDIO 5: PRESTAÇÃO DE SOCORRO EVENTO 1: Retorno com escolta
o velho SEGUIA-nos sempre REPETINDO que eu era ladra de carroEVENTO 2: Partida bem sucedida
mostrei os documentos de identidade e de propriedade do veículo aos guardas[...]
(N4E-3F-IPS)
Em (39), a ação perfectiva de 'vir' é concomitante ao ato de 'trazer o reboque'.Também em (40), a ação imperfectiva de 'seguir' é simultânea a de 'repetir'. A diferença entre
os dois eventos, no que tange à ação em relevo, está no fato de o primeiro situar-se
seqüencialmente na linha do tempo (já que, de acordo com o critério utilizado, a
seqüencialidade está fortemente associada ao aspecto perfectivo), e o segundo, caracterizando-
se como imperfectivo e durativo, não assinalar seqüencialidade. Com relação à âncora,
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também se verifica uma diferenciação: em "veio...trazendo" há simultaneidade contínua entre
as ações; já em "seguia...repetindo" há uma ação iterativa dentro da mais ampla.
A descrição efetuada acima mostra que o subtipo constituído por ações simultâneas
apresenta, ele próprio, variações internas. Embora esse tipo de evento seja considerado como
fortemente integrado – o que se evidencia lingüisticamente pela forma nominalizada do
verbo–, há graus de integração que distinguem uns eventos de outros, dentro dessa categoria.
Pode-se dizer, por exemplo, que (39) é mais integrado que (40), devido à associação entre os
aspectos de perfectividade, assinalando ação acabada ('veio'), e de duração contínua
('trazendo'), em oposição à associação entre imperfectividade ('seguia') e duração iterativa
('repetindo').Apresentamos, a seguir, o segundo subtipo dentro da categoria de cotemporalidade.
3.b) AÇÃO SEQÜENCIAL vinculada a FUNDO de AÇÃO/ESTADO DURATIVO
Esse subtipo de evento pode apresentar uma ou mais ações indicando seqüencialidade,
desde que associadas a um fundo durativo, constituído por uma ação imperfectiva ou por um
estado. Nesse caso, o fundo desempenha o papel de integrador das ações/estados num mesmo
centro de interesse.
A codificação das orações que funcionam como fundo é sintaticamente menos
integrada do que daquelas que aparecem como âncora. Esta é realizada por orações
complementizadoras, modificadoras ou circunstanciais nominalizadas; aquele, por
subordinadas circunstanciais desenvolvidas, ou mesmo por orações principais.
O que caracteriza uma ação/estado como fundo é sua função de agregar, "amarrar"
outra ação (ou ações) num único evento. Essa integração se dá pelo aspecto mais durativo do
fundo (relativamente às ações que a ele se vinculam), de modo que uma ação/estado perdura
enquanto outras ações ocorrem. Vejam-se os exemplos:(41)
EPISÓDIO 3: TENTATIVA FRUSTRADA DE SAIR COM O CARROEVENTO 1: Decisão de voltar e sair com o carro
finalmente, decidi voltar e tentar, de qualquer modo, sair com o carroEVENTO 2: Interferência do bêbado
mas quando estava baixando o vidro da portao velho me ALCANÇOUe COMEÇOU a me chamar de ladra de carro (N4E-3F-IPS)
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(42)
EPISÓDIO 3: CHEGADA DO PROFESSOR
EVENTO 1: Entrada em salaquando o professor ENTROUe SENTOUas pessoas ainda estavam conversando
EVENTO 2: Não identificação do professor e eu não me liguei que ele pudesse ser o professor (N7E-3F-AMP)
Em (41) encontramos duas unidades que codificam ação seqüencial – 'o velho me
alcançou'/ 'e começou a me chamar de ladra de carro' – que se apóiam a um fundo comum
imperfectivo – 'quando estava baixando o vidro da porta'.
Em (42), apesar de a primeira unidade se iniciar com um conectivo temporal, ela
estabelece com a segunda uma seqüência de ações coordenadas que se tornam compactadas
em função do fundo durativo que as integra em um mesmo centro de interesse. Nesse caso, o
papel de fundo cabe à oração sintaticamente principal, ao contrário do que acontece em (41).
Nos dois exemplos anteriores, o fundo é constituído por ação imperfectiva. Mas pode
também corresponder a um estado, como na ilustração seguinte:
(43)
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO EVENTO 1: Localização espaço-temporal
é...bem... eu tinha combinado com meu pai de almoçar com ele lá na cidade né,num restaurante natural
[...]EPISÓDIO 2: CHEGADA AO RESTAURANTE EVENTO 1: Percepção da pressa do pai
e quando CHEGUEI lámeu pai tava super apressado (N19O-2M-CSF)
Nesse exemplo, verifica-se novamente uma quebra da correlação entre fundo e
subordinação. A ação seqüencial está codificada em oração sintaticamente dependente,
enquanto o fundo estático é codificado em uma unidade sintaticamente autônoma.
Neste caso, onde temos QUANDO + AÇÃO PERFECTIVA, mais do que a
seqüencialidade de ações na linha do tempo, o que fica evidenciado é a cotemporalidade, a
integração de ações/estados num mesmo centro de interesse. A oração "e quando cheguei lá"
desempenha um duplo papel nesse evento: de encaminhar a ação, através de codificação
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perfectiva, e de situá-la concomitantemente num fundo estático ("meu pai tava super
apressado").
O fundo pode, eventualmente, ser codificado por uma ação perfectiva. É o que veremos
no subtipo seguinte.
3.c) AÇÕES SEQÜENCIAIS em que uma delas funciona também como FUNDO
INTEGRADOR DO EVENTO
Às vezes nos deparamos com construções perfectivas que indicam seqüencialidade de
ações, sendo uma dessas ações codificada em oração subordinada. Se estivéssemos
correlacionando fundo à subordinação, facilmente identificaríamos a oração subordinada comofundo, mesmo que ela contivesse uma ação perfectiva. Entretanto, nosso critério para fundo é
semântico-discursivo, e diz respeito ao aspecto mais durativo de uma ação, que perdura por
um determinado tempo, sustentando, apoiando as demais ações que se desenrolam dentro dos
limites de um centro de interesse.
Observando os exemplos arrolados a seguir, podemos verificar que a oração codificada
como subordinada é mais durativa do que as demais não subordinadas.
(44)
EPISÓDIO 3: DESCIDA DO TELHADO EVENTO 1: O chamado da mãe
aí a mãe da minha vizinha chamouEVENTO 2: A primeira passagem
e quando nós fomos descer, quando resolvemos desceruma passou
EVENTO 3: A quedaquando eu FUI PASSARa telha QUEBROUeu CAÍ dentro da casa da minha vizinha (N5O-3F-MAL)
No exemplo acima, o evento destacado é constituído por uma seqüência de ações. O
que faz com que o consideremos apenas um evento integrado é o fato de a ação codificada na
oração sublinhada ter um efeito mais durativo que perdura enquanto se desenrolam as outras
ações. É como se tivéssemos algo do tipo: 'na passagem...' e as ações de quebrar a telha e a
informante cair transcorressem durante essa passagem. De fato, parece evidenciar-se mais o
processo do que a ação, no caso do verbo 'passar'.
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Note-se que o início da ação de 'ir passar' antecede a quebra da telha e a queda; aqui é
nítida a seqüencialidade. Entretanto, a ação inicial estende-se como um processo e perdura
enquanto as outras ocorrem; aqui temos a cotemporalidade. Esta situação pode ser
representada da seguinte maneira:
-----------------------> IR PASSAR = NA PASSAGEM--------> QUEBRAR
--------> CAIR
O conjunto de ações no evento destacado em (44) está semanticamente integrado numcentro de interesse, onde uma ação mais durativa sustenta outras mais pontuais, configurando
uma cotemporalidade em sentido amplo; e sintaticamente amarrado pela subordinação.
Veja-se, ainda, o exemplo a seguir:
(45)
EPISÓDIO 5: PRESTAÇÃO DE SOCORRO EVENTO 1: Retorno com escolta
voltamos com elese o velho repetindo sempre que eu era ladra de carro, que eu era ladra de carro
EVENTO 2: Partida bem sucedidaquando nós CHEGAMOS lá pertoABRI a porta baixando o vidroENTREI no carroe FUI para casa (N4O-3F-IPS)
Novamente aqui temos ações perfectivas seqüenciais que se organizam de modo a
integrarem um único centro de interesse. A estratégia é semelhante à que foi descrita no
exemplo anterior. A primeira oração é codificada como sintaticamente dependente das demais
e funciona como fundo integrador devido ao aspecto menos pontual da ação ali codificada, emrelação às ações subseqüentes. No evento destacado em (45), parece possível considerarem-se
os atos de abrir a porta, entrar no carro e sair, tomando lugar durante o processo de 'chegada'
(a exemplo do que se percebeu em (44), relativamente ao processo de 'passagem'). Dessa
forma, consideramos que existe cotemporalidade lato sensu entre o processo de chegada e as
ações que se desenrolam no decorrer desse processo.
O último subtipo dentro da categoria de cotemporalidade é mostrado a seguir.
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3.d) AÇÃO NÃO-SEQÜENCIAL (ou ações) vinculada a FUNDO NÃO-
SEQÜENCIAL
No evento destacado no exemplo seguinte, a oração sublinhada na primeira unidade de
codificação funciona como fundo integrador de ações não-seqüenciais. O evento caracteriza-se
por apresentar cotemporalidade durativa, sem avançar a história na linha do tempo.
(46)
EPISÓDIO 5: VOLTA PARA CASAEVENTO 1: Chegada em casa e briga da mãe
Chegando em casa, minha mãe nem QUERIA SABER o que haviaAcontecido comigo,
só BRIGAVA por causa da chave (N20E-2M-ANT)
Nesse exemplo, as duas ações da mãe ocorrem vinculadas ao processo de chegada do
informante em casa, após um acidente no jogo de futebol. Embora as três ações 'chegar', 'saber'
e 'brigar' estejam codificadas como imperfectivas, a primeira delas inicia-se antes das outras e
estende-se como mais durativa, indicando o processo de chegada como um todo, e sustentando
as demais que transcorrem nesse processo.
Os quatro subtipos vistos no item 3) mostram possibilidades de manifestação de
cotemporalidade no evento, realizando-se a codificação com apoio sintático em âncora e em
fundo integrador. Passemos, a seguir, ao quarto tipo de evento.
4) AÇÕES/ESTADOS SEMANTICAMENTE ASSOCIADOS, mas com
INDEPENDÊNCIA SINTÁTICA
Foram incluídos nesse grupo os eventos que, diferentemente dos anteriores, não
apresentam relação de dependência sintática na codificação, mas que, como os anteriores,
comportam-se como unidades semântico-discursivas. Nesses casos, as pistas de codificaçãoque permitem agrupar ações/estados num único evento são de outra ordem. Em vez de
subordinação, encontramos outras formas de organização sintática e lexical que autorizam a
delimitação do evento. Essas formas de codificação foram identificadas como: recorrência,
detalhamento ou justificativa de fato mais geral e descrição de cenário ou de situação. Cada
um desses subtipos é ilustrado a seguir.
4.a) RECORRÊNCIA ou PARÁFRASE:
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Há várias formas de recorrência ou paráfrase: repetição integral de uma oração
contígua ou distante; repetição de constituintes de oração; repetição total ou parcial com
acréscimo de informações; ou retomadas com substituições. Na ilustração apresentada abaixo,
temos retomada com substituições e acréscimo de informação; este exemplo contém uma
construção de paráfrase onde o discurso direto é retomado na forma de discurso indireto.
(47)
EPISÓDIO 2: SONO INTERROMPIDO EVENTO 5: Desconhecimento da causa do "esporro"
aí eu: "o que que foi?"EVENTO 6: Motivo do "esporro"
ela gritando lá: "pô você bateu na tua vó, tu bateu na tua vó"
aí ela cismou que eu tinha dado um tapa na minha vó de madrugada(N24O-8M-RAF)
As retomadas desempenham funções discursivas distintas e nem sempre ocorrem
dentro dos limites de um mesmo evento. Quando não imediatas, normalmente indicam
fronteira de evento, seja fechando-o, abrindo novo evento como indicador coesivo de
reorientação, ou retomando um evento descontínuo. No caso do exemplo abaixo, temos
fechamento de evento. As unidades intercaladas representam justificativas para a ação que
abre e fecha o evento.
(48)
EPISÓDIO 3: IDA À JANELA E SUPOSIÇÃO DE INCÊNDIO EVENTO 2: Suposição de incêndio no apartamento
aí eu comecei né gente: "tá pegando fogo no meu prédio"e o meu apartamento tá em obraa parte da cozinha tá em obrae eu lembro que antes da minha mãe falar comigo no telefone ela falou: "não
esquece de desligar o gás"
aí eu comecei: "pronto, estourou a casa né, tá pegando fogo"EVENTO 3: As pessoas na ruae todo mundo olhava para cima (N18O-2F-APA)
A abertura de novo evento é ilustrada em (49).
(49)
EPISÓDIO 4: O ALMOÇO PLANEJADO EVENTO 4: Execução do plano
quando ela virou as costaseu comi rápido
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e fui sairEVENTO 5: Situação do restaurante
e o restaurante tava lotado
então eu tava sozinho numa mesaEPISÓDIO 5: SAÍDA ACIDENTADA EVENTO 1: A derrubada dos pratos
quando eu fui saira toalha tava presa na minha pernaentão no que eu saí aquele barulho batimbumbá... tudo caindo (N19O-2M-CSF)
Neste caso, percebe-se que o informante inicia o relato de uma seqüência de ações que
concretizam seu plano de sair do restaurante, interrompe essa ordenação para introduzir um
evento descritivo do local e, a seguir, retoma a seqüenciação, recuperando a última ação perfectiva codificada antes da suspensão do fio narrativo, e redirecionando o relato que
culmina com o episódio da saída acidentada do restaurante.
4.b) DETALHAMENTO ou JUSTIFICATIVA de uma asserção ou de um fato mais
geral
Neste grupo, o centro de interesse que configura um evento desenvolve-se a partir da
informação contida numa unidade de codificação inicial, que passa a ser explicitada,
justificada ou detalhada nas unidades seguintes. É o que ocorre no exemplo a seguir.
(50)
EPISÓDIO 2: O PERFIL DA BABÁ EVENTO 3: A esquisitice da babá
eu achava a babá assim meio esquisita porque eles eram muito religiosos, uma seita lá meio estranhaela rezava altoacendia vela e tale tinha uma cara assim meio sinistra (N8O-3F-MCB)
Temos, nesse evento, a justificativa da esquisitice da babá. Apesar de o início da
explicação ser marcado sintaticamente pelo conectivo 'porque', as demais ações e o estado
final são encadeados de modo independente.
4.c) DESCRIÇÃO de cenário ou de situação:
As descrições de cenários ou de situações são consideradas como um único evento
quando existe, entre os elementos que os constituem, associação semântica clara ou inferível
que os unifica num centro de interesse comum. Veja-se o exemplo:
(51)
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MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO EVENTO 2: Localização temporal
eu tinha uns oito anos de idade
EVENTO 3: Apresentação de participantes e descrição de situação nessa época todos os meus amigos tinham bicicletae estava na moda andar em pé na parte de trás (bagageiro) da bicicleta
(N1E-3F-AMV)
O evento descritivo acima faz parte da Contextualização do relato, funcionando como
uma espécie de preparação ou montagem do cenário para os fatos que se desenrolarão a partir
daí.
Alguns casos situam-se nos limites entre um tipo de evento e outro, apresentando
características compartilhadas. Veja-se o trecho a seguir, em que a descrição dos sintomas de
dor de cabeça é, também detalhamento de um fato geral:
(52)
EPISÓDIO 5: A VOLTA DO PROBLEMAEVENTO 1: Descrição das dores de cabeça
há pouco tempo atrás eu comecei a ter umas dores de cabeça superestranhasera como se estivessem expremendo a minha cabeça e dando socos na nucaera horrível (N22E-8F-MIM)
Encontramos, por fim, eventos que foram considerados problemáticos quanto à sua
delimitação. Vejamos alguns deles.
(53)
EPISÓDIO 4: EM BUSCA DE SOCORROEVENTO 2: Encontro com os guardas
e, por sorte minha, havia dois guardas na esquinaEVENTO 3: Pedido de proteção
falei com eles,expliquei o caso
e pedi que me acompanhassem até o veículo (N4E-3F-IPS)
O evento destacado passou por três interpretações distintas no decorrer da análise.
Inicialmente havíamos considerado as três ações como seqüenciais na linha do tempo, sendo
que a primeira 'falei com eles' significaria o contato inicial com os guardas, cumprimento, etc;
logo após viria a explicação do caso e depois o pedido de ajuda – nesse caso, teríamos três
eventos. Posteriormente agrupamos as três ações num evento único, com base no fato de os
verbos serem cognitivos e pertencerem ao mesmo campo semântico, e novamente realizamos
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uma dupla interpretação: a primeira oração havia sido considerada como figura tendo em vista
a abrangência semântica de 'falar' em relação a 'explicar' e 'pedir' (ambos considerados como
fundo pelo seu caráter de detalhamento). Finalmente, pela mesma justificativa anterior,
passamos a analisar a primeira unidade como fundo integrador, dado o seu caráter mais geral e
durativo, e as demais como realmente seqüenciais. E esta é a interpretação que estamos dando
ao evento: o ato de falar com os guardas envolve a explicação e o pedido. Nessas condições,
esse evento aproxima-se do tipo 'ações seqüenciais onde uma funciona como fundo
integrador'; só que neste caso não há dependência sintática.
Outro tipo de dificuldade surgiu em casos como os que se seguem.
(54)MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃOEVENTO 4: Apresentação de participantes e descrição de situação
então eu tava com duas amigas minhas, uma vizinha e uma sobrinha daminha vizinha também
nós não tínhamos o que fazer (N5O-3F-MAL)
(55)MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃOEVENTO 2: Localização espacial
eu estava em FriburgoEVENTO 3: Apresentação de participantee meu avô tinha construído uma churrasqueira (N23E-8F-DGM)
Comparem-se os exemplos acima. Em ambos, a unidade de codificação inicial
representa um estado: "então eu tava com duas amigas minhas..."/ " eu tava em Friburgo".
Entretanto, enquanto em (54) a segunda unidade que codifica o evento ("nós não tínhamos o
que fazer") associa-se semanticamente à primeira completando uma situação descritiva, em
(55) não se verifica o mesmo tipo de relação semântica, pois aparentemente não há vínculo
entre o fato de a informante estar em Friburgo e o fato de o avô ter construído uma
churrasqueira. Daí considerarmos um evento no primeiro caso e dois no segundo. Repare-se
que ambos os eventos fazem parte da Contextualização e têm o papel de preparadores do
cenário geral do acontecimento a ser relatado.
Eventos como os seguintes também foram problemáticos quanto a sua delimitação.
(56)
EPISÓDIO: INÍCIO DE JOGO ACIDENTADO
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EVENTO 1: Preparação chegando lá vesti a camisatava superanimado
EVENTO 2: Machucadura no joelhoa primeira bola que eu fui encostar o pé, o jogador foi com maldade no meu pé[...] (N20O-2M-ANT)
(57)EPISÓDIO 3: DE VOLTA AO SUPERMERCADOEVENTO 2: Conferência na tabela
não satisfeita fui conferir a tabela próxima ao produto,EVENTO 3: Reação
fiquei horrorizada (N6E-3F-AMC)
A dúvida, nos exemplos acima consistia em que tratamento dar às unidades de
codificação: "tava superanimado" e "fiquei horrorizada", aparentemente semelhantes, devido à
qualificação adjetiva. Optamos por considerar a primeira integrada ao evento, como estado
cotemporal à chegada e seu desdobramento; e a segunda, como evento separado, estado
resultante da ação precedente, portanto sem cotemporalidade.
Outro tipo de dificuldade surgiu nos discursos direto e indireto. A opção foi considerar
cada mudança de turno como um evento diferente.
(58)
EPISÓDIO 3: ENCONTRO NO TRÂNSITO ENGARRAFADO EVENTO 4: Início do diálogo
[...]falei um "beleza"
EVENTO 5: Cumprimento e aí "tudo bem" ele respondeu
EVENTO 6: Pedido de disco e inclusive eu perguntei se eles tinham um disco novo deles para me dar
EVENTO 7: Resposta negativa
e eles disseram que nãoEVENTO 8: Pedido de cerveja
perguntaram se eu não tinha uma cervejinha no carro para dar para elesEVENTO 9: Resposta negativa
eu também respondi que não (N9O-3M-ACD)
***
A análise dos eventos constitutivos das narrativas de nosso corpus permitiu-nos uma
descrição sistemática, através de categorização de tipos de eventos que se mostraram
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recorrentes nos dados. Foi possível estabelecermos uma tipologia de eventos, fundada na
noção semântico-cognitiva de integração, e baseada nos critérios sintático-semântico-
discursivos de: seqüencialidade e cotemporalidade de ações/estados; perfectividade e duração;
ancoragem e fundo integrador.
A distribuição dos eventos nas quatorze categorias descritas mostra a validade
metodológica da definição de evento, centrada na noção de integração, bem como dos critérios
propostos para sua delimitação.
Acreditamos ter fornecido, nesta subseção, elementos consistentes que justificam o
tratamento do evento como uma unidade semântico-discursiva, portanto capaz de ser alçada,
juntamente com o episódio, à categoria de unidade de análise de nosso corpus.Temos, no decorrer deste capítulo, sustentado a primeira parte da hipótese norteadora
da presente investigação, qual seja: "o tópico se organiza na narrativa a partir de um esquema
cognitivo que orienta a distribuição hierarquizada das informações num plano semântico-
discursivo".
Trataremos, a seguir, da segunda parte da hipótese, relativa à organização das unidades
de codificação do evento.
4 A organização das unidades de codificação dos eventos
Conforme discutido na seção 1 deste capítulo, a unidade sintático-semântico-discursiva
que codifica o evento é denominada de unidade de codificação dos eventos – (UCE). Como o
evento é definido com base na percepção mais ou menos integrada de ações/estados, a unidade
que o codifica também é caracterizada por apresentar-se mais ou menos integrada, refletindo
os graus variáveis de integração que ele apresenta. A noção de integração é central tanto na
definição de evento quanto na caracterização das UCE, por isso lhe dedicamos uma subseçãoespecial, antes de descrevermos a constituição das unidades de codificação.
4.1 A integração semântico-sintática
Um evento pode ser codificado por uma unidade de codificação simples, uma unidade
complexa ou um conjunto de unidades, o que vale dizer que, de acordo com Chafe (1980), as
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unidades de informação contidas em um "centro de interesse" podem ser expressas
sintaticamente com graus variáveis de independência ou integração (p.30). Essa variação
decorre da própria constituição do evento: quanto mais integrados estiverem as ações/estados
desse evento, mais integrada será a codificação lingüística, portanto maior probabilidade de
codificação em uma única unidade complexa. Uma integração frouxa nas ações/estados se
refletirá numa codificação em mais de uma unidade, normalmente coordenadas ou justapostas,
ou adverbiais. Podemos, portanto, estabelecer a seguinte implicação probabilística:
(a) quanto mais integrados semanticamente estiverem as ações e/ou estados, maior a
probabilidade de constituírem um único evento e serem codificados numa única unidade.
Conforme se tem destacado no decorrer do trabalho, a sintaxe é considerada como umaestrutura complexa, resultante da combinação de elementos mais icônicos (cognitivamente
transparentes) com elementos mais simbólicos (cognitivamente arbitrários) (cf. Givón 1990;
1991a; 1991b). Uma conjugação desses elementos resulta em diferentes mecanismos
utilizados na codificação do grau de integração semântico-sintática de eventos. Vejam-se a
esse respeito, as seguintes correlações postuladas por Givón (1990:515-60; 1991b:94-7):
(b) quanto mais cotemporalidade entre ações/estados, maior integração;
(c) quanto mais referentes tópicos partilhados entre as orações, maior integração;
(d) quanto menos agentivo o sujeito da oração subordinada (nos casos de não
correferencialidade do sujeito), maior integração;
(e) quanto mais nominal a morfologia verbal da oração subordinada (-R, -NDO, -DO),
maior integração;
(f) quanto menos material interveniente (entre verbo e complemento oracional, ou entre
antecedente e relativa) maior integração.
Observe-se que a correlação (b) é transparentemente icônica, refletindo o princípio da
proximidade. A (c) e a (d) representam mecanismos sintático-semântico-discursivos,apontando diretamente para a questão da continuidade do tópico, tomado aqui em seu sentido
referencial de tópico primário que se manifesta sintaticamente como sujeito no âmbito da
oração (cf. Givón, 1983). Nesse caso, a continuidade do tópico implica correferencialidade do
sujeito das orações encaixadas na unidade de codificação. A correlação (e) é claramente
derivada de convenções gramaticais. E a (f) combina motivação icônica (princípio da
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proximidade) e estrutural. Esses cinco mecanismos (b-f) interagem na codificação lingüística
de eventos integrados. Exemplificando:
(59) e continuei estudando (N18O-2F-APA)
(60) e mandou eu passar gelo na região afetada (N20E-2M-ANT)
(61) e eu vi que o cara tava ficando nervoso aqui do meu lado (N12O-3M-CBG)
(62) aí eu falei assim: você só quer o carro mesmo? (N12O-3M-CBG)
Em (59) temos o grau máximo de integração: cotemporalidade, referentes partilhados,
morfologia verbal nominal (-ndo) e ausência de material fônico entre os verbos. Em (60), nãohá cotemporalidade nem referentes partilhados, há uma forma pronominal codificada entre os
verbos, e o traço positivo é a forma infinitiva do verbo. Em (61), há cotemporalidade, não há
correferencialidade, o verbo da oração encaixada está flexionado e há um conector e um SN
entre as formas verbais. Em (62), há uma ruptura maior entre o verbo principal e a oração
complemento, pois trata-se de uma forma de discurso direto em que os dois fatos – o
representado pelo verbo dicendi e o conteúdo enunciado – existem, em certo sentido, em dois
universos separados, embora o segundo esteja sintaticamente encaixado no primeiro.
Adicionalmente aos traços gerais de cotemporalidade, correferencialidade, morfologia
verbal e material interveniente, Givón considera as diferentes classes dos verbos no que diz
respeito especificamente à complementação oracional. O autor segue uma tradição tipológica
clássica e distribui os verbos com complemento oracional em três classes: de modalidade
(indicando: início, término, persistência, intenção, obrigação, habilidade – em relação à
ação/estado codificada no complemento. Ex.: querer, começar, terminar, dever, tentar);
manipulativos (indicando, em termos gerais, manipulação ou desejo de manipulação por um
agente (sujeito da oração principal) de outro agente potencial (objeto da principal e sujeito daoração complemento – reduzida de infinitivo). Ex.: fazer, mandar); e cognitivos/enunciativos
(representando percepção, cognição, atitude mental ou enunciação, de modo que a oração
complemento corresponda ao objeto da atividade mental ou verbal codificada pelo verbo
principal. Ex.: saber, pensar, dizer, perceber). Givón propõe uma distribuição escalar
associada à classe do verbo, partindo do mais para o menos integrado: modalidade
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manipulativo cognitivo/enunciativo.(1990:517-36) De acordo com essa distribuição, os
exemplos de (59) a (62) apresentam-se ordenados de forma escalar.
Em se tratando de relativas, como o pronome desempenha a dupla função de conector e
de elemento de coesão referencial, pode-se considerar também a função sintática do pronome
como um dos traços específicos associados ao grau de integração das orações adjetivas. Nesse
caso, a topicidade no nível da frase seria um fator determinante de graus de integração
associados, respectivamente, às funções sintáticas de sujeito, objeto e outras funções (cf.
Givón: 1983). Por exemplo:
(63) o carro que tinha visto o acidente parou (N3O-3F-PAB)
Esta unidade é resultante do encaixe de:- o carro tinha visto o acidente
- o carro parou
onde o elemento retomado é tópico primário. Vejamos o exemplo seguinte:
(64) eu mostrei o caminho né a rua que tinha que seguir (N20-3F-API)
Aqui foram encaixadas as informações:
- eu mostrei o caminho né a rua
- (ela) tinha que seguir a rua
em que 'rua' comporta-se como tópico secundário.
Já no próximo exemplo, a função do elemento substituído pelo relativo é de locativo,
situando-se num terceiro nível de topicidade:
(65) chegamos na vila Kosmos onde ia ser realizado o jogo (N20E-2M-ANT)
Nesse caso foram encaixadas as seguintes informações:
- chegamos na vila Kosmos
- o jogo ia ser realizado na vila Kosmos
No que diz respeito especificamente às adjetivas, o grau máximo de integração cabe àunidade cujo pronome relativo é sujeito da oração encaixada; o grau intermediário cabe à
função de objeto; e o grau menor às demais funções. Esses traços inerentes ao tipo de oração
(no caso adjetivas) interagem com os traços gerais propostos inicialmente, resultando dessa
combinação construções mais ou menos integradas. Vejam-se os exemplos:
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(66) e a cara das mulheres cochichando é que ficou assim... (N10O-3M-AAM)
(67) veio um bêbado que tentava falar comigo (N4O-3F-IPS)
(68) ele tinha colocado uma xícara é... em cima do espelhinho que ficava perto dobox (N21O-8F-CGS)
(69) eu mostrei o caminho né a rua que tinha que seguir (N2O-3F-API)
A unidade (66) é bastante integrada: apresenta cotemporalidade e construção sintática
com antecedente seguido de forma nominalizada do verbo, portanto sem material interferente.
O exemplo (67) apresenta: cotemporalidade, continuidade de tópico e relativo na função de
sujeito. Em (68) mantêm-se a cotemporalidade e a função de sujeito do relativo, porém não há
tópicos correferentes e o tópico da subordinada é não agente. O último exemplo, por sua vez,
não apresenta cotemporalidade, nem continuidade de tópico (sendo agente o sujeito da
subordinada), e a função sintática do relativo é de objeto. Portanto, as quatro unidades de
codificação encontram-se em distribuição escalar quanto à integração.
Para se avaliar o grau de integração das unidades com orações circunstanciais, podem
ser observados os mesmos traços gerais de integração considerados para os complementos
oracionais e as orações adjetivas. O traço de construção sintática (material interveniente) devesofrer adaptações, em função das características das orações circunstanciais.
Vários estudos (cf. Ramsey, 1987; Thompson, 1987; Givón, 1990, entre outros) têm
indicado que orações adverbiais antepostas à principal apresentam um escopo mais
abrangente, associando-se tanto ao discurso precedente quanto à oração subseqüente, ao passo
que as adverbiais pospostas à principal têm um escopo localizado, relacionando-se apenas à
oração que as precede. Enquanto a adverbial anteposta tende a ser tópica, e alguns tipos como
a temporal funcionam como orientação coesiva, a adverbial posposta tende a ser mais
integrada à estrutura semântica da oração principal (Givón,1990:844). Em vista disso, a
posição da oração circunstancial é um importante mecanismo sintático-discursivo a ser
considerado: posposição (PR/Circ), intercalação (PR/Circ/PR) e anteposição (Circ/PR).
Vamos ilustrar a integração com circunstanciais a partir de construções causais.
Comparem-se as três unidades de codificação, a primeira contendo oração subordinada
consecutiva e as demais contendo oração subordinada causal:
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(70) eu tanto fui que dei de cara com a árvore (N11O-3M-FRJ)
(71) comecei a rir né pensando que fosse meu colega (N7O-3F-AMP)
(72) de tanto rirmos perdemos as forças para pedalar (N1E-3F-AMV)
Qual a ordenação das unidades em termos de integração?
As três apresentam continuidade do tópico. As duas últimas têm nominalização verbal,
em oposição à primeira. Quanto à construção sintática, as duas primeiras são PR/Circ (o que
as coloca no topo da escala com relação a este traço) e a última é Circ/PR. Portanto, de acordo
com os critérios relativos aos traços, (71) parece ser mais integrada do que (70) e (72), já queretém três traços positivos: continuidade do tópico, nominalização e posposição.
No entanto, intuitivamente não sentimos que a gradação seja essa. O problema que
parece estar subjacente às unidades em discussão é o seguinte: a ordenação causa>efeito, dado
seu caráter icônico, não estaria, por si só, implicando maior integração do que a ordenação
efeito<causa (independentemente de sua função sintática)? Concretamente, a cláusula (71),
considerados os demais traços em comum, não seria menos integrada do que (70) e (72), por
ser uma seqüência de efeito<causa? Julgamos que sim. Por isso consideramos que, de modo
geral, no grupo das causais, as consecutivas são mais integradas do que as causais
propriamente ditas, e entre estas, as de ordenação causa>efeito são mais integradas do que as
de ordenação efeito<causa, conforme já foi mencionado na seção 4.3.
O traço relativo à ordenação não atua isoladamente, mas interage com os outros traços
gerais já descritos. Comparem-se, por exemplo:
(73) de tanto rirmos perdemos as forças para pedalar (N1E-3F-AMV)
(74) a gente ria tanto, mas ria tanto que a gente não tinha nem força pra pedalar a bicicleta (N1O-3F-AMV)
Não é preciso grande esforço para perceber que a primeira é mais integrada que a
segunda. No entanto, em (73) a adverbial está anteposta e em (74) está posposta. Como
resolver esta aparente contradição? Parece que nesse caso os fatores correlacionados com a
maior integração estão ligados à nominalização verbal aliada à construção V/V da primeira,
em oposição à subordinação desenvolvida com construção V/Conectivo/V da segunda. A
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frouxidão da segunda é assinalada ainda pela repetição de 'ria tanto' e pela retomada
aparentemente desnecessária do sujeito 'a gente', o que torna a construção arrastada.
Vejam-se ainda:
(75) como bom fã, perguntei se eles possuíam disco novo para me dar (N9E-3M-ACD)
(76) mas aí eu com vergonha de levantar àquela altura do campeonato né fiquesentada lá afundada (N16O-2F-CMP)
(77) consegui, com esforço, libertar-me da mão dele que segurava o meu braço,dizendo que ia chamar a polícia (N4E-3F-IPS)
Em (75), a causa está anteposta numa construção Circ/PR com elipse verbal, em (76)
está intercalada em PR/Circ/PR e em (77) está posposta em PR/Circ. Como a representação
icônica da organização de fatos da realidade corresponde à ordem causa>efeito, tal ordem
parece naturalmente favorecer a maior integração da unidade (75), enquanto que a ordem
efeito<causa está associada a um grau menor de integração em (77). O aspecto semântico da
ordem causa>efeito parece ser mais relevante no que diz respeito à integração, do que o
aspecto sintático-discursivo relativo à posição da oração subordinada (Circ/PR - PR/Circ).
Os exemplos mostrados até agora são de unidades de codificação que integram
basicamente duas ações e/ou estados. Temos, porém, unidades que codificam integradamente
um número maior de ações/estados. Vejam-se os exemplos:(77) sem avisar o porteiro nem a ninguém, resolveu levá-lo ao INPS para fazer uma
radiografia (N8E-3F-MCB)
(78) e depois eu só me lembro que no hospital estavam costurando minha boca e eurindo às gargalhadas que tavam fazendo cócegas (N24O-8M-RAF)
Nessas construções com encaixes múltiplos, o maior número de informações associa-se
à maior complexidade estrutural, evidenciando-se: a) o princípio da iconicidade em seu
desdobramento relativo à quantidade – fatia maior de informação corresponde a uma fatia
maior de codificação; b) o princípio meta-icônico da marcação – categorias cognitivamente
complexas tendem a ser marcadas estruturalmente (cf. cap. 2). Nesse caso, vale dizer, maior
número de ações/estados integrados corresponde a maior complexidade estrutural da unidade
de codificação.
O fenômeno da integração semântico-sintática ocorre com níveis variáveis de
complexidade estrutural. Tal complexidade está diretamente relacionada à quantidade de
informações percebida integradamente e veiculada na codificação da unidade lingüística.
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***
Nossa meta, ao abordarmos a questão da integração, foi basicamente evidenciar que a
unidade de codificação do evento apresenta graus variáveis de integração sintático-semântica,
dando sustentação à própria definição de evento e de unidade de codificação. Para isso,
apontamos alguns traços sintático-semântico-discursivos como critérios para avaliar o grau de
integração de eventos codificados, mostrando que é possível operacionalizar a noção
semântico-cognitiva de integração através da análise da codificação lingüística. Quanto a esse
aspecto, uma tarefa importante a ser empreendida é a de uma medida sistemática do grau de
integração das unidades. Destacamos porém que, embora consideremos a relevância dessa
tarefa, não é esse o nosso objetivo nesta tese.Constatamos, no decorrer da discussão sobre a questão da integração semântico-
sintática:
a) a adequação da utilização do critério de integração para definir o evento e sua
respectiva unidade de codificação;
b) a forte atuação do princípio da iconicidade em seus diferentes desdobramentos:
subprincípio da quantidade, da ordem seqüencial e da proximidade, com ênfase especial para a
implicação deste último no processo de integração de ações/estados e sua respectiva
codificação;
c) a possibilidade de se avaliar o grau de integração dos eventos percebidos e
codificados, considerando-se a atuação conjunta de mecanismos de base cognitiva (icônicos),
discursiva e gramatical, operacionalizáveis em termos de traços como: cotemporalidade,
continuidade do tópico, nominalização verbal da oração subordinada e material interveniente.
4.2 Constituição das UCE
Esta seção tem a função de mostrar como se dá a codificação lingüística dos eventos, o
que é importante para a compreensão de como se dá a organização semântico-discursiva da
narrativa e, posteriormente, para o estabelecimento de diferenças entre fala e escrita, já que
estas se situam no nível da codificação.
7/24/2019 Edair Gorski - Tese
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Os graus de integração com que um evento é percebido e relatado refletem-se na
estruturação da unidade de codificação (UCE), que pode apresentar-se como simples (ex. (80))
ou complexa (ex. (81-83)):
(80) o táxi parou defronte meu carro (N12E-3M-CBG)
(81) a gente pensou que o carro fosse explodir (N3O-3F-PAB)
(82) o carro que tinha visto o acidente parou (N3O-3F-PAB)
(83) ao voltar do trabalho, perto da hora do almoço, constatei que ele não havia subidodo passeio com a babá (N8E-3F-MCB)
No início de nossa tarefa de segmentarmos as UCE, serviu-nos de apoio a distinção
entre encaixe e combinação de orações (clause embedding e clause combining , naterminologia de Matthiessen & Thompson, 1988:279), cabendo à noção de encaixe o papel
decisivo para a delimitação das unidades. Segundo esses autores, o encaixe envolve as orações
complemento e as adjetivas restritivas (cf. ex.(81-82), enquanto a combinação recobre os
demais tipos de períodos compostos (em (83) temos combinação e encaixe). Esse critério para
caracterizar a UCE foi, porém, logo reformulado, uma vez que não dá conta da correlação
entre eventos semanticamente integrados e codificação sintaticamente integrada. Se fosse
mantido, a circunstância temporal expressa por 'ao voltar do trabalho', em (83), não seria parteintegrante da UCE. Passamos, então, a incluir algumas combinações de orações (no sentido
descrito acima) no âmbito de uma única unidade, além dos encaixes (também no sentido
anteriormente apontado).
No decorrer da análise dos dados, foram isolados os seguintes tipos de construção de
UCE complexa, todos associados a uma oração sintaticamente principal, funcionando como
unidades sintático-semântico-discursivas: oração substantiva (incluindo discurso indireto e
direto); oração adjetiva (restritiva e explicativa); oração adverbial indicando uma relação
estreita de causa > conseqüência) – todas flexionadas; e orações reduzidas em geral.
A partir da delimitação das UCE nas narrativas de nosso corpus, chegamos à seguinte
descrição sintática de tipos de construção.
Uma UCE pode ser constituída por:
1) Oração independente, absoluta
(84) o táxi parou defronte meu carro (N12E-3M-CBG)
2) Principal + oração substantiva desenvolvida (incluindo DI e DD):
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(85) a gente pensou que o carro fosse explodir (N3O-3F-PAB)
(86) e então o guitarrista me perguntou, na gozação, se eu tinha uma " cervejinha" para
eles (N9E-3M-ACD)(87) eu lembro que ela ficava: eu te levo pra casa, entra aqui (N2O-3F-API)
3) Principal + adjetiva (restritiva ou explicativa) não-seqüencial:
(88) o carro que tinha visto o acidente parou (N3O-3F-PAB)
(89) mas não consegui ficar do lado da kombi, que era da rede Manchete, por causa dotrânsito (N9E-3M-ACD)
4) Principal + reduzida (-R, -NDO, -DO) não-seqüencial:
(90) peguei o caminho para casa sem chorar (N2E-3F-API)
(91) eu só conseguia abrir as portas abaixando o vidro (N4O-3F-IPS)(92) e armado bateu no vidro da janela (N12E-3M-CBG)
5) Principal + adverbial com estreita relação causa > conseqüência:
(93) mas na hora o nervoso foi tanto que eu não sabia o que fazia (N18O-2F-APA)
6) Junção dos tipos acima:
(94) ao voltar do trabalho, perto da hora do almoço, constatei que ele não havia subidodo passeio com a babá (N8E-3F-MCB)
(95) mas o fato de não ter tido o expediente de avisar, ou ao menos telefonar, fez com
que eu passasse os piores momentos de minha vida (N8E-3F-MCB)Em (94), temos oração reduzida (-R) + principal + oração substantiva. Em (95),
principal (intercalada) + orações reduzidas (-R) + principal + substantiva.
7) Não-oração (sem V):
(96) uma confusão o prédio inteiro lá embaixo (N18O-2F-APA)
8) Construção com hesitação, reparo ou repetição de constituintes:
(97) aí ele conseguiu... no posto conseguiu que um carro parasse, que ficasse com agente (N3O-3F-PAB)
(98) eu tentei... comecei a descer a rua (N4O-3F-IPS)
No decorrer da análise das unidades complexas, deparamo-nos com alguns casos
problemáticos, os quais apresentaremos a seguir. Encontramos algumas orações cujas ações
estão cronologicamente ordenadas através de uma codificação coordenada, porém sob o
escopo de uma oração sintaticamente principal. Vejam-se os exemplos:
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(99) lá me informaram que eu tinha que telefonar pra um nove zero e avisar a centralde polícia (N12O-3M-CBG)
(100) e me deu a idéia de interfonar para o porteiro e perguntar o que estava
acontecendo realmente (N18E-2F-APA)(101) então durante o almoço eu bolei um plano de comer a sobremesa rápido e depois
dar no pé, sair fora antes que ela pudesse fazer alguma coisa (N19O-2M-CSF)
Optamos por considerar que a ordenação de ações encadeada por coordenação está
embutida na ação expressa na primeira oração e que, portanto, está sintática e semanticamente
sob o domínio de um termo da oração principal, constituindo-se o conjunto em uma única
unidade de codificação. Veja-se a distribuição das informações:
telefonar pra um nove zero
(102) lá me informaram que eu tinha que eavisar a central de polícia
interfonar para o porteiro(103) e me deu a idéia de e
perguntar o que estava acontecendo realmente
comer a sobremesa rápido(104) ... eu bolei um plano de e
depois dar no pé, sair fora antes que ela pudesse fazer
alguma coisa
Observe-se que as formas verbais das orações encadeadas estão no infinitivo,
indicando ações por realizar, todas vinculadas a uma ação perfectiva: 'informaram', 'deu',
'bolei', estas sim, indicando seqüencialidade no tempo.
Encontramos ainda outros tipos de coordenadas que aparecem também encaixadas,
subordinadas a um termo da principal, sendo portanto analisadas como uma unidade de
codificação:
(105) e depois eu só me lembro que no hospital estavam costurando minha boca e eurindo às gargalhadas que tavam fazendo cócegas (N23O-8F-DGM)
(106) eu fiquei é... nesse ping-pong de pessoas que queriam que eu tomasse gardenal eque fosse pela outra medicina e pessoas que queriam que eu fosse pelahomeopatia (N22O-8F-MIM)
Em decorrência disso, nossa descrição de tipos de UCE deve incluir ainda:
9) Coordenadas encaixadas - cf. ex. (99) a (106).
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128
Outra dúvida surgiu em tipos de construção como o seguinte:
(107) mas aí eu com vergonha de levantar àquela altura do campeonato né fiquei
sentada lá afundada... (N16O-2F-CMP)
(108) nós, como éramos curiosas, subimos com a bicicleta em cima da calçada comtoda força para ver como era um beijo (N1E-3F-AMV)
Temos, nos exemplos (107) e (108), combinações intercaladas funcionando
integradamente como uma unidade de codificação de evento. Essas unidades apresentam um
comportamento similar ao das que estamos denominando de 'relação estreita de causa >
conseqüência', ilustrada no exemplo (93). Devemos acrescentar, então, mais um tipo em nossa
descrição de unidades de codificação:
10) Combinação intercalada - cf. ex. (107) e (108).
Matthiessen & Thompson (1988:284), ao analisarem combinações que envolvem
circunstâncias de causa, tempo, modo, etc, denominam-nas, utilizando-se de uma
nomenclatura proposta por Halliday, de enhancing hypotaxis, de modo a distinguir esse tipo
de combinação, dos encaixes e dos outros tipos de hipotaxe (adjetiva não restritiva e discurso
indireto). A proposta dos autores de considerar as circunstanciais como um tipo à partecoincide com nossa abordagem da unidade de codificação do evento, uma vez que em nosso
estudo, com exceção das circunstanciais com estreita relação de causa e conseqüência, que
funcionam como uma única unidade, as demais circunstanciais flexionadas são consideradas
como unidades de codificação distintas.
Listamos a seguir as combinações que funcionam como duas (ou mais) unidades de
codificação. Nesse caso, o evento apresenta um grau mais baixo de integração, o que se reflete
numa codificação sintaticamente mais frouxa.
1) Principal + circunstancial flexionada:
(109) mas quando estava baixando o vidro da porta o velho me alcançou (N4E-3F-IPS)
2) Coordenadas em geral:
(110) a angústia era grande, pois a babá era nova,trabalhava lá em casa há apenas uma semana (N8E-3F-MCB)
3) Adjetivas seqüenciais:
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(111) assustada eu me joguei para o lado do meu amigo Rodrigoque acabou batendo com a cabeça no orelhão (N17E-2F-MRH)
(112) mostrei os documentos de identidade e de propriedade do veículo aos guardasque mantiveram o velho afastado de mime me deram proteção para dar partida no carro (N4E-3F-IPS)
As orações adjetivas normalmente são encaixadas em uma única unidade de
codificação, por estarem incluídas na representação de um evento integrado. Aqui, no entanto,
mostram nitidamente ações seqüenciais: em (111), o fato de Rodrigo bater com a cabeça no
orelhão é posterior e decorrente do ato da informante de jogar-se para o lado dele; em (112), as
ações dos guardas de manterem o velho afastado e de darem proteção à informante são posteriores ao fato de a informante ter-se identificado. Optamos por considerá-las unidades de
codificação distintas, apesar de terem sido codificadas de modo sintaticamente integrado.
4) Adverbiais reduzidas seqüenciais:
(113) e rodou no meio da pista batendo em ambas as proteções que cercam a mesmae caindo no meio do mato (N3E-3F-PAB)
Tal como ocorre com as adjetivas, as orações adverbiais reduzidas costumam integrar-
se às principais, constituindo uma unidade de codificação que representa um evento integradocom ações/estados cotemporais. Há alguns poucos casos, porém, em que isso não ocorre. É o
que se verifica no exemplo acima, onde as orações reduzidas codificam ações que fazem parte
da linha seqüencial da narrativa, sendo, portanto, consideradas como unidades de codificação
distintas da unidade correspondente à oração principal. Em (113), a batida e a queda do carro
no mato são posteriores à rodada na pista. Temos, nesse caso, um evento codificado com três
UCE.
5) Causais sem relação estreita de causa>conseqüência:
(114) fechei os olhos pois sabia que tinha muita gente a minha volta (N20E-2M-ANT)
A descrição de tipos de UCE que acabamos de apresentar coincide, no geral, com a
descrição de tipos de cláusulas feita por Louzada (1992:53-56)16. Preferimos, no entanto,
16 No decorrer do trabalho, a análise dos tipos de unidades de codificação da narrativa foram largamentediscutidos com Louzada, a quem agradeço.
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130
manter a denominação genérica de unidade de codificação de evento, uma vez que a noção de
cláusula é bastante controversa nos estudos lingüísticos de base funcionalista e requer uma
discussão mais aprofundada.
A definição e a delimitação da UCE são orientadas pelo princípio da iconicidade em
seu desdobramento relativo à proximidade: entidades cognitivamente mais próximas são
colocadas mais próximas no nível da codificação. O subprincípio da proximidade explica o
grande número de casos de integração verificado nos dados: num total de 1503 UCE
analisadas, 671 (44,65%) equivalem a unidades complexas com graus variáveis de integração,
enquanto que 832 (55,35%) correspondem a unidades simples.
5 Conclusões parciais
Neste capítulo, descrevemos a organização das funções discursivas – tópico e
subtópico – que se realizam hierarquicamente no plano semântico-discursivo. Partimos do
pressuposto de que a organização do discurso envolve um mecanismo de controle, por parte
dos interlocutores de uma dada situação comunicativa, que permite a ordenação gradual das
informações em camadas superpostas que vão se acomodando sob o domínio de pontos
estratégicos ("nós de arquivos") que assinalam o lugar dos tópicos e subtópicos discursivos.
Tal mecanismo de controle permitiu que reconhecêssemos, identificássemos e rotulássemos os
tópicos e subtópicos semânticos constitutivos de cada narrativa.
No discurso narrativo, subjacente à distribuição das informações em unidades
semântico-discursivas (tópicos/subtópicos), pressupomos que existam unidades semântico-
cognitivas (episódios e eventos), constituídas a partir da percepção de ações/estados, que se
organizam em modelos de situação armazenados na memória. No processo de verbalização
tais modelos são ativados na construção de modelos de discurso que se materializam atravésda codificação lingüística. Mecanismos de base cognitiva, discursiva e gramatical interagem
nesse processo, e os episódios/eventos percebidos e armazenados são organizados
discursivamente em tópicos/subtópicos e representados linearmente através de unidades de
codificação. Assim, as categorias semânticas de base discursiva (tópicos/subtópicos)
correlacionam-se a categorias semânticas de base cognitiva (episódios/eventos). O acesso a
ambos os tipos de unidades semânticas se dá a partir da análise das unidades de codificação
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lingüística. Tal análise permitiu que descrevêssemos, simultaneamente, a organização de
episódios e eventos e de tópicos e subtópicos.
Foram propostos critérios de base sintático-semântico-discursiva para a delimitação de
episódios, eventos e unidades de codificação. Os episódios foram segmentados em função da
reorientação em termos de tempo, espaço e participantes (mudança de cenário). Os eventos
foram recortados a partir dos critérios de seqüencialidade e cotemporalidade de ações/estados;
perfectividade e duração; ancoragem e fundo integrador – todos eles operacionalizando a
noção de integração semântico-sintática. As unidades de codificação dos eventos foram
delimitadas tendo por base o grau de integração dos eventos, basicamente captado através dos
traços de cotemporalidade, correferencialidade, morfologia verbal e tipo de materialinterveniente entre os elementos integrados. A distribuição de todas as narrativas em suas
unidades constitutivas, bem como a categorização dessas unidades, operacionalizou os
critérios propostos e mostrou a sua produtividade nos diferentes níveis de análise.
Verificou-se, também, que há um isomorfismo sistemático entre função e forma: uma
integração mais frouxa entre ações/estados reflete-se lingüisticamente na combinação de duas
ou mais unidades de codificação; uma integração mais estreita é codificada por uma única
unidade complexa. Por conta dessa relação icônica, UCE simples e complexas se alternam ou
se combinam na codificação dos eventos.
Não nos preocupamos, neste capítulo, com a quantificação dos dados. Nosso propósito
foi realizar uma análise qualitativa que permitisse validar as definições e os critérios propostos
para o recorte das unidades de análise, bem como descrever essas unidades em termos de sua
constituição interna.
No decorrer do capítulo, procuramos responder aos nossos problemas iniciais: 1) como
se organiza o tópico semântico-discursivo na narrativa? 2) como se constitui a narrativa?
Encontramos elementos que autorizam inferências para a confirmação das hipótesesformuladas no início do cap. III e aqui transcritas:
(1) O tópico se organiza na narrativa a partir de um esquema cognitivo que orienta a
distribuição hierarquizada das informações num plano semântico-discursivo, concretizado
linearmente num plano sintático-discursivo. Assim temos a seguinte correlação:
esquemas mentais organização hierarquizada
organização linearizada codificação sintática
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(2) A narrativa constitui-se de unidades que se situam em planos distintos:
a) num plano semântico-cognitivo (baseado na percepção e armazenamento de fatos), a
narrativa é constituída por episódios e eventos;
b) num plano semântico-discursivo (baseado na organização da informação no discurso), a
narrativa é constituída por tópicos e subtópicos;
c) num plano sintático-discursivo (baseado na concretização da codificação lingüística), a
narrativa é constituída por unidades de codificação.
Donde temos a seguinte correlação:
tópico episódio
subtópico
evento
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IV O TÓPICO SEMÂNTICO-DISCURSIVO NA FALA E NA ESCRITA
0 Introdução
Neste capítulo, será discutido o terceiro problema colocado nesta tese: Em que
aspectos há diferenças relevantes na organização do tópico semântico-discursivo entre a
narrativa oral e a escrita?
A hipótese que norteia a investigação dessa questão é a seguinte: não há diferenças
relevantes entre fala e escrita no que se refere ao plano semântico. Há diferenças entre os dois
canais no plano sintático. Na investigação deste problema, procedeu-se, numa etapa inicial, a uma análise
predominantemente qualitativa dos dados, fase em que foram cotejadas, uma a uma, as versões
de fala e escrita de cada informante, estabelecendo-se correlações entre os tópicos e
subtópicos, e os respectivos episódios e eventos, codificados em ambos os canais. Todos os
tópicos e subtópicos presentes nos dois canais foram rotulados por ordem de aparecimento na
narrativa, seguidos da transcrição dos episódios e eventos codificados oralmente e por escrito.
Os dados foram organizados para análise conforme ilustração a seguir.
Como a narrativa foi distribuída de modo a mostrar a correlação entre fala e escrita,
foram utilizados alguns sinais para indicar ausência, deslocamento ou integração de alguma
unidade relativamente a sua correspondente na outra versão:
--- para indicar ausência de unidade de codificação ou de evento em uma das versões
(oral ou escrita);
* para mostrar que a ausência da unidade é apenas aparente, pois ela aparece
integrada ou deslocada, relativamente à unidade correspondente na outra versão da narrativa; o
sinal aparece sempre repetido no ponto em que se dá a integração ou o deslocamento;
** para indicar um segundo caso de integração ou deslocamento; e assim por diante.
As possíveis inferências aparecem indicadas entre parênteses.
Os tópicos e subtópicos rotulados aparecem destacados em itálico e as unidades de
codificação (UCE) estão numeradas logo abaixo dos eventos.
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Exemplo (01)
Narrativa: TRAVESSURA COM A BICICLETA
Versão oral Versão escritaMACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO
EVENTO 1: Caracterização do relato 1. A minha já é bem mais assim
mais cômica tá ---2. é uma travessura
EVENTO 2: Localização temporal 1. eu tinha oito anos de idade 1. eu tinha uns oito anos de idade
EVENTO 3: Descrição da situação 1. aí tava na moda de andar de bicicleta 1. nessa época todos os meus amigos tinham
bicicleta2. * a pessoa em pé atrás com a mão no ombro 2. e estava na moda andar em pé na parte dedo colega trás (bagageiro) da bicleta
3. * o colega dirigindo né
EPISÓDIO 1: A DESCIDA DA RUA
EVENTO 1: Resolução de descer1. aí o pessoal combinamos de descer a rua 1. um dia eu e minha amiga resolvemos descer
a rua de bicicleta2. * 2. ela pedalando3. * 3. e eu em pé na parte de trás
EVENTO 2: A descida1. aí foi eu e uma amiga minha (inferido)
EPISÓDIO 2: A SUBIDA DA RUA COM A CENA DO BEIJO
EVENTO 1: Visão do casal de namorados1. na volta quando a gente tava subindo 1. quando subíamos a rua de volta para o prédio,2. a gente viu um casal de namorados assim 2. vimos no meio do caminho, encostados em
naquele beijo lá no muro, né um muro, um casal de namorados dandoaquele beijo
EVENTO 2: Decisão de aproximação1.aí minha colega: vamo lá ver como é que é, **
num sei o quê2. pequenininha né, ali atrásEVENTO 3: Aproximação do casal
1. ela subiu com a bicicleta com toda força 1. ** nós, como éramos curiosas, subimos comem cima da calçada a bicicleta em cima da calçada com toda
força para ver como era um beijoEVENTO 4: Interrupção do beijo
1. só que aconteceu um imprevisto 1. só que aconteceu um imprevisto2. em vez da gente passar discretamente 2. nós duas acabamos por interromper o beijo do3. a bicicleta entrou no meio do casal casal4. aí ia dar um soco na testa do homem 3. e eu, como estava de pé, dei um soco na testa
do homem do rapaz
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5. minha colega entrou no meio com a bicicleta6. uma confusão só
EVENTO 5: Reação do casal
1. aí a gente na volta levou um monte de fora 1. *** nós duas, eu e minha colega, nãodo casal que não sei o que, parávamos de rirnão sei o que, não sei que lá 2. e levamos o maior fora do casal
EPISÓDIO 3: O RETORNO
EVENTO 1: O riso1. aí quando a gente voltou 1. a volta é que foi mais difícil,2. a gente ria tanto mas ria tanto que a gente 2. *** de tanto rirmos perdemos as forças para
não tinha nem força pra pedalar a bicicleta para pedalar pra subir a rua né
EVENTO 2: Volta a pé
1. aí tive que voltar tudo a pé 1. e tivemos que subir a rua andando
FECHAMENTO:1. é curtinha ---
(N1-3F-AMV)
Os resultados da análise inicial, que focaliza o nível semântico-discursivo centrado na
identificação de tópicos e subtópicos, encontram-se nas duas seções que abrem o presente
capítulo e que contêm os achados relevantes a respeito de episódios e eventos,
respectivamente. Numa etapa posterior, os dados, codificados com base em fatores
discursivos, semânticos e sintáticos, foram submetidos a tratamento estatístico para cálculo de
pesos relativos, com vistas a uma abordagem mais segura da codificação lingüística das
unidades.
1 Análise em nível de episódios e eventos
1.1 Episódios orais vs. escritos
Retomando a noção de episódio (cf. seção 4.1, cap. III), lembramos que o mesmo se
define como uma unidade semântico-cognitiva correspondente a um cenário constituído por
um conjunto de eventos relacionados e discursivamente recobertos por um tópico semântico-
discursivo, que funciona como um eixo em torno do qual se organiza uma seqüência do
discurso. A mudança de episódio está vinculada à (re)orientação em termos de espaço, de
tempo e de participantes, ou seja, à mudança de cenário.
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Comparando-se as narrativas aos pares, verifica-se que vinte, dos vinte e cinco
informantes, relataram sistematicamente os mesmos episódios oralmente e por escrito,
perfazendo um total de 140 pares de episódios desenvolvidos em torno do mesmo tópico
rotulado (o que corresponde a 96,5% dos dados). Esse dado faz supor que as idéias mais
gerais, os grandes nós, é que são mais facilmente estocados na memória e posteriormente
ativados. No que se refere à versão oral, três dos informantes deixaram de mencionar na fala
um episódio que relataram, posteriormente, por escrito. Na versão escrita, dois informantes
deixaram de redigir o último episódio relatado oralmente.
Nas 25 narrativas analisadas, a distribuição dos episódios na fala e na escrita foi a
seguinte.
Tabela 1: Freqüência de episódios codificados em cada canale percentual com base nos tópicos rotulados
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % Freq. %
Tópicos rotulados
Episódios codificados
Comuns a NO e NE
145 100
142 97,9
140 96,5
145 100
143 98,6
140 96,5
Apresentamos, a seguir, os casos de não relato de episódios, iniciando pelas omissões
na versão oral.
O primeiro informante encerrou sua narrativa da seguinte maneira, na fala e na escrita:
(02) Narrativa oral:
EPISÓDIO 9: PRESTAÇÃO DE SOCORROaí minha mãe chegou... com o reboque...aí eu fui para casa (N14-3M-DMM)
(03) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 9: PRESTAÇÃO DE SOCORRO
Ao chegar de novo ao carro, o reboque já tinha chegadoe rapidamente o carro foi rebocado.Logo depois meus pais chegarame levou a gente para casa.
EPISÓDIO 10: CHEGADA DA ACOMPANHANTE
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A Andrea, quando chegou em casa, às 8 horas da manhã, encontrou o pai dela já acordado
e ele não acreditou no que estava vendo:
– Minha filha, você está preta! – É, eu bati de carro. – O quê, você bateu com o meu carro? – Não pai, foi o Daniel que bateu com o carro dele. – Ah bom! Vai tomar banho e dormir. (N14-3M-DMM)
O relato era sobre uma batida de carro no túnel Rebouças, cujos ocupantes – um casal e
um primo do motorista – haviam saído de uma festa e dirigiam-se para casa. A narrativa
estrutura-se em torno do acidente e da busca de socorro. Na versão oral, a resolução se dá com
a chegada do socorro e a ida para casa. Na escrita, o informante acrescenta ainda a chegada desua amiga à casa e o diálogo que ela manteve com o pai. Trata-se, na escrita, de uma dupla
resolução, funcionando a segunda (episódio 10) como um desdobramento do tópico central
Batida no Rebouças que orienta a estruturação geral da narrativa. É uma informação a menos
na fala, que não afeta a seqüência central de ações codificadas nos nove episódios comuns aos
dois canais.
O segundo informante, numa narrativa sobre Acidente no jogo de futebol , relata ao
final a sua situação na semana posterior ao acidente. Especifica como foi o domingo, asegunda e a terça, quando então resolve ir ao médico. Na escrita aparece toda a seqüência
temporal codificada, no entanto na fala é omitido o episódio da segunda-feira. Vejam-se as
passagens:
(04) Narrativa oral:
EPISÓDIO 6: O DOMINGO domingo fui à praia com uma atadura
EPISÓDIO 7: A SEGUNDA(omitido)
EPISÓDIO 8: A TERÇAe terça-feira tentei vir pro colégio com a ataduramas tava doendo muito o ligamentoe eu resolvi ir embora
EPISÓDIO 9: TRATAMENTO MÉDICO[...] (N20-2M-ANT)
(05) Narrativa escrita:EPISÓDIO 6: O DOMINGO
domingo fui à praia de atadura no joelhoEPISÓDIO 7: A SEGUNDA
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segunda, desci pra ver os colegas ainda com a atadurao joelho estava muito inchado
EPISÓDIO 8: A TERÇA
e terça fui ao colégio porém não agüentei a dore resolvi ir ao médico
EPISÓDIO 9: TRATAMENTO MÉDICO[...] (N20-2M-ANT)
Nessa narrativa, novamente a omissão se dá num desdobramento do tópico central. A
informação fornecida a respeito da situação do informante na segunda-feira repete o estado
apresentado no domingo ("com atadura no joelho"), acrescentando o fato de que "o joelho
estava muito inchado". Os episódios 6, 7 e 8 servem como justificativa do episódio deencerramento do relato que culmina com a ida ao médico.
A terceira informante a omitir episódio na fala discorre sobre um Tratamento de
convulsões. Também na etapa final da narrativa, ao falar sobre a volta do problema após um
período de tratamento homeopático, menciona que com a volta da crise procura um
neurologista. Na escrita, detalha a tal crise, descrevendo os sintomas, detalhamento este que é
omitido na fala. Comparem-se os trechos:
(06) Narrativa oral:EPISÓDIO 5: A VOLTA DO PROBLEMA
só voltei a ter agoraEPISÓDIO 6: DESCRIÇÃO DE UMA CRISE
(omitido)EPISÓDIO 7: TRATAMENTO NEUROLÓGICO
só que eu fui... eu resolvi tratar mais diretamente com um neurologista[...] (N22-8F-MIM)
(07) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 5: A VOLTA DO PROBLEMA
Há pouco tempo atrás eu comecei a ter umas dores de cabeça superestranhas,
era como se estivessem espremendo a minha cabeça e dando socos nanuca
era horrívelEPISÓDIO 6: DESCRIÇÃO DE UMA CRISE
um dia na aula de matemática essa dor de cabeça voltousó que eu fiquei meio tonta parecia que a imagem saía de foco,
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de repente eu comecei a tremer e chorar sem controlea Adriana e a Danielle, umas amigas minhas, me levaram para fora de
sala,
os meninos do 3º ano do 2º grau quiseram até me levar no colo,mas eu não quis
EPISÓDIO 7: TRATAMENTO NEUROLÓGICOdepois eu fui para casa e de lá para o médico[...] (N22-8F-MIM)
Com relação à escrita, duas informantes deixaram de redigir o último episódio da
narrativa relatada oralmente.
A primeira, falando sobre um Curso de aprendizagem acelerativa que fizera na UERJ,
conta que nada havia dado certo naquele dia: tomou ônibus errado, chegou atrasada, entrou emsala errada, sentou-se numa cadeira quebrada, fez inadequadamente o exercício e acabou
levando bronca do professor. Na narrativa oral, ela menciona ainda que se desencontrou do pai
na saída do curso, omitindo esta informação na escrita. Como o tópico geral referia-se ao
primeiro dia do curso, caracterizado pela informante como um fato engraçado, é natural que o
relato tenha se encerrado no acontecimento relativo ao exercício desastroso, que foi o ponto
alto da narrativa. A volta para casa, com o desencontro do pai, ilustrava na fala mais uma coisa
que não dera certo naquele dia, e foi mencionada como uma segunda resolução na narrativa(cf. Louzada, 1992). Observem-se as passagens:
(08) Narrativa oral:
EPISÓDIO 5: EXERCÍCIOS DE RELAXAMENTO e o curso tinha uns exercícios de relaxamento que de meia em meia
hora você tinha que levantar e fazerquando ele levantou pra fazer o primeiroeu achei que era palhaçadae não levanteie comecei a rir...
[...]aí ele ainda chegou e falou assim: olha as pessoas que tão rindo...
esses exercícios não vão adiantar muito...aí eu fiquei quietaaí depois nem lembro o que aconteceueu sei que foi assim... foi tudo, tudo enrolado, tudo
EPISÓDIO 6: A SAÍDA depois eu não encontrava com meu paieu marquei numa saída com elefui parar em outra...foi toda enrolada
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(N16O-2F-CMP)
(09) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 5: EXERCÍCIOS DE RELAXAMENTOHouve um exercício de relaxamento que eu achei ser sacanageme tive um acesso de riso.Lógico que fui chamada atenção.
(N16E-2F-CMP
Observe-se como na versão oral a narrativa parece encerrar-se ao final do 5º episódio,
com uma avaliação conclusiva, sendo depois retomada e novamente concluída num novo
episódio.
A segunda informante, reportando um Acidente na churrasqueira, evidencia como
ponto alto do relato a visão, no espelho, da boca cortada, encerrando nesse episódio a narrativa
escrita. Na versão oral, ela relata ainda o atendimento hospitalar. Vejam-se os episódios:
(10) Narrativa oral:
EPISÓDIO 4: VOLTA PARA CASA e VISÃO DA BOCA NO ESPELHO [...]quando eu olhei no espelhofoi um terror
fiquei horrorizadatava com a boca aberta que nem uma fatia de boloEPISÓDIO 5: ATENDIMENTO NO HOSPITAL
e depois eu só me lembro que no hospital estavam costurando minha boca
e eu rindo às gargalhadas que tavam fazendo cócegas(N23O-8F-DGM)
(11) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 4: VOLTA PARA CASA e VISÃO DA BOCA NO ESPELHO O pior de tudo foi quando vi no espelho a minha boca cortada como
uma fatia de bolo.
(N23E-8F-DGM)
O fato de o episódio 4 ser considerado o ponto alto da narrativa é evidenciado pelas
construções codificadas como 'foi um terror', 'fiquei horrorizada', e 'o pior de tudo', nas duas
versões. Entretanto, o episódio relativo ao hospital, embora não mencionado na escrita, parece
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ser importante no contexto discursivo, diferentemente do que ocorre com o desencontro da
informante do exemplo anterior a esse com o pai.
Na comparação dos episódios nos dois canais, verificou-se também a ocorrência de um
caso de integração de dois episódios na escrita. Vejam-se os trechos abaixo.
(12) Narrativa oral:
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃOfoi agora há pouco tempoeu tava em casa sentada estudandomeus pais tinham viajadoeu tava sozinha em casaaí... eu completamente alienada né, estudando
EPISÓDIO 2: CONFUSÃO NA RUAde repente eu só escuto um estrondo né... alto assim...aí eu falei assim: ué...mas voltei aos meus estudose continuei estudandodaqui a pouco eu escuto uma barulhada lá embaixo porque o meu apartamento é de frente né...então eu escutei uma confusão na rua aquela coisa
(N18O-2F-APA)
(13) Narrativa escrita:
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO e CONFUSÃO NA RUA um dia eu estava em casa estudando,quando de repente eu ouvi a sirene do corpo de bombeiro
(N18E-2F-APA)
Observe-se que os tópicos mais gerais estão presentes nos dois canais. A diferença fica
por conta da quantidade maior de informações correspondentes a subtópicos na fala.
Excluindo-se os dados apresentados acima que mostram diferenças entre fala e escrita,
ficamos com mais de uma centena de episódios codificados simetricamente nos dois canais
(96,5% dos dados), o que é uma forte evidência para a hipótese de que não existem diferenças
relevantes entre fala e escrita no que se refere ao plano semântico-discursivo.
A simetria na ordenação seqüencial dos episódios nos dois canais só é quebrada em
uma narrativa em que a informante desloca um dos episódios na escrita. Ao relatar Momentos
de angústia vividos em decorrência do desaparecimento do filho com a babá, a informante
traça o perfil da babá como segundo episódio na fala e registra este mesmo episódio como o
quarto na escrita. Vejam-se as seqüências.
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(14) Narrativa oral:
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO
bem, neste dia o meu filho, o mais novinho, ele era ainda bebênão tinha um ano aindae eu saí de casa para trabalhar
EPISÓDIO 2: O PERFIL DA BABÁ (e RECOMENDAÇÕES)era uma babá nova que estava com a gente há uma semanamas ela era indicada pelo porteiroera parente do porteiro e taleu achava a babá assim meio esquisita porque eles eram muito religiosos, uma seita aí meio estranhaela rezava altoacendia vela e tal
e tinha uma cara assim meio sinistramas enfim era uma pessoa indicadao porteiro já estava trabalhando no prédio há muitos anos e tale eu disse a ela: você sai com o menino e fica só aqui na frente do
prédio passeando, chegar aquela hora você sobe e tal[...] (N8O-3F-MCB)
(15) Narrativa escrita:
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO Uma ocasião, quando meu filho mais novo era ainda bebê
eu acho que vivi o momento mais angustiante de minha vidaEPISÓDIO 2: CONSTATAÇÃO DO DESAPARECIMENTO DO FILHO Ao voltar do trabalho, perto da hora do almoço, constatei que ele não
havia subido do passeio com a babáMinha inquietação começou ali.
EPISÓDIO 3: BUSCA DO FILHO NA VIZINHANÇA Procurei pelo prédiodepois fui perguntando ao porteiro, às pessoas que estavam na rua, que
eu conhecia, até aos vendedores pois como sempre morei por ali,todos nos conheciam.
EPISÓDIO 4: O PERFIL DA BABÁ (e ANGÚSTIA DA MÃE)A angústia era grande, pois a babá era nova,trabalhava lá em casa há apenas uma semana.Embora fosse parente do porteiro,eu achava meio esquisita porque, à noite, ficava no quarto rezando alto, com vela acesa, numa
atitude meio fanática. Não precisa dizer que se passaram mil coisas na minha cabeça: que era
louca e sumira com meu filho; que era fanática e resolveuexorcizá-lo ou oferecê-lo em sacrifício em alguma cerimônia;
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enfim, eu não sabia mais o que pensar[...] (N8E-3F-MCB)
A justificativa discursiva para o deslocamento está na própria constituição do episódio:
na fala, o perfil da babá entra para justificar as recomendações a respeito do cuidado com a
criança; na escrita, aparece para justificar a angústia da mãe, mencionada àquela altura da
narrativa. O fato relevante aqui é que o episódio foi relatado em ambos os canais.
O paralelismo verificado na distribuição das informações em episódios, ou seja, nos
tópicos relatados nos canais de fala e de escrita, além de sustentar a hipótese de que não há
diferenças relevantes nos dois canais, é evidência favorável à funcionalidade da noção de
esquema discursivo orientando a distribuição das informações no discurso narrativo, o que
confirma nossa primeira hipótese. Retomaremos mais conclusivamente este ponto ao final da
seção seguinte, que enfoca a organização dos subtópicos/eventos na fala na escrita.
1.2 Eventos orais vs. escritos
Para facilitar o encaminhamento da análise, retomamos a definição de evento como
unidade semântico-cognitiva que corresponde a um centro de interesse contendoações/estados, com graus variáveis de integração, discursivamente recobertos por um
subtópico semântico-discursivo. Os eventos, assim como os episódios, foram distribuídos por
narrativa em suas versões oral e escrita, de modo a se estabelecer uma correlação entre os dois
canais. Foi adotado o seguinte procedimento na distribuição dos eventos: todos os subtópicos
depreendidos na narrativa foram rotulados por ordem de aparecimento, independentemente do
canal em que se manifestavam, seguidos da transcrição da seqüência discursiva
correspondente na fala e na escrita. Veja-se o exemplo (01) que mostra a narrativa Travessura
com a bicicleta distribuída em suas unidades constitutivas.
Verificou-se, na distribuição geral dos dados, que a maioria dos subtópicos encontra
correspondência linear entre fala e escrita. Todavia, diferentemente dos episódios, que se
ordenam praticamente de maneira biunívoca nos dois canais, os eventos apresentam variações
em sua distribuição, decorrentes de fatores que serão discutidos em seguida.
A distribuição dos eventos das 25 narrativas analisadas, incluídos os eventos
iniciadores de episódios, é a seguinte:
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Tabela 2: Freqüência de eventos codificados em cada canal
e percentual com base nos subtópicos rotuladosCANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % Freq. %
Subtópicos rotulados
Eventos codificados
Comuna a NO e NE
Específicos de canal
582 100
526 90,5
354 61
172 29,5
582 100
410 70,5
354 61
56 9,5
A leitura dos números mostra-nos que as narrativas apresentam 526 eventoscodificados na fala (90,5%) do total rotulado) e 410 na escrita (70,5% do total rotulado).
Desses, 354 foram codificados tanto na fala como na escrita, com correspondência de um para
um em ambos os canais, o que corresponde a 61% da totalidade de subtópicos rotulados para
os dois canais. Observamos ainda que 172 eventos (29,5% do total) foram codificados
somente na fala e 56 (9,5% do total) foram codificados somente na escrita. Ou seja, os
informantes deixaram de codificar na escrita 172 eventos (número que somado ao total
codificado nesse mesmo canal perfaz os 582 rotulados na análise), e omitiram na fala 56
eventos (o que, somado aos efetivamente codificados oralmente, corresponde à totalidade dos
subtópicos rotulados).
Uma análise do corpus mostra que os números da tabela não implicam, porém, que os
subtópicos comuns aos dois canais restrinjam-se a 354, nem que os demais sejam exclusivos
de cada canal. A diferença numérica verificada entre os canais deve ser, em princípio,
interpretada como indicativo de que os eventos não se constituem internamente da mesma
maneira, conforme iremos evidenciar em seguida. Por outro lado, a aproximação numérica não
implica paralelismo na ordenação cronológica dos eventos, que por vezes aparecemdeslocados ou intercalados na narrativa.
Abordaremos, inicialmente, o aspecto diferenciador dos dois canais, considerando os
eventos computados como específicos de canal. Postulamos que há três fatores que causam a
diferença quantitativa: a integração, a inferência e, em menor escala, a ausência do evento.
Com relação a esses fatores, os eventos específicos de canal distribuem-se conforme
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indicativo da tabela abaixo. Em cada modalidade de narrativa aparecem computados os “não
codificados” daquele canal.
Tabela 3: Freqüência dos eventos não codificados explicitamente em cada canale percentual com base no total de subtópicos rotulados (582)
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % Freq. %
Eventos integrados
Eventos inferidos
Eventos ausentes
Total
17 2,9
10 1,7
29 4,9
56 9,5
86 14,7
35 6,0
51 8,8
172 29,5
Esta tabela é um desdobramento da tabela 2. Os eventos que aparecem integrados e
inferidos e os eventos ausentes na fala correspondem aos 56 que foram computados como
específicos do canal da escrita, na tabela 2. Em contrapartida, os integrados, inferidos e
ausentes na escrita equivalem aos 172 tidos como específicos da fala, na tabela 2.
Verificaremos que as diferenças em termos de distribuição da informação em subtópicos nos
dois canais situam-se, na verdade, nos eventos ausentes.Focalizamos, a seguir, cada um desses tipos, ilustrando com exemplos. A maior
diferença quantitativa entre os dois canais está correlacionada aos graus variáveis de
integração dos eventos. Encontramos freqüentemente dois ou mais eventos da fala
codificados como um único evento integrado na escrita. Exemplificando:
(16) Narrativa oral:
EPISÓDIO 2: ACIDENTE COM O CARRO EVENTO 1: Tentativa de ultrapassagem
ele foi cortar um carroEVENTO 2: Derrapagem e rodada na pista
de repente o carro derrapoucomeçou a rodar na pista
EVENTO 3: Batida no muro 1rodava batia num lado do muro
EVENTO 4: Batida no muro 2
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rodava, rodava batia no outro
EVENTO 5: Comentário sobre o episódio
aquela loucura o carro rodandoEVENTO 6: Queda no mato
e aí caiu no meio do mato virado(N3O-3F-PAB)
(17) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 2: ACIDENTE COM O CARRO EVENTO INTEGRADO: Acidente com o carro
de repente quando meu namorado tentava ultrapassar um carro,o nosso derrapou
e rodou no meio da pista batendo em ambas as proteções que cercam a mesmae caindo no mato
(N3E-3F-PAB)
A informante codificou o episódio do acidente com o carro em seis eventos no relato
oral e em um único evento na escrita. Dos seis, o único evento que não foi mencionado na
escrita foi o comentário sobre o episódio. Todos os outros estão compactados num evento
integrado. O relato oral desse episódio representa passo a passo a seqüência de ações,
codificadas em unidades simples que alternam ações perfectivas com ações durativas (cujo
aspecto é reforçado pela repetição), reconstituindo iconicamente a cena original em seus
detalhes. Já no relato escrito a informante elabora as informações, condensando-as em
estruturas lingüísticas mais complexas que se organizam em unidades de codificação sintática
e semanticamente integradas.
Vejam-se ainda outros exemplos da mesma narrativa:
(18) Narrativa oral:
EPISÓDIO 4: A CHEGADA AMEAÇADORA DE UM CAMINHÃO EVENTO 1: Parada do caminhão
nisso parou um caminhãoe só tinha mulhersó tinha as meninaseu era a mais velhae veio o caminhão
EVENTO 2: Descida do motoristao motorista saltou
EVENTO 3: Descida do acompanhante o outro também
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(N3O-3F-PAB)
(19) Narrativa escrita:
EVENTO INTEGRADO: Parada do caminhão e descida dos ocupantes no momento em que ficamos sozinhasum caminhão parousaltando dois homens muito estranhos.
(N3E-3F-PAB)
Nas passagens acima temos informações codificadas como três eventos na fala, que
foram integradas em apenas um evento na escrita. Novamente temos no relato oral uma
seqüência de unidades simples codificando a ordenação cronológica de ações: 'parou umcaminhão', 'o motorista saltou', e 'o outro também', que se desenrolam apoiadas num fundo
cotemporal estático: 'e só tinha mulher', 'só tinha as meninas', 'eu era a mais velha'. Observe-se
como a informante retoma a informação que abre o evento 'nisso parou um caminhão', ao final
da descrição do fundo, 'e veio o caminhão', para reorientar coesivamente o discurso e dar
seqüencialidade às demais ações. A escrita apresenta-se numa construção sintaticamente
complexa que representa os eventos integradamente.
Vale a pena registrar aqui a observação de Chafe (1980:31-2) de que os graus maiores
de integração são relativamente raros na fala espontânea, sendo mais freqüentemente
encontrados na escrita, uma vez que a estratégia de subordinação, que favorece a integração,
requer uma concentração maior de focos da consciência no processo de verbalização, o que
dificulta a tarefa do falante devido às limitações de capacidade e duração de cada foco.
Outro aspecto digno de nota, e também relacionado ao fenômeno da integração
semântica de eventos, diz respeito à maior quantidade de material fônico utilizado na fala em
relação ao material gráfico da escrita. A seqüência do relato falado contém maior número de
unidades descritivas que vão dando suporte à reconstituição passo a passo dos acontecimentos.Já o relato escrito deixa uma margem maior a inferências, como se pode verificar em:
(20) Narrativa oral:
EPISÓDIO 4: A CHEGADA AMEAÇADORA DE UM CAMINHÃO [...]
EVENTO 2: Descida do motoristao motorista saltou
EVENTO 3: Descida do acompanhante
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o outro tambémEVENTO 4: Aproximação dos caminhoneiros
aí eles vieram andando assim meio sinistros olhando pra gente
EVENTO 5: Reação de susto das vítimasa gente não sabia o que faziaas meninas querendo correr, atravessar a ruae eu apavoradaa gente rezando
(N3O-3F-PAB)
(21) Narrativa escrita:
EVENTO 1: Parada do caminhão e descida dos ocupantesno momento em que ficamos sozinhas
um caminhão parousaltando dois homens muito estranhos.
EVENTO 2: Aproximação dos caminhoneiros*
EVENTO 3: Reação de susto das vítimasficamos todas assustadas
(N3E-3F-PAB)
O evento 2 da narrativa escrita é inferido da situação discursiva como a causa do susto
das vítimas. É importante lembrar, aqui, o comentário de Van Dijk (1985:63) de que
o narrador normalmente deixa fora muitos componentes intermediários defatos e ações, os quais, supõe-se, são deriváveis do conhecimento de mundo[...] mesmo uma ação principal decisiva pode, algumas vezes, ser omitida, seas condições e as conseqüências são dadas [...] os laços de coerência podemser reconstruídos, formal ou cognitivamente, em nossa memória.
Outro exemplo que envolve inferência é dado a seguir:
(22) Narrativa oral:
EPISÓDIO 2: O CHAMADO NÃO PERCEBIDO EVENTO 1: O chamado da mãeminha mãe chamou pra ir embora do supermercado
EVENTO 2: Não percepção do chamado mas eu não devo ter ouvido
porque eu tava entretida vendo a vitrineEVENTO 3: Ida da família
aí meu irmão foi com a minha mãeEPISÓDIO 3: PERCEPÇÃO DO ISOLAMENTO e SAÍDAEVENTO 1: Percepção do isolamento
quando eu olhei
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não tinha ninguém conhecido pertoEVENTO 2: Saída do supermercado
eu fui embora
porque minha mãe foi emboraeu vou embora pra casa também
(N2O-3F-API)
(23) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 2: O CHAMADO NÃO PERCEBIDO EVENTO 1: O chamado da mãe
minha mãe me chamouEVENTO 2: Não percepção do chamado
e eu não ouvi
EVENTO 3: Ida da família *
EPISÓDIO 3: PERCEPÇÃO DO ISOLAMENTO e SAÍDA EVENTO INTEGRADO: Percepção do isolamento e saída do supermercado
quando eu olheie não vi minha mãesaí correndo do CB pensando que ela já tinha ido para casa
(N2E-3F-API)
Nesse caso, o afastamento da mãe com o irmão não foi explicitamente mencionado,
mas é inferível pelo contexto discursivo.Tanto o mecanismo semântico-sintático da integração de eventos quanto a estratégia
cognitiva da inferência são grandemente responsáveis pelo menor número de eventos na
escrita. Entretanto, eventos integrados e inferidos estão também presentes, embora em número
mais reduzido, na fala. Vejam-se os exemplos:
(24) Narrativa oral:
EPISÓDIO 3: DESCIDA DO TELHADO EVENTO 1: O chamado da mãe
aí a mãe da minha vizinha chamouEVENTO 2: Resolução de descer e a 1ª passagem
e quando nós fomos descer, quando resolvemos desceruma passou
EVENTO 3: A quedaquando eu fui passara telha quebroueu caí dentro da casa da minha vizinha
(N5O-3F-MAL)
(25) Narrativa escrita:
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EVENTO 1: O chamado da mãe
Foi então que ouvimos a mãe de uma das minhas amigas chamá-la
EVENTO 2: Resolução de descerresolvemos descer pelo mesmo caminho que havíamos subido
EVENTO 3: A 1ª passagem e a queda mas aconteceu o inesperadouma delas passoue quando foi a minha vezuma telha se quebroue eu caí dentro da casa da minha vizinha
(N5E-3F-MAL)
Nos exemplos anteriores tanto a fala quanto a escrita apresentam eventos integrados:enquanto no relato oral aparecem codificados num único evento a resolução de descer e a
descida da primeira menina (EVENTO 2), na escrita integram-se num único evento a descida
de uma das meninas e a queda da outra (EVENTO 3).
Um exemplo de inferência na narrativa oral é mostrado a seguir, no relato de um
Assalto ao carro, onde os assaltantes são um motorista de táxi e o passageiro, e os assaltados,
um casal de namorados que se encontrava num carro parado.
(26) Narrativa oral:
EPISÓDIO 5: A DESCIDA DO RAPAZ[...]EVENTO 5: Apanhando a chave
peguei a chavefiz bem barulhinho pra ele ver que era chave mesmo
EVENTO 6: Abertura da portaabri a minha porta
EVENTO 7: Descidasaí...
EPISÓDIO 6: AFASTAMENTO DOS ASSALTANTES NO CARRO ROUBADO EVENTO 1: Descida do motorista do táxi
*EVENTO 2: Entrada do assaltante
aí ele entrou no carro...EVENTO 3: Entrada do motorista
entrou o motorista do táxiEVENTO 4: Ida embora
e eles ó... foram embora(N12O-3M-CBG)
(27) Narrativa escrita:
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EPISÓDIO 5: A DESCIDA DO RAPAZ EVENTO INTEGRADO:
eu desci logo após pegar as chaves de casa que estavam no armário,digo, console do carro
EPISÓDIO 6: AFASTAMENTO DOS ASSALTANTES NO CARRO ROUBADOEVENTO 1: Descida do motorista do táxi
o motorista do táxi desceuEVENTO 2: Entrada do motorista
entrou no meu carroEVENTO 3: Entrada do assaltante
em seguida o que estava armado entrou tambémEVENTO 4: Ida embora
e foram embora
(N12E-3M-CBG)
No exemplo de narrativa oral não fica explicitada a descida do motorista do táxi
(EPISÓDIO 6: EVENTO 1), como acontece na escrita, o que é irrelevante em termos
informacionais, pois naturalmente infere-se que ele deve ter descido de um carro para poder
ter entrado no outro que era o objeto do assalto.
Outro dado interessante desse par de exemplos, além da integração verificada no
EPISÓDIO 5 da escrita, é a inversão dos EVENTOS 2 e 3 da escrita. Enquanto na fala a
ordem de entrada no carro é primeiro o assaltante depois o motorista, já que em eventosanteriores o tópico era o assaltante, na escrita, a ordem é motorista depois assaltante. Tal
ordenação da escrita decorre da continuidade do tópico frasal introduzido no evento anterior:
'o motorista desceu do táxi', de tal forma que o encadeamento discursivo esperado mantém o
motorista como tópico.
Ao contrário da ordenação relativamente fixa dos episódios na fala e na escrita,
deslocamento ou intercalação de eventos costumam ocorrer na passagem de um canal para
outro, tal como a inversão verificada nos exemplos anteriores. Tal mecanismo de codificação,
entretanto, não interfere no quantitativo de eventos, como ocorre com a integração e a
inferência. Observem-se, a esse respeito, os exemplos a seguir, onde os EVENTOS 1 e 2 do
EPISÓDIO 4 aparecem deslocados.
(28) Narrativa oral:
EPISÓDIO 3: [...]EVENTO 5: Sem saber o que fazer
mas na hora o nervoso foi tanto que eu não sabia o que faziaEPISÓDIO 4: O PÂNICO
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EVENTO 1: Preocupação com os livros aí um desespero porque a primeira reação que eu tive
em vez de eu interfonar pro porteiro alguma coisa eu juro eu peguei osmeus livros assim: "não posso ficar sem os livros mas eu tenhoque sair daqui e levar"
EVENTO 2: Salvamento de bicho e fotos aí peguei um bichinho de pelúcia que eu tenho que eu estimo muito e o
retrato do meu afilhadoforam as coisas que eu peguei
EVENTO 3: [...](N18O-2F-APA)
(29) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 3: [...]EVENTO 5: Sem saber o que fazer
desesperada, corri de um lado para outro sem saber o que fazerEPISÓDIO 4: O PÂNICO EVENTO 1: Salvamento de bicho e fotos
peguei então meu bicho de pelúcia que mais estimo e umas fotos queestavam em cima da minha escrivaninha
EVENTO 2: Preocupação com os livros a minha idéia naquele momento era sair de casamas como ia deixar meus livros pegarem fogo?
e o vestibular?(N18E-2F-APA)
Observe-se que a seqüência discursiva precedente ao episódio em foco é similar nos
dois canais: tanto na fala como na escrita, a informante relatava que não sabia o que fazer
naquela situação. O próprio tópico do episódio que vem a seguir, O pânico, pode justificar a
inversão da ordem dos eventos iniciais que o constituem: enquanto na narrativa oral a
preocupação com os livros está codificada antes do cuidado com outros objetos, na escrita o
salvamento do bicho de pelúcia e das fotos precede a preocupação com os livros. Nos exemplos de deslocamento de eventos apontados até aqui, a inversão se dá dentro
dos limites de um mesmo episódio. Mas pode ocorrer também deslocamento inter-episódico,
como no exemplo seguinte retirado da mesma narrativa. Na versão oral, a informante codifica
em dois eventos, um em cada episódio, a suposição de incêndio em seu próprio apartamento, e
a suposição de incêndio no apartamento do irmão. Na versão escrita, as duas suposições
aparecem integradas em um único evento, no EPISÓDIO 4.
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(30) Narrativa oral:
EPISÓDIO 3: IDA À JANELA e SUPOSIÇÃO DE INCÊNDIO
EVENTO 1: Ida à janela e visão dos carros de bombeiro quando eu olhei pela janelatinham cinco carros de bombeiro...mas não eram aqueles carros pequenos nãoera caminhão mesmo com escada magiro sabe, aquela coisa todauma confusão o prédio inteiro lá embaixo
EVENTO 2: Suposição de incêndio no apartamento aí eu comecei né gente...: tá pegando fogo no meu prédio...e o meu apartamento tá em obra...a parte da cozinha tá em obra...e eu lembro que antes da minha mãe falar comigo no telefone ela falou:
não esquece de desligar o gásaí eu comecei: pronto estourou a casa né, tá pegando fogoEVENTO 3: Reação das pessoas
[...]EVENTO 4: Sem saber o que fazer
EPISÓDIO 4: O PÂNICOEVENTO 1: Preocupação com os livros
[...]EVENTO 2: Salvamento de bicho e fotos
[...]
EVENTO 3: Receio de abrir a porta[...]EVENTO 4: Suposição de incêndio no apartamento do irmão
aí o apartamento do meu irmão também é do ladocomo tá em obraa gente tá fazendo o almoço na cozinha dele ... aí eu falei... que também
tá com problema de gáseu falei: pronto esqueci, queimou o apartamento do meu irmãoele acabou de casar agoraeu falei: pronto torrou tudo...
EVENTO 5: [...](N18O-2F-APA)
(31) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 3: IDA À JANELA e SUPOSIÇÃO DE INCÊNDIOEVENTO 1: Ida à janela
fui até a janelaEVENTO 2: Visão dos carros de bombeiro
e para meu espanto a rua estava interditada já que a frente do meu prédio concentrava uns seis carros (incluindo
escada magiros, etc) no mínimo
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EVENTO 3: Suposição de incêndio no apartamento (deslocado)
EVENTO 4: [...]
EPISÓDIO 4: O PÂNICO EVENTO 1: Salvamento de bicho e fotos
[...]EVENTO 2: Preocupação com os livros
[...]EVENTO 3: Receio de abrir a porta
[...]EVENTO 4: Suposição de incêndio no apartamento do irmão e no próprio
em seguida, passou pela minha cabeça que o incêndio ocorria noapartamento do meu irmão
ele mora do meu ladoou então no meu próprio apartamento,visto que a cozinha estava em obra,e o gás estava escapando
EVENTO 5: [...](N18E-2F-APA)
Já no exemplo seguinte, a informante apresenta oralmente os participantes em dois
eventos da contextualização e, na escrita, apresenta apenas um dos participantes. O segundo
evento de apresentação é introduzido entre o segundo e o terceiro episódio escrito. Observe-se:
(32) Narrativa oral:
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃO[...]
EVENTO 3: Apresentação do tópico geral e participante 1e eu não sabia que o professor daqui da Letras dava aula lá também
EVENTO 4: Apresentação do tópico geral e participante 2 e tinha um colega que parecia com esse professor
EVENTO 5: [...](N7O-3F-AMP)
(33) Narrativa escrita:
EVENTO 3: Apresentação do tópico geral e participante 1e não sabia que o professor Armando de literatura também dava aula lá
EVENTO 4: Apresentação do tópico geral e participante 2*
EVENTO 5: Caracterização dos intervalos de aulaentre uma aula e outra às vezes a turma trocava de sala,ou o professor saíae entrava outro
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EPISÓDIO 2: O PAPO NO INTERVALOEVENTO 1: Conversa e esquecimento da troca de sala
eu estava de papo com as amigas
e esqueci que eu tinha que trocar de sala e elas não
* tinha um rapaz que era a cara desse professor
EPISÓDIO 3: A CHEGADA DO PROFESSOR EVENTO 1: Entrada em sala
quando o professor entroue sentouas pessoas ainda estavam conversando
EVENTO 2: Não identificação do professore eu não me liguei que ele pudesse ser o professor
EVENTO 3: Gozação com o professor [...]
(N7E-3F-AMP)
O episódio Chegada do professor , em que a informante fala sobre sua atitude de
gozação com o professor por tê-lo confundido com um colega, tem como pressuposto o fato de
que a não identificação decorre da semelhança entre o professor e o tal colega. Esse
participante não havia sido introduzido na contextualização; foi aberto um espaço para sua
apresentação e, então, a informante prosseguiu com o relato. O evento em destaque constitui-
se na causa do evento Gozação com o professor .
Não é apenas a integração, a inferência e o deslocamento que caracterizam a assimetria
na distribuição dos eventos nos dois canais. Foram encontrados também casos de intercalação
de eventos. Vejam-se os exemplos:
(34) Narrativa oral:
EPISÓDIO 3: SAÍDA PARA O ACOSTAMENTOEVENTO 1: Saída do local
a gente saiu correndoque a gente pensou que o carro fosse explodir...
EVENTO 2: Avaliação dos danosfelizmente graças a Deus ninguém se machucou seriamentesó arranhou, essas coisas
EVENTO 1: Saída do local (cont.)
aí a gente saiu todo mundo apavorado néEVENTO 3: [...]
(N3O-3F-PAB)
(35) Narrativa escrita:
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156
EPISÓDIO 3: SAÍDA PARA O ACOSTAMENTOEVENTO 1: Avaliação dos danos
nossa sorte foi que ninguém se machucou seriamenteapesar do carro ter ficado totalmente destruídoEVENTO 2: Saída do local
saímos para o acostamento da estradaEVENTO 3: [...]
(N3E-3F-PAB)
No caso do relato oral, onde ocorrem as intercalações, a retomada do evento reorienta
coesivamente o discurso, ativando o tópico no foco da consciência. Já a escrita não utiliza tal
mecanismo de coesão, provavelmente porque o material anteriormente codificado permaneceregistrado para eventuais retomadas de leitura.
Na comparação da fala com a escrita, temos visto até aqui exemplos de eventos
integrados, inferidos, deslocados ou intercalados. Vimos que, enquanto integração e inferência
interferem quantitativamente nos dados, deslocamento e intercalação não influenciam no
quantitativo. Qualitativamente, porém, em nenhum dos tipos se configura ausência de
informação relativa a ação/estado que constitui um evento; ou seja, os subtópicos estão
presentes nos dois canais, com características diferenciadas. Tais características envolvem
basicamente aspectos sintático-semânticos (no caso da integração), cognitivos (no caso da
inferência) e de ordenação linear (no caso do deslocamento e da intercalação).
Tem-se sustentado, até o momento, a hipótese de que não há diferenças relevantes
entre fala e escrita no que se refere ao nível semântico-discursivo, visto que as informações
distribuídas em episódios e eventos são basicamente as mesmas nos dois canais, com
variações nos eventos.
Passemos, agora, aos eventos ausentes. A distribuição, por tipo de evento, é a seguinte:
Tabela 4: Freqüência dos eventos ausentes em cada canale percentual com base no total omitido
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % Freq. %
Eventos de contextualização
Eventos de avaliação
Demais tipos
05
17
05 17
18
66
08
16
15 29
28
55
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Total de eventos ausentes 29 51
Procurando identificar os eventos ausentes nos dois canais, verificamos que 05 de fala
e 08 de escrita fazem parte do macroepisódio, sendo portanto eventos que deveriam
caracterizar o relato, ou localizar no tempo/espaço o acontecimento; 05 eventos ausentes na
fala e 15 na escrita são eventos de avaliação que se alternam entre aqueles que conduzem o fio
narrativo. Nenhum deles faz parte da narrativa propriamente dita e sua ausência não afeta o
fluxo da informação.
Na verdade, a diferença mais significativa em termos de distribuição da informação
nos dois canais reside na ausência de 19 eventos que foram escritos e não falados e de 28 queforam relatados oralmente mas não redigidos. Examinando esses eventos, percebemos que
parte dos omitidos constitui os episódios já mencionados como ausentes das narrativas: na
fala, 11 (dos 19) estariam contidos nos 3 episódios não codificados oralmente (nas narrativas
N14, N20 e N22); e, na escrita, 03 (dos 28) estariam nos 2 episódios omitidos nesse canal (nas
narrativas N16 e N23).
Os eventos ausentes restantes (08 na fala e 25 na escrita) caracterizam-se por serem:
justificativa de ação anterior; hipotéticos referindo-se a suposições acerca de possíveis atos;
fundo descritivo; diálogo com alternância de turnos; e ações isoladas onde a contribuição de
cada evento omitido não é significativa para a compreensão global do episódio.
1.3 Conclusões parciais
Isso posto, pode-se dizer que, em termos gerais, houve correspondência nos dois canais
em relação aos eventos lembrados e relatados (aspecto semântico-cognitivo e discursivo). Esse
resultado, associado ao resultado da análise dos episódios, mostra a funcionalidade da noçãode esquema discursivo orientando a distribuição das informações na narrativa.
No que se refere às diferenças verificadas entre os canais, é importante destacar que: a)
a discrepância quantitativa indicada pelos números nas tabelas não revela a caracterização real
dos dados que, qualitativamente, aproximam a fala e a escrita em relação à organização da
narrativa em episódios e eventos, no sentido de que informações ditas tendem a ser escritas; b)
as diferenças reais verificadas entre fala e escrita dizem respeito ao nível sintático-discursivo,
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158
estando diretamente associadas ao mecanismo de codificação lingüística. É o que passamos a
considerar a seguir.
A codificação escrita propicia a apresentação de eventos integrados, de modo que
subtópicos distribuídos em dois ou mais eventos autônomos na fala aparecem, freqüentemente,
vinculados em um único evento na escrita. Esse comportamento distinto dos canais, quanto ao
fenômeno da integração, pode ser explicado pela atuação diferenciada do princípio da
iconicidade. Na fala, parece estar atuando com mais intensidade o subprincípio da ordem
seqüencial, fazendo com que o relato retrate mais vivamente as ações e reações, de modo a
reconstituir detalhadamente e passo-a-passo os eventos. Na escrita, parece atuar mais
intensamente o subprincípio da proximidade, o que justifica a quantidade maior de integraçãoverificada nesse canal, através da aproximação, no nível da codificação, de informações que
estão cognitivamente próximas, ou seja, de ações e/ou estados percebidos de modo integrado.
A maior atuação do subprincípio da proximidade na escrita possivelmente esteja
associada à força das pressões formais típicas do código escrito, que o tornam estruturalmente
mais complexo do que a fala. Esta complexidade estrutural aparece aliada à complexidade
cognitiva, já que, de acordo com Chafe (1980), as estratégias de subordinação, mais presentes
na integração, exigem uma concentração maior de "focos da consciência" no processo de
verbalização, o que naturalmente dificulta esse tipo de processamento na fala, devido às
limitações de capacidade e duração de cada foco (cf. 2.1).
Ainda com relação às especificidades de canal, a codificação escrita dá margem a
maior número de eventos inferidos, do que a fala. Tanto do ponto de vista do emissor como do
receptor da informação escrita, existe mais flexibilidade no processamento da informação,
principalmente devido à baixa interferência do fator tempo. De fato, ao escrevermos ou ao
lermos, normalmente dispomos de um espaço de tempo relativamente longo que permite idas
e vindas, revisões e reelaborações da informação no discurso. Tal característica propicia queestratégias cognitivas de inferência tendam a ser vinculadas à escrita, já que necessitam de um
tempo maior de processamento.
Há, todavia, um fator adicional em nosso corpus que pode ter interferido na omissão de
eventos (sejam inferíveis ou não) na versão escrita da narrativa. De acordo com a metodologia
de coleta de dados, a versão oral foi sistematicamente gravada antes do registro escrito do
relato. Até que ponto esse fato pode ter influenciado na codificação, é uma questão que
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permanece em aberto. Seria necessário dispormos de dados escritos coletados anteriormente à
fala, para que pudéssemos comparar os corpora e chegar a uma conclusão mais consistente a
esse respeito.
Quanto aos deslocamentos de eventos, na maioria das vezes não há afetamento
aparente na ordenação da narrativa, isto porque, de um lado, a seqüência discursiva não fica
prejudicada e, de outro lado, não dispomos de meios para identificar a seqüência factual
subjacente ao relato (cf. ex.(28)-(31)). Assim, torna-se difícil saber se o deslocamento ocorreu
na fala ou na escrita, embora nossa inclinação seja a de considerar os deslocamentos tomando
como referência a primeira versão do relato, o que é reforçado pela organização dos dados
para análise, onde a fala precede a escrita. Este não é, naturalmente, um critério adequado parase decidir o que é ou não deslocado na narrativa. Em vista disso, nada concluímos a respeito
dos deslocamentos relativamente à atuação específica de canal.
No que se refere a intercalações de eventos, o canal privilegiado para esse mecanismo
de codificação é a fala. As intercalações presentes nos dados são sistematicamente não
seqüenciais e, em sua maioria, de caráter avaliativo (cf. ex. (34)-(35)). O evento que é
interrompido é retomado posteriormente para dar continuidade à seqüenciação narrativa,
garantindo, dessa maneira, a coesão discursiva. A retomada do evento se dá, via de regra,
através de repetição integral ou parcial de unidade(s) codificada(s) imediatamente antes da
intercalação. Tal mecanismo faz-se necessário na fala, em virtude das restrições cognitivas
impostas ao processamento da informação que é veiculada oralmente (cf. Chafe, 1980), e
tendo em vista a construção do modelo de discurso pelos interlocutores. Na escrita, mais uma
vez, retomadas desse tipo são desnecessárias devido a características inerentes ao canal, e, em
conseqüência disso, não há intercalações de eventos (no sentido aqui explorado).
Concluindo esta seção, podemos reafirmar que, no nível das unidades semântico-
discursivas, não há diferenças relevantes na organização hierarquizada de tópicos/subtópicosentre os canais da fala e da escrita. A diferença se manifesta no nível das unidades de
codificação, uma vez que são estas as responsáveis pela distribuição linearizada daquelas.
Nossa terceira hipótese continua, pois, sendo validada.
Na próxima seção, onde abordamos especificamente as unidades de codificação,
continuaremos a procurar evidências para a confirmação da segunda parte da hipótese que
orienta a investigação no presente capítulo.
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160
2 Análise em nível de UCE
Nosso objetivo, nesta seção, é analisar as UCE (unidades de codificação dos eventos)
tendo em vista seus papéis discursivos na organização de tópicos e subtópicos na narrativa.
Para tanto, vamos caracterizá-las em sua função de:
- abertura de tópicos/episódios na fala e na escrita;
- abertura de subtópicos/eventos na fala e na escrita;
- desenvolvimento de episódios e eventos nos dois canais.
A caracterização das UCE toma por base os seguintes grupos de fatores sintático-semântico-discursivos, de acordo com os quais os dados foram codificados:
1) Papel semânticoFatores: - localização temporal
- localização espacial- localização espaço-temporal- relação de causalidade- relação de oposição- função descritiva- função enunciativa
- outros2) Seqüencialidade discursivaFatores: - início da seqüencialidade de ações
- seqüencialidade contínua- seqüencialidade descontínua- combinação de seqüencialidade + cotemporalidade- função antecipativa- função retomativa- função avaliativa- não seqüencialidade (ação durativa ou estado)
3) Conexão sintáticaFatores: - conjunção subordinativa
- conjunção coordenativa- advérbio- marcador discursivo- forma nominal do verbo- combinação de conectores- sem conector
4) Tipo de tópico frasal
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Fatores: - tópico contínuo- tópico descontínuo inter-episódico- tópico descontínuo intra-episódico
- tópico promovido (de secundário a primário)- 1ª menção
5) Sintaxe de referênciaFatores: - SN
- eu- ele(s)- eu/ele com verbo ambíguo- a gente- nós- ∅
- sujeito oracional/ sem sujeito
6) Complexidade estruturalFatores: - não oração
- uma oração- duas orações- três orações- quatro orações ou mais
Cada UCE foi codificada a partir dos grupos de fatores listados acima, com o objetivo
de se descrever o contexto discursivo que propicia a abertura de episódios e de eventos emoposição à não abertura, ou seja, ao desenvolvimento interno de cada unidade semântico-
discursiva. A variável de referência, nesse caso, é constituída por três fatores: fronteira de
episódio, fronteira de evento e não-fronteira. Exemplificando:
(36) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 8: PERIGO E DESESPERO NA CHEGADA AO PAREDÃOEVENTO 1: Visão do vácuo
1. De repente, notei que se abria um certo vácuo na vegetação:2. as árvores que nos acompanhavam e se debruçavam sobre o riachode repente desapareceram
EVENTO 2: Percepção do perigo 3. num momento de desespero me dei conta do que acontecia ou estava
na iminência de acontecerEVENTO 3: Virada
4. virei rapidamente o corpoEVENTO 4: Apoio na pedra
5. e meti os dedos numa fresta, entre duas pedrasEVENTO 5: Caracterização da situação
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6. e lá fiquei me segurando, com os pés soltos no ar[...] (N15E-3M-CRH)
No trecho acima, as UCE são identificadas da seguinte maneira: a unidade 1 abre
episódio; as unidades 3 a 6 abrem evento; e a unidade 2 não representa fronteira de evento
nem de episódio.
A expectativa é: a) que as UCE sejam codificadas diferentemente de acordo com sua
função discursiva; b) que os canais comportem-se de modo semelhante no nível semântico-
discursivo, e que as diferenças entre os canais situem-se no nível sintático-discursivo.
Os dados foram submetidos a tratamento estatístico através de alguns programas do
pacote VARBRUL, em sua versão de 1988, com a intenção de se verificar, ao lado do cálculode freqüências e de percentagens, também os pesos relativos de cada fator associado à variável
de referência, bem como o nível de significância atribuído a cada grupo de fatores selecionado
como estatisticamente relevante. Esta quantificação permite um nível maior de confiabilidade
na análise.
Testamos cada canal em separado, considerando o tipo de fronteira
(episódio/evento/∅) como variável de referência e os demais grupos de fatores comuns aos
dois canais, o que permitiu uma análise comparativa entre fala e escrita. Esses resultadosencontram-se na subseção seguinte. Posteriormente, efetuou-se uma rodada geral que opôs
fala a escrita (como variável de referência), objetivando-se traçar um paralelo entre os dois
canais quanto às unidades de codificação, independentemente de suas funções discursivas. Os
resultados para a rodada geral de fala versus escrita encontram-se na subseção 2.2.
2.1 Variável de referência: episódio, evento e não-fronteira
Na primeira etapa da análise das UCE considerou-se como variável de referência
fronteira versus não-fronteira de episódios e eventos. Como já dito anteriormente, as rodadas
para fala e escrita foram realizadas em separado e posteriormente comparadas com base nos
mesmos grupos de fatores postulados como variáveis correlacionáveis. Objetiva-se, com essa
análise, caracterizar as UCE tendo em vista a função que desempenham no discurso narrativo,
abrindo episódios ou eventos, ou desenvolvendo internamente um evento.
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Em todas as rodadas quatro grupos de fatores foram sistematicamente selecionados
para os dois canais, variando apenas a ordem de seleção, em função de recombinações de
fatores. Os grupos selecionados como significativos para ambos os canais foram: ‘papel
semântico’, ‘seqüencialidade discursiva’, ‘conexão sintática’ e ‘tipo de tópico’; o grupo
‘sintaxe de referência’ mostrou-se significativo apenas para a fala. Evidencia-se, assim, o grau
de correlação do fenômeno estudado com o domínio sintático-semântico-discursivo.
Passemos à análise dos resultados obtidos para os grupos de fatores estatisticamente
significativos.
2.1.1 Papel semântico das unidades
Categorizando as unidades de codificação de acordo com o papel semântico
desempenhado na narrativa, objetivamos descobrir quais as funções semânticas mais
recorrentes e em que posição elas aparecem na organização do discurso. Os diferentes papéis
foram elencados a partir do exame dos dados, e assim distribuídos: localização temporal da
ação/estado; localização espacial; localização espaço-temporal; descrição/ atitudinal; oposição
ou contraste; causalidade; cognição/enunciação. Por fim, foram codificadas num único grupo
as unidades que não apresentavam nenhuma das características anteriores (alguns casos de
alternância e comparação, e casos de pura seqüencialidade de ações).
A expectativa é que os papéis semânticos relativos à ‘localização no tempo’ e
‘localização no espaço’, isoladamente ou vinculados, apresentem uma incidência maior na
abertura de episódios, já que estes se definem como mudança de cenário. Por outro lado, a
‘causalidade’ (assim codificada quando há conector explícito estabelecendo a relação) deve
estar mais presente em unidades de não-fronteira, associada a exposição de motivos ou
justificativas para ações previamente codificadas. A ‘oposição ou contraste’, possivelmentevinculada à mudança de tópico discursivo, deve aparecer mais em unidades de fronteira.
Quanto às unidades com função ‘caracterizadora ou descritiva’, a expectativa é de que se
concentrem mais em não-fronteira e menos em abertura de episódios.
A função que está sendo identificada como ‘cognição/enunciação’ justifica-se pela alta
freqüência da referência ao discurso do outro, através de construções de discurso direto e
indireto. A previsão é, a exemplo do que se espera para as unidades descritivas, que as
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unidades de cognição/enunciação ocorram pouco na abertura de episódios e se manifestem
mais em não-fronteira.
Exemplificamos esses papéis semânticos a partir do trecho abaixo.
(37) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 3: BATIDA NO TÚNEL EVENTO 1: Fim de noite
1. Depois do bar, nós resolvemos ir pra casa, no GrajaúEVENTO 2: Tomada do carro
2. eu peguei o carroEVENTO 3: Direção alucinada
3. e fui dirigindo alucinadamenteEVENTO 4: Aparecimento de outro carro
4. até que no Rebouças, um Voyage surgiu na minha frenteEVENTO 5: Batida
5. e eu não pude desviarEVENTO 6: Perda do controle
6. depois da batida eu perdi a direção do carroEVENTO 7: Raspada pelo túnel
7. e ele foi se arrastando uns cem metros pelo paredão do túnel
EPISÓDIO 4: REAÇÃO IMEDIATA E PRIMEIRAS PROVIDÊNCIAS EVENTO 1: Preta de fuligem
8. A Andrea, que estava do meu lado e com o vidro aberto, ficou
desesperada9. porque além do nervosismo da batida, a fuligem e a sujeira do
paredão voou toda na cara dela10. e ela estava toda preta
EVENTO 2: Pedido da acompanhante11. ela começou a gritar para eu tirar o carro dali e ir embora
EVENTO 3: Tentativa frustrada de sair12. só que o carro não andava de jeito nenhum[...] (N14E-3M-DMM)
A unidade de codificação nº1 localiza a ação no tempo e no espaço ("depois do bar,
nós resolvemos ir pra casa, no Grajaú"). A unidade 4 localiza a ação no espaço ("até que no
Rebouças...") e a unidade 6 localiza no tempo ("depois da batida..."). As unidades 8 e 10 são
descritivas ("A Andrea, que estava do meu lado..."/ "e ela estava toda preta"). A unidade 9
representa causalidade ("porque além do nervosismo da batida..."). Em 12 temos exemplo de
oposição/contraste ("só que o carro não andava..."). A unidade 11 ilustra o fator
cognição/enunciação ("ela começou a gritar para eu tirar o carro..."). E as unidades 2 e 5 não
desempenham nenhum desses papéis.
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Em caso de ocorrer mais de um papel semântico na unidade, foi codificado o mais
tópico, exceto para localização temporal e espacial, que foram sempre considerados mais
relevantes. As rodadas iniciais logo mostraram um resultado categórico para as unidades
causais, com a seguinte distribuição:
Tabela 5: Distribuição das UCE causais na fala e na escrita
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % Freq. %
Início de episódio
Início de evento
Não-fronteira
00/49 00
03/49 06
46/49 94
00/30 00
08/30 27
22/30 73
Uma vez constatada a previsão inicial de que as unidades cujo papel semântico é de
causalidade estariam mais presentes no desenvolvimento interno de eventos, esse fator passou
a ser amalgamado ao conjunto das unidades que não desempenham nenhum dos outros papéis,
dado o comportamento categórico de ausência de causalidade em abertura de episódios e o
fato de que o pacote estatístico utilizado rejeita dados desse tipo para o cálculo de pesos
relativos.Os resultados para o grupo semântico são apresentados a seguir. Primeiramente,
estabelecemos uma oposição entre episódios e eventos de um lado, e não-fronteira de outro. O
programa selecionou esse grupo de fatores como o primeiro mais significativo para a escrita e
o terceiro para a fala.
Tabela 6: Papel semântico das UCE que abrem episódios e eventos(em oposição a não fronteira), nos dois canais
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % PR Freq. % PR
Localização espaço-temporal
Localização temporal
Localização espacial
Oposição
Enunciação
61/64 95 0,96
52/67 78 0,70
149/200 74 0,64
23/33 70 0,72
84/158 53 0,29
73/78 94 0,80
57/65 88 0,69
101/124 81 0,60
19/26 73 0,67
56/89 63 0,40
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Descrição
Outros
86/188 46 0,41
66/197 34 0,27
63/105 60 0,35
41/100 41 0,22
Na leitura dos resultados numéricos é importante levar em conta que
em princípio, os valores absolutos dos pesos relativos calculados não têmsignificância analítica; o que importa é a sua ordenação (...) por isso, temosque ter muita cautela ao dizermos que um peso menor do que 0.5desfavorece a aplicação da regra ou ao compararmos valores numéricos de pesos calculados para diversos conjuntos de dados (Naro, 1992:24).
A partir dessa observação, pode-se considerar que, de acordo com a tabela 6, o
comportamento dos fatores é bastante semelhante nos dois canais. As UCE que codificam
informação relativa à localização dos participantes e das ações no tempo e no espaço tendem
acentuadamente a ocorrer na abertura de episódios/eventos; especialmente quando há o
componente de temporalidade envolvido, o que aparece nos dois primeiros fatores listados.
A função semântica de oposição ou contraste também aparece associada à abertura de
episódios/eventos, com comportamento similar na fala e na escrita (ambos os canais com
dados relativamente reduzidos com relação a esse fator).
Os pesos relativos apontam ainda para a correlação entre as funções descritiva e
enunciativa e as unidades que codificam não-fronteira de episódios/eventos, tanto na fala
quanto na escrita.
Esses resultados referentes ao grupo de fatores semânticos corroboram a hipótese geral
de que não há diferenças relevantes entre fala e escrita no que diz respeito ao nível semântico-
discursivo.
Estabelecida uma oposição entre o comportamento de UCE de fronteira e de não-
fronteira, passamos a verificar como se caracterizam especificamente as unidades de aberturade episódios e de eventos, excluídas as unidades de não-fronteira. Nova rodada foi feita e,
dessa vez, o grupo de fatores semânticos foi o primeiro selecionado para ambos os canais. Os
resultados estão na tabela a seguir.
Tabela 7: Papel semântico das UCE que abrem episódios(em oposição a eventos), nos dois canais
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
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FATORES Freq. % PR Freq. % PR
Localização espaço-temporal
Localização temporal
Localização espacial
Descrição
Oposição
Enunciação
Outros
45/61 74 0,91
26/52 50 0,76
40/149 27 0,55
18/86 21 0,50
03/23 13 0,46
06/84 07 0,19
04/66 06 0,18
59/73 81 0,90
29/57 51 0,60
28/101 28 0,55
14/63 22 0,31
02/19 11 0,42
02/56 04 0,08
09/41 22 0,46
A distribuição dos três primeiros fatores mantém-se na mesma ordem da tabela precedente, só que se acentua a presença do traço de temporalidade associado a UCE que abre
episódios na fala e na escrita, em relação ao traço de localização espacial, que em termos
percentuais passa a correlacionar-se à abertura de eventos (27% e 28%), embora o peso
mantenha-se com leve tendência para episódios (0,55) nos dois canais.
O traço semântico de oposição perde sua força ao se focalizar o episódio separado do
evento. Com os dois juntos o peso é de 0,72 e 0,67, para fala e escrita, com percentual
equivalente (cf. Tab. 6); só com episódio o percentual de ocorrência cai para 13% e 11% e o
peso associado a esse fator cai para 0,46 e 0,42, na fala e na escrita. O que mostra que as UCE
que expressam idéia de oposição tendem a aparecer na abertura de eventos e não de episódios.
A descrição e a enunciação já haviam sido correlacionadas caracteristicamente a UCE
de não-fronteira na tabela anterior. Foram mantidas aqui para se verificar em que tipo de UCE
estão propensas a aparecer nos casos em que se fazem presentes abrindo episódios/eventos.
Verifica-se que a descrição mantém-se neutra na fala (0,50) e está associada a um peso baixo
na escrita (0,31), indicando ser reduzida a possibilidade de aparecer uma unidade descritiva
abrindo episódio nesse canal. A enunciação, quando aparece abrindo unidades semântico-discursivas, o faz predominantemente nos eventos nos dois canais (0,19 e 0,08 ) mostrando ser
muito rara a ocorrência de unidade enunciativa abrindo episódio nos dois canais.
Constata-se, a partir dos resultados das tabelas 6 e 7, que:
- em ambos os canais, a abertura de episódio correlaciona-se à presença marcante de
informação espaço-temporal e temporal, nesta ordem;
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168
- em ambos os canais, a abertura de eventos correlaciona-se à presença de informação
relativa à oposição (e compartilha com os episódios a localização espacial);
- em ambos os canais, as UCE de não fronteira correlacionam-se à enunciação e
descrição (compartilhando o primeiro fator com as UCE de eventos nos dois canais, e o
segundo com as UCE de eventos na escrita).
O comportamento semelhante entre fala e escrita, tanto das unidades de fronteira de
episódios quanto de eventos e de não fronteira, constitui-se em evidência favorável à hipótese
de que não há diferenças significativas nos dois canais no nível semântico. Os resultados para
episódios ratificam o critério de mudança de cenário, utilizado na identificação e delimitação
de episódios na narrativa, com ênfase na localização temporal dos participantes e das ações.Por fim, a estreita correlação verificada entre: UCE de localização espaço/tempo e episódio;
UCE de oposição e evento; UCE descritiva e enunciativa e não fronteira –, indica que as
unidades de codificação que contêm esses traços tendem a desempenhar funções semânticas
específicas no discurso narrativo. Esses resultados atendem às expectativas apresentadas no
início desta subseção.
2.1.2 Seqüencialidade discursiva
Como a dinâmica do discurso narrativo caracteriza-se pela seqüencialidade de ações,
que se desenvolvem apoiadas a um fundo não seqüencial alternando-se com comentários
avaliativos e retomadas coesivas, julgamos pertinente detalhar as diversas possibilidades de
manifestação dessas duas funções maiores (seqüencialidade e não seqüencialidade), e
categorizamos as unidades em oito subtipos, descritos e exemplificados a seguir.
a) Quanto à seqüencialidade: início da seqüencialidade; seqüencialidade contínua;
seqüencialidade descontínua; e seqüencialidade + cotemporalidade. b) Quanto à não-seqüencialidade: duração/estado; avaliação; antecipação; e retomada.
Exemplificando:
(38) Narrativa oral:
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃOEVENTO 1: Caracterização do relato
1. ah! a primeira narrativa é um fato mais antigoEVENTO 2: Localização espaço-temporal
2. é que antigamente no supermercado também armava presépio na
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época de natalEVENTO 3: Apresentação dos participantes e descrição da situação
3. aí tava eu, minha mãe, meu irmão
4. eu fiquei vendo a vitrine... vendo a vitrine
EPISÓDIO 2: O CHAMADO NÃO PERCEBIDO EVENTO 1: O chamado da mãe
5. minha mãe chamou pra ir embora do supermercadoEVENTO 2: Não percepção do chamado
6. mas eu não devo ter ouvido7. porque eu tava entretida vendo a vitrine
EVENTO 3: Ida da família 8. aí meu irmão foi com a minha mãe
EPISÓDIO 3: PERCEPÇÃO DO ISOLAMENTO E SAÍDA EVENTO 1: Percepção do isolamento
9. quando eu olhei10. não tinha ninguém conhecido perto
EVENTO 2: Saída do supermercado 11. eu fui embora[...] (N2O-3F-API)
Com relação à seqüencialidade, o início da ação começa na unidade nº 5 ("minha mãe
chamou pra ir embora..."); a ação é interrompida e volta a ser encadeada em 8 ("aí meu irmão
foi com a minha mãe"), representando o que está sendo denominado de seqüencialidade
descontínua. A unidade que prossegue o relato dá continuidade à ação, ao mesmo tempo em
que mostra cotemporalidade desta ação em relação ao fundo durativo que a acompanha
("quando eu olhei"/ "não tinha ninguém conhecido perto"). À primeira das unidades transcritas
entre parênteses é atribuída a dupla função de representar seqüencialidade e cotemporalidade
(cf. Thompson, 1987). A última unidade do exemplo ("eu fui embora") retoma o fluxo
temporal através de seqüencialidade descontínua.
Com relação à não-seqüencialidade, temos abrindo a narrativa uma unidade avaliativa,seguida por três durativas. São durativas também as unidades 7 e 10. A unidade 6 parece
apresentar uma dupla função, já que consiste num comentário hipotético a respeito de uma
possível ação perfectiva; foi, porém, considerada como não seqüencial.
As funções antecipativa e retomativa são exemplificadas nos trechos a seguir.
(39) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 3: A DESCIDA DO TELHADO EVENTO 1: Resolução de descer
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1. Resolvemos descer pelo mesmo caminho que havíamos subidoEVENTO 2: Passagem e queda
2. mas aconteceu o inesperado
3. uma delas passou4. e quando foi a minha vez5. uma telha se quebrou6. e eu caí dentro da casa da minha vizinha[...] (N5E-3F-MAL)
A unidade destacada em negrito no exemplo acima antecipa o que vem a seguir,
integrando todas as informações num centro de interesse; é o que chamamos de função
antecipativa. Já as unidades destacados abaixo exemplificam as retomadas.
(40) Narrativa oral:
EPISÓDIO 3: A DESCIDA DO TELHADO [...]
EVENTO 2: Passagem e queda1. quando eu fui passar2. a telha quebrou3. eu caí dentro da casa da minha vizinha
EVENTO 3: Descrição e avaliação da queda4. mas eu dei a maior sorte5. porque tinha... tinha a geladeira e o armário
6. e eu caí exatamente entre os dois7. caí lá de cima dentro da cozinha da minha vizinha
(N5O-3F-MAL)
Observe-se que as unidades com função de antecipação e de retomada costumam
apresentar-se no aspecto perfectivo, que caracteriza a seqüencialidade na narrativa. Entretanto,
como se percebe, perfectividade nem sempre implica seqüencialidade.
Nossa expectativa geral em relação a esse grupo de fatores é que UCE de fronteira de
unidade semântico-discursiva codifique seqüencialidade de ações, e que UCE de não fronteira
expresse não seqüencialidade. Adicionalmente espera-se: a) que o fator seqüencialidade +
cotemporalidade esteja correlacionado à abertura de episódios orais e escritos, por ser uma
construção sintática e discursivamente marcada; b) que os fatores início de seqüencialidade e
seqüencialidade descontínua também estejam associados à abertura de episódios orais e
escritos, uma vez que implicam desencadeamento ou descontinuidade (ruptura) da ação; c)
que os fatores antecipação e retomada estejam mais presentes na abertura de episódios orais,
em virtude de seu papel coesivo na organização do discurso; d) que o fator seqüencialidade
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contínua apareça na abertura de eventos orais e escritos, encaminhando as ações que se
desenrolam nos limites de um episódio; e) que o fator duração esteja associado à não fronteira,
uma vez que recobre as noções de ação não seqüencial e estado; f) não se tem uma expectativa
clara com relação ao fator avaliação, dada sua característica de expressar opiniões do falante
sobre os fatos narrados, o que pode ocorrer, em princípio, em qualquer ponto do relato.
Os resultados para o grupo de fatores discursivos que avalia as unidades de codificação
relativamente à seqüencialidade são apresentados a seguir. Numa primeira rodada, foi
estabelecida a oposição entre unidades de fronteira (incluindo episódios e eventos) e unidades
de não-fronteira. Os resultados da tabela abaixo mostram freqüências, percentuais e pesos
relativos dos fatores associados às UCE que abrem episódios e eventos, tomadas em conjunto.O programa selecionou este grupo de fatores como o segundo mais significativo para a fala e o
terceiro para a escrita.
Tabela 8: Seqüencialidade em UCE de fronteira de episódios/eventos(em oposição a unidades de não fronteira), nos dois canais
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % PR Freq. % PR
Seqüencialidade/ cotemporal.Antecipação
Seqüencialidade contínua
Início de seqüencialidade
Seqüencialidade descontínua
Avaliação
Retomada
Duração
23/24 96 0,8918/20 90 0,88
146/189 77 0,76
19/25 76 0,58
91/126 72 0,59
70/132 53 0,51
29/61 48 0,18
125/330 38 0,30
18/20 90 0,6811/15 73 0,51
133/172 77 0,62
20/23 87 0,51
64/84 76 0,57
64/95 67 0,51
05/07 71 0,37
95/171 56 0,33
Comparem-se as ordenações dos pesos dos fatores na fala e na escrita. As diferenças
mais marcantes entre os dois canais dizem respeito a pouca polarização dos valores na escrita
e ao comportamento da UCE com função antecipativa: enquanto na fala esta constitui-se na
segunda função mais significativa para introduzir tópicos/subtópicos semântico-discursivos
(0,88), na escrita mostra um comportamento neutro, caindo para quarta colocação (0,51).
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Quanto aos demais fatores, os dois canais comportam-se de maneira similar. Tanto na
fala como na escrita a tendência verificada é para a seqüencialidade, especialmente para a
combinação de ‘seqüencialidade com cotemporalidade’, ou seja, para construções marcadas
com uma dupla função de encaminhar as ações e simultaneamente situá-las num fundo
durativo. Segue-se, na ordem, ‘seqüencialidade contínua’, ‘seqüencialidade descontínua’ e
‘início de seqüencialidade’, fatores correspondentes a um alto percentual e a pesos igualmente
mais altos. Portanto, a principal função discursiva das UCE, no que se refere à abertura de
episódios/eventos nos dois canais, é a de indicar seqüencialidade.
Os dois canais são pouco propensos a abrir episódios/eventos com unidades não-
seqüenciais, de modo que ações durativas ou estados (0,30 e 0,33) e ações que representamretomadas (0,18 e 0,37) predominam no desenvolvimento de episódios/eventos, ou seja, em
UCE de não fronteira.
Esses resultados, no geral, correspondem ao esperado, pois a narrativa só avança com o
desenrolar de episódios e eventos e com a conseqüente ordenação cronológica das ações;
quanto aos elementos não-seqüenciais, estes funcionam como fundo e aparecem naturalmente
no desenvolvimento interno dos eventos.
Um aspecto, no entanto, chama a atenção nos resultados: é o fato de as retomadas
estarem vinculadas à função de não-fronteira da UCE. O esperado era que tal mecanismo
funcionasse como reorientação situando novamente o encadeamento de ações após um período
de não-seqüenciação. Um exame dos dados mostra, porém, que as retomadas internas são
basicamente de repetição integral ou parcial de UCE contígua, normalmente com acréscimo de
informações, o que configura o tipo de evento identificado como de 'recorrência ou paráfrase'.
Veja-se o exemplo:
(41)
EPISÓDIO 3: A DESCIDA DO TELHADO [...]
EVENTO 4: Conseqüências da queda1. só me arranhei2. e fiquei sem voz né com o susto3. o susto foi tão grande que eu não consegui falar
(N5O-3F-MAL)
É interessante também observar que há uma certa correlação entre o fator ‘duração’
relativo a UCE que abre episódios/eventos e os fatores ‘início de seqüencialidade’ e
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‘seqüencialidade descontínua’ associados a UCE de não-fronteira. Quando um episódio/evento
é aberto com uma ação durativa (o que não é o comum, pois o peso fica em torno de 0,30), a
UCE que a codifica normalmente funciona como fundo integrador de evento e é seguida por
uma ação seqüencial. Observe-se o exemplo:
(42)EPISÓDIO 3: A SUBIDA DA RUA COM A CENA DO BEIJO EVENTO 1: Visão do casal de namorados
1. na volta quando a gente tava subindo2. a gente viu um casal de namorados assim naquele beijo lá no muro
(N1O-3F-AMV)
Numa segunda rodada com o grupo de fatores relativo à seqüencialidade discursiva,estabelecemos oposição entre unidades de fronteira de episódio vs. evento, excluindo as UCE
que não codificam fronteira, para analisar comparativamente aquelas duas unidades
semântico-discursivas. Foram mantidos os fatores ‘duração’ e ‘retomada’, tidos como
característicos de não-fronteira na tabela anterior, para verificar como se comportam nos casos
em que aparecem abrindo episódios/eventos. O programa selecionou esse grupo como o
terceiro mais significativo para a fala e o quarto para a escrita. Os resultados encontram-se na
tabela seguinte.
Tabela 9: Seqüencialidade em UCE de fronteira de episódios(em oposição a eventos), nos dois canais
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % PR Freq. % PR
Seqüencialidade/ cotemporal.
Início de seqüencialidade
Antecipação
Seqüencialidade descontínua
Avaliação
Duração
Retomada
Seqüencialidade contínua
13/23 57 0,42
12/19 63 0,86
09/18 50 0,74
25/91 27 0,53
15/70 21 0,51
33/125 26 0,49
13/29 45 0,51
22/146 15 0,40
16/18 89 0,88
16/20 80 0,78
03/11 27 0,41
27/84 32 0,53
16/64 25 0,55
35/95 37 0,53
01/05 20 0,22
29/133 22 0,35
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Fala e escrita já apresentam algumas diferenças mais acentuadas no que se refere à
função discursiva da UCE que abre episódios em oposição à que abre eventos. Destaquemos
primeiro as semelhanças: fala e escrita continuam igualmente privilegiando a função de
seqüencialidade na abertura de episódios no que se refere ao fator ‘início de seqüencialidade’
(0,86 e 0,78); em ambos os canais o fator ‘seqüencialidade contínua’ fica correlacionado à
abertura de eventos (0,40 e 0,35), o que é corroborado pelo baixo percentual associado (15% e
22%).
A diferença mais relevante diz respeito ao fator ‘seqüencialidade + cotemporalidade’: é
o que tem associado o peso relativo mais alto para a abertura de episódios na escrita (0,88), e
um dos mais baixos na fala (0,42) (embora o percentual de 57% se situe em segundo lugar naordenação decrescente dos fatores pela percentagem). Na escrita, essa dupla função discursiva
0,88), juntamente com a função de inicializar a seqüência de ações (0,78), se especializa como
típica de introduzir episódios (veja-se que quando episódios e eventos são computados em
conjunto, o peso é de 0,68 para o primeiro fator, cf. Tab. 8).
Já na fala há indicação de forte cruzamento entre os grupos ‘seqüencialidade
discursiva’ e ‘papel semântico’. Nos resultados da rodada em que o programa realiza a
primeira seleção no nível 1, o peso relativo atribuído ao fator ‘seqüencialidade +
cotemporalidade’ é de 0,79, o que o coloca como altamente relevante para caracterizar UCE
que abre episódio na fala, fato esse que aproxima novamente os dois canais. Entretanto, na
seleção do nível 2 onde se dá a interação dos grupos ‘seqüencialidade’ e ‘papel semântico’, o
peso para o fator em questão cai para 0,38, sofrendo alteração mínima nos cálculos do nível 3
quando entra também o grupo ‘conexão sintática’ (cf. Tab.9). Esses valores sugerem que nesse
caso o efeito do papel semântico é mais saliente do que o da seqüencialidade para caracterizar
as UCE que abrem episódios orais (quando está em jogo o traço de seqüencialidade +
cotemporalidade).Essa indicação de enviesamento nos dados fez com que realizássemos uma rodada
excluindo as ocorrências em que se combinavam os fatores ‘seqüencialidade + temporalidade’
e ‘localização espaço-temporal’, pois nos parecia que aí se encontrava a origem da
interferência. De fato, 16 dos 23 dados de ‘seqüencialidade + temporalidade’ coocorrem com
o fator ‘localização espaço-temporal’ (10 em episódios e 06 em eventos), e a rodada sem esses
dados apresentou um resultado mais equilibrado para o primeiro fator: 0,56 (em oposição a
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0,42 da tabela). Confirmou-se, assim, a suposição de que quando os grupos ‘seqüencialidade
discursiva’ e ‘papel semântico’ interagem, e quando coocorrem os fatores ‘seqüencialidade +
temporalidade’ e ‘localização espaço-temporal’, este último fator atua mais poderosamente na
caracterização da abertura de episódios na fala. Já a escrita apresenta uma distribuição mais
homogênea dos dados entre esses dois fatores, o que se reflete na distribuição mais equilibrada
dos valores na tabela.
Quanto à função antecipativa, verifica-se que UCE desse tipo predomina na fala (0,74)
e é desfavorecida na escrita (0,41) na abertura de episódios. Nossa expectativa era de que a
função de retomada apresentasse um comportamento semelhante ao da função antecipativa, já
que ambas se constituem em mecanismos de coesão do discurso. Em termos de fala e escritatal previsão se confirma parcialmente na medida em que 0,22 é o peso mais baixo para a
escrita enquanto que 0,51 situa-se em quarto lugar na escala decrescente de valores para a fala.
Em se tratando de distinguir episódios de eventos, no entanto, a retomada comporta-se de
modo neutro, funcionando como reorientação coesiva tanto para encadear um episódio ao
outro, como para retomar a seqüencialidade de eventos dentro de um episódio, freqüentemente
interrompida com comentários descritivos e avaliativos.
A partir dos resultados das tabelas, constata-se que:
- em ambos os canais, as unidades que abrem episódios se caracterizam por ter a
função discursiva de indicar o início de uma seqüência de ações;
- em ambos os canais, há uma forte correlação entre abertura de episódio e UCE
indicativa de que uma ação é ao mesmo tempo seqüencial a uma antecedente e cotemporal a
uma terceira; ressalve-se, porém, que na fala esta correlação se mantém quando o grupo de
fatores relativo à seqüencialidade é considerado isoladamente; quando o grupo
seqüencialidade interage com o papel semântico, este torna-se preponderante e aquele passa a
ter um efeito secundário;- na fala, verifica-se uma freqüência maior de UCE antecipativa e retomativa do que na
escrita; a fala apresenta-se propensa a ter UCE antecipativa abrindo episódios;
- em ambos os canais, as unidades que abrem eventos correlacionam-se com
seqüencialidade contínua de ações;
- em ambos os canais, as UCE de não fronteira caracterizam-se basicamente por
expressar ação durativa ou estado;
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- em ambos os canais, as UCE avaliativas e de seqüencialidade descontínua têm um
comportamento neutro, aparecendo igualmente em abertura de episódio ou de evento, ou em
não fronteira.
Esses resultados são em sua grande maioria esperados na medida em que:
a) firma-se a hipótese de que não há diferenças significativas entre fala e escrita no
nível semântico-discursivo; entre as cinco características apontadas acima, somente uma
distingue os dois canais, qual seja, a função antecipativa/retomativa típica da fala;
b) o início das ações na narrativa tende a ocorrer naturalmente nas UCE que
introduzem o primeiro episódio, após a contextualização inicial do acontecimento;
c) a correlação verificada entre: UCE de início de seqüência de ações e deseqüencialidade + temporalidade, e abertura de episódio; UCE de seqüencialidade contínua e
abertura de evento; UCE de não seqüencialidade e desenvolvimento de evento _ mostra que as
unidades de codificação desempenham funções discursivas específicas na organização dos
tópicos/subtópicos semântico-discursivos da narrativa;
d) as funções antecipativa/retomativa são mais freqüentes na fala, uma vez que, por
serem mecanismos nitidamente coesivos que orientam o fluxo discursivo através do
estabelecimento de conexões explícitas, têm o papel de auxiliar o interlocutor no
processamento das informações.
Quanto ao cruzamento entre os grupos seqüencialidade discursiva e papel semântico,
verifica-se que a localização espaço-temporal dos participantes e das ações, ou seja, a
(re)orientação em termos de mudança de cenário, é mais relevante para caracterizar a UCE
que abre episódio na fala do que os fatores referentes à seqüencialidade. Reafirma-se, aqui, o
fato de o grupo papel semântico ter sido selecionado como estatisticamente mais significativo
na caracterização das UCE e, dentro deste grupo, o fator localização espaço-temporal.
2.1.3 Tipo de conexão sintática
Nosso interesse é verificar que tipos de conectores sintáticos aparecem ligando
episódios, eventos e unidades de desenvolvimento do evento no discurso narrativo. Nesse
grupo foram inicialmente levantados os seguintes tipos de fatores: conjunção coordenativa,
conjunção subordinativa ou pronome relativo, conjunção coordenativa + subordinativa,
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advérbio ou locução adverbial, formas nominais do verbo, marcador ou encadeador discursivo
(aí, daí, então, bem), marcador + conjunção coordenativa, marcador + conjunção
subordinativa, marcador + outros conectores, outras combinações, e sem conector.
Exemplifiquemos:
(43) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 7: O CONFRONTOEVENTO 1: A saída do baile Funk
1. Assim que eu terminei de falar no telefone2. eu reparei num pessoal meio estranho que estava saindo de um baile
Funk do outro lado da ruaEVENTO 2: Traje social
3. nós todos estávamos bem vestidos, de blazer, gravata, sapato e calçasociaisEVENTO 3: Expectativa pessimista
4. e logo eu percebi que a gente ia se dar mal de novo[...] (N14E-3M-DMM)
No trecho acima, a conexão sintática é estabelecida pelos seguintes conectores: 'assim
que' (subordinativo), 'e logo' (combinação de coordenativo com advérbio, categorizado como
outras combinações); as demais unidades aparecem sem conector.
(44) Narrativa oral:EPISÓDIO 4: ACOMODAÇÃO
[...]EVENTO 2: Procura de cadeira
1. aí quando eu olhei2. tinha uma fileira assim de cadeiras vazias
EVENTO 3: Decisão de sentar3. aí eu falei: ah, é nessa mesma que eu vou sentar
EVENTO 4: "Afundamento" na cadeira4. aí quando eu cheguei
[...] (N16O-2F-CMP)
Nesse exemplo, destacam-se os conectores 'aí quando' (marcador + subordinação) e 'aí'
(marcador). Exemplo com advérbio e conjunções coordenativas é dado a seguir.
(45) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 4: ACOMODAÇÃOEVENTO 1: Localização da sala certa
1. Finalmente entrei na sala – atrasada- que estava lotadaEVENTO 2: Procura de cadeira
2. mas achei uma fileira de cadeiras vazia
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EVENTO 3: Decisão de sentar 3. e foi para lá que me dirigi
[...] (N16E-2F-CMP)
Uma rodada inicial com todos os fatores inicialmente levantados mostrou que
resultados assemelhados de alguns conectores, associados ao baixo número de ocorrências de
algumas formas e a resultados categóricos de outras, permitiam a amalgamação de alguns
fatores. Assim é que foram amalgamados na fala:
- marcador + subordinação (0,36), com subordinação (0,31);
- marcador + coordenação (0,89), com marcador (0,89) (já que a probabilidade para
coordenação isolada é 0,47);- marcador + outro conector (0,85), com marcador (0,89);
- coordenação + subordinação (08 ocorrências categóricas para episódios/eventos),
com outras combinações.
Na escrita foram amalgamados:
- marcador + coordenação (04 ocorrências categóricas em eventos), com coordenação;
- marcador + subordinação (01 única ocorrência para evento), com subordinação;
- coordenação + subordinação, com outras combinações;
- marcador + outro (02 ocorrências categóricas para episódios/eventos), com outras
combinações;
- foram excluídos os marcadores isolados da escrita (13 dados categóricos para
episódios/eventos).
Houve necessidade de exclusão dos marcadores na escrita, em virtude do resultado
categórico que havia sido obtido numa amalgamação prévia que juntava todos os dados com
marcadores isolados e combinados. Todos ocorrem em fronteira de episódios/eventos na
escrita.Foram amalgamados ainda nos dois canais:
- forma nominal do verbo (17 ocorrências, sendo 02 de fala e 15 de escrita), com
advérbio ou locução adverbial (124 ocorrências), por apresentarem semelhanças na
distribuição dos dados, com concentração nos episódios da escrita.
Temos algumas expectativas gerais em relação a esse grupo pertinentes às seguintes
correlações: a) marcadores – episódios/eventos na fala, principalmente episódios; b)
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combinações de conectores – episódios nos dois canais; c) advérbio/ forma nominal do verbo
– episódios na escrita; d) conjunções coordenativas – eventos na fala e na escrita; e)
conjunções subordinativas – não fronteira na escrita.
Os resultados das rodadas com os dados reorganizados aparecem nas tabelas que se
seguem. O grupo de fatores relativo à conexão sintática foi o primeiro selecionado para fala e
o segundo para escrita.
Tabela 10: Tipo de conexão sintática em UCE de abertura de episódios/eventos(em oposição a não-fronteira), nos dois canais
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % PR Freq. % PRMarcador
Combinação de conectores
Advérbio/-NDO
Conjunção coordenativa
Sem conector
Conjunção subordinativa
171/187 91 0,89
28/34 82 0,46
40/55 73 0,55
80/144 56 0,43
158/387 41 0,34
44/100 44 0,25
- - -
40/50 80 0,50
82/86 95 0,84
81/146 55 0,32
162/234 69 0,52
32/58 55 0,27
Pela tabela podemos verificar que o conector por excelência das unidades semântico-
discursivas da fala é o que identificamos como marcador. Estão incluídos neste fator: 10
ocorrências de 'então', 08 ocorrências de 'bem'/'bom', 01 ocorrência de 'daí’ e 168 ocorrências
de 'aí' (com ou sem conjunção coordenativa). Há uma acentuada tendência (0,89) para
marcador abrindo episódios/eventos na fala, em oposição à quase ausência de marcadores em
unidades de não-fronteira.
No grupo dos marcadores, a forma mais recorrente é ‘aí’. Em estudo sobre marcadores
discursivos em português, Oliveira e Silva & Macedo (1989; 1992) constataram que esta
forma ocorre mais em narrativas, especificamente em seqüências oracionais que envolvem
verbos de ação, como indicador de seqüências temporais e de passagem de um tópico
discursivo para outro. As autoras aventam a possibilidade de que a forma aí tenha passado de
um dêitico espacial (advérbio de lugar = nesse lugar, próximo ao ouvinte) para um dêitico
discursivo (= neste lugar do discurso), acabando por especializar-se sintaticamente como
conjunção seqüencial. Nossos resultados corroboram as conclusões das autoras quanto ao fato
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de o marcador caracterizar abertura de episódios/eventos, ou seja, indicar passagem de um
tópico discursivo para outro; confirmam também, embora indiretamente, a relação entre
marcador e seqüencialidade de ações, já que ambos os fatores aparecem fortemente associados
a UCE de fronteira de unidade.
Resultados semelhantes foram obtidos por Abreu (1992), comparando fala e escrita de
alunos do 1º grau. A autora comprova que o elemento aí tem um papel discursivo na
organização dos episódios, marcando seu início, e um papel semântico na seqüenciação das
orações figura das narrativas orais.
Na tabela verifica-se ainda que na escrita sobressaem as formas adverbiais ou verbais
nominalizadas (0,84) em fronteira de episódios/eventos (apenas 05% dessas formas aparecemem UCE de não-fronteira).
Em ambos os canais, UCE com conjunção subordinativa ou pronome relativo tendem a
aparecer em não-fronteira, desenvolvendo internamente um evento (0,25 e 0,27). A tendência
para não-fronteira também se verifica em UCE com conjunção coordenativa (0,43 e 0,32),
embora de forma menos acentuada na fala.
A ausência de conector apresenta-se fraca na abertura de episódios/eventos orais
(0,34), o que vale dizer que a fronteira das unidades semântico-discursivas tende a ser
explicitamente conectada na fala, e que as UCE sem conector correlacionam-se ao
desenvolvimento interno dos eventos. Na escrita, verifica-se uma leve tendência para UCE
sem conector abrir episódios/eventos (0,52, associado a um percentual de 69%).
Os resultados descritos têm, no geral, atendido às nossas expectativas. O fator
‘combinação de conectores’, no entanto, apresenta um comportamento que destoa dos demais
em virtude da assimetria existente entre os valores percentuais (em torno de 80%) e de pesos
relativos (em torno de 0,50), resultado que o diferencia dos demais fatores do grupo. Esses
valores sugerem que pode ter havido uma distribuição enviesada dos dados e que outrosfatores devem estar interferindo fortemente nos resultados. E é o que de fato acontece, a
exemplo do que se verificou anteriormente com os grupos ‘seqüencialidade discursiva’ e
‘papel semântico’.
Considerando-se primeiramente a fala, constata-se nas rodadas que o programa atribui
peso 0,75 ao fator ‘combinação de conectores’ na primeira seleção quando os cálculos são
feitos no nível 1, o que eleva este fator ao segundo lugar na tabela, de acordo com o esperado.
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Na interação com o grupo ‘papel semântico’ para a segunda seleção, o peso desse fator cai
para 0,50 (valor próximo do que está na tabela como resultado da convergência final dos
grupos selecionados pelo programa). Tal comportamento nos leva a pensar que o efeito do
grupo ‘papel semântico’ é mais forte do que o efeito do fator sintático ‘combinação de
conectores’.
Na escrita, embora a diferença seja menos significativa, se dá algo similar: no nível 1 o
peso atribuído ao fator ‘combinação de conectores’ é de 0,60, valor que o situa como segundo
colocado na tabela, conforme ocorre na fala. Quando o papel semântico é computado junto, o
peso atribuído ao fator sintático cai para 0,46, passando a 0,52 na convergência final de todos
os grupos selecionados. Mais uma vez se verifica a interferência do papel semântico atuandode forma mais saliente.
A exemplo do que foi feito em relação ao grupo de fatores ‘seqüencialidade
discursiva’, efetuamos uma rodada excluindo os dados em que coocorriam os fatores
‘combinação de conectores’ e ‘localização espaço-temporal’. Os resultados confirmaram a
análise inicial, uma vez que passaram a indicar uma relação equilibrada entre os valores.
Vejamos.
Na fala, 18 dos 34 dados de combinação de conectores correspondem à localização
espaço-temporal, num total de 53% das ocorrências. Com a retirada desses dados, o percentual
para o fator ‘combinação de conectores’ caiu de 82% para 67% e o peso subiu de 0,46 para
0,52, valores estes que situam o fator em terceiro lugar na ordenação da tabela. Portanto, o
desequilíbrio verificado entre o percentual de 82% para combinação de conectores na fala e o
peso relativo correspondente deve-se ao forte efeito do fator semântico, que supera o fator
sintático neste caso.
Na escrita, 17 dos 50 dados coocorrem com localização espaço-temporal (34%). Na
rodada que exclui esses dados, o percentual para combinação de conectores desce de 80% para77% e o peso relativo sobe de 0,50 para 0,62, mostrando uma distribuição mais equilibrada de
valores. Tal qual se verificou na fala, na escrita a freqüência destoa do peso relativo na tabela
10, embora em menor grau, em virtude da atuação do fator semântico.
Na verdade, não se invalida nossa previsão de que construções que contêm mais de um
conector, ou seja, que apresentam conjunção coordenativa e subordinativa, ou conjunção
subordinativa e advérbio, etc, exceto combinações com marcadores (veja-se o início desta
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182
subseção), estariam associadas à abertura de episódios/eventos. O que se evidencia é o fato de
que quando o fator semântico ‘localização espaço-temporal’ interage sistematicamente com
fatores de outros grupos, seu efeito é preponderante na caracterização da UCE de fronteira de
episódio. Isso não desautoriza a correlação entre o fator sintático em foco e a abertura de
episódios, apenas a torna mais fraca relativamente à correlação estabelecida entre o fator
‘localização espaço-temporal’ e a função discursiva em questão.
Uma segunda rodada opondo episódios a eventos, com exclusão das UCE de não-
fronteira, deslocou o grupo ‘conexão sintática’ para o quarto mais significativo na fala,
permanecendo em segundo lugar na escrita. Foram mantidos os fatores referentes a conjunção
coordenativa e subordinativa (que já se mostraram propensos a ocorrer em não-fronteira), como intuito de se verificar como se comportam nos casos em que aparecem nas UCE que abrem
episódio/evento.
Tabela 11: Tipo de conexão sintática em UCE de abertura de episódios(em oposição a eventos), nos dois canais
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % PR Freq. % PR
Marcador
Combinação de conectores
Conjunção subordinativa
Advérbio/-NDO
Sem conector
Conjunção coordenativa
46/171 27 0,58
19/28 68 0,65
20/44 45 0,45
15/40 38 0,43
34/158 22 0,54
08/80 10 0,27
- - -
16/40 40 0,36
19/32 59 0,53
51/82 62 0,72
51/162 31 0,64
03/81 04 0,14
As UCE que abrem episódios na fala caracterizam-se por apresentar,
preferencialmente, combinação de conectores (0,65) ou marcador (0,58). Na escrita, as UCEde episódio contêm advérbio/ V em forma nominal (0,72), ou vêm sem conector (0,64).
Por outro lado, as UCE que abrem eventos na fala são bastante propensas a conter
conjunção coordenativa (0,27) e apresentam alguma inclinação para advérbio ou forma
nominal do verbo (0,43). Na escrita, as UCE de evento também mostram forte tendência para
virem com conjunção coordenativa (0,14), ou apresentam outras combinações de conectores
(0,36).
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183
O fator ‘conjunção subordinativa’ é neutro quanto à distinção entre episódios e eventos
nos dois canais (em torno de 0,50).
Observando-se a ordenação decrescente dos percentuais e dos pesos relativos em cada
canal, dois fatores nos chamam a atenção, o ‘marcador’ e o ‘sem conector’, no que se refere ao
peso relativamente alto associado a um baixo percentual, o que novamente sugere ter ocorrido
interferência acentuada de outro grupo de fatores.
Quanto ao fator ‘sem conector’, ao ser comparado com os demais, o esperado para ele
seria um peso abaixo de 0,40 em ambos os canais; no entanto na fala está associado a 0,54 e
na escrita a 0,64. Como explicar uma tendência positiva associada a um percentual tão baixo
(22% e 31%)? Tal desnível reflete-se na ordenação dos resultados na tabela: percentual emquinto lugar e peso em terceiro nos dois canais. Uma busca nos dados e novas rodadas
esclarecem esta questão.
Na fala, o peso atribuído ao fator ‘sem conector’ é de 0,44 na primeira seleção, subindo
para 0,54 quando interage com o grupo ‘papel semântico’. Na escrita, o peso do fator no nível
1 é de 0,53, subindo para 0,63 na convergência com o papel semântico. Embora a diferença
não seja acentuada, e de início já se verificasse propensão para um peso mais alto, percebe-se
que o peso relativo do fator sintático se eleva ao interagir com o grupo de fatores semânticos,
contrariamente ao que foi constatado nos casos anteriores de interferência. Enquanto nas
outras situações fatores semânticos mostravam um efeito mais saliente, aqui parece dar-se o
contrário na medida em que a interação dos grupos faz com que o peso relativo do fator
sintático aumente.
Voltando à tabela 7, verificamos que os fatores semânticos ‘enunciação’, ‘oposição’,
‘descrição’ e ‘localização espacial’ mostram-se mais inclinados a abrir eventos em oposição
aos fatores ‘localização espaço-temporal e temporal’, que tendem para abertura de episódios.
Foi notado posteriormente que na interação entre fatores semânticos e discursivos (tabela 9) eentre fatores semânticos e sintáticos (tabela 10), a localização espaço-temporal, fator
semântico que mais fortemente se associa à abertura de episódios (com peso em torno de
0,90), exerce um efeito maior do que o fator discursivo ‘seqüencialidade + cotemporalidade’ e
do que o fator sintático ‘combinação de conectores’. Tal efeito se manifesta na diminuição do
peso relativo dos fatores discursivo e sintático ao cruzarem com aquele fator semântico. Já na
tabela 11, o fato de o peso do fator sintático aumentar ao interagir com o grupo semântico
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leva-nos a supor que os fatores semânticos com pesos mais baixos para abertura de episódios é
que devem estar interferindo nesse resultado. Foram efetuadas, então, rodadas em que se
excluíam gradativamente tais fatores semânticos e os resultados foram se mostrando mais
equilibrados.
A rodada para fala que exclui os dados em que o fator ‘sem conector’ coocorre com os
fatores semânticos ‘enunciação’, ‘descrição’ e ‘localização espacial’ (‘oposição’ não ocorre
sem conector), apresenta um percentual de 40% para o fator sem conector aparecer abrindo
episódios e um peso de 0,56, valores esses mais próximos do que os 22% e 0,54 da tabela 11.
Foram retiradas nesta rodada ocorrências sem conector combinadas com localização espacial
(15 dados), com descrição (05 dados) e com enunciação (01 dado); permaneceram, entreoutros fatores, apenas 02 dados de localização espaço-temporal.
A rodada para escrita, excluídas as mesmas combinações que foram retiradas da fala,
também nivela os resultados, apresentando 52% e 0,72, ambos os valores situados em terceiro
lugar na ordenação decrescente da tabela. Nesta rodada não entraram ocorrências sem
conector combinadas com localização espacial (16 dados), com descrição (07 dados) e com
enunciação (01 dado).
O que se pode observar no comportamento dos diferentes fatores é que a propensão
para UCE sem conector aparecer abrindo episódios na fala (0,54) e na escrita (0,64), conforme
a tabela 11, tem um duplo motivo: a força do fator sintático em si e o efeito inibidor dos
fatores semânticos coocorrentes. Assim o semântico contribui para intensificação de efeito do
sintático, numa reação inversa à interferência constatada nos outros fatores anteriormente
comentados. Esse fato é perfeitamente explicável, uma vez que nos casos anteriores o fator
‘localização espaço-temporal’, por correlacionar-se fortemente com abertura de episódios,
atua positivamente sobre fatores de outros grupos no que se refere à mesma função de abrir
esse tipo de unidade semântico-discursiva; no caso do grupo sintático em pauta os fatores‘localização espacial’ e ‘descrição’, por estarem mais associados à abertura de eventos, têm
efeito negativo sobre fatores de outros grupos quanto à abertura de episódios.
Conforme já frisado, o comportamento do fator ‘marcador’ também merece uma
atenção especial. Na tabela 11, a distribuição dos valores 27% e 0,58 situa o primeiro
resultado em quarto lugar na coluna dos percentuais e o segundo em segundo lugar na coluna
dos pesos. Os resultados ficam mais equilibrados quando são excluídas as combinações de
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marcador com localização espacial (17 dados), com descrição (04 dados) e com enunciação
(05 dados) (restando, entre outros fatores, 03 ocorrêcias de localização espaço-temporal).
Nesse caso, os valores passam para 41% e 0,56. Isso mostra que o fator ‘marcador’ atua mais
fortemente na abertura de episódios do que os fatores semânticos que com ele coocorrem,
tendo estes um efeito inibidor uma vez que se caracterizam por sua correlação com abertura de
eventos.
Outro fato interessante que se observa na tabela 11 diz respeito à inversão dos fatores
‘combinação de conectores’ e ‘advérbio/forma nominal do verbo’ com a mudança de canal: a
combinação de conectores está mais propensa a aparecer em abertura de episódios na fala
(0,65), mas cai para terceira colocação na escrita (0,36); por outro lado, UCE que iniciam comadvérbios ou com verbo na forma nominal tendem a abrir episódios na escrita (0,72), porém
caem para terceiro lugar na fala (0,43). Em outras palavras, combinação de conectores está
associada a episódio na fala e a evento na escrita; e advérbio/V em forma nominal estão
associados a episódio na escrita e a evento na fala. Veja-se:
Canal NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
Resultado Freq. % PR Freq. % PR
Combinação de conectores
Advérbio/-NDO
19/28 68 0,65
15/40 38 0,43
16/40 40 0,36
51/82 62 0,72
Examinando-se primeiramente o fator ‘combinação de conectores’ (embora o número
de dados seja reduzido para este fator), observa-se, na interação com o grupo ‘seqüencialidade
discursiva’, que episódios orais inclinam-se para combinação de conectores em UCE que
codificam ‘seqüencialidade descontínua’ (47%) e ‘não-seqüencialidade durativa’ (32%), com
freqüência reduzida para os outros fatores desse grupo; eventos escritos estão propensos acombinar conectores em UCE que expressam ‘seqüencialidade contínua’ (33%) e ‘não-
seqüencialidade durativa’ (29%), também com distribuição mais reduzida para outros fatores.
Como se vê, parece haver uma função discursiva que é específica de episódio (seqüencialidade
descontínua) em oposição a outra que é específica de evento (seqüencialidade contínua –
assinalando o último evento de um episódio); e uma função discursiva que é comum a ambos
(não-seqüencialidade durativa). Esta última, no entanto, apresenta também suas
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especificidades, pois a maioria das UCE de não-seqüencialidade durativa combinam-se com o
fator semântico ‘localização espaço-temporal’ nos episódios (63%) e com o fator ‘localização
espacial’ nos eventos (37%), com percentual mais reduzido para outros fatores semânticos
desse grupo.
Os tipos de conectores que aparecem abrindo episódios na fala costumam combinar
coordenação + tempo definido: 'e terça', 'mas na hora', 'e quando', 'quando de repente', 'e
nisso', 'e depois de X'. Os conectores que se combinam em eventos escritos são do tipo: 'e lá',
'e na volta', 'e por sorte', 'e logo', 'e rapidamente', 'e depois'.
A observação dos dados e dos resultados sugere que UCE com combinação de
conectores exercem funções discursivas e semânticas diferenciadas na abertura de episódios ede eventos, a saber: a) funções básicas na abertura de episódios orais: seqüencialidade
descontínua e não-seqüencialidade durativa associada à localização espaço-temporal; b)
funções básicas na abertura de eventos escritos: seqüencialidade contínua e não-
seqüencialidade durativa associada à localização espacial. Portanto, o que há em comum é
apenas a estratégia de combinar dois conectores na codificação sintática; as formas desses
conectores, à exceção da conjunção coordenativa inicial, são diferentes, bem como as funções
semântico-discursivas que desempenham.
Examinando-se o fator ‘advérbio/V forma nominal’ com o grupo de fatores
discursivos, percebe-se que advérbio ou verbo em forma nominal iniciam episódios escritos
em UCE que indicam preferencialmente seqüencialidade descontínua (39%) ou não-
seqüencialidade durativa (25%), ao passo que abrem eventos orais em UCE de não-
seqüencialidade avaliativa (ou atitudinal) (44%) ou de seqüencialidade contínua (32%).
O fator ‘advérbio/V forma nominal’ realiza-se pelos seguintes tipos de conectores: a)
abrindo episódios escritos – conectores de tempo indefinido: 'um dia', 'antigamente', 'certa
noite', 'outro dia', 'num determinado dia', 'há pouco tempo atrás', etc.; conectores de tempodefinido: 'às 2:30 h da tarde', 'toda sexta', 'no final de 91', 'domingo', 'segunda', 'no início do
meu namoro', 'depois de X', 'ao sair', 'chegando', etc; b) abrindo eventos orais _ 'felizmente',
'tudo bem', 'só', 'ainda', 'quer dizer', 'depois', 'de repente', etc.
A partir dos resultados e da observação dos dados pode-se supor que UCE iniciadas
por advérbio/V forma nominal exercem funções discursivas distintas ao abrirem episódios e
eventos: a) funções básicas na abertura de episódios escritos: seqüencialidade descontínua e
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não-seqüencialidade durativa; b) funções básicas na abertura de eventos na fala: não-
seqüencialidade avaliativa ou atitudinal e seqüencialidade contínua. Acresce-se o fato de que a
forma nominal do verbo só aparece na escrita (07 ocorrências); os eventos orais são iniciados
por advérbios ou locuções adverbiais.
Finalizando esta subseção, os principais achados concernentes ao tipo de conexão
sintática podem ser resumidos como se segue.
Fala e escrita apresentam um comportamento semelhante quanto aos seguintes
aspectos:
a) o fator sintático combinação de conectores correlaciona-se a UCE de fronteira de
episódios/eventos em oposição a UCE de não fronteira; tem, porém, seu efeito reduzido aocoocorrer com o fator semântico localização espaço-temporal que, neste caso, se revela mais
poderoso;
b) o fator conjunção coordenativa correlaciona-se à abertura de eventos e ao
desenvolvimento interno de eventos;
c) o fator conjunção subordinativa correlaciona-se a UCE de não fronteira e mostra-se
neutro em relação a episódios e eventos.
Fala e escrita comportam-se diferentemente nos seguintes aspectos:
a) marcadores discursivos delimitam episódios e eventos na fala, nesta ordem, e
raramente ocorrem na escrita;
b) o fator sem conector inclina-se mais para abertura de episódios na escrita e tem seu
efeito intensificado (em ambos os canais) quando interage com os fatores semânticos
localização espacial e descrição, cujo peso é baixo para abertura de episódios; na fala este
fator está mais propenso a aparecer em UCE de não fronteira;
c) quanto aos fatores combinação de conectores e advérbio/V forma nominal tem-se o
seguinte quadro:
Quadro de distribuição dos fatores ‘combinação de conectores’ e ‘advérbio/V forma nominal’EPISÓDIOS EVENTOS
FALA ESCRITA FALA ESCRITACombin. de conectores
função:. seqüenc. descontínua. não-seqüenc. durativa
+ localiz. esp./temp.
Adv./-R, -NDO função:
. seqüenc. descontínua
. não-seqüenc. durativa
Advérbio função:
. não seq. avaliativa
. seqüenc. contínua
Combin. de conectores função:
. seqüenc. contínua
. não-seqüenc. durativa+ localiz. esp./temp.
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Em relação às expectativas quanto ao grupo tipo de conexão sintática, a maior parte
das previsões foi efetivada. As seguintes correlações eram esperadas e foram parcialmente
confirmadas: a) entre combinação de conectores e episódio nos dois canais; e b) entre
conjunção subordinativa e não fronteira na escrita. A combinação de conectores revelou-se
mais propensa à abertura de episódios na fala e de eventos na escrita, com formas e funções
discursivas específicas para cada contexto; e a conjunção subordinativa mostrou-se fortemente
correlacionada à não fronteira nos dois canais, com freqüência total maior na fala (102
ocorrências) do que na escrita (58 ocorrências). Vale lembrar que foram computadas apenas as
conjunções que aparecem no início das UCE e, como cada UCE pode conter mais de uma
oração, o número de conjunções subordinativas presentes nos dois canais é na realidade maiordo que o registrado nas tabelas.
As formas dos conectores subordinativos codificados em início de UCE são as
seguintes: a) comuns aos dois canais: 'quando', 'porque', 'só que', 'até que', 'como' e 'enquanto';
b) só da fala: 'que' (= porque), 'no que', 'se é que', 'aí que', 'nessa que', 'na hora que' e 'depois
que'; c) só da escrita: 'no momento em que', 'apesar de', 'que' (relativo), 'já que', 'qual', 'assim
que', 'quanto mais', 'o que', 'para que', 'visto que' e 'assim como'. Observe-se que apesar do
número maior de ocorrências na fala, a variedade de formas é maior na escrita.
2.1.4 Tipo de tópico frasal
É analisado aqui o participante da ação/estado que é codificado à esquerda do verbo,
no início da UCE, ou seja, o tópico primário (cf. Givón, 1983; 1990). Quando não há referente
algum antes do verbo, é codificado o referente imediatamente à direita. Elementos adverbiais
indicativos de circunstâncias que ocorrerem em posição inicial são codificados no grupo
conexão sintática. Exemplificando:(46) Narrativa oral:
EPISÓDIO 3: APROXIMAÇÃO DO TÁXIEVENTO 1: Percepção do carro
1. quando de repente eu olhei pelo retrovisor2. passou um táxi na outra rua perpendicular a que nós estávamos3. passou um táxi
EVENTO 2: A parada4. aí ele parou
EVENTO 3: A manobra
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5. ∅ deu a marcha réEVENTO 4: A entrada na rua
6. e ∅ entrou na rua[...] (N12O-3M-CBG)
Todos os elementos sublinhados acima funcionam como tópicos primários nessa
seqüência discursiva e desempenham a função sintática de sujeito em construções SV ou VS.
Também na seqüência abaixo temos tópicos primários:
(47) Narrativa oral:
EPISÓDIO 9: A AJUDA DOS COMPANHEIROS [...]
EVENTO 5: Soltura da mão1. aí eu soltei uma das mãos...EVENTO 6: Início da puxada
2. e ele foi me puxando...3. a outra eu mantive presa na pedra né por via das dúvidas...4. ele começou a puxar...
EVENTO 7: Início da subida5. eu comecei a subir assim...
[...] (N15O-3M-CRH)
Observe-se que o tópico destacado na unidade 3: "a outra eu mantive presa..."
desempenha a função sintática de objeto.
Os fatores considerados nesse grupo foram os seguintes: 1ª menção, tópico contínuo,
tópico descontínuo intra-episódico, tópico descontínuo inter-episódico, tópico secundário
primário. Cada fator será esclarecido a partir da exemplificação.
(48) Narrativa oral:
MACROEPISÓDIO: CONTEXTUALIZAÇÃOEVENTO 1: Localização espacial e descrição do participante
1. bom... um dia eu estava no colégio né... muito cansado... com muita
dor de cabeça... e querendo dormir...EPISÓDIO 2: IDA PARA CASA E PERDA DA AULAEVENTO 1: Ida para casa
2. então... eu fui para casa... para matar a aula de História e para não ...e depois voltar...
3. porque eu teria uma prova de Desenho... no quarto tempo...EVENTO 2: Matação de aula
4. eu matei o segundo e o terceiro tempo de História...EPISÓDIO 3: RETORNO À ESCOLA E PERDA DA PROVAEVENTO 1: Volta ao colégio
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5. aí... quando eu voltei pro colégio6. o professor de desenho já tinha adiantado a prova dele...
EVENTO 2: Perda da prova
7. e eu perdi a sua prova...EVENTO 3: Reação do professor
8. aí ele ficou muito nervoso comigo...9. ∅ pediu pra que eu fosse à coordenação... fizesse um monte de
coisa... e que eu pedisse requerimento de 2ª chamada...EPISÓDIO 4: A PROVA DE 2ª CHAMADAEVENTO 1: Realização da prova
10. quando eu fui fazer a prova...11. a prova era de uma matéria que eu nem sabia...
EVENTO 3: A nota12. ∅ tirei acho que dois...
[...] (N25O-8M-ANT)
os tópicos sublinhados acima são assim caracterizados:
- eu (UCE 1): 1ª menção;
- eu (UCE 2 a 5): tópico contínuo;
- o professor de Desenho (UCE 6): 1ª menção;
- eu (UCE 7): tópico descontínuo intra-episódico;
- ele (UCE 8): tópico descontínuo intra-episódico;
- ∅ (UCE 9): tópico contínuo;
- eu (UCE 10): tópico descontínuo inter-episódico;
- a prova (UCE 11): secundário primário;
- ∅ (UCE 12): tópico descontínuo intra-episódico.
Foi considerado como 1ª menção o tópico codificado pela primeira vez como primário.
Temos, na narrativa acima, dois tópicos em 1ª menção: "eu", abrindo o relato, e "o professor
de Desenho" no terceiro episódio. Veja-se que 1ª menção não significa introdução do referente
na narrativa, mas 1ª menção de um referente como tópico primário, embora possa haver
coincidência dessas duas funções discursivas.
O tópico contínuo caracteriza-se como retomada do referente que era tópico primário
na unidade anterior. Temos tópico contínuo nas unidades 2 a 5 ("eu") e na 9 com anáfora zero
retomando "ele, o professor".
É considerado tópico descontínuo intra-episódico o referente que já era tópico primário
dentro dos limites do episódio e que aparece novamente como tópico primário, após
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interferência de outro(s) tópico(s) na seqüência discursiva. É o caso de "eu" em 7, que retoma
o tópico da unidade 5 dentro do mesmo episódio; de " ele" em 8, que retoma "o professor de
Desenho" e de 0 em 12, que retoma o tópico da unidade 10.
O tópico descontínuo inter-episódico é o tópico primário que é interrompido e
reaparece no episódio seguinte ainda como tópico primário. Por exemplo, "eu" em 10.
Com relação ao tópico secundário que passa a primário (secundário primário), é
necessário que caracterizemos primeiramente o tópico secundário. Têm sido computados
como tópico secundário o argumento à direita do verbo em unidades simples que tenham
tópico inicial e qualquer argumento presente em orações encaixadas nas unidades complexas.
Quando um tópico secundário é levado à posição de tópico primário na unidadeimediatamente seguinte, temos o que identificamos como secundário primário. É o que
ocorre na unidade 11, em que o tópico primário "a prova" aparece como tópico secundário na
unidade precedente.
Algumas observações devem ser feitas ainda:
a) no caso da unidade 10 "quando eu fui fazer a prova", eu já havia aparecido como
tópico primário nos episódios anteriores, o que o caracteriza como tópico descontínuo inter-
episódico. Entretanto, sua última menção no discurso precedente é como tópico secundário
dentro do episódio e da unidade de codificação imediatamente anterior, configurando o tipo
secundário primário; em situações como essa em que ocorre mudança de episódio, optou-se
por se codificar a primeira característica. Quando coincidirem dentro de um mesmo episódio
as funções de tópico descontínuo e secundário primário, também prevalece a primeira, que
tem proeminência dentro do episódio;
b) como tópico contínuo ou descontínuo foram computadas, além da retomada integral
do referente, também retomadas decorrentes, em que o tópico é parcialmente idêntico ao que o
antecede. São exemplos desse tipo os tópicos resumitivos e os que mostram uma relação todo- partes como, por exemplo, nós/eu, eles/ele, os meninos/um dos meninos, e assim por diante.
Veja-se o exemplo a seguir:
(49) Narrativa escrita:
EPISÓDIO 2: VISITA À CHURRASQUEIRAEVENTO 1: Decisão
1. então minha irmã resolveu mostrá-la a sua amigaEVENTO 2: A caminho
2. elas foram andando na frente
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3. e eu fiquei atrasada[...] (N23E-8F-DGM)
No exemplo acima, “elas” foi codificado como tópico contínuo decorrente e
computado com os demais tópicos contínuos.
A expectativa em relação a esse grupo de fatores é de que se evidenciem as seguintes
correlações: a) 1ª menção e tópico descontínuo inter-episódico – episódio; b) tópico
descontínuo intra-episódico – evento; c) tópico contínuo – não-fronteira; d) secundário alçado
a primário - sem expectativa definida.
Os resultados para o grupo de fatores concernente a tipo de tópico são mostrados a
seguir. Este grupo foi selecionado como o quarto mais significativo em rodadas com dados defala, e como não significativo para a escrita na oposição entre unidades que abrem
episódios/eventos e unidades de não fronteira. A tabela abaixo registra apenas os resultados
significativos.
Tabela 12: Tipo de tópico em UCE de fronteira de episódios/eventos(em oposição a não-fronteira), na fala.
FATORES
NARRATIVA ORAL
Freq. % PR
Tópico descontínuo inter-episódico
1ª menção
Tópico descontínuo intra-episódico
Tópico secundário primário
Tópico contínuo
49/67 73 0,62
96/151 64 0,63
101/164 62 0,56
31/57 54 0,50
242/465 52 0,42
Os números mais relevantes estão associados aos fatores ‘tópico descontínuo inter-
episódico’ (0,62), ‘1ª menção’ (0,63) e ‘tópico descontínuo intra-episódico’ (0,56) para
abertura de episódios/eventos na fala.
Observe-se que há um certo enviesamento na distribuição dos dados relativamente aos
dois primeiros fatores da tabela. O peso associado a tópico descontínuo inter-episódico cai de
0,67 (na primeira seleção) para 0,62 ao interagir com o grupo conexão sintática, especialmente
com o fator marcador, e permanece com esse mesmo valor na convergência final dos grupos
significativos conforme registrado na tabela. Já o peso atribuído a 1ª menção sobe de 0,56 (na
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193
primeira seleção) para 0,66 ao interagir com o grupo seqüencialidade discursiva,
especificamente com o fator não seqüencialidade durativa (fator discursivo de menor peso na
abertura de episódios/eventos), e passa a 0,63 na interação final dos grupos. Tais interferências
não chegam a alterar o quadro comportamental do tópico em nível frasal; reafirma-se que a
introdução de um participante/tópico e a reintrodução de um tópico se constituem nos fatores
mais propensos a ocorrerem em UCE que abrem unidades de fronteira na fala.
Uma rodada opondo episódios a eventos com exclusão de UCE de não fronteira
apresentou os resultados a seguir. Esta rodada aponta o grupo como o segundo mais
significativo para a fala e o terceiro mais significativo para a escrita.
Tabela 13: Tipo de tópico em UCE de fronteira de episódios(em oposição a eventos), nos dois canais
CANAL NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA
FATORES Freq. % PR Freq. % PR
Tóp. desc. inter-episódico
1ª menção
Tópico secundário prim.
Tópico contínuo
31/49 63 0,88
38/96 40 0,71
05/31 16 0,50
65/242 27 0,51
34/51 67 0,78
42/94 45 0,51
12/35 34 0,50
55/175 31 0,40
Os resultados para episódios continuam colocando os mesmos fatores da tabela 12 em
evidência (à exceção do fator ‘tópico descontínuo intra-episódico’ que naturalmente não
ocorre abrindo episódios), com peso sensivelmente mais alto: 0,88 para ‘tópico descontínuo
inter-episódico’ e 0,71 para ‘1ª menção’, acentuando-se a correlação entre esses fatores e
abertura de episódios na fala. A escrita também privilegia o ‘tópico descontínuo inter-
episódico’ (0,78) mas, diferentemente da fala, apresenta um comportamento neutro em relação
à ‘1ª menção’ (0,51). A diferença entre os valores dos percentuais e dos pesos para a 1ªmenção nos dois canais já se verifica desde os cálculos do primeiro nível de seleção, portanto
não há enviesamento nos dados e os números mostram a força maior desse fator na fala.
A predominância de 1ª menção do tópico primário na abertura de episódios orais pode
ser explicada pelo subprincípio icônico da ordem seqüencial, em seu desdobramento de ordem
pragmática: informação mais importante ou urgente tende a ser colocada primeiro no fluxo do
discurso. A introdução de um participante como tópico primário codificado no início da UCE
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194
funciona como pista para o ouvinte de que novo tópico semântico-discursivo está entrando no
fluxo e que, portanto, novo arquivo deve ser criado e encaixado na estrutura hierarquizada dos
tópicos/subtópicos (cf. discutido no cap. II, seção 2.2).
É interessante lembrar que esse resultado que associa abertura de episódio a 1ª menção
de um referente como tópico primário e a tópico descontínuo vem corroborar os critérios
utilizados para identificar limites de episódios com base em mudança de cenário, envolvendo
localização espaço-temporal e participantes.
Os resultados registrados nas duas tabelas confirmam, no geral, as expectativas iniciais
a respeito do comportamento do tópico frasal na organização do tópico semântico-discursivo.
2.1.5 Sintaxe de referência
Com esse grupo de fatores pretendia-se verificar se os canais comportam-se
diferentemente na expressão lingüística da referência. A codificação foi feita relativamente ao
participante na função de sujeito proeminente da unidade de codificação, em construções SV
ou VS (sem incluir nesta última o verbo ter existencial). Exemplificando:
(50) Narrativa oral:
EPISÓDIO:O ASSALTO EVENTO 1: Parada junto ao carro
1. e nisso um carro-táxi parou de frente pro nosso carroEVENTO 2: Descida do passageiro
2. e o passageiro saltou de costasEVENTO 3: Ameaça com a arma
3. no que ele se virou4. ele já estava com o revólver na minha cara né
EVENTO 4: Situação do vidro5. felizmente o meu vidro estava fechado
EVENTO 5: Reação de surpresa 6. num...na... na surpresa eu não pude fazer nada
[...] (N12O-3M-CBG)
A sintaxe de referência, no trecho acima, alterna formas de sintagma nominal (SN) e
pronomes pessoais de primeira e de terceira pessoa. Em vez de codificarmos as formas como
SN, pronome e anáfora zero, como freqüentemente é feito ao se trabalhar a sintaxe de
referência, optamos por explicitar as formas pronominais mais freqüentes. Assim é que foram
codificados os seguintes fatores: SN, eu, ele(s), a gente, nós, anáfora zero e sem sujeito ou
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com sujeito oracional; foi ainda computado como um fator separado o uso dos pronomes de
primeira e terceira pessoa com formas verbais ambíguas (como eu/ele estava). Os pronomes
demonstrativos e indefinidos substantivos foram incluídos no fator SN.
Procurou-se, com esse grupo de fatores, verificar se nossos resultados corroboram os
achados de Tomlin (1987) acerca da sintaxe de referência em narrativas do inglês. Segundo o
autor, SN são usados para restabelecer a referência após os limites de um episódio, ou para
resolver ambigüidade no interior de um episódio, enquanto que pronomes são empregados
para manter a referência dentro dos limites de um episódio (p.472).
Esse grupo de fatores só se revelou estatisticamente significativo para a fala, sendo o
quinto selecionado pelo programa, por esse motivo a tabela não registra os resultados daescrita.
Tabela 14: Sintaxe de referência em UCE de fronteira de episódios/eventos(em oposição a não-fronteira), na fala
FATORES
NARRATIVA ORAL
Freq. % PR
Ele(s)
Eu
A gente Nós
Eu/ele (V ambíguo)
SN
∅
Sem sujeito ou sujeito oracional
51/69 74 0,67
125/177 71 0,53
26/41 63 0,6306/11 55 0,44
40/74 54 0,58
95/184 52 0,41
154/302 51 0,46
23/49 47 0,50
A distribuição não homogênea entre pesos e percentuais para fala deve-se à
interferência gradativa de diferentes fatores à medida que as interações dos grupos iam se
realizando. O peso para ‘eu’ cai de 0,64 para 0,53 ao interagir com os fatores dos grupos
‘conexão sintática’ e ‘papel semântico’; o peso para ‘a gente’ sobe de 0,56 para 0,63 ao
convergir com os grupos ‘seqüencialidade discursiva’ e ‘tipo de tópico’; e o peso para ‘nós’
cai de 0,47 para 0,44 na interação com o grupo ‘seqüencialidade discursiva’. Os valores da
tabela 14 indicam que ‘SN’ (0,41), ‘nós’ (0,44) e ‘anáfora zero’ (0,46) são as formas da
sintaxe de referência menos inclinadas a correlacionar-se com UCE de fronteira de
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episódios/eventos, cabendo aos outros pronomes tal papel, com preponderância para as
formas: ele(s) (0,67), a gente (0,63), eu/ele V ambíguo (0,58) e eu (0,53).
O alto índice de SN em não fronteira se justifica pelo papel descritivo, explicativo,
avaliativo ou de retomada exercido pelas UCE que desenvolvem internamente um evento,
como se pode observar no exemplo:
(51) Narrativa oral:
MACROEPISÓDIO:CONTEXTUALIZAÇÃOEVENTO 5: Caracterização dos intervalos de aula
1. e lá nos intervalos é diferente daqui2. às vezes o professor sai3. e a turma fica lá dentro
4. e o professor troca5. ou então a turma sai também né
(N7O-3F-AMP)
Nesses casos, a seqüencialidade da ação é interrompida e as explicações, justificativas
ou caracterizações são fornecidas tendo como referência elementos que nem sempre se
constituem em tópicos contínuos, precisando ser codificados de forma plena para poderem ser
apreendidos. Muitas vezes são elementos que têm passagem rápida pela narrativa e não
persistem no relato. Outras vezes são tópicos contínuos como no exemplo seguinte:(52)Narrativa escrita:
EPISÓDIO 5: BUSCA DE SOCORRO E CONFRONTOEVENTO 5: Início do diálogo
1. aí eu cheguei pros caras e perguntei: pô... cara... tu bateu com ocarro aqui também?... que coincidência...
EVENTO 6: Reação do interlocutor1. aí o cara veio pra cima de mim... querer me bater...
EVENTO 7: Identificação do interlocutor1. aí era um coroa já...2. o cara estava saindo da mesma festa que a gente...
(N14O-3M-DMM)Vejamos agora como se comportam episódios em oposição a eventos. Os resultados
para escrita permanecem estatisticamente não significativos.
Tabela 15: Sintaxe de referência em UCE de fronteira de episódios(em oposição a eventos), na fala
FATORES
NARRATIVA ORAL
Freq. % PR
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197
NósEu/ele (V ambíguo)A gente
SNEuSem sujeito ou sujeito oracional∅ Eles(s)
04/06 67 0,8416/40 40 0,6610/26 38 0,56
31/96 32 0,6035/121 28 0,4605/18 22 0,5232/154 21 0,4309/51 18 0,40
Os resultados da tabela 15 mostram algumas especificidades na oposição episódio vs.
evento. As formas ‘nós’ e ‘SN’ que na tabela 14 inclinavam-se para não-fronteira, na oposição
entre episódios e eventos concentram-se nos primeiros (0,84 e 0,60, respectivamente); ‘nós’
com peso alto desde a primeira seleção e com a ressalva de que o número de dados é reduzido.
Abrindo episódios temos ainda ‘eu’/’ele’ quando o verbo com que se combinam apresenta-se
ambíguo (0,66) e ‘a gente’ (0,56), este último perdendo a relevância gradativamente na
interação com outros grupos. A anáfora zero (0,43) juntamente com os pronomes ‘ele(s)’
(0,40) e ‘eu’ (0,46), este caindo de 0,52 para 0,46 na interação com o grupo semântico,
inclinam-se a aparecer em eventos.
As tabelas relativas a sintaxe de referência indicam que algumas formas
correlacionam-se claramente a determinadas unidades: ‘eu’/’ele’ V ambíguo e ‘a gente’ –episódios; ‘ele(s)’ e ‘eu’ – eventos; outras, porém, compartilham funções como SN e ∅ que
aparecem preferencialmente em UCE de não-fronteira e, quando excluídas essas unidades,
passam a predominar em episódios e eventos, respectivamente. Pode-se dizer, então, que
episódio correlaciona-se fortemente com a codificação da referência nas formas ‘eu’/’ele’ V
ambíguo e ‘a gente’; é pouco propenso às formas ‘ele(s)’ e ∅; e compartilha com não fronteira
as formas SN e ‘nós’ em oposição a eventos.
Esses resultados diferenciam-se dos encontrados por Tomlin, o que era de certa
maneira esperado devido a uma série de razões. Em primeiro lugar, nossos dados são de
experiências pessoais e, portanto, envolvem alta taxa de pronomes de primeira pessoa, ao
contrário dos dados de Tomlin que são de narrativas elicitadas através de slides e cartoon em
vídeo.
Outro elemento que distingue as narrativas analisadas decorre do método de coleta:
Tomlin determina externamente os limites de episódios operando com cortes na projeção que,
em termos de percepção, levam ao desvio do foco da atenção; tais rupturas no fluxo do
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material visual forçam a reorientação da atenção para dar continuidade à produção da narrativa
e o restabelecimento da referência é feito, então, através de SN. Logo, segundo o autor, a
sintaxe de referência é "função de limites de episódios na produção da narrativa, que estão
relacionados a desvio da atenção durante o processo de produção do discurso" (p.472). No
nosso caso, o estímulo que aciona a produção da narrativa é a lembrança de um acontecimento
vivenciado pelo informante e o fluxo do discurso é orientado pela percepção interpretativa das
etapas desse acontecimento, ou seja, dos episódios e eventos que o constituem. Conforme
temos constatado no decorrer da análise dos dados, em narrativas de experiências pessoais os
limites de episódios são mais fortemente representados por outros fatores semânticos e
discursivos, especialmente pela localização espaço-temporal e pela descontinuidade do tópico(que não implica necessariamente codificação em SN).
Um terceiro motivo que justifica a diferença de resultados diz respeito à anáfora zero
que em português é usada para manter a referência de tópicos primários inter-frasais à curta
distância, o que em inglês é feito pelo pronome.
2.1.6 Conclusões parciais
A análise efetuada na seção 2.1 evidencia algumas correlações significativas que
permitem uma caracterização das UCE que abrem episódios e eventos, e das UCE de não-
fronteira, na fala e na escrita. As correlações são mostradas obedecendo à seguinte ordenação:
1) quanto ao papel semântico; 2) quanto à seqüencialidade discursiva; 3) quanto à conexão
sintática; 4) quanto ao tipo de tópico; e 5) quanto à sintaxe de referência.
Quadro comparativo 1 entre fala e escrita
FALA ESCRITAEPISÓDIOS
1. localização espaço-temporallocalização temporal
2. início de seqüencialidade(seqüencialidade + cotemporalidade)antecipação e retomada de reorientação
3. com marcadorcom conectores combinados
EPISÓDIOS
1. localização espaço-temporallocalização temporal
2. início de seqüencialidadeseqüencialidade + cotemporalidade
3. com Adv/ formas nominais do Vsem conector
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4. tópico descontínuo inter-episódicotópico em 1ª menção
5. eu/ele V ambíguoa gente(SN – nós)
4. tópico descontínuo inter-episódico
–
EVENTOS
1.
oposiçãocognição/ enunciação
2.
seqüencialidade contínua
3. com marcadorconjunção coordenativaadvérbio
4. tópico descontínuo intra-episódico
5. euele(s)(∅)
EVENTOS
1.
oposiçãocognição/ enunciaçãodescrição
2. seqüencialidade contínua
3. com marcadorconjunção coordenativa
6. tópico descontínuo intra-episódicotópico contínuo
–
NÃO-FRONTEIRA
1. cognição/ enunciaçãodescriçãooutros papéis
2. ação durativaretomada
3. conjunção subordinativaconjunção coordenativasem conector
4. tópico contínuo
5. SN Nós∅
NÃO-FRONTEIRA
1. cognição/ enunciaçãodescriçãooutros papéis
2. ação durativaretomada
3. conjunção subordinativaconjunção coordenativa
4. tópico contínuo
–
Em termos gerais, pode-se dizer que a passagem de um episódio para outro, que
equivale a mudança de tópico semântico-discursivo, implica, do ponto de vista cognitivo, a
desativação de um arquivo corrente e a ativação de novo arquivo para alocar as informações
pertinentes; o processo de mudança de arquivo envolve deslocamento da atenção, portanto um
esforço maior do que a ativação contínua de um mesmo arquivo, e essa passagem tem uma
contraparte na codificação lingüística:
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200
- do ponto de vista semântico, há localização espaço-temporal das ações/estados e
participantes envolvidos, orientação que indica mudança de cenário;
- do ponto de vista discursivo, há construções marcadas que codificam
simultaneamente duas funções (seqüencialidade + cotemporalidade), constituindo-se em
espécies de instruções que orientam o ouvinte acerca da mudança de tópico. Há também UCE
antecipativas e retomativas que desempenham função coesiva no discurso. Antecipando o que
vai ser dito, o falante coopera com o interlocutor no sentido de facilitar o processamento das
informações através de uma espécie de apresentação do tópico semântico que vai ser
abordado; retomando o que já foi mencionado, o falante reorienta o ouvinte quanto à
seqüencialidade das ações que foram temporariamente suspensas para inserção de fundodescritivo ou avaliativo, e assim facilita-lhe a organização das informações no fluxo
discursivo. Ambos os mecanismos funcionam como pistas indicativas de que novo tópico deve
ser inserido na estrutura hierarquizada da narrativa. A escrita dispensa esses mecanismos
coesivos, pois as informações permanecem registradas para eventuais retomadas do leitor;
- quanto ao dinamismo do discurso narrativo, este se verifica tanto na passagem de um
episódio para o outro, como na organização interna de cada episódio, através da passagem de
um evento para outro; o processo é o mesmo, porém a ruptura é maior nos limites de episódio.
Isso se verifica, de um lado, na correlação entre a seqüencialidade contínua das ações e
abertura de eventos, e de outro lado, na correlação entre o início da seqüencialização e a
seqüencialização + cotemporalidade e abertura de episódios. Se há dinamismo na mudança de
um episódio ou de um evento para outro implicando seqüência de ações, o desenvolvimento
interno de um evento deve ser menos dinâmico, o que se evidencia em UCE que codificam
ações durativas e estados;
- do ponto de vista sintático, os limites das unidades semântico-discursivas são
assinalados por conectores com funções definidas em cada canal, como os marcadores, queabrem episódios/eventos na fala mas raramente ocorrem na escrita; ou as formas nominais do
verbo, que ocorrem na fronteira de episódios na escrita e não aparecem na fala; ou ainda os
conectores que se combinam com formas e funções distintas para abrir episódios orais e
eventos escritos;
- quanto ao tópico discursivo no âmbito da frase, há a presença marcante da
descontinuidade inter-episódica (incluindo 1ª menção na fala) para assinalar fronteira de
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201
episódios, em oposição à descontinuidade intra-episódica em início de eventos e à
continuidade tópica em unidades de codificação no interior de eventos;
- quanto à sintaxe de referência, também se constata uma especialização das formas
relativamente à função discursiva das UCE em que se manifestam na fala; assim é que o
pronome a gente, e os pronomes eu/ele quando relacionados a formas verbais ambíguas
correlacionam-se à abertura de episódios, os pronomes eu e ele(s) estão mais propensos para
eventos e a anáfora zero, para não fronteira e evento.
A correlação sistemática entre mudança de tópico e subtópico semântico-discursivo e
estratégias definidas de codificação lingüística para ambos os canais constitui-se em evidência
empírica que atesta a atuação dos princípios da iconicidade e da marcação, especialmente nostermos em que foi formulado o princípio meta-icônico da marcação: "categorias que são
cognitivamente marcadas – i.e., complexas – tendem a ser também estruturalmente marcadas"
(Givón, 1991:106).
Quanto à oposição entre fala e escrita, as diferenças mais acentuadas aparecem no nível
sintático, especificamente relacionadas aos grupos de fatores conexão sintática e sintaxe de
referência; o primeiro, por apresentar alguns tipos de conectores como específicos de canal e o
segundo, por ser significativo apenas na fala.
2.2 Variável de referência: fala e escrita
Após identificarmos os grupos de fatores que se correlacionam significativamente com
abertura de episódios e eventos na fala e na escrita, procedemos a uma rodada geral elegendo
o canal como variável de referência. O objetivo é verificar em que medida fala e escrita se
aproximam ou de distanciam com base nos grupos de fatores postulados, sem levar em conta a
organização dos tópicos e subtópicos semântico-discursivos. A hipótese é de que os resultadosdos dois tipos de rodadas diferem substancialmente.
Pretende-se salientar a importância de se considerar os diferentes níveis de estruturação
do discurso ao se estabelecer a oposição fala vs. escrita, para que se possa captar com maior
precisão as características de cada canal.
A rodada geral apresentou como estatisticamente significativos os seguintes grupos de
fatores, nesta ordem: tipo de conexão sintática, sintaxe de referência, fronteira de unidade, tipo
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202
de tópico, seqüencialidade discursiva e complexidade estrutural. O único grupo descartado
como irrelevante foi o papel semântico (com pesos oscilando entre 0,41 e 0,56), justamente o
mais significativo nas rodadas anteriores que tomavam a fronteira de unidade como variável
de referência, e o que mais aproximava os dois canais quanto à organização da narrativa em
episódios e eventos; portanto, confirma-se uma vez mais que fala e escrita comportam-se
semanticamente de modo similar. Os resultados para os diferentes grupos são apresentados a
seguir.
2.2.1 Fronteira de unidade
Este foi o terceiro grupo de fatores selecionado pelo programa na oposição entre fala e
escrita. Como foi o grupo que funcionou como a variável de referência norteadora da análise
realizada na seção anterior, é o primeiro a ser apresentado aqui. Vejamos como se distribuem
os dados:
Tabela 16: Fronteira de unidade na fala (em oposição à escrita)
FATORES
NARRATIVA ORAL
Freq. % PREpisódios
Eventos
Não-fronteira
Total
142/285 50 0,38
384/651 59 0,46
390/567 69 0,61
916/1503 61
As 1.503 UCE analisadas apresentam uma distribuição diferenciada nos canais, polarizando a oposição entre episódios (0,38) e não-fronteira (0,61).
O número maior de unidades de codificação verificado na fala (916 em oposição a 587
na escrita) se deve à constituição interna do evento, que utiliza mais material de codificação na
fala do que na escrita. O fator integração parece estar atuando aqui, no sentido de que a escrita
integra mais informações em uma única unidade do que a fala. Logo, o número maior de
unidades de codificação na fala não implica necessariamente maior número de informações, e
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203
sim menor quantidade de integração e, em decorrência disso, menor complexidade estrutural
em suas unidades. Esses dados são corroborados pelos resultados da tabela 21.
O grupo ‘fronteira de unidade’ servirá de parâmetro para comparação dos resultados
apresentados a seguir.
2.2.2
Tipo de conexão sintática
Este foi o primeiro grupo de fatores selecionado pelo programa, em relação à variável
de referência fala/escrita.
Tabela 17 : Tipo de conexão sintática na fala (em oposição à escrita)
FATORES
NARRATIVA ORAL
Freq. % PR
Marcador
Sem conector
Subordinação
Coordenação
Advérbio/-NDOCombinação de conectores
205/225 91 0,88
392/626 63 0,49
85/142 60 0,36
145/287 51 0,35
55/141 39 0,3234/82 41 0,28
Os pesos relativos mostram que, polarizadamente, os marcadores privilegiam a fala
(0,88) enquanto que as combinações de conectores tendem a ser menos freqüentes neste canal
(0,28); subordinação, coordenação e advérbio/ V em forma nominal mostram-se com
tendência crescente entre eles de não ocorrer na fala. A semelhança entre os canais fica por
conta da neutralidade do fator sem conector (0,49).Comparando-se esses resultados com os obtidos com a intermediação dos tópicos e
subtópicos semântico-discursivos (tabelas 10 e 11), percebe-se que as diferenças entre os
canais diminuem ao se considerar outras categorias na análise. Por exemplo, fala e escrita
apresentam comportamento semelhante quanto a: combinação de conectores abrindo
episódios/eventos em oposição a não fronteira, conjunção coordenativa abrindo eventos e em
não fronteira, e conjunção subordinativa aparecendo em não fronteira. A não coincidência
entre os resultados da rodada que opõe os tipos de canal e a que considera como variável de
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204
referência o tipo de fronteira em cada canal é indicativa de que a análise comparativa entre
fala e escrita requer controle de variáveis intermediárias para que os resultados sejam mais
representativos no que diz respeito às semelhanças e diferenças entre os canais.
2.2.3 Sintaxe de referência
Os resultados relativos ao segundo grupo de fatores estatisticamente significativos para
a oposição fala vs. escrita encontram-se na tabela seguinte.
Tabela 18: Sintaxe de referência na fala (em oposição à escrita)
FATORES
NARRATIVA ORAL
Freq. % PR
A gente
Eu
Ele(s)
Eu/ele (V ambíguo)
Sem sujeito ou sujeito oracional
Nós
SN
∅
41/42 98 0,95
180/234 77 0,65
70/97 72 0,61
74/106 70 0,56
49/75 65 0,59
11/17 65 0,58
187/338 55 0,50
304/594 51 0,35
Os valores dos pesos relativos polarizam formas pronominais em oposição à anáfora
zero na fala. Os resultados mais significativos estão associados a ‘a gente’ (0,95), ‘eu’ (0,65),
‘ele’ (0,61), ‘nós’ (0,58), ‘eu’/’ele’ seguido de forma verbal ambígua (0,56), em oposição à
não ocorrência de anáfora zero na fala (0,35). Ambos os canais apresentam o mesmocomportamento com relação a SN (0,50). E as UCE sem sujeito ou com sujeito oracional
inclinam-se um pouco a aparecer na fala (0,59). No geral, tem-se a oposição pronome na fala
versus anáfora zero na escrita, e a convergência em sintagma nominal pleno nos dois canais.
Na comparação desses valores com os registrados nas tabelas 14 e 15 da seção anterior,
pelo menos dois aspectos de caráter estatístico chamam a atenção: em primeiro lugar, observa-
se que o nível de significância do grupo de fatores em pauta sobe ao se analisar a sintaxe de
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referência em função do tipo de canal (para abertura de episódios/eventos ou não fronteira os
fatores mostraram-se irrelevantes para a escrita e dos menos significativos para a fala); em
segundo lugar, as diferenças acentuadas que opõem pronome na fala a anáfora zero na escrita
desaparecem ao se considerar o tipo de fronteira em cada canal – neste caso, os dois canais
apresentam um comportamento aproximado quanto ao uso de pronomes em geral (à exceção
de ‘a gente’ que só tem uma ocorrência na escrita), de SN e de anáfora zero.
Novamente se evidencia uma discrepância entre os resultados de uma análise que opõe
diretamente fala a escrita e de outra que permeia tal oposição com outras categorias.
2.2.4 Tipo de tópico frasal
Os resultados para o grupo de fatores relativo a tipo de tópico são mostrados a seguir.
Tabela 19: Tipo de tópico na fala (em oposição à escrita)
FATORES NARRATIVA ORAL
Freq. % PRTópico descontínuo intra-episódicoTópico contínuoTópico secundário primário
Tópico descontínuo inter-episódico1ª menção
166/242 73 0,62468/726 64 0,5959/107 55 0,44
68/132 52 0,38152/290 52 0,36
O contraste maior entre fala e escrita diz respeito à 1ª menção de um referente como
tópico primário (0,36) e ao tópico descontínuo inter-episódico (0,38), com uma correlação
baixa entre esses dois tipos e a fala. Este canal mostra tendência para continuidade do tópico
primário (0,59). O enviesamento nos dados relativos a tópico contínuo deve-se à interação
com o grupo sintaxe de referência que faz com que o peso atribuído ao fator ‘tópico’ suba de
0,54 (nível 1) para 0,60. Já o peso associado a tópico descontínuo intra-episódico vai caindo à
medida que vai interagindo com os outros grupos (de 0,58 até 0,51), tornando-se neutro o
comportamento desse fator nos dois canais.
A explicação natural para estes resultados parece ser a de que pressões discursivas
relativas à continuidade do tópico atuam mais fortemente na fala, o que é corroborado pelo
peso relativo baixo associado à descontinuidade do tópico que ultrapassa as fronteiras do
episódio e à 1ª menção de um referente como tópico primário nesse canal. Essas pressões
discursivas provavelmente interagem com mecanismos cognitivos de processamento da
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informação, no sentido de que é mais fácil processar as informações concernentes a um
participante quando este permanece por mais tempo no foco da atenção.
Esta explicação, no entanto, falha ao se comparar fala e escrita em função dos níveis de
estruturação da narrativa (cf. tabelas 12 e 13), pois nesse caso a continuidade do tópico
comporta-se igualmente nos dois canais, tendendo a ocorrer em unidades de não-fronteira, ou
seja, desenvolvendo internamente os eventos; e a descontinuidade do tópico, por sua vez,
também apresenta um comportamento homogêneo nos dois canais, correlacionando-se
fortemente à abertura de episódios. A continuidade e a descontinuidade do tópico frasal, nesse
caso, se explicam pelo princípio meta-icônico da marcação que prevê uma relação entre
complexidade cognitiva e complexidade estrutural; portanto, passagem de um tópicosemântico-discursivo para outro correlaciona-se a passagem de um tópico frasal para outro
(introduzido ou reintroduzido no discurso).
2.2.5 Seqüencialidade discursiva
Fala e escrita comportam-se da seguinte maneira quanto à seqüencialidade das ações na
narrativa:
Tabela 20: Seqüencialidade discursiva na fala (em oposição à escrita)
FATORES
NARRATIVA ORAL
Freq. % PR
Retomada
Não-seqüencialidade
Seqüencialidade descontínua
Avaliativa
Seqüencialidade + cotemporalidade
Antecipativa
Início de seqüencialidade
Seqüencialidade contínua
61/68 90 0,82
333/504 66 0,55
128/212 60 0,45
133/228 58 0,47
26/46 57 0,53
20/35 57 0,46
25/50 50 0,48
190/362 52 0,41
Os números indicam que a retomada de ações é típica da fala (0,82) e que este canal
apresenta ainda uma propensão para UCE não-seqüenciais (0,55). Os demais fatores
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apresentam um comportamento próximo do neutro nos dois canais, embora os pesos relativos
sugiram que as unidades de codificação da fala no seu conjunto sejam menos seqüenciais do
que as da escrita.
As diferenças entre as rodadas (cf. tabelas 8 e 9) mais uma vez são evidentes.
Anteriormente fora constatado que: o início de uma seqüência de ações e a combinação de
seqüencialidade + cotemporalidade estão correlacionados à abertura de episódios nos dois
canais (o último com menor peso na fala); a seqüencialidade contínua de ações está mais
presente na abertura de eventos nos dois canais; a não-seqüencialidade correlaciona-se a UCE
de não-fronteira também nos dois canais; a diferença entre os canais restringe-se às funções
antecipativa e retomativa que são mais características da fala.Os resultados das rodadas que tomam como variável de referência fala e escrita
continuam corroborando nossa hipótese inicial de que os resultados são bastante diferenciados
e não captam as semelhanças e diferenças mais sutis na codificação do discurso narrativo nos
dois canais.
2.2.6 Complexidade estrutural
Foi considerado aqui o número de orações encaixadas na unidade de codificação,
partindo de ∅ (não oração) até 4, que agrupa as unidades que contêm quatro ou mais orações.
Exemplificando:
(52) Narrativa escrita;
EPISÓDIO 4: SAÍDA DO BANHEIROEVENTO 1: Percepção da curiosidade das mulheres
1. quando saí2. percebi/ que havia algumas mulheres à porta do banheiro/ olhando
curiosamente para minha pessoa.[...] (N10E-3M-AAM)
(53) Narrativa oral:
EPISÓDIO 6: CONTROLE DA SITUAÇÃO[...]
EVENTO 2: Esclarecimento do porteiro1. aí ele acabou dizendo/ que não era lá no sexto andar/ que tava... tava
queimando/ e que... já tinham controladoEVENTO 3: O pânico
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2. mas eu em pânico né... desesperada(N18O-2F-APA)
Temos, nos dois exemplos acima, unidades de codificação com complexidade variada.
Em (52), a primeira unidade contém uma oração e a segunda apresenta três orações. Em (53),
a primeira unidade tem quatro orações e a segunda é uma não-oração, já que o verbo foi
omitido.
Objetivava-se, inicialmente, verificar como se comportam os canais no que tange à
complexidade estrutural das UCE nos diferentes níveis de organização da narrativa. Este
grupo de fatores, entretanto, não foi selecionado nas rodadas cuja variável de referência era a
fronteira de unidade. Já os resultados para a variável fala/escrita foram significativos e sãoapresentados na tabela seguinte.
Tabela 21: Complexidade estrutural na fala (em oposição à escrita)
FATORES NARRATIVA ORAL
Freq. % PR Não-oraçãoUma oraçãoDuas oraçõesTrês orações
Quatro orações
21/27 78 0,57538/859 63 0,53248/399 62 0,5167/144 47 0,32
42/74 57 0,49
À medida que aumenta a complexidade estrutural das UCE diminui a propensão de
ocorrência das mesmas na fala. Veja-se a distribuição gradativa dos valores associados ao
número de orações que compõem cada UCE: 0,57 para não-oração, 0,53 para uma oração,
0,51 para duas orações e 0,32 para três orações. O comportamento diferenciado do fator quatro
orações (que abriga UCE com quatro ou mais orações) deve-se à alta incidência de
construções com verbos dicendi que incorporam a fala de um participante ao enunciado do
falante, como discurso direto ou indireto. Essas construções aparecem em mais da metade dosdados concernentes ao fator ‘quatro orações’ nos dois canais (com predominância do discurso
direto na fala e do indireto na escrita), o que justifica o peso relativo neutro atribuído a esse
fator na tabela.
Os resultados da tabela 21 vêm ao encontro de nossa expectativa de que construções
estruturalmente mais complexas são mais típicas da escrita, uma vez que esse canal privilegia
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a codificação sintaticamente integrada de eventos semanticamente integrados, conforme
discutido no capítulo III.
2.2.7 Conclusões parciais
Numa análise em que se opõe fala a escrita sem levar em conta os diferentes níveis de
estruturação do discurso narrativo, chega-se ao quadro comparativo 2, descrito a seguir,
quanto aos grupos de fatores considerados: 1) fronteira de unidade; 2) conexão sintática; 3)
sintaxe de referência; 4) tipo de tópico; 5) seqüencialidade discursiva; e 6) complexidade
estrutural.Um confronto com o quadro 1 apresentado na seção anterior revela que os resultados
apresentam diferenças muito acentuadas. Em primeiro lugar, as rodadas que têm como
referência a fronteira de unidades colocam em evidência mais semelhanças do que diferenças
entre os dois canais (cf. quadro comparativo 1, seção anterior), enquanto as rodadas em que
simplesmente se opõe fala a escrita, sem levar em conta a fronteira de unidades, mostram que
os canais apresentam mais diferenças do que semelhanças entre si (cf. quadro comparativo 2).
Em segundo lugar, à exceção de poucos fatores, as características associadas a cada canal nas
últimas rodadas não são as mesmas que caracterizam cada canal nas primeiras rodadas.
Quadro comparativo 2 entre fala e escrita
FALA ESCRITA
1. UCE de não-fronteira,eventoe episódio
2. marcador
3. pronomes (a gente)SN
4. tópico contínuo
5. retomadanão-seqüencialidade
6. não-oraçãouma oração
1. UCE de episódioeventoe não-fronteira
2. combinação de conectoresadvérbio/-NDOconjunção coordenativa
conjunção subordinativa3. ∅
SN
4. 1ª mençãotópico descontínuo inter-episódico
5. seqüencialidade
6. três orações
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210
Uma leitura do quadro acima, por exemplo, mostra que a escrita tende a ser mais
compactada na quantidade de unidades de codificação e na integração de orações numa única
unidade de codificação; encaminha a seqüência de ações sem retomadas e com poucos
comentários descritivos, utilizando uma variedade de tipos de conectores; inclina-se à
descontinuidade do tópico comportando-se de modo neutro quanto ao uso de SN e preferindo
anáfora zero a pronome. A fala, por sua vez, contém maior quantidade de material fônico e
codifica de modo pouco integrado as ações/estados; interrompe o encadeamento das ações
com comentários descritivos e retomadas, utilizando marcadores para estabelecer a conexão
sintática; tende à continuidade do tópico privilegiando a referência pronominal e apresentando
um comportamento neutro quanto ao SN.Interpretando esses últimos resultados pode-se dizer que, de um ponto de vista
cognitivo, o tipo de processamento que os usuários executam ao falar e ao escrever é diferente
por uma série de razões entre as quais se destacam: as limitações do foco da atenção, o
intervalo de tempo gasto no processo que vai da ativação da lembrança à construção do
modelo de discurso e à verbalização, o esforço dispendido no controle da escolha de
estratégias adequadas de codificação em função do modelo de discurso construído e da
situação do interlocutor em relação ao conteúdo desse discurso, o nível de envolvimento do
falante com os episódios relatados, o grau de planejamento e de formalização que costuma
envolver a oralidade e a escrita, e assim por diante. Todos esses elementos se refletem no
fluxo do discurso, caracterizando diferentemente o texto oral e o escrito, conforme se tem
constatado no decorrer da presente seção.
Quanto à atuação dos princípios funcionalistas, dir-se-ia que a escrita é estruturalmente
mais marcada e reflete o princípio icônico da proximidade na codificação sintaticamente
integrada das orações, e o princípio icônico da ordem seqüencial linear e pragmática, na
codificação de ações seqüenciais e de tópicos descontínuos, respectivamente. A fala, por outrolado, reflete o princípio da quantidade na codificação de mais material fônico, seja quanto ao
número de unidades de codificação, seja na sintaxe de referência, ou na ausência de
integração; e sofre pressões discursivas que se refletem na continuidade do tópico e nas
retomadas coesivas que trazem a seqüencialidade das ações novamente ao foco da atenção.
Ora, tal explicação, conquanto verdadeira, é simplista porque capta tão somente as
propriedades gerais que caracterizam o processamento da fala e da escrita e não dá conta das
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especificidades inerentes a cada nível da estruturação da narrativa, conforme discutido na
seção 2.1 deste capítulo.
Pesquisas que têm comparado fala e escrita mostram resultados que diferenciam os
dois canais quanto aos seguintes aspectos, entre outros: dependência contextual/ textual;
envolvimento/ distanciamento; fragmentação/ integração; produção rápida/ lenta; maior/
menor quantidade de material de codificação; construções combinadas/ encaixadas; conectores
coordenativos/subordinativos; frases ativas/passivas; flexão esparsa/abundante; uso de
verbos/nominalizações (cf. Ochs, 1979; Chafe, 1979, 1982; Tannen, 1982; Givón, 1990). Tais
resultados apreendem as propriedades gerais que caracterizam o processamento da fala e da
escrita, mas em sua maioria não controlam variáveis como gênero discursivo e situaçãocomunicativa; nenhum deles controla os níveis de estruturação do texto, pois elegem como
unidade de análise a oração ou a "unidade de idéia", esta última delimitada com base no
contorno entonacional, correspondendo via de regra à estrutura argumental.
O que verificamos em nossa análise é que as diferenças entre fala e escrita tendem a se
neutralizar quando se controlam o gênero discursivo e a estruturação do discurso em tópicos e
subtópicos. Conclui-se, então, que uma análise que pretenda levantar os elementos que
caracterizam cada canal quanto ao gênero narração e explicá-los à luz dos princípios
funcionalistas não pode deixar de levar em conta os níveis intermediários de estruturação do
discurso narrativo, sob pena de os resultados levarem a uma visão incompleta, se não
distorcida do fenômeno.
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212
V CONCLUSÕES
Neste capítulo, retomamos, resumidamente, as conclusões parciais mais significativas,
já delineadas no decorrer do trabalho, e sugerimos alguns desdobramentos para investigações
posteriores.
O ponto de partida para a pesquisa foi a indagação de como falante e ouvinte
constroem o discurso narrativo. Como uma possível resposta a esta questão, foi proposto um
modelo de construção do discurso narrativo, com o propósito de que se constituísse em um
instrumental teórico-metodológico para o desenvolvimento da investigação pretendida. Tal
modelo é concebido como um processo de construção subjacente ao texto, que envolve anoção de esquemas discursivos, decorrentes da padronização de modelos de discurso
recorrentes em contextos comunicativos de tipologia variada. Esses esquemas contribuem para
que os usuários compartilhem expectativas e façam previsões em relação à estruturação
discursiva, e orientam a distribuição hierarquizada das informações em tópicos e subtópicos.
Propôs-se, com relação às narrativas, que as unidades semântico-discursivas
(tópicos/subtópicos) correlacionam-se a unidades semântico-cognitivas (episódios/eventos)
que se realizam linearmente em unidades de codificação (UCE). Foram definidas as unidades,
estabelecidos critérios para sua delimitação e descrita sua constituição interna. Os critérios, de
base sintático-semântico-discursiva, foram: a) para episódios – relativos à mudança de
cenário envolvendo localização espaço-temporal e participantes; b) para eventos – relativos à
noção semântico-cognitiva de integração (em que estão implicados traços de perfectividade,
duração, cotemporalidade, ancoragem e fundo integrador); c) para unidades de codificação –
referentes à correlação entre percepção de eventos integrados em graus variáveis e codificação
em unidades lingüisticamente integradas (daí a unidade de codificação conter desde
seqüências estruturalmente consideradas como não-oração, até encaixes de quatro ou cinco
orações numa única unidade).
Esta etapa de definição das unidades, estabelecimento de critérios para delimitação e
descrição da constituição interna foi desenvolvida com base numa análise puramente
qualitativa, em que se cotejaram as versões oral e escrita de cada informante. Tal análise
forneceu fundamento empírico para comprovação das duas hipóteses gerais do trabalho acerca
da organização do discurso narrativo e das unidades que o constituem. Foi verificado, também,
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213
que há um isomorfismo sistemático ente a ordenação cronológica dos episódios e a
codificação seqüencial dos mesmos; e entre a percepção de eventos integrados em graus
variáveis e a codificação em unidades simples, complexas com encaixes, ou combinadas,
refletindo uma percepção mais ou menos integrada dos eventos.
As UCE foram delimitadas nos dois canais, codificadas segundo grupos de fatores
sintáticos, semânticos e discursivos, e submetidas a testes estatísticos. Os resultados dos testes
mostraram correlações nítidas entre as unidades semânticas e sua forma de codificação no
discurso.
Esta etapa da investigação centrou-se na questão relativa à comparação entre fala e
escrita no que se refere à organização do tópico. Analisando-se comparativamente adistribuição de episódios e eventos nos dois canais verificou-se que: houve correspondência
entre fala e escrita no nível semântico-discursivo, uma vez que praticamente todos os
episódios e eventos relatados oralmente também o foram por escrito. A variação ocorreu em
relação aos eventos que, na fala, foram codificados em maior número do que na escrita.
Constatou-se, entretanto, ser este desnível aparente, dado que as mesmas informações são
veiculadas nos dois canais; só que, em muitos casos, de forma integrada (dois ou três eventos
em um), ou de forma a dar margem a inferências, na escrita. Quanto a deslocamentos de
eventos, de um canal em relação a outro, esse fato deve-se a aspectos de organização
discursiva tais como continuidade do tópico. As intercalações e retomadas, por sua vez,
parecem desempenhar o papel cognitivo de manter o foco da atenção no tópico em questão, e
o papel discursivo de estabelecer coesão.
Por fim, estabeleceram-se correlações que permitiram caracterizar sintática, semântica
e discursivamente as UCE relativamente a sua função na narrativa: abrir episódios, abrir
eventos, ou desenvolver internamente um episódio/evento.
Em suma, a análise foi desenvolvida em duas direções:(a) no sentido de caracterizar e explicar os diferentes níveis de organização do tópico
semântico-discursivo na narrativa;
(b) no sentido de comparar a organização desses níveis nos canais de fala e de escrita.
Quanto ao primeiro aspecto, esquemas discursivos que atuam na estruturação da
narrativa justificam o comportamento similar nos dois canais quanto à distribuição dos tópicos
e subtópicos semântico-discursivos. Adicionalmente foi constatado que tanto na mudança de
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um episódio para outro, como na passagem de um evento para outro, bem como no
desenvolvimento interno das unidades, as UCE especializam suas funções sintático-semântico-
discursivas, de modo que a uma dada função corresponde uma dada forma. O que é previsto e
explicado pelo princípio da iconicidade, especialmente pelo princípio meta-icônico da
marcação.
Quanto ao segundo aspecto, a mudança de tópico/subtópico semântico-discursivo é
marcada por mecanismos gerais de codificação que se caracterizam igualmente nos dois canais
no que se refere a fatores semânticos e discursivos, e que se diferenciam quanto aos fatores
sintáticos. As semelhanças no nível semântico-discursivo favorecem a hipótese de que a
estrutura da narrativa é orientada por esquemas discursivos. As diferenças, por sua vez, se justificam pelas características inerentes a cada canal em termos de processamento das
informações; a fala requer estratégias de codificação diferenciadas que, cooperativamente,
funcionem como instruções para o ouvinte construir seu modelo de discurso.
Evidenciou-se, quanto às estratégias de codificação, a atuação mais forte do
subprincípio da proximidade na escrita, que se reflete na codificação sintaticamente integrada
nesse canal; e a atuação mais sistemática do subprincípio semântico da ordem linear na fala, o
que se percebe no encaminhamento passo-a-passo das ações.
Em termos teóricos, a pesquisa:
- mostrou a viabilidade e a pertinência de uma abordagem do fenômeno lingüístico
num domínio funcional complexo, considerando a atuação conjunta de mecanismos
cognitivos, discursivos e gramaticais, segundo as tendências atuais do funcionalismo;
- utilizou princípios e categorias discursivas da teoria funcionalista, comprovando a
relevância das categorias de análise e o poder explanatório dos princípios;
- propôs unidades de análise intermediárias entre a frase e o texto, testando e validando
critérios de delimitação das mesmas e mostrando sua pertinência para o estudo do discursonarrativo;
- demonstrou a importância de se considerar os diferentes níveis de estruturação do
discurso ao se realizar uma análise comparativa entre fala e escrita;
- evidenciou a pertinência da correlação função-forma.
Acreditamos que alguns pontos tocados nesta tese merecem ser retomados e
aprofundados em pesquisas futuras. Destacamos, como tópicos relevantes: a questão da
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integração sintático-semântica de eventos e sua correlação com o grau de complexidade
estrutural das unidades de codificação; a expansão da análise realizada neste estudo,
incluindo-se dados de informantes de séries mais baixas no primeiro grau, para se examinar os
possíveis efeitos da escolarização, especialmente no que se refere ao código escrito; a análise
comparativa de narrativas de experiênciais pessoais e de narrativas recontadas, buscando-se
testar a noção de esquema discursivo e de construção do modelo de discurso narrativo, em
outros tipos de narrativa que não de experiência pessoal.
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ANEXO
NARRATIVAS ORAIS E ESCRITAS Corpus D&G (UFRJ)
N1O-3F-AMV: Travessura com a bicicleta
[A minha já é bem mais assim... mais cômica tá.../ é uma travessura...// eu tinha oito anos de idade...//aí tava na moda de andar de bicicleta.../ a pessoa em pé atrás com a mão no ombro do colega.../ ocolega dirigindo né...]1 [aí o pessoal combinamos de descer a rua...// aí foi eu e uma amiga minha...]2[na volta quando a gente tava subindo / a gente viu um casal de namorados assim naquele beijo lá nomuro né...// aí minha colega... vamo lá ver como é que é não sei o que.../ pequenininha né... ali atrás...//ela subiu com a bicicleta com toda força em cima da calçada... // só que aconteceu um imprevisto.../ emvez da gente passar discretamente / a bicicleta entrou no meio do casal / aí ia dar um soco na testa dohomem / minha colega entrou no meio com a bicicleta.../ uma confusão só...// aí a gente na volta...levou um monte de fora do casal que não sei o que não sei que lá...]3 [aí quando a gente voltou / agente ria tanto mas ria tanto que a gente não tinha nem força pra pedalar a bicicleta pra subir a ruané...// aí tive que voltar tudo a pé...]4 [é curtinha...]
N1E-3F-AMV: Travessura com a bicicleta
[Eu tinha uns 8 anos de idade.// Nessa época todos os meus amigos tinham bicicleta / e estava na modaandar em pé na parte de trás (bagageiro) da bicicleta.]1 [Um dia eu e minha amiga resolvemos descer arua de bicicleta./ Ela pedalando / e eu em pé na parte de trás.]2[Quando subíamos a rua de volta para o prédio,/ vimos no meio do caminho, encostados em um muro,um casal de namorados dando aquele beijo.// Nós, como éramos curiosas, subimos com a bicicleta emcima da calçada com toda a força, para ver como era um beijo. // Só que aconteceu um imprevisto, /nós duas acabamos por interromper o beijo do casal, / e eu, como estava de pé, dei um soco na testa dorapaz.// Nós duas, eu e minha amiga, não parávamos de rir / e levamos o maior fora do casal.]3 [Avolta é que foi mais difícil, / de tanto rirmos perdemos as forças para pedalar // e tivemos que subir arua andando.]4
N2O-3F-API: Perdida em Campo Grande
[Ah! a primeira narrativa é um fato mais antigo... // é que antigamente no supermercado tambémarmava presépio na época de Natal... // aí tava eu, minha mãe, meu irmão... / eu fiquei vendo a vitrine...vendo a vitrine...]1 [minha mãe chamou pra ir embora do supermercado // mas eu não devo ter ouvido/ porque eu tava entretida vendo a vitrine // aí meu irmão foi com a minha mãe...]2 [quando eu olhei /não tinha ninguém conhecido perto... // eu fui embora / porque minha mãe foi embora / eu vou embora pra casa também...]3 [aí peguei o caminho de casa a pé / isso sem chorar, tranqüila...// aí quando eucheguei numa esquina de Campo Grande / é... mais movimentado... esquina do pecado... / antigamenteentão o trânsito era pior ainda / o carro ia pra onde quisesse e tal.../ quatro sinais difícil de atravessaraté hoje né.../ imagina com quatro anos...// aí eu... aí eu comecei a chorar / aí abri a boca.../ eu lembroque chorava... chorava desesperada né]4 [aí parou uma moça com um fusca bege clarinho...// aí falou:que que foi e tal... // aí descobriu né que eu tava perdida // aí eu lembro que ela ficava: eu te levo pracasa, entra aqui // aí me segurava pela mão...// eu falava: não... não posso entrar em carro de genteestranha... / aí eu não queria entrar por causa disso...]5 [aí depois ela me convenceu... // eu mostrei ocaminho né a rua que tinha que seguir...// ela me levou até em casa]6 [foi só]
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N2E-3F-API: Perdida em Campo Grande
[Antigamente até os supermercados armavam presépios.// Eu me perdi da minha mãe e do meu irmão por causa disso.]1[Minha mãe me chamou // e eu não ouvi]2 [quando eu olhei / e não vi minha mãe / saí correndo doCB pensando que ela já tinha ido para casa.]3[Peguei o caminho para casa sem chorar // até que cheguei na esquina do Pecado / e fiquei com medo.//O trânsito era complicado // e aí eu comecei a chorar.//Eu sabia que se atravessasse aquele sinal iria andando até em casa,/ mas eu não sabia atravessar arua.]4[Uma moça parou com um fusca // e queria me levar para casa,// eu dizia que não / porque minha mãesempre dizia para eu não entrar em carro de gente estranha.]5
[Depois de insistir muito / a moça acabou me convencendo,// eu disse o endereço // e ela me levou atéem casa.]6
N3O-3F-PAB: Acidente na Rio-Manilha
[Bom... é de risco também...// eu tava vindo de Bugre.../ no carro eu, meu namorado, três pessoas atrás// e de repente... tinha chovido.../ a gente vinha ali pela Rio-Manilha.../ a estrada estava derrapando... ]1[ele foi cortar um carro // de repente o carro derrapou / começou a rodar na pista...// rodava / batia nummuro do lado...// rodava, rodava / batia no outro... // aquela loucura o carro rodando // e aí caiu no meiodo mato virado...]2 [a gente saiu correndo / que a gente pensou que o carro fosse explodir...//felizmente graças a Deus ninguém se machucou seriamente / só arranhou, essas coisas...// aí a gente
saiu todo mundo apavorado né... // e tinha criança... criança não mas umas meninas mais novas atrás...// aí ele foi procurar ajuda.../ foi num posto que tinha perto...]3 [nisso parou um caminhão / e só tinhamulher / só tinha as meninas / eu era a mais velha.../ e veio o caminhão...// o motorista saltou... // ooutro também... // aí eles vieram andando assim meio sinistros olhando pra gente...// a gente não sabiao que fazia... / as meninas querendo correr... atravessar a estrada / e eu apavorada.../ a genterezando...]4 [aí por sorte ele voltou.../ ele já tinha conseguido falar lá com alguém... / ele voltou // aífalou com os caras / deu uma dura nos caras // os caras foram embora]5 [aí ele conseguiu... no postoconseguiu que um carro parasse / que ficasse com a gente... / o carro que tinha visto o acidente parou /ficou com a gente // enquanto isso ele foi lá no posto... / voltou / ligou pro meu pai...]6 [aí meu paifoi... // pegou a gente...// me levou um reboque...// rebocou o carro]7 [aí por sorte, quer dizer, por sortenão né / porque o carro ficou... acabou com o carro / o seguro deu perda total... // mas nada aconteceude grave com ninguém né...]8 [foi isso]
N3E-3F-PAB: Acidente na Rio-Manilha
[Na volta de um feriado que passei em Búzios no ano retrasado, estávamos no carro: meu namorado, airmã dele e eu / e vínhamos pela estrada Rio-Manilha. // Tinha chovido muito / e a estrada estavaescorregadia.]1 [De repente quando meu namorado tentava ultrapassar um carro, / o nosso derrapou / erodou no meio da pista / batendo em ambas as proteções que cercam a mesma / e caindo no mato.]2[Nossa sorte foi que ninguém se machucou seriamente / apesar do carro ter ficado totalmente destruído.// Saímos para o acostamento da estrada // e meu namorado foi correndo até um posto de gasolina próximo pedir auxílio.]3[No momento em que ficamos sozinhas / um caminhão parou / saltando dois homens muito estranhos.// Ficamos todas assustadas // e tentei acalmá-las / pois eu era a mais velha.]4 [Felizmente meu
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namorado voltou / quando percebeu o perigo de nos ter deixado sozinhas]5 [e também um outro carro parou // e o motorista se propôs a ficar conosco / enquanto meu namorado voltava ao posto paratelefonar para meu pai.]6 [Ele veio algum tempo depois trazendo um reboque // porém o seguro deu
perda total do veículo.]7[Mas o que importa é todos estarmos vivos e bem / porque o susto foi muito grande / e podíamos termorrido.]8
N4O-3F-IPS: Perseguição na volta para casa
[Bom... há anos atrás eu tinha um Dodge Polara velho 79 que eu tinha um problema com as fechadurasdas portas / eu só conseguia abrir as portas abaixando o vidro...]1 [e uma noite eu fui visitar unsamigos...// e na saída da casa deles... quando eu ia descendo a rua / veio um velho bêbado que tentavafalar comigo dizendo palavras de baixo calão e tentando segurar meu braço...// eu tentei... comecei a
descer a rua // mas ele foi me seguindo sempre...// as pessoas não prestavam atenção no que estavaacontecendo...// aí eu resolvi voltar e tentar sair com o carro assim mesmo... baixando o vidro...]2[quando eu cheguei perto do carro / e comecei a baixar o vidro / o velho eh... se aproximou / me pegou pelo braço... / começou a me chamar de ladra de carro...// aí eu disse que ia chamar a polícia...]3 [nósdescemos a rua // e por sorte nós encontramos dois guardas lá embaixo...// aí eu pedi proteção / que ocarro era meu... / mostrei documento de identidade, carteira de motorista.../ aí eu pedi para eles meacompanharem...// voltamos com eles... / e o velho repetindo sempre que eu era ladra de carro, que euera ladra de carro...]4 [quando nós chegamos lá perto / abri a porta baixando o vidro... / entrei no carro/ e fui pra casa...]5 [aí ele ficou lá com os guardas]6
N4E-3F-IPS: Perseguição na volta para casa
[Há anos atrás, eu tinha um Dodge Polara, velho, 79. // As fechaduras das portas não funcionavam / e para entrar no veículo eu tinha que baixar o vidro da porta pelo lado de fora.]1[Certa noite, fui visitar uns amigos, // e, na volta, quando me dirigia para o carro, / um velho,completamente bêbado, encaminhou-se para mim tentando segurar-me o braço. // Fique tentando meesquivar dele, // mas ele me seguia sempre rua abaixo proferindo palavras de baixo calão.//Tive medo de me dirigir ao carro / e não ter tempo de entrar e fechar a porta, / antes que ele mealcançasse.//Descemos a rua / e, como era tarde, as poucas pessoas que passaram por nós não atinaram com o problema.//Finalmente, decidi voltar e tentar, de qualquer modo, sair com o carro.]2 [Mas quando estava baixandoo vidro da porta / o velho me alcançou / e começou a me chamar de ladra de carro. // Consegui, comesforço, libertar-me da mão dele que segurava o meu braço, dizendo que ia chamar a polícia.]3
[Então, descemos a rua novamente / e, por sorte minha, havia dois guardas na esquina. // Falei comeles, expliquei o caso / e pedi que me acompanhassem até o veículo.// O velho seguia-nos semprerepetindo que eu era ladra de carros.]4 [ Mostrei os documentos de identidade e de propriedade doveículo aos guardas / que mantiveram o velho afastado de mim / e me deram proteção para dar partidano carro.]5[Finalmente, consegui voltar para casa e livrar-me do importuno.]6
N5O-3F-MAL: Tombo do telhado
[A outra foi... eu tinha uns doze anos, doze ou treze anos...// aí tinha um churrasco do lado da minhacasa... // então eu tava com duas amigas minhas, uma vizinha e uma sobrinha da minha vizinha
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também... nós não tínhamos o que fazer]1 [aí resolvemos... uma delas teve a idéia de subir no telhado para olhar a paisagem lá de cima....// aí subimos... // ficamos... demos uns cinco minutos lá // aí a mãeda minha vizinha chamou]2 [e quando nós fomos descer / quando resolvemos descer... / uma
passou...// quando eu fui passar / a telha quebrou.../ eu caí dentro da casa da minha vizinha...// mas eudei a maior sorte / porque tinha... tinha a geladeira e o armário / e eu caí exatamente no meio dosdois.../ caí lá de cima dentro da... da cozinha da... da minha vizinha...// só me arranhei / e fiquei semvoz né, com o susto.../ o susto foi tão grande que eu não consegui falar...]3 [aí minha mãe veio, né /ainda ganhei bronca]4 [só isso, quer dizer, isso foi o que me lembro mais perigoso que eu passei]
N5E-3F-MAL: Tombo do telhado
[Ao lado da minha casa havia duas outras no mesmo terreno.// Certo dia, uns vizinhos da casa de trásresolveram fazer um churrasco.// Eu e mais duas amigas não tínhamos mais o que fazer.// Eu estavacom uns doze anos.// Meu pai, minha mãe, os pais da minha amiga, os tios da outra, que eram os donosda casa, estavam todos no churrasco.]1 [De repente minha amiga teve a idéia de subirmos no telhado
para vermos a paisagem lá de cima.// Não foi difícil alcançarmos o telhado vizinho./ Subimos pelo meumuro / e, em pouco tempo, estávamos lá.// Foi então que ouvimos a mãe de uma das minhas amigaschamá-la.]2 [Resolvemos descer pelo mesmo caminho que havíamos subido, // mas aconteceu oinesperado./ Uma delas passou / e quando foi a minha vez, /uma telha quebrou / e eu caí dentro da casada minha vizinha. // Eu tive muita sorte, / pois caí num espaço mínimo entre a geladeira e o armário nacozinha // e apenas arranhei as pernas e a barriga, / além de perder completamente a voz, por unsintantes, por causa do susto.]3 [Mas, com isso, aprendi a lição / e nunca mais subo num telhadonovamente.]4
N6O-3F-AMC: Arroz a peso de ouro
[Bom... isso aconteceu outro dia...// eu fui ao supermercado fazer umas comprinhas...// e na hora que eu
passei pelo caixa eu não me dei conta do preço do arroz...]1 [em casa eu achei estranho / porque tavasaindo a 210 cruzeiros... alguma coisa assim... o preço do quilo do arroz...// eu resolvi voltar aosupermercado para conferir isso / que eu achei que tava assim um absurdo...]2 [eu primeiro me dirigi àcaixa // e ela confirmou o preço // e eu não fiquei satisfeita com aquele preço né / e fui até o produto lána tabela ver / e realmente era aquele o preço...// eu fiquei assim espantada / porque eu achei o preçoassim um absurdo... um assalto...]3 [quando eu cheguei em casa / eu dei um recado pro pessoal: olha,de hoje em diante arroz aqui só numa quantidade suficiente tá... num pode desperdiçar arroz de jeitonenhum porque não só tem a marca de arroz ouro né, como também o produto tá sendo cobrado a preço de ouro... um absurdo]4
N6E-3F-AMC: Arroz a peso de ouro
[Outro dia fui ao supermercado fazer umas comprinhas.]1 [Em casa ao conferir a nota achei que acaixa havia se enganado ao registrar o preço do arroz.]2 [Voltando ao supermercado / dirigi-me àcaixa, / que confirmou o preço.// Não satisfeita fui conferir a tabela próxima ao produto, // fiqueihorrorizada.]3 [Já em casa, disse a todos que daquele dia em diante só fariamos arroz em quantidadesuficiente de modo a não deixar sobras, visto que, não só havia uma marca de arroz chamada ouro,como também o produto em si estava sendo cotado ao peso do nobre metal.]4
N7O-3F-AMP: Troca de professor
[A terceira? foi na Faculdade de Educação...// eu tava começando lá // e eu não sabia que o professordaqui da Letras dava aula lá também... // e tinha um colega que parecia com esse professor...// e lá...
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nos intervalos é diferente daqui.../ às vezes o professor sai / e a turma continua lá na sala / e o professortroca / ou então a turma sai também né...]1 [e aí eu tô conversando com um grupo de colegas / e euesqueci que elas iam ficar na turma e eu ia sair...]2 [naquela confusão entra o professor.../ senta na
mesa...// comecei a rir né... pensando que fosse meu colega... / tô rindo da cara do professor.../ tôencarnando nele que ele tinha mudado de vida... que isso que aquilo... que que ele ia dar aula de quê...não sei quê.../ e isso falando pro professor pensando que tô falando com meu colega... // aí daqui a pouco quando o... consegui conversar com minha colega... // meu professor também não entendendonada né.../ o professor olhando assim pra minha cara... aquela... aquela cara de... de pastel... sementender nada]3 [aí eu fui... uma colega conseguiu me falar // e aí eu vi que tava na sala errada...// aíeu saí]4 [foi só]
N7E-3F-AMP: Troca de professor
[Eu estava começando a Faculdade de Educação // e não sabia que o prof. Armando de literaturatambém dava aula lá.//
Entre uma aula e outra às vezes a turma trocava de sala, / ou o professor saía / e entrava outro.]1[Eu estava de papo com umas amigas / e esqueci que eu tinha que trocar de sala e elas não.//Tinha um rapaz que era a cara desse professor.]2 [Quando o professor entrou / e sentou / as pessoasainda estavam conversando // e eu não me liguei que ele pudesse ser o professor.// Comecei a rir pensando que era meu colega, / fiquei encarnando nele, que ele tinha melhorado na vida, ele ia dar aulade quê, só Freud para explicar aquele fenômeno, etc. //O professor não entendia nada, / ficou olhando pra mim com a cara mais espantada do mundo.]3[Quando eu descobri que eu estava equivocada, que aquele ali era um professor de verdade e não omeu colega, / pedi desculpas / e saí.]4 [Até hoje me escondo desse professor para ele não mereconhecer.]
N8O-3F-MCB: Momentos de angústia
[Bem... neste dia o meu filho... o mais novinho... ele era ainda bebê.../ não tinha um ano ainda...// e eusaí de casa para trabalhar...]1 [era uma babá nova que estava com a gente há uma semana // mas elaera indicada pelo porteiro / era parente do porteiro e tal... // eu achava a babá assim meio esquisita / porque eles eram muito religiosos... uma seita lé meio estranha... / ela rezava alto / acendia vela e tal / etinha uma cara assim meio sinistra... // mas enfim... era uma pessoa indicada / o porteiro já estavatrabalhando no prédio há muitos anos e tal... // e eu disse a ela: você sai com o menino e fica só aqui nafrente do prédio passeando... chegar aquela hora você sobe e tal...]2 [e eu cheguei da Aliança né nahora do almoço... // não tinha o menino / não tava o menino...]3 [aí eu comecei a perguntar e nada né /ninguém tinha visto nem a hora que ele tinha saído / e foi dando aquele desespero né... / pergunta a um,a outro...]4 [saí andando // eu peguei o carro // entrei em rua contramão chorando / já não enxergava
mais nada, quase batendo né / porque eu já tava meio doida... // aí começaram as pessoas a entender o problema / porque eu saía perguntando // vieram ajudar e tal... // e eu até imagino que por trás disso... / porque isso durou algumas horas né.../ até imagino que por trás disso as pessoas já devem até ... tinhamaté tomado providências tipo assim telefonar pro hospital, essas coisas...]5 [e quando eu tava assim...tinha saído com uma vizinha / ela me levou no carro pra ajudar a olhar em volta e tal / porque ela podiater se perdido por ali né.../ ela apareceu... / nesse ínterim ela apareceu com o menino]6 [e ela tinhalevado o menino pro INPS // porque... quando ele... quando ela foi saindo pra começar o passeio /abrindo a porta do elevador, o dedinho dele ficou preso na grade... // mas não houve nada // mas elaachou que podia ter quebrado o dedo e tal... // levou achando que tava ajudando...]7 [só que eu fiqueienlouquecida né / porque não é uma coisa fácil né... // eu imaginei uma porção de culpa / aí entra olance da culpa também / porque eu de manhã saí com pressa / nem passei no quarto dele para dar um beijinho e tal / porque eu já saí atrasada / aí entra tudo...]8 [é isso aí]
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N8E-3F-MCB: Momentos de angústia
[Uma ocasião, quando meu filho mais novo era ainda bebê, / eu acho que vivi o momento maisangustiante de minha vida]1[Ao voltar do trabalho, perto da hora do almoço, constatei que ele não havia subido do passeio com a babá. // Minha inquietação começou ali.] 2 [Procurei pelo prédio, // depois fui perguntando ao porteiro, às pessoas que estavam na rua, que eu conhecia, até aos vendedores, / pois como sempremorei por ali, / todos nos conheciam.]3[A angústia era grande, / pois a babá era nova, / trabalhava lá em casa há apenas uma semana. //Embora fosse parente do porteiro, / eu a achava meio esquisita, / porque, há noite, ficava no quartorezando alto, com vela acesa, numa atitude meio fanática. // Não preciso dizer que se passaram milcoisas na minha cabeça: que era louca e sumira com meu filho; que era fanática e resolveu exorcizá-loou oferecê-lo em sacrifício em alguma cerimônia; / enfim, eu não sabia mais o que pensar.]4 [Rodei a
pé e de carro pelo quarteirão, // os vizinhos ajudando.]5[Às duas e meia da tarde, a moça apareceu com o menino que vinha dormindo tranqüilamente nocarrinho.]6 [Ao sair do elevador, ele deixara prender o dedinho dele na porta // e, sem avisar ao porteiro nem a ninguém, resolveu levá-lo ao INPS para fazer uma radiografia. // Conclusão: foi comele, empurrando o carrinho debaixo de sol quente, // enfrentou quatro horas de fila // e depois fez todoo caminho de volta nas mesmas condições.]7[Hoje, até consigo compreender que a intenção dela foi boa, // mas o fato de não ter tido o expedientede avisar, ou ao menos telefonar, fez com que eu passasse os piores momentos de minha vida.]8
N9O-3M-ACD: Encontro no engarrafamento
[Eu estava com entrevistadora de carro na avenida Brasil semana eh... semana passada / isso quando o
trânsito começou a engarrafar]1 [então aí... num desses engarrafamentos reparei que havia ao nossolado... nosso lado esquerdo uma kombi / e nessa kombi... dentro da kombi estava os quatro rapazes doTRS... um grupo de rock... brasileiro... do qual sou grande fã]2 [então num desses engarrafamentos...num desses momentos do engarrafamento a kombi emparelhou com a gente // aí tendo emparelhadocom a gente eu... eles repararam que eu notei que eram eles né // riram um pouquinho // e eu converseicom eles / quero dizer conversei eu me dirigi dirigi a palavra a eles é lógico dirigi a palavra a eles deque maneira.../ falei um beleza // e aí tudo bem ele respondeu // e inclusive eu perguntei se eles tinhamum disco novo deles para me dar // e eles disseram que não // perguntaram se eu não tinha umacervejinha no carro para dar para eles // eu também respondi que não]3 [quando isso aconteceu /acabou que eu acabei perdendo a entrada... a saída da avenida // e a gente teve quase teve que sedesviar do caminho pra ir pra... pra... como que é o nome daquela rua lá é? pra mais pro centro doRio]4 [e depois disso eu consegui pegar uma parte quebrada da mureta / e fui para a pista lateral da
avenida Brasil / consegui entrar na pista lateral depois por essa mureta // e consegui vir normalmente pra UERJ // só que aí eu tive que fazer uma bandalha incrível na avenida Brasil]5 [e só isso]
N9E-3M-ACD: Encontro no engarrafamento
[Estávamos, eu, Vilma, Ana e Marta, indo pra a UERJ pela Avenida Brasil como sempre, / quando otrânsito começou a ficar engarrafado.]1 [Notei que numa Kombi, ao nosso lado, passaram os rapazesdo grupo de rock " Ira", // mas não consegui ficar ao lado da Kombi, que era da Rede Manchete, porcausa do trânsito.]2 [Porém, logo depois, nossos carros ficaram emparelhados, // e aí consegui falarcom o guitarrista do grupo, que tinha notado que eu havia os reconhecido.// Como bom fã, perguntei seeles possuiam disco novo para me dar, // mas o vocalista gesticulou que não // e então o guitarrista me perguntou, na gozação se eu tinha uma " cervejinha" para eles, / já que estava muito quente.]3 [Logo
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após, o trânsito começou a fluir mais facilmene / e a Kombi se distanciou, // e aí notei que já havíamos passado da saída que leva a UERJ // e comecei a me dirigir para a mureta que divide a pista central e a pista lateral.]4 [Num ponto onde esta encontrava-se quebrada, consegui passar para pista lateral /
seguindo por outro caminho até a UERJ.]5
N10O-3M-AAM: No banheiro delas
[Esse fato ocorreu comigo há alguns anos atrás...// eu tava no cinema Vitória / não sei se vocêsconhecem / é um cinema ali no centro da cidade... / na época que passavam filmes assim... // hoje emdia o cinema Vitória só passa filmes pornográficos (primeiro) // então eu tava assistindo um filme / e láno meio do filme mais ou menos eu.. no... eu fiquei com uma vontade tremenda de ir ao banheiro né]1[aí saí rapidamente // tava tudo escuro né / e entrei na primeira porta que eu vi...]2 [no que eu entrei /eu achei assim estranho / porque no banheiro masculino tem aqueles mictórios né tem todos aquelesmictórios // e quando eu entrei naquela porta / vi que tinha os banheirozinhos / e tinha algumas cadeiras
e tal / mas tava tudo vazio né // e aí eu achei estranho / eu falei: hum esse mictório tá estranho... // aí fuinormalmente / fiz o que tinha que fazer]3 [e quando tava saindo / eu notei que tinha umas três ouquatro mulheres me olhando, mas me olhando assim com uma profunda curiosidade...// aí eu olhei pratrás / vi que o banheiro tava vazio / num tinha ninguém realmente né]4 [aí quando saí... no momentoem que eu saí / que eu olhei que tinha o letreiro / foi aí que eu reparei que o banheiro... era banheiro demulheres // então foi a... a experiência foi interessante / que foi pela primeira vez que eu entrei num banheiro feminino / depois daquela vez também nunca mais entrei...]5 [e a cara das mulherescochichando é que ficou assim... // eu fiquei profundamente envergonhado / quando eu dei conta queeu tinha entrado no banheiro de mulheres]7
N10E-3M-AAM: No banheiro delas
[Certa vez, assistindo a um filme no cinema Vitória, no centro da cidade, fiquei com uma enormevontade de ir ao banheiro.]1 [Saí apressado, // e, como estava muito escuro, / eu entrei na primeira porta que vi.]2 [O banheiro estava vazio, / mas eu notei alguma coisa de estranho: faltavam mictóriose havia algumas cadeiras com mesinhas. // Dirigi-me então ao vaso sanitário mais próximo]3 [equando saí / percebi que havia algumas mulheres à porta do banheiro, olhando curiosamente paraminha pessoa. // Fiz que não entendi o que se passava, / embora já tivesse, àquela altura, uma levesuspeita do que poderia ser // e saí meio cabisbaixo.]4 [Foi então que virei a cabeça / e pude olhar parauma placa sobre a porta por onde eu havia passado, onde se podia ler: damas.]5[As mulheres, que até então estavam me observando, entraram rapidamente no seu banheiro,cochichando sobre algo que julguei ser a minha "invasão" de território.]6[Silenciosamente voltei para a sala de projeção.]7
N11O-3M-FRJ: Jogo de bola com a árvore
[Bem, um assunto interessante que sempre vem a minha cabeça que (eu gostaria) de contar foi quandoo pessoal resolveu armar uma... um time de futebol aqui na faculdade // aí combinamos né, toda sextade jogar bola, tomar uma cerveja / aí eu ( ) jogava toda sexta-feira no campinho aí ... esse campinho () no canto aí...]1 [a gente jogava uma bola tão boa, que o Germano ele sempre joga pelo canto justamente onde a árvore tá / aí o meu time tava muito bem...// aí o contra-ataque pô, o pessoal... o pessoal ( ) / eu pedindo a bola...// " vai,vai,vai"... // eu tanto fui que dei de cara com a árvore]2 [e aínão tinha nem mais condições de continuar... o jogo no meio né / porque todo mundo caiu assimsentado rindo da cena e..é ... de mim no chão caindo... da árvore que ela ainda balançava e quase
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caindo // aí naquele dia não deu mais pra continuar jogando bola ( ) // mas foi... foi um futebol... foiinesquecível]3
N11E-3M-FRJ: Jogo de bola com a árvore
[Toda sexta aqui, na faculdade, jogamos bola / e depois tomamos algumas cervejas como uma espéciede higiene mental. //Porém às vezes não dá certo / e só acabamos chateados. // O fato para mim, no dia, foi muito triste / equando me lembro hoje / não sei se rio ou choro.]1[Estávamos jogando bola no campinho, onde havia uma árvore na ponta direita, justamente onde eu jogo, // estávamos dando um banho / quando num contra-ataque fulminante eu fui correndo, correndo... pedindo bola, // e o outro gritando para eu ir, // e de tanto que eu ouvi: "vai, vai, vai", eu fui deencontro com a árvore, // caí sentado]2 [e fiz o jogo parar / pois todo mundo começou a rir de mim eda árvore pequena que quase caiu.]3
N12O-3M-CBG: Assalto no carro
[Isso aconteceu há mais ou menos dez anos atrás // foi... eu tava no carro novo do meu pai né um corceldois / e eu ia sair com uma amiga minha / inclusive hoje ela é minha noiva... / nós não tínhamos praonde ir // então um amigo meu havia comentado que perto da casa dele estava um local assim muitoagradável para ir]1 [então fomos pra lá / curioso é que no meio durante o trajeto nós pegamos todos ossinais vermelhos que havia / era sinal... / o sinal tava vermelho... / nós parávamos / e fomos lá... //chegamos lá... // paramos // começamos a conversar // ela tirou o sapato // pôs o pé em cima do banco...// começamos a conversar // eu tinha umas fitas né... / tava ouvindo a fita... Berry White cantando BeWear...]2 [quando de repente eu olhei pelo retrovisor / passou um táxi na outra rua perpendicular a quenós estávamos / passou um táxi // aí ele parou // deu marcha ré // e entrou na rua // e nós havíamos
acabado de comentar que a noite tava bonita e tal, que... que o céu tava estrelado, que... que o climatava perfeito, super-romântico e tal... / e não sei porque / eu comentei com ela assim: puxa só tavafaltando esse táxi aí ser um assalto]3 [e nisso o carro-táxi parou de frente pro nosso carro // e o passageiro soltou de costas // no que ele se virou / ele já estava com o revólver na minha cara né //felizmente o meu vidro estava fechado // num... num... na... na surpresa eu não pude fazer nada // elesimplesmente bateu no vidro // eu abri o vidro...// aí ele falou: boa noite, isso é um assalto e eu sóquero o carro // aí eu olhei bem pra cara dele assim / olhei pro revólver... / olhei pra ele... // e faleiassim: você só quer o carro mesmo? // e ele: é, só quero o carro // falei: então tá bom]4 [mandei amenina descer // ela ficou procurando o sapato no fundo do carro... / porque ela não olhava pro fundodo carro... / só olhava pra cara do ladrão né // e eu vi que o cara tava ficando nervoso aqui do meu lado// aí ela largou o sapato... / largou o pente... / largou tudo... // abriu a porta do carro // e desceu...]5 [aínão sei que sangue frio que eu tive / que eu lembrei que a chave da minha casa tava jogada no... no...
reck... assim embaixo do rádio né // aí eu falei: ó meu irmão... vou pegar a chave da minha casa tálegal? // aí ele: não, tudo bem... // aí eu acendi a luz de dentro do carro... // peguei a chave... / fiz bem barulhinho pra ele ver que era chave mesmo // abri a minha porta... // saí...]6 [aí ele entrou no carro... //entrou o motorista do táxi // e eles ó... foram embora]7 [não sei porque que azar que eu tive naqueledia / que além de roubarem o carro / eu tinha acabado de encher o tanque... / tava cheinho o tanque... //aí o que foi que eu fiz? / corri pra casa de um amigo meu que morava ali perto... na casa do Márcio né,teu primo... // chegamos lá num desespero total... // fui telefonar pra polícia / telefonei pra trigésimaquinta delegacia direto...// lá me informaram que eu tinha que telefonar pra um nove zero e avisar acentral de polícia pra eles de lá irradiarem o rádio... // isso... tudo bem... telefonei pra um nove zero //dei a placa do carro... // dei chassi do carro... cor do carro... ano do carro... pra onde que eles tinhamfugido...]8 [tudo bem... depois de telefonar pra lá... telefonei pra minha casa...// chamei o meu pai //meu pai arranjou um carro emprestado // foi nos buscar...]9 [levamos a menina em casa...// ele me
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levou em casa... // depois que ele me largou em casa / voltou pra delegacia...[10 [no que ele chega nadelegacia... / isso devia ser mais ou menos uma hora depois do roubo... / que chega o aviso da centraldando conta do nosso carro... que piriri que pororó e para onde os assaltantes podiam ter fugido... //
quer dizer... de lá de onde eles estavam com o carro cheinho de combustível e novo do jeito que era... /de uma hora de viagem, já deviam tá chegando em são paulo, / se é que eles fugiram em linha reta]11
N12E-3M-CBG: Assalto no carro
[No início do meu namoro, saí para passear com a minha namorada sem ter um destino definido, //fomos então para uma rua calma perto da casa de um amigo meu.]1 [No caminho passamos por váriossemáforos fechados como se estivessem nos avisando do que iria acontecer. // Chegando lá começamosa conversar como era o início do namoro, / conversamos sobre o tempo, o céu estrelado, a lua, /enquanto o Barry White cantava no toca-fitas] 2 [foi quando reparei, pelo retrovisor, um táximanobrando e entrando na rua, // comentei que só faltava ser um assalto para completar a noite.]3[Era./ O táxi parou defronte meu carro, // o passageiro desceu //e armado bateu no vidro da janela, // eu
abri o vidro // e então ele anunciou o assalto dizendo que só queria o carro.]4 [Pediu então para agarota descer primeiro, // só que ela havia tirado as sandálias para pôr os pés no banco / e não estavaconseguindo encontrá-las devido ao pânico.// Disse-lhe que fosse rápida / pois o bandido estavaficando nervoso. // Ela achou // e desceu do carro]5 [eu desci logo após pegar as chaves de casa queestavam no armário, digo console do carro.]6 [O motorista desceu do táxi, // entrou no meu carro // emseguida o que estava armado entrou também // e foram embora.]7 [Fui então à casa do meu amigo paraavisar a polícia. // Telefonei direto para a delegacia // e lá, para a minha surpresa, disseram que eu teriaque telefonar para central de polícia para lá darem o alerta geral. // Telefonei // dei todos os dados doautomóvel, direção, tudo.]8 [Telefonei depois para o meu pai contando o ocorrido, // ele foi buscar-nos]9 [levamos a minha namorada em casa, // depois ele levou-me em casa // então foi à delegacia verse havia alguma novidade]10 [qual não foi a sua surpresa ao chegar na delegacia e ouvir pelo rádio da polícia, quase uma hora depois, o alerta geral sobre o roubo do carro. // Os ladrões a esta altura já
deveriam estar em São Paulo.]11
N13O-3M-JLN: Encontro na porta do motel
[Pô... foi engraçado entendeu... // o problema todo aconteceu o seguinte... / num determinado dia... eusaí com a minha namorada... fomos... saímos... // dançamos... / nos divertimos à noite...]1 [aí quandonós fomos passar... passar para a segunda etapa do plano... / eu reconheci um carro mais adianteentendeu / aí quando eu... olhei assim... / foi encostando o carro atrás... do outro carro... / aí que eu percebi... que o carro era conhecido... // aí quando eu fui olhar / era a minha irmã dentro do carro... // aíeu fiquei naquela situação assim constrangedora... / não porque... não tinha nada a ver... / já era noiva /ela já estava para casar... entendeu / só que... nessa etapa... ele ainda não era meu cunhado... / ele tinha
reparado o meu carro entendeu // aí eu estava na dúvida se ele estava com a minha irmã... / ou se eraoutra garota qualquer... // aí eu... caí na asneira de falar assim: "pô... esse cara é o maior..." / pensei milcoisas né... ]2 [aí na hora que desci do carro... para olhar... / aí eu fui ver era minha irmã...// aí ela meolhou com aquela cara de assustada... // aí..."boa noite"... // fiquei muito sem graça... // entrei no carro...// fiquei parado... esperando... // aí eu... podia imaginar que fosse qualquer mulher... menos a minhairmã... // pode não ser assim muito engraçado... mas na hora...]3
N13E-3M-JLN: Encontro na porta do motel
[Um dia resolvi sair com a minha namorada. // Fomos dançar // e depois resolvemos ir a um motel. //Só que chegando ao motel eu não poderia imaginar que eu iria me encontrar em uma situaçãoconstrangedora, não para mim mas sim para duas pessoas.]1 [Assim que parei o carro na fila de
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entrada / dei conta de que conhecia o carro que estava à minha frente, // e era sem dúvida o carro dorapaz que namorava minha irmã, hoje meu cunhado. // Reconhecido o carro o que fazer? // Bem, eufiquei furioso // e resolvi ir ver com quem que ele estava traindo minha irmã.] 2 [Abri a porta do carro
em que me encontrava // e me pus a caminhar até o carro dele. // Só não podia imaginar que ao chegaraté o carro dele iria encontrar minha irmã ao lado dele. // Agora imagine só a situação como não ficou./ Ficou um clima horrível na hora / e acabou estragando a noite de todos.]3
N14O-3M-DMM: Batida no Rebouças
[Pô... no dia que teve a formatura do meu primo / quando ele... terminou o segundo grau.../ a gente foi pra festa... // e... tinha uma porção de amigo nosso na festa... // aí a gente bebeu pra caramba...]1 [aísaiu da festa... / quando acabou / a gente saiu da festa... / foi prum outro bar... ainda... lá emBotafogo...]2 [aí terminamos a noite...// a gente pegou o carro pra voltar pra casa... // aí eu alucinado... pô... vim alucinado com o carro... // aí no meio do Rebouças... aí bati num Voyage... // perdi a direção
do carro // e fui raspando o carro pelo paredão do túnel assim... uns cem metros...// aí eu parei o carro]3[e pô... a garota que estava comigo desesperada... / que a fuligem tinha entrado pela janela / e a garotaestava crioula assim legal... // aí eu tentei sair com o carro / não tinha jeito... / o carro quebrou tudo...]4[aí pô... soltei do carro pra... pedir ajuda né... // aí comecei a andar...// aí na minha frente tinha umVoyage parado... batido também... // aí eu fui conversar com os caras do carro... // pô... vem eudoidão... / não me lembrava nada da batida mais... // aí eu cheguei pros caras / e perguntei: "pô... cara...tu bateu com o carro aqui também?... que coincidência! // aí o cara veio pra cima de mim... querer me bater... // aí era um cara já.../ o cara estava saindo da mesma festa que a gente... // aí a esposa dele...segurou o cara... / aí... mas... teve mais coisa ainda...]5 [aí eu voltei pro meu carro né...// aí chamei omeu primo pra gente telefonar pra casa...pra alguém chamar o reboque né... // aí a gente continuouandando / foi por entre os túneis né... // e ali pô... a gente ligou...]6 [só que ali tem um baile funk // aí pô... a gente arrumado... de blazer... gravata... // e os crioulos do baile... começaram a juntar a maior
muvuca assim né... na porta do baile / e a gente em frente assim ao negócio... // aí pô... daqui a poucoum negão lá gritou... pô: 'pega os mauricinhos..."]7 [aí a gente saiu correndo cara... // aí pô entrou naestrada errada... / em vez de pegar pra dentro do túnel... / a gente pegou como se estivesse indo prooutro lado... // aí teve que passar pelo matagal ainda... // o maior desastre...]8 [aí minha mãe chegou...com o reboque... // aí eu fui pra casa]9
N14E-3M-DMM: Batida no Rebouças
[No final de 1991 meu primo André se formou no 2o grau // e sua festa de formatura foi no CírculoMilitar. // Durante a festa eu, ele e um amigo nosso, o Marcelo, bebemos todos // e no final da festa nósestávamos bastante alcoolizados.] 1 [Depois da festa nós fomos no meu carro para uma choperia emBotafogo para tomar a saideira junto com a Andrea que veio com a gente.]2
[Depois do bar, nós resolvemos ir pra casa, no Grajaú. // Eu peguei o carro // e fui dirigindoalucinadamente // até que no rebouças, um Voyage surgiu na minha frente // e eu não pude desviar. //Depois da batida eu perdi a direção do carro // e ele foi se arrastando uns cem metros pelo paredão dotúnel.] 3 [A Andrea, que estava do meu lado e com o vidro aberto, ficou desesperada / porque além donervosismo da batida, a fuligem e a sujeira do paredão voou toda na cara dela / e ela estava toda preta.// Ela começou a gritar para eu tirar o carro dali e ir embora, // só que o carro não andava de jeitonenhum.]4[Depois de várias tentativas, eu saí do carro para pedir socorro // e comecei a andar pelo túnel, // maisna frente eu encontrei um carro parado // e fui conversar com o motorista: - e aí você bateu também? //E o cara veio pra cima de mim reclamando: - pô, meu camarada, você que bateu no meu carro!]5[Vendo que eu ia me dar mal / eu comecei a andar de volta para o outro lado do túnel // e fui com meu primo ligar para casa em um orelhão que tem entre os túneis.]6 [Assim que eu terminei de falar no
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telefone / eu reparei num pessoal meio estranho que estava saindo de um baile funk do outro lado darua. // Nós todos estávamos bem vestidos, de blazer, gravata, sapato e calças sociais // e logo eu percebique a gente ia se dar mal de novo. // Foi só eu pensar isso que um negão gritou: - Vamos pegar os
mauricinhos!]7[A gente saiu correndo, // pegamos a passagem errada // e tivemos que descer por um matagal atévoltar para o túnel.]8 [Ao chegar de novo ao carro, o reboque já tinha chegado // e rapidamente o carrofoi rebocado. // Logo depois meus pais chegaram // e levou a gente para casa.]9[A Andrea, quando chegou em casa, às 8 h da manhã, / encontrou o pai dela já acordado, // e ele nãoacreditou no que estava vendo: - Minha filha, você está preta! // - É, eu bati de carro. // - O quê, você bateu com o meu carro? // - Não pai, foi o Daniel que bateu com o carro dele. // - Ah bom! Vai tomar banho e dormir.]10
N15O-3M-CRH: Aventura no Sumaré
[é... teve uma história que não foi nem bem uma dessas três coisas... / mas foi assim bastantemarcante... // é... pára aí um pouquinho / é... foi há muito tempo atrás...há uns oito anos atrás mais oumenos... / na época eu tinha catorze anos... treze... / não me lembro direito...]1 [é... a gente juntou o pessoal da rua... aqui os amigos... tal... pra escalar o morro do Sumaré... subindo pelo rio Trapicheiro...// o morro do Sumaré é aquele... é... em cujo topo tem aquela antena que fica piscando... que se avistade todo o Rio de janeiro... // bom... aí juntamos o pessoal né / todo mundo mais ou menos da mesmafaixa etária... treze catorze... quinze... // tinha um cara mais velho... o Otávio... que é do morro aqui...um escuro forte... que era nosso amigo também... / a gente fazia balão junto... // e tinha o Mauríciotambém... que era um pouco mais velho né... / era nosso amigo também // e juntamos né / todo mundose preparou... / bo- botamos as roupas assim... mais velhas... aquelas calças jeans assim... supersurradas... e bota e não sei que... cinto com faca... cantil... mantimentos... / é... nos preparamos praexpedição né... // aí saímos...]2 [fomos subindo... // um grupo mais ou menos de oito pessoas né // e
fomos... seguindo né o rio... rio acima... // e fomos subindo assim normalmente né durante umtempão... umas duas horas... // até que chegamos num paredão... um paredão assim que tinha uma...uma queda d'água...]3 [a gente teve que se embrenhar pelo mato assim à esquerda.../ a gente estava dolado esquerdo do rio... // e... encontramos um caminho pelo mato... pra poder atravessar aquela áreaali... // foi uma subida muito difícil... / que era bastante íngreme ali... essa parte do morro... // e... umdos meus colegas teve crise de asma... // outro ficou morrendo de medo... / ficou supernervoso... // masa gente foi subindo ( ) / um foi ajudando o outro assim... / fomos subindo...]4 [e reencontramos o riodepois // e continuamos né subindo subindo subindo... sempre subindo... // até uma hora que a gentecomeçou a ver umas manguiras assim pela... pelo morro né // aí a gente ficou assim meio assustadoachando que tinha gente lá né / porque a gente... nós achamos que aquilo é... que aquela área ali eradesabitada né... não tinha ninguém... // aí fomos subindo // até encontrarmos um cara com um facão...um... um... um escuro assim grande né sem camisa... com um facão pendurado na cintura... // aí a gente
ficou com o maior medão assim não sei que... // mas o cara perguntou se a gente estava perdido... se agente queria ajuda... não sei que... // o cara parece que era de boa índole... que cara era esse a gente nãosabe... / a gente nunca vai saber né se ele tomava conta dali... se era traficante... / mas de fato que ocara não... não foi hostil assim conosco... // continuamos a subir né... / subimos cada vez mais... // atéque a gente chegou assim... num lugar que tinha um vale...]5 [a gente chegou ao topo desse vale né nomorro... / avistou um vale... // e viu que estava alguma coisa longe assim da antena né / porque precisaria de mais algumas horas pra alcançar a antena... // mas já estávamos bem alto no morro né / e agente já tinha caminhado há umas cinco horas mais ou menos... // aí já estava escurecendo... // aídecidimos voltar... / porque senão com mais cinco horas né / quer dizer, não estava escurecendo ainda /mas... com as cinco horas que a gente levaria pra descer... cinco ou quatro horas... / acho que a gentedesce mais rápido né.../ podia tinha o perigo de começar a escurecer no meio do caminho...]6 [aífomos descendo né // a gente foi descendo pelo rio assim bem mais rápido e tal... às vezes
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escorregando... assim pelas pedras né pela cachoeira... junto com a água assim... // e eu fui indo nafrente né / que eu sempre gostei de assim... é... de ir na frente nas coisas né // e fomos assim num ritmo bem mais acelerado que o da subida né... // e estava tão... tão bom assim né tão legal a descida...
gostoso que a gente esqueceu completamente né o caminho da subida... o que que tinha acontecido... oque a gente tinha visto e tal... // aí fomos lá descendo não sei que... / aí de repen- eu vinha na frenteassim escorregando pelas pedras né na cachoeira e tal...]7 [de repente eu vi que tinha um vácuo assimà frente né / sumia toda a mata... toda a vegetação... / e só via o ar assim né / não via mais nada...// aíné... no último instante assim eu... lembrei né veio a minha mente assim que a gente tin- tinha sedefrontado com um paredão na subida... que era uma queda de mais ou menos uns nove metros a dezmetros / aí... nesse momento assim... angustiante eu tomei consciência de que eu estava novamente...agora não diante mas em cima desse paredão né... pronto pra cair... despencar lá de cima... // aí eu... mevirei assim de bruços... // segurei uma fenda... // e nisso pô... parte dos meus pés... das minhas pernas jáestava pra fora da cachoeira assim né // pode perecer lenda essa história / mas... é a mais purarealidade... // e aí segurei assim né na numa fenda assim entre uma pedra e outra ... cheia de limoassim... desesperado... com uma mão só // depois botei a outra...]8 [aí o pessoal viu né que eu estava
deseperado lá... // eu falei: aí... socorro... me tira daqui... / que eu não conseguia subir... / acho que euestava com medo de soltar a mão e talvez cair não é lá de cima... // aí eles arrumaram um galho nérapidamente... assim... / procuraram lá... arrumaram um galho não sei que... // aí estenderam um galho pra mim... / o Otávio né esse cara do morro né que ficou segurando o galho... pra me puxar... // aí eusoltei uma das mãos... // e ele foi me puxando... // a outra eu mantive presa na pedra né por via dasdúvidas... // ele começou a puxar... // eu comecei a subir assim... // começou a puxar puxar... // fuisubindo... // aí o galho arrebentou / que estava podre // aí eu voltei tudo e mais um pouquinho né //segurei com a... a mão que estava segurando no galho eu soltei... // segurei na pedra de novo // mascom o impulso né da volta eu... fui mais um pouquinho... // eu fiquei mais deseperado ainda...]9 [aíeles seguraram numa... num arbusto né que tinha lá perto... // e começaram a fazer uma correntehumana... / um foi dando a mão pro outro assim... // até que chegaram lá pertinho de mim né // aí eusegurei a mão do... acho que era o Otávio mesmo que estava na ponta da corrente... / segurei a mão
dele... // aí eles foram me puxando assim devagarinho... / e... dessa vez não tive problema... // depoiseu... fui pro lado assim... // olhei a altura né // consegui sair né... // aí a galera não acreditou assim no perigo que eu tinha passado né / parece coisa de filme assim de repente a gente viver numa situaçãoassim... ali na pele mesmo... na realidade... / eu mais ainda / porque eu que fiquei assim na borda daqueda d'água... / mas foi isso...]10 [a gente... sei lá... ficou conversando ali um pouco... / deu uma parada né // aí depois tivemos que retroceder... procurar a trilha né pra descer pelo mato de novo... // etomamos lá embaixo o caminho do rio... a margem do rio... // e fomos descendo assim...]11 [foi uma...aventura inesquecível que eu... acho que poderia ter sido... ter tido um desfecho muito pior né / mas...eu me orgulho de ter participado assim dessa aventura...]12 [é isso]
N15E-3M-CRH: Aventura no Sumaré
[O que eu vou contar não é propriamente uma história triste, engraçada ou constrangedora, / parecemais uma história de aventura. // Aconteceu há uns 8 anos atrás / - eu tinha na época uns quatorze outreze anos. // Naquela época éramos uma turma muito unida.]1[Num determinado dia decidimos escalar o morro do Sumaré com o objetivo de alcançar aquela antenaque fica no alto do morro, com uma luz que não se cansa de piscar e é avistada por quase todo Rio deJaneiro. // Marcamos o dia, // nos preparamos como os heróis de televisão, com cintos, facas, canivetes,cantis, mantimentos e tudo mais. // Nos encontramos a hora marcada // e iniciamos a excursão, oumelhor, a incursão pela floresta.]2 [Fomos subindo pela margem do rio Trapicheiro (na verdade não passa de um riacho!).// Acho que éramos oito pessoas, / sendo que um de nós era do morro doSalgueiro que às vezes fazia balão conosco. / Era um negro forte, na flor da idade, / era - e ainda é - um
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sujeito muito legal. // Havia ainda outro / era Maurício, botafoguense fanático que era um pouco maisvelho que nós. //Era um clima gostoso de excitação e ansiedade que precedia aquela nossa primeira grande aventura. //
Pegamos a margem / e fomos subindo sem grandes incidentes. // Quanto mais subíamos / mais bela anatureza se mostrava / - e como realmente ela é mais bonita longe do toque destruidor/construidor dohomem! ]3[Chegamos em determinado momento a um imenso paredão do alto do qual se precipitava o fileterespeitável de água que constituía o riacho. // Após um momento inicial de paralisia, resolvemostranspô-lo pela mata, pegando um desvio pelo lado esquerdo. // Tal operação não foi de todo fácil. //Um dos nossos companheiros quase rolou morro abaixo. // Outro teve crise de asma no meio da pior parte da subida / e por aí vai. // Mas o fato é que conseguimos.}4[Retomamos então a margem do trapicheiro // e continuamos subindo por mais três horas. // Na etapaanterior, houve outro susto que já ia deixando de relatar. / Foi o seguinte: / em determinado momentoda subida, quando já tentávamos sem êxito, reencontrar o riacho, / deparamos com outro negro - maiorainda que o que nos acompanhava - sem camisa e armado com um enorme facão. // Nem é preciso
dizer que ficamos altamente preocupados. // Mas tudo se resolveu bem / e ele acabou ajudando-nos areencontrar o caminho. // O que ele fazia ali não sabemos até hoje. / Falou-se muito em traficantes queusariam aquelas áreas para se esconder.//Bem, como ia dizendo, / subimos mais umas três horas, achando que já estávamos alcançando a taltorre. // Ledo engano!]5 [Quando chegamos aoa que pensávamos ser o topo do morro, / um enormevale verde se descortinou diante de nossos olhos // e só lá do outro lado se erguia a torre, inexpugnável,indiferente diante de nossa tentativa de alcançá-la. //Decidimos então que o mais acertado seria que voltássemos, / para que o cair da tarde não nossurpreendesse no meio da floresta.]6 [Fomos voltando // e a volta era fácil, // íamos alguns de nósescorregando pelas pedras do riacho. // Era um momento de relaxamento depois de todo o esforço etensão da subida. //Eu ia na frente do grupo, / coisa que eu sempre gostei de fazer - ir na frente. // E ia escorregando
despreocupado.]7 [De repente notei que se abria um certo vácuo na vegetação: / as árvores que nosacompanhavam e se debruçavam sobre o riacho de repente desapareceram. // Num momento dedesespero me dei conta do que acontecia ou estava na iminência de acontecer. // Virei rapidamente ocorpo // e meti os dedos numa fresta, entre duas pedras // elá fiquei me segurando, com os pés soltosno ar. // Havíamos chegado finalmente àquele paredão, / e não nos demos conta do risco que estávamoscorrendo. // O fato é que se eu não tivesse me segurado na última hora, / teria transposto o paredão pelocaminho mais rápido em queda livre! //Estava ali agarrado à fresta, desesperado.]8 [Otávio, o sujeito do Salgueiro, achou um galho mais oumenos grosso // e estendeu-o para mim. // Segurei nele com cuidado mantendo a outra mão ainda nafresta, para minha sorte, // pois logo que pus mais peso no outro braço, / o galho, que estava podre, partiu-se // e eu desci ainda mais um pouquinho.]9 [Houve um certo alvoroço // mas eles logo seorganizaram, fazendo uma corrente humana que numa das pontas se prendia a uma árvore, tendo na
outra o Otávio que me estendia a mão.// Segurei sua mão // e els conseguiram me resgatar.// Foi umalívio inenarrável.] 10 [Paramos um pouco para nos recuperarmos do choque // e seguimos adiante.]11[Lembro desta aventura com muito carinho / e quase me orgulho de ter participado dela.]12
N16O-2F-CMP: O curso de aprendizagem acelerativa
[É no início do ano... eu fiz um curso de... aprendizagem acelerativa... é... aprendizado acelerativocompatível com o cérebro... lá na Uerj... que meu pai inventou que eu tinha que fazer...// e o primeirodia do curso parece que tudo deu errado...]1 [que... primeiro eu peguei o ônibus errado... // aí salteinum lugar completamente diferente...// aí depois eu sal- quando eu consegui pegar o ônibus certo / eu
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saltei dois pontos depois...]2 [aí eu entrei na Uerj pra sala / já tinha chegado atrasada // aí eu entrei nasala errada // e fiquei sentada... // aí até a hora que eu comecei a conversar com umas pessoas / e elasdisseram que eu tava na sala errada]3 [aí eu entrei na sala... // quando eu entrei / já tinha começado... /
a sala lotada né o auditório... / e não tinha uma cadeira vazia // aí quando eu olhei / tinha uma fileiraassim de cadeiras vazias... / aí eu falei: ah é nessa mesma que eu vou sentar... // aí quando eu cheguei /sentei... / na verdade a fileira tava toda quebrada / quem sentava afundava... // mas aí eu com vergonhade levantar àquela altura do campeonato né fiquei sentada lá afundada...]4 [e o curso tinha uns...exercícios de relaxamento... que de meia em meia hora você tinha que levantar e fazer... // quando elelevantou pra fazer o primeiro / eu achei que era palhaçada / e num levantei / e comecei a rir... // quandotodo mundo le- quando todo mundo a- sentou / eu levantei... / que aí eu tinha visto que não era brincadeira... // aí ele ainda chegou / e falou assim: olha as pessoas que tão rindo... / esses exercíciosnão vão adiantar muito... // aí eu fiquei quieta... // aí... depois... nem lembro o que aconteceu... / eu seique foi assim... foi tudo tudo enrolado tudo]5 [depois eu não encontrava com meu pai eu marqueinuma saída com ele / fui parar em outra... // foi...foi toda enrolada.]6
N16E-2F-CMP: O curso de aprendizagem acelerativa
[Um fato muito engraçado que aconteceu comigo foi o meu 1º dia no curso de aprendizagemacelerativa na Uerj. // Parecia que tudo estava acontecendo naquela noite...]1[Primeiro, peguei o ônibus errado // e fui parar num outro lugar. // Quando peguei o ônibus certo, /saltei 2 pontos depois do que eu tinha que saltar.]2 [Cheguei na Uerj // e entrei no auditório errado, // esó descobri / quando conversei com duas meninas.]3 [Finalmente entrei na sala - atrasada - que estavalotada. // Mas achei uma fileira de cadeiras vazia / e foi para lá que me dirigi. // Detalhe: as cadeirasestavam quebradas / e afundei na minha // e fiquei assim até o final, morta de vergonha.]4 [Além dissotudo, paguei outro mico. // Houve um exercício de relaxamento que eu achei ser sacanagem / e tive umacesso de riso. // Lógico, que fui chamada atenção.]5
N17O-2F-MRH: Susto com os pombos
[( ) Aí estava... eu e uns amigos...]1 [aí de repente... eu tava passando pelo meio da rua / veio... um...uns pombos / e um pombo na minha direção / como se fosse pousar assim na minha cara... // aí eu deium BERRO // me joguei pra cima do meu amigo do lado // aí ele bateu com a cabeça no orelhão]2[todo mundo ficou me sacaneando vários dias seguidos por causa disso ...]3 [é isso]
N17E-2F-MRH: Susto com os pombos
[Era uma quarta-feira a tarde, // eu e um grupo de amigos estávamos saindo do colígio depois de umdia inteiro de aulas.]1 [De repente um grupo de pombos voou em nossa direção um enorme pombo
preto pareceu que ia pousar na minha cabeça. // Assustada eu me joguei para o lado do meu amigoRodrigo / que acabou batendo com a cabeça em um orelhão.//Todos os meus amigos e as pessoas que passavam por perto riram do acontecido.]2 [Até hoje, as pessoas na escola gozam de mim por causa desse incidente.]3
N18O-2F-APA: Incêndio no prédio
[Foi agora há pouco tempo // eu tava em casa sentada estudando / meus pais tinham viajado / eu tavasozinha em casa / aí... e...eu completamente alienada né estudando]1 [de repente e- eu só escuto umum estrondo né... alto assim... // aí eu falei assim: ué... // mas ( ) voltei aos meus estudos / e continueiestudando... // daqui a pouco eu escuto u- uma barulhada aí embaixo / porque... o meu apartamento é
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de frente né... / então eu escutei uma confusão na rua aquela coisa]2 [quando eu olhei pela janela /tinham cinco carros de bombeiro... / mas não eram aqueles carros pequenos não / era caminhão mesmocom escada magiro sabe aquela coisa toda... / uma confusão o prédio inteiro lá embaixo // aí eu
comecei né gente...: tá pegando fogo no meu prédio / e... a o meu apartamento tá em obra... / a parte dacozinha tá em obra... / e eu lembro que que a- antes da minha mãe falar comigo no telefone ela falou:não esquece de desligar o gás / aí eu comecei: pronto estourou a casa né...tá pegando fogo // e todomundo olhava pra cima // e eu na janela i- igual a uma desesperada...]3 [mas na hora o nervoso foitanto que eu não sabia o que fazia // aí... um desespero / porque a primeira reação que eu tive / em vezde eu interfonar... pro... porteiro alguma coisa... / eu... juro / eu peguei os meus livros assim: não possoficar sem os livros mas eu tenho que sair daqui e levar // aí peguei um bichinho de pelúcia que eu tenhoque eu estimo muito e o retrato do meu afilhado / foram as coisas que eu peguei... // aí eu assim: nãonão vou abrir a porta porque pode ter fogo / isso eu desesperada na hora de raciocinar... // aí botava amão na porta / e dizia assim: não, não, tá quente a maçaneta, não, tá quente ainda tem fogo... // aí oapartamento do meu irmão também é do lado... / como tá em obra / a gente tá fazendo o almoço nacozinha dele...(aí eu falei) que também tá com problema no gás // eu falei: pronto esqueci f- queimou o
apartamento do meu irmão / ele acabou de casar agora / eu falei: pronto torrou tudo... // e eudesesperada]4 [aí que eu tive a idéia de ligar pra Cláudia... também é da entrevista... // aí ela falouassim: interfona pro porteiro / aí só então que eu consegui... / ela rindo no telefone e eu desesperadané...]5 [aí eu liguei pro porteiro / interfonei pra ele // aí ele di- acabou dizendo que não que...era lá nosexto andar que tava... tava queimando e que... já tinham ( ) controlado // mas eu em pânico né...desesperada]6
N18E-2F-APA: Incêndio no prédio
[Um dia eu estava em casa estudando, / quando de repente eu ouvi a sirene do corpo de bombeiro.]1,2[Fui até a janela // e para meu espanto a rua estava interditada / já que a frente do meu prédioconcentrava uns seis carros (incluindo escada-magiros,etc) no mínimo.]3 [Desesperada, corri de um
lado para o outro, sem saber o que fazer. // Peguei então meu bicho de pelúcia que mais estimo e umasfotos que estavam em cima da minha escrivaninha.// A minha idéia, naquele momento era sair de casa./ Mas como ia deixar meus livros pegarem fogo? / E o vestibular? // Em seguida, passou pela minhacabeça que o incêndio ocorria no apartamento do meu irmão / (ele mora do meu lado) / ou então nomeu próprio apartamento, / visto que a cozinha estava em obra, / e o gás estava escapando. // O pânicoera total.]4 [Resolvi então ligar para a minha amiga Cláudia, / pois meus pais estavam viajando ( ) /contar para ela o que estava acontecendo. // Cláudia riu da versão // e me deu a idéia de interfonar parao porteiro e perguntar o que estava acontecendo realmente.]5 [E foi o que eu fiz.// Daí, fiquei maiscalma / porque o porteiro disse que era apenas um princípio de incêndio no 602 e tudo já estava sobrecontrole.]6
N19O-2M-CSF: O ticket refeição
[É... bem... eu tinha combinado com meu pai de...de almoçar com ele... lá na cidade né num restaurantenatural...// só que eu tava sem dinheiro nenhum.../ tava só co- o o o dinheiro da passagem somenteisso... / e ele... ia m- e ele tinha me dado um cartãozinho... que é como se fosse um ticket refeição.../então tudo bem eu fui lá]1 [e quando cheguei lá / meu pai tava superapressado // falou: ó cê come aí,toma o di- to- toma o ticket // e vai embora...]2 [só que ele sempre dá gorjeta... pra... pra umadeterminada garçonete né... // e eu não tinha dinheiro pra dar...]3 [então durante o almoço ( ) eu eu bolei um plano de... comer a sobremesa rápido... e depois... dar no pé sair fora... antes que ela... pudesse fazer alguma coisa... // tudo bem... comi comi direitinho... // aí veio a sobremesa / pedi asobremesa... // quando ela virou as costas / eu comi rápido / e fui sair... // e o e o restaurante tavalotado... / então eu tava sozinho numa mesa]4 [quando eu fui sair / a toalha tava presa na minha
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perna.../ então no que eu saí ( ) aquele barulho batimbumbá... tudo caindo... // quando eu levanto assimcom o prato e o garfo na mão / todo o restaurante assim olhando pra minha cara... / e eu com uma carade idiota sem saber o que fazer...]5 [discretamente morrendo de vergonha arrumei a mesinha / botei o
vaso de flores outra vez no lugar... // peguei e fui embora]6
N19E-2M-CSF: O ticket refeição
[Eu tinha ido almoçar com o meu pai no Centro da Cidade]1 [e ao chegar lá percebi que o próprioestava com muita pressa.// Mal me comprimentou / e disse que estava atrasado deixando apenas oticket do almoço.]2 [Eu, como sempre, estava sem trocado, // logo um problema foi criado: teria quealmoçar e não deixar gorjeta, / coisa que meu pai sempre faz.]3 [Passei o almoço bolando o seguinte plano: quando pedisse a sobremesa, a comeria rápido e quando a garçonete me desse as costas eu iriaembora. // Tudo ocorreu como planejei, menos o final.]4 [Ao me levantar, não percebi que a toalha damesa estava presa em minha perna. / Conseqüência: derrubei tudo chamando atenção do recinto paramim.]5 [Rapidamente, arrumei tudo / e fui embora.]6
N20O-2M-ANT: Acidente no jogo de futebol
[Sábado... acordei de manhã... // pensei que tinha perdido a hora... / tinha jogo de futebol marcado peloBotafogo...]1 [levantei... // saí correndo // só tem uma chave lá em casa... / eu peguei a chave / boteidentro da mochila... // e fui embora pro jogo... // o jogo era lá no subúrbio... Vila Kosmos... / mas oclube não oferece nada]2 [então a gente tinha que pegar dois ônibus... / peguei... / fui com meuscolegas que também jogam lá... / fui superanimado né... / era a minha chance de provar que... tinhavalor... né... / pegamos dois ônibus]3 [chegando lá vesti a camisa / tava superanimado... // a primeira bola que eu fui... encostar o pé... / o jogador foi... com... maldade no meu pé / e... o joelho fez um barulho muito ( )... muito muito grande... // na hora eu pensei que tinha quebrado // eu só conseguia
berrar / botava a mão na cabeça / e berrava de dor / e não parava // e o joelho não queria voltar prolugar... // fechei os olhos... / porque eu sabia que ia vir um montão de gente em cima de mim / eu poderia sentir tontura outras coisas...]4 [e de repente eu só senti o joelho voltado pro lugar... //começou a me dar sede / eu pedi água... // o médico... o massagista lá... passou... medicamento //enrolou // e eu continuei andando normalmente...]5 [aí cheguei em casa... // domingo... minha mãe...ficou brigando comigo / porque... tinha levado a chave... / e ela tinha ficado na rua... // e nem se preocupou que tava machucado... // tudo bem eu também não me preocupei muito...]6 [domingo fui à praia com uma atadura...]7 [e... terça-feira tentei vir pro colégio... com a atadura... // tava doendomuito o ligamento / e eu resolvi ir embora...]8 [aí... tô com gesso na perna... / e tô achando umadroga...]9 [só isso]
N20E-2M-ANT: Acidente no jogo de futebol
[Estava em casa. // Acordei lá pelas 7 horas da manhã // e pensei que havia perdido a hora do jogo.]1[Meus colegas passavam lá em casa // e eu saí com muita pressa levando inclusive a única chave decasa.]2 [Pegamos dois ônibus // e chegamos em Vila Kosmos onde ia ser realizado o jogo.]3 [Vesti ouniforme do Botafogo, / estava todo animado // e logo na primeira jogada, numa estourada de bola,meu joelho saiu fora do lugar.// O estalo foi enorme, // pensei que havia quebrado o joelho, // comeceia berrar com as mãos à cabeça.// Fechei os olhos / pois sabia que tinha muita gente a minha volta.]4 [Omassagista lá do clube (Florença) colocou a minha rótula de volta no lugar // e mandou eu passar gelona região afetada. // Depois passou uma pomada // e colocou uma atadura no joelho.]5 [Chegando emcasa, minha mãe nem queria saber o que havia acontecido comigo, / só brigava por causa da chave.]6[Domingo, fui à praia de atadura no joelho.]7 [Segunda, desci pra ver os colegas ainda com aatadura.]8 [O joelho já estava muito inchado // e terça fui ao colégio, // porém não aguentei a dor // e
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resolvi ir ao médico.]9 [Fui // e o médico disse chegando lá que era lesão do ligamento / assim como omassagista falado a mim. // E agora estou assim.]10
N21O-8F-CGS: Armadilha no banheiro
[Bom... uma vez meu irmão aprontou uma armadilha comigo... // foi tão engraçado...]1 [ele... tinhacolocado... uma xícara é... em cima do espelhinho que ficava perto do box // aí quando eu fui tomar banho... / ele pegou amarrou um barbante na xícara... // passou por dentro do box... // e trouxe acordinha até pra baixo da... da porta...]2 [quando eu entrei / tirei a roupa e tudo / entrei no banheiro pratomar banho... / ele puxa a cordinha... com água fria dentro da xícara né... / ele puxou a cordinha com aintenção de que a água gelada caísse em cima de mim... // só que eu olhei pra cima assustada... // derepente eu abri a boca...// nessa que eu abri a boca / a xícara pegou bateu no meu dente / e quebrou omeu dente... // só vejo os meus dentes... caquinhos indo embora...]3 [e eu chorando... saí do banheiro...chateada... falando: mãe... meu dente quebrou... // minha mãe... levou um susto / e deu um esporro em
nós dois...// no final das contas eu fiquei com o dente quebrado]4
N21E-8F-CGS: Armadilha no banheiro
[Outro dia, quando eu estava em casa, / meu irmão inventou de fazer uma armadilha.]1 [Ele pegouuma xícara, // encheu de água fria, / pois estava frio // e colocou-a em cima do espelho do banheiro,que ficava perto do box. // Então ele amarrou um barbante na xícara, // passou-o por dentro do box // elogo depois passou por baixo da porta, com a intenção de me dar uma banho de água fria, puxando o barbante, quando entrasse no banheiro.]2[Bom, quando fui tomar meu banho, / tirei a roupa / e liguei o chuveiro, // de repente eu ouço um barulho / e olho para cima para ver o que é. // Ao olhar para cima, eu abri a boca, / não sei porque, /fazendo com que a xícara batesse justamente no meu dente, quebrando-o. // Só deu tempo de ver os
caquinhos do dente indo embora pelo ralo...]3[Saí do banheiro super chateada e chorando, // falei com a minha mãe // e o máximo que ela fez foi darum "esporro" em nós dois.]4
N22O-8F-MIM: Tratamento de convulsões
[É...eu desde pequena eu tinha eu tive problema de convulsões...]1 [mas eu ia nos médicos // e elesdiziam que... eu era epilética e um monte de história / e que... eu tinha que usar gardenal tomargardenal que é um remédio super forte pra disritmia]2 [aí eu fui pra homeopatia / minha mãe me levou pra homeopatia // só que o... o médico falou que eu não... que eu não devia tomar o gardenal / porqueera um remédio muito forte / e que eu era muito pequena para tomar isso // e depois ele me deu um
monte de remédio homeopático]3 [e... a minha mãe quando foi contar pra pro meu padrinho que eunão ia mais tomar mais gardenal / ele... brigou com a minha mãe / disse que era um absurdo ele queeu... que eu... que ela queria matar me matar // e eu fiquei é ( ) nesse ping-pong de... pessoas quequeriam que eu tomasse gardenal e que fosse... pela... pela outra medicina e pessoas que queriam queeu fosse pela homeopatia // mas depois eu acabei indo pela homeopatia / minha mãe venceu // e...e... agente... eu fui curada / disseram que eu fui curada / eu nunca mais tive crise de convulsões]4 [só volteia ter agora...]5 [só que... eu fui... eu resolvi tratar mais diretamente com um neurologista // e ele táagora acha que eu tô melhorando / que eu não tô tendo crise nenhuma...]6 [graças a Deus eu não tôtendo mais convulsão nenhuma / espero que eu fique melhor7
N22E-8F-MIM: Tratamento de convulsões
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[Quando eu era pequena / eu tive problemas de convulsão, / e a minha mãe ficava super nervosa.]1[Numa noite eu tive a pior de todas, // então a minha mãe me levou ao médico // e ele me deu gardenal,um remédio super forte,// mas mesmo com ele eu continuava tendo convulsões.]2 [Até que um dia eu
fui a um médico homeopata // e ele falou que eu devia parar de tomar o remédio,]3 [quando o meu padrinho (soube) / quase "matou a minha mãe", dizendo que ela queria me matar, // mas a minha mãenão desistiu / achou melhor eu parar de tomar o remédio e me medicar com a homeopatia, // e duranteum bom tempo eu não tive mais nada.]4 [A (há) pouco tempo atrás, eu comecei a ter umas dores decabeça super estranhas, / era como se estivessem espremendo a minha cabeça e dando socos na nuca, /era horrível. // Um dia na aula de Matemática essa dor de cabeça voltou // só que eu fiquei meio tonta, / parecia que a imagem saía de foco, // de repente eu comecei a tremer e chorar sem ter controle, // aAdriana e a Danielle, umas amigas minha, me levaram para fora de sala, / os meninos do 3º ano do 2ºgrau quiseram até me levar no colo, / mas eu não quis.]5 [Depois eu fui para casa / e de lá para omédico, // ele mandou uma série de exames / e disse que eu tinha disritimia de 1º grau.]6 [Hoje euvenho tendo alguns problemas / mas eu estou tomando uma fórmula / e logo estarei boa.]7
N23O-8F-DGM: Acidente na churrasqueira
[Eu tava em Friburgo na casa do meu avô / quando a minha irmã tinha ido mostrar pra uma amiga delaa... a churrasqueira nova que o meu avô tinha construído]1 [então ela foi mostrar à amiga / e eu tavaatrasada atrás // saí correndo atrás dela / e falando: espera espera... espera por favor // aí elascontinuaram andando // deram uma olhada na churrasqueira // e depois voltaram aí eu resolvi dar umaolhada na churrasqueira também // depois atrasada subi correndo uma(...) uns degraus de umaescadinha // dei uma olhada na churrasqueira]2 [e quando(...) eu ia descendo a escada / eu tropeceinum pininho / e caí direto no chão / pulei os dois degraus / e bati com a boca no carrinho de mão // aíeu caí / fiquei chorando, chorando não, fiquei berrando lá que eu tinha cortado a boca // aí todo mundodeseperado foi atrás de mim // de repente deu um ataque de riso / eu comecei a rir comecei a rir...]3 [aí
depois eu... subi / fui pra casa / fui dar uma olhada no corte que eu tinha feito... // quando eu olhei noespelho / foi um terror / fiquei horrorizada / tava com a boca aberta que nem uma fatia de bolo...]4 [edepois eu só me lembro que no hospital estavam costurando minha boca e eu rindo as gargalhadas quetavam fazendo cócegas.]5
N23E-8F-DGM: Acidente na churrasqueira
[Eu tinha 4 anos / quando eu cortei a boca num carrinho de mão. // Eu estava em Friburgo // e meu avôtinha construído uma churrasqueira.]1 [Então, minha irmã resolveu mostrá-la à sua amiga. // Elasforam andando na frente / e eu fiquei atrasada. // Então eu saí correndo para alcançá-las, // mas quandoeu cheguei, / elas já tinham visto tudo. // Dei uma última olhadinha na churrasqueira,]2 [e... quando eufui descer os dois degraus, / eu tropecei / e caí com a boca num carrinho de mão que estava do meu
lado. // Todos se desesperaram e foram me socorrer.]3 [O pior de tudo, foi quando eu vi no espelho aminha boca cortada como uma fatia de bolo.]4
N24O-8M-RAF: Sono interrompido
[Eu fui viajar lá pra Caxambu né // aí minha avó foi junto também / porque... ela mora lá em casa]1 [aíde noite a gente tava no quarto todo mundo dormindo // aí passou a noite... // aí de manhã acordei...seis e pouco da manhã com a minha mãe me dando esporro né // aí eu: o que que foi... // ela gritandolá: pô você bateu na tua vó, tu bateu na tua vó / aí ela cismou que eu tinha dado um tapa na minha vóde madrugada // mas é é uma coisa absurda / porque me acordou sete horas da manhã / me tirou o sono/ acordou o hotel inteiro gritando que nem uma histérica, falando lá que eu tinha batido na minha
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vó...]2 [e no mínimo a minha avó cismou isso / e falou que... eu tinha... batido nela / porque ela já tácom oitenta anos / tá meio esclerosada // aí eu paguei o pato]3
N24E-8M-RAF: Sono interrompido
[Eu fui viajar pra Caxambu, // aí minha vó foi com a gente, / porque ela mora lá em casa.]1 [Fomosdormir, // aí umas seis e pouco da manhã, minha mãe me acordou, // aí me deu o maior esporro. // Aíeu levei um baita susto, né. // Num sabia porque ela fez isso. // Ela cismou que eu bati na minha vó demadrugada ]2 [Na certa minha vó sonhou com isso / e contou pra minha mãe / porque ela já tem
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