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Grupo Hospitalar Conceição – Gerência de Ensino e Pesquisa
Serviço de Saúde Comunitária
Relatório de Pesquisa:
ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL COMO ESTRATÉGIA NA
SISTEMATIZAÇÃO DE UMA METODOLOGIA GERENCIAL COM
ENFOQUE NA APRENDIZAGEM EM SITUAÇÃO DE TRABALHO
Pesquisadora:
Bárbara Raupp
Porto Alegre, maio de 2006
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Grupo Hospitalar Conceição – Gerência de Ensino e Pesquisa
Serviço de Saúde Comunitária
Bárbara Raupp
ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL COMO ESTRATÉGIA NA
SISTEMATIZAÇÃO DE UMA METODOLOGIA GERENCIAL COM
ENFOQUE NA APRENDIZAGEM EM SITUAÇÃO DE TRABALHO
Pesquisa realizada no Serviço de Saúde
Comunitária, Grupo Hospitalar Conceição, Porto
Alegre/RS.
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Porto Alegre, maio de 2006
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Dedico este trabalho às equipes e
comunidades do Serviço de Saúde
Comunitária, sujeitos de uma “cultura
organizacional” que vem se constituindo
em uma rica história de construção
compartilhada.
Dedico, de modo especial, o presente
trabalho à equipe da Unidade Jardim Itu
que se dispôs, com coragem, a “olhar”
para a própria cultura e, assim, contribuir
com a produção de conhecimento no
SSC.
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“A experiência sugere que visões genuinamente
compartilhadas exigem conversas constantes nas quais os
indivíduos não só se sentem livres para expressar seus
sonhos, como também aprendem a ouvir o sonho uns dos
outros. (...) É preciso permitir a coexistência de múltiplas
visões, prestando atenção ao curso de ação correto que
transcende e unifica todas as visões individuais”.
Peter Senge (2002, p. 245)
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APRESENTAÇÃO
Através deste Estudo de Caso de natureza qualitativo e abordagem
hermenêutico-dialética analisamos a cultura organizacional em uma unidade do
Serviço de Saúde Comunitária, Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre/RS, uma
unidade de atenção primária. Com apoio neste estudo, sistematizamos uma
metodologia gerencial que pretende contribuir na renovação cultural e organizacional
em serviços de atenção primária do SUS.
Com apoio em Rivera (2003), analisamos as categorias cultura técnica,
cultura gerencial e socialização dos sujeitos, refletindo sobre a relação entre elas em
uma perspectiva de mudança. A cultura organizacional, no contexto estudado, é um
processo contraditório que apresenta traços associados da cultura mais tradicional
em saúde e traços de novas concepções de saúde/doença/atenção/gestão que vem
se constituindo historicamente no contexto do SSC e do SUS.
Estudar a cultura é “perceber suas marcas e indícios” nos processos
intersubjetivos, na comunicação e no trabalho cotidiano da unidade de saúde. Foram
construídas “hipóteses sobre a cultura” que foram validadas junto ao próprio grupo e
que permanecem abertas a novas interpretações e aprofundamentos.
Quando um grupo se dispõe a aceitar a própria cultura com suas qualidades e
dificuldades, pode apoiar-se nela para viabilizar projetos mais legitimados e
consensuais. O “Estudo de Situação” em um processo de planejamento estratégico
deveria incluir o estudo da cultura.
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RELAÇÃO DE SIGLAS
APS – Atenção Primária à Saúde
MRSB – Movimento da Reforma Sanitária Brasileira
SUS – Sistema Único de Saúde
MS – Ministério da Saúde
GHC – Grupo Hospitalar Conceição
GEP – Gerência de Ensino e Pesquisa
HNSC – Hospital Nossa Senhora da Conceição
SSC – Serviço de Saúde Comunitária
PRMFC – Programa de Residência em Medicina de Família e comunidade
RIS/SFC – Residência Integrada em Saúde/ênfase Saúde da Família e Comunidade
SIG – Sistema de Informações Geo-referenciado
PES – Planejamento Estratégico-Situacional
NES – Núcleo de Educação e Saúde
CI – Currículo Integrado
GT – Grupo de trabalho
CLS – Conselho Local de Saúde
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
2. O PAPEL DA CULTURA ORGANIZACIONAL EM UNIDADES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS 3. O PROCESSO DE PESQUISA
3.1 O problema de pesquisa 3.2 Os objetivos e questões de pesquisa 3.3 Tipo de estudo e abordagem teórico-metodológica 3.4 Local de realização da pesquisa 3.5 População e amostra 3.6 Análise e interpretação dos resultados 3.7 Aspectos éticos 3.8 Divulgação de resultados 3.9 Dificuldades encontradas no processo de pesquisa
4. ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL EM UMA UNIDADE DO SERVIÇO DE SAÚDE COMUNITÁRIA 5. PROPOSIÇÃO METODOLÓGICA PARA A COORDENAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM UNIDADES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA DO SUS 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APÊNDICES Apêndice A: Instrumentos de pesquisa Apêndice B: Termo de consentimento informado
Apêndice C: “Coordenação do processo de trabalho: uma proposta metodológica para as unidades do SSC metodológica para as unidades do Serviço de Saúde comunitária”
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1 INTRODUÇÃO
Neste processo de pesquisa investigamos a cultura organizacional em uma
unidade do Serviço de Saúde Comunitária (SSC) como estratégia para a
sistematização de uma metodologia gerencial com potencial de promover a
renovação cultural e, assim, apoiar a implementação de projetos informados na
promoção e vigilância da saúde em serviços de atenção primária do Sistema Único
de Saúde (SUS).
A cultura organizacional é aqui definida de modo preliminar como as
referências simbólicas que sustentam o projeto real de uma organização e que se
constituem na história e nas interações entre os sujeitos organizacionais visando
enfrentar problemas no cotidiano de uma organização. Para Rivera & Artmann
(1999) a cultura organizacional é fator de viabilidade em projetos de mudança.
Para contextualizarmos a escolha deste tema e do problema de pesquisa em
nossa vivência profissional, passamos neste momento a uma breve apresentação e
resgate histórico do SSC centrada em aspectos mais diretamente relacionados com
o foco da investigação, admitindo a parcialidade, inconclusão e o viés de nossa
percepção desta história.
O SSC é um serviço de atenção primária que possui atualmente doze
unidades de saúde, um Programa de Residência em Medicina de Família e
Comunidade, um Programa de Residência Multiprofissional, setores de apoio técnico
em Epidemiologia e Educação & Saúde e de apoio administrativo. É administrado
pelo GHC, constituindo a “Gerência de Saúde Comunitária”. A política do SSC vem
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se construindo em sua história e na dinâmica entre diferentes atores sociais, isto é,
profissionais de saúde, população, gestores do SSC, GHC e SUS. A “cultura
organizacional” defende hoje como finalidades a atenção à saúde da população em
áreas de adstritas, a formação de recursos humanos para o SUS e a produção de
conhecimento em APS.
A relação do GHC com o Sistema Municipal de Saúde vem evoluindo de uma
situação de total independência para uma aproximação progressiva e o SSC
permanece sob a administração do GHC. A primeira unidade de saúde do SSC foi
instalada em 1983, nas dependências do Hospital Nossa Senhora da Conceição
(HNSC), um dos quatro hospitais do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). O GHC é
um grupo hospitalar ligado ao Ministério da Saúde que atualmente atende 100% de
pacientes do SUS.
Em sua origem o serviço recebe influência da versão inglesa da Atenção
Primária à Saúde (APS), o que se expressou na denominação original de “Serviço
de Medicina de Família”. Dois objetivos motivaram a criação do SSC: adequar-se às
exigências da Comissão Nacional de Residência Médica para o credenciamento de
um Programa de Residência em Medicina de Família e atender às necessidades de
saúde dos moradores da área próxima ao hospital (referência).
A emergência de movimentos de âmbito nacional no campo da saúde pública,
comunitária e coletiva influencia o pensamento dos profissionais e gestores do SSC
e GHC, em especial o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (MRSB), a VIII
Conferência Nacional de Saúde e os Iº e IIº Congressos Nacionais de Medicina
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Geral Comunitária. Como conseqüência das influências recebidas do ambiente
externo do sistema de saúde e das interações com a população, iniciam-se
movimentos internos no sentido de romper com o conceito mais restrito de Medicina
de Família e buscar estratégias para satisfazer mais amplamente as necessidades
de saúde das comunidades, famílias e indivíduos.
A expansão do SSC deu-se de modo progressivo e em resposta a
solicitações de comunidades vizinhas ao HNSC por serviço de saúde que mostrava
diferenciar-se em relação aos serviços básicos da época. A decisão pela abertura de
novas unidades respondeu também a interesses políticos e também institucionais do
GHC que buscou ampliar o número de pessoas atendidas no nível primário de
atenção para “desafogar a demanda” aos ambulatórios dos hospitais.
Atualmente, através das doze unidades de saúde o serviço atende cerca de
125.000 pessoas na cidade de Porto Alegre em territórios-área de abrangência com
perfis populacionais diversificados, onde existem desde situações de extrema
pobreza e carência social até grupos populacionais e famílias com situação mais
favorável de vida e saúde. As equipes, inicialmente constituídas quase
exclusivamente por médicos e auxiliares de enfermagem, começam a incorporar
profissionais de outras categorias para dar conta de um conceito mais ampliado de
atenção de saúde. Todas estas mudanças irão refletir-se na troca do nome do
serviço, em 1989, para “Serviço de Saúde Comunitária”.
Nossa primeira aproximação ao problema de pesquisa e a motivação para a
proposição do projeto de pesquisa foi suposição de que a “cultura do SSC vem
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sendo renovada neste contexto complexo de múltiplas influências e que atualmente
co-existiriam traços culturais relacionados a diferentes modelos de atenção e
paradigmas, o que se traduz em dificuldades, conflitos, falta de diretrizes claras e
insatisfações entre os profissionais, equipes, residentes, população e gestores.
Desde a sua origem, o SSC apóia-se em metodologias e ferramentas de
avaliação e planejamento para definir e monitorar as ações e serviços que são
ofertados à população. Na implantação de cada unidade de saúde é realizado um
"Diagnóstico de Comunidade" que busca conhecer o perfil da população em seus
aspectos sociais, demográficos e epidemiológicos para apoiar a priorização das
ações e organização do processo de trabalho. Atualmente o SSC orienta-se nas
políticas do SUS e desenvolve ações de vigilância em saúde da gestante, criança,
mulher e adulto, com programas implantados nas doze unidades.
Em 1996 foi implantado e desenvolvido no SSC a tecnologia do “Sistema de
Informações Geo-referenciado” (SIG) como estratégia para promover uma mudança
na lógica do planejamento que contemplasse os princípios da territorialização e da
equidade. Algumas equipes incorporaram esta tecnologia e desenvolveram modos
de trabalho que vem sendo desenvolvidos em cada realidade. Em função das
mudanças propostas, a capacitação técnica e gerencial foi sendo, cada vez mais
necessária para apoiar e sustentar novos modos de pensar e fazer informados na
promoção e vigilância da saúde.
As experiências de planejamento e gerência do SSC e das unidades tem sido
influenciadas pelo desenvolvimento do pensamento neste campo na América Latina
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e no Brasil. Numa primeira fase, que vai da origem do serviço até 1993, as práticas
de planejamento eram marcadas pelo enfoque normativo baseado no método
CENDES-OPAS. A partir de 1994 iniciam-se experiências influenciadas pelo
planejamento estratégico-situacional (PES).
Na medida em que o serviço vai se tornando maior e mais complexo, a
questão do enfoque metodológico do planejamento vai se tornando um “problema a
ser revisto” visando responder a dificuldades que vão surgindo na organização e
gestão do SSC e das unidades. A partir da reflexão teórica e da experiência de
trabalho do Núcleo de Educação & Saúde do SSC será problematizado o método de
planejamento em uso no SSC com a intenção de superar dificuldades percebidas
nas experiências de planejamento desenvolvidas até então, principalmente de
ampliar a participação das equipes e comunidades, o comprometimento com as
decisões tomadas, sustentar os processos a longo prazo, alcançar consensos,
implantação efetiva das propostas, etc.
Em nossa dissertação de mestrado, defendida em 1999, estudamos a
questão do planejamento participativo em unidades de atenção primária, através de
um estudo de caso comparativo entre uma unidade do SSC e uma Policlínica
Comunitária de Montevidéu. Este estudo nos levou a uma opção teórica por
incorporar a dimensão comunicativa no planejamento estratégico-situacional,
seguindo a proposição de Rivera (1995) por entendermos que, com base nesse
enfoque mais ampliado, as ferramentas de planejamento e gerência teriam maior
potencial de superar as dificuldades percebidas em nosso cotidiano.
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A partir dessa reflexão teórica sobre a experiência vivida no SSC, nosso
próximo desafio foi como traduzir metodológica e operacionalmente esta
racionalidade ampliada no planejamento e gerência para responder às
problemáticas culturais específicas deste contexto e promover as mudanças
desejadas em termos do desenvolvimento de um modelo de atenção mais próximo
do preconizado pelo SUS. Uma questão também desafiante era buscar maior
coerência entre o modelo de atenção e gestão a ser implementado e o modelo de
formação dos residentes do SSC. Estes dois movimentos, entre outros, deveriam
articular-se para promover a renovação cultural necessária para o desenvolvimento
do projeto do SSC.
Em 1999, foi realizado no SSC um seminário de avaliação, que contou com a
participação de todos os profissionais e residentes que propiciou reflexões sobre as
práticas de saúde do SSC com referência nos princípios da APS. Como
encaminhamento deste seminário ficou definido desencadear um processo de
planejamento com uma metodologia que agregava uma dimensão comunicativa ao
enfoque estratégico-situacional. No ano de 2000 foram eleitas prioridades para o
SSC e iniciou-se o trabalho com estas prioridades. Em 2001 o processo teve
continuidade monitorando metas pactuadas para os indicadores de saúde e os
problemas priorizados.
Apesar das muitas dificuldades que significa romper com as formas mais
tradicionais de trabalhar, planejar e gerenciar, consideramos que este momento
tenha sido o início de um processo que teria implicações em outros processos que
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se desenvolveriam em continuidade, impulsionando mais algumas “mudanças
culturais”.
A proposta metodológica buscava, de modo bem geral, estabelecer um
"diálogo organizado e permanente" para planejar e coordenar ações/reflexões em
diferentes espaços organizacionais do SSC, tais como: colegiado de coordenação1,
unidades, Núcleo de Epidemiologia, Núcleo de Educação & Saúde. O início do
processo foi definir prioridades para o SSC e a elaboração de projetos de
intervenção nas mesmas. A continuidade em 2001 contemplou o monitoramento de
indicadores e a implementação dos projetos elaborados.
Como desdobramento desse processo, em 2002 foi iniciado um processo que
visava o desenvolvimento gerencial, que se apoiou em um diagnóstico dos desafios
a serem enfrentados pelo SSC em seu papel no sistema de saúde e o perfil
gerencial necessário neste contexto. O processo desenvolveu-se em quatro
momentos:
a) Primeiro momento: produção de textos de referência em planejamento e gerência
e proposição de uma metodologia gerencial para as unidades do SSC com
ferramentas para o planejamento, administração de recursos e coordenação do
processo de trabalho.
b) Segundo momento: realização de encontros de educação permanente com base
nestes textos com o colegiado de coordenação, com encaminhamentos para o
planejamento das unidades
�������������������������1 Existe tradicionalmente no SSC reuniões semanais de “chefias” ou coordenadores das unidades e dos setores do serviço. Atualmente a intenção da coordenadora geral do SSC vai no sentido de “transformar” este espaço em um efetivo “colegiado de coordenação do SSC”.
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c) Terceiro momento: construção de uma "pasta de informações" pelas doze
unidades do SSC, com dados sobre o território e a população, o processo de
trabalho e o processo gerencial.
d) Quarto momento: "discussões de caso gerencial" - experiências das Unidades do
SSC.
O perfil dos gerentes das unidades do SSC deve contemplar as seguintes
capacidades:
♦ Ter uma visão do todo: do SSC, do GHC, do SUS, da realidade do país
♦ Fazer a mediação entre as políticas do SSC, a gerência e a coordenação, e o
trabalho de sua equipe, tendo como norte os princípios e finalidades do SSC
♦ Participar na definição das políticas e rumos do SSC;
♦ Coordenar a construção de um projeto de trabalho para sua Unidade, tendo
como norte a realidade do território, da Unidade, da equipe;
♦ Ser facilitador do trabalho em equipe, promovendo a participação e contribuição
de todos e estimulando a criatividade de cada um;
♦ Promover e coordenar formas de trabalho interdisciplinar, buscando superar a
fragmentação do trabalho;
♦ Ajudar a equipe a superar dificuldades de relacionamento;
♦ Promover a educação permanente da equipe e das categorias;
♦ Promover e estimular o diálogo na equipe e a participação da comunidade na
gestão da Unidade de Saúde;
♦ Ter capacidade técnica gerencial, ser flexível, mas saber “manter o rumo”;
♦ Estar aberto para aprender e ser criativo.
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Para operacionalizar esta forma de trabalhar com o colegiado de coordenação
começamos a trabalhar com uma “agenda” que buscava articular processos de
avaliação, planejamento, educação continuada e permanente, além dos “assuntos
administrativos” cotidianos.
A avaliação deste processo de trabalho de três anos de trabalho continuado com
o colegiado de coordenação apontou os seguintes avanços organizacionais:
a) Definição de prioridades com ampla participação das equipes
b) Elaboração de projetos de intervenção nos problemas priorizados em Grupos
de Trabalho (GT)
c) Pactuação e acompanhamento de metas para ações programáticas
prioritárias;
d) Definição compartilhada de novas políticas de saúde no SSC;
e) Maior integração entre o serviço e a residência médica;
f) Desenvolvimento de experiências inovadoras de planejamento e gerência
compartilhada em algumas unidades do SSC;
g) Integração do trabalho do colegiado de coordenação com o trabalho das
equipes e Núcleos de Epidemiologia e Educação.
h) O espaço das “reuniões de coordenação” passou a ser entendido como um
"colegiado de gestão" com representantes de todos os segmentos do SSC e
que deveria definir rumos, planejar e coordenação o SSC.
i) Mudança em traços culturais negativos como “improvisação”, “não colocar em
prática as propostas do planejamento” e “comunicação dificultada”.
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Em 2003, ao assumir novo governo federal, a administração do GHC e gerência
do SSC trazem como prioridade a revalorização da participação popular. Como
estratégia para promover essa política foi formado um GT com a finalidade de
construir propostas para “reanimar” a participação popular no SSC e monitorar o
desenvolvimento dos processos participativos no serviço. Iniciou-se então um
processo em que comunidades e equipes foram convidadas a participar de “oficinas”
e “assembléias comunitárias” para eleger problemas prioritários em cada território,
criar e renovar Conselhos Locais de Saúde. Todas as unidades elegeram
prioridades em conjunto com participação popular e constituíram conselhos locais e
as equipes fizeram reflexões sobre o tema, o que significou uma certa renovação na
cultura em relação a este princípio organizativo do SSC.
Apesar de reconhecermos que este processo representou um avanço no
desenvolvimento do SSC, lamentamos a interrupção do trabalho que vinha sendo
realizado com o colegiado de coordenação, o que acabou tendo repercussões
negativas na gestão do SSC.
No que se refere à finalidade “Formação”, cabe destacar que em 2003 iniciou-se
de modo incipiente uma experiência que acabou por mudar a proposta pedagógica
de formação dos residentes, com base no enfoque de “Currículo Integrado”
(SSC/GHC, 2005) que vem sendo aprimorada desde então.
A criação da Residência Integrada em Saúde (RIS) pelo GHC em 2004 trouxe
uma residência multiprofissional para o SSC, na ênfase Saúde da Família e
Comunidade. O desenho deste projeto, enfatizando a multiprofissionalidade e a
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interdisciplinaridade para adequar-se aos princípios do SUS, principalmente o
princípio da integralidade, veio reforçar as reflexões e experiências acumulados na
história deste serviço. Desse modo, o foco da mudança organizacional e cultural no
SSC passa a ser a consolidação de um projeto pedagógico coerente com a
promoção e vigilância da saúde. A estratégia pedagógica do CI em síntese é estudar
diferentes perfis populacionais dos territórios-área de abrangência sob
responsabilidade do SSC para, com base nessa compreensão da realidade, eleger
problemas e temas para estudo, o que rompe com o currículo disciplinar (organizado
por módulos) em vigor até então no programa de residência médica.
Um outro espaço que se propõe a articular o trabalho nas unidades do SSC com
reflexões teóricas e metodológicas na formação dos residentes é o “Estágio de
Gerenciamento” que acontece no segundo ano de residência. Durante os dois
meses de estágio os residentes devem acompanhar o gerenciamento de suas
unidades e contribuir no desenvolvimento gerencial. Ao longo desta vivência os
residentes devem fazer um “Estudo de Caso Gerencial”, uma descrição analítica do
processo gerencial na unidade de saúde, tendo como referências os conteúdos
teóricos e metodológicos discutidos nos encontros com os coordenadores do
estágio. (SSC/GHC, 2006)
Consideramos toda essa experiência do SSC muito rica, reflexiva e criativa e
percebemos mudanças organizacionais e culturais que parecem fortalecer os
princípios da promoção e da vigilância da saúde. Entretanto, é possível identificar
também muitas dificuldades, conflitos e resistências que, supomos, expressem as
contradições de um cotidiano de trabalho ainda marcado pela cultura mais
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tradicional do SSC e, por isso, a coexistência de referências simbólicas conflitantes
no que se refere ao modelo de atenção, gestão, formação e socialização dos
sujeitos.
A partir de nossa vivência desta realidade foram surgindo inquietações que
nos levaram à proposição de um projeto de pesquisa como forma de dar
continuidade e contribuir na consolidação dos avanços já alcançados na história do
SSC no que se refere ao modelo de atenção, de formação e de gestão pois
acreditamos no potencial deste serviço para colocar-se como um centro de
referência em atenção primária e contribuir no desenvolvimento do SUS. .
Uma revisão bibliográfica preliminar apontou a questão da cultura como uma
categoria fundamental a ser levada em consideração em todo processo de
mudança organizacional. RIVERA & ARTMANN (1999) definem cultura
organizacional como um conjunto de estruturas mentais que condicionam e
subordinam as práticas de saúde e suas derivadas formas organizativas,
destacando-a como recurso de viabilidade em projetos de mudança. Nossa
intenção, ao propor esta investigação foi a de “exercitar uma análise cultural” no
contexto do SSC e, com base no conhecimento produzido, sistematizar e propor
uma metodologia gerencial que contribua na renovação cultural tendo como
perspectiva a implementação de práticas informadas na promoção e vigilância da
saúde, no contexto do SSC e de outras unidades de atenção primária do SUS.
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No capítulo que segue fazemos uma discussão teórica com a finalidade de
sustentar a análise e interpretação dos resultados da investigação da cultura no
contexto do SSC.
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2 O PAPEL DA CULTURA ORGANIZACIONAL EM UNIDADES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS
Neste capítulo discutimos a contribuição e os desafios dos serviços de
atenção primária na implementação de projetos informados na promoção e vigilância
da saúde, enfocando a problemática da cultura organizacional e da gerência em um
contexto de mudança.
RIVERA & ARTMANN (1999) reforçam a importância da cultura enquanto um
conjunto de estruturas mentais que subordina as práticas de trabalho e suas
derivadas formas organizativas. Consideram entretanto que o pensamento
matusiano encontra limites quanto às possibilidades de lidar com a cultura, já que
não aprofunda a análise em busca de uma proposta de intervenção eficaz neste
aspecto.
O atual momento histórico na implementação do projeto do Sistema Único de
Saúde (SUS) no país traz como desafio a constituição do sistema como um "espaço
da saúde" capaz de promover impacto positivo na situação de saúde da população e
de formar profissionais comprometidos com este projeto. Nesta perspectiva,
apresentam-se problemáticas que necessitam ser enfrentadas, entre elas a
necessidade de mudança nas concepções de processo saúde-doença, nas práticas
e nas modalidades organizativas dos serviços de saúde. Estas profundas mudanças
são certamente processuais, construídas socialmente e dependem de múltiplos
fatores de natureza política, econômica, ideológica, técnica e cultural. O desafio que
está colocado à sociedade brasileira e, mais especificamente ao setor saúde é,
assim, o de implementar estratégias que facilitem a transição do paradigma
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flexneriano ainda predominante para a Promoção da Saúde e do modelo Médico-
Assistencial Privatista para a para a Vigilância da Saúde (MENDES, 2001).
É reconhecido que um nível de atenção primária bem organizado constitui
pré-condição para o funcionamento de um sistema de saúde eficaz, eficiente e
eqüitativo e que o distrito sanitário, instituído no território-processo de uma
microrregião, deve organizar-se mediante a articulação de duas estratégias básicas:
a Saúde da Família e o Consórcio de Saúde. A primeira como estratégia de
organização da atenção básica e a segunda da atenção secundária e terciária.
Ainda segundo MENDES (2001), o desafio Saúde da Família e dos serviços
de atenção primária é complexo e, portanto, demorado, exigindo mudanças culturais
profundas na forma convencional de prestação dos serviços básicos. A construção
da Vigilância da Saúde como modelo de atenção do SUS implicaria, assim, bem
mais do que o desenho de um sistema de adscrição de famílias a uma equipe
médica atuando segundo a tradicional lógica medicalizadora.
Este processo de transição paradigmática e de construção de um novo
modelo de atenção no SUS vem se dando através da disseminação de múltiplas
experiências que tomam para si o desafio de recriar saberes e práticas orientadas
em novas referências conceituais e metodológicas. Os processos gerenciais no nível
primário de atenção jogam um papel estratégico, especialmente no que se refere ao
seu potencial de promoção e condução de processos de mudança organizacional e
de renovação cultural.
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Organização e complexidade
Neste momento nos parece fundamental explicitar nossa opção teórica para a
compreender o contexto institucional em que se desenvolve nosso estudo de caso.
Num plano mais geral nos apoiamos no macro-conceito de MORIN (2002) que
articula o conceito de organização com os de sistema e interação, como descrito
abaixo.
A organização é o conceito que dá coerência constitutiva, regra, regulação, estrutura, etc. às interações. De fato, com o conceito de sistema, tratamos com um conceito em três faces:
��sistema (que exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo, assim como o complexo das relações entre o todo e as partes);
��interação (que define o conjunto das relações, ações e retroações que se efetuam e se tecem num sistema);
��organização (que exprime o caráter constitutivo dessas interações – aquilo que forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que á idéias de sistema a sua coluna vertebral)
Com base nesta teorização de Morin, pensamos ser possível conceber a unidade
de atenção primária como uma “organização” situada em organizações mais amplas
como o SSC, GHC e SUS, todos entendidos simultaneamente como sistemas
complexos. E aqui surge a necessidade de explicitarmos nossa compreensão do que
significa o ”complexo”. Para isso, nos apoiamos em MORIN (2001):
Complexus significa o foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a unidade e a multiplicidade.
Esta concepção teórica de organização baseada no pensamento complexo nos
parece possível de articular com a reflexão de RIVERA (2003) a partir de autores da
teoria organizacional, que apontam a constituição de um novo paradigma
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organizacional frente à crise das organizações contemporâneas. Este paradigma
estaria baseado no princípio da simplicidade das estruturas organizacionais, o que
implica a relativização da importância das estruturas e dos procedimentos como
elementos e procedimentos integradores. Baseia-se também este paradigma
organizacional no princípio da autonomia das pessoas e das unidades, de modo a
promover a criatividade no enfrentamento de problemas e, como consequência, no
princípio do governo da cultura.
Segundo GUIMARÃES & MEDEIROS (in: LIMA, 2003), a flexibilidade deve ser
considerada uma âncora da nova era das organizações, na medida em que o mundo
e, portanto, as organizações, estão em constante processo de mudança e de
adaptação. Com apoio em GONÇALVES (2000), os autores propõem que a
organização contemporânea, seja ela pública ou privada, seja entendida como um
“conjunto de processos em constante interação”.
Trabalhar na perspectiva de “governo da cultura” em organizações complexas
exigiria, assim, deixar de lado as tradicionais formas de gestão e gerência regidas
por regras de procedimento e ordens hierárquicas para buscar um mínimo de
restrições indispensáveis à coordenação de esforços que todo grupo humano com
objetivos comuns possui. A hipótese básica da reflexão de RIVERA (2003) é que,
para além da importância das metodologias racionalistas de gestão, características
do planejamento estratégico e da gestão pela qualidade, que não é negada, cresce
a relevância da compreensão de fatores como cultura, negociação e liderança,
consideradas alicerces de uma nova forma de condução baseada na “escuta”.
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A crítica aos enfoques racionalistas, a partir da teoria do agir comunicativo de
Habermas leva este autor a uma concepção de cultura organizacional como “mundo
da vida compartilhado”, o que inclui duas idéias centrais. A primeira, de que cultura
se constitui a partir do agir comunicativo dos agentes organizacionais em processos
de aprendizagem onde se destaca o componente busca de consenso como
fundamento do agir. A segunda é a idéia de que a cultura não é imutável, pois suas
configurações simbólicas podem ser questionadas em um nível discursivo sempre
que se tornam disfuncionais para o agir teleológico e normativo em uma
organização.
Diante dessa reflexão, consideramos que a tradição possui dupla possibilidade: é
constitutiva da cultura (o simbolismo que sustenta as organizações) e, ao mesmo
tempo, permite renovar a cultura partir de dentro dela própria. Este duplo potencial é
o que nos permitiria pensar as possibilidades de mudança organizacional e cultural
no contexto dos serviços e do sistema de saúde. Neste sentido, a cultura deve ser
compreendida como um recurso de viabilidade em todo processo de mudança
organizacional, cultural e sistêmica.
Algumas implicações da complexidade no contexto da saúde
A cultura em que estamos imersos influencia nossa concepção de serviços de
saúde e sistema de saúde e os modos de trabalhar e gerenciar a saúde neste
contexto. O pensamento social em saúde surge articulado à Técnica Científica e à
Medicina. Estruturadas com base nas ciências positivas e no paradigma cartesiano,
este tipo de pensamento opera com o conceito de doença e uma visão do corpo
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humano reducionista, como uma máquina desconectada das relações que
constituem os sentidos e significados da vida.
MORIN (2000) contribui para a problematização de uma compreensão
reducionista da realidade, ainda muito presente na ciência e na sociedade
contemporânea (pág. 25)
(...) os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles. (...) O paradigma é inconsciente, mas irriga o pensamento consciente, controla-o (...) determina conceitos, comanda discursos.
O mesmo autor (2002) destaca os princípios de inteligibilidade que esta visão
complexa nos propõe para buscar a superação do reducionismo da ciência
moderna, em que destacamos o que segue:
a) o princípio da causalidade complexa, isto é, de uma causalidade mútua
inter-relacionada que comporta inter-retroações, atrasos, interferências,
sinergias, desvios, reorientações
b) o princípio da endo-exocausalidade para fenômenos de auto-organização;
c) o princípio da integração entre organização e aleatoriedade
d) o princípio de distinção mas não separação entre objeto e o ambiente
e) a necessidade de introduzir o sujeito humano situado e datado cultural,
sociológica e historicamente em todo estudo antropológico ou sociológico.
O contexto institucional da saúde pública e, portanto, as concepções de
organização e de sistema de saúde necessitam incorporar esta crítica ao
pensamento reducionista da ciência positiva, o que nos remete à reflexão de
MINAYO (1996, p. 82-83) a respeito do objeto complexo da saúde pública.
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(...) a saúde e a doença envolvem uma complexa interação entre aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais da condição humana e de atribuição de significados. (...) importam tanto por seus efeitos no corpo como pelas suas repercussões no imaginário (...) Ao ampliar suas bases conceituais, as ciências sociais da saúde não se tornam menos ‘científicas’, (...) se aproximam com maior luminosidade dos contornos dos fenômenos que abarcam.
RIVERA (1996) contribui nesta reflexão ao descrever as características de
"organizações profissionais de saúde", para compreendermos a complexidade do
contexto de nosso objeto de estudo:
• Nestas organizações ninguém concentra todo o poder, ele está distribuído;
• Os processos de trabalho são coordenados com base no conhecimento
especializado dos profissionais de saúde, especialmente dos médicos;
• Os processos de trabalho são diversificados, envolvem vários setores e geram
produtos e resultados de difícil precisão;
• O corporativismo profissional dificulta a dinâmica de trabalho na equipe de
saúde, tão necessária a essas organizações;
• As organizações de saúde têm uma governabilidade relativa, pois dependem
de modo significativo da negociação de recursos controlados pelos níveis
superiores da administração pública;
• As relações produtivas são inseparáveis da relação interativa e
comunicacional com os clientes, que participam como co-responsáveis pelo
trabalho.
A partir destas discussões sobre a natureza do processo saúde-doença-
atenção e de uma concepção complexa de realidade, propomos que a unidade de
atenção primária seja compreendida como uma organização complexa, constituída
por múltiplos processos de trabalho em constante interação e cuja finalidade é
produzir ações e serviços de saúde que respondam às necessidades de saúde da
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população do território-área de abrangência sob sua responsabilidade, em
conformidade com os princípios e finalidades do SUS. Cada unidade de atenção
primária, assim concebida, possuiria uma história e cultura singulares, mas estaria
“imersa” na história e cultura setorial e societal, interagindo com as partes e com o
todo.
Cultura organizacional em contextos institucionais complexos
RIVERA (2003) assinala a possibilidade de uma correlação entre o conceito
de mundo da vida de HABERMAS (1987) e as “regras do jogo organizacional” da
teoria das macro-organizações do Planejamento Estratégico Situacional (PES) de
Carlos Matus.
Uma primeira área de correlação seria entre o conceito de direcionalidade do
PES e o conceito de cultura como componente estrutural do mundo da vida
organizacional. Fariam parte deste campo simbólico elementos como a percepção
do ofício, o saber técnico ou de ofício, o tipo de percepção do ambiente externo
(como recurso ou como ameaça) e o projeto real da empresa, visto como o ser
historicamente estruturado da organização ou a “missão”. Esta área corresponderia
à cultura técnica ou à simbologia ligada ao projeto tecnológico da organização,
referindo-se à relação da organização com o ambiente social e institucional em que
se situa.
Uma outra área de correlação está dada pelo conceito de governabilidade
do PES e de sociedade como estrutura normativa do mundo da vida organizacional.
O campo simbólico correspondente incorpora as representações sociais ligadas ao
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tipo de estrutura de poder e de condução da organização, ao grau de centralização e
descentralização da mesma, às formas de regulação das interações entre os sujeitos
organizacionais, aspectos inerentes a este campo simbólico no enfrentamento do
problema da coesão interna.
A terceira área de correlação estabelecida pelo autor corresponde ao conceito
de personalidade ou de socialização dos sujeitos, como uma estrutura do mundo
da vida organizacional, e também às regras de responsabilidade de Matus. Neste
campo simbólico, predominam atitudes e representações ligadas ao exercício da
liderança, à concepção de solicitação e prestação de contas e à capacidade de
socialização dos agentes organizacionais, incluindo processos educativos. A
responsabilidade é enfocada aqui como uma conduta interiorizada pelos indivíduos
no sentido de solicitar e prestar contas.
O autor reconhece que esta correlação possa ser um tanto forçada, mas a
considera útil para tornar claras as categorias da cultura que é necessário levar em
conta em um processo de auditoria visando à mudança organizacional. Estas três
categorias constituem estruturas e processos interdependentes, que se nutrem
reciprocamente, o que contribui para uma noção mais integradora do conceito geral
de cultura organizacional.
Com apoio nesta reflexão construímos nosso próprio conceito de cultura
organizacional direcionado para a situação e o contexto de nosso estudo, adaptando
as categorias propostas por RIVERA (2003).
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Cultura organizacional são as referências simbólicas compartilhadas que
subordinam e condicionam as práticas de trabalho e suas derivadas formas
organizativas na “organização-unidade de atenção primária”. Essa simbologia se
constitui historicamente em processos de aprendizagem inerentes ao enfrentamento
contínuo de problemas. A cultura organizacional possui três aspectos inter-
relacionados ou categorias analisáveis: a cultura técnica, a cultura gerencial e a
socialização dos sujeitos. A simbologia que constitui a cultura organizacional são
os valores, princípios, finalidades, atitudes internalizadas, crenças, sentimentos ...
que conformam o mundo da vida compartilhado de uma organização no que se
refere às três dimensões apresentadas acima.
Estudar a cultura organizacional no contexto de unidades de atenção primária
do SUS exige também refletir sobre a natureza do processo de trabalho neste
contexto e, para isso, nos apoiamos em Schraiber (1999) que define trabalho como
ação que visa alcançar finalidades e como interação social. A primeira dimensão se
refere a que todo trabalho é um processo que se justifica por suas finalidades,
visando a consecução de determinados produtos, mercadorias ou serviços que
respondam a necessidades socialmente identificadas. As finalidades do trabalho,
entretanto, se realizam através de interações entre sujeitos ou em relações
intersubjetivas para apoiar a tomada de decisão e a ação.
Diante disso, a mesma autora considera que seria preciso levar em conta
tanto finalidades quanto relações sociais entre os sujeitos envolvidos no processo de
trabalho e que estas podem adquirir um caráter mais comunicativo ou mais
estratégico, conforme a ação seja mais ou menos dependente da busca de
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consensos. A complexidade dos problemas e necessidades de saúde da população
implica a necessidade de articular dois movimentos: a divisão do trabalho e dos
saberes e também a sua recomposição em um todo coerente que faça sentido para
os sujeitos envolvidos no processo de trabalho.
Fazendo um paralelo com a realidade que nos interessa, poderíamos dizer
que o trabalho em Unidades de APS/SUS, apresenta duas dimensões: a) é processo
que tem a finalidade de produzir serviços e ações de saúde para impactar a situação
de saúde da população; b) é processo intersubjetivo, já que as ações e serviços são
realizados através da interação entre os profissionais de saúde e entre estes e a
população.
Como conseqüência desta análise, a abordagem do gerente aos profissionais
de saúde em situação de trabalho, além de buscar resultados deverá preocupar-se
em conhecer como as pessoas se expressam no trabalho e através dele e
reconhecer a sua dimensão intersubjetiva. Um esvaziamento de sentido ocorreria
caso o gerente se preocupa apenas com a operação do trabalho e seus resultados,
descuidando da necessidade de cada trabalhador de constituir-se como sujeito no
processo de trabalho e reconhecer-se nele.
O processo gerencial na unidade de atenção primária tem como papel
conduzir as mudanças organizacionais e promover a renovação cultural que lhe dê
sustentação. Se a cultura organizacional se constitui em processos de aprendizagem
no enfrentamento contínuo de problemas, ela pode renovar-se, especialmente
promovida por metodologias que trabalhem com as problemáticas culturais neste
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contexto. Neste sentido, reconhecemos a necessidade de criar e socializar formas
de trabalhar em equipe e com a população e de coordenar o processo de trabalho
de modo a tornar a situação de trabalho uma oportunidade permanente de
aprendizagem.
RIVERA & ARTMANN (1999) consideram que, para atuar sobre as estruturas
mentais o sistema de gerência deveria ser acompanhado por práticas educativas
permanentes, constituindo um sistema de gestão criativa que prioriza formas de
tomada de decisão e controle coletivas, consensuadas, baseadas na comunicação.
A única possibilidade de mudar a cultura a longo prazo residiria, para os autores, na
capacidade de construção legitimada de novas representações a partir da
participação dos atores em processos comunicativos de aprendizagem.
Como decorrência desta reflexão defendemos a importância de ampliar a
racionalidade os planejamento e da gerência através do emprego de metodologias
que agreguem dimensões comunicativas ao enfoque estratégico-situacional. Desse
modo as problemáticas culturais poderiam ser trabalhadas de modo concomitante
com a busca de resultados.
As ferramentas teórico-metodológicas para o gerenciamento de serviços de
atenção primária deverão, assim, considerar tanto os desafios relacionados à
coesão interna da organização, onde os processos comunicativos são fundamentais,
quanto os desafios da construção de “direcionalidades” que favoreçam um
desenvolvimento orientado nos princípios do SUS.
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Um dos desafios do desenvolvimento do SUS, segundo MENDES (2001)
seria superar a “cultura hospitalocêntrica” por uma cultura em que o sistema seja
percebido como rede integradora de diferentes pontos de atenção intercomunicantes
e complementares entre si a fim de viabilizar a oferta de atenção à saúde da
população com integralidade e eqüidade. Nesta perspectiva, também a cultura de
planejamento e gestão deverá mudar do tradicional método de dentro para fora,
focado exclusivamente no atendimento das demandas de pessoas doentes, para um
método de fora para dentro, que considera o conjunto da população adscrita,
identifica pessoas ou grupos em situação de risco e desenvolve ações para atender
às diferentes necessidades de grupos, famílias ou pessoas.
A cultura existente em cada serviço e unidade de saúde, se entendida como
recurso e fator de viabilidade em processos de mudança organizacional e transição
paradigmática, poderá tanto favorecer quanto dificultar a construção do futuro
desejado. Para além das receitas prontas e de um projeto fechado de futuro,
defendemos a busca de processos que promovam a reflexão crítica, a criatividade,
valorizem a mudança, a inovação, o risco e a habilidade coletiva para gerir
processos de construção compartilhada.
Diante da tarefa atribuída à rede de atenção primária do SUS, caberia nos
perguntarmos sobre as dificuldades culturais encontradas em processos de
mudança em um contexto onde predominam valores, concepções e práticas
identificadas com o modelo tradicional de atenção à saúde. A interação que se dá na
equipe multiprofissional e com a população é um processo complexo, contraditório e
muitas vezes conflituoso. A simples constituição de equipes multiprofissionais e
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intencionalidade político-administrativa não é suficiente para que os sujeitos passem
a atuar conforme os preceitos desejados. A aprendizagem permanente na situação
de trabalho e a criação de sentido subjetivo no trabalho dos profissionais torna-se
imprescindível. O papel dos gestores, gerentes e lideranças para criar essas novas
possibilidades torna-se fundamental.
Entendemos que todo projeto de mudança organizacional deva apoiar-se no
conhecimento e reconhecimento da cultura, na valorização dos traços positivos de
cada cultura e das suas fragilidades para, assim, criativamente, propiciar as
condições de viabilidade e legitimidade para as mudanças projetadas.
O papel da liderança na condução da mudança organizacional
O papel exercido pelo gerente da unidade de atenção primária e sua
capacidade como liderança é fundamental para desencadear, conduzir e sustentar
os processos de mudança. Por isso, também os gerentes devem adotar novas
concepções sobre a organização de saúde e seu papel no desenvolvimento do
sistema de saúde. Apropriar-se de metodologias e ferramentas gerenciais que
facilitem o exercício deste papel é da maior importância.
RIVERA (2001) contribui neste sentido ao problematizar a categoria de
liderança. Para o autor: a) o líder deve colocar-se como projetista dos ideais e
propósitos de uma organização, construídos coletivamente, o que implica conceber o
processo de planejamento como um processo de aprendizagem organizacional
amplo; b) o líder como mentor, guia e facilitador do trabalho coletivo; c) o líder como
responsável por trazer à tona e problematizar os modelos mentais e as visões de
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realidade vigentes, promovendo um pensamento sistêmico e voltado para as causas
mais profundas dos fenômenos; d) o líder como o regente da missão organizacional
se compenetraria dos ideais de alta responsabilidade de uma "organização que
aprende"; e) o líder como alguém que “presta serviços”, em oposição ao conceito de
liderança egocêntrica.
RIVERA (1996) considera imprescindível um plano de comunicação que
impacte a cultura, reconhecendo a necessidade de reconstrução do pensamento
matusiano com base no agir comunicativo de Habermas. Quanto à
operacionalização deste enfoque de planejamento e gestão, propõe uma conexão
com trabalhos que pensam a mudança cultural a partir da própria cultura, em
processos comunicativos.
Esta concepção de liderança pressupõe a capacidade individual ou coletiva
de atuar sobre as condições básicas para a aprendizagem coletiva, solidária,
compartilhada, participativa e sobre os fatores propulsores do potencial de
crescimento das pessoas e desenvolvimento da organização.
Discussão semelhante é desenvolvida por CAMPOS (2000) ao fazer uma
crítica aos enfoques de gerência tradicionais e propor um método que amplia o
potencial de direção dos grupos, aumenta a capacidade de análise e operação sobre
a instituição e o contexto em que esta se situa. O Método da Roda ou Paidéia opera
com conceito de “coletivos organizados para a produção”, entendendo-os como
"agrupamentos humanos articulados com alguma finalidade produtiva, seja de bens,
seja de serviços". Propõe-se a articular metodologicamente a produção de bens e
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serviços com a produção das organizações e constituição de sujeitos, apoiando-se
em um conceito ampliado de gestão que envolve dimensões gerenciais, políticas,
pedagógicas e terapêuticas.
ARTMANN et al. (1997) estudam a problemática da mudança organizacional
em serviços básicos do SUS, destacando as possibilidades e limites da utilização do
método matusiano de planejamento neste contexto. Dizem as autoras:
• as resistências às mudanças devem ser considerados com a devida
importância; Matus não oferece elementos teóricos suficientes para a análise
e intervenção neste âmbito, sendo importante buscar o aporte de outros
autores, como Habermas;
• admitindo-se que a mudança organizacional tem caráter social/cultural, é
importante reconhecer que uma das condições para que ela ocorra reside na
possibilidade do processo de planejamento ser permeado pelos problemas e
prioridades vividos no cotidiano, não sendo apenas a expressão de uma
formalidade;
• ainda que seja necessária a manutenção de certo grau de sistematicidade e
rigor metodológico, é importante que os participantes não se deixem
aprisionar pelos aspectos formais do método, pois isso seria inversamente
proporcional à autonomia e capacidade propositiva dos participantes;
• deve ser considerada como inerente à introdução de processos de mudança
de forma participativa nas organizações a sobrecarga real advinda da
necessidade de compatibilizar a continuidade do funcionamento da
organização com as novas demandas oriundas do processo de mudança;
• dificuldades com relação ao aumento do nível de responsabilidade para com
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o processo, ritmo e cumprimento das tarefas acordadas, bem como
dificuldades quanto à explicitação e até mesmo a formulação dos diferentes
projetos em jogo no interior das organizações;
• a adesão ao projeto/plano não pode ser construída com base apenas na
participação dos profissionais nos momentos de discussão mais sistemática
do plano/projeto, mas deve expressar-se também no seu envolvimento
cotidiano com a realização das operações/ações e com a busca dos
resultados.
Como decorrência deste estudo, as autoras destacam a necessidade de
buscar a simplificação do método matusiano de planejamento a fim de ampliar as
possibilidades de apropriação pelos sujeitos deste contexto e, assim, ampliar e
aprofundar a capacidade de análise e formulação estratégica das equipes.
Destacam também que esta simplificação metodológica deveria passar pela
ampliação da comunicação interna para possibilitar a construção de projeto coletivos
e estratégicos.
Cultura e estratégias de mudança organizacional
THÈVENET (apud RIVERA, 2003) considera que, mais estratégico do que
afrontar, mudar ou enfraquecer uma dada cultura, seria utilizá-la como recurso para
o projeto de mudança. A idéia de cultura como recurso comporta, assim, a
necessidade de discernir no interior da cultura aqueles traços positivos que podem
apoiar um projeto de mudança, já que a cultura é de difícil manipulação no sentido
de uma mudança direta, mas não é imutável.
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Para o autor, a importância da abordagem cultural tem dois aspectos: a
adaptação dos projetos organizacionais – neste caso, a cultura opera como fator de
condicionamento da viabilidade operacional dos projetos - e o emprego de valores-
chave da cultura que possam potencializar um projeto de mudança, o que implica
comunicar sobre a cultura, trazer à tona e explorar propositivamente a mensagem
profunda dos bons valores culturais da tradição complexa de uma organização.
RIVERA (2003) defende que a renovação cultural deva sustentar-se em um
projeto de comunicação ampliada, em coerência com o princípio habermasiano da
correlação entre mundo da vida e agir comunicativo. A abertura de canais de
comunicação ampliada, propiciados por reformulações gerenciais criaria, segundo
ele, as condições e a oportunidade para o questionamento e a reciclagem cultural,
sempre que necessário. Mais comunicação seria a estratégia genérica para a
mudança cultural, pois comunicação e cultura se interpenetram de maneira
imanente, uma dependendo da outra.
Inaugurar novas possibilidades e buscar a renovação cultural em unidades de
atenção primária do SUS necessita, em meu modo de ver, de processos gerenciais
que se apóiem em ferramentas metodológicas capazes de potencializar uma
racionalidade ampliada nas práticas de e de gerência, o que significa associar
dimensões estratégicas e comunicativas para dar conta tanto das finalidades quanto
dos processos de aprendizagem intersubjetivos. E neste ponto, surge a necessidade
de problematizar as metodologias gerenciais (ou a falta delas) nos serviços de
atenção primária, questionando suas potencialidades e fragilidades no sentido de
facilitar a renovação cultural que se faz necessária.
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Ao gerente da unidade de atenção primária caberia o desafio de conduzir
processos de trabalho de modo a realizar finalidades (ações e serviços de saúde) e,
simultaneamente, criar possibilidades de interação produtiva entre os sujeitos, seja
na equipe, seja com a população Aqui, a cultura coloca-se como pressuposto e
como consequência: as metodologias necessitam apoiar-se na cultura para renovar
a cultura.
Acreditamos que a dimensão de coordenação do processo de trabalho – uma
das dimensões da gerência poderia distinguir e fazer comunicar trabalhos parciais e
facilitar a construção compartilhada de projetos que promovam a saúde da
população. Coordenar um processo de trabalho com esta tarefa pressupõe
reconhecer a cultura como recurso que deve ser respeitado mas também
tensionado, trabalhando pedagogicamente com sujeitos para que aa mudanças
culturais se dêem de modo mais legitimado. Conhecer a própria cultura é processo
difícil porque envolve perceber as fragilidades, conflitos e contradições, mas pode
também ser fator de crescimento e amadurecimento individual e coletivo.
No capítulo que segue detalhamos todo o processo de pesquisa pois
consideramos que não apenas os resultados, mas também o processo de estudo da
cultura pode contribuir com a busca de alternativas para melhorias organizacionais
no SSC.
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� O PROCESSO DE PESQUISA
A suposição motivadora da realização desta pesquisa foi de que a cultura
organizacional em uma unidade do SSC expressaria uma particularidade da cultura
organizacional do SSC e também as suas generalidades e que a cultura
organizacional seria um fator de viabilidade em processos de mudança. Neste
sentido, a gerência local necessitaria apoiar-se em metodologias que se apóiem na
cultura para possibilitar a sua renovação.
2.1 O problema de pesquisa
O problema de pesquisa ficou assim definido:
Como se configura a cultura organizacional em uma unidade do SSC/GHC
tendo como perspectiva a implementação de um projeto informado na Promoção e
Vigilância da Saúde, isto é, quais os traços culturais que facilitariam e quais
dificultariam um processo de mudança organizacional com essa perspectiva? Que
características deve apresentar uma metodologia gerencial para favorecer a
renovação cultural neste contexto?
2..2 Local de realização da pesquisa
A pesquisa foi realizada na Unidade Jardim Itu (UJI), cuja escolha levou em
considerações “recomendações” de MINAYO (1996). Segundo a autora, a escolha
do local da pesquisa deve levar em conta principalmente a sua adequação prática
ao delineamento do objeto teórico. Com base nisso, utilizamos os seguintes
critérios para a escolha da unidade a ser investigada:
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a) interesse do assistente de coordenação em participar de um estudo desta
natureza;
b) motivação da equipe em participar da pesquisa e discutir seus resultados;
c) interesse do assistente de coordenação em apropriar-se de um método de
gerencial com enfoque na aprendizagem em situação de trabalho;
d) experiência da equipe com metodologias de trabalho informadas na
promoção e vigilância da saúde;
e) experiência de participação da população local no planejamento e gestão
da unidade
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2.3 Objetivos
O objetivo geral desta investigação foi estudar a cultura organizacional em
uma unidade do Serviço de Saúde Comunitária/GHC e sistematizar uma
metodologia gerencial com potencial de contribuir na renovação cultural e
organizacional necessária ao desenvolvimento de um projeto informado na
Promoção e Vigilância da Saúde e nos princípios do SSC e do SUS.
Os objetivos específicos foram:
1- Estudar a cultura organizacional na unidade Jardim Itu/SSC/GHC, Porto
Alegre/RS, nos anos de 2004 e 2005;
2- Construir hipóteses sobre a cultura com a participação dos sujeitos
3- Fazer sugestões para o aprimoramento do processo gerencial na UJI
4- Sistematizar uma metodologia gerencial com potencial de contribuir na
renovação cultural das unidades e do SSC;
5- Produzir um manual de gerenciamento com uma estética familiar à cultura
do SSC.
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2.4 Tipo de estudo
Na definição do tipo de estudo, tomamos como referência preliminar as
recomendações de RIVERA (2003), que se apóia em estudos do campo
organizacional para propor uma grade de análise cultural. Os autores postulam que
no estudo dos fenômenos culturais é necessidade vários observadores do mesmo
objeto, aplicação de várias teorias e implementação de vários métodos ou técnicas,
procurando-se identificar sua congruência e consistência, a capacidade de gerar
dados comparáveis, a complementaridade entre as informações e a validade externa
dos enfoques.
Com este entendimento de análise de cultura, a “triangulação” - definida como
a combinação de métodos para estudar um mesmo fenômeno – nos pareceu ser
uma boa alternativa na coleta de dados. Planejamos abordagem teórico-
metodológica que contemplou tanto o olhar externo (da pesquisadora) quanto
olhares internos (dos sujeitos pesquisados), usando o recursos do debate e da
reconstrução compartilhada das hipóteses, o que caracterizou um processo
participativo de devolução de resultados. Segundo RIVERA (2003, p. 197):
Thévenet recomenda que a auditoria de cultura seja participativa. Uma das contribuições mais importantes e imediatas que uma auditoria pode ensejar (e que implica uma mudança) é a possibilidade de que os agentes reforcem sua capacidade de compreensão da organização e seu nível de compartilhamento de visões e representações.
O estudo da cultura foi realizado através de Estudo de Caso de natureza
qualitativa e abordagem hermenêutico-dialética. TRIVIÑOS (2001) destaca que o
estudo de caso, uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se
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analisa em profundidade, permite explorar um fenômeno em toda a sua
complexidade, sendo o maior ou menor aprofundamento determinado pelos
enfoques teóricos adotados pelo investigador. STEIN (1987) analisa a perspectiva
teórico-metodológica que associa estes dois enfoques destacando que seria a
afirmação extrema do significado prático da razão humana, não simplesmente
porque esses dois métodos têm a práxis como objeto, mas porque não haveria
práxis no sentido pleno sem que se pressuponha os horizontes do pensamento
dialético e hermenêutico.
A intenção de superar os reducionismos da ciência hegemônica nos também
a uma tentativa de considerar a compreensão complexa da realidade, apoiada em
MORIN (2001, 2002) na interpretação das informações para o estudo do fenômeno
cultura no contexto organizacional. Consideramos que esta abordagem nos
permitiria apreender o fenômeno cultural em sua complexidade e integrar
movimentos de descrição, explicação, interpretação, compreensão e retorno à
prática.
Na sistematização da metodologia realizamos uma análise “crítica e criativa”
de documentos produzidos por profissionais do SSC, à luz dos resultados do estudo
da cultura. A produção do manual será feita em colaboração com a Dra. Maria Lúcia
Lenz, profissional deste serviço e artista plástica cujos trabalhos são reconhecidos
como “produtos culturais” deste serviço. Deste modo pretendemos facilitar a
aceitação do material e despertar maior interesse dos profissionais para o mesmo.
2.5 A coleta de informações
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Foram empregadas as seguintes técnicas de pesquisa
a) Entrevistas semi-estruturadas
b) Observações semi-dirigidas
c) Grupos Focais
As observações foram realizadas no primeiro momento e constituíram uma
estratégia de aproximação ao campo de pesquisa. Foram feitas observações de: a)
reuniões de equipe (de planejamento e educação continuada); b) reuniões do
Conselho Local de Saúde; c) assembléia comunitária para eleição de prioridades.
A seguir, passamos para as entrevistas. Após uma análise preliminar de
observações entrevistas, elaboramos “hipóteses sobre a cultura” THÉVENET (apud
Rivera, 2003), propõe uma metodologia indiciária e hipotética, de natureza falibilista
no sentido de um permanente questionamento participativo da cultura.
Foi realizada uma análise preliminar dos dados e a seguir planejamos e
realizamos 4 grupos focais. A seleção dos sujeitos para as entrevistas foi realizada
após a realização das observações e assim pudemos escolher informantes-chave
que nos interessavam entrevistar.
O grupo focal 1 teve como objetivos:
a) Aprimorar “hipóteses sobre a cultura organizacional”;
b) Primeira devolução de resultados à equipe.
Os grupos focais 2, 3 e 4 tiveram como objetivo:
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Analisar de modo compartilhado a sistematização da metodologia gerencial
através do documento “Coordenação do processo de trabalho: uma proposta
metodológica para as unidades do SSC” (apêndice 3)
2.6 A população e a amostra
População: constituiu-se pelos seguintes estratos:
1. Profissionais da equipe de saúde
2. Coordenadores (da unidade e do SSC)
3. População usuária da unidade de saúde
Amostra:
MINAYO (1996) defende que o fundamental na seleção de uma amostra
qualitativa é que ela seja capaz de refletir a totalidade do fenômeno a ser estudado
em suas múltiplas dimensões e que esta seleção considere tanto os grupos para
observação quanto para a comunicação direta.
Com base nas considerações da autora, escolhemos a seguinte amostra para
as entrevistas:
- coordenador unidade de saúde (1 sujeito);
- gerente ou coordenador do SSC (1 sujeito)
- profissionais contratados - de diferentes categorias profissionais que
integravam a equipe há mais de cinco anos (4 sujeitos);
- lideranças comunitárias participantes da história do posto (3 sujeitos).
A seleção da amostra para os grupos focais empregou os critérios:
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a) coordenadora da unidade de saúde em 2004 e 2005, que não
havia participado das entrevistas;
b) profissionais da equipe que não haviam participado das
entrevistas, de diferentes categorias profissionais, com mais de
cinco anos na unidade de saúde;
c) residentes que haviam concluído o Estágio de Gerenciamento e
realizado uma análise sobre o processo gerencial da unidade.
2.7 Análise e interpretação das informações
As observações foram registradas por escrito, as entrevistas gravadas em
fitas cassete e os grupos focais registrados por escrito e gravados em fitas cassete.
Num primeiro momento, trabalhamos com as entrevistas, separando todo o material
em dois grandes “corpus”: informações da equipe e informações da população. A
seguir, organizamos todo este material segundo as questões de pesquisa e as
categorias teóricas propostas por RIVERA (2003) (ver quadro abaixo). Realizamos,
então, leituras extensivas deste material para construir categorias empíricas. Com
apoio nesta análise preliminar construímos “hipóteses” sobre a cultura
organizacional que foram compartilhadas e aprimoradas no grupo focal 1.
Nossa proposta de análise sustentou-se em uma compreensão de cultura
como fenômeno não transparente e não passível de ser evidenciado de modo claro.
A análise cultural deve comportar, por isso, uma metodologia complexa que se utiliza
da triangulação e associa diferentes técnicas de pesquisa. A análise deve registrar
fatos, informações e eventos orientados a representar a cultura, aqueles sobre os
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quais se supõe que a cultura deixa marcas. Todo o problema se reduz a saber onde
se situam essas marcas, que seriam os domínios analisáveis. A análise dinâmica
das marcas, sinais e indícios da cultura supõe, por outro lado, a organização dessas
informações em hipóteses sobre a cultura, que requerem validação permanente
pelo próprio grupo cultural estudado. (THÈVENET apud RIVERA, 2003)
A análise e interpretação dos materiais coletados em campo nos apoiamos numa
abordagem hermenêutico-dialética que MINAYO (1996, p.237) descreve da seguinte
forma:
Entender o texto, a fala, o depoimento como resultado de um processo
social (trabalho e dominação) e de um processo de conhecimento (expresso
em linguagem), resultantes de múltiplas determinações, mas com
significado específico. O texto é a representação social de uma realidade
que se mostra e se esconde na comunicação, onde o autor e o intérprete
são parte de um mesmo contexto ético-político e onde o acordo subsiste ao
mesmo tempo em que as tensões e perturbações sociais. (...) coloca a fala
em seu contexto, para entendê-la a partir de seu interior e no campo da
especificidade histórica e totalizante em que é produzida
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Componentes básicos da cultura organizada (RIVERA, 2003, p.196)
Categoria Tipo de informação possível
Cultura Técnica
(projeto).
tecnológico)
- Relação com o ambiente (dominador, passivo, harmonia)
- Continuidades/descontinuidades das atividades e tecnologias
- Tipo de relação com a atividade (orientação a partir da pessoa ou da
tarefa)
- Identidade empresarial (focalização na atividade, liderança ou
comportamento)
- Razão de ser das atividades (especialmente em situações de crise e de
mudança)
- Valorização diferencial das áreas de atividades
- Percepção valorativa dos produtos e benefícios da atividade
- Conhecimento sobre a identidade do ofício
Governabilidade
(ou normatividade)
- Tipo de comunicação e formas de coordenação
- Vivência de ordem interna: grau de autoritarismo ou de participação do
sistema de condução/orientação relacional predominante – individualismo
(o bem-estar pessoal predomina sobre o grupo); orientação colateral (o
grupo predomina); hierárquica ou linear (relação colateral mais ênfase na
continuidade temporal)/ordem baseada na tradição, autoridade legal ou
carisma
- Percepção da relação entre os atores: contrato social ou relação de força
Socialização dos
sujeitos
- Importância da capacitação
- Formas de treinamento e ascensão predominantes (de ajustamento
social)
- Responsabilização – nível de formalidade e grau de crença na prestação
de contas; Concepções valorativas predominantes na avaliação (o que é um
bom produto, um bom resultado, um bom funcionário); percepção dos
direitos e deveres das pessoas e da empresa
- Tipo de liderança dos portadores da cultura – análise da especificidade
dos fundadores em relação ao contexto
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A validação das “hipóteses sobre a cultura” deu-se no grupo focal 1 e em oficina
de trabalho com toda a equipe, constituindo o primeiro momento de devolução de
resultados e oportunidade de aprofundamento de nossa compreensão do objeto de
pesquisa.
Na sistematização da metodologia gerencial partimos de uma análise
critica de textos de planejamento e gerência elaborados por profissionais do SSC em
uso por equipes e residentes e, à luz dos resultados da pesquisa, elaboramos o
texto “Coordenação do Processo de Trabalho: uma proposta metodológica para
as unidades do Serviço de Saúde Comunitária”.
Para chegarmos à versão final deste texto empregamos 3 grupos focais,
constituídos da seguinte forma:
a) profissionais e residentes da Unidade Jardim Itu;
b) colegiado de gestão da Unidade Divina Providência/SSC
c) preceptores da RIS/SFC.
Estes grupos focais tiveram como objetivo analisar a adequação da
metodologia (conteúdo e forma) para o contexto organizacional e cultural do SSC.
No que se refere à forma, foi sugerido que o manual fosse ilustrado pela Dra. Maria
Lúcia Lenz que tem tradição em ilustrar relatórios e manuais do SSC.
2.7 Aspectos éticos
Inicialmente submetemos o projeto à apreciação do colegiado de
coordenação do SSC para avaliar o interesse e obter aprovação formal do gerente e
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da coordenadora do SSC. Foram discutidos objetivos, estratégias de coleta de
dados e os possíveis benefícios para o serviço através da devolução de resultados.
Foram propostos critérios para seleção da unidade de saúde que deveria participar
do estudo e, com base nos mesmos, escolhemos a UJI como locus da pesquisa.
Posteriormente, foi realizado processo semelhante com a equipe e Conselho
Local de Saúde (CLS) da UJI. Antes das entrevistas e grupos focais os participantes
foram esclarecidos sobre a pesquisa e solicitados a assinar o termo de
consentimento pós-informado.
2.8 Devolução e divulgação de resultados
Os resultados até o momento, foram devolvidos e divulgados nos seguintes
espaços:
a) Grupos Focais e Oficinas com a equipe da unidade de saúde estudada
b) Seminário de Gestão do SSC (novembro de 2005)
c) Comunicação coordenada no “2o. Fórum Gaúcho de Saúde Coletiva”
(outubro de 2005)
d) Uso da metodologia produzida como referência em: aulas dos residentes,
assessoria a unidades e ao colegiado de coordenação do SSC
A devolução de resultados deverá ainda acontecer através de:
a) Oficina com o CLS da unidade de saúde estudada
b)Assessoria à equipe para constituição de um colegiado de gestão e
implementação da metodologia gerencial
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c) Educação permanente e planejamento no colegiado de coordenação do
SSC
d) Artigo para revistas: Momentos & Perspectivas/GHC e outras de circulação
nacional
e) Apresentação no Congresso da Abrasco em agosto de 2006 (aceito)
2.8 Dificuldades encontradas no desenvolvimento do projeto de pesquisa
O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação pelo Comitê de Ética da
GEP/GHC em 2003 e aprovado mas sem a verba do Fundo de Fomento à Pesquisa
que havia sido cancelada pela direção do GHC naquela ocasião. Em vistas disso,
não conseguimos cumprir o cronograma previsto, já que não havia recursos para o
pagamento de serviços de transcrição de fitas. Em 2004 o projeto foi novamente
encaminhado ao Comitê de Ética e desta vez aprovado com recursos do Fundo de
Fomento à Pesquisa.
Fomos autorizada a destinar um turno semanal para trabalhar neste projeto
pelo gerente e coordenadora do SSC, entretanto, em função da criação da RIS em
2004, não prevista na época do encaminhamento do projeto surgiram inúmeras
demandas de trabalho e foi necessário usar os horários destinados à pesquisa com
outras atividades. Como consequência disso, novamente não nos foi possível
cumprir os prazos previstos no cronograma e solicitamos prorrogação de prazo.
Outro problema que tivemos de contornar foi o pagamento de horas de
consultoria para a prof. Dra. Elisabeth Artmann da ENSP-Fiocruz. Estava prevista a
vinda da consultora na ocasião do Seminário de Gestão do SSC, em novembro de
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2005. Quando solicitamos os recursos para passagem estadia e horas de
consultoria, nos foi informado que os recursos não seriam liberados. A alternativa foi
incluir o pagamento de passagem e estadia para a consultora no projeto do
seminário, porém as horas de assessoria não foram pagas, o que prejudicou e
atrasou nosso trabalho.
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4 ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL EM UMA UNIDADE DO SERVIÇO
DE SAÚDE COMUNITÁRIA
O estudo da cultura foi realizado em uma unidade de saúde (US) do SSC e
orientou-se na conceituação de cultura como o conjunto de referências simbólicas
que sustenta o projeto real da US que, num contexto de mudança considera três
categorias fundamentais, segundo Rivera (2003): direcionalidade, governabilidade e
personalidade. Como apontado anteriormente, estes componentes da cultura foram
“traduzidos” para o contexto investigado como cultura técnica, cultura gerencial e
socialização dos sujeitos.
A constatação de que a cultura organizacional se constitui através da história de
uma organização remete à necessidade de um breve resgate da história desta
comunidade, onde o posto de saúde foi uma entre muitas conquistas. Nossa
suposição é de que este movimento de perceber a história já aponta indícios da
cultura que nos interessa conhecer.
História da comunidade e a “conquista” da unidade de saúde
O bairro localiza-se na zona norte de Porto Alegre e denomina-se Jardim Itu-
Sabará, segundo o IBGE. A área de abrangência é de 947.400 m2, com muitas
belezas naturais, como árvores centenárias e frutíferas, em terreno plano. Possui
uma hidrografia generosa, sendo atravessado pelo arroio Passo da Mangueira,
conhecido pela comunidade local como Paula Soares.
O bairro possui várias praças e um parque e seus moradores costumam dizer
que é um bairro “jovem de moradores antigos”. Surgiu em 1951, o que lhe confere
pouco tempo na história urbana da cidade de Porto Alegre. É um bairro
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fundamentalmente residencial e seus moradores costumam passar muito tempo no
local, criando fortes laços de vizinhança.
Esta área era antigamente uma fazenda de arroz com 160 hectares e os sonhos
de progresso e urbanização do antigo proprietário incluíram o loteamento da terra
com a intenção de criar uma vila urbanizada para trabalhadores. No início chamado
de Vila Jardim Itu, o loteamento se deu em três fases. Na primeira, por volta de
1955, vieram os trabalhadores da “Valig”, os “desbravadores” do bairro. A
urbanização foi chegando aos poucos, caracterizando a segunda fase. Primeiro veio
a luz, depois o esgoto e só depois água encanada. O lazer era restrito, mas o bairro
teve um cinema de lona no início dos anos 60, que marcou muitos moradores de
então.
A Vila Jardim itu foi se desenvolvendo e virou bairro. Desde sua origem, existem
grupos organizados, uma característica da vida do bairro, entre eles a “Sociedade
Amigos Jardim Itu” que passou a ser um clube recreativo no início dos anos 70 e
posteriormente, em julho de 1972, evoluiu para Associação de Moradores do Bairro
Jardim Itu (AMBAJAI).
Esta associação de moradores realizava discussões para buscar melhorias para
o bairro e promovia atividades festivas para levantar fundos para a associação. Os
moradores organizavam-se em comissões e assim foram conquistando aos poucos
calçamento para as ruas, semáforos, iluminação nas ruas, a 6a. série e o segundo
grau na escola.
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Outra característica desta associação é a freqüência com que o executivo e o
legislativo municipal são chamados para discutir os problemas do bairro. A AMBAJAI
também se faz representar em fóruns da cidade e vinculou-se a outras organizações
buscando ampliar seu poder reivindicatório. Existem reuniões periódicas da
associação com a população local e a comunidade continua mobilizando-se na
busca de melhorias para a qualidade de vida no bairro. A unidade de saúde foi uma
entre as muitas conquistas desta comunidade e seus movimentos organizados. Foi
inaugurada em 16 de janeiro de 1992.
A população e a equipe
Mais de 80% moradores da área estão cadastrados na unidade de saúde. 46%
da população usuária cadastrada possui mais de 40 anos, o que caracteriza uma
população mais idosa. Aproximadamente 60% dos moradores reside em casas de
alvenaria ou apartamentos; 30 % em casas mistas. Em média, existem 4 moradores
por domicílio, sendo que 3% dos moradores residem em cortiços ou pombais,
habitações coletivas e/ou multi-familiares. A equipe tem feito identificação de outras
habitações coletivas no bairro.
A água encanada está presente em 80% dos domicílios e a rede de esgoto em
98%. A energia elétrica é abastecida pela CEEE em 100% dos domicílios. A coleta
de lixo é regular em todas as residências, para o lixo comum e para o seletivo. A
grande maioria da população reside no bairro há mais de cinco anos e 77% são
proprietários dos seus imóveis. A maioria da população desempenha funções de
escritório e trabalhos manuais semi-especializados.
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As causas de morte mais importantes entre esta população são as doenças do
aparelho circulatório, as neoplasias e as doenças do aparelho respiratório. Segundo
um diagnóstico de demanda realizado no SSC, os principais motivos de consulta na
unidade de saúde foram: hipertensão, atestados, receitas, depressão, coleta de
citopatológico ou “ver resultados de exames” (GHC-SSC, 1998).
A equipe da Unidade Jardim Itu é uma equipe multiprofissional e está formada
por enfermeiras, médicos, dentista, técnicos de enfermagem e de odontologia,
assistente social, terapeuta ocupacional, agentes de saúde e auxiliares
administrativos/recepcionistas e residentes de medicina, enfermagem e serviço
social. Todos os médicos têm especialidade em medicina de família e comunidade e
alguns fizeram sua formação neste serviço. A maioria dos profissionais de nível
superior tem no mínimo especialização e alguns possuem mestrado em áreas afins
com a saúde comunitária.
Ao apresentar a discussão sobre os resultados desta pesquisa é importante
esclarecer que a coleta de dados iniciou em 2004 e em 2005 houve eleições para a
coordenação das unidades e do SSC. Assumiu a coordenação da unidade Jardim Itu
outra profissional da equipe e a coordenadora desta unidade foi eleita coordenadora
geral do SSC. O coordenador da unidade de saúde, como vimos no capítulo
referente ao processo de pesquisa deveria compor a amostra. Para dar conta desta
mudança resolvemos incluir a nova coordenadora da UJI no grupo focal que discutiu
as hipóteses sobre a pesquisa. Assim, é preciso levar em conta que ao longo do
processo de pesquisa a equipe mudou, como costuma acontecer em todas as
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unidades do SSC e, principalmente, foi criada a RIS que trouxe novas configurações
e desafios para todas as equipes, inclusive para esta.
Consideramos que, pela natureza do objeto desta pesquisa, as mudanças
que ocorreram ao longo do processo investigativo não chegam a prejudicar e o fato
de termos prolongado o cronograma previsto inicialmente nos permitiu apreender as
mudanças que foram acontecendo. Além disso, a cultura é um fenômeno que muda
muito lentamente. Como ressalta Thèvenet (apud Rivera, 2003, p. 198) “a cultura (...)
muda nos tempos longos, sempre muda em função do projeto da empresa, mas esta
mudança é indeterminada”.
Organizamos o presente capítulo de modo a apresentar e discutir nossa
compreensão sobre os três componentes da cultura organizacional - e interação
entre os mesmos - procurando refletir sobre os traços culturais facilitadores para
apoiar um projeto de trabalho informado na promoção e vigilância da saúde e os
traços culturais que necessitariam ser trabalhados buscando uma renovação cultural
que apóie as mudanças desejadas.
A dinâmica que acontece na “cozinha” da unidade de saúde poderia ser
interpretada como uma expressão da cultura desta equipe, onde acontecem
discussões de caso, trocas produtivas, combinações, acertos sobre o trabalho,
conversas afetivas, brincadeiras, mas também posicionamentos e conversas que
não surgiram nas reuniões de equipe ou até mesmo as famosas “fofocas”.
“Cultura Técnica” na Unidade Jardim Itu
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Para fins desta pesquisa definimos cultura técnica, num sentido amplo,
como o projeto real da unidade de saúde no contexto institucional e social em que
se situa. Para estudarmos esta categoria procuramos identificar “indícios e marcas
culturais” relativos aos aspectos da cultura técnica propostos por RIVERA (2003),
que foram “traduzidos” para o contexto desta investigação conforme o quadro
abaixo:
Aspectos da categoria Cultura Técnica
Denominação de
Rivera (2003)
Denominação para o contexto da pesquisa
Relação com o ambiente externo
(dominador, passivo, harmonia)
Percepção dos sujeitos sobre o ambiente
institucional e social
Continuidades e descontinuidades das
atividades e tecnologias
Continuidades e descontinuidades dos
processos, ações e atividades da unidade de
saúde
Tipo de relação com a atividade Tipo de relação dos sujeitos com a natureza
do trabalho desenvolvido
Identidade empresarial
Identidade da unidade de saúde
Razão de ser das atividades, especialmente
em situações de crise e mudança
Razão de ser dos processos, ações e
atividades
Valorização diferencial das áreas de
atividades
Valorização diferencial das atividades
desenvolvidas
Percepção valorativa dos produtos e
benefícios da atividade
Percepção valorativa dos produtos (serviços e
ações) do trabalho da equipe de saúde
Conhecimento sobre a identidade do ofício
Conhecimento dos sujeitos sobre a identidade
do trabalho nas unidades de saúde do
SSC/GHC/SUS
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A percepção dos sujeitos sobre o ambiente institucional e social
Com relação a este aspecto chama a atenção o traço cultural que denominamos
medo da municipalização, presente tanto na equipe quanto na comunidade. Esse
medo nos parece estar relacionado com a suposição de que a passagem para a
administração municipal poderia significar “perda de qualidade” e “perda da
identidade”. Isso poderia ser explicado pelo fato de os sujeitos perceberem a UJI e o
SSC como “diferenciados” (positivamente) em relação ao hospital e aos serviços de
saúde do município de Porto Alegre. Uma das lideranças comunitárias entrevistadas
considera que “o SSC é pioneiro em tudo” e que “o PSF é diferente”.
A municipalização seria percebida como um futuro desconhecido, incerto e,
associada a um sentimento de pessimismo também presente na cultura, levaria a
essa percepção do ambiente como ameaçador. Em relação ao ambiente institucional
do GHC e SSC, percebemos um sentimento de perda e saudosismo em relação a
momentos anteriores da história em que as coisas eram mais fáceis. A
coordenadora da unidade de saúde expressa seus sentimentos sobre a relação
entre a unidade de saúde e o SSC na ocasião:
“Existe um distanciamento entre a coordenação e as equipes, tudo é difícil, quem
está na chefia fica devendo para a coordenação e para a equipe”
Uma das entrevistadas considera que este medo estaria relacionado com “falta
de análise da conjuntura e da história”, já que as ameaças não se concretizam e o
serviço permanece vivo e forte. Apesar disso, reconhece que, no início, os
trabalhadores eram mais valorizados, inclusive no que se refere ao salário. A
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entrevista analisa assim a queda de qualidade que vem acontecendo no SSC nos
últimos anos:
“a qualidade caiu porque a expansão da formação veio sem a contrapartida de
infra-estrutura”
Apesar da carência de recursos humanos, destacada por todos os profissionais e
explicada pela progressiva desvalorização do SSC pelas instâncias institucionais,
existe o reconhecimento de que somos "bons de pensar" e que muitos processos
acontecem por iniciativa das pessoas e não da instituição (GHC) ou mesmo da
coordenação do SSC.
Quando questionada sobre os princípios que orientam as práticas profissionais
do SSC, a mesma entrevistada expressa:
“É difícil trabalhar na lógica da vigilância (...) nossa identidade está mudando e,
na coordenação, não conseguimos sustentar o processo de reflexão”.
A entrevistada percebe que o SSC foi desenvolvendo nesta história a capacidade
de desenvolver tecnologias em APS, superando a centralização na assistência e na
formação, característica das origens do serviço. Destaca também que “só mais tarde
é que começamos a organizar as ações, planejar e avaliar”. Esta incorporação tardia
de profissionais de outras categorias, (a entrevistada lembra que 1993 houve um
“bum multiprofissional”), trouxe como desafio aprender a trabalhar em equipe e com
o enfoque de promoção e vigilância da saúde.
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A percepção do ambiente externo como uma ameaça poderia estar relacionada,
como já mencionado, à percepção dos sujeitos de uma identidade bastante
diferenciada positivamente em relação aos demais postos de saúde pelo pioneirismo
quanto ao modelo de atenção na origem do SSC, há mais de 20 anos atrás quando
o SUS não existia. Atualmente, esta identidade já não se configura tão diferenciada,
na medida em que a atenção primária é referência para a reorganização do modelo
de atenção do SUS. Além disso, a manutenção do SSC ligado ao GHC tem sido
constantemente discutida pelas instâncias político-administrativas, o seria percebido
como “igualar-se aos demais serviços da prefeitura”, perder o “status” original do
SSC, como discutimos a seguir.
Continuidades e descontinuidades das atividades e projetos
A equipe nos parece ter capacidade reflexiva e ser altamente criativa no sentido
de propor inovações apoiadas em novos conceitos de atenção e gestão. Entretanto,
percebemos dificuldades, reconhecidas pelos profissionais, em “colocar em prática”
os novos projetos e, principalmente, em sustentar a mais longo prazo novas
propostas de ação relacionadas ao processo de trabalho e à gestão da unidade de
saúde. O discurso predominante destaca a importância de organizar o processo de
trabalho apoiado em um conceito ampliado de saúde, mas no cotidiano é sempre
difícil organizar e desenvolver atividades comunitárias, educação permanente,
grupos, visitas domiciliares, trabalho nas micro-áreas, pois o tempo dos profissionais
é ocupado predominantemente com as atividades clínicas de atendimento individual
no posto.
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Este conflito entre o que a equipe deseja fazer e o que consegue efetivamente
concretizar nos parece refletir uma cultura técnica informada por discursos
associados a diferentes modelos de atenção, principalmente um modelo médico-
assistencial e um modelo de promoção e vigilância da saúde. A dificuldade de criar o
“tempo para sair do posto”, como é relatado pelos entrevistados talvez seja
explicada pela real impossibilidade de sobrepor o funcionamento tradicional da
unidade de saúde com a incorporação de inovações informadas por novos
paradigmas e modelos de atenção.
A relação dos sujeitos com o trabalho desenvolvido
Todos os profissionais entrevistados demonstram gostar do trabalho que
realizam e parem sentir-se orgulhosos por pertencerem a esta unidade de saúde e a
esse serviço. Os aspectos do trabalho mais valorizados são o “comprometimento da
equipe com o bem-estar do paciente” e a “capacidade de acolhimento e
resolutividade no atendimento à população”.
Os profissionais referem que uma característica desta equipe seria o
compromisso em atender bem aos pacientes e o esforço por desenvolver um
trabalho com resolutividade. As exigências e reclamações da comunidade sobre a
falta de consultas acontecem no dia-a-dia da unidade de saúde e em espaços mais
formais, como as “assembléias comunitárias” ou o Conselho Local de Saúde.
Para tentar lidar com este conflito percebemos que a estratégia encontrada é
continuar a trabalhar do modo tradicional e “acrescentar novas atividades”, o que
nos parece acarretar o sentimento de “sobrecarga”, estresse, desgaste no
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trabalho e nas relações da equipe e com a comunidade. Conhecer o território,
identificar grupos mais vulneráveis, trabalhar com problemas, planejar, avaliar,
buscar a participação da comunidade, desenvolver atividades educativas e
preventivas, reorganizar as relações de trabalho, trabalhar com os residentes e “dar
conta da demanda” é realmente bastante difícil.
De modo geral a equipe gosta de trabalhar com a comunidade, mas parece
existir diferenças entre os profissionais na compreensão de seu papel no trabalho
comunitário, o que se reflete em diferentes posturas e níveis de motivação para este
tipo de atividade.
Identidade e conhecimento sobre a identidade do trabalho
Identidade será aqui entendida como as características que, na percepção dos
sujeitos, diferenciariam esta unidade de saúde das demais unidades de saúde do
SSC e do sistema de saúde.
Tanto os profissionais quanto da população percebem no trabalho desta equipe
aspectos positivos que os diferenciariam dos serviços da prefeitura, do hospital e de
outras unidades do SSC. Entre os aspectos positivos destacamos o trabalho
humano, o compromisso com os pacientes, a capacidade de estabelecer
vínculos com os pacientes e famílias, a prevenção, o trabalho comunitário e a
autonomia da equipe e comunidade na definição de objetivos, prioridades e formas
de organizar o trabalho.
A percepção das lideranças comunitárias entrevistadas sobre a identidade da
unidade de saúde se aproxima da visão dos profissionais e destaca o papel do posto
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de fazer prevenção, grupos, tratamento, trabalho de qualidade, preocupação
com o ser humano, visão ampla de saúde.
Ao serem questionados sobre que tipo de atividades que caracterizam o modo
particular de trabalhar da equipe os profissionais destacam as interconsultas,
redes de atendimento e a supervisão dos residentes e avaliam que, de modo
geral, a “equipe trabalha bem, mas os conflitos pessoais atrapalham”.
Embora os usuários reconheçam que a maioria dos residentes são bons
profissionais, desejam ser atendidos pelo seu médico, o que demonstra a
existência de fortes vínculos entre os pacientes e os profissionais mais antigos da
unidade de saúde, aspecto valorizado por ambas as partes. Esta percepção poderia
ser interpretada como decorrente da influência de um discurso ainda presente nas
origens do SSC que defendia o atendimento dos pacientes e famílias sempre pelo
mesmo profissional, especialmente o médico, que representava o foco central do
processo de trabalho das equipes. O fato de a formação de profissionais ser também
finalidade do SSC (o serviço surge para viabilizar um projeto de formação médica)
traz como decorrência dificuldades em conciliar a expectativa criada entre os
pacientes com a provisoriedade da inserção dos residentes nas equipes.
Esta identidade diferenciada parece ser associada também ao tipo de relação
que os profissionais percebem estabelecer com os pacientes, que é definida como
uma “relação ampliada”, uma forma de trabalho que enfatiza a prevenção, a
educação em saúde e o “atendimento das pessoas perto do lugar onde moram”.
Também aqui podemos perceber a influência de um discurso presente na origem do
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SSC em que se justificava a abertura de postos comunitários para “não acumular no
hospital”, isto é, para desafogar a demanda de pacientes ao HNSC.
Os profissionais e a comunidade referem características desta unidade que os
diferenciaria das demais unidades do SSC, principalmente pela experiência histórica
desta equipe de integração com a comunidade que, como vimos, tem uma história
importante de mobilização comunitária. A participação da comunidade no posto de
saúde é bastante valorizada também pelas lideranças comunitárias que destacam a
existência de ricas e produtivas experiências de trabalho conjunto ao longo desta
história.
A importância da participação da comunidade no posto de saúde e do “trabalho
comunitário” é ressaltada tanto pela equipe quanto pela população. Alguns
destacam que a relação da equipe com a comunidade e o trabalho conjunto pode
trazer crescimento para ambos os “lados” e que isso possibilitaria aos profissionais
conhecer melhor a realidade de vida das pessoas com quem trabalham. Esta
valorização do trabalho comunitário, entretanto, entra em conflito com a dificuldade
de sair do posto, mencionada por todos os profissionais e com a pressão da
demanda por atendimento por parte da população. As explicações para este
paradoxo entre o preconizado e o efetivamente realizado vão no sentido de
reconhecer dificuldades em responder à demanda por atendimento e também à falta
de interesse de alguns profissionais pelo trabalho comunitário.
De modo geral, percebemos a identidade da Unidade Jardim Itu como
multifacetada, contraditória, em processo permanente de transformação. Vem se
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constituindo ao longo da história desta unidade de saúde e está permeada por
múltiplas influências, internas e externas. Acreditamos que a singularidade deste
contexto interativo e intersubjetivo entre os diferentes sujeitos, o contexto
institucional e a comunidade local vai constituindo um discurso em que coexistem
idéias da cultura mais tradicional do SSC com conceitos do discurso sanitário
brasileiro mais atual.
Razão de ser e valorização diferencial das atividades
Ao refletir sobre o papel de uma unidade de atenção primária no SUS, a
coordenadora da unidade de saúde ressalta a importância de organizar a vida do
paciente no sistema de saúde e considera que a universalidade e a equidade são
importantes avanços do SUS.
As lideranças comunitárias entrevistadas percebem que muitos usuários não
conseguem entender a importância de “fazer grupos” e que valorizam mais as
consultas e o atendimento médico. Esse traço cultural de maior valorização do
atendimento individual e assistencial, principalmente o atendimento médico,
embora o atendimento pelo dentista e psicólogo também seja motivo de
reivindicações, em detrimento de outras atividades de natureza mais coletiva,
educativa e preventiva ficou evidente em uma assembléia comunitária para eleição
de prioridades, onde o problema principal foi a falta de consultas, especialmente
médicas.
Alguns profissionais reconhecem que atualmente estão fazendo mais “medicina
curativa” e referem a falta de tempo em função da “demanda” grande e que exige
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atendimento imediato. Parece existir bastante dificuldade de conciliar as exigências
da organização de atividades preventivas e educativas e de um trabalho mais
coletivo junto à comunidade com a “falta de tempo” para planejar, preparar, realizar e
avaliar” este tipo de atividade no cotidiano atribulado e agitado pelas exigências e
necessidades da população.
Percepção valorativa dos produtos e serviços
Com relação a esse aspecto, percebemos que o trabalho, de modo geral, é
positivamente valorizado tanto pela equipe quanto pela população e isso contribui na
constituição da “identidade diferenciada”. Tanto as atividades clínicas onde aparece
a humanização, respeito e comprometimento com as necessidades dos pacientes
como qualidades do trabalho desenvolvido quanto as atividades preventivas e o
trabalho comunitário são mencionadas como de alto valor pelos sujeitos.
A organização global do processo de trabalho, entretanto, parece valorizar
predominantemente uma orientação a partir das necessidades percebidas pelos
usuários que buscam atendimento, embora a equipe também trabalhe com
microáreas de risco. As dificuldades em incorporar a lógica da vigilância da saúde -
que significa orientar-se pelo conjunto de necessidades e problemas da população
que vive no território - parece sugerir resistências culturais e organizacionais quanto
a mudanças na forma tradicional de trabalho.
Um aspecto que chama a atenção na cultura da UJI – e que não é exclusivo
desta equipe – é o distanciamento entre a organização da odontologia e o trabalho
da equipe. A odontologia como algo à parte poderia ser um indício da organização
processo de trabalho orientada por especialidades e não a partir das necessidades
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integrais das pessoas, grupos familiares ou populacionais característica da
promoção e vigilância da saúde. Este fato poderia ser explicado também a partir de
uma história deste serviço em que a conformação original das equipes enfatizava
bastante a figura do médico. A odontologia surge no SSC para atender a
reivindicações e necessidades sentidas a partir do atendimento médico e não como
um princípio orientador da organização das equipes. Um “sintoma” desse traço
cultural é que até o momento presente não existe uma política de saúde bucal clara
para o SSC, não existem indicadores de avaliação e os recursos humanos são
escassos. Com a criação da residência integrada e incorporação de residentes de
odontologia e a contratualização com o município de Porto Alegre que prevê a
similaridade com o PSF a tendência é valorizar mais a odontologia e promover maior
integração de ações de saúde bucal no processo de trabalho das equipes.
“Cultura Gerencial” na Unidade Jardim Itu
Esta categoria corresponde ao que Rivera (2003) denomina de
governabilidade e foi definida por nós, num sentido geral, como o estilo da
condução do processo de trabalho na unidade de saúde. Para estudarmos esta
categoria buscamos identificar “indícios e marcas culturais” relativos aos aspectos
propostos pelo autor que foram “traduzidos” para o contexto desta investigação,
conforme o quadro abaixo:
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Aspectos da categoria Cultura Gerencial
Denominação segundo
Rivera (2003)
Denominação para o contexto da pesquisa
Tipo de comunicação e formas de
coordenação
Tipo de comunicação e formas de
coordenação do processo de trabalho da
unidade de saúde
Vivência da ordem interna
Grau de autoritarismo ou de participação do
sistema de condução e orientação
relacional predominante: individualismo (o
bem-estar pessoal predomina sobre o grupo);
orientação colateral (o grupo predomina);
hierárquica ou linear (relação colateral mais
ênfase na continuidade temporal)/ordem
baseada na tradição, autoridade legal ou
carisma
Vivência da ordem interna
Percepção dos sujeitos sobre o sistema de
“condução” da unidade de saúde (poder
administrativo)
Formas de manter a coesão interna
Orientação das relações entre os profissionais
da equipe
Percepção da relação entre os atores:
contrato social ou relação de força
Percepção dos sujeitos sobre o tipo de relação
equipe-comunidade
�Tipo de comunicação e formas de coordenação do processo de trabalho
A comunicação e as formas de condução do processo de trabalho, como se
poderia esperar, apresentam traços contraditórios, ora mais próximas de um
modelo de gestão comunicativa, criativa, participativa e descentralizada, ora
apresentando características de modos mais tradicionais de gerência.
O tipo de comunicação predominante poderia ser caracterizado como ampliada,
discursiva, participativa, horizontalizada, mas “truncada, pouco clara”, prolixa, às
vezes, desorganizada ou pouco sistematizada. Na comunicação interna da equipe,
aspecto inerente ao desenvolvimento do trabalho em saúde, especialmente em
atenção primária, as relações pessoais parecem interferir bastante, tanto no sentido
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positivo e motivador, quanto no sentido negativo, dificultando as relações de
trabalho, a comunicação, a busca de consensos e a coordenação do processo de
trabalho.
A coordenadora geral do SSC, ao refletir sobre a comunicação neste serviço,
ressalta que existe um “modo desorganizado de funcionamento, uma avalanche de
coisas desorganiza”. Diz que, algumas vezes toma decisões “por conta e risco” pois
aprendeu a olhar o serviço como um todo e o contexto externo, mas que as
decisões mais significativas deveriam provir de um colegiado de gestão. Reconhece,
entretanto, a dificuldade de concretizar essa idéia, principalmente devido a lutas de
poder e resistências e dificuldades dos integrantes da coordenação na tomada de
decisão. Isso, segundo a entrevistada, explicaria a imagem negativa da coordenação
do SSC por parte das equipes, que não acreditam no poder decisório da
coordenação e a perda de identidade que percebe no serviço.
“Qual é, hoje, a identidade do SSC? Cada unidade é diferente, são doze
serviços...”
A dificuldade de estabelecer uma comunicação clara e ágil entre a coordenação
e as equipes certamente tem repercussões negativas na renovação cultural do SSC
e deveria ser encarada como um “nó crítico” do SSC que merece atenção. A
realização de reuniões de equipe (duas por semana) está incorporada na cultura
deste serviço, desde a sua origem, o que institui possibilidades para a construção
coletiva com envolvimento das equipes na reflexão sobre o trabalho e na tomada de
decisão.
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Em função disso, consideramos fundamental, no estudo da cultura, buscar
conhecer a dinâmica interativa que se dá nas reuniões de equipe rotineiras através
de observações e da percepção dos sujeitos que as vivenciam.
Para os profissionais entrevistados as reuniões de equipe deveriam servir para
traçar objetivos comuns e organizar o trabalho da equipe, mas reconhecem que a
equipe apresenta dificuldades na comunicação no espaço das reuniões.
“muitos não se posicionam nas reuniões e depois ficam falando pelos
corredores”.
Como consequência, parece ser difícil alcançar “acordos reais” e as combinações
feitas nas reuniões muitas vezes não são colocadas em prática. Os profissionais
sentem desconforto e insatisfação com este tipo de funcionamento.
“cada um trabalha do jeito que quer”
As lideranças comunitárias manifestam suas expectativas sobre o tipo de relação
que desejam que se estabeleça entre a equipe e população e valorizam a “boa
comunicação” e o respeito mútuo. Existem críticas quanto à postura dos
profissionais que, segundo eles, não conseguem interagir adequadamente com os
pacientes e com a comunidade.
“Alguns se comunicam bem, outros nem tanto (...) algumas pessoas têm
desconfianças dos profissionais que ficam trancados lá dentro".
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As lideranças comunitárias percebem diferenças entre os profissionais desta
equipe no que tange ao comprometimento e ao interesse com o trabalho comunitário
e destacam que alguns possuem bom nível de conhecimento sobre “participação
popular” e “trabalho comunitário” e que a relação equipe-comunidade é uma relação
democrática. Consideram também que estas características, vistas como qualidades
desta equipe, diferenciaria esta unidade da maioria das unidades do SSC. Relatam
também que os usuários em geral reconhecem essas qualidades e valorizam o
vínculo que a maioria dos profissionais estabelece com os pacientes.
Quando questionados sobre o planejamento, organização e coordenação do
processo de trabalho, os profissionais reconhecem problemas como:
desorganização da equipe, dificuldade de sistematizar e sintetizar as discussões,
falta de priorização dos problemas, dificuldade de “sair da discussão e ir para a
ação”. A equipe tem tradição em fazer planejamento com a participação da
comunidade e a maior dificuldade parece estar mais relacionada com o
funcionamento cotidiano da unidade de saúde em que é difícil sustentar os
processos a mais longo prazo.
A falta de tempo, a pressão da demanda, as múltiplas atividades, a falta de
estrutura física, de recursos humanos e de equipamentos de informática são
relacionadas pelos profissionais a essas dificuldades que implicam a não
incorporação de ferramentas de trabalho que poderiam efetivamente contribuir para
a melhoria dos resultados e das relações de trabalho. São mencionadas também a
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dificuldade de manter registros confiáveis, monitorar indicadores e fazer avaliações
periódicas do conjunto de atividades desenvolvidas pela equipe.
Estas dificuldades poderiam estar relacionadas à não apropriação por parte da
equipe e da coordenadora da unidade de uma metodologia capaz de integrar a
avaliação, o planejamento e a educação permanente da equipe para facilitar a
coordenação do processo de trabalho, o que constitui um traço da cultura do SSC
em geral: improvisação, “apagar incêndios”, não fazer planejamento global e
estratégico, dificuldade de coordenação dos trabalhos parciais, reuniões sem
objetivos e metodologia claros.
“a gente discute sempre a mesma coisa nas reuniões de equipe”
O registro das atividades realizadas, especialmente nas “ações programáticas” é
reconhecido como importante para possibilitar a avaliação do trabalho e caracteriza
uma diferença entre o que idealiza e o que se consegue fazer. Para além das
dificuldades mais imediatamente percebidas pelos sujeitos é possível perceber
traços da cultura tradicional em saúde – em que o planejamento não é valorizado –
provocando conflitos com as necessidades organizativas trazidas por um novo
modelo de atenção, onde a informação, a avaliação, o planejamento e a educação
permanente são imprescindíveis.
A coordenadora da unidade de saúde, ao ser solicitada a avaliar seu “modo de
gerenciar” ressalta que sua maior qualidade seria a “capacidade de conciliar
diferenças na equipe e com comunidade”.
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“Tenho habilidade para resolver problemas pessoais, deixo todos fazerem sua
catarse e pontuo, de cada um, o que considero aproveitável (...) minha maior
contribuição é a integração com a comunidade”.
Questionada sobre seu “método de gerenciar”, reconhece dificuldades quanto à
organização e caracteriza seu “método” como:
“O ontem revela o hoje e constrói o amanhã. Sempre trabalho com a equipe - o
planejamento não está sistematizado, mas sempre fizemos.
Sobre suas dificuldades como gerente, expressa:
“Lido mal com críticas, tenho medo da rejeição, medo do poder relacionado ao
saber que não domino, mas tento aprender...”
A coordenadora relata também que desejaria “completar a equipe”, pois isso
contribuiria para desestabilizar o poder tradicional e melhorar o ambiente de
trabalho.
“(...) a criatividade vem ao natural, todos produzem”.
Uma alternativa que surge no contexto da discussão sobre a problemática
gerencial na unidade é a proposta de constituição de um “colegiado de gestão”,
embora a equipe ainda não tenha conseguido se debruçar efetivamente sobre ela.
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Alguns entrevistados defendem esta proposta como uma saída para o acúmulo de
atividades que o coordenador da unidade de saúde precisa assumir e que torna o
tempo para as atividades gerenciais sempre insuficiente. Na verdade, a equipe
reconhece que informalmente já existe um compartilhamento de responsabilidades
com o coordenador da unidade, principalmente nas situações e questões mais
difíceis. Segundo um dos entrevistados:
“(...) é muita coisa para uma só pessoa
(...) as pessoas tem de se sentir incluídas no processo, a gente não consegue se
organizar”
A respeito da participação da comunidade no planejamento e na gestão da
unidade de saúde, a coordenadora ressalta:
“Na minha gestão a comunidade entrou para dentro, sempre planejamos com a
comunidade (...). A comunidade deveria apropriar-se mais das coisas do posto”
Ao serem convidados a avaliarem a coordenação do trabalho do posto de saúde,
as lideranças comunitárias valorizam especialmente a relação que a equipe
estabelece com a comunidade local e reconhecem competência e abertura para o
diálogo com a população por parte de todos os profissionais que já coordenaram
esta unidade de saúde. Elogiam especialmente o trabalho da coordenadora na
ocasião da realização desta pesquisa, destacando sua abertura para o diálogo,
acolhimento às demandas da população e respeito à comunidade.
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Aprendi tudo aqui, é muito rico (...) sempre tem acolhimento, uma postura
diferente da prefeitura.
“Conversar com a população é importante
Vivência da ordem interna pelos sujeitos
Há coisas que não conseguimos conversar na equipe, porque as pessoas se
ofendem ... mas a gente se dá super bem
As contradições que surgem nas falas parecem expressar a co-existência de
conflitos e solidariedades nas relações pessoais e de trabalho e, concomitantemente
o desejo de superar formas inadequadas de comunicação, melhorar as relações e o
cotidiano de trabalho.
“Há muita fofoca pelos corredores...”
Os profissionais reconhecem que muitas vezes a comunicação nas reuniões de
equipe “não funciona” como deveria, o que acaba por prejudicar a continuidade dos
projetos, ações e processos que envolvem o trabalho e o comprometimento de
todos.
“Há boicote na equipe, quando alguém não concorda, simplesmente não faz”
“Se um falha atrapalha o trabalho de todos”
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As dificuldades de comunicação, de coordenação do processo de trabalho global
e de alcançar consensos são explicadas pelos profissionais pelo fato de ser uma
“equipe grande” e também da coordenadora não ser médica e ter dificuldades em
lidar com as “coisas da categoria médica”.
Com relação ao grau de autoritarismo/horizontalização das relações existem
diferentes percepções entre os profissionais. Alguns consideram que existem
hierarquias entre as categorias profissionais, onde os médicos estão “no topo”, mas
outros percebem as relações de trabalho “horizontalizadas”. Estas diferentes
percepções poderiam estar relacionadas ao “lugar” que o sujeito ocupa na equipe: a
tendência entre os “não-médicos” é perceber as relações mais hierarquizadas.
Todos reconhecem a existência de diferenças entre os profissionais da equipe
quanto a concepções, modos de proceder e atitudes no trabalho e isso parece
provocar conflitos nas relações de trabalho e pessoais que acarretam dificuldades no
desenvolvimento do trabalho cotidiano. Este aspecto é visto por todos os
entrevistados da equipe como uma das maiores dificuldades da equipe e que vem
acarretando estresse progressivo entre profissionais.
Entretanto, muitos referem que também existem cumplicidade, confiança,
respeito ao outro, troca de saberes e relações horizontais.
“É difícil conviver com as diferenças”.
“A gente briga muito, há conflitos, mas também somos muito amigos”
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A questão da “saúde mental da equipe” é percebida como um problema que vem
piorando e muitos atribuem ao “episódio da intoxicação” que provocou danos à
saúde física e mental dos profissionais, dificultando os relacionamentos pessoais e
de trabalho.
“Os problemas são da equipe ou da intoxicação?”
O estresse é também atribuído ao desgaste de trabalhar com a população, com
tantos problemas e pressão excessiva da demanda. Alguns profissionais pensam
que seria importante o trabalho terapêutico individual e não com toda a equipe.
“Trabalhar com a população não é fácil; (...) as pessoas precisam de
acompanhamento individual, não em grupo”
A co-existência nas relações desta equipe de conflitos e diferenças, mas também
atitudes de colaboração e de solidariedade parece evidenciar o esforço de uma
equipe que se sente comprometida com seu trabalho, que encontra sentido no
trabalho, que deseja incorporar mudanças para adaptar-se melhor a novas
exigências do modelo de atenção preconizado para o SSC e SUS, mas se encontra
em um contexto desfavorável para realizar estas mudanças.
A relação entre os atores na UJI
Desde a origem do SSC existem eleições para a coordenação das unidades,
das residências e do SSC e o espaço das “reuniões de coordenação” visto como
espaço decisório do SSC, o que caracterizaria um estilo “democrático” de gestão. As
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relações entre as equipes e a população é preconizada como princípio do SSC e
está previsto em regimento a formação de Conselhos Locais de Saúde nas doze
unidades. O modo como essas relações efetivamente se dão, entretanto, depende
das possibilidades que cada situação de gestão possibilita.
Na UJI a relação da equipe com a comunidade local se dá em espaços mais
formais, como seminários de integração, assembléias comunitárias, reuniões com a
Associação de Moradores e Conselho Local de Saúde e também no cotidiano, modo
mais informal, em que a equipe vai buscando conciliar as necessidades da
população com as possibilidades da equipe de responder a elas. A intenção
democrática, uma postura respeitosa com a população e a busca de “construção
compartilhada” ficam explícitas no discurso dos profissionais e das lideranças
comunitárias entrevistadas. Esse traço cultural fica claro ao resgatarmos a história
desta unidade de saúde que, em inúmeras oportunidades, possibilitou desenvolver
ricas experiências e projetos de trabalho em conjunto.
As lideranças comunitárias reconhecem o estilo participativo, democrático
e humano do trabalho da equipe e do gerenciamento da UJI e valorizam a história
de parcerias, aprendizagem e crescimento mútuo. Destacam a formação dos
residentes que primaria por desenvolver entre os profissionais uma visão
humanizada da profissão. Uma das entrevistadas destaca o crescimento que
aconteceu através desta relação com a equipe:
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“Às vezes há estranhamento, outras vezes entrosamento entre a equipe e a
comunidade. No início as reuniões eram de queixas, depois aprendemos, houve
crescimento da comunidade... sou fruto desta unidade”.
A mesma entrevistada relata que foi “formada como liderança” na relação com
esta equipe. Considera que todos os profissionais que já ocuparam o cargo de
coordenação da unidade de saúde possuem qualidades positivas, mas destaca as
qualidades especiais da então coordenadora da unidade de saúde:
“a chefe abraça, se comunica, escuta a comunidade, é responsável, positiva,
franca, lutadora, acolhedora e humana (...) na sua ausência as pessoas ficam sem
pai. Ela tem coragem de tomar decisões difíceis quanto aos funcionários, quando é
necessário (...)
Segundo ela, a comunidade “faz críticas para construir” e a visão da
comunidade é diferente da visão da equipe. Para resolver problemas, considera que
seja necessário tanto o conhecimento técnico quanto a pressão organizada da
comunidade e que equipe tem de dar espaço para a comunidade participar.
“Às vezes parece que cada um faz o seu trabalhinho e deu (...) a gente
sempre tem o que melhorar”.
Uma das lideranças comunitárias que integra o Conselho Local de Saúde
valoriza a relação que se estabelece neste espaço entre os profissionais e a
população, ressaltando que “todos podem dar opinião”, que estabelecem metas
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conjuntas e avaliam os resultados. Sua fala parece expressar diferentes concepções
de participação em saúde, tais como “construção compartilhada”, “colaboração”
e “controle” da comunidade sobre o funcionamento do posto de saúde.
“Existem programações conjuntas posto e associação. (...)
“No conselho local, discutimos a marcação de consultas e o cadastramento
(...) a implantação das propostas é mais complicado
"Eles" estavam precisando de nós (...)
“Quando queremos saber o horário dos profissionais, eles respondem”
Apesar dos elogios, a comunidade faz críticas sobre questões administrativas
como a “saída de profissionais para seminários sem substituição”. Como aspectos
negativos do funcionamento do posto, referem os atrasos de alguns profissionais e
as “reuniões, que tem muita discussão e pouca ação”. Falam também de “falta
abertura de alguns profissionais”, mesmo reconhecendo que a maioria deles são
abertos, o problema das “filas” e dos “fora de área”. Apesar disso, parecem
reconhecer a boa vontade da equipe em atender bem a população, apesar das
dificuldades de falta de pessoal.
Os conflitos entre discurso dos profissionais, que valoriza a capacitação para
o trabalho e um cotidiano que dificulta integrar efetivamente o planejamento e a
educação permanente como ferramentas para aprimorar e facilitar o trabalho da
equipe expressa traços culturais relacionados ao modelo tradicional de organização
de serviços de saúde onde o fazer é orientado predominantemente pelo atendimento
das demandas percebidas pela população.
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A Liderança como capacidade de “Socialização dos Sujeitos”
Esta categoria foi definida por nós, em um sentido geral, como o estilo e o
valor dado pela liderança à responsabilização, à capacitação e à aprendizagem
em situação de trabalho. O estudo desta categoria envolveu identificar “indícios e
marcas culturais” relativos aos aspectos propostos por Rivera (2003), que foram
“traduzidos” para o contexto desta investigação, conforme o quadro abaixo:
Aspectos da categoria Socialização dos Sujeitos
Denominação segundo
Rivera (2003)
Denominação para o contexto da pesquisa
Importância da capacitação Importância dada pela liderança à capacitação,
educação continuada e permanente
(formação para o trabalho)
Formas de treinamento e ascensão
predominantes (ajustamento social)
Formas de treinamento para o trabalho e de
ascensão
Enfoques pedagógicos na aprendizagem na
situação de trabalho
Responsabilização:
Nível de formalidade e grau de crença na
prestação de contas;
Concepções valorativas predominantes na
avaliação (o que é um bom produto, um bom
resultado, um bom funcionário);
Percepção dos direitos e deveres das
pessoas e da empresa
Responsabilização:
Nível de formalidade e valorização da
solicitação e prestação de contas
Concepções e valorização de avaliação
Usos da avaliação no processo de trabalho
Percepção sobre direitos e deveres das
pessoas e da instituição
Tipo de liderança dos portadores da
cultura
Análise da especificidade dos fundadores em
relação ao contexto
Análise do tipo de liderança dos “fundadores”
e/ou portadores da cultura – especificidade em
relação ao SSC/GHC/SUS
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Liderança, socialização e importância da capacitação
Comentando sobre este aspecto, a coordenadora da unidade de saúde fala de
dificuldades relacionadas ao papel da coordenação do SSC:
“ a coordenação influencia na equipe, não conseguimos juntar planejamento e
educação permanente (...) sou meio anárquica”.
Percebe seu compromisso como coordenadora de unidade de saúde como o
de “fazer as pessoas participarem sabendo os porquês” e destaca a necessidade
dos profissionais de atenção primária estarem sempre aprendendo, principalmente
com a população. Demonstra orgulhar-se de haver participado da formação de
lideranças comunitárias que iniciaram sua vida participativa na relação com o posto
de saúde e que hoje se destacam em espaços municipais de gestão do SUS:
“As pessoas aprendem aqui a participar na saúde”
Os profissionais, ao serem questionados sobre o modo como costuma
acontecer a capacitação da equipe ressaltam que consideram a educação
continuada muito importante principalmente pela necessidade de preparar os
profissionais que são contratados “sem vivência em APS” e para inserir os
residentes no trabalho da equipe.
Alguns profissionais consideram que “educação continuada com toda a
equipe não existe”, outros dizem que “existe, mas é desorganizada”. Referem que os
temas de educação continuada costumam ser escolhidos a partir de dificuldades
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identificadas pelos profissionais no cotidiano de trabalho e que “aqueles que trazem
o assunto se encarregam de preparar”.
A coordenadora da unidade de saúde reconhece que “na educação
continuada, a equipe está desestruturada”, mas ressalta que em espaços informais
existem as discussões de caso e as interconsultas. A educação continuada da
equipe se dá principalmente em espaços promovidos pelo SSC e SUS e algumas
categorias são desfavorecidas, como os auxiliares de enfermagem, que têm maiores
dificuldades pois quando saem os “outros ficam sobrecarregados”.
A coordenadora lamenta o baixo aproveitamento das reuniões que explica
pela postura de "ouvintes" de muitos integrantes da equipe. Considera que, para
melhorar seria necessário promover “coisas criativas, lúdicas e integrativas” que
tragam novos conhecimentos, promovam a interdisciplinaridade, a cooperação e
ajudem a lidar com as dificuldades nos relacionamentos, tudo ao mesmo tempo.
A dificuldade, entretanto, de conciliar múltiplas demandas e encontrar tempo
para organizar “outras atividades” além do atendimento dos pacientes interfere nas
possibilidades de fazer educação continuada. Um dos profissionais queixa-se da
“descontinuidade da educação continuada e do planejamento” e da falta de um
trabalho para integrar a equipe que solucione os conflitos das relações de trabalho.
”A gente não consegue passar as coisas para os residentes.
“A gente não termina as coisas (...)
“Quando a psicóloga começou a mexer nos calos, a coisa parou”
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A respeito da dinâmica das reuniões de equipe, os profissionais consideram
que existem dificuldades de transpor da discussão para a operacionalização na
prática:
“É difícil redirecionar o trabalho a partir das discussões (...) as pessoas se
desestimulam”.
A dificuldade de articular a educação permanente da equipe com planos de
ação que efetivamente redirecionem o processo de trabalho como um todo parece
resultar de um modo de gerenciar e realizar reuniões de equipe sem apoio em uma
metodologia clara. Entretanto, isso é explicado pelos profissionais e pela
coordenadora em função da “falta de tempo para a organização”, o que é lamentável
já que nesta equipe existem profissionais que dominam metodologias de trabalho
em equipe, trabalho comunitário e planejamento.
A “Responsabilização” na Unidade Jardim Itu
“Só alguns grupos conseguem planejar e avaliar, mas não são discutidos na
equipe, deveriam ser mais socializados”
“Falta interesse e tempo para se apropriar de tudo, a organização das
atividades fica sempre para a última hora”
A existência da residência integrada no SSC vem tensionando as equipes no
sentido da importância de incorporar a avaliação, o planejamento e a educação
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permanente. Mas como fazer essa mudança se estas atividades são vistas como
“algo a mais que se tem de fazer” em um cotidiano de trabalho já sobrecarregados?
Atualmente está sendo implantada uma proposta de avaliação de
desenvolvimento no GHC que teria potencial para revalorizar a avaliação das
equipes e a avaliação individual e começar a romper com o traço cultural tão comum
em todo o sistema de saúde que é a “baixa responsabilização”. Entendemos,
entretanto, que esta proposta teria de ser adaptada criativamente à cultura deste
serviço para que possa superar as dificuldades e resistências inerentes a uma
concepção negativa e a uma visão persecutória de avaliação.
Tipo de liderança dos portadores da cultura
O tipo de coordenação e de condução do trabalho nos parece depender muito da
personalidade da pessoa que ocupa o cargo de coordenador da unidade de saúde e
da influência de outros integrantes da equipe com perfil de liderança, já que não
existe uma metodologia clara incorporada como traço cultural nesta unidade de
saúde. O estilo de liderança da coordenadora na ocasião da coleta de dados da
pesquisa poderia ser caracterizado como participativa, agregadora, aberta e
acolhedora.
“Ela não faz nada sozinha”.
“Ela sempre discute com a equipe, é acolhedora, agregadora, tenta incluir todos”
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Refletindo sobre as características da coordenadora da unidade de saúde, um
dos profissionais considera que o fato de ela ser “tão aberta” levaria a que algumas
pessoas “abusem”. Mas ressalta que, quando isso acontece, “ela puxa a corda”.
Sobre o perfil esperado do coordenador da unidade de saúde surge a idéia de
alguém que “saiba se impor e fazer com que as combinações sejam cumpridas” e
também a capacidade de “resolver conflitos” e problemas nos relacionamentos
pessoais e de trabalho. Reconhecem também a dificuldade de administrar uma
unidade de saúde em uma instituição que não assume como responsabilidade a
capacitação de gerentes.
Uma das entrevistadas da comunidade, reconhece as qualidades da
coordenadora da unidade de saúde como uma “pessoa corajosa para tomar
decisões muitas vezes difíceis” especialmente quando se trata da adequação de
funcionários para o tipo de trabalho desenvolvido neste serviço. Os profissionais
parecem aceitar bem que a coordenadora possa errar, equivocar-se e até mesmo
“cometer suas burradas”, ressaltam que “as pessoas confiam nela” e que isso é
fundamental. Consideram também que a pessoa que ocupa este lugar deva ter um
“conhecimento do macro” e que esta é também uma qualidade da coordenadora.
Estas falas parecem expressar uma expectativa por parte dos profissionais de
poder contar com uma liderança forte e carismática, que saiba mostrar saídas e
alternativas especialmente em situações de crise e dificuldades, na relação interna
da equipe, com a comunidade ou com o contexto institucional. Estas expectativas
representariam traços culturais de estilos de gerência mais tradicional, centralizada e
paternalista, que reforçaria uma tendência à baixa responsabilização, falta de
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autonomia e dependência da equipe em relação à liderança. Neste sentido, a
coesão interna da equipe ficaria excessivamente dependente da presença de
lideranças que possuam essas características pessoais, o que não favoreceria a
promoção da co-responsabilidade em processos efetivamente compartilhados e o
desenvolvimento de maior autonomia dos sujeitos.
Algumas idéias a título de síntese do capítulo
Entendemos que seja importante começar a romper com “ciclos viciosos e
negativos” no funcionamento da equipe e que isso passa por um claro
posicionamento principalmente da pessoa responsável pela coordenação da
unidade de saúde e também de outras lideranças da equipe no sentido de criar
estratégias para a circulação dos saberes e para a criação de novas formas
organizativas. Um dos ciclos que necessita urgentemente ser rompido, não apenas
nesta unidade, tem a ver com uma visão de que “não se planeja por falta de tempo”.
É preciso ter em mente que também “não se tem tempo por falta de planejamento”.
O não rompimento desse ciclo explicaria a dificuldade identificada pela equipe
de “transpor do discurso para a prática”, que provoca muita frustração tanto entre os
profissionais quanto entre a comunidade. Uma concepção de planejamento
associada a enfoques mais normativos de que “primeiro se planeja, depois se faz”,
entra certamente em conflito com o comprometimento dos profissionais de
responder às necessidades e expectativas da população, dos residentes e da
coordenação do SSC. Este tipo de percepção do planejamento poderia também
acarretar distanciamento e disputas entre “os que pensam e os que fazem”, Os
“fazedores” reclamam daqueles que desejam planejar, acusando-os de “não
trabalhar” e os que acreditam na importância de planejar reclamam dos que “fazem
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sem refletir” por impedir e resistir às mudanças que se percebem como necessárias.
Esse discurso parece esconder as reais diferenças entre projetos de saúde e que
acabam sem ser explicitadas, nem enfrentadas, acarretando em perda progressiva
de identidade, de motivação, do “idealismo do início”, e em muitas frustrações na
relação interna da equipe, com a comunidade e com o SSC.
Entendemos que deveria ser promovido nesta unidade e neste serviço um
estilo “comunicativo de liderança”, como defendido por Rivera (2003), que promova a
capacidade de pensar estrategicamente, trabalhar construtivamente com as
diferenças existentes, promover a aprendizagem e sustentar projetos de mudança
organizacional a mais longo prazo. De outro modo, a falta de tempo, resultado da
real sobrecarga de trabalho e da multiplicidade de atividades cotidianas pode
justificar um “ativismo” sem espaço para a reflexão e a criatividade que dificulta o
desenvolvimento de projetos mais compartilhados e legitimados, a renovação
cultural, a superação dos conflitos, maior motivação dos profissionais para o trabalho
e satisfação da população.
O estudo da cultura na UJI constituiu uma rica experiência, pois contribuiu
para aprofundarmos o conhecimento da realidade cultural em que nos construímos.
Apesar de reconhecermos como familiares em outras unidades e espaços do SSC, a
pesquisa, por seu delineamento teórico-metodológico não permite extrapolar
resultados, mas possibilita novas reflexões, proposições e suposições.
O estudo nos leva a supor que a cultura organizacional de cada unidade do
SSC expressaria uma particularidade da cultura organizacional deste serviço,
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apresentando traços comuns ao todo e também traços singulares, conferindo
“identidades” diferenciadas entre as mesmas. Conhecer a própria cultura, com suas
qualidades e possibilidades e suas dificuldades e aceitá-la seria, em nosso
entendimento, o primeiro passo para renová-la e fortalecê-la. Os processos
gerenciais em uma unidade de atenção primária deveria apoiar-se em “ferramentas
gerencias” com potencial de trabalhar com a cultura entendida como recurso a ser
mobilizado em processos de mudança, o que significa cuidar concomitante da
“cultura técnica”, da “cultura gerencial” e da “socialização dos sujeitos”, pois estas
três categorias encontram-se intimamente interligadas.
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4 PROPOSIÇÃO METODOLÓGICA PARA A COORDENAÇÃO DO PROCESSO
DE TRABALHO EM UNIDADES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA DO SUS
A partir deste estudo da cultura em uma das unidades do SSC e da
reflexão sobre o papel estratégico a ser assumido pelos serviços de atenção
primária no SUS em um contexto cultural ainda marcado pela influência do
paradigma flexneriano e modelo médico-assistencial privatista, identificamos traços
culturais positivos e possibilidades, mas também muitas dificuldades que necessitam
ser superadas. A cultura é processo contraditório, por um lado, ela tende a
reproduzir a tradição, por outro, possuiria potencial para a auto-renovação, já que se
constitui na história em processos intersubjetivos que buscam consensos para o
enfrentamento de problemas.
A cultura muda, mas é necessário apoiar e “direcionar” a renovação
cultural e organizacional e, neste sentido, os processos gerenciais nas unidades de
atenção primária devem apoiar-se em metodologias que contribuam efetivamente
para lidar com a dupla dimensão do processo de trabalho em saúde (finalidade e
interação) e com a complexidade do contexto em que nos encontramos.
A proposta metodológica aqui apresentada oferece subsídios para um
trabalho com as problemáticas culturais e organizacionais inerentes aos serviços de
atenção primária no contexto do SUS, do qual o SSC faz parte. É preciso ter
presente entretanto que, ao elaboramos uma síntese, sempre perdemos em riqueza
de conteúdo, mas consideramos importante oferecer uma “olhar global e
abrangente” da mesma a fim de facilitar a sua apreensão por parte dos profissionais
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de atenção primária. Nossa intenção foi de não apenas os gerentes ou
coordenadores das unidades de atenção primária, mas todos os profissionais
possam apoiar-se em uma metodologia que opera simultaneamente com a produção
de ações de saúde, respondendo às necessidades de saúde da população, quanto
com a constituição de sujeitos mais críticos, criativos e comprometidos com os
processos de mudança.
Através desta proposta metodológica procuramos responder a problemáticas
como: como promover a participação de todos os integrantes da equipe no
planejamento e avaliação das ações? como lidar com as diferenças de saber e de
poder existentes na equipe? como melhorar as relações pessoais e de trabalho na
equipe? como alcançar consensos a partir das diferenças entre os integrantes da
equipe? como articular a tomada de decisão e a condução do processo de trabalho
para alcançar resultados com a educação permanente da equipe? como aumentar o
comprometimento individual e coletivo da equipe com as propostas de ação
definidas no planejamento? ...
A metodologia, por motivos didáticos será apresentada através de itens, com
a ressalva que os diferentes “momentos” podem acontecer simultaneamente.
��O primeiro momento seria construir um projeto para a Unidade de saúde, o
que significa definir claramente como a equipe pretende trabalhar naquele
território, com aquela população e que resultados pretende alcançar a médio
e longo prazo. É importante que desde o início seja discutida uma “visão
compartilhada” e definidas "imagens-objetivo", o que permitirá nortear a
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priorização de problemas e a definição das ações a serem desenvolvidas. Da
construção deste projeto devem participar a equipe e a comunidade.
��Construir este projeto e a “visão compartilhada” pressupõe, em primeiro lugar, ter
claros os princípios orientadores do SUS e da APS e, a seguir, conhecer a
“situação”, isto é, a população, a realidade em que esta vive e sua situação de
saúde. Existem diferentes métodos e técnicas que ajudam a conhecer a
realidade, o fundamental é que os sujeitos interessados (equipe e população)
devem reunir, coletar e interpretar coletivamente as informações.
��Uma “visão compartilhada” é ...
��A partir do conhecimento da realidade desencadear um processo de
planejamento, produzir um plano de ação com objetivos a serem alcançados no
curto e médio prazo, visando a "aproximação à imagem-objetivo" e concretização
da visão compartilhada.
��O plano de ação orienta as ações do gerente na condução do processo de
trabalho de sua equipe. Conduzir o processo de trabalho significa acompanhar,
avaliar, e redefinir permanentemente, junto com a equipe e a comunidade, as
ações e atividades previstas, dentro dos prazos combinados.
��Para desencadear este processo é fundamental fazer uma agenda que organize
as reuniões de equipe e com a comunidade e garantir o tempo necessário para
fazer avaliação, planejamento, educação permanente com a equipe e trabalhar
junto com a comunidade local.
��As reuniões de avaliação encaminham para a revisão dos objetivos, metas e
processos, sempre que necessário; desse modo o planejamento é incorporado
no cotidiano de trabalho da unidade de saúde.
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��A avaliação e o planejamento, se conduzidos com uma perspectiva reflexiva e
criativa tornam-se educação permanente articulada ao fazer cotidiano; a prática
estará sendo reconstruída permanentemente através do diálogo e da
problematização
��Esta dinâmica constitui um processo de educação permanente que tem o
cotidiano e a prática como fonte da reflexão e da identificação dos problemas e
temas que necessitam ser trabalhados visando a socialização e capacitação dos
sujeitos no trabalho.
��O gerente deve aprender a delegar responsabilidades e promover um
"gerenciamento compartilhado do plano de ação".
��É fundamental que o gerente atente para as questões subjetivas e individuais e
às relações interpessoais na equipe. Conciliar as necessidades subjetivas e os
desejos individuais com a construção de um trabalho coletivo é fundamental
para garantir legitimidade aos processos de mudança organizacional.
��Saber ouvir e ser sensível às demandas da equipe e individuais é fundamental.
Promover e estimular a expressão autêntica dos profissionais e da população é
um caminho difícil, mas gratificante. Ajudar os mais calados a se expressarem,
mostrando que a opinião de todos é fundamental na construção coletiva, pode
contribuir na resolução de conflitos
��Os conflitos são inerentes, mas precisam ser superados para que se constituam
relações mais saudáveis e construtivas; isso faz com que as pessoas se sintam
parte de um projeto coletivo, encontrem mais sentido no trabalho e possam
comprometer-se com ele.
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Através desta estratégia pensamos ser possível articular a avaliação, o
planejamento e a educação permanente e construir projetos de saúde mais
legitimados entre os sujeitos.
A seguir apresentamos alguns aspectos que necessitam ser garantidos para
viabilizar a coordenação de processos de trabalho com esta perspectiva.
Todas as reuniões, especialmente as de avaliação, planejamento e educação
permanente - com a equipe e com a comunidade - necessitam ser planejadas e
preparadas com antecedência. Os objetivos devem ficar muito claros, tanto para
quem coordena, quanto para quem participa; a dinâmica e as técnicas empregadas
deverão favorecer o alcance dos objetivos.
As reuniões devem ter três momentos: a) explicitação dos objetivos; b)
desenvolvimento das discussões de modo organizado, seguindo a dinâmica
planejada; c) síntese, destacando as conclusões e encaminhamentos.
Os objetivos, as sínteses e os encaminhamentos necessitam ficar muito claros e
ser registrados adequadamente. Os registros necessitam ser guardados em local a
que todos tenham acesso. É importante que a equipe e a comunidade tenham
retornos e sínteses das discussões realizadas e encaminhamentos, pois este é o
"produto" da reunião de equipe ou com a comunidade. Estas sínteses precisam ser
divulgadas, para que todos se apropriem do processo.
As reuniões necessitam ter dinâmicas que favoreçam a participação de todos os
envolvidos. Perguntar diretamente a opinião dos "calados" é uma forma de mostrar
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interesse pela opinião de todos. Um formato geral que facilita a participação e a
negociação das diferenças na busca de consensos é o que segue:
Momento individual � Pequenos Grupos � Momento em Grande Grupo
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O momento individual é o de posicionamento de cada um, através de seu
saber, suas opções e sua subjetividade, contribuindo para uma construção coletiva,
colaborativa e solidária. Este é o espaço em que criamos consciência e
incorporamos os conhecimentos necessários à discussão nos pequenos grupos.
O momento de pequenos grupos é o momento de seleção, organização,
esclarecimento e troca de idéias; é o momento da decisão quanto aos rumos, mérito
e conteúdo das propostas. É o momento de problematizar, questionar, negociar,
explicitar as diferenças e buscar os acordos possíveis.
O momento de grande grupo (com toda a equipe) é o momento em que
buscamos a totalização e a organização das propostas e re-encaminhamos
métodos, técnicas e processos, se necessário. É o espaço onde cada pequeno
grupo apresenta a sua contribuição, a fim de que novas sessões de pequenos
grupos ou individuais possam valer-se de toda a riqueza que aí aparece.
As reuniões devem ser coordenadas pelo gerente ou coordenador da unidade
de saúde, mas este pode solicitar que outros integrantes da equipe se envolvam na
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preparação, coordenação e sistematização das reuniões. O gerente não precisa
fazer tudo, mas deve “integrar as partes e buscar a unidade do todo”.
Coordenar reuniões de trabalho com a equipe ou com a comunidade pressupõe:
a) Conduzir o grupo na busca dos objetivos propostos; b) Ter método e flexibilidade;
c) Dominar e ter uma posição clara sobre o tema; d) Integrar e animar o grupo; e)
Desencadear e propiciar a participação de todos; f) Saber perguntar, o que
perguntar e quando perguntar; g) Explorar as causas e buscar relações não-visíveis
a um primeiro olhar; h) Saber opinar, saber calar, saber ouvir; i) Ser um "parceiro" na
construção de um projeto comum; j) Garantir o registro do processo e a avaliação
(ALFORJA,1993)
É importante ter clareza sobre as possibilidades e limitações do emprego de
técnicas e dinâmicas de grupo no trabalho com a equipe. Elas facilitam a
participação, a reflexão coletiva, a construção do conhecimento e a definição de
propostas de trabalho de consenso. São importantes especialmente quando se trata
de grupos com conhecimentos e experiências muito diferentes, como é o caso de
uma equipe de atenção primária. Existem muitos livros que tratam do assunto e é
importante que elas sejam utilizadas com critérios claros.
��Elas favorecem a criação coletiva do conhecimento
��Ajudam a construir propostas de trabalho de consenso
��São ferramentas que devem ser utilizadas dentro de um processo mais
amplo de ação e formação: por si mesmas não têm caráter pedagógico
��Ao escolher uma técnica, é importante ter claro que objetivos desejamos
alcançar e conhecer as suas possibilidades e limitações
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��Para empregar uma técnica é preciso conhecê-la bem, saber utilizá-la no
momento oportuno e saber conduzi-la.
��Elas devem ser utilizadas com criatividade
O campo da saúde é um espaço de conflitos, diferenças e contradições.
Quando trabalhamos em unidades de atenção primária do SUS, identificamos
diferentes formas de agir e de pensar que expressam este contexto contraditório.
Vale lembrar, entretanto, que também neste contexto existem objetivos comuns,
onde os mais fundamentais são a construção de um sistema de saúde mais justo e
eqüitativo, a melhoria das condições de saúde da população e a realização dos
trabalhadores de saúde através de seu trabalho.
Esta tarefa coletiva necessita da contribuição de todos e gerente da unidade
de saúde deve assumir seu papel de facilitador na realização de um projeto
coletivamente construído. É preciso ter em mente que as organizações de saúde são
construções coletivas, sociais e históricas, culturais e, portanto, concretizam-se
através do trabalho cotidiano das equipes de saúde em sua relação com a
população.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES
Implementar projetos informados na promoção e vigilância da saúde no
espaço de serviços de atenção primária pressupõe identificar as necessidades de
saúde da população dos territórios-área de abrangência, priorizar os grupos
populacionais mais vulneráveis, trabalhar com problemas complexos, organizar
processos de trabalho coletivos com abordagens interdisciplinares e estratégias
intersetoriais, trabalhar em conjunto com a população, monitorar e avaliar
permanentemente as ações e atividades desenvolvidas. Isto pressupõe assumir a
coordenação do processo de trabalho com uma racionalidade ampliada, isto é,
articular dimensões estratégicas com dimensões comunicativas, apoiando-se na
cultura para renovar a cultura e, assim, viabilizar as mudanças que se fazem
necessárias na unidade de saúde, entendida como uma organização complexa.
Vários traços da cultura estudada nos pareceram familiares, o que confirma
nossa suposição inicial de que uma unidade do SSC poderia ser tomada como uma
“parte representativa do todo” no sentido do pensamento complexo, isto é, a “parte
manifesta e contém o todo”. O delineamento teórico-metodológico desta pesquisa
não nos permite generalizar os resultados, mas sim aprofundar nossa capacidade de
reflexão sobre a realidade em que nos situamos e fazer proposições para trabalhar
com as problemáticas encontradas neste contexto.
Na cultura estudada chama a atenção a coexistência de traços culturais
informados em diferentes modelos de atenção, o que interpretamos como
expressão das mudanças que foram acontecendo ao longo da história do SSC,
influenciadas pelo contexto institucional e social, ainda não consolidadas em uma
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identidade mais compartilhada. A influência da versão inglesa da APS e da
residência médica (o serviço surgiu para viabilizar um programa de residência
médica) na origem deste serviço teria criado uma cultura técnica, gerencial e de
socialização dos sujeitos centrada no trabalho médico, mas isso vem mudando:
"No início, quem mandava era o médico, hoje, este poder parece estar
relativizado, pois outras categorias também assumem postos de coordenação. (...)
Há lutas pelo poder”.
Segundo um dos entrevistados, o poder médico é hoje “mais velado”, mas muitos
profissionais ainda pensam que as equipes e o SSC deveria ser “comandada pelos
médicos” e ressalta que muitos residentes médicos ainda são formados com esta
visão. Isso caracterizaria uma contradição em relação ao discurso da promoção e
vigilância da saúde e os princípios do SUS e esta é, em nossa opinião, a justificativa
para a necessidade de mudanças, no sentido de maior adaptação ao sistema de
saúde.
Caracterizar a cultura organizacional da UJI como um “conjunto de referências
compartilhadas” nos pareceu uma tarefa difícil, já que o que nos chamou a atenção
foi a coexistência de traços culturais contraditórios, que interpretamos como
“marcas” ou “indícios” de uma cultura técnica e de gerencial em processo de
mudança.
A existência contradições é natural neste contexto e não deve ser vista como
algo negativo, pois possibilitaria um futuro aberto a várias possibilidades, cuja
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direcionalidade dependerá também do protagonismo que os sujeitos puderem
assumir. A mudança poderia, assim, ser fruto de um trabalho produtivo a partir das
contradições, através de abordagens que valorizem e se apóiem nas qualidades
positivas desta cultura buscando renová-la e adequá-la às necessidades de um
contexto em permanente mudança. As diferenças e os conflitos delas decorrentes
são inerentes, mas se perduram por tempo demasiado sem soluções podem ser
bastante destrutivos, fragilizando a cultura, os sujeitos, as relações intersubjetivas e
inviabilizando os projetos de saúde.
A cultura organizacional nesta unidade de saúde apresentar traços em comum
com outras unidades do SSC, mas também traços próprios e singulares, constituídos
nas relações intersubjetivas desta equipe com esta comunidade e com outros atores
sociais do contexto institucional e social em que se situam. A pesquisa reforça nossa
suposição inicial de que existiriam na cultura de uma atenção de atenção primária
indícios de um simbolismo associado a novos paradigmas e modelos de atenção,
mas igualmente traços do simbolismo das formas mais tradicionais de trabalho e
organização de serviços de saúde.
Reconhecemos a riqueza e a singularidade cultural desta unidade de saúde,
seus traços positivos como capacidade criativa, reflexiva, de trabalho construído em
parceria com a comunidade, ludicidade, comprometimento com a população, entre
muitos outros. Entendemos que estes traços necessitam ser reforçados através de
um processo gerencial que efetivamente conduza o processo de trabalho global
visando a consolidação e renovação permanente do seu projeto de saúde.
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Entendemos que a cultura desta unidade de saúde expressa a complexidade do
desafio que o SSC necessita enfrentar no contexto do desenvolvimento do SUS. A
particularidade da história e das influências recebidas constitui uma simbologia
singular que possui muitas qualidades, mas também problemas a serem superados.
Entre as primeiras destacamos o sentimento de orgulho por trabalhar neste serviço,
a capacidade de estabelecer vínculos importantes com indivíduos e famílias, o
comprometimento dos profissionais com a atenção à saúde da população e com a
formação de profissionais de saúde, o desejo de aprimoramento, capacidade
reflexiva e criativa.
Entre os desafios e dificuldades destacamos a problemática da comunicação
que, em nosso modo de ver, necessita ser melhor trabalhada e desenvolvida. As
dificuldades de lidar construtivamente com as diferenças no cotidiano refletem talvez
divergências mais profundas que não são suficientemente explicitadas. Isso
explicaria as resistências em aceitar metodologias de trabalho comunicativa em que
é necessário explicitar as diferenças para poder negociá-las e buscar consensos?
Talvez.
Novos traços culturais parecem estar surgindo no SSC a partir de movimentos
internos das equipes, grupos de trabalho, colegiado de coordenação e dos
tensionamentos político-institucionais e comunidades. Um “sintoma” da cultura em
processo de mudança no SSC tem sido percebido como um distanciamento entre
ensino e serviço, isto é, diferenças entre o método empregado na formação dos
residentes e as formas de trabalhar das equipes.
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O SSC vem se construindo há mais de 20 anos em contextos institucionais
muitas vezes desfavoráveis e mesmo assim tem contribuído no desenvolvimento do
SUS, dentro dos limites e possibilidades de sua cultura e organização peculiar. A
cultura apresenta possibilidades de renovação, sim, mas também resistências ao
novo e uma tendência à reprodução do tradicional. Entendemos que a identidade
do SSC necessita ser renovada e que isso seria fundamental para definir e
implementar um projeto que legitime e fortaleça o SSC no contexto do SUS,
reforçando as reconhecidas qualidades, mas trabalhando com as dificuldades para
desenvolver seu potencial.
A problemática cultural ainda nos parece em segundo plano, “esquecida”,
desvalorizada, como se, ao negá-la, pudéssemos nos livrar da responsabilidade de
nos ocuparmos dela e das dificuldades que ela nos traz. Por outro lado, ao
deixarmos a cultura de lado, corremos o risco de que ela atue como um “fantasma”
que impede a realização das possibilidades que cada organização apresenta.
A implementação mais efetiva do projeto do SUS pressupõe um olhar atento e
estratégias de intervenção efetivas nos serviços de atenção primária, no que se
refere à sua direcionalidade, governabilidade e socialização dos sujeitos, pois
cada uma dessas categorias da cultura organizacional tem influência sobre o
desenvolvimento das demais e constituem recursos que necessitam ser mobilizados
em projetos de mudança sistêmicos e complexos, como é o caso do SUS. A
imagem-objetivo do projeto do SUS é contraditória com relação ao simbolismo
cultural mais tradicional do setor saúde e, por isso, urge enfrentar efetivamente as
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problemáticas culturais presentes neste contexto, especialmente em serviços de
atenção primária, considerados estratégicos neste processo.
Acreditamos no potencial construtivo do trabalho com a cultura em contextos de
mudança através de ferramentas gerenciais apropriadas. A possibilidade de
perceber, compreender e aceitar a própria cultura, com suas qualidades e
dificuldades representa um primeiro movimento que facilita o trabalho com a cultura.
Os atores sociais com poder político e administrativo necessitam criar as condições
de viabilidade para esses movimentos, investindo na formação permanente de
gestores e de equipes de saúde para que estes possam apropriar-se de
ferramentas gerenciais que integrem avaliação, planejamento e educação
permanente a partir de problemas, em contextos de complexidade.
A promoção de processos de avaliação e planejamento entendidos como
“apredizagem permanente em situação de trabalho” seria uma estratégia
facilitadoras da renovação cultural, se apoiados em metodologias que respeitem a
cultura presente para construir compartilhadamente os futuros desejados e, portanto,
renovar a cultura.
Este estudo trouxe um pouco mais de “luz” na compreensão do cotidiano em que
nos situamos como profissional e para refletirmos sobre as possibilidades de
concretizar um projeto informado na promoção e vigilância da saúde no contexto do
SSC. Reconhecemos a necessidade de respeitar profundamente cada traço cultural
como uma “marca” da história que nos construiu do modo como somos hoje, com
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nossas qualidades, possibilidades, limitações e desafios. Mas entendemos que é
preciso renovar a cultura e a identidade deste serviço.
O desafio de todos aqueles que se sentem comprometidos com a reforma da
saúde no Brasil é 'transitar por territórios ainda por construir', onde a incerteza, a
complexidade, o desconhecido e o risco permanente estão presentes. Se os
gerentes apropriarem-se de metodologias e ferramentas que potencializem e
qualifiquem a interação comunicativa, a aprendizagem, a reconstrução permanente
das práticas e conhecimentos, poderá desempenhar-se com maiores chances de
sucesso neste contexto.
Mudanças culturais são sempre lentas e difíceis, mas condição indispensável
do desenvolvimento organizacional e sistêmico. Cultura se muda a partir de dentro,
no cotidiano, em processos de aprendizagem articulados integrada à avaliação, ao
planejamento e à gestão.
Sugestões para a equipe da Unidade Jardim Itu
- Instituir o “GT” para apoiar a coordenação da unidade e “administrar o tempo”
considerando as prioridades do processo de trabalho;
- Usar o conhecimento disponível na equipe e no SSC para aprimorar o processo
de trabalho e gerencial
�� Apoiar-se em metodologias que fortaleçam: o respeito às diferenças, a
comunicação, o diálogo e a busca de consensos, a construção de uma “visão
compartilhada de futuro”, o trabalho colaborativo e organizado, a aprendizagem a
partir de problemas; o planejamento articulado com a educação permanente; a
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organização do presente e o planejamento do futuro; o trabalho com “agendas”; a
sistematização do produto das discussões, fazer planos de ação, promover a
avaliação no cotidiano, apoiar-se nas reflexões e na criatividade.
- Acreditem e não desistam, vocês estão criando o caminho ...
- A metodologia sistematizada nesta pesquisa pode facilitar o enfrentamento das
dificuldades e revalorizar as qualidades da cultura da UJI
- Incorporar novas metodologias não deve significar o acrescentamento de “mais
uma demanda” no já atribulado cotidiano e, sim, apoiar-se nela para “reorganizar
o todo”
- Valorizem o que já construíram nesta história e enfrentem as dificuldades
- Decidam juntos o que é necessário mudar e tenham coragem: o esforço vale a
pena!
Sugestões para o SSC
- Trabalhar com “agendas integradoras” como estratégia para superar a
fragmentação entre o trabalho das equipes, o programa das residências e o trabalho
do colegiado de coordenação do SSC
- Redefinir um projeto global para o SSC, buscando uma “visão compartilhada de
futuro”, definindo missão e uma estratégia global
- Fazer planejamento global articulado com planejamento setorial de modo
continuado e articulado com uma estratégia de educação permanente no colegiado
de coordenação, nas equipes e nos núcleos (categorias profissionais)
- Transformar as reuniões do colegiado de coordenação em “oficinas de
planejamento e educação permanente” com orientação no projeto do SSC
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- Prever estratégias para a apropriação e uso com criatividade da metodologia
gerencial sistematizada neste projeto de pesquisa pelos coordenadores das
unidades, equipes e residentes, como forma de facilitar os processos de trabalho e
gerenciamento tendo a renovação cultural e organizacional como perspectiva.
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APÊNDICE 1: INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
ENTREVISTA COM GERENTES
ENTREVISTADO:
DATA:
QUESTÕES ORIENTADORAS
1. Desde quando estás na coordenação (da Unidade, do SSC)? Trabalhas também
em outros lugares, além daqui? Poderias me falar um pouco sobre tua
caminhada profissional, isto é, sobre como foi tua formação, as opções que foste
fazendo, as motivações principais, tuas experiências profissionais, enfim, como
foste te construindo como profissional e como pessoa.
2. Como esta caminhada profissional foi influenciando o trabalho que desenvolves
aqui? Tua formação foi suficiente para o trabalho que desenvolves aqui? Que
aspectos do teu trabalho mais valorizas? Que aspectos são mais difíceis para ti?
3. Poderias descrever um dia típico de trabalho, desde o momento em que chegas
até o momento em que vais para casa?
4. Na tua forma de ver, quais são as principais finalidades do SSC? E do GHC? E
do SUS? E do trabalho da/s equipe/s? Que princípios, idéias, valores são mais
marcantes no trabalho desta equipe/SSC? Percebes diferenças entre grupos na
forma de conceber e desenvolver o trabalho? Quais diferenças?
5. Como percebes e avalias o trabalho de tua equipe? Quais são suas maiores
qualidades e quais suas principais dificuldades? Existem diferenças entre
grupos? Quais?
6. Como descreverias o “teu jeito” de gerenciar/coordenar o trabalho nesta
Unidade/serviço? Como se dá a tomada de decisão nesta Unidade? E no SSC?
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Como avalias teu trabalho como gerente? Quais são, em tua opinião, os
principais avanços alcançados em tua gestão? Que tipo de dificuldades vens
encontrando? Como interpretas estas dificuldades? Se fosses gerente do
SSC/GHC, que tipo de atitudes tomarias para melhorar os processos de trabalho
das equipes?
7. Como percebes a relação entre o trabalho realizado nesta Unidade e a história
do SSC? Qual a sua principal contribuição para o SSC e para o SUS? Como
interpretas as mudanças que foram acontecendo na história do SSC e desta
equipe?
8. São desenvolvidas atividades de capacitação e educação continuada com a
equipe? Como se definem os temas? Quem organiza e coordena estas
atividades? Como descreverias as metodologias empregadas? Como avalias
estas atividades? O que necessita ser melhorado para promover o
desenvolvimento da tua equipe?
9. A equipe costuma avaliar o trabalho desenvolvido? Costuma planejar? Que
metodologias são empregadas? Como avalias estas atividades? Em que medida
estes processos influenciam o trabalho da equipe? O que necessita ser
melhorado para promover o desenvolvimento da tua equipe?
10. Que tipo de apoio consideras importante obter do SSC para melhorar o trabalho
da equipe em seu processo e resultados?
ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS
ENTREVISTADO:
DATA:
QUESTÕES ORIENTADORAS
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1. Desde quando trabalhas nesta Unidade? E no SSC? Trabalhas também em
outros lugares, além daqui? Poderias me falar um pouco sobre tua caminhada
profissional, isto é, sobre tua formação, motivações principais, as opções que
foste fazendo, outras experiências profissionais, enfim, como foste te construindo
profissionalmente e como cidadão/ã.
2. Tua formação profissional foi suficiente para o trabalho que desenvolves? Que
aspectos do trabalho que desenvolves aqui mais gostas? Que aspectos te
desagradam?
3. Poderias descrever um dia típico de teu trabalho, desde o momento em que
chegas até o momento em que vais para casa?
4. Quais são, na tua opinião, as finalidades deste serviço? do GHC? Do SUS? E as
finalidades do trabalho desta equipe? Que princípios orientam a organização das
práticas de saúde nesta Unidade?
5. Como percebes o trabalho de tua equipe? Quais são suas qualidades e
dificuldades?
6. Como descreverias o “jeito” da atual chefia de coordenar o trabalho nesta
Unidade? Como costuma se dar a tomada de decisão? Quais são, em tua
opinião, os principais avanços alcançados nesta gestão? E em gestões
anteriores? Quais são suas principais dificuldades? Que tipo de atitude tomarias,
se fosses chefe da Unidade, para melhorar o processo de trabalho na Unidade?
7. Como percebes a relação entre o trabalho desta Unidade e o projeto do SSC ao
longo da história? E com o projeto do SUS? Como interpretas as mudanças que
foram acontecendo?
8. São desenvolvidas atividades de capacitação e educação continuada com a
equipe? Como são definidos os temas? Quem organiza e coordena estas
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atividades? Como descreverias as metodologias empregadas? Qual a tua
avaliação sobre estas atividades?
9. A equipe costuma avaliar o trabalho que desenvolve? Costuma planejar as
atividades a serem desenvolvidas? Que metodologias são empregadas? Como
avalias estas atividades? Em que medida estes processos influenciam o trabalho
da equipe?
10. Em tua opinião, que tipo de apoio esta equipe necessitaria a fim de melhorar o
processo de trabalho e seus resultados no que se refere à saúde da população?
ENTREVISTA COM A COMUNIDADE
ENTREVISTADO:
DATA:
QUESTÕES ORIENTADORAS
1. Desde quando és morador desta comunidade? Poderias contar um pouco de sua
vida, sua família, interesses e motivações principais, as opções que foi fazendo, as
experiências profissionais e de vida, enfim, como você foi se tornando a pessoa que
é hoje.
2.Desde quando você utiliza o posto de saúde? Como tem sido sua participação na
comunidade? E no posto? Que aspectos do trabalho desta Unidade você mais
valoriza? Que aspectos desagradam-no?
3.Poderia falar um pouco sobre como acontece quando você vem ao posto de
saúde? Por e motivos costuma procurar o posto, como é a recepção da equipe,
como costumam resolver seus problemas (ou não)
4.Quais são, na sua opinião, as finalidades do trabalho nesta Unidade de Saúde?
Que princípios orientam a organização do trabalho nesta Unidade?
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5.Como você avalia o trabalho realizado pela equipe? Quais são suas maiores
qualidades? E suas dificuldades?
6. Como você descreveria o “jeito” da atual chefia da Unidade de administrar o posto
de saúde e coordenar o trabalho? Como são decididas as coisas - o que fazer e
como fazer a atenção à saúde da população? Como você percebe a participação da
equipe nas decisões? E a participação da população? Quais são, em sua opinião, os
principais avanços alcançados por esta gestão? E nas gestões anteriores? Quais
são as principais dificuldades? Que tipo de atitude você tomaria, se fosse chefe da
Unidade, para melhorar o trabalho da equipe e os serviços prestados à população?
7. Como você percebe a relação deste serviço com o SUS? Como interpreta as
mudanças que foram acontecendo ao longo do tempo?
8. O que você conhece sobre os serviços e atividades que a equipe desenvolve? De
quais atividades você participa? Como avalia o trabalho desenvolvido pela equipe?
9. A equipe costuma avaliar o trabalho que desenvolve? A comunidade costuma
participar das avaliações e do planejamento? Em que medida estes processos
influenciam o trabalho da Unidade? Quais as vantagens e dificuldades deste
trabalho conjunto?
10. Em tua opinião, que tipo de apoio esta Unidade e equipe necessitaria para que
possa melhor responder às necessidades de saúde da população?
ROTEIRO DAS OBSERVAÇÕES
REUNIÕES DE EQUIPE
ASPECTOS FORMAIS E METODOLÓGICOS
Quais são os objetivos da reunião observada? Em que contexto ela se insere?
Como e quem definiu a pauta da mesma? Quem coordena a reunião? Existe um
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método claro na condução da reunião? Qual? Existe um método claro na
coordenação da reunião? Qual? A reunião foi planejada, preparada? Existem
registros adequados e acessíveis à equipe? Existe devolução dos resultados da
discussão aos participantes? São utilizados materiais de apoio didático para
subsidiar e facilitar o processo de discussão? O material parece adequado?
Contribui para a dinâmica da reunião?
O PROCESSO INTERSUBJETIVO:
Como as pessoas expressam suas idéias? A metodologia e linguagem favorecem a
compreensão dos assuntos tratados por toda a equipe? Como são trabalhadas as
diferenças e conflitos de opinião? Existe diálogo? Existe questionamento e
problematização dos temas? As pessoas parecem ouvir umas às outras e aprender
em umas com as outras? Parecem abrir-se para novas formas de perceber, pensar e
fazer como decorrência da interação na equipe? Como é a postura dos participantes
em relação aos colegas? Como parecem ser as relações pessoais? Como parecem
ser as relações entre as categorias profissionais? E da equipe em relação à gerente
da Unidade? Que tipos de questões são problematizadas (técnicas, normativas,
subjetivas)? Como se dá o processo de tomada de decisão? Existe um “projeto de
saúde construído de modo compartilhado?”
A LIDERANÇA:
Como o coordenador conduz a reunião? Em que momentos oferece sua opinião?
Contribui para que o grupo alcance os objetivos propostos? Sabe desencadear e
estimular a participação de todos? Como faz? Sabe promover e desencadear o
diálogo? Como faz? Como é sua postura em relação à equipe? Respeita as opiniões
de todos? Como lida com as opiniões diferentes das suas? Como lida com os
conflitos e diferenças de opinião? Consegue fazer sínteses adequadamente? Ajuda
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o grupo a aprofundar criticamente a discussão? Sua linguagem parece ser bem
compreendida por todos? Promove a reflexão crítica sobre os temas? Faz conexões
com outros temas ou com temas mais gerais?
ROTEIRO DAS OBSERVAÇÕES
REUNIÕES COM A POPULAÇÃO
ASPECTOS FORMAIS/METODOLÓGICOS
Quais são os objetivos da reunião observada? Em que contexto ela se insere?
Como e quem definiu a pauta da mesma? Quem coordena a reunião? Existe um
método claro na condução da reunião? Qual? Existe um método claro na
coordenação da reunião? Qual? A reunião foi planejada, preparada? Existem
registros adequados e acessíveis aos participantes? Existe devolução dos
resultados da discussão aos participantes? São utilizados materiais de apoio
didático para subsidiar e facilitar o processo de discussão? O material parece
adequado? Contribui na dinâmica da reunião?
O PROCESSO INTERSUBJETIVO:
Como as pessoas expressam suas idéias? A metodologia e linguagem favorecem a
compreensão dos assuntos tratados por todos – profissionais e população? Como
são trabalhadas as diferenças e conflitos de opinião? Existe diálogo? Existe
questionamento e problematização dos temas? As pessoas parecem ouvir umas às
outras e aprender umas com as outras? Parecem abrir-se para novas formas de
perceber, pensar e fazer como decorrência desta interação? Como é a postura dos
profissionais em relação à população? E desta em relação aos profissionais? Como
parecem ser as relações interpessoais? Como parecem ser as relações entre os
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profissionais? Aparecem relações de poder entre pessoas e grupos da comunidade?
Que tipos de questões são problematizadas (técnicas, normativas, subjetivas)?
Como se dá o processo de tomada de decisão? Existe um “projeto de saúde
compartilhado”?
A LIDERANÇA:
Como o coordenador conduz a reunião? Em que momentos oferece sua opinião?
Contribui para que o grupo como um todo alcance os objetivos propostos? Sabe
desencadear e estimular a participação de todos? Como faz? Sabe promover e
desencadear o diálogo? Como faz? Como é sua postura em relação aos
profissionais e à população? Respeita as opiniões de todos? Como lida com
opiniões diferentes das suas? Como lida com os conflitos e diferenças de opinião?
Consegue fazer sínteses adequadamente? Ajuda o grupo a aprofundar criticamente
a discussão? Sua linguagem parece ser bem compreendida por todos? Promove a
reflexão crítica sobre os temas? Faz conexões com outros temas ou com temas
mais gerais?
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GRUPO FOCAL COM A EQUIPE
Coordenação: profissional da equipe
Observação e registro: pesquisadora
OBJETIVOS:
1. Apresentar as hipóteses sobre a cultura organizacional, elaboradas
pela pesquisadora.
2. Discutir, aprimorar e validar as hipóteses construídas.
DINÂMICA
Introdução: clarear os objetivos da reunião
Todos: leitura das hipóteses sobre a cultura elaboradas pela pesquisadora
Roda – cada participante coloca sua contribuição pessoal a partir da leitura das
hipóteses e das seguintes questões norteadoras (5min./participante):
Você considera que estas hipóteses expressem adequadamente a realidade
da equipe e da UJI? De quais hipóteses ou aspectos você discordaria?Em que
sentido? Como você percebe e explica o aspecto em análise? Existem pessoas na
equipe que pensam de modo semelhante? Como explicaria a existência dessas
diferenças na forma de pensar, sentir, pensar ou agir entre os profissionais da
equipe?
Coordenador: explicitação dos consensos e diferenças de opinião entre os presentes
e promoção de um diálogo para buscar consensos em relação às hipóteses,
aprofundá-las e aprimorá-las. Estimular o grupo a questionar e argumentar através
da exposição dos pressupostos que sustentam opiniões divergentes
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Fechamento – pesquisadora: proposta de encaminhamento para a devolução à
equipe – elaboração de uma proposta para apresentar os resultados da pesquisa
por um grupo de trabalho.
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HIPÓTESES SOBRE A CULTURA ORGANIZACIONAL NA UNIDADE DE SAÚDE
HIPÓTESE 1 – SENTIDO DO TRABALHO PARA OS PROFISSIONAIS
A equipe gosta do trabalho que realiza e percebe um sentido social no
mesmo. Entretanto, os profissionais sentem que o trabalho está se tornando cada
vez mais pesado e desgastante, que o idealismo do início está esmorecendo e, em
função disso, se sentem desmotivados. Há medo do futuro e não acreditam que as
coisas no SSC possam mudar para melhor.
HIPÓTESE 2 – FINALIDADE DO TRABALHO PARA OS PROFISSIONAIS
A equipe entende que principal finalidade de seu esforço cotidiano é
responder às necessidades de saúde das pessoas e buscar o bem-estar dos
pacientes.
HIPÓTESE 3 – PROJETO DA UNIDADE DE SAÚDE
O trabalho do posto visa tanto o atendimento das pessoas que procuram o
posto quanto a prevenção, educação e promoção da saúde na comunidade.
HIPÓTESE 4 – VISÃO DOS PROFISSIONAIS SOBRE O SSC, GHC E SISTEMA DE
SAÚDE
O trabalho no SSC se diferencia em relação ao hospital e à prefeitura,
principalmente no que se refere à relação profissional-paciente e à qualidade e
resolutividade do atendimento.
HIPÓTESE 5 – TRABALHO COMUNITÁRIO
O trabalho comunitário apresenta altos e baixos pois depende bastante da
iniciativa individual de alguns profissionais que têm mais afinidade com este tipo de
trabalho. De modo geral a equipe gosta da comunidade e entende que a
participação da população é importante na construção da história da unidade de
saúde e que esta interação traz crescimento a ambos e qualifica as ações, serviços
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e organização do trabalho da unidade. Percebem que o trabalho comunitário e a
participação popular nesta unidade se diferenciam positivamente em relação às
demais unidades do SSC. Atualmente muitos profissionais não conseguem “sair do
posto”. Existem diferenças com relação ao entendimento do papel da equipe em
relação à comunidade.
Quem mais se envolve com a participação popular eram E. e R., não por terem sido
chefias, mas por suas características pessoais (interesse e história pessoal, ser
assistente social, integrar o núcleo de educação,...) que sempre investiram na
formação de lideranças e para participarem critica e criativamente nas questões da
saúde e do serviço de saúde, entendendo a participação em saúde como um
permanente aprendizado, tanto por parte da população quanto dos profissionais.
Existem problemas com em relação à divulgação dos trabalhos comunitários e
grupos realizados pela equipe e isso dificulta o acesso aos mesmos.
HIPÓTESE 6 – TRABALHO EM EQUIPE
Os profissionais acreditam no trabalho em equipe; no cotidiano de trabalho,
os profissionais interagem de modo espontâneo e informal (em interconsultas e
redes de atendimento) para buscar soluções e encaminhar problemas dos pacientes
que demandam ao posto.
HIPÓTESE 7 – RELAÇÕES DE TRABALHO
As pessoas valorizam as relações de amizade e o coleguismo que
estabelecem entre si e costumam fazer festas juntos, mas existem também muitos
conflitos, fruto das diferenças na forma de pensar, de organizar e desenvolver o
trabalho. Existem também rivalidades pessoais. As pessoas costumam “falar pelos
corredores” sobre as dificuldades e problemas que acontecem no dia-a-dia de
trabalho.
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HIPÓTESE 8 – PLANEJAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
As reuniões são o espaço em que a equipe busca traçar objetivos e
estratégias de ação comuns, conduzir “democraticamente” o processo de trabalho e
buscar alternativas para as dificuldades da organização do trabalho. Algumas
pessoas contribuem bastante nas discussões mas outros ficam calados ou não se
posicionam claramente. Há dificuldade em transpor da discussão e deliberações das
reuniões para a prática. É difícil aceitar mudanças nas formas de trabalhar. As
discussões são às vezes improdutivas e muitos não gostam das reuniões. As
conclusões não ficam claras e as combinações não são colocadas em prática.
Algumas pessoas não se posicionam nas reuniões e depois falam pelos corredores.
HIPÓTESE 8 – REGISTROS E AVALIAÇÃO
As pessoas têm dificuldades para registrar as ações realizadas e sentem que
a sobrecarga no atendimento as impede de realizar registros adequados. Outra
dificuldade é avaliar e acompanhar as ações que desenvolvem. Assim, muitos não
conseguem olhar o “todo” do processo de trabalho e as informações não são
analisadas de modo a provocar mudanças.
HIPÓTESE 9 – VISÃO DA POPULAÇÃO SOBRE A POSTURA DOS
PROFISSIONAIS
A população percebe diferenças entre os profissionais, que alguns são mais
“abertos” do que outros e mais envolvidos com o trabalho comunitário. Mas sentem
que a atitude do posto é de democracia nas decisões, sempre buscando o
envolvimento da população. A qualidade da formação dos profissionais, tanto para o
trabalho clínico quanto para o trabalho comunitário é reconhecida pelas comunidade,
especialmente as lideranças com maior proximidade do posto. Reconhecem também
o esforço e boa vontade da maioria dos profissionais em atender bem de modo
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respeitoso a população e as dificuldades que a equipe enfrenta em função da
carência de recursos humanos. Não concordam com a saída de profissionais para
cursos e atividades fora sem a sua substituição. Dizem haver desconfianças em
relação aos profissionais que se atrasam ou que ficam “lá dentro e não se
comunicam com a população”. Sabem que existem conflitos e diferenças na equipe
e pensam que as reuniões são improdutivas, com muita discussão e pouca ação.
HIPÓTESE 10 – VISÃO DA POPULAÇÃO SOBRE OS PROBLEMAS DO POSTO
O maior problema é visto como as filas e a falta de consultas. Dizem também ter
medo que a municipalização desqualifique a atenção. Têm dificuldades para aceitar
os residentes em função de não serem profissionais permanentes na equipe e
desejarem ser atendidos sempre pelo mesmo médico. Vêem problemas com em
relação à divulgação dos trabalhos comunitários e dos grupos realizados pela equipe
e que isso dificulta o acesso aos mesmos.
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OFICINA I – (DEVOLUÇÃO DE RESULTADOS PARA A EQUIPE)
OBJETIVO:
1.Fazer a devolução dos resultados da pesquisa apresentando as hipóteses sobre a
cultura organizacional;
2.Aprimorar as hipóteses sobre a cultura, com a participação de toda a equipe
DINÂMICA:
13:00 RODA – Introdução e “Compromisso Ético” entre os participantes.
13:15 TRABALHO EM SUBGRUPOS
Formar 6 subgrupos. Cada 2 subgrupos recebem as hipóteses sobre uma das
categorias da cultura organizacional.
ORIENTAÇÃO AOS COORDENADORES
Ler em conjunto as hipóteses, discutir a sua validade e preparar uma
apresentação ao grande grupo.
14:15 RODA: CULTURA ORGANIZACIONAL
Apresentação dos seis subgrupos (5 min./cada).
Diálogo a partir das apresentações.
15:15 ENCAMINHAMENTOS
ORIENTAÇÕES PARA O RELATOR: acompanhar a discussão do grupo, registrando
os pontos consensuais e os pontos de divergência.
OFICINA II – (DEVOLUÇÃO DE RESULTADOS PARA A EQUIPE)
OBJETIVOS:
1. Retomar os resultados da primeira oficina, destacando, na cultura
organizacional da unidade, os traços facilitadores e os dificultadores na
construção de um projeto de promoção/vigilância da saúde no território.
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2. Construir uma “visão compartilhada de futuro” para a unidade de saúde,
como exemplo do emprego de uma ferramenta da Coordenação de
Processo de Trabalho.
3. Apresentar a Metodologia de Coordenação do Processo de Trabalho em
seu delineamento geral.
DINÂMICA:
13:00 RODA – Introdução e “Compromisso Ético” entre os participantes.
13:15 COMO É A CULTURA ORGANIZACIONAL NA UNIDADE DE SAÚDE?
Cada participante fala uma ou mais palavras-chave sobre o que lembra da
oficina I, onde trabalhamos com as hipóteses sobre a cultura.
Destacar os traços positivos que favorecem a implementação de um projeto
de promoção e vigilância da saúde.
13:30 Apresentação do conceito de “visão compartilhada de futuro” (cartaz)
TRABALHO INDIVIDUAL - “AS VISÕES INDIVIDUAIS” de futuro.
Questão orientadora: Que futuro EU desejo CONSTRUIR na unidade de
saúde?
13:45 TRABALHO EM SUBGRUPOS
Divisão da equipe em 6 grupos, trabalho orientado por roteiro
14:15 RODA: A VISÃO COMPARTILHADA DE FUTURO DA EQUIPE
Apresentação dos subgrupos (5 min./cada), construção de um CARTAZ com
palavras-chave. Diálogo sobre a visão compartilhada de futuro.
15:00 METODOLOGIA DE COORDENAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO.
Apresentação de um cartaz com uma visualização do método em seu
desenvolvimento. Encaminhamentos.
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ROTEIRO PARA TRABALHO EM SUBGRUPOS
“Que futuro desejamos construir na unidade de saúde?”
Escolher um coordenador e um relator. O grupo tem 30 min. para este trabalho.
ORIENTAÇÕES PARA O COORDENADOR:
a) Cada participante lê em voz alta a sua contribuição pessoal;
b) Facilitar um dialogo em que as pessoas possam simplesmente “ouvir e
compreender” os desejos, expectativas e “visões” dos colegas;
c) Identificar pontos de consenso e diferenças entre as visões dos
participantes;
d) Discutir as diferenças existentes, questionando os pressupostos e as
implicações dos diferentes posicionamentos.
ORIENTAÇÕES PARA O RELATOR: acompanhar a discussão do grupo, registrando
os pontos consensuais e os pontos de divergência.
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ROTEIRO PARA ANÁLISE DA PROPOSIÇÃO METODOLÓGICA
(Texto: “Coordenação do processo de trabalho: uma proposta metodológica para as
equipes do SSC”
Fazer uma leitura "corrida" do texto, globalmente, do início ao fim e, a seguir,
uma segunda leitura, mais atenta, anotando as partes e/ou palavras que não ficam
claras para você. Considerando sua percepção sobre a realidade e a “cultura” do
SSC:
1. Qual a sua impressão geral sobre a adequação desta metodologia como uma
ferramenta gerencial que poderia contribuir na aproximação entre o trabalho das
equipes e a formação teórico-prática dos residentes?
2. Como vê a linguagem usada na apresentação do método? E o conteúdo? A
organização dos conteúdos?
3. Que partes deveriam ser retirados? Que conteúdos faltaria acrescentar?
4. Outras considerações para aprimoramento do texto e sugestões de estratégias
para a sua apropriação pelas equipes
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