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Estado nutricional e o prognóstico pós-operatório
Nutritional status and the post-operative prognosis
Cláudia Sofia Afonso Cascais
Orientado por: Mestre Rosária Rodrigues
Monografia
Porto, 2010
i
Índice
Lista de Abreviaturas .......................................................................................... ii
1. Introdução .................................................................................................... 1
2. Desenvolvimento do tema ............................................................................ 3
2.1 Metodologias de avaliação do estado nutricional ......................................... 6
2.1.1 Ferramentas de avaliação do estado nutricional ....................................... 6
2.1.2 Ferramentas de risco nutricional ................................................................ 6
2.1.3 Índices de Prognóstico .............................................................................. 8
2.1.4 Técnicas de Avaliação da Composição Corporal ...................................... 9
2.1.5 Indicadores Bioquímicos e Testes Imunológicos ..................................... 11
2.1.6 Testes de Avaliação da Capacidade Funcional ....................................... 12
2.2 Os doentes desnutridos terão um risco acrescido de complicações pós-
operatórias? Quais os métodos de avaliação nutricional com melhor poder
preditivo de complicações pós-operatórias? ..................................................... 12
2.3 A importância da instituição de um suporte nutricional em ambiente peri-
operatório ......................................................................................................... 22
3. Análise Crítica e Conclusão .......................................................................... 33
Referências Bibliográficas ................................................................................ 36
Índice de Anexos .............................................................................................. 42
ii
Lista de Abreviaturas
DAD- Desnutrição associada à doença
IMC- Índice de massa corporal
PCT- Prega cutânea tricipital
BIA- Impedância Bioeléctrica (do inglês: Biolelectrical Impedance Analysis)
ALB- Albumina
PCR- Proteína C-Reactiva
OR- Odds Ratio
SGA - Avaliação Subjectiva Global (do inglês: Subjective Global Assessment)
NRI - Índice de Risco Nutricional (do inglês: Nutritional Risk Index)
NRS 2002- Rastreio do risco nutricional (do inglês: Nutritional Risk Screening)
MUST- Ferramenta Universal de Rastreio Nutricional (do inglês: Malnutrition
Universal Screening Tool)
MNA- (do inglês: Mini Nutritional Assessment)
INSYST- Sistema imperial de rastreio nutricional (do inglês: Imperial Nutritional
Screening System)
NRS- Pontuação de risco Nutricional (do inglês: Nutritional Risk Score)
PNI- Índice de Prognóstico Nutricional (do inglês: Prognostic Nutritional Index)
PCB- Prega cutânea Bicipital
AMB- Área muscular do braço
% PP- Percentagem de perda de peso
EMAP- Espessura do músculo aductor do polegar
LT- Linfócitos totais
CTL- Contagem total de linfócitos
iii
RBP- Proteína de ligação ao Retinol (do inglês: Retinol Binding Protein)
CT- Colesterol total
DH- Hipersensibilidade Retardada (do inglês: Delayed Hipersensitivity)
%PCU- Percentagem de peso corporal usual
TSF- Transferrina
MI- Índice de Maastricht (do inglês: Maastrich Index)
NI- Índice Nutricional (do inglês: Nutritional Index)
R- Resistência
Xc- Reactância
ACT- Água corporal total
IMC- Índice de massa celular
AF- Ângulo de fase
MCC- Massa celular corporal
CP- Complicações Pós-Operatórias
PB- Perímetro do braço
DEXA- Absorciometria de raio-X de dupla energia (do ingles: Dual energy X-ray
Absorptiometry)
RR- Risco relativo
HGS- Dinamometria manual (do inglês: Hand Grip Strength)
TNF-α- Factor de necrose tumoral alfa (do inglês: Tumor necrose factor alfa)
SN- Suporte Nutricional
SNE- Suporte Nutricional Entérico
SNP- Suporte Nutricional Parentérico
SIF- Fluídos intravenosos standard (do inglês: Standard intravenous fluids)
iv
IEEN- Nutrição entérica imunomodeladora (do inglês: Imune-enhancing enteric
nutrition)
HR- Hazard Ratio
NRC- Classificação de risco nutricional (do inglês: Nutritional Risk
Classification)
v
Resumo
A desnutrição é reconhecida como um problema significativo em ambiente
hospitalar, permanecendo sub-diagnosticada e sem o tratamento adequado
podendo progredir durante o internamento para estados extremos de desnutrição
como a sarcopenia grave e a caquexia. Estima-se que a sua prevalência varie
entre os 20 e 50%. Várias ferramentas e metodologias de avaliação do estado
nutricional têm sido propostas para identificar doentes desnutridos ou em risco,
porém nenhuma das técnicas é actualmente considerada como método “gold
standard”.
Estudos têm demonstrado que a desnutrição aumenta a morbilidade e
mortalidade em doentes cirúrgicos e por esta razão inúmeros marcadores do
estado nutricional têm sido usados como indicadores de prognóstico de modo a
identificar doentes com um risco acrescido de desenvolver complicações pós-
operatórias. A aplicação de ferramentas de rastreio nutricional no pré-operatório
dos doentes cirúrgicos permite sinalizar aqueles que possam beneficiar da
implementação de um plano de cuidados nutricionais especializados. Esta prática
deverá ser parte integrante dos cuidados médicos em doentes cirúrgicos
desnutridos, com o objectivo de reduzir a incidência de complicações pós-
operatórias. Alguns doentes poderão adicionalmente beneficiar do uso de
fórmulas imunomodeladoras, enriquecidas com substratos como arginina,
nucleotídeos, glutamina e ácidos gordos polinsaturados da série n-3.
Palavras Chave:
Desnutrição, Doentes cirúrgicos, Complicações pós-operatórias, Metodologias de
avaliação do estado nutricional, valor prognóstico, Nutrição Peri-operatória
vi
Abstract
Malnutrition is recognized as a significant problem in hospitals, remain under-
diagnosed and without proper treatment can progress during hospitalization for
extreme states of severe malnutrition as sarcopenia and cachexia Prevalence of
hospital malnutrition is reported to range between 20% and 50%. A variety of
nutrition screening and assessment tools has been developed to identify
undernourished patients or under risk, however none of the techniques currently
used can be considered as a gold standard.
Several studies have demonstrated that malnourished surgery patients
present a high incidence of complications in the immediate postoperative period
and that’s why many indicators of nutritional status have been used as prognostic
indicators to identify patients with a higher risk of postoperative complications. The
nutritional screening tools in the preoperative surgery patients allow us to identify
those who could benefit from the implementation of a specialized nutritional care
plan. This practice should be an integral part of clinical care of malnourished
surgical patients, with the aim of reducing the incidence of postoperative
complications. Several patients may additionally benefit from the use of immune
modulating formulas, enriched with subtracts such glutamine, arginine, nucleotides
and polyunsaturated omega 3 acids.
Keywords:
Malnutrition, Surgery patients, Postoperative complications, Nutritional
assessment, Prognostic value, Perioperative nutrition
1
1. Introdução
A desnutrição é reconhecida, de há anos a esta parte, como um problema
significativo em ambiente hospitalar(1), permanecendo sub-diagnosticada e sem o
tratamento adequado podendo progredir durante o internamento para estados
extremos de desnutrição como a sarcopenia grave e a caquexia.(2) A inexistência
de uma definição consensual era referida até há pouco tempo como um factor
limitante desse diagnóstico.(1, 3, 4) De modo a ultrapassar essa limitação, Soeters
et al. (2008) propuseram que fosse definida como “um estado nutricional sub-
agudo ou crónico com vários graus de excesso ou carência de nutrientes
associado a actividade inflamatória que origina uma alteração da composição
corporal e uma diminuição da capacidade funcional e imunológica”. Estes autores
consideravam ainda que os estados de caquexia e sarcopenia preenchiam os
critérios de inclusão na definição acima proposta.(5)
O consenso foi estabelecido, pelo Special Interest Groups (SIG),
especialmente criado para esse efeito.(2) Assim, a sarcopenia foi definida como
uma condição caracterizada pela perda de massa e força muscular, sendo a
idade um factor favorecedor, em oposição à caquexia, uma síndrome multifatorial
caracterizada pela diminuição severa de peso corporal, perda de massa muscular
e adiposa e aumento do catabolismo proteico devido a uma patologia de base. Já
a desnutrição é definida como um estado nutricional, na qual o excesso ou
carência de nutrientes e energia provoca alterações nos tecidos, forma corporal e
na capacidade funcional.(2) A componente carencial da desnutrição assume-se,
em ambiente hospitalar, como desnutrição associada à doença (DAD).(4, 6-8)
A literatura cita uma prevalência de 20% a 50%, percentagem esta variável
consoante a instituição hospitalar, o tipo de população estudada, bem como as
2
diferentes definições e critérios utilizados para o diagnóstico nutricional. (1, 9-14)
Schindler et al., descreveram uma prevalência de doentes desnutridos nos
hospitais europeus de 27%, tendo o Reino Unido (UK) e as regiões do sul e
ocidente da Europa contribuído de forma mais acentuada para esse valor.(15) Em
Portugal estima-se uma prevalência de doentes em risco nutricional de 29% a
47%.(16) Doentes com doença do foro oncológico, gastrointestinal e pulmonar
estão associados a uma maior prevalência de desnutrição.(9) O mesmo acontece
nos doentes cirúrgicos. (12, 17, 18)
Esta síndrome carencial está associada a uma função imune comprometida,
a um atraso na cicatrização tecidular, a uma alteração no metabolismo de
fármacos, ao favorecimento da translocação bacteriana, à estimulação do
processo inflamatório, entre outros, afectando significativamente a recuperação
após um processo de doença, cirurgia ou trauma. As taxas de morbilidade e
mortalidade estão concomitantemente favorecidas.(1, 8)
A implementação de um método que permita avaliar o estado nutricional e
detectar situações de desnutrição tem sido dificultada pela ausência de um critério
universal de diagnóstico de desnutrição, não existindo consenso na literatura.
Soeters et al. (2008) propuseram que essa avaliação fosse feita através de quatro
parâmetros: avaliação do balanço energético (história alimentar, perda urinária e
fecal de nutrientes, análise do balanço azotado e avaliação da energia dispendida
recorrendo a calorimetria indirecta), avaliação da composição corporal
(antropometria clássica: peso corporal, Índice de Massa Corporal- IMC, Prega
Cutânea Tricipital- PCT e Impedância Bio-eléctrica- BIA), avaliação da actividade
inflamatória (nível sérico de Albumina- ALB, Proteína C-Reactiva- PCR,
3
hemoglobina, citocinas) e avaliação da capacidade funcional (dinamometria
manual- HGS, função imune e cognitiva).(5)
Apesar da sua importância clínica, nenhuma das técnicas hoje em dia
usadas na avaliação do estado nutricional pode ser considerada como método
“gold-standard”. (19-22)
Em doentes cirúrgicos, que enfrentam múltiplos desafios fisiológicos e
metabólicos, um estado nutricional deficitário está associado a um risco acrescido
de complicações pós-operatórias, nomeadamente um maior risco de infecções,
diminuição da função respiratória e falência renal.(1, 17, 23-25)
Melhorar o estado nutricional dos doentes cirúrgicos desnutridos ou em risco
de desnutrição torna-se fundamental, pelo que vários autores têm proposto a
utilização de um suporte nutricional adequado e especializado como parte
integrante dos cuidados peri-operatórios.(23, 26-29)
Neste sentido, o objectivo deste trabalho foi fazer uma revisão bibliográfica
de forma a estudar o poder preditivo de vários métodos de avaliação do estado
nutricional, em complicações pós-operatórias e ainda estudar a importância de um
suporte nutricional em ambiente peri-operatório.
2. Desenvolvimento do tema
A avaliação nutricional tem por objectivo identificar clara e inequivocamente
doentes que estão desnutridos ou em risco de desnutrição de modo a recolher
informações necessárias à criação de um plano de cuidados nutricionais e
monitorizar possíveis alterações decorrentes desses cuidados prestados.(30, 31)
4
Diversos dados podem ser utilizados nessa avaliação, como a história clínica
e alimentar, dados bioquímicos, dados sobre a capacidade funcional e sobre a
composição corporal, entre muitos outros parâmetros. (30, 32)
A Joint Commission for Accreditation of Health Care Organizations
recomenda que todos os doentes que dão entrada num serviço hospitalar sejam,
num espaço de 24 horas, submetidos a um rastreio nutricional, devendo os
doentes em risco ser encaminhados para um plano de cuidados nutricionais
específicos.(33) É de realçar porém a falta de sensibilização dos vários
profissionais de saúde para este problema, quer pela escassa formação nessa
matéria, como também pelo desconhecimento generalizado sobre as
consequências metabólicas e funcionais da desnutrição, apesar de devidamente
documentadas em inúmeros estudos.(34, 35)
Correia et al. (2003) avaliaram num estudo retrospectivo, 709 doentes de 25
hospitais brasileiros, demonstrando que a desnutrição estava por si só associada
a uma maior incidência de complicações (27% vs 16,8%).(36)
Também Sungurtekin et al. (2004), avaliaram 100 doentes admitidos para
cirurgia major intra-abdominal, verificaram uma taxa de desnutrição de 40%,
sendo que neste grupo a incidência de complicações pós-operatórias foi
significativamente maior.(25)
As várias metodologias de rastreio nutricional existentes são úteis não
somente no diagnóstico de desnutrição, como também no prognóstico para
diversas situações clínicas, nomeadamente nos doentes cirúrgicos.(25, 36) Já em
1987, Deskty et al. defenderam esta teoria, propondo a utilização dos métodos de
avaliação do estado nutricional, nomeadamente a SGA, como ferramentas quer
de diagnóstico quer de prognóstico.(37)
5
A sensibilidade, a especificidade, a validade e a fiabilidade são
características que devem estar latentes a uma metodologia de rastreio nutricional
antes de esta ser implementada na prática clínica (30, 34, 38) O que acontece é que
nenhuma metodologia pode isoladamente preencher na totalidade esses critérios,
pois respostas não nutricionais à doença afectam muitos indicadores
nutricionais.(38, 39)
Na presença de um doente com uma patologia aguda, na qual o processo
inflamatório esteja presente, haverá um aumento clarividente na síntese hepática
de proteínas de fase aguda, nomeadamente a PCR, e citocinas. Estes
marcadores inflamatórios estão associados a uma diminuição do aporte
nutricional, redução do peso corporal e diminuição da função muscular,
favorecendo a instalação de um quadro de desnutrição.(5, 39) Se porventura, essa
desnutrição já existir, o que acontece, é que fica potenciada. Estamos na
presença de um ciclo vicioso, pois ambas se potenciam mutuamente! (39)
Na ausência de um método “gold-standard”, a opção para a escolha de uma
metodologia passará pelo tipo de instituição em causa, pela população e pelos
recursos disponíveis,(40) não sendo de descartar a possibilidade de aplicar de
uma forma conjunta vários marcadores do estado nutricional.(5)
Neste sentido, diversos parâmetros podem ser utilizados: ferramentas de
avaliação do estado nutricional como a Avaliação Subjectiva Global- SGA,
ferramentas de risco nutricional (Nutritional Risk Screening 2002- NRS 2002,
Malnutrition Universal Screening Too- MUST, Mini Nutritional Assessment- MNA,
Imperial Nutritional Screening System- INSYST, Nutritional Risk Score- NRS),
Índices de prognóstico (Nutritional Risk Index- NRI, Prognostic Nutritional Index-
PNI), métodos de avaliação da composição corporal (PCT, IMC, Prega Cutânea
6
Bicipital, Área muscular do Braço, percentagem de perda de peso, Espessura do
músculo aductor do polegar, BIA), indicadores bioquímicos e imunológicos (ALB,
Linfócitos Totais- LT, Proteína de ligação ao Retinol- RBP, Colesterol Total- CT,
Pré-albumina, testes de hipersensibilidade retardada- DH), testes de avaliação da
capacidade funcional (Dinamometria manual- HGS), entre outros.
Parte destas metodologias passarão de seguida a ser descritas, embora
muito sumariamente.
2.1 Metodologias de avaliação do estado nutricional
2.1.1 Ferramentas de avaliação do estado nutricional
A SGA é um método clínico simples e de baixo custo que avalia o estado
nutricional baseado em características da história clínica e exame físico do
doente, sendo uma ferramenta cujo valor preditivo se encontra já validado em
diversas situações clínicas. O resultado é revelador do estado nutricional do
indivíduo, que pode ir de um bom estado nutricional (SGA-A) a um estado de
desnutrição grave (SGA-C).Possui como principal limitação o facto da experiência
do observador ser fundamental para proceder ao exame físico e o facto de
pequenas alterações nutricionais qualitativas (num estado de depleção aguda)
nãos serem detectáveis.(37, 41)
2.1.2 Ferramentas de risco nutricional
O NRS 2002 é, de acordo com Kondrup et al (2003), um sistema que
permite detectar a presença de desnutrição ou o risco de a desenvolver em meio
hospitalar. Engloba 4 parâmetros fundamentais: IMC, % PP recente, mudança na
7
ingestão alimentar e grau de severidade da patologia de base. Um aspecto
interessante a considerar é o factor da idade ser considerada no sistema de
pontuação. Os doentes cuja pontuação seja ≥3 são classificados como em risco
nutricional.(30, 40) A ESPEN recomenda a sua utilização em meio hospitalar.
O NRS, desenvolvido por Reilly et al (1995), é um método simples e rápido
que engloba 4 parâmetros fundamentais: perda de peso nos últimos 3 meses no
caso de adultos ou peso actual no caso de crianças e adolescentes (0-17 anos),
IMC para adultos ou tabela de percentis para crianças e adolescentes,
modificação da ingestão alimentar e factor de stress. A escala utilizada para
definir o risco é: 0-3 pontos = baixo risco; 4-6 pontos = risco moderado e 7-15 =
risco elevado. (42)
O MUST é um sistema que foi desenvolvido para aplicar à comunidade em
geral, onde o efeito de factores confundidores do estado nutricional é
relativamente raro. Engloba 3 parâmetros: IMC, % perda de peso recente e
severidade da doença, cursando numa pontuação que quando superior a 2 indica
um estado de desnutrição.(40)
O MNA é indubitavelmente a ferramenta mais usada para avaliar o estado
nutricional da população idosa, quer esta se encontre em ambiente domiciliário ou
hospitalar. A vantagem deste método face aos acima mencionados, prende-se
com o facto de incluir aspectos físicos e mentais que frequentemente se
relacionam com o estado nutricional destes indivíduos, assim como um
questionário de frequência alimentar. (31, 32, 40, 43)
O INSYST é um sistema inovador que se distancia dos atrás referidos por
não necessitar do IMC, removendo desde logo uma fonte de erro comum à vasta
maioria das ferramentas de rastreio nutricional. É dividido em duas partes: a
8
primeira reporta-se a dados relativos à perda de peso recente e a segunda a
mudanças na ingestão alimentar e outros factores de risco. No final, o doente
obterá uma cor de entre 3 possíveis, correspondendo a cor vermelha a um estado
nutricional deficitário.(44)
2.1.3 Índices de Prognóstico
O NRI, desenvolvido pelo Veteran Affair Total Parenteral Cooperative Study
Group, é considerado um sistema sensível e específico e com valor preditivo
positivo na identificação de doentes com complicações pós-operatórias.
Incorpora numa simples equação variáveis objectivas como a concentração sérica
de ALB e % PCU. Um resultado entre 83,5 e 97,5 indica um risco moderado de
desnutrição e quando <83,5 um estado de desnutrição severa.(30, 45-47)
O PNI, foi desenvolvido por Mullen et al (1979), indica o risco de morbilidade
e mortalidade pré-operatória em indivíduos doentes e expressa-se em
percentagem. Incorpora dados como a ALB e TSF séricas, PCT e testes cutâneos
de hipersensibilidade retardada. Um resultado superior a 50% indica um risco
elevado de desnutrição.(48)
O Nutritional Index (NI), desenvolvido por Jong et al (1985), é assim como os
métodos acima referidos uma equação que utiliza a ALB e pré-albumina séricas,
LT e % peso ideal.(49) A sua designação foi porém alterada para Maastricht Index
(MI) por Naber et al (1997) de modo a evitar possíveis confusões com o NRI. Um
resultado> 0 é revelador de desnutrição.(47) Está referenciado também como um
indicador de prognóstico.(35)
9
2.1.4 Técnicas de Avaliação da Composição Corporal
A antropometria clássica é isoladamente o melhor método para avaliar um
estado de desnutrição crónica já que as modificações somáticas surgem mais
tardiamente, quando o processo de depleção se encontra numa fase avançada.(4,
50) O peso e a altura são os dados mais simples de avaliar, em oposição ás
pregas cutâneas e perímetros que necessitam de pessoal mais especializado e
treinado por estarem associadas a um maior erro.(51)
Apesar disso, o peso actual e outras medidas antropométricas podem não
ser um indicador satisfatório de desnutrição, uma vez que alguns doentes podem
ter uma perda de peso significativa e, ainda, apresentarem um peso corporal
dentro da faixa de normalidade e serem classificados como não estando em
risco.(52)
O IMC, calculado como a razão entre peso (Kg) e a altura2 (m)(53), é um
parâmetro antropométrico muito usado na avaliação do estado nutricional.(54) Esta
medida pode contudo ser afectada por elementos confundidores como estado de
desidratação, edema periférico e ascite e em indivíduos que apresentam
insuficiência cardíaca e doença hepática, um IMC baixo pode ser mascarado por
retenção hídrica. Os diferentes valores de ponto de corte usados para definir o
IMC como elemento de diagnóstico de desnutrição constituem outra limitação
associada à sua utilização. Beck et al (1998) estabeleceram a importância da
idade no ponto de corte, definindo um IMC <24 kg m-2 para a população idosa,
como indicador de risco nutricional.(54)
A utilização de pregas cutâneas e perímetros baseia-se na evidência de que
o organismo, numa situação de carência e restrição nutricional, utiliza as suas
reservas nutricionais armazenadas sob a forma de proteínas somáticas e
10
viscerais, e gordura.(55) Porém a determinação das proteínas somáticas está
inerente a uma série de equações, tornando a sua interpretação difícil e
requerendo a utilização de várias tabelas com valores de referência. (50)
Uma técnica relativamente recente para avaliar o compartimento muscular é
a avaliação da espessura do músculo aductor do polegar (EMAP), devido à sua
simplicidade, rapidez e baixo custo. O facto de ser um músculo plano e situado
entre duas estruturas ósseas, possuindo uma localização anatómica bem
definida, faz com que a sua avaliação seja directa, eliminando a necessidade da
utilização de fórmulas.(56) Lameu et al (2004) chamaram a atenção porém para a
influência que actividades diárias reduzidas podem ter na espessura do músculo
aductor do polegar, sobrestimando o efeito da desnutrição em si.(50)
A análise por impedância bioeléctrica é um método amplamente usado para
estimar a composição corporal.(57) Baseia-se na inserção de uma corrente
eléctrica alternada de baixa frequência, que flui através do corpo, medindo a
oposição das células e dos tecidos corporais à passagem desta, que é alta em
estruturas ósseas e na massa gorda e baixa nos compartimentos fluidos e na
massa não gorda.(58) A oposição que o corpo oferece á passagem da corrente,
impedância (Z), possui dois componentes, a resistência resistiva (R) e a
resistência capacitante, denominada reactância (Xc). Esta avaliação é baseada
em equações de regressão que utilizam a R e a Xc como variáveis para estimar a
ACT, IMC e outros parâmetros.(59) No desenvolvimento destas equações
preditivas, conceitos e premissas foram formulados pelo que devem ser
respeitados no sentido de garantir a sua fiabilidade.(59) Outros dados, para além
dos veiculados por essas equações, podem ser obtidos, nomeadamente dados
sobre a hidratação e a integridade tecidular, através da determinação do AF e da
11
Análise Vectorial. O AF é o ângulo que o vector impedância forma com o vector
resistência, calculado como arco tangente da razão Xc/R em graus, variando
entre 0º a 90º.(58) É interpretado como indicador da integridade membranar e
predictor da MCC (58), e vários os estudos avaliaram o seu valor preditivo em
situações clínicas diversas, como no cancro (60-63), no VIH (64)e na cirurgia (22). A
grande vantagem destes 2 últimos indicadores é serem independentes de
equações de regressão, eliminando à partida uma enorme fonte de erro casual.(65)
2.1.5 Indicadores Bioquímicos e Testes Imunológicos
Os níveis séricos de ALB e LT têm sido dos marcadores bioquímicos os
mais estudados quer no diagnóstico de desnutrição quer no prognóstico de
diversas patologias, reflectindo situações de desnutrição proteico-energética.(35, 66)
O ponto de corte usado para estimar a desnutrição a partir da contagem total de
linfócitos é de 1500 mm3 ou 900 mm3 caso se trate de desnutrição moderada ou
desnutrição severa respectivamente.(67) No caso da albumina sérica o ponto de
corte usado em vários estudos é 3.5 g/dl, sendo que abaixo desse valor, estamos
perante uma situação de desnutrição.(67, 68)
A sua utilização como indicadores do estado nutricional é duvidosa pois são
parâmetros mais susceptíveis de serem afectados por factores não nutricionais,
como trauma, sepsis e infecção do que propriamente por factores nutricionais.(4,
35, 67, 69) A sua avaliação deverá por conseguinte ter em conta estes factores para
eliminar o máximo erro possível.(69) O mesmo sucede com outros marcadores
como RBP, Colesterol Total, transferrina, pré-albumina.
12
2.1.6 Testes de Avaliação da Capacidade Funcional
A dinamometria manual avalia a funcionalidade muscular contráctil do
músculo esquelético tendo recebido especial atenção na prática clínica, sobretudo
como indicador de prognóstico.(70, 71) É considerada um marcador da massa não-
gorda (4) sendo influenciada por factores como o sexo, a idade, a estatura, e a
mão utilizada para a avaliação (dominante ou não dominante).(72)
Schussel et al. (2008), num artigo de revisão demonstraram que dados
relativos ao protocolo de aferição podem influenciar os valores alcançados por um
indivíduo no momento da avaliação da dinamometria manual. Por conseguinte, é
fundamental a padronização de um protocolo de aferição.(72) Permanecem
dúvidas quanto ao facto da sua avaliação ser influenciada pelo estado de
inflamação.(4, 5)
2.2 Os doentes desnutridos terão um risco acrescido de complicações pós-
operatórias? Quais os métodos de avaliação nutricional com melhor poder
preditivo de complicações pós-operatórias?
Tem sido extensamente reconhecido que a morbilidade pós-operatória não
está somente relacionada com o tipo de cirurgia em si. A pré-existência de
factores de risco, como doenças cardiovasculares e pulmonares, cirrose hepática,
neoplasias, e a desnutrição promovem um incremento no risco de complicações
pós-cirúrgicas. Porém, a desnutrição é uma das condições acima referidas,
potencialmente reversível, pelo que um diagnóstico precoce e atempado e um
tratamento efectivo poderá constituir uma mais-valia na redução da morbilidade e
mortalidades pós-operatórias(17)
13
Em praticamente todos os estudos publicados sobre esta matéria, os
resultados apontam no sentido da desnutrição se correlacionar com o risco e
severidade das complicações pós-operatórias. A desnutrição proteico-energética
e sobretudo a depleção da massa muscular tem sido reiteradamente associada a
uma maior incidência de complicações infecciosas, problemas de cicatrização
tecidular, aumento do tempo de internamento hospitalar e consequente
incremento dos custos hospitalares.(20)
Já em 1980, Klidjian et al., apontavam neste sentido, afirmando que a
depleção proteica era a condição mais fortemente relacionada com as
complicações pós-operatórias. (73)
Nos inúmeros artigos publicados e utilizados nesta revisão, a maioria utiliza
a antropometria clássica, a concentração sérica de albumina e a SGA como
elementos de diagnóstico e prognóstico, sendo destes três a concentração sérica
de albumina o método mais estudado.
Antoun at al. (2009), num estudo prospectivo cujo objectivo era avaliar o
valor preditivo de diferentes ferramentas de avaliação do estado nutricional em
doentes oncológicos submetidos a cirurgia major, concluíram que o nível sérico
de albumina inferior a 30 g/L era o melhor indicador de complicações pós-
operatórias (infecciosas ou não), mesmo quando inserida num modelo de análise
multivariável (p <0.001).(74) O potencial preditivo deste marcador bioquímico tinha
sido já igualmente demonstrado por Lohsiriwat et al (2007).(68, 75)
Contrariamente aos resultados obtidos nos estudos anteriores, Pacelli et al.
(2008), num estudo retrospectivo com o mesmo propósito, concluíram que a
incidência de complicações pós-operatórias se distribuía igualmente nos doentes
desnutridos ou não. Mesmo doentes com desnutrição severa (albumina sérica
14
<30 g/L ou perda de peso> 10% ou IMC <18.5 kg m-2), não mostraram uma
incidência de complicações pós-operatórias significativamente superior.(76)
Num estudo de larga escala, com um amostra constituída por 54.215
doentes admitidos para cirurgia major não cardíaca, cujo objectivo era avaliar a
fiabilidade da albumina sérica em prever complicações pós-operatórias, os
investigadores demonstraram ser o mais forte e melhor elemento preditivo num
conjunto de 61 variáveis de risco cirúrgico. Aliás, de acordo com esse mesmo
estudo, demonstrou ser o melhor elemento preditivo de complicações infecciosas,
como pneumonia e sepsis, não se correlacionado de forma tão eficaz e
significativa em cirurgias ortopédicas. É considerada melhor marcador de
mortalidade do que morbilidade (c=0,78 vs c=0,68, respectivamente).(77)
O facto do ponto de corte usado para definir a hipoalbuminemia variar
consoante o estudo em causa, torna difícil uma comparação legítima. Enquanto
alguns consideram 35g/L (77), outros consideram 32g/L (78) e até 30g/L (74).
Os níveis séricos de albumina são há muito considerados marcadores da
desnutrição proteico-energética, porém, não sem críticas. Sabe-se que a
albumina sérica é sensível a uma vasta gama de factores, nomeadamente
factores não nutricionais como a inflamação, doença renal e doença hepática,
alteração do estado de hidratação e hemorragias.(66, 69) Antoun et al. (2009)
demonstraram porém, através de uma análise multivariável, que a
hipoalbuminemia é um factor de risco de CP (p <0.02), independentemente do
estado de inflamação (aferido através da análise da PCR).(79)
Em suma, a relação entre a hipoalbuminemia e morbilidade pós-operatórias
poderá depender quer de um estado de desnutrição quer de uma patologia aguda
de base ou do próprio procedimento cirúrgico. A albumina sérica não é
15
considerada então um bom marcador das reservas proteicas viscerais (80), porém
é de reconhecer o seu valor prognóstico de morbilidade e mortalidade, devendo
ser utilizada para identificar indivíduos com risco elevado de CP.(77) (66)
A pré-albumina, assim como a albumina e a transferrina é uma proteína
visceral, contudo o facto de a sua semi-vida ser mais reduzida (2 dias), torna-a
um indicador mais sensível. É a primeira proteína visceral a ter os níveis alterados
em situações de desnutrição proteico-energética, retomando os valores iniciais
assim que haja uma reposição nutricional adequada. (18) Nos três estudos onde foi
avaliada a sua utilidade como marcador de prognóstico de CP, em dois deles foi
considerada como elemento preditivo de complicações infecciosas, um tipo
particular de CP. (18, 81, 82)
A RBP, outra proteína visceral cuja semi-vida corresponde apenas a 12h,
tem sido estudada para este propósito de uma forma limitada, hipoteticamente
devido aos problemas técnicos associados à sua aferição e devido à baixa
concentração que atinge no plasma.(18) Junqueira et al (2003), num estudo que
pretendia avaliar os factores nutricionais e imunológicos como elementos
preditivos de complicações infecciosas e mortalidade em doentes idosos
submetidos a cirurgia major, chegaram à conclusão que apesar de níveis
diminuídos de RBP estarem associados de forma significativa à incidência de
complicações infecciosas (p <0.04), este nível de significância perdia-se quando
esta variável era inserida num modelo de análise multivariável. (18)
Paradoxalmente, Zago et al. (2010), demonstraram que indivíduos com
níveis de RBP inferiores a 30µg/dl apresentavam maior incidência de CP face
àqueles cujos valores de RBP estavam normalizados (53,8% vs 30,1%; p <0.036).
Neste estudo, assim como no anterior, as complicações mais comuns eram as
16
que envolviam a cicatrização e regeneração tecidular, o que faz sentido tendo em
conta a importância da vitamina A nos mecanismos de diferenciação celular e
síntese de glicoproteínas, necessários a manutenção dos epitélios e à
cicatrização.(20)
A Contagem total de linfócitos é outro método bioquímico estudado quer no
diagnóstico da desnutrição quer no prognóstico cirúrgico, porém as dúvidas
quanto à sua utilidade num caso e noutro permanecem. Kuzuya et al. (2005), num
estudo cujo propósito era avaliar a utilidade da CTL como elemento indicador do
estado nutricional numa população idosa, demonstraram que este marcador era
mais afectado pelo efeito da idade do que propriamente pelo estado nutricional,
não se correlacionando bem com outros marcadores usados como o MNA, o IMC
ou o CT. (67)
Farré et al. (1998), em dois estudos publicados no mesmo ano, sendo um
deles de revisão, e considerando a CTL um marcador do estado nutricional,
avaliaram o seu valor preditivo de CP, concluindo em ambos que juntamente com
a albumina era o melhor marcador prognóstico de CP (83, 84), especialmente
pneumonia nosocomial, com uma sensibilidade e especificidade de 90% e 99%
respectivamente.(83) Mais recentemente, em três estudos com indivíduos
submetidos a cirurgia major gastrointestinal, a CTL não se revelou um bom
marcador prognóstico de CP em relação a outros como a antropometria clássica
(85), a SGA (25), o NRI (25) e a albumina sérica. (85)
A heterogeneidade das populações envolvidas nos estudos supra-citados,
dificulta a comparação da prevalência de alterações nos marcadores bioquímicos
nos doentes submetidos a cirurgia.
17
Não obstante de todas as limitações inerentes ao seu uso, os métodos
antropométricos, têm sido reiteradamente usados no sentido de averiguar o seu
potencial preditivo de CP. Klidjian et al. (1980) avaliaram o estado de depleção
proteica através da aferição do PB, da AMB e da %PP, e correlacionaram os
dados obtidos com a morbilidade pós-operatória. Dos 225 indivíduos submetidos
a cirurgia major intra-abdominal que constituíam a amostra, a incidência de CP foi
de 24%, sendo que quando a AMB era 85% inferior ao valor de referência obtido
no grupo controlo, 39% desses indivíduos desenvolveram CP (p<0.02). Maior
poder preditivo registou a avaliação do PB e a dinamometria manual com um nível
de significância de 0.01 e 0.001 respectivamente.(73)
Antoun et al. (2009) avaliaram 275 indivíduos oncológicos sendo que 59,5%
tinham registado uma perda de peso igual ou superior a 10% nos últimos 6
meses, o que corresponde a uma prevalência de desnutrição de 20,5%, porém a
%PP só possui um valor prognóstico de CP major se o valor do ponto de corte
fosse de 15%, atingindo neste caso um nível de significância de 0,03. (74)
Mesmo em doentes com doença hepática grave onde a desnutrição
proteico-energética é comum, a grande maioria dos estudos revela que a utilidade
da antropometria, como elemento de prognóstico de CP é nula, apesar de tomar
como certo a influência do estado nutricional no sucesso pós-operatório, assim
como os demais estudados supra-citados.(86) Resultados semelhantes foram
reportados por Farré et al (1998)(83, 84), Junqueira et al. (2003) (18), Han-Geurts et
al.(2006) (87), Sungertekin et al. (2004) (25) e Pacelli et al. (2008) (76)
Apenas Bozetti et al. (2007), num estudo com 410 doentes admitidos para
cirurgia major gastrointestinal, conseguiram reportar uma %PP superior a 10%
num período de seis meses, como elemento preditivo de CP, mesmo quando
18
inserido num modelo de regressão multivariável (p <0.019).(85) De ressaltar ainda
o valor preditivo de outros factores como a idade (p=0.002) e tipo de suporte
nutricional instituído (p=0.001).(85)
Uma técnica antropométrica que é utilizada como marcador da massa
muscular e consequentemente é capaz aferir o estado nutricional é a espessura
do músculo aductor do polegar (EMAP).(50) Os resultados obtidos por Bragagnolo
et al. (2009) são entusiasmadores, demonstrando face à SGA uma sensibilidade
de 72.37% para a mão dominante e 77.33% para a mão não-dominante, e uma
especificidade de 100% para ambas.(56) Seria útil e interessante a avaliação do
prognóstico desta medida em doentes cirúrgicos.
No que diz respeito às ferramentas de avaliação do estado nutricional, às
ferramentas de rastreio nutricional e aos índices de prognóstico e o seu papel
como elementos preditivos de CP, este tem sido estudado de há muitos anos a
esta parte, porém os resultados estão longe de ser conclusivos.
Em 2006, Kuzu et al., num estudo cujo objectivo era avaliar o estado
nutricional de 460 doentes admitidos para cirurgia major através do SGA, do NRI,
do MI e do MNA, verificaram que o diagnóstico de desnutrição variava consoante
o método, correspondendo a 58.3%, 63.5% e 67.4% se obtida a partir da SGA, do
NRI e do MI respectivamente.(21) Também o grau de severidade de desnutrição se
distribuía desigualmente entre os índices utilizados. Esse mesmo grupo propôs-se
ainda a determinar as morbilidades pós-operatórias e averiguar qual o método
mais sensível na sua aferição. A incidência de CP (infecciosas ou não) foi
significativamente maior nos doentes avaliados como desnutridos pelos 3
métodos referidos (SGA, NRI e MI), mantendo-se a tendência após uma análise
multivariável (OR SGA=3.09; OR NRI=3.47; OR MI=2.03; OR MNA=2.81).(21)
19
Resultados semelhantes obtiveram Sungertekin et al. (2004), demonstrando que a
odds ratio entre a desnutrição e as complicações pós-operatórias variava entre
1.926 e 9.854, para a SGA e o NRI respectivamente. Interessante foi ainda
constatar que o estado nutricional dos doentes no momento da alta hospitalar se
encontrava mais comprometido do que no momento de admissão. (25)
Mais recentemente, Ozkalkanli et al. (2009), numa análise a 256 doentes
admitidos para cirurgia ortopédica, demonstraram que um estado nutricional
precário aferido quer pelo NRS 2002 quer pela SGA estava associado a um pior
prognóstico pós-operatório (OR SGA=3.5; OR NRS 2002=4.1), sendo neste caso
o NRS 2002 o melhor marcador preditivo. (88) Guo et al. (2009) confirmam
igualmente o poder preditivo desta ferramenta (OR NRS 2002=2.336), neste caso
em doentes admitidos para cirurgia por carcinoma gástrico.(89)
O valor preditivo do NRS 2002 foi aferido ainda por Schiesser et al. (2008),
num estudo com 608 doentes admitidos para cirurgia gastrointestinal, concluindo
que a incidência de CP foi significativamente maior nos doentes desnutridos,
40%, face aos doentes com bom estado nutricional, 15% (p <0.001). A odds ratio
para desenvolver CP foi de 2.8 nos doentes definidos com em risco nutricional
pelo NRS 2002 (P=0.001). (17) Quer a SGA quer o NRS 2002 têm demonstrado o
seu potencial prognóstico de CP, obtendo resultados encorajadores nos vários
estudos onde foram utilizados.
Embora nos estudos de Kuzu et al. (2006)(21) e Sungertekin et al. (2004)(25),
o potencial preditivo do NRI tenha sido obtido, já em 2009 Antoun et al. não
conseguiram obter os mesmos resultados.(74) Relativamente ao PNI, Katelaris et
al. (1986), demonstraram que esta ferramenta conseguiu prever 83% dos doentes
que vieram a desenvolver algum tipo de CP, apresentando uma sensibilidade de
20
73%.(90) Buzby et al. (1980) tinham já demonstrado o seu potencial prognóstico.(91)
Resultados menos positivos foram obtidos por Hans-Geurts et al. (2006), onde
demonstraram um potencial limitado em prever CP.(87)
Embora as metodologias atrás mencionadas sejam há muitos anos
estudadas na tentativa de aferir o seu potencial prognóstico em doentes
cirúrgicos, a utilização da BIA e do DEXA é ainda recente.
Hassen et al. (2007), num estudo prospectivo com o propósito de avaliar a
relação entre o estado nutricional pré-operatório e o desenvolvimento de SIRS e
Sepsis após cirurgia major vascular, demonstraram haver uma correlação
negativa entre as medidas obtidas pelo DEXA, nomeadamente a MNG (r= -0,38,
p=0.01 e r= -0.39, p=0.01) e a massa muscular esquelética (r= -0,38, p=0.01 e r= -
0.41, p=0.007), e a incidência e duração de SIRS respectivamente.(24) Estes
resultados suportam a tese de que doentes com desnutrição proteico-energética
apresentam um maior risco de desenvolverem esta complicação em particular. O
facto deste estudo não conseguir estabelecer uma relação entre o estado
nutricional pré-operatório e o desenvolvimento de sepsis talvez se deva ao facto
desta relação ser altamente complexa sendo difícil avaliá-la numa coorte tão
pequena (n=68).
Barbosa-Silva et al. (2005), num estudo prospectivo com 225 doentes
admitidos para cirurgia gastrointestinal, avaliaram a importância de variáveis
nutricionais e parâmetros obtidos através da BIA como factores de prognóstico de
CP num modelo de regressão multivariável, demonstrando que os doentes
identificados como em risco nutricional tinham 2 a 6.7 vezes mais complicações
do que os outros. De todas as variáveis em estudo, somente o AF demonstrou na
análise multivariável ajustada para factores confundidores, ser um factor preditivo
21
de CP (RR=4.3 para AF <-0.8 sd), enquanto que todas as outras variáveis
perderam o seu nível de significância.(22) Mesmo a SGA, que na análise
univariável foi o melhor elemento preditivo, perdeu surpreendentemente esse
nível de significância. Terá de se ter em conta que quer a SGA quer o NRS 2002
incorporam dados relativos à patologia e ao grau de severidade, ambos factores
por si só preditivos de um pior prognóstico.(92)
Resultados diferentes obtiveram Schiesser et al., (2009), que embora
demonstrando que um valor de AF inferior a 6 se correlacionava fortemente com a
incidência de CP numa análise univariável, não conseguiram obter este nível de
significância num modelo de regressão multivariável.(65)
Também a dinamometria manual, técnica que reflecte a capacidade
funcional, tem sido usada na avaliação de doentes cirúrgicos, tentando
estabelecer-se uma relação casual entre esta avaliação e a incidência de CP. Já
em 1989, Webb et al., tinham demonstrado que um valor de HGS 85% inferior aos
valores de referência para o sexo e idade, parecia predispor para um risco
acrescido de CP (p <0.05).(71) Resultados em tudo semelhantes tinham sido já
veiculados por Klidjian et al. (1980). Em 2008, Bohannom et al., num artigo de
revisão, chegaram à conclusão que todos os estudos conseguiram demonstrar o
potencial preditivo desta metodologia, incluindo 7 dirigidos à componente
cirúrgica. (70)
Apesar de grande parte dos estudos citados envolverem doentes
oncológicos, foi possível obter resultados significativos através da utilização de
modelos de análise multivariável, que permitem estudar o efeito de uma variável
na presença de potenciais factores confundidores. É de realçar ainda o facto de a
classificação usada para estratificar as complicações pós-operatórias variar
22
consoante o estudo, o que torna difícil uma comparação legítima. Aliás, Clavien et
al. (2009), chamaram à atenção para o facto de durante anos a terminologia
usada para classificar as complicações pós-operatórias não ser de todo a mais
correcta, propondo uma nova classificação que foi devidamente validada.(93) Outra
limitação que pode ser apontada a alguns estudos é o facto de não considerarem
na sua análise dados relativos ao procedimento cirúrgico em si, nomeadamente a
duração, as ocorrências intra-operatórias e os cuidados peri-anestésicos, dados
estes que podem influenciar a incidência de CP. Também a heterogeneidade das
populações estudadas dificulta a comparação de resultados.
Não obstante de todas as limitações inerentes aos estudos mencionados
nesta revisão, e conforme se pode observar no Quadro 1, em praticamente todos
os estudos se verifica o poder prognóstico de pelo menos uma metodologia de
avaliação do estado nutricional no desenvolvimento das complicações pós-
operatórias, o que pressupõe a sua importância como elemento de prognóstico
cirúrgico.
2.3 A importância da instituição de um suporte nutricional em ambiente peri-
operatório
Nas últimas décadas assistiu-se a uma melhoria considerável nas técnicas
anestésicas e cirúrgicas, o que levou a um decréscimo na morbilidade e
mortalidade pós-operatória (76), porém as complicações decorrentes do
procedimento cirúrgico estão ainda longe de ser uma ilusão. (94)
A cirurgia, como acto invasivo que é, leva a uma série de reacções que
incluem a síntese e libertação de hormonas de stress e mediadores
23
inflamatórios.(80) A imunosupressão característica do procedimento cirúrgico
poderá durar dias ou até mesmo semanas (95), sendo estimulada ainda por um
estado nutricional deficitário, pelo processo anestésico, por transfusões
sanguíneas e no caso de doentes oncológicos, pelo tumor.(96) Por outro lado tem
um grande impacto no metabolismo corporal, aumentando a circulação sanguínea
de glicose, ácidos gordos livres e aminoácidos, substratos estes que são
desviados do seu propósito natural. (80)
O estado nutricional influencia por si só a morbilidade e mortalidade pós-
operatória. Quanto maior o grau e severidade da desnutrição, maior o estado de
depleção, e maior o risco de desenvolver complicações, sobretudo complicações
infecciosas.(94) O mecanismo responsável por este efeito está ainda por
esclarecer e definir, mas crê-se estar relacionado com alterações fisiológicas
induzidas pelo efeito combinado do stress metabólico inerente ao procedimento
cirúrgico e ao estado nutricional. (97)
A desnutrição acarreta uma série de consequências que incluem: profundos
efeitos nos mecanismos de imunidade humoral e celular, alteração dos
mecanismos de cicatrização e regeneração celular, síntese de mediadores
hormonais e citocinas, alteração da microflora intestinal e alteração funcional e
estrutural de vários órgãos e tecidos. (98) Esta situação adquire particular
importância em doentes oncológicos cuja susceptibilidade de desenvolver
complicações nutricionais específicas está potenciada. A produção de TNF-α, um
dos principais marcadores tumorais, juntamente com a produção de Interleucina -
1 interfere nos mecanismos de deglutição, digestão e absorção. A produção de
citocinas interfere, através da estimulação da produção de hormonas
anorexigénicas, no apetite, levando à redução na ingestão alimentar.
24
Adicionalmente, o próprio procedimento terapêutico interfere no sentido olfactivo e
gustativo, agravando o estado de anorexia já presente, estando também
associado ao aparecimento de mucosites e xerostomia e a sintomas
gastrointestinais como náuseas, vómitos e diarreia. (28)
Estudos mostram que medidas que reduzem o stress da cirurgia podem
minimizar o catabolismo, permitindo aos doentes uma melhor e mais célere
recuperação, mesmo após cirurgias major.(80) Estes programas que estimulam o
processo de recuperação pós-operatório, denominados ERAS-Enhanced
Recovery After Surgery, envolvem um conjunto de componentes tais como:
medicação pré-operatória, balanço hídrico, anestesia e analgesia pós-operatória,
mobilização e suporte nutricional pré e pós-operatória.(80) Varadhan et al. (2010),
numa meta-análise, concluíram que estes programas estão associados a um
menor tempo de internamento (média de menos 2 dias) e a uma menor taxa de
complicações pós-operatórias (menos de 50%) face ao grupo controlo.(99)
Na verdade, o tipo de suporte nutricional instituído poderá constituir por si
só, um risco acrescido de CP. Putwatana et al. (2005) corroboraram esta hipótese
defendendo que o tipo de SN instituído poderá ser um elemento indicador do
estado nutricional. Através da utilização de um modelo de regressão multivariável
e removendo variáveis de risco como a ALB e o NRC, o suporte nutricional pré-
operatório tornou-se um factor significativamente predictivo de CP. (19) . Bozzetti et
al. (2007), num estudo cujo propósito era avaliar o impacto do tipo de suporte
nutricional na ocorrência de CP, demonstraram que a frequência de complicações
infecciosas decrescia progressivamente quando em vez da administração de
fluidos intravenosos, o tratamento passava por um SNP, SNE e IEEN
respectivamente.(85) A incidência de complicações infecciosas foi (dois terços)
25
inferior nos doentes com acesso ao suporte entérico com imunonutrientes face ao
grupo de doentes com SIF. Após a análise multivariável, os valores de odds ratio
mostraram claramente uma tendência no decréscimo do risco de complicações de
26%, 42% e 54% com SNP, SNE, e IEEN respectivamente, quando comparado
com o SIF (p <0,001).(85) No mesmo sentido apontam os resultados obtidos por
Garth et al. (2010), que se propuseram avaliar a relação entre as práticas
nutricionais peri-operatórias e a morbilidade em doentes com neoplasias no tracto
gastrointestinal.(26) Este grupo revelou que o tempo que os doentes demoram até
atingirem uma nutrição adequada pós-operatória (> 75% das suas necessidades
energéticas quer por um SNE ou SNP) estava associado com a ocorrência de CP,
um maior tempo de internamento (r=0.493, p <0,01) e com alteração de peso
corporal após a cirurgia (r=-0.417, p <0,05). Doentes que demoraram mais de 7
dias a obter uma nutrição adequada, tiveram mais predispostos a desenvolver
pelo menos uma CP face aos que atingiram as suas necessidades num espaço
de tempo inferior (52% vs 13%, respectivamente; p <0.01) (26) O facto de entre 7
doentes que desenvolveram íleo paralítico após a cirurgia, somente 3 tenham
recebido um SNP e tenham demorado uma média de 10 dias para atingir as suas
necessidades energéticas diárias (26), demonstra claramente as inadequadas
práticas nutricionais pós-operatórias.
Por outro lado, Bishop et al. (2007), demonstraram que a resposta catabólica
inerente a cirurgia major gastrointestinal, caracterizada por um aumento da
inflamação, produção de glicose e aumento do turn-over proteico, não era
influenciada pelo estado nutricional pré-operatório. Estes factos, numa clara
oposição aos anteriormente relatados, levantam dúvidas quanto à instituição de
26
um suporte nutricional em ambiente peri-operatório em doentes admitidos para
cirurgia major por carcinoma gástrico. (97)
Apesar deste resultado, a maioria dos estudos aponta para os benefícios da
implementação de um protocolo de suporte nutricional em doentes cirúrgicos em
risco de desenvolver CP, sobretudo aqueles que estão desnutridos ou em risco de
desnutrição.(82)
Os principais objectivos da instituição de um suporte nutricional em ambiente
peri-operatório, passam por: restaurar o estado nutricional pré-operatório de um
doente que demonstre algum nível de depleção de modo a reduzir potenciais
riscos cirúrgicos, suprir o doente durante a fase catabólica induzida pelo
procedimento cirúrgico e finalmente acelerar o processo de cicatrização e o
retorno a uma função gastrointestinal normal de modo a que a ingestão alimentar
oral possa ser retomada o mais brevemente possível.(82, 100)
Adicionalmente a relação entre a nutrição e o sistema imune tem sido
potenciada pela descoberta de substratos identificados como tendo funções e
propriedades imunomodeladoras. A glutamina, a arginina, os nucleotídeos (RNA)
e os ácidos gordos polinsaturados são dos substratos mais estudados e cujo
papel fisiológico está melhor descrito.(101) De entre as várias e diferenciadas
funções que desempenham no organismo, enumera-se a síntese proteica, a
manutenção da integridade membranar, a melhoria da resposta imunológica, a
estimulação da produção e libertação de hormonas, a melhoria dos processos de
cicatrização e regeneração tecidular e a estimulação da actividade das enzimas
do epitélio intestinal. (101)
O papel das fórmulas nutricionais com estes substratos tem sido
intensamente estudado, e os resultados não deixam de ser surpreendentes.
27
Waitzberg et al. (2006), num artigo de revisão cujo objectivo era examinar a
relação entre a instituição de um suporte nutricional especializado (IMPACT®) no
pré, peri e pós-operatório e a incidência de complicações, concluíram após a
análise de 17 ensaios clínicos, que a utilização do IMPACT® estava
significativamente associada à diminuição de complicações infecciosas (RR=0.49,
p<0.0001) e a uma diminuição no tempo de internamento hospitalar (p<0.0001).
Este grupo demonstrou ainda que a utilização do IMPACT® (cerca de 0.5 a 1l/dia)
durante 5 a 7 dias no pré-operatório estava associada a melhores resultados.(27)
Estes dados sugerem que a vantagem terapêutica na utilização de fórmulas
enriquecidas com substratos imunomodeladores acarreta benefícios face às
fórmulas standard.
Beale et al. (1999)(102) e Hey et al. (1999)(103) em duas meta-análises tinham
já demonstrado o papel da imunonutrição na redução da incidência de
complicações infecciosas e na diminuição do tempo de internamento hospitalar.
Resultados em tudo semelhantes foram veiculados mais tarde por Yamin
Zheng et al. (104), num estudo que pretendia avaliar a validade clínica e económica
da imunonutrição peri-operatória e os seus efeitos na imunidade em doentes com
neoplasias gastrointestinais, concluindo que a utilização da imunonutrição tinha
efeitos positivos na taxa de infecções pós-operatórias (11 ensaios clínicos,
OR=0.41, p <0.00001) e no tempo de internamento hospitalar. Por outro lado
estava ainda associada à estimulação do sistema imune, através do aumento do
número total de linfócitos, dos níveis de células CD4+, IgG e diminuição dos níveis
de Interleucina 6. Sorensen et al. viriam mais tarde a detectar os mesmos factos.
(96) Também os custos inerentes á utilização deste tipo de suplementação são
insignificantes se tivermos em conta o que seria dispendido no tratamento de
28
complicações e no prolongamento da estadia hospitalar.(98, 104) Assim como no
estudo anteriormente referido (27), também neste não foi possível relacionar a
imunonutrição com a mortalidade pós-operatória.
Numa tentativa de aferir a relação entre a imunonutrição pós-operatória e o
processo de cicatrização e regeneração celular, Farreras et al. (2005), avaliaram
66 doentes submetidos a cirurgia por carcinoma gástrico. Dos resultados obtidos
ressalta o facto do grupo de doentes que receberam a fórmula suplementada com
imunonutrientes ter demonstrado uma melhoria significativa no processo de
cicatrização através do aumento da produção local de hidroxiprolina e colagéneo
face ao grupo controlo. Também a incidência de complicações infecciosas foi
menor, mostrando uma evolução favorável nos indicadores nutricionais, sobretudo
na pré-albumina e nos linfócitos totais. (105) Apesar de alguns autores acreditarem
que a imunosupressão decorrente da cirurgia não pode ser revertida caso a
terapêutica nutricional seja instituída somente no pós-operatório (23), mesmo que
este seja precoce, este estudo demonstrou claramente o contrário, embora não se
possa excluir a possibilidade dos resultados terem sido ainda melhores caso a
suplementação tenha sido feita no pré-operatório.
Os resultados obtidos por Klek et al. (2008) (29) sugerem que o efeito
benéfico por detrás da imunonutrição poderá ainda estar longe de ser consensual.
Estes autores avaliaram 205 doentes admitidos para cirurgia gastrointestinal,
sendo aleatoriamente distribuídos após a cirurgia por quatro grupo: SNE standard
(n=53), SNE com imunonutrientes (n=52), SNP standard (n=49) e SNP com
imunonutrientes (n=51). A incidência de desnutrição foi de 18.7, 16.7, 16.7 e
21.2% respectivamente. Todos os grupos eram do ponto de vista energético e
proteico semelhantes, diferenciando-se somente pelo tipo de administração
29
(entérica ou parentérica) e pela presença ou não de imunonutrientes. A incidência
de CP atingiu os 36%, não sendo possível verificar diferenças significativas entre
os grupos em estudo, quer entre o SNE ou SNP quer com a utilização de fórmulas
imunomodeladoras. A mesma tendência foi registada aquando da avaliação da
taxa de mortalidade e da duração do internamento hospitalar. O facto de estes
resultados contrariarem os anteriormente relatados poderá relacionar-se com o
tipo de população estudada, que no estudo de Klek et al. era muito homogénea
com a maioria dos doentes com estado nutricional conservado. Adicionalmente
também o facto do grau de stress induzido pela imunosupressão após a cirurgia
variar com o estado nutricional poderá explicar estas diferenças.(106)
Diferenças entre as fórmulas imunomodeladoras usadas neste estudo e as
adoptadas em outros poderá também explicar a discrepância dos resultados.
Assim, neste a fórmula adoptada foi o Stresson®, enquanto que na maioria dos
estudos recorreu-se ao IMPACT® (27), uma fórmula menos energética mas com
maiores quantidades de arginina (12.5 vs 8.9 g/L), ácidos gordos poliinsaturados
da série n-3 (3.3 vs 1.1 g/L) e nucleotídeos (13.0 vs 0 g/L). Por outro lado o
Stresson® contém 13.0 g/L de glutamina, ao invés do IMPACT® que não contém
este aminoácido. A utilização destas fórmulas enriquecidas com inúmeros
substratos dificulta a percepção dos seus efeitos isoladamente. Van Bokhorst et
al. (107) avaliaram os efeitos de uma dieta standard no pré e pós-operatório, com
ou sem a adição de arginina, concluindo que este aminoácido não estava
associado à melhoria da morbilidade pós-operatória, o que sugere que talvez não
seja este o elemento crítico.
Um dos mecanismos que se crê estar relacionado com a imunosupressão
decorrente da cirurgia é o desequilíbrio na razão Th1/Th2, com um acréscimo dos
30
níveis de Th2.(108) As células T Helper CD4+ desempenham um papel crucial na
síntese de citocinas, e de acordo com o padrão destas, são classificadas em Th1
e Th2, sendo as primeiras responsáveis pela produção de Interleucina 2 e
Interferão gama, e as segundas pela produção de Interleucina 4 e Interleucina
10.(95) As células Th1 desempenham um papel nas respostas de
hipersensibilidade retardada, sendo fortemente efectivas na eliminação de
patogénicos intracelulares, as Th2 estão associadas à produção de IgE e
suprimem a imunidade mediada por células (109)
No sentido de avaliar o efeito da utilização de um suplemento oral com
imunomodeladores antes da cirurgia na razão Th1/Th2, Matsuda et al. (2006)
desenvolveram um estudo com 36 doentes admitidos para cirurgia colo-rectal por
via aberta. Os doentes foram distribuídos em 2 grupos, o grupo teste (n=19) com
acesso ao IMPACT® ® nos cinco dias que antecederam a cirurgia e o grupo
controlo (n=17) que não recebeu qualquer tipo de suplementação artificial. Foi
possível constatar que a razão Th1/Th2 após a cirurgia, no grupo teste manteve
os mesmos níveis do pré-operatório com diferenças estatisticamente significativas
nos dois grupos (p <0.005). Mais recentemente, Suzuki et al. (2010) também se
propuseram avaliar essa relação, acrescentando ainda a avaliação dos níveis de
Th17, células que se crê desempenharem um papel importante na defesa anti-
bacteriana. Trinta doentes foram distribuídos por 3 grupos: grupo A
(suplementação oral com IMPACT®, 1000Kcal/dia, nos 5 dias antes da cirurgia
juntamente com uma dieta standard, prolongada após a cirurgia através de
bomba infusora), Grupo B (utilização do IMPACT® através de bomba infusora
apenas e só no pós-operatório) e Grupo C (com acesso a SNP total no pós-
operatório). A incidência de complicações infecciosas foi significativamente menor
31
no grupo A (10%) do que no grupo B (60%) e no grupo C (60%) (p <0.05). Os
resultados apontam para o efeito dos substractos imunomodeladores na redução
da resposta imunosupressora, através da indução da diferenciação de células Th1
e Th17. (109) São contudo necessários mais estudos, sobretudo prospectivos de
larga escala, para aferir o potencial imunomodelador dos vários substratos
A ESPEN, The European Society for Clinican Nutrition and Metabolism,
reconhece os benefícios da implementação de um suporte nutricional em
ambiente peri-operatório em doentes submetidos a cirurgia, especialmente se
estiverem desnutridos (%PP> 10-15% num período de 6 meses ou IMC <18.5 Kg
m-2ou grau C na avaliação do SGA ou nível sérico de albumina <30 g/L sem
evidência de patologia renal ou hepática) ou em risco elevado de desnutrição. (80)
O objectivo do suporte nutricional é manter a função muscular, imune e cognitiva
e estimular o processo de recuperação pós-operatória. (82)
Assim está preconizada a utilização de um suporte nutricional em doentes
com risco elevado de desnutrição 10 a 14 dias antes de um procedimento
cirúrgico major. Sempre que possível, deverá dar-se preferência à via entérica em
detrimento da via endovenosa, que apenas deverá ser considerada nos casos em
que a ingestão oral normal ou o SNE não seja adequado ou tolerado. Doentes
oncológicos submetidos a cirurgia major abdominal, cirurgia no pescoço e cabeça,
poderão beneficiar adicionalmente do acesso a um suporte entérico com
substratos imunomodeladores (arginina, ácidos gordos polinsaturados da série n-
3 e nucleótidos) nos 5 a 7 dias precedentes à cirurgia, mantendo este suporte no
pós-operatório, 5 a 7 dias, nos casos de cirurgia sem complicações associadas.
32
Nos casos em que a utilização de imunomodeladores seja feita através de SNP, a
ESPEN recomenda apenas a utilização de ácidos polinsaturados da série n-3.(82)
Sempre que os doentes não atinjam as suas necessidades energéticas
diárias através de uma alimentação oral normal, é recomendado recorrer a
suplementos nutricionais orais durante o período pré-operatório. No pós-
operatório imediato (<24h) a iniciação de uma alimentação oral normal ou um
SNE é recomendado, sobretudo em doentes submetidos a cirurgia
gastrointestinal. Se os doentes forem submetidos a anastomoses próximas ao
tracto gastrointestinal, o SNE poderá passar pela colocação de uma sonda que
termine a jusante da anastomose. A colocação de uma sonda no pós-operatório
está recomendada no caso de doentes oncológicos submetidos a cirurgia major
no pescoço, cabeça e no tracto gastrointestinal; doentes com trauma severo;
doentes desnutridos e cuja ingestão alimentar oral seja 60% inferior às
necessidades por um período de dez dias. Inicialmente a velocidade de infusão
deverá ser <20ml/h de modo a respeitar a tolerância intestinal, podendo demorar
5 a 7 dias a atingir a totalidade das necessidades. A ingestão de líquidos e sólidos
2h e 6h antes do processo anestésico respectivamente, não está associada a um
maior risco de aspiração, regurgitação ou morbilidade e mortalidade, pelo que não
está contra-indicada.(80)
A insulina representa um ponto-chave na regulação do metabolismo após a
cirurgia, onde é comum registar-se alguma resistência a esta hormona, sendo
fundamental uma manutenção glicémica sem flutuações. (80) Neste sentido é
recomendado a ingestão oral ou a perfusão endovenosa (5 mg/kg/minuto numa
solução a 20%) de hidratos de carbono (glicose) no pré-operatório.(82) Esta
administração acarreta variados benefícios como: diminuição da stress pós-
33
operatório, melhoria da sensibilidade à insulina e permite o acesso a uma
alimentação pós-operatória mais precoce sem o desenvolvimento de
hiperglicemia.(80)
Outra consideração a ter em conta aquando da administração de lípidos e
glicose através da via endovenosa é evitar a hiperalimentação do doente, que se
sabe ter efeitos deletérios na função imune devido à potenciação de esteatose
hepática e hipertrigliceridemia. Neste sentido recomenda-se a utilização de uma
fórmula de 25Kcal/kg peso ideal e 30 Kcal/kg peso ideal nos doentes com
necessidades aumentadas devido ao stress associado. A razão energética de
proteínas: lípidos: glicose deverá rondar os 20:30:50%. (82)
3. Análise Crítica e Conclusão
A desnutrição em meio hospitalar atinge proporções que em nada se
coadunam com a melhoria das práticas clínicas e hospitalares. Estima-se que de
todos os doentes hospitalizados, 20 a 50% estejam desnutridos ou em risco
elevado de desnutrição, com especial incidência em doentes com doença do foro
oncológico, pulmonar, gastrointestinal e doentes cirúrgicos. Apesar de várias
organizações apontarem para a necessidade do rastreio nutricional nas primeiras
24h após a admissão hospitalar, isso está longe de constituir uma realidade. A
falta de sensibilidade dos vários profissionais de saúde é ainda um entrave a
essas práticas.
As consequências decorrentes de uma alteração do estado nutricional estão
descritas em vários estudos estando associada a uma função imune
comprometida, a um atraso na cicatrização tecidular, a uma alteração no
34
metabolismo de fármacos, ao favorecimento da translocação bacteriana, à
estimulação do processo inflamatório, entre outros, afectando significativamente a
recuperação após um processo de doença, cirurgia ou trauma. Também as taxas
de morbilidade e mortalidade estão concomitantemente favorecidas.
Na verdade, dúvidas não existem quanto ao facto do estado nutricional
afectar a recuperação após um procedimento cirúrgico, constituindo mesmo um
factor independente de morbilidade pós-operatória. Torna-se essencial avaliar os
doentes em risco e implementar medidas que favoreçam a recuperação pós-
operatória.
A avaliação nutricional dos doentes, nomeadamente os doentes cirúrgicos, é
dificultada pela inexistência de um método “gold-standard”, situação que se deve
ao facto de até há pouco tempo não existir uma definição consensual nos termos:
desnutrição, caquexia e sarcopenia. Mesmo após esse consenso ter sido
estabelecido, dúvidas permanecem relativamente à metodologia a usar na
avaliação de doentes cirúrgicos.
Há quase um século que se tentam obter resultados relativamente à
metodologia com melhor poder preditivo de morbilidade pós-operatória. Inúmeras
técnicas têm sido estudadas, desde ferramentas de avaliação do estado
nutricional e ferramentas de rastreio nutricional, a técnicas de avaliação da
composição corporal, técnicas de avaliação da capacidade funcional, indicadores
bioquímicos e imunológicos e índices de prognóstico. Apesar de muitos estudos,
as dúvidas ainda permanecem, não estando actualmente definida qual a
metodologia com melhor poder prognóstico. Terá de se reconhecer contudo, que
a albumina, apesar de não reflectir exclusivamente o estado nutricional, poderá
ser usada como elemento preditivo de CP, já que a maioria dos estudos aponta
35
nesse sentido. De realçar são também os resultados obtidos com outras
metodologias, como a SGA, o NRS 2002, o PNI, o NRI, e a HGS. Pela facilidade
de utilização e por poderem ser aplicadas não apenas por Nutricionistas mas por
outros profissionais de saúde, seria desejável a aplicação de ferramentas de
rastreio nutricional no pré-operatório de modo a sinalizar e encaminhar os doentes
que possam beneficiar da implementação de um plano de cuidados nutricionais
especializados.
Mais estudos são contudo necessários para aferir a real validade das
técnicas acima mencionadas na avaliação do risco de doentes cirúrgicos.
Se dúvidas existem relativamente às metodologias de avaliação do estado
nutricional capazes de prever a ocorrência de CP, o mesmo não se pode dizer da
implementação de um suporte nutricional em ambiente peri-operatório. Inúmeros
estudos comprovam o seu benefício na recuperação pós-operatória de doentes
em risco e na duração do internamento hospitalar, podendo alguns destes
beneficiar ainda da implementação de um suporte especializado, dotado de
substractos com propriedades imunomodeladoras, nomeadamente arginina,
nucleotídeos e ácidos gordos poliinsaturados na série n-3.
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42
Anexos
Índice de Anexos
Anexo 1 ............................................................................................................... 1
Anexo 2 ............................................................................................................... 6
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a14
Índices de prognóstico e Risco Nutricional
Nutritional Risk Index (NRI)
NRI = (1.489 x serum albumin, g/L) + 41.7 x (present
weight/usual weight)
Prognostic Nutritional Index
(PNI)
PNI (%) = 158 – (16.6 x albumin, g/dl) – (0.78 x tricipital
skinfold, mm) – (0.2 x Transferrin, g/dl) – (5.8 x DH)
Maatricht Index (MI)
MI = 20.68 – (0.24 x albumin, g/L) – (19.21 x
transthyretin, g/L) – (1.86 x lymphocytes, 106/L) – (0.04 x
ideal weight)
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