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FACULDADE DE SÃO BENTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA
MESTRADO ACADÊMICO
Herança Cristã da Experiência de Sentido na Crise da Modernidade –
considerações a partir do pensamento de Lima Vaz
Renato Akira Shimmi
Dissertação apresentada na data de
16/12/2011 ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Filosofia da Faculdade de
São Bento do Mosteiro de São Bento de São
Paulo, como requisito parcial para a obtenção
do título de mestre em Filosofia.
Àrea de Concentração: Ética e Política
Orientador: Prof. Dr. Franklin Leopoldo e
Silva
São Paulo
2011
2
FICHA CATALOGRÁFICA
SHIMMI, Renato Akira
Herança Cristã da Experiência de Sentido na
Crise da Modernidade – considerações a partir do
pensamento de Lima Vaz
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de São Bento
, SP – 2011
Orientação: Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva
Índice para Catálogo Sistemático
1. Lima Vaz, Henrique C. L
2. Modernidade
3. Ética
4. Filosofia Medieval
5. subjetividade
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço à coordenação da Faculdade de São Bento pelo incentivo e estrutura
fornecida, em especial ao Prof. Djalma Medeiros, pela paciência e motivação que foram
capitais para este aluno; ao meu orientador Franklin Leopoldo, pelas horas que pude usufruir
de seu conhecimento; aos demais membros da banca, cujos direcionamentos foram essenciais
para a superação das dificuldades que o tema fornece.
Não posso deixar de agradecer ao Prof. Mauricio Pagotto Marsolla, por quem nutro
admiração, sendo suas exposições essenciais para a leitura de Lima Vaz. Nem posso esquecer
dos amigos que fiz no curso de pós-graduação, a quem agradeço o convívio e os debates,
principalmente ao amigo Carlos Henrique Pereira de Medeiros.
5
RESUMO
A experiência de sentido como parte de uma tradição que encontrou seu ápice no cristianismo,
estaria agora impedida pela realidade técnico-cientifica da razão moderna. A modernidade foi
conduzida a uma ausência de sentido, que limita a Razão a um instrumento de dominação e
desumanização, mas que diante da questão do sentido está ainda aberta ao reencontro com a
metafísica e a teologia. É na análise da tradição cristã da experiência de sentido que em Lima
Vaz pode-se atestar a permanência no homem moderno, mesmo diante de um momento
histórico adverso, da sua natureza metafísica como um ser-para-o-Absoluto. Em Lima Vaz é a
rememoração sobre o que é o ser - humano, ao termo de um processo histórico de construção
da sua subjetividade, que poderá conduzir o homem a superar a crise da modernidade, através
da compreensão da herança cristã na modernidade, e assinalando a estrutura do ser-humano
como um ser metafísico.
6
ABSTRACT
The experience of meaning as part of a tradition that has found its culmination in
christianity, is now barred by the modern reasoning, with its technical-scientific reality. The
modernity was conducted to a lack of meaning, which limits the Reason to an instrument of
domination and dehumanization, from the question of its meaning it‟s still able to meet with
metaphysics and theology. In the analysis of the christian tradition about the experience of the
meaning by Lima Vaz, we can attest the permanence in modern man, even in the face of a
adverse historic moment, of his nature metaphysics, as a being-for-the-Absolute. In Lima Vaz
writings it is rememoration about what is the human being, at the end of a historic process of
construction of its subjectivity, which may lead the man to overcome the crisis of modernity,
as well as understanding of the christian heritage in modernity, and pointing the metaphysical
structure of human-being.
7
ABREVIATURAS
AF I: Antropologia Filosófica I, Loyola, 2001.
AF II: Antropologia Filosófica II, Loyola, 2001.
EF I :Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, Loyola, 2002
EF II :Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, Loyola, 2004
EF III :Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura, Loyola, 1997.
EF IV :Escritos de Filosofia IV: Introdução à Ética Filosófica 1, Loyola, 2006.
EF V :Escritos de Filosofia V: Introdução à Ética Filosófica 2 , Loyola, 2004.
EF VI: Escritos de Filosofia VI: Ontologia e História, Loyola, 2001.
EF VII : Escritos de Filosofia VII: Raízes da Modernidade, Loyola, 2002.
EF VIII : Escritos de Filosofia VIII: Platônica, Loyola, 2011.
EXP. MIST.: Experiência Mística e Filosofia na Tradição Ocidental , Loyola, 2000.
SNF : Revista Síntese Nova Fase
8
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................................ 5
ABSTRACT ............................................................................................................................................ 6
ABREVIATURAS .................................................................................................................................. 7
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 9
CAPÍTULO I - METAFÍSICA – RUPTURA E REENCONTRO ....................................................... 22
1.1 RAZÃO MODERNA E A CRISE DE SENTIDO ................................................................ 22
1.2 REENCONTRO COM A METAFÍSICA - a epocalidade de Tomás de Aquino. ...................... 37
CAPÍTULO II - HERANÇA TEOLÓGICA DA MODERNIDADE – A experiência de sentido ....... 50
2.1 RADICALIDADE TEÓRICA E A MODERNIDADE. ............................................................. 50
2.2 A RADICALIDADE TEÓRICA – A EXIGÊNCIA DE UM ABSOLUTO PARA O HOMEM.
........................................................................................................................................................... 56
2.3 - EXPERIÊNCIA E LINGUAGEM PARA LIMA VAZ ............................................................ 62
2.4 - EXPERIÊNCIA DE SENTIDO RADICAL E A EXPERIÊNCIA DE DEUS ......................... 69
CAPÍTULO III ANTROPOLOGIA DO SER-PARA-O-ABSOLUTO ............................................ 74
3.1 – ESTRUTURA DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA ........................................................... 74
3.2.CATEGORIAS DE ESTRUTURA. ............................................................................................ 78
a) Categoria do Corpo-Próprio ...................................................................................................... 78
b)Categoria do Psiquismo. ............................................................................................................ 79
c) Categoria do Espírito. ................................................................................................................ 80
3.3 CATEGORIAS DE RELAÇÃO ................................................................................................. 88
a) Categoria da Objetividade. ........................................................................................................ 88
b) Categoria da Intersujetividade. ................................................................................................. 91
c) Categoria da Transcendência. ................................................................................................... 94
3.4 CATEGORIAS DE UNIDADE .................................................................................................. 98
a)Categoria de realização .............................................................................................................. 98
b)Categoria de Pessoa ................................................................................................................. 103
3.5 - O EXISTIR HISTÓRICO A PARTIR DA PESSOA. ............................................................. 107
CAPITULO IV – O REENCONTRO COM O SENTIDO ................................................................. 118
4.1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 118
4.2 – MODERNIDADE E O HOMEM ENQUANTO ESTRUTURA, RELAÇÃO E UNIDADE.122
4.3 - CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 133
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 142
9
INTRODUÇÃO
A crise da modernidade é descrita por Lima Vaz como resultado de um processo de
universalização da cultura sem um ethos correspondente, como “principio vital da sua unidade
e do seu sentido”1, vivenciando o niilismo ético da contradição de um “avançar vertiginoso
da cultura material, mas por caminhos incertos e sem a visão de um claro horizonte de metas e
ideais”2.
As reflexões de Lima Vaz partem da certeza de que o homem experimenta uma crise
originada do descompasso entre o avanço material e universal da sociedade sem um
correspondente projeto espiritual3. A crise da modernidade expressa para Vaz a conclusão de
um ciclo pelo “enterro das utopias” , pela não realização dos ideais revolucionários do homem
universal, pois a “marcha da modernidade” não encontrou em seus guias (ilustração,
progresso, sociedade sem classes etc) um horizonte de finalidade e sentido. Enunciando-se
então o desafio da pós-modernidade : aceitar o niilismo ético e a contradição do não-sentido,
rendendo-se ao fatalismo para o vazio; ou ultrapassar o não-sentido da modernidade.
Cultura, ethos e sentido, se relacionam na tradição filosófica para a definição do
existir propriamente humano que só cabe ao homem: a cultura como obra humana é dotada de
valor e significado, sendo o resultado da luta pelo sentido para a sua existência e o seu agir, e
é por isso co-extensiva ao ethos. Assim, o existir humanamente parte de representações,
normas e fins que irão exprimir para o homem a “compreensão do mundo e de si mesmo e
apontam a direção do seu dever-ser no movimento da história”4, configurando o ethos, como a
“natureza” humana que transcende a natureza dada. A tradição partia desse ethos, como
“evidência primitiva e indemonstrável”5 para edificar uma ciência dos fins, que é a Ética. O
ethos , como objeto presente no momento inaugural da Ética, era correspondente a uma
cultura aberta à transcendência do ser, o ser como a Verdade e o Bem, permitindo a sua
transposição para o logos demonstrativo, de forma que “ o ethos verdadeiro deixa de ser a
expressão do consenso ou da opinião da multidão e passa a ser o que está de acordo com a
1 LIMA VAZ, H.C., EF III - Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura, São Paulo: Loyola, 1997, p. 129.
2 Ibid, p. 128
3 Cf. Ibid, p. 128
4 Ibid, p 127
5 LIMA VAZ, H.C., EF IV - Escritos de Filosofia IV: Introdução à Ética Filosófica 1, 3ª edição, São Paulo: Loyola,
2006, p. 17
10
razão”6. Porém, a cultura moderna, experimenta uma crise de sentido pela ausência de um
ethos que corresponda ao alcance material e simbólico por ela vivenciada, a partir da ruptura
com a tradição filosófica e seu modelo metafísico, pela emergência de uma nova forma de
razão, graças a revolução científica galileiana e as revoluções filosóficas de Descartes e
Hobbes.
O ethos tradicional da sociedade pré-moderna encontrava correspondência na religião
ou nas filosofias de transcendência objetiva, permitindo ao homem perceber nos valores que
praticava a referência a um Absoluto transcedente. O estatuto da inteligibilidade moderna
dissolve o ethos tradicional mas não edifica um ethos que atenda a exigência de sentido, como
projeto de uma história universal, estrutural ao homem. Hoje o solo cultural encontra-se
avesso a um ethos que se refira a um Absoluto transcendente, tal qual o modelos vigentes na
tradição pré-moderna, propugnando um relativismo dos vários espaços de “sentido” onde o
homem se realiza como indivíduo, reduzida a espiritualidade a apenas mais um deles. A
própria filosofia tem o seu espaço de legitimidade reduzido perante esse novo universo de
sentido, pois sua vitalidade é um “esforço de apresentação de sentido” como “suprassunção”
da facticidade histórica7. Voltada a expor o sentido como totalidade, como autojustificado e
absoluto, que conduz o homem a identificar-se consigo mesmo, com o mundo e com os
outros, que permite a vida como vida plena de sentido. A modernidade estaria voltada ao
chamado sentido parcial, que é um sentido funcional, como um sentido que existe em função
de outro, sentido que só existe “em virtude de sua referencia a algo distinto dele”, e portanto,
que expressa uma utilidade.8
A partir do séc. XVII, marco inicial da modernidade9, o projeto da razão moderna
será conduzido tanto pelos ideais iluministas como pelos messianismo políticos, ou mesmo
cientificistas, que ao invés de emancipar o homem o relegará ao não-sentido. A razão
moderna corrompe o projeto original do processo civilizatório que tinha na razão seu
instrumento de emancipação, pois agora ela conduz o homem a uma experiência de ausência
de sentido para a vida, como uma razão que não se volta ao sentido ultimo para o qual o
homem está vocacionado mas que tem como fim realizar o
6 LIMA VAZ, H.C., EF II - Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, 4ª edição, São Paulo: Loyola, 2004, p. 45
7 OLIVEIRA, Manfredo Araújo,– Crise da Racionalidade Moderna: uma crise de esperança, in SNF 45 -
Revista Síntese Nova Fase, v. 17, n. 45 (1989), p. 14 8Cf. M. Muller, apud OLIVEIRA, Manfredo Araújo, Ibid, p. 14 - 15
9 Cf. EF IV, p. 267
11
controle técnico da natureza e dos homens, fazendo emergir um mundo onde
vêm à tona o horror, a estupidez da vida humana, inserida em relações de
trabalho e dominação, que reduzem o homem a um acessório da máquina
produtiva e do aparelho de dominação.10
A crítica de Lima Vaz aos extremos da razão moderna se coaduna com conclusão de
que a Razão tornou-se sinônimo de dominação, impondo um avanço para o absurdo e para a
perda de sentido. A razão moderna, partindo de uma dominação da natureza que se estende às
demais regiões da vida, ergue a dominação do homem pelo homem como o destino da
espécie, reduzindo a história a uma total falta de esperança11
.
Tendo a modernidade alcançado efetivamente uma civilização materialmente e
simbolicamente universal, no entanto, não se tornou uma civilização eticamente universal,
não realizando uma unidade de sentido que ilumine um futuro promissor à espécie humana.
Esse projeto da modernidade guarda com a universalidade do cristianismo, como proposta de
sentido universal para o homem, certa homologia, que ,para Lima Vaz, é desenvolvida
sobertudo na sua concepção de consciência histórica.
Preliminarmente, pode-se afirmar que essa homologia é uma chave interpretativa
para compreendermos a crise ética da modernidade; pois ela permite a Lima Vaz afirmar a
necessidade de um Absoluto transcendente para o existir e agir do homem e que deve ser
atendido para se consumar uma projeto de sentido universal, bem como identificar o elo de
continuidade da subjetividade cristã na subjetividade cientifica, o que já foi considerado uma
das linhas mestras da sua visão de modernidade12
.
A crise é desvelada como uma crise da relação com o Absoluto, relação obstruída
pela visão técnico-científica moderna, e , por isso, marca para Vaz a presença do universo
teológico na modernidade, através da herança da teologia medieval, como síntese do
helenismo e cristianismo, e onde se alicerça o problema do sentido para o homem moderno
como um movimento de intenção pelo Absoluto. Ressalta-se assim a importância da teologia
em Lima Vaz para o tema da crise da modernidade.
10
OLIVEIRA, Manfredo Araújo , SNF 45, p.14 11
Cf. HORKHEIMER e ADORNO, apud OLIVERIA, Manfredo Araújo, Ibid, p. 21 12
MaCdowell, João Augusto, História e transcendência no pensamento de Henrique Vaz, in PERINE, Marcelo (org), Diálogos com a Cultura Contemporânea, São Paulo, Loyola, 2003 p. 16
12
Contudo, deve-se compreender que seu pensamento não pretende a imposição do
modelo tradicional de transcendência cristã, como postura dogmática e exterior aos
progressos da modernidade, dado que tal empreita reduziria o Absoluto à imanência da razão
moderna13
, mas sim expor no homem as possibilidades de um sentido universal que recupere
a transcendência em meio à modernidade. Vaz parte essencialmente da sua concepção de
homem como expressividade, como “espaço móvel de intencionalidade” onde os vetores de
um mesmo sentido são articulados. Como tal, a existência humana se reestrutura segunda as
“possibilidades de expressão”, que decorrem da sua experiência com o mundo e com os
outros, como experiência do existir históricamente, devendo, perante o predomínio das
linguagens das ciências modernas, enfrentar a questão quanto a se a transcendência de um
Absoluto encontra meios legítimos de expressão nessa realidade14
.
O deslocamento da função metafísica aos domínios da ideologia e do irracionalismo,
seria conseqüência da perene exigência de sentido na modernidade como abertura para um
Absoluto, e se torna reveladora da natureza metafísica do ser-humano, como um ser ainda
pertencente a um universo cultural que busca um sentido do existir e para o agir. Esse
universo cultural é propriamente definido como o universo teológico, de origem medieval, e
que teria inscrito para o homem a sua principal experiência de sentido: a experiência de um
sentido radical .
O Absoluto na tradição encontrava formas de expressão na existência humana dada a
sua insersão em um contexto de primazia do religioso, sustentado pelos próprios limites de
conhecimento cientifico. Já a modernidade, marcada pelos avanços técnico-científicos, não
permitem mais a expressão tal como se dava na tradição; de forma que a proposta de deslocar
a experiência de sentido da tradição para a modernidade, resulta em um predomínio do
imanentismo moderno. A modernidade não corresponde à possibilidade de expressão de um
sentido universal, tal como experimentado pelo cristianismo medieval, que como veremos é
paradigma de sentido para a modernidade.
O pensamento de Lima Vaz atesta que essa expressão da vida do homem é a
linguagem, por meio da qual a comunidade de sujeitos possa compartilhar um sentido,
interessando para compreender a crise o papel da linguagem, agora vertida como instrumento
técnico e ideológico, e fechada para exprimir uma experiência legítima de sentido. É através
13
Cf. Cap. IV dessa dissertação. 14
LIMA VAZ, H.C., EF I - Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, 3ª edição, São Paulo: Loyola, 2002 p. 165
13
da linguagem que o ser humano dá sentido ao mundo para si e para os outros, sentido que faz
com que ele supere o nível puramente sensível da sua vida, construindo o seu universo de
sentido e dando significado ao tempo como História, e então reger o seu agir de acordo com
esse sentido: significando o tempo e o espaço o homem dá sentido ao seu existir e agir. Por
isso “pretender enclausurar o homem numa linguagem objetiva que o reduz a ser-de-uma-
dimensão, a da eficiência técnica, é fazer dele um robô”15
.
Porém, como dito acima, não se trata simplesmente de se propor exprimir na
modernidade o sentido, como experiência do Absoluto, diante das linguagens fechadas da
modernidade, mas o que importará para Lima Vaz é que o homem é capaz, porque já o foi, de
expressar o sentido a partir do Absoluto transcendente em sua existência pois “alguma coisa
como a revelação de Deus na forma de palavra pode ter lugar na existência humana”.16
A crise da modernidade em Lima Vaz volta-se, então, para a questão antropológica:
o que é o homem. Atestar o homem como expressividade, que dá significado ao mundo e a
sua vida, como capaz de acolher a verdade do Ser, ou a palavra de Deus, nos conduz a sua
Antropologia Filosófica. Assim, no conhecimento de si, o homem moderno poderá superar o
niilismo ético e assumir a tarefa que a ele cabe, de expressar o sentido para a vida. Trata-se de
um reencontro socrático, que possibilitará reeinscrever a experiência de sentido.
Nesse itinerário do reencontro consigo mesmo, destaca-se a presença do método
dialético a partir de Platão e Hegel que representam para Lima Vaz o ciclo da filosofia
ocidental no projeto de reordenar o mundo à luz da unidade do logos. Representando cada
qual uma possibilidade arquétipica de “interpretação da cultura segundo a matriz do logos
filosófico”17
. Ambos propuseram um modelo dialético de inteligibilidade, compreendendo a
filosofia como detentora da tarefa de restituição ontológica da inteligibilidade da cultura,
preocupação de Vaz perante a cultura técnico-científica.
Tanto para Platão como para Hegel, o logos do inteligível é a dialética da Idéia, sendo
a dialética a transcrição da “ordenação ao Uno e uma explicação, a partir do Uno, do múltiplo
que se manifesta no mundo dos homens como desordenado e insensato”18
. O modelo de
inteligibilidade decorre de um modelo ideal que para Platão advém da dialética do Bem, e que
15
HERRERO, Xavier, O Homem como ser de linguagem – um capítulo de antropologia filosófica, in PALÁCIO, Carlos, (Org), Cristianismo e História, São Paulo, Loyola, 1982, p. 75 16
EF I, p. 165 17
EF III, p. 16 18
EF III, p. 18
14
para Hegel é resultado da dialética do espírito, atendendo as exigências sistêmicas do
caminho da Razão que conduzem “ à posição de um Absoluto como princípio rigorosamente
pensado da ordem das razões.”19
Partindo da interpelação crítica de uma obra humana, como é a cultura, na tarefa de
restituição ontológica da sua inteligibilidade essencial, a dialética é por isso compreendida
como Ontologia do Homem e Ontologia da Ação humana, pois visa sobretudo a
inteligibilidade do ser humano e de sua ação no mundo20
.
Logo, compreende-se que a aplicação do método dialético na obra de Lima Vaz
confere unidade aos temas do “o que é o homem” ( Antropologia filosófica), da ação livre e
racional ( a Ética) e dos pressupostos metafísicos do discurso ( a Metafísica), visando a
compreensão da totalidade do ser-humano.
Através de Platão, Lima Vaz irá situar o uso da dialética em seu pensamento, como
“caminho” buscando a lógica intrínseca do conteúdo, e não como um procedimento formal e
externo ao conteúdo. Trata-se da sujeição do caminho dialético “às peculiaridades do logos
próprio do conteúdo investigado a partir da pergunta ou aporia inicial, da qual parte o
diálogo”21
. Como observa Lima Vaz, a dialética para Platão não teria uma estrutura formal de
uma disciplina filosófica, mas antes seria lida como “caminho”, o que exprime o seu
“enraizamento no terreno da cultura vivida”, partindo das aporias presentes na cultura para
alcançar a unidade do modelo ideal22
.
A esse “caminho” Lima Vaz aplica o movimento de suprassunção na articulação
ontológica entre o homem e seu mundo, como “elevação que conserva”23
, apontando a
presença de Hegel em seu método dialético pelo tema da subjetividade, e pelo aspecto
teleológico.
O primeiro aspecto refere-se à estrutura do movimento dialético de conferir sentido,
segundo o modelo de Hegel de definição de conceito, dividido em Universalidade,
Particularidade e Singularidade. 19
EF III, p. 78 20 SAMPAIO, Rubens Godoy. Metafísica e Modernidade – método e estrutura, temas e sistema em
Henrique Cláudio de Lima Vaz. São Paulo, Loyola, 2006., p. 245
21 Apud SAMPAIO, Rubens Godoy, Ibid, p. 233
22 Cf. EF III, p.30
23 LIMA VAZ, H.C., Experiência Mística e Filosofia na Tradição Ocidental , São Paulo, Loyola, 2000 , p. 23 – nas
próximas referências a esta obra adotamos a abreviatura Exp. Mist.
15
É na transcrição desses três momentos à dialética da história , que o tema do sentido é
pertinente: no momento da universalidade, o conceito exprime uma “pressuposição de um
Sentido que articule o curso histórico”; no estágio da particularidade, o sentido da história se
submete à “multiplicidade dos fatores que configuram as épocas, as cultura e civilizações”;
por fim, enquanto momento da singularidade, o conceito é concretizado, ou seja , o universal
abstrado da universalidade como sentido se torna concreto pelo agir histórico dos sujeitos, o
sentido é posto como totalidade, restituindo à particularidade situada o sentido como
totalidade e plena inteligibilidade do universal. 24
Assim, tem-se em Lima Vaz a caracterização desse movimento em que o homem dota
a realidade de sentido, tal como em Hegel, em que “pensar o mundo empírico é,
essencialmente, transmutar (unamdern) sua forma empírica e mudá-la num universal”25
.
Igualmente, a teoria hegeliana da Essência está presente no pensamento de Lima Vaz em sua
primazia socrática, como conhecimento de si, desse movimento do sujeito voltar-se para a
exterioridade para encontrar sua identidade, onde a sua essência não se resume a pura
interioridade, considerando que “o essencial não existe senão quando se situa numa existência
exterior e imediata”26
. Em Vaz, a Antropologia Filosofica parte de um conhecimento mediato
e um retorno a si, tal qual o Conceito de Hegel 27
, porém, enquanto Hegel insere a
subjetividade finita em um processo de significar a realidade como uma suprassunção que
visa alcançar uma identidade com o Espírito Absoluto, Vaz mantém a tensão entre o sujeito
finito e situado e o Absoluto, como uma diferença real e insuperável que é o móvel da
intencionalidade do sujeito de conferir o sentido, recusando a absorção da subjetividade no
lógico28
.
A partir do tema da subjetividade compreende-se o aspecto teleológico que define o
caráter helicoidal do pensamento de Lima Vaz, pela presença do movimento dialético
hegeliano que “caracteriza-se por um movimento que é, ao mesmo tempo, progressão (linha)
e retorno ( círculo), cumulativo e progressivo”29
. Assim, na formação do conceito, ao fim da
24
SAMPAIO, 2006, op. cit, p. 241 25
BRÉHIER, Émile – História da Filosofia, fasc. III, tomo II, tradução de Eduardo Sucupira Filho, São Paulo, Mestre Jou, 1977, pág. 155. 26
BRÉHIER, Émile, op. cit., p. 158. 27
Cf Ibid, p. 149 28
Cf. AQUINO, Marcelo Fernandes de. Metafísica da Subjetividade e Linguagem III, in SFN 71 - Síntese Nova Fase, v. 22, n. 71 (1995)), p. 486 29
SAMPAIO, op. cit, p. 242
16
jornada, se abre a condição de possibilidade para o início do discurso. A concretude da
singularidade se abre para a universalidade do início do “caminho”:
Nesse sentido o movimento dialético não avança através da repetição dos
mesmos momentos como os pontos no círculo geométrico, mas pela negação
ou suprassunção ( Aufhebung), que, ao mesmo tempo, nega e conserva cada
momento no momento posterior. O termo do movimento se define como
restituição da singulairdade de cada momento na unidade de um todo
logicamente organizado, no qual o princípio, inicialmente apenas dado, se
reencontra como fim, pensado na sua estrutura inteligível.30
Considerada essas linhas gerais da dialética em sua obra, pode-se compreender o
pensamento de Lima Vaz como sistema, compreensão que parte da distinção entre sistema
aberto e sistema fechado que está presente em sua Ética Filosófica.
Sistema fechado, são os decorrentes de modelos axiomáticos-dedutivos, e admitem
apenas “uma inter-relação e interação internas entre seus elementos “. Já os sistemas abertos,
de estrutura analógica, conseguem manter uma “interação permanente com o mundo
circundante”, tendo um dinamismo que lhe permite evoluir, conciliando “ permanência e
mudança ao longo do tempo”, é o sistema que se coaduna com uma estrutura transcendente31
.
Lima Vaz, parte dessa distinção para concluir que o sistema aberto é que se adequa a
Ética. Ambos, são modelos de representação da realidade que viabilizam a ordenação racional
dessa realidade, porém só o sistema aberto atende à necessária abertura transcendente que o
discurso ético exige na busca de um fundamento universal, dado a impossibilidade do
sistema da Ética se fechar com as próprias razões situadas do agir que é objeto do discurso32
.
Em outras palavras, o sistema aberto “permite a possibilidade de um discurso ético que
respeite as peculiaridades históricas, sociais culturais dos vários ethos existentes” 33
Contudo, essa leitura permite afirmar a presença do sistema aberto nas demais obras
de Lima Vaz, não apenas no discurso da Ética filosófica. As peculiaridades do existir do ser-
humano, no tempo e no espaço, estão em um sistema aberto sempre em interação com a
transcendência do ser. Pelo sistema aberto, torna-se inteligível a relação metafísica entre o
sujeito finito e situado e o Absoluto transcendente, como movimento do homem de significar
30
LIMA VAZ, H.C., EF V - Escritos de Filosofia V: Introdução à Ética Filosófica 2 , 2ª edição,São Paulo: Loyola, 2004, p. 209 31
Cf. Ibid, p. 12-15 32
Ibid, p. 16 33
SAMPAIO, op cit, p. 316
17
o mundo e a si, expressando sua experiência com o Absoluto para a realidade exterior e para
si mesmo.
Então, para Lima Vaz “o sistema possui uma significação dinâmica que não permite
uma visão engessada da realidade por ele compreendida, mas possibilita sua aplicação à
riqueza e à criatividade da experiência concreta”34
. O sistema jamais se fecha sobre os seus
próprios termos, mas permanece aberto à articulação contínua entre a sua multiplicidade e a
unidade transcendente, permitindo a evolução do conhecimento por aprofundamento,
atendendo à infinitude intencional do sujeito pelo Absoluto, aquele “penetrar sempre mais no
mesmo”35
que é característico da metafísica .
Pode-se afirmar que o sistema aberto como evolutivo corresponde ao método dialético
de Lima Vaz marcado pela circularidade do “caminho” , e pela característica teleológica do
seu pensamento, que determina o absoluto transcendente como Princípio e Fonte do existir, e
ao mesmo tempo como Fim e “consequentemente o Bem para o qual ser humano tende, em
vista de sua abertura transcendental ao ser ou de sua infinitude intencional” 36
O sistema de seu pensamento é marcado pela articulação dialética das categorias até
alcançar o nível máximo de profundidade e unidade, que seria o momento em que se coloca a
questão do Absoluto, mas, paradoxalmente, esse roteiro revela o seu estágio final como seu
próprio ponto de partida, como “condição de possibilidade de todo discurso antropológico,
ético ou metafísico”37
.
Na metafísica, essa circularidade se manifesta no conhecimento do Absoluto como
fim, e também como início e condição de possibilidade do próprio discurso. A circularidade
dialética do sistema apresenta a metafísica como a “chave de inteligibilidade” do pensamento
Vaziano, sendo o início e o fim do discurso, e ainda como a condição de possibilidade para
uma antropologia filosófica e para uma ética .38
34
SAMPAIO, op cit., p. 322 35
Maritain, Jaques, Sete Lições sobre o Ser, tradução de Nicolás Nyimi Campanário, São Paulo, Loyola, 2ªed, 2001, p. 17 36
SAMPAIO, op. cit, p. 323 37
Ibid, p. 288. 38
A própria produção de Lima Vaz, por ele organizada entre os volumes I e VII de seus escritos , pode ser
sistematizada por essa ótica de circularidade dialética. Iniciando sua produção filosófica com um texto sobre
metafísica, ao analisar as respostas à pergunta Que é Metafísica (Giornale di metafísica) , e tendo como termo
final e conclusivo de seu pensamento será as reflexões metafísicas de Raízes da Modernidade – Escritos de
Filosofia VII. O roteiro circular entre esses dois termos se apresenta em duas direções: a via compositionis, que
seria o discurso para-nós da inteligibilidade do sistema e da elaboração de cada categoria, e a via resolutionis, o
18
Pela perspectiva do que é o sistema para Vaz , a crise da modernidade expressa o
predomínio do sistema fechado na racionalidade moderna, que estaria obstruindo a rota para
um Absoluto transcendente que fundamente o movimento de significação universal do
homem. Resultado disso é então uma realidade em que não se compartilha a experiência de
um mesmo sistema de sentido, onde a cada indivíduo se oferece uma gama de “sentidos”,
ficando a sua escolha o que antes era determinado como único pela tradição do ethos.
A imanentização da significação do seu existir na realidade, seja como natureza,
sociedade ou individualidade, pelas formas de expressão das ciências modernas, não
compromente contudo a essência do o homem é: um ser –para-o-sentido. Os “sentidos” que a
pluralidade de universos culturais oferecem não satisfazem essa essência que se exprime
como uma necessidade humana de significação universal, que permitiu ao homem erigir sua
civilização.
Prevalece então um reencontro com a tradição e sua concepção de homem, de forma
que, como sistema aberto e circular, a sua filosofia é sobretudo rememoração. Rememorar,
tal qual como concebido em Hegel, é a reinvenção dos problemas originais da filosofia, onde
se capta “o tempo que foi e o tempo que flui no agora do filosofar”39
, permitindo o reencontro
com o passado em um movimento helicoidal, em que se tem um retornar à tradição como um
aprofundamento das questões originais, não mera repetição e arqueologia mas sim uma
“compreensão renovada” 40
necessária ao presente.
A rememoração participa para Lima Vaz do próprio ato de filosofar, sendo o
primeiro passo metodológico da sua exposição , afirmando “ser impossível fazer filosofia
sem conhecer a história da filosofia” 41
, de forma que a vitalidade do rememorar em Vaz é
atestada por ele biograficamente, quando ele entrelaça a sua própria vida intelectual com a
rememoração42
. Como ato dotado de vitalidade, não se trata de mero culto ao passado, mas
discurso em-si da ordem de fundamentação das categorias. A via compositionis da obra vaziana teria como
sequência: 1- antropologia; 2- ética e 3) metafísica. Já para a via resolutionis teríamos: 1 – metafísica, 2 – ética,
3- antropologia. Essa dupla direção demonstraria a metafísica como início e fim da reflexão vaziana, tendo como
sustentáculo, como iremos ainda analisar, a metafísica do existir de Tomás de Aquino, ou seja, como início e fim
da jornada, representando a proposta de reencontro com a metafísica. (SAMPAIO, ibid, p. 288 – 290)
39 LIMA VAZ, H.C, Morte e Vida da Filosofia, in SNF, n. 55 - Síntese Nova Fase, v. 18. N. 55 (1991), p. 685
40 Ibid, p. 687
41 SAMPAIO, op. cit, p. 251
42 Cf. SNF, n. 55, p. 684 - 688
19
sim expressão da filosofia como ciência em progresso tendo como intenção “pensar a história
da filosofia como elemento intrínseco da estrutura teórica do filosofar” 43
.
O progresso da filosofia é para Lima Vaz um esforço de reinvenção, na adivinhação
da “face nova das aporias concretas que solicitam o espírito, sob a conjunção de dado céu
histórico”44
, destacando o destino do homem em confrontar as questões perenes de sua
existência. Essa reinvenção seria livre e espontânea criação, em que cada resposta formulada
às perenes questões fundamentais se apresentaria como um momento original. O progresso da
filosofia consiste então em “desocultar o ´ dado´ autêntico” que está no passado e “libertar
ao mesmo tempo a pulsão criadora com que o espírito mesmo dilata o objeto à medida de suas
exigências concretas”45
. Assim, a permanência de certos problemas exige que retomemos a
história da filosofia para nos certificarmos do progresso filosófico, e compreendermos a
formação de cada momento original que o ato filosófico ofereceu para as questões
fundamentais.
A rememoração como parte da reflexão filosófica assume a forma de uma aporética,
pois as formulações do passado se articulam dialeticamente em oposições e sínteses
convergindo ao presente filosófico do sujeito, que partirá delas para repropor o problema em
consonância com a sua realidade vivida46
.Como observa Lima Vaz, a prática filosófica pós-
Hegel descobriu na história da filosofia “uma espécie de retorno reflexivo da filosofia sobre
si mesma na sua realização no tempo” 47
.
A própria estrutura das obras de Lima Vaz, destaca a importância da rememoração
em seu pensamento, onde sempre temos, após a um introdução do problema, uma exposição
do tema pela perspectiva histórica, para somente após adentrar uma parte sistemática, tal
como se dá, por exemplo, na partes introdutórias da Introdução à Ética Filosófica e da
Antropologia Filosófica.
A rememoração permite a Lima Vaz diante da aporética histórica, atestar a constante
de seu pensamento que é a permanência do esforço metafísico do ser-humano, e da sua
natureza como ser para transcendência. Portanto, o voltar-se à tradição não é uma fuga para o
passado, mas a “mediação refletida do tempo passado” para captar no conceito o tempo
43
LIMA VAZ, H.C., EF VII - Escritos de Filosofia VII: Raízes da Modernidade, São Paulo: Loyola, 2002, p.252 44
LIMA VAZ, H.C., EF VI - Escritos de Filosofia VI: Ontologia e História, São Paulo: Loyola, 2001, p. 58 45
Loc. cit 46
Cf. LIMA VAZ, H.C., AF I - Antropologia Filosófica I, 3ª edição, São Paulo: Loyola, 2001, p. 25 47
EF VII, p. 252
20
presente, mediação que conduz a reinventar o “arquétipo platônico-aristotelico do filosofar”,
reintegrando a experiência do logos.48
A preocupação do pensamento de Lima Vaz é recuperar, diante da crise da
modernidade, o Absoluto transcendente como experiência humana, experiência que é
vivificante para o homem, que não é sobreposição do Absoluto e anulação da existência
humana. Para Vaz, o Ser como Absoluto, não se identifica com a negação em sua plenitude, e
voltar-se para Ele não é libertar-se da contingência do existir, mas sim dar significado ao
existir, e compreender porque o homem vive em um mundo de significações. No seu
pensamento o homem é dotado de um estatuto ontológico próprio como quem participa de
alguma forma do Absoluto, tendo com o universal uma identidade intencional, que
fundamenta o operar do homem no mundo como uma busca pelo Absoluto como a Verdade e
o Bem do existir.49
Compreender a crise de sentido da modernidade a partir da experiência de sentido do
passado da tradição e empreender a possibilidade, tanto teórica como vital, de reinscrever o
sentido em um agora da razão moderna na compreensão desse passado; é o que prentende
expor o presente trabalho a partir da relação do homem com o Absoluto transcendente, como
causa e fim, do movimento para o sentido. Como um recorte da rememoração presente na
filosofia de Lima Vaz, centralizando a exposição no reencontro com a tradição do homem
como ser-para-o-Absoluto, à luz de uma “compreensão renovada” do processo de formação
da subjetividade a partir da tradição cristã.
Diante desse panorama, exporemos o tema da crise da modernidade, expondo que,
para Lima Vaz, o domínio do sentido universal é somente aquele onde vige a referência viva
a um Absoluto transcendente, de forma que a cultura técnico-científica e sua forma de leitura
do mundo sejam descritas como terreno infértil para os anseios do homem. No primeiro
capítulo, trataremos da ruptura com a tradição da razão clássica e a exigência de sentido
diante dessa ruputura, concluindo com paralelo traçado por Lima Vaz entre a epocalidade da
obra de Tomás de Aquino e a crise da modernidade, expressando o necessário reencontro com
a metafísica que a crise assinala. No segundo capítulo, exporemos os paradigmas cristãos da
experiência de sentido e sua realidade na modernidade, definindo o tema dentro das noções do
48
Cf; SNF - 55, p. 687 49
MAC DOWELL, Pe. João Augusto A. A., História e transcendência no pensamento de Henrique Vaz, in
Perine, Marcelo (Org), Diálogos com a cultura contemporânea – Homenagem ao Pe. Henrique C. Lima
Vaz, SJ. São Paulo, Loyola, 2003, p. 21.
21
que é experiência e linguagem em seu pensamento. No terceiro capítulo, é nossa intenção
detalhar os fundamentos categorias presentes na Antropologia Filosófica da afirmação de que
o homem é um ser-para-o-Absoluto, e a partir disso detalhar o movimento de significação
como um retorno a si mesmo na concepção de Vaz do que é História. No quarto e conclusivo
capítulo, exporemos a situação das categorias antropológicas do ser-para-o-Absoluto diante da
cultura técnico-científica e a imanentização do Absoluto transcendente na tentativa de
inscrevê-lo como experiência moderna, para então delinear a segurança de Lima Vaz de que o
projeto de um sentido universal somente pode partir de um reencontro, como rememoração,
com quem o homem é.
22
CAPÍTULO I - METAFÍSICA – RUPTURA E REENCONTRO
1.1 RAZÃO MODERNA E A CRISE DE SENTIDO
Partindo de uma sinóptica narração dos anos pós-guerra, Lima Vaz apresenta o
quadro da crise da modernidade como uma crise vivida no terreno das “razões de viver e dos
fins capazes de dar sentido à aventura humana sobre a terra” 50
, tem-se uma crise do ser,
como resultado da própria lógica que conduz a razão humana à exigência de um sentido. Essa
narrativa apresenta a sequência de três conceitos, a predominarem nos anos pós-guerras, e que
definem a exigência do sentido na modernidade, são eles: desenvolvimento, cultura e ética.
Com o fim da Segunda Guerra, após a disseminação de um novo way of life , tem-se
os chamado “trinta anos glorioso”, onde se manifesta um único momento histórico de
crescimento tecnológico e econômico que torna o conceito de desenvolvimento na ideologia
da época “transgredindo as fronteiras do econômico e estendendo-se a todos os domínios da
atividade humana”51
. Com o fim desse período, surge o discurso pelo desenvolvimento
cultural das nações, tendo como marco histórico a conferencia da Unesco em Helsinque de
1972. Por fim, em meados dos anos 80, a preocupação com a Ética passa a marcar presença
nos vários campos de conhecimento da sociedade internacionalizada. A sequência desses três
conceitos , estaria expondo a lógica interna da trajetória histórica recente do ocidente.52
Os primeiros anos do pós-guerra tiveram como foco a reconstrução material das
nações atingidas pelos suplícios bélicos; tarefa consumada na década de 50, e que possibilitou
um movimento desenvolvimentista e industrial. O resultado desse crescimento no universo
material foi a assimetria entre “a esfera material e esfera simbólica da vida”, o que
possibilitou o discurso pelo desenvolvimento cultural entre as nações. Por outro lado, o
desenvolvimento do discurso cultural, traria a luz a necessidade ética da nova ordem mundial,
ou seja, a cultura, teria aberto o “horizonte das necessidades vitais do homem ao mundo das
formas simbólicas e do sentido”53
. Pelo conceito de cultura foi possível manifestar-se a
necessidade humana de confrontar-se com a realidade como fonte de normas.
50
LIMA VAZ, H.C, in SNF 68, Ética e Razão Moderna, Síntese Nova Fase, v. 22. N. 68 (1995), p. 55. 51
loc. cit 52
loc. cit. 53
Ibid, p. 56
23
Assim, alcançando hoje uma satisfação material inédita, um domínio técnico-
científico em contínuo avanço, o problema do sentido se torna a tarefa mais importante a
desafiar a modernidade. A análise das décadas do pós-guerra assinala para o homem atual o
manifesto desejo de equilíbrio entre o universo material e o universo simbólico, e
consequentemente a sede por sentido que vige em uma sociedade materialmente satisfeita, e
segura de seu domínio técnico-científico. As conclusões a partir da história recente, realça
principalmente a própria lógica da racionalidade do homem, como ser- para o sentido, desde
o nascimento da Ética na antiguidade grega.
Esse movimento recente de demanda pelo sentido, encontra, portanto, um paralelo
na antiguidade grega, que como sabemos, forma o paradigma racional que acompanhará o
homem por milênios. A evolução para os gregos, é descrita pelos primeiros filósofos e
legisladores, pela sequência de problemas a serem superados : trabalho e riqueza, cultura e,
finalmente, a Ética. Em outras palavras, a satisfação material, simbólica e por fim a espiritual,
como unificação e sentido para os demais planos.
A sequência desses conceitos deve ser vista como um movimento dialético de
suprassunção das racionalidades dominantes: das racionalidades técnicas-científicas, onde se
opera a satisfação material, segue-se para as racionalidades hermenêuticas, que trazem o
problema do sentido, e então tem-se as racionalidades éticas, que tematizam as normas e fins
do universo humano. Mas sempre considerado como movimento dialético de suprassunção,
movimento de elevação e aprofundamento que conserva as passagens antecedentes visando a
unidade ontológica, pois “a Razão que cria o sistema de objetos é a mesma que se interroga
sobre as razões, os caminhos e os fins”. 54
O que marcará os nossos tempos, será a presença dessa lógica dialética entre as
racionalidades, mas que não encontra um paradigma único de sentido. A exigência por um
sentido , e a conseqüente região Ética que se desdobra, como modelo de unidade e de alcance
universal é hoje o grande tema para o ser-humano, figurando então como o que Lima Vaz
descreve ser o enigma da modernidade: a dificuldade de estabelecer uma ethos de alcance
similar ao seu universalismo material. Diversamente, vige hoje a pluralidade de discurso
éticos, o que banaliza e esvazia a Ética; atendendo a dispersão moderna da razão em uma rede
de racionalidades.
54
SNF 68, p. 57
24
A co-existência de múltiplas racionalidades na modernidade sem uma referência de
unidade metafísica, acaba por obscurecer o universo de sentido para o sujeito. Podemos
compreender as redes de racionalidade, como multiplicidade desordenada, a partir da
comparação entre o paradigma da razão clássica, sob domínio da filosofia, e o paradigma da
razão moderna, regida pelos ditames das ciências, destacando a unidade que as múltiplas
racionalidade tinham na tradição metafísica.
Pela razão clássica, a primeira diferenciação da Razão foi proposta por Platão entre
razão provável e razão verdadeira, tendo como contexto o conflito entre a razão sofística e a
razão socrático-platônica. Essa diferenciação era no entanto ordenada na unidade de uma
razão superior, representada pela Filosofia. A diferenciação aristotélica do saber em teorético,
prático e poiético, também terá na Filosofia, como saber teórico, o princípio organizador e
unificador. Na tradição antigo-medieval esse mesmo paradigma estará presente, e até realçado
“quando uma forma transracional de saber, a fé, passou a ser reconhecida como o fecho de
abóbada do conhecimento humano” 55
.
Nesse estágio da razão clássica, o saber filosófico é, sobretudo, sabedoria, por
remeter à “experiência profunda da ordem divina que se eleva sobre a aparente desordem do
mundo.” A razão filosófica, como razão metafísica, seria o analogado principal a ordenar as
demais formas de racionalidades , conferindo a unidade da Razão. A razão metafísica, por
evocar a unidade da transcendência do Ser, apresentou-se como o principal analogado da
tradição, mantendo a unidade ontológica na auto-diferenciação da Razão. 56
Em contraposição, o que caracterizará a modernidade é a diferenciação da Razão em
várias formas de racionalidades sem uma referencia de unidade analógica, de forma que cada
racionalidade está fechada em seus próprios termos, isolando a metafísica como modelo de
unidade.
A singularidade da Razão moderna frente à razão clássica, tanto pelo seu método
como pelo seu sujeito, é que explicaria esse isolamento da metafísica.
O método da razão moderna é o método no sentido cartesiano-galileiano, ou seja, que
parte de hipótese e deduções, valorizando a verificação experimental, erguendo como
paradigma a ciência empírico-formal. Esse modelo científico permite que o sujeito seja o
55
SNF 68, p. 60 56
Ibid, p. 61
25
construtor de seu próprio objeto, definindo uma homologia entre o sujeito e o mundo dos
objetos criados. Assenta-se a partir dessa homologia o desaparecimento da distinção entre a
theoria e a poiseis, ou seja, o objeto criado pelo sujeito, é o próprio objeto contemplado.57
O
espaço de validez do conhecimento se restringe então na correlação entre a razão construtora
do sujeito e a inteligibilidade construída do objeto.58
O perfil cognoscitivo do sujeito da razão moderna é também profundamente distinto
daquele que vigia na razão clássica, tendo como paradigmas o Eu cogitante de Descartes, e o
Eu transcendental de Kant, em oposição ao sujeito da tradição como espírito finito e
analogado inferior do Ser. As tentativas de se estruturar uma unidade metafísica a partir dos
paradigmas da razão moderna, não prosperaram, seja pelo modelo metafísico Kantiano, seja o
modelo historiocentrico de Hegel, ao contrário, não impediram a “dissolução final da unidade
analógica da Razão”, com o comprometimento da unidade ontológica que decorria da
contemplação metafísica como analogado principal59
.
Não só a perda desse unidade analógica da razão seria uma das causas da
multiplicidade desordenada de racionalidade, mas também, a própria versatilidade do método
que consegue propor o procedimento hipotético-dedutivo e a verificação experimental para
diversas áreas de conhecimento.
Para Lima Vaz, em Kant definiu-se a figura arquetípica da racionalidade moderna, ao
estabelecer o dualismo intransponível entre o pensar metafísico ( procedimento da Razão) e o
conhecimento ( procedimento do Entendimento). 60
O pressuposto Kantiano era de que o
modelo empírico-formal, notadamente o paradigma mecanicista de Newton, seria o único
procedimento válido para o conhecimento dos fenômenos, e estes se apresentariam como “ a
cortina indevassável que cobre o noumenon”, o que, consequentemente, exilou a metafísica
das “fronteiras do conhecimento teórico da realidade”61
. Esse mesmo pressuposto vige na
razão moderna, onde a multiplicidade das racionalidade se distanciam da unidade de uma
razão analogada.
57
SNF 68 , p. 61 58
Ibid, p. 62 59
Loc. cit 60
Loc. cit 61
SNF 68, p. 63
26
Vê-se que as racionalidades modernas não possuem uma matriz de universalidade
que lhes confira unidade. A unificação das racionalidades na tradição dava-se pela relação que
elas tinham com a idéia universal de Razão, como razão metafísica.
Trata-se de uma relação entre particularidade e universalidade, que distingue as
racionalidades e a Razão. A Razão “opera a partir de princípios e obedecendo as regras da
demonstração”, a racionalidade remete aos usos distintos da razão, conforme o objeto e o
método, ou seja, racionalidade designa as diversas figuras da Razão. A relação entre a Razão
e as racionalidades, ou entre o universal e o particular, se dá como relação dinâmica, pela
presença da Razão como conceito analógico do qual participam as diversas racionalidades. 62
Essa relação implica a presença de uma Razão absoluta, que tem por isso identidade
absoluta com o Ser, ou seja, é “absoluta reflexividade do Ser em si mesmo”, a Razão nesse
nível é Noûs ou intellectus. Na razão finita, essa identidade com o Ser é intencional
(cognoscitiva), é uma identidade na diferença: “admite a diferença real com que o Ser subsiste
em si mesmo, independente do nosso conhecimento.” A razão finita, nessa identidade na
diferença com a universalidade do ser, é expressão da inteligência espiritual, em sua abertura
ao transcendente. A participação das racionalidades na forma universal da Razão, é possível
pela identidade da razão finita com o intellectus, como identidade intencional da razão finita
ou particularizada com o universo do Ser. Dada dessa estrutura analógica, é que compreende-
se a capacidade da Razão desdobrar-se “historicamente num processo sem termo de auto-
diferenciação das suas formas de racionalidade.”63
A partir de sua infinitude intencional, a razão finita desdobra-se em dois pólos de
inteligibilidade: o pólo metafísico, onde se pensa a infinitude real do Ser; e o pólo lógico,
onde se opera com a infinitude intencional da razão. Esse desdobramento tem conseqüência
na distinção entre a razão clássica e a razão moderna.
A razão clássica ordenou a estrutura analógica em torno do pólo metafísico, ou seja,
tendo como referência de unidade a contemplação do Absoluto real; já a razão moderna, irá
dar primazia ao pólo lógico, com o predomínio do método de Descartes, e da figura do sujeito
transcendental de Kant que avoca para si o lugar e a dignidade do Absoluto real 64
. Em Kant, a
modernidade chega à consciência clara de si mesma, pelo “uso público da razão” como
62
SNF 68, p. 63-64 63
Ibid, p. 64 64
Ibid, p. 65
27
emancipação humana, de forma que a fonte de sentido não decorre heteronomamente de um
todo maior, mas sim da absoluta autonomia do sujeito65
. Assim, a razão moderna irá ordenar
a multiplicidade das racionalidades a partir desse pólo lógico, marcado pela experimentação e
construção lógica do objeto, sendo por isso, notadamente, uma razão operacional e
calculadora.
A organização das múltiplas racionalidades por ordem de universalidade e alcance
gnosiológico estará agora submetida à racionalidade lógico-matemática como racionalidade-
matriz, essa ordenação permite a Lima Vaz esboçar a “tipologia das racionalidades que forma
o campo da razão moderna” 66
que são:
1)A racionalidade lógico-matemática, por seu aspecto instrumental, é a que atende à
exigência de exatidão e clareza que vige na razão moderna, atendendo a sua primazia
científica, sendo por isso a racionalidade matriz pela qual se mede as demais racionalidades
para que possam ter legitimidade como conhecimento.
2)A racionalidade empírico-formal é a que vige nas ciências da natureza, sendo a
mais representativa da razão moderna, tendo a Fisíca como “paradigma fundamental”. A
inteligibilidade da natureza se submeterá à medida matemática e à definição empírica,
desprovendo a physis de qualquer finalidade. O critério de objetividade reside assim na
aplicação metódica do formalismo matemático e na obstrução de qualquer sentido para a
natureza que não seja o dado pela razão instrumental.
3)A racionalidade hermenêutica – Trata-se de uma ciência de interpretação de
segunda potência, pois o objeto interpretado é também obra do próprio sujeito, e portanto
expressão daquele que interpreta. Como frisa Lima Vaz, o objeto da hermenêutica é a cultura,
obra humana que “não é mais do que o universo humano das significações objetivadas nas
tradições, no ethos, nas obras, nas instituições e nas ações do homem histórico” 67
. A
hermenêutica sofre influência da racionalidade empírico-formal, porém tem uma relação
constante e próxima da reflexão filosófica. O que a destacará em oposição à metafísica
tradicional é essa implicação da expressividade do sujeito no próprio objeto por ele
interpretado, onde o resultado é encontrar na sua obra as razões do sujeito finito e situado.
65
Cf. OlIVEIRA, Manfredo Araújo de, SNF 45, p. 16. 66
SNF 68, p. 66 67
Ibid, p. 67
28
4)A racionalidade filosófica – Refletindo o predomínio do pólo lógico sobre o pólo
metafísico, o tema do Absoluto será submetido à logicização, como se averigua na Lógica de
Hegel. Em outras palavras, está marcada pela logicização do Ser, na tentativa de encontrar a
expressão do Ser no logos do sujeito finito, enquanto que na razão clássica, vigia o problema
da inscrição do Ser como transcendente ao sujeito finito.
Esses modelos modernos de racionalidade expressam a ausência do transcendência
por um Absoluto real, visto que diante do objeto voltam-se sobre os próprios pólos de
inteligibilidade do qual partem, ficando o conhecimento restrito à representação matemática e
empirista que se tem do universo. Firma-se a ruptura com o fundamento transcendente pela
imanentização das coordenadas metafísicas do homem, situando-o como referência do
universo inteligível, afastando o fundamento transcendente, seja cristão, seja da tradição
grega, estatuindo-se normas e fins de acordo com as coordenadas da razão moderna, que Lima
Vaz caracteriza como razão operacional ou instrumental: uma razão que propõe a si
mesma a partir da sua representação da realidade , tendo como critério para a sua validade os
seus resultados concretos pela primazia do empírico sobre o metafísico.
Dessa forma, a crise da modernidade tem como ponto de partida uma ruptura com a
transcendência da tradição, remetendo à teoria moderna da representação que, obstruindo a
rota para um Ser transcendente possibilita a descrição da ausência de uma experiência de
sentido universal para o homem. Assim, a compreensão da teoria moderna da representação
baliza também o entrelaçamento entre o sentido e a relação com o Ser.68
Inicialmente, deve-se se ater ao uso do vocábulo sentido na sua acepção existencial,
aquela que remeterá à reflexão filosófica grega, que tinha o ser como “conteúdo significado
da linguagem, seja ele o cosmos, a vida, o homem, o divino, ou mesmo o próprio ser na sua
unidade absoluta, como na especulação eleática.” Estando presente, sobretudo, no
questionamento socrático uma reflexão sobre o ser que seja também uma proposta de sentido
para o existir: “ O problema da definição da areté como forma da vida melhor , orientada para
68
Destaca-se o entendimento de que Lima Vaz afirma as raízes comuns da modernidade e do niilismo ético – PERINE, Marcelo - Niilismo ético e filosofia, in Diálogos com a cultura contemporânea – homenagem ao Pe. Henrique C. de Lima Vaz, SJ – Loyola, São Paulo, 2003 – p. 57- 69
29
o Bem, pode ser considerado o primeiro surgir da questão do sentido na sua acepção
existencial, no horizonte da reflexão filosófica.”69
O sentido seria expressão do logos verdadeiro, abrindo ao sujeito a universalidade do
Bem do Ser, onde se traduziria a verdade do ser na verdade do conhecer. Portanto, por essa
acepção, a forma como apreendemos o ser irá refletir diretamente no universo de sentido para
o nosso existir: “ O problema gnosiológico da representação do ser na inteligência sob a
forma do conceito universal será, assim, a vertente noética do problema do sentido na sua
acepção existencial” 70
.
Para a razão clássica a representação do objeto seria um primeiro movimento em
direção ao conhecimento do ser , assegurada a “prioridade da verdade objetiva sobre a sua
representação subjetiva” 71
.
Por isso, a transição da tradição da razão clássica para a teoria da representação
moderna, que propõe a prioridade da representação do ser conforme as regras de
inteligibilidade da experiência do sujeito, teria o mesmo significado que a revolução
copernicana tem na descrição da passagem da idade média para os tempos modernos. 72
A teoria da representação na modernidade tem como postulado fundamental o fato de
a representação deixar de ser um sinal formal dentro do movimento intencional rumo ao
conhecimento do objeto como real. Ela passa a ser o termo imediato da intenção cognoscitiva,
não mais um meio pelo qual se realiza a primazia do ser, restando ao objeto em seu ser real
ficar subordinado à primazia da representação.73
Sem a referência a um ser, o movimento intencional de conhecimento limita-se à
representação, dependendo sua inteligibilidade tão somente dos termos propostos pelo próprio
sujeito cognoscente, predominando a forma de saber poiético, que rege o fazer e o usar dos
objetos. O objeto assim estaria inserido em um “campo ilimitado de possibilidades” 74
a
mercê da determinação pelo sujeito cognoscente, como produto legítimo da sua atividade
poietica, em suma, como reflexo do “querer “ do homem-construtor.
69
EF III, p. 155 70
Ibid, p. 157 71
Ibid, p. 159 72
Ibid, p. 156 73
Ibid, p. 162 74
Ibid, p. 163
30
Assim, o homem perante o mundo tem como primazia o seu próprio operar poiético,
como presença ativa que cria para si o mundo de acordo com suas representações, sem a
referência a um Ser transcendente, e que, a partir das suas regras de inteligibilidade, irá
ordenar o seu operar ético e contemplativo.
Na tradição da razão Clássica a primazia cabe à práxis , como saber do agir
conforme o Bem, que permite ao homem abrir-se ao conhecimento do transcendente,
enquanto contemplação (theoria) do Uno-Bem, e a partir desse conhecimento normatizar o
operar humano enquanto técnico e poiético.
O campo teorético, como conhecimento desinteressado da verdade do ser , e o campo
do conhecimento prático, como conhecimento do agir virtuoso conforme a bondade do ser,
estarão também submetidos ao campo poiético do sujeito. O que permite a Lima Vaz afirmar
que: “ Um dos efeitos mais notáveis da teoria moderna da representação foi a supressão, pelo
menos virtual, da distinção aristotélica entre três grandes formas de conhecimento, o teorético,
o prático e o poiético.”75
A submissão dos saberes teorético e prático à primazia da representação, reordenou
as “linhas de inteligibilidade com que o homem pensa e interpreta a realidade”, dado o
ilimitado plano de interpretação reservado à sua subjetividade, que antes se media com a
presença de um absoluto transcendente. Fica, por isso, reservado ao sujeito um projeto
demiúrgico de “estatuir normas, valores e fins de acordo com os princípios axiológicos por
ele mesmo estabelecidos”76
, que caracteriza a metafísica da subjetividade, deslocando o
centro unificador das racionalidade ao pólo lógico da razão.
O deslocamento do centro unificador das racionalidades para o pólo lógico, ao invés
do pólo metafísico da tradição, teve como conseqüência a distinção que temos entre a Ética
moderna e a a Ética clássica, qual seja, a caracterização da primeira como Ética
constitutivamente autonômica, posicionando o sujeito como legislador moral, em constraste
com a característica ontonômica da segunda, onde o ser seria a fonte da moralidade.77
Remete-se esse aspecto autonômico da Ética moderna, à proposta inaugural de
Descartes de formular uma ética sujeita ao modelo de razão do método , proposta não
consumada pelo pensador que entendia que até a realização de tal projeto, deveria manter-se a
75
EF III, p. 163 76
Ibid , p. 164 77
SNF 68, p. 71
31
ordem do ethos tradicional. As tentativas de formular essa Ética a luz do método, evidenciou a
irredutibilidade da práxis à racionalidade instrumental , que tantos avanços alcançara nas
ciências da natureza e nas matemáticas, levando os pensadores modernos a buscar no próprio
sujeito e na sua liberdade situada os fundamentos éticos.
Outro paradigma inaugural da ética moderna, está em Hobbes, que transpondo o
mecanicisimo galileiano para a ética, considerando o corpo como o primum ontologicum 78
,
rejeitará a teleologia do Bem em prol de uma ética “egoísta e utilitarista”79
. Assim, a ética só
se realiza como normas que visem superar a natural aversão à sociabilidade do ser humano
para fazê-lo migrar do seu estado selvagem para a sociedade civil, atendendo a lei primeira
de manutenação da paz que visa a sobrevivência. Em Hobbes a Ética está absorvida pela
política, o que expressa o caráter puramente poiético do seu pensamento que não admite a
tendência do indivíduo a um Bem metafísico, mas que vê somente na sociedade política a
possibilidade da constituição de um universo ético. Esboça-se no seu pensamento a noção de
autonomia e relativismo, pois ele admite que a condição do indivíduo ( homem da natureza,
cidadão, soberano ) influa na postura diante dos valores, não havendo uma unidade do saber
ético80
.81
A autonomia do sujeito nas éticas modernas enfrentam o desafio de ser formular uma
Ética universal que atenda à amplitude material dos nossos tempos, partindo da “finitude, da
contingência, da situação e do livre arbítrio do sujeito”82
, sendo que tal universalidade
somente seria possível por uma intencionalidade transempírica, de uma razão voltada para a
homologia com o ser.
A exigência dessa universalidade ética faz com que essa intencionaldade
transempírica, que na tradição se voltava para o pólo metafísico, se volte para o pólo lógico,
representado pela autonomia do sujeito, tornando este “princípio da ordem racional” do
78
EF IV, p. 298 79
SNF 68, p. 72 80
EF IV p. 305 81
A interpretação dos fundamentos dos direitos dos homens de Paolo Flores d´Arcais resume a continuidade desse paradigma na atualidade, vendo no fundamento cristão uma forma de sectarismo e exclusão, opta pela poder político. Ele profere a fé no progresso e nas instituições do Estado de forma que a sua crítica ao criacionismo se torna uma clara apologia à política e ao poder imanente das instituições. Ao tratar do direito à vida e do aborto, ele sustenta a ciência como paradigma ético e o subjetivismo como juízo legítimo. D´ARCAIS, Paolo Flores. in Deus existe? , Joseph Ratzinger e Paolo. Flores d´Arcais , tradução de Sandra Martha Dolinsky – Ed. Planeta. 2009 – p. 73-74 82
SNF 68, p. 73
32
discurso ético. Assim, resta o desafio de “fundar no logos humano a universalidade objetiva
do dever-ser”83
.
Esse desafio expõe os dois principais termos que a ética contemporânea precisa
articular que são : a autonomia do sujeito, como fonte das normas consolidada; e a
universalidade da razão ética, exigência do alcance material de nossos tempos. Os diversos
modelos lógicos buscam explicar a passagem do agir ético individual para o nível do
consenso na comunidade ética, sem que se descaracterize, no primeiro caso , a autonomia do
sujeito como princípio, e no segundo , a universalidade da razão ética84
. Os modelos de
teorias éticas articulando esses termos são dividas em dois grande grupos por Lima Vaz: de
um lado tem-se os modelos da lógica do sujeito, de outro, tem-se os modelos da lógica da
experiência.
As lógicas do sujeito, são os que partem do agir do sujeito em sua autonomia na
constituição de uma Ética. As formas de racionalidade regidas como lógicas do sujeito
impõem o dever-ser ao agir humano a partir de uma demonstração rigorosa ou pela
“inferência provável”. Por essas racionalidades o sujeito ético se torna “apenas o suporte de
um consenso ou de um cálculo das conseqüências de um agir erigido em principio puramente
lógico.” A preocupação principal dos modelos de lógicas do sujeito é a integração do sujeito
à comunidade ou à história, não há uma preocupação em investigar e demonstrar as razões
imanentes ao ethos, não apresentando as razões para o “tornar-se bom”, como integração à
uma verdade transcendente. No outro grupo figuram as lógicas da experiência, que partem de
um paradigma de experiência do sujeito, em sua autonomia como sujeito ético, que se prestará
à “função de primum logicum no discurso da Ética”. Nessa proposta, entende-se que o sujeito
encontrará as razões de seu agir, a partir do seu juízo de quais ações devam ser eticamente
justificáveis. Essas ações, não remetem porém aquelas experiências que carregam em si a
imanência do ethos, mas sim, refere-se a experiências eticamente neutras, que possam ser
objetos da análise racionalmente “neutra”. Na escolha dessas experiências irão prevalecer
critérios como o prazer, a satisfação, a utilidade e a ciência, para a composição da
racionalidade ética. 85
As racionalidades modernas imperando sobre o pensamento ético, demonstram a
imanentização do sentido na razão finita, em oposição ao universo metafísico e Absoluto
83
SNF 68, p. 73-74 84
Ibid, p. 74 85
Ibid, p. 75
33
sobre o qual se realizou a idéia de sentido e definem a transcendência da tradição como
arcaísmo. A nossa modernidade, buscando atender à necessidade lógico-histórica do ciclo
desenvolvimento-cultura-ética, se depara com a dificuldade de propor um sentido para sua
vida material e simbólica , dada a obstrução aos caminhos para um Absoluto transcendente.
Assentando-se a característica dualidade entre o inteligível das múltiplas racionalidades e a
busca humana por um sentido universal para as experiências do homem, como pólos que não
encontram convergência, dada a obstrução a relação com o Absoluto.
Estando a concepção do sentido, na tradição pontuada pela relação com o ser, ou
seja, pela presença de uma teoria do conhecimento regida pela primazia do ser, resta evidente
que o sentido, como expressão do logos verdadeiro, estará agora sujeito a um nova leitura,
correspondendo a sobreposição da representação ao ser. Esse novo contexto irá comprometer
a presença do sentido para o homem, permitindo colocar o não-sentido como conseqüência do
modelo poiético na Ética.
Lima Vaz apresenta duas perspectivas86
da inscrição do sentido na tradição filosófica
que permitem expor a primazia do poiético como o domínio do não-sentido :
a) O entrelaçamento dialético entre verdade, existência e sentido
que deu origem a Ética, como “ciência das razões verdadeiras do ethos”. Tal
evento inscreveu o problema do sentido da existência na história espiritual
ocidental, propondo uma vida de acordo com o bem segundo uma experiência
com a verdade transcendente de uma ciência do ser.
b) A crítica sofística como primeira manifestação do não-sentido,
que reinvindicava a physis como única fonte do bem para os indivíduos, por ela
suprir as necessidades naturais. Lima Vaz descreve esse evento como uma
“sombra do não-sentido”, pois, surgia ao mesmo tempo que o sentido começava a
se constituir no discurso filosófico.
Se a primeira perspectiva mostra o evento ético como pertinente a uma primazia do
ser, a segunda via demonstra que a alternativa de buscar o sentido, em um modelo sem a
primazia do ser, estaria colocando o homem como medida, propugnando pela “substituição
da aparência ao ser e do simulacro à verdade” 87
, visto que o sujeito estaria se limitando ao
86
EF III, p. 167 87
Ibid, p. 168
34
mundo sensível, não se voltando a uma verdade do ser que está além da satisfação de suas
necessidades naturais.
Tais perspectivas situam o sentido como pertencente ao universo da primazia do ser,
e da sua viabilidade a partir dos saberes teorético e prático. Já pela forma de saber poiético, a
experiência de sentido redunda nas conclusões sobre o homem medida; ou seja, pelo
paradigma da satisfação de necessidades ou pelo paradigma da utilidade, a idéia do sentido
estaria prejudicada, justamente por não estar voltada para um ser objetivo, mas sim,
delimitada pelo campo da subjetividade e representação.
A presença do sentido a partir da questão ética, é melhor compreendida a partir da
análise do exercício da liberdade, considerando que “ é no curso do seu movimento que o
sentido se constitui como sentido da vida, devendo nele transluzir a verdade do ser.” 88
. A
liberdade tendo como finalidade a adesão ao bem, “operando em sinergia com a razão no seu
uso contemplativo, torna possível o exercício da inteligência espiritual, na qual ela é,
fundamentalmente, consentimento ao bem, sendo consentimento ao ser.” 89
A liberdade, à luz
da tradição inaugurada em Platão, seria o lugar do nascimento do sentido, onde
encontraríamos a primazia do ser no exercício do agir conforme o bem.
A partir do pressuposto socrático de que o agir virtuoso se submete à Razão, Platão
faz a correlação entre Liberdade e Razão, que corresponde sistematicamente, à Ética e a
Metafísica. A Metafísica apresenta-se como horizonte último da Ética pela homologia que se
faz entre virtude e conhecimento, de forma que a ética platônica propõe o horizonte do Bem-
Uno para a liberdade. Por conseguinte, para Lima Vaz, o paradigma platônico é decisivo e
inaugural para o pensamento ocidental, elevando a liberdade humana ao plano da metafísica,
como autodeterminação “segundo a lógica imanente e a necessidade inteligivel” que regem o
movimento para a verdade do ser90
.
Com o predomínio do saber poiético a liberdade ficará restrita ao livre-arbítrio,
associada à liberdade empírica em contraposição à liberdade ética e metafísica91
, ou seja, não
88
EF III, p. 171 89
Ibid , p. 172 90
LIMA VAZ, H.C., EF VIII - Escritos de Filosofia VIII: Platônica, São Paulo: Loyola, 2011, p. 109 91
Partimos aqui da distinção que Lima Vaz faz entre liberdade empírica como livre-arbítrio, e a liberdade racional como liberdade ética. A liberdade empírica é exterior ao ethos, de forma que o sujeito ainda está aberto ao não-sentido na sua recusa ou ignorância da universalidade normativa do ethos. O ethos cumpre uma função educadora para que o indivíduo se torne um universal concreto, de forma que a liberdade empírica torne-se liberdade ética , interior ao ethos, e assim consentimento à universalidade normativa do ethos ( Cf
35
se voltará a transcendência da verdade do ser, e ,por isso ,avocando para si a poiésis do
sentido. Assim, tem-se a figura da liberdade como absoluto imanentizado do sentido, onde as
reivindicações do ser-livre, que marcaram as revoluções liberais, se voltam somente à
prerrogativa do livre arbítrio, sem considerar o sentido do ser-livre. Voltada para o próprio
sujeito, a prerrogativa da liberdade se submete ao hedonismo e ao utilitarismo. Estando a
liberdade invertendo a direção do seu movimento, da verdade do ser para a imanência do
sujeito e suas representações da realidade, ela se torna então a gênese do não- sentido. Ao
invés do movimento para a verdade do ser, na liberdade predominará o modelo de
representação, o modelo poiético, onde o homem experimenta “uma contradição vivida entre
seu ser finito e situado e a pretensão ontológica, de alcance infinito, de ser criador absoluto
do sentido.” 92
A perspectiva do predomínio da physis, destaca a experiência grega do não-sentido,
como forma de descobrir a “operação lógica secreta que transforma a produção humana do
sentido em fábrica da aparência e do não-sentido” 93
, situando o universo do não –sentido
como o universo da aparência.
Trata-se sobretudo da interpretação adotada por Lima Vaz sobre o diálogo Sofista:
Essas páginas célebres, ao mesmo tempo em que estabelecem as articulações
lógicas elementares de uma ciência do ser, levam a seu termo a longa
querela que vinha opondo o philosophos, na concepção de Platão, ao sofista.
Este é retirado da sombra do não-ser, onde se refugiara, para ser definido, à
luz da ciência do ser, como artífice da aparência. É essa a demonstração
decisiva que se eleva no pórtico da cultura ocidental e estabelece, com
irrefutável necessidade, a referência do sentido ao ser, circunscrevendo o
não-sentido ao domínio da aparência, cujo lugar lógico é justamente a
imanência absolutizada do sujeito.94
Remete-se essa constatação ao realismo acrítico do qual parte a crítica sofista, como
forma de alienação do sentido, onde se crê no isomorfismo entre o mundo apreendido pelos
sentidos e a verdade, como primazia da aparência, de forma que a Razão não tem então um
alcance ontológico, ficando reduzida o seu uso para o “êxito social e político”95
; o sentido
partir de uma verdade transcendente está então inviabilizado. O realismo platônico rege-se de
LIMA VAZ, H.C., EF II - Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, 4ª edição, São Paulo: Loyola, 2004, p. 26-27) Esse movimento de inscrição de sentido que eleve o indivíduo a condição de sujeito ético está descrito na introdução da presente dissertação (cf. pág. 15). 92
EF III, p. 172 93
Ibid, p. 169. 94
Ibid, p. 168 - 169 95
Cf. EF VIII, p. 136
36
outra parte pela primazia da Idéia, de forma que nada seja real fora da Idéia, sendo a realidade
verdadeira a que é realidade conhecida , a realidade que é no conhecimento da Idéias;
portanto, a Idéia é fundamento e condição de todo realismo96
; na concepção platônica à
realidade apreendida pela sensibilidade deve ser conferido um sentido transcendente para que
seja realidade verdadeira.
Prevalecendo nos tempos modernos a “ampla elaboração teórica da lógica da
aparência”97
e sob o domínio de um universo poiético, onde o sujeito cumpre a função de
substância primeira como fonte de inteligibilidade, o sentido se submete à lógica da
aparência, conduzindo a constatação de que os tempos modernos oferece apenas a aparência
do sentido, que equivale ao não-sentido. Os paradigmas dessa aparência de sentido estão
representadas nos ditames da necessidade e utilidade que regem o papel demiúrgico do
homem moderno. Esse universo da aparência, na amplitude dos tempos atuais, estrutura um
mundo objetivo dominado pelas formas produzidas pela tecnociência; um mundo que
proclama o fim da metafísica e que assinala o domínio do universo das formas fabricadas
restritas às necessidades humanas e ordenadas pela ótica da produção e utilidade. 98
Vê-se que para Lima Vaz impera uma concepção própria de Razão como condição
para se atender à plenitude de um sentido universal. Essa Razão é tal qual o modelo da
tradição clássica, caracterizada então pelos seguintes elementos constitutivos: como aberta ao
ser transcendente, ou seja, voltada intencionalmente para uma identidade formal com a
verdade e o bem do ser; como reflexiva em si mesma, pois é uma unidade na diferença
consigo mesma enquanto se desdobra em formas de racionalidades; e consequentemente,
como unidade analógica “segundo a qual suas formas se diferenciam em virtude da referência
a uma forma paradigmática na qual se manifesta a idéia de Razão”99
. A primazia do saber e
operar poiético do homem caracteriza a ruptura com essa tradição, demarcando o predomínio
das formas criadas pelo homem sobre as formas naturais, implicando em uma referência ao
papel demiúrgico do homo technicus que imprime no seu universo poiético “ sua imagem e
semelhança”100
.Esse processo de criação do próprio universo e das próprias referências,
assinala a relação de reciprocidade entre o mundo criado e o criador, de forma tal que o ato de
96
Cf. EF VIII, p. 70-71 97
EF III, p. 169 98
Ibid, p. 339 99
AQUINO, Marcelo Fernandes de. Metafísica da Subjetividade e Linguagem III. in SNF 71, p. 475 100
EF III, p. 340
37
conhecer não insere mais o sujeito àquela abertura ao ser da tradição. O sujeito conhece em
seu mundo criado apenas as suas necessidades e seus paradigmas de utilidade.
O estrangulamento metafísico pela razão moderna advém da atividade fabril
incessante do operar poiético, em que uma geração de novos objetos, novas teorias
imanentistas e novas necessidades e utilidades, se relacionam em um círculo vicioso que
aprisiona o élan do homem para o Absoluto, restringindo o ato de existir ao existir da
“multidão das formas produzidas” que , em um sentido antropológico, “não são senão os
simulacros da sua finitude e da sua indigência”.101
Mas, ainda que sob o predomínio da aparência, e do uso da liberdade como gênese
do não-sentido, permanece a aspiração inata do ser-humano, confirmando a sua tarefa de
buscar o sentido, pois “só a ele, aberto constitutivamente ao ser e à verdade, é oferecido o
supremo risco de enunciar o sentido verdadeiro e, assim, de interpretar as razões do ser em
razões do seu próprio viver.”102
1.2 REENCONTRO COM A METAFÍSICA - a epocalidade de Tomás de
Aquino.
Inicialmente, deve-se compreender a presença de Tomás de Aquino dentro do
método de Lima Vaz, que prioriza a rememoração como via para realizar a retomada dos
problemas originais do ser humano. Para Lima Vaz a filosofia do século XXI se renderá a
rememoração histórica, tendo por objeto “a própria possibilidade e legitimidade do exercício
do pensamento filosófico ao longo do tempo” 103
, o que dentro da sua concepção de história
da filosofia como um retorno reflexivo, permitirá à modernidade o reconhecimento de
momentos singulares onde “ a intuição de um grande pensador descobre uma direção nova”
104. Nesse retorno reflexivo é que para Lima Vaz se erguerá a presença de Tomás de Aquino.
A presença de Tomás de Aquino como termo dessa rememoração atenderia a duas
tarefas erigidas no pensamento de Vaz: recuperar a vitalidade da Teologia prejudicada na
modernidade; de outro, reencontrar a metafísica do sentido transcendente na analogia entre a
rememoração filosófica e a rememoração essencial e constitutiva da fé cristã.
101
EF III, p. 341 102
Ibid, p. 167 103
EF VII, p. 251 104
Ibid, p. 252
38
A analogia entre a rememoração filosófica e a rememoração da fé cristã,
possibilitaria a retomada da relação de analogia que Tomás de Aquino propunha entre
filosofia e teologia, sendo cada qual, um caminho para a verdade transcendente; a verdade
racionalmente alcançada e a verdade revelada. Tal analogia repropõe o universo do sentido
transcendente ao ato de filosofar, ao permitir que a rememoração seja também a rememoração
“de uma presença sempre misteriosamente presente ao logo do tempo e que dá unidade,
direção e sentido à história.” 105
Esse reencontro com Tomas de Aquino, e por conseguinte, com a teologia, somente
será possível quando se tem na rememoração, também uma “interpretação”. A rememoração
parte da possibilidade de que experiência expressa em textos teóricos do passado possa se
fazer presente à nossa experiência atual “ no momento mesmo em que nossa própria leitura do
texto antigo se traduz, por sua vez, em expressão, ou exatamente, em ´interpretação ´ ” 106
.
Trata-se da característica leitura de uma obra epocal , que seria aquela que “nos
apareça envolvida na indecisa claridade de antemanhã do que será o dia da história que
vivemos”. Consequentemente, a experiência do presente é interpelada pela presença da
experiência do passado, graças à leitura de uma obra epocal, ou seja, recuperando uma obra
do passado, não como literal retorno, mas pela interpretação da sua atualidade.107
Deve-se se supor que a condição de possibilidade para a interpretação de uma obra
epocal, está na presença de uma mínima continuidade teórica entre o presente e passado, ou
seja, que “o horizonte histórico-cultural em que a interpretação tem lugar possa conter o
horizonte da obra interpretada”, de forma que, autenticamente, a interpretação do passado
seja interpelação do presente. 108
Por isso, na análise da crise da modernidade é importante
ter-se em conta a significação epocal da obra de Tomás de Aquino para Lima Vaz, a ser
compreendida a partir da caracterização do seu pensamento como o encerramento do ciclo da
metafísica cosmocêntrica, e a inauguração de um ciclo de cultura teológica ainda presente na
modernidade.
Em Lima Vaz, o tema do fim do homem, como beatitude, revelará a epocalidade de
Tomás de Aquino, apresentando os delineamentos do mundo humano como um mundo
105
EF VII, p. 266 106
EF I, p. 37 107
Ibid, p. 38 108
Ibid, p. 39
39
dotado de sentido a ser realizado na história: o fim do homem como um fim transcendente à
natureza, e como a realização na liberdade de um sentido último. De outra parte, a sua
separatio como ato do juízo, afirmando a primazia da existir como identidade entre o Ser e
Deus, descreve a epocalidade do aquinatense na recuperação do que seria o objeto da
ontologia e dos delineamentos da busca pelo Absoluto, que estaria presente como herança
teológica da busca moderna por um sentido universal.
Esse caráter epocal de Tomás de Aquino estaria no equilíbrio que o seu pensamento
alcança entre “a consistência da natureza humana essencial ao cosmocentrismo antigo, e a
descentração do homem histórico implicada no teocentrismo cristão”109
, superando, através
da sua metafísica do ser, a representação a-histórica da physis, possibilitando um
pensamento absoluto do ser, e do mundo como “horizonte histórico da realização da razão do
homem” 110
.
A metafísica de Tomás de Aquino, transmite ao homem moderno a noção de que
existir é existir para um Absoluto transcendente, o redirecionando a questão fontal do existir,
convergindo na sua metafísica a epocalidade das suas concepções de beatitude e de ontologia.
Para compreender essa convergência, devemos considerar o entendimento de Tomás
de Aquino de posicionar a metafísica como ciência primeira, e como tal de natureza
sapiencial: “se existe uma ciência primeira, deve ser uma sabedoria”111
. Assim, a metafísica
se apresentaria como um saber desinteressado onde “ é desenhado o perfil de uma atitude
espiritual e de uma disposição intelectual que abrem o espírito ao apelo da sabedoria.112
”
Lima Vaz expõe a metafísica do existir de Tomás de Aquino por duas vertentes que
se unem para afirmar a verdade do existir absoluto: a vertente gnosiológica, que trata da
representação ao ser, e a vertente teológica, que trata da passagem do ser ao absoluto. Refere-
se a distinção entre Razão e Fé do aquinatense, que se expressa na relação entre filosofia e
teologia: o uso correto da filosofia conduz ao “acordo da verdade com a verdade”, ela , junto
109
EF I, p. 40 110
Ibid, p. 58 111
EF III, p. 313 112
Ibid, p. 315
40
com a teologia, ainda que se diferenciem pelos métodos, fazem parte de uma verdade total, de
forma que a filosofia é “segundo a ordem teológica”113
.
Pela vertente gnosiológica, Lima Vaz trata Platão como o momento objetivo do
itinerário da ontológica clássica e Aristóteles como o momento reflexivo, apontando a
metafísica de Tomás de Aquino como “ o último grande itinerário gnosiológico rumo à
altitudes metafísicas na história do pensamento ocidental” 114
, como o cume do qual parte
então o caminho descendente do ser à representação que caracterizará o contexto moderno da
predominância da razão operacional. De fato, como demonstra Lima Vaz, o tema da
inteligibilidade primeira como passo da estrutura metafísica estará também presente na
metafísica moderna. A noção de uma inteligibilidade radical como primeiro princípio de uma
metafísica trazida por Tomás de Aquino, representada pela radicalidade do existir, será em
Descartes substituída pelas regras de clareza e evidencia do cogito. Assim, do cume da
metafísica tomásica se extrai o elemento principal para a abertura do projeto cartesiano que
irá inaugurar a obstrução à metafísica tradicional.115
Platão, como autor do “primeiro estatuto cientifico da ontologia”116
, representaria o
momento objetivo do itinerário da ontologia, ao situar o Ser como Idéia, revelada pelo juízo,
a partir da síntese que opera do uno e do múltiplo, como síntese progressiva das participações
do ser. O alcance ontológico em Platão reside somente na inteligibilidade contemplativa,
referindo-se a uma “imobilidade de uma contemplação pura”, que absorve a originalidade da
inteligência finita pela transcendência inteligível do ser, que se sobrepõe como objeto formal
na sua identidade com a Idéia. 117
Aristóteles, no itinerário da ontologia, é para Lima Vaz o momento reflexivo.
Concebendo o principio de contradição de que algo não pode ser afirmado como sendo e não
sendo ao mesmo tempo, como principio primeiro da ciência do ser pela sua absoluta
inteligibilidade e necessidade, e, portanto, como a lei do ser e a lei do pensar, Aristóteles situa
o ser como revelado no próprio ato judicativo, que sempre partiria de uma plano de
inteligibilidade mínima de que algo é, o que mantém a originalidade do ato da inteligência,
não referindo-se ao ser como Idéia separada, mas como noção percebida em cada ato da
113
GILSON, Étienne. A Filosofia na Idade Média; tradução de Eduardo Brandão. 2² edição, São Paulo, Martins
Fontes, 2007, p. 655-657 114
EF III, p. 311 115
Cf. EF VII, p. 95-103 116
EF VI, p. 61 117
Cf. Ibid, p. 64
41
inteligência. Mas, ainda que não redunde na objetividade platônica, a inteligibilidade do ser
em Aristóteles “não penetra os seres em sua existência”, permanecendo a unidade do ser na
inteligibilidade de uma substância primeira em sua universalidade. A solução aristotélica é
para Lima Vaz uma inteligibilidade universal “incuravelmente lógica”, por não se caracterizar
como um “inteligível transcendente que seja plenitude de existência e ao mesmo tempo
subsistente intelecção.”118
Tomás de Aquino irá propor a unidade do ser, pela primazia à existência como o “ato
primeiro, e a perfeição das perfeições”119
, assim a “inteligibildade do ser coroa-se pela
inteligibilidade da existência”120
que está presente em todo ato do juízo . Essa presença se
entende pela ontologia de Tomás de Aquino através da separatio, ato judicativo que liberta o
ser da contingencia e do fluxo dos fenômenos, e afirma o ser como o existir em sua
amplitude transcendental. Ele define que o objeto da metafísica não deriva de um processo de
abstração que resultasse em uma noção universal do ser, mas da “intencionalidade dinâmica
do ato judicativo como identidade dialética entre a forma do juízo (est) e o ato ou perfeição
suprema (existir, esse)” 121
, ou seja, o ser é revelado em cada ato do juízo, pois o
conhecimento pela inteligência finita somente é possível por uma determinação mínima do
objeto, de modo tal que todo ato do juízo expressa a afirmação de que algo é, atestando a
primazia do existir.
A rota para o objeto primeiro que é o objeto da metafísica parte então das coisas
sensíveis, que são as primeiras coisas que conhecemos, para chegar a primeira coisa que
permite esse conhecimento, que é a existência pura, ou seja, do mundo sensível somos
conduzido à perfeição do existir. Em suma, todo ato de conhecimento estará afirmando que
algo é, pois se partisse do nada, não haveria conhecimento, mas agora, mesmo partindo do
principio da não-contradição aristotélico, a determinação mínima não se refere à ordem das
essências, mas à primazia do existir; um principio que em Aristóteles é válido para todo
saber demonstrativo, aqui encontra analogia com a ordem do saber conceitual para situar o
objeto da metafísica como o conceito primeiro do qual parte todo a possibilidade do
conhecer122
. A afirmação do ser refere-se então a um ato puro, compreendendo o ser como
118
Cf. EF VI, p. 68 119
Ibid, p. 73 120
Ibid, p. 75 121
EF III, p. 320 122
ARSTEN, Jan A., Por natureza, todas as pessoas anseiam pelo saber. In KOBUSCH, Theo (Org.), Filósofos da Idade Média. 2ª reimpressão, Rio Grande do Sul, Unisinos, 2005, p. 254
42
verbo, sendo o “acto primitivo e fundamental em virtude do qual um determindado ser
realmente é ou existe”123
.
Definido o plano metafísico, partindo principalmente da leitura de Joseph Maréchal
dos textos tomásicos124
, Lima Vaz prossegue com uma breve exposição sobre a teoria
tomásica do juízo, para desdobrar a rota teórica que conduz da representação ao ser.
A leitura marechaliana parte da dupla função do ato judicativo, quais sejam, a
função representativa e a função afirmativa, correspondendo à estrutura fundamental do
juízo expressa “ na passagem do lógico (primeiro nível) ao metafísico ( segundo nível)” 125
.
O primeiro nível, chamado também de síntese concretiva, seria o nível do
conhecimento científico, e da função representativa do ato judicativo, onde encontramos “a
atribuição de uma essência ou ´quididade´ universal a um sujeito concreto” 126
. Enquanto que
o segundo nível, seria o do conhecimento metafísico, como função afirmativa do juízo, na
afirmação de que algo existe, onde se afirma como real e existente aquilo que é representado.
A analise da articulação entre esse dois níveis é a chave para a compreensão da
passagem da representação ao ser , como a vertente gnosiológica da metafísica do existir.
Assim, seguindo a lição de Tomás de Aquino, a passagem da representação ao ser é
divida em dois aspectos: o psicológico e o gnosiológico. Psicologicamente tem-se o “intelecto
agente” que apreendendo uma “quididade” pela sensibilidade , sendo essa quididade inerente
a um sujeito concreto. Gnosiologicamente, “a quididade é o primeiro objeto do conhecimento
intelectivo”, e “é conhecida, pela chamada ´síntese concretiva ´ como sendo a forma de um
sujeito concreto”. 127
Esses dois aspectos evidenciam a insuficiência do momento da síntese concretiva,
dado que ela implica a alteridade do seu objeto como a “quididade “ que é apreendida pelo
intelecto, de forma que a unidade concretiva limita-se a atribuição de uma quididade: “Trata-
se, no caso, de uma unidade predicamental , pois resulta da atribuição do ser no nível
123
GILSON, Étienne. Deus e a Filosofia; tradução de Aida Macedo. Lisboa. Edições 70, 2003, p. 55
124 EF III, p. 312
125 Ibid, p. 321
126 Ibid, p. 322
127 Ibid, p. 323.
43
predicamental ou categorial, circunscrito pela limitação eidética da ´quididade´” 128
. A
ciência primeira não poderia se limitar a esse momento do juízo sob o risco de limitar-se às
“quididades “, que são limitações subjetivas, oriundas do mundo sensível, não permitindo a
abertura exigida por Tomás de Aquino de que uma ciência primeira teria uma natureza
sapiencial e portanto universal: “Sem essa passagem da ´síntese concretiva ao ser na sua
amplitude transcendental, a física seria a ´ciência primeira´.” 129
Na identidade ontológica entre o objeto e o ser, como afirmação do juízo, é que teria
lugar a passagem da representação ao ser, dando lugar à “operação denominada separatio que
põe em evidência a natureza do existir (esse) como ato e perfeição suprema do ser” 130
.
Pela separatio se “eleva o objeto ao nível da universalidade do ser (ens commune), o
que implica, por sua vez, referi-lo ao Absoluto real ( Ipsum Esse Subsistens)”131
, por afirmar a
primazia radical da existência, e portanto de um existir absoluto.
Essa abertura ao absoluto do ser como característico da afirmação estará destacando
a função tética do juízo, a “posição incessante do existir (esse) na afirmação como valor
inteligível supremo do real” 132
. Essa função tética, indicativa de um horizonte ontológico, e
que nos leva a perceber a insuficiência da síntese concretiva, somente tem esse caráter motriz
pela presença de uma percepção de finalidade, ou seja, de uma finalidade que estaria
engendrando a passagem da síntese concretiva à unidade da afirmação, caracterizando a
presença no movimento da inteligência, “ de uma finalidade antecedente e conseqüente, de
um Principio primeiro e de um Fim último da nossa atividade intelectual”133
.
A partir da constatação da presença da finalidade na teoria tomásica do juízo, tem-se
a vertente teológica do estudo da metafísica do esse, que descreve a passagem do ser ao
absoluto. Óbvio que para a presente dissertação, um quadro, ainda que sinóptico da teologia
de Tomás de Aquino, seria um conteúdo grandioso, por isso nos limitaremos ao que se
apresenta como principal cerne para um paralelo da metafísica do esse com a crise da
modernidade: a pré-compreensão do absoluto como condição de possibilidade para a
demonstração da existência de Deus.
128
EF III, p. 323 129
Ibid, p. 324 130
Loc. cit 131
Ibid, p. 322. 132
Ibid, p. 325 133
Ibid, p. 326
44
A teologia natural de Tomás de Aquino, a grosso modo, parte da análise metafísica
do ser finito, sendo, por isso, tal qual o modelo platônico-aristotélico, “ uma ciência a
posteriori, na qual Deus é conhecido não em si mesmo (nos tamquam subjectum scientiae),
mas enquanto fonte dos princípios do ser (tamquam principia subjecti)”134
. Por isso, partindo
do conhecimento dos seres finitos, é que se terá a demonstração da existência do Absoluto.
No entanto, em Tomás de Aquino essa demonstração do Absoluto não se reduz a um processo
de conhecimento a partir da originalidade dos objetos, o que seria uma emulação do
cosmocentrismo, mas essa demonstração tem como condição de possibilidade a presença de
uma pré-compreensão do absoluto que permite prosseguir a passagem do ser ao absoluto a
partir do mundo sensível.
O itinerário, tanto metafísico quanto teológico, tem como base o juízo que, partindo
da representação primeira das “quididades” do ser finito em direção à função tética da
afirmação, assenta a primazia do existir na ordem da inteligibilidade , edificando-se uma
ontologia como o caminho de uma teologia natural.
A noção teológica da primazia do existir se compreende na distinção entre existência
e essência a partir da possibilidade aberta aos objetos do mundo sensível de não existirem.
Poder existir e não existir, é uma possibilidade dada apenas aos objetos cuja existência não é
necessária, ou seja, aqueles cuja essência não seja o existir por si, de outra parte, se tudo que
existe fosse apenas o existente possível, não haveria nada, pois se eles não podem existir por
si, devem sua existência a algo, o que nos conduz à verdade de que há uma existência
necessária que não se confunde com os existentes possíveis, e que seria a causa da existência
dos objetos possíveis. Portanto, um ser dado na realidade não contém em si a razão suficiente
de seu próprio existir; cada coisa é como essência mas não é como existência, pois esta última
se deve ao Ser necessário como causa. Só Aquele que existe por Si, cuja essência se identifica
com a existência, pode dar a existência, e este é Deus, daí que a criação é “o próprio dom da
existência”, sendo que a criatura, por nada acrescentar à perfeição de Deus, mas Dele dever o
seu ser e ao mesmo tempo dele se distinguir, tem com Ele uma relação de participação.135
Essa ontologia é uma “resposta” para o homem, tornando o ser objeto do seu
conhecer, ele descobre a sua participação, como sujeito finito, no Absoluto, e compreende
134
EF III, p. 327. 135
Cf. GILSON, op. cit, 2007, p. 659-663
45
então as suas exigências teorizantes e o apelo profundo de seu ser itinerante que anseia
conhecer a causa criadora de tudo.136
Diante da multiplicidade do mundo dos objetos fabricados, o homem está aberto à
retomada da noção de que a existência de tudo derivaria da participação, através da criação,
no Ser Absoluto, e que a primazia da multiplicidade, como um mundo de essências, não
conduzirá o homem para um absoluto enquanto não questionar a radicalidade do simples
existir. O homem, então, através do juízo, é capaz de afirmar a natureza fontal do simples
existir, e dessa afirmação emerge a concepção tomásica de beatitude que permitirá à
modernidade compreender a sua crise de sentido.
Inicialmente, a beatitude partia do cosmo considerado como “uma unidade de
ordem ou um todo auto-suficiente”, no qual o homem tem como finalidade, pela
contemplação dessa ordem, alcançar o retorno ao Princípio137
, porém considerando um
retorno segundo uma ordenação de essências.
A beatitude cosmocêntrica é herdada por Tomás de Aquino através de Aristóteles e
dos Neoplatônicos, concebendo uma unificação das duas vertentes do pensamento antigo, mas
agora a luz da afirmação de Deus como causa e fim da existência: na beatitude de Tomás de
Aquino absorve-se sob nova perspectiva o conceito de beatitude platônica como retorno ao
Princípio e a beatitude como operação para a perfeição, conforme a acepção aristotélica.
A corrente neoplatônica, concebe a beatitude a partir das idéias de processão e do
retorno ao Princípio. O homem participa do Princípio, dele procedendo, e a ele
necessariamente retorna; o mundo é criado a partir da emanação do Princípio, havendo uma
“ordem necessária e eterna que engloba o Princípio e os seres que dele procedem e
retornam”138
. Tem-se uma estrutura vertical de beatitude em que o homem deve buscar um
fim além da sua natureza, na contemplação do Princípio ordenador; ou seja, elevar-se da
contigência do existir do mundo sensível para o mundo suprasensível, como um movimento
necessário de retorno.
A corrente aristotélica de beatitude como perfeição do homem, apresenta-se como
uma perfeição relativa, considerando a impossibilidade prática de um fim único, como valor
universal, ou seja, propugna um relativismo do fim, como a realização da perfeição conforme
136
EF VI, p. 76 137
EF I, p. 59 138
Ibid, p. 45
46
a natureza de cada um. Toda natureza tenderia a sua perfeição como fim último, havendo uma
proporção entre a natureza e o fim, e portanto um fim para cada natureza. Trata-se de uma
estrutura horizontal que considera a homologia entre a causalidade dos processos naturais e a
causalidade lógica da demonstração, se atendo à natureza para se propor um conceito de
beatitude.139
Tomás de Aquino concebe a beatitude como perfeição absoluta, a partir da visão
imediata de Deus, como existente absoluto, em que a tendência para a perfeição natural é
rompida em direção a uma transcendência como fim, superando a homologia aristotélica
entre fim e natureza. Se em Aristóteles a evidência do sentido parte da natureza, em Tomás
de Aquino essa evidência é a “certeza da fé” apontando para um Bem absolutamente
transcendente.140
A circulatio platônica está presente não como retorno ao Princípio, mas
como “consumação de uma história” no plano da existência e da contingência, de um fim
último na visão da divina essência141
, atendendo ao anseio natural do homem pelo
conhecimento de Deus . No lugar de uma ordem necessária e eterna do retorno neoplatônico
que liberta o homem da existência sensível, vige a liberdade da criatura racional de realizar
no plano da existência o Fim para qual foi criado. O contexto do aquinatense é o da teologia
cristã, onde as visões cosmocêntricas serão confrontadas com a concepção de história real,
onde o tempo eterno das filosofias de essência dá lugar a uma tempo de erupção de um
sentido.
Ele repensa a beatitude como fim do homem e da sua liberdade a luz de um
pensamento de totalidade diante da multiplicidade do universo, ou seja, superando a
dualidade cosmocêntrica que tem de um lado a ordem eterna das essência e o seu Princípio
Ordenador, e de outro, a eternidade da matéria e a irredutibilidade da sua multiplicidade e a
primazia das sua regras de causalidade. Partindo do contexto bíblico irá conceptualizar a
liberdade como caminho para um sentido universal no plano da existência, conduzindo o
homem a uma rota ontológica, tendo como causa e fim o Deus criador ex nihilo. A liberdade
em Tomás de Aquino é tratada então entre os pólos da beatitude e do teocentrismo, pois
“somente na visão saciante da divina essência pode residir a verdadeira beatitude do homem e
139
Cf. EF I, p 51 140
Ibid, p. 51 141
Ibid, p. 53
47
a realização perfeita da sua liberdade” 142
. O mundo como livre criação de Deus, não é mais
uma multiplicidade irredutível e eterna, mas um espaço de realização histórica da beatitude.
Diante da perda do referencial transcendente para o existir, a modernidade
encontrará, ao longo do exercício da rememoração filosófica, na metafísica do existir de
Tomás de Aquino, em seu desdobramento gnosiológico e teológico, a compreensão de que o
existir é existir para um Absoluto e portando para um sentido, e que o sentido só pode ser
experimentado nessa relação com o Absoluto como presença que não se desvela, como pré-
compreensão de um Absoluto que está presente em toda experiência humana.
A metafísica de Tomás de Aquino interpela os problemas do presente, dado o
paralelo entre a modernidade e o cosmocentrismo antigo, que se pode extrair da análise de
Vaz. A crítica ao cosmocentrismo que está presente no teocentrismo do autor da Suma
Teológica, reside na afirmação da impossibilidade da experiência de Deus, como resposta de
totalidade, diante da primazia da essência dos objetos como mediação para o conhecimento de
Deus, bem como da primazia da causalidade da natureza para se explicar um fundamento
primeiro e absoluto, concepções que partem da noção de um cosmo como matéria eterna, em
que não se insere a idéia de um sentido radical tal qual inscrita pelo cristianismo no
pensamento ocidental143
, onde há uma identidade plena entre Deus, como criador de toda a
existência, e o Ser. Como “herdeiro da tradição platônica-aristotélica”144
figurou sua teoria do
juízo como afirmação do ser, porém, acresceu à finalidade do juízo a unificação pelo plano da
existência, como perfeição a ser alcançada na superação das essências do objeto, limitações
formais e condições subjetivas de assimilação, e na realização de uma vida vivida enquanto
beatitude.
A modernidade, igualmente, enfrenta a multiplicidade desordenada da lógica
incessante da poiética, seja no fazer dos seus objetos, das suas teorias, e de suas normas, sem
uma noção de unidade e sentido, recriando para o homem a primazia da essência, um dia
enfrentada por Tomás de Aquino, e indicando a urgência de repensar a primazia do puro
existir em sua necessária referência a um Absoluto existente como fonte de inteligibilidade.
A razão moderna interpreta o universo a partir dos critérios de inteligibilidade do
homem técnico-científico de forma tal que, de um lado, tem-se os modelos operacionais que
142
EF I, p. 41 143
EF I, p. 70 144
SAMPAIO, op .cit, p. 62
48
usurpam “os predicados que o cosmocentrismo antigo atribuía ao cosmos divino”145
, e de
outro, tem-se o dualismo marcado pelo ” impossível projeto de suprimir dialeticamente a
diferença do mundo a partir da aseidade ( da autodiferenciação ou da autocausalidade) do
homem criador”146
, reproduzindo a contingência do existir sem um sentido de unidade. De
outra parte, o aquinatense, ao propor a beatitude como fim do homem, se deparou com o
desafio de repensar a liberdade rumo a um absoluto transcendente a partir da idéia de um ser
absoluto como causa e finalidade da existência, liberdade até então sob o peso teórico da
autárkeia erigida a luz das estruturas objetivas da polis e do cosmos, sendo que a
modernidade também se depara com o desafio de repensar a liberdade; mas agora a liberdade
tem, de um lado, o mundo técnico científico que se impõe como objetividade tal como o fora
o cosmo grego, impondo uma racionalização crescente em varias esferas, e de outro, a opção
pela irracionalidade como contestação contra “ o domínio implacável das estruturas” 147
,
restando o desafio de repensar a liberdade à luz de um sentido universal para o existir e o agir.
Dada a premência da busca por um sentido para o existir e o agir na modernidade,
tem-se no pensamento de Lima Vaz a evocação da epocalidade da metafísica do esse de
Tomás de Aquino como pórtico necessário do processo de rememoração que marcará a pós-
modernidade. Trata-se, não de uma rendição ao tomismo, mas de uma revitalização de um
momento original que define as raízes da modernidade148
na afirmação da inteligibilidade
radical e fontal do existir, despontando como uma releitura do significado da razão moderna
perante as suas limitações no domínio da ética, e assim, reencontrar a verdade da ontologia na
evidência da existência.
Logo, diante do domínio da razão técnico-científica e o seu consequente universo
criado, o sentido do existir da tradição ainda se manifestará como problema, mas agora, sem
remeter a um Absoluto real, restando o desafio de restaurar o existir autêntico no contexto de
um mundo dos objetos criados pelo homem. Tal existir autêntico estaria presente somente na
“transgressão de todas as fronteiras que a limitação eidética dos objetos técnicos traçar diante
dele”149
. Sendo o homem moderno o enunciador do existir dos objetos que cria, estará ele
diante da mesma conseqüência metafísica expressa por Tomás de Aquino quando se referiu
145
EF I, p. 70 146
Ibid, p. 69 147
Ibid, p. 38 148
Ver na pág. 41 desse trabalho quando mencionamos o paralelo entre a integibilidade radical do esse e a inteligibilidade radical do cogito cartesiano no pensamento de Lima Vaz. 149
EF III, p. 342
49
ao homem como enunciador do existir dos seres: “ um ser que assume o infinito ônus
metafísico de enunciar o existir dos seres só pode existir autenticamente ao assumir sua
abertura constitutiva ao Absoluto.” 150
150
EF III, p. 342.
50
CAPÍTULO II - HERANÇA TEOLÓGICA DA MODERNIDADE – A
experiência de sentido
2.1 RADICALIDADE TEÓRICA E A MODERNIDADE.
O reencontro com a metafísica, e própriamente do seu entrelaçamento teológico, que
conduz o pensmaneto de Lima Vaz, só seria possível pela presença de um mínimo de
continuidade teórica entre o passado medieval e a modernidade. É justamente pelo tema do
sentido que Lima Vaz afirmará que a cultura da modernidade está ainda atrelada à matriz
teológica de origem medieval, em que pese a pretensão moderna de ser uma cultura secular e
não religiosa. Contudo, tal afirmação deve ser aceita a luz da consideração que Lima Vaz faz
de que se trata, sobretudo, da presença da teologia enquanto universo intelectual, e não do
ponto de vista da sistemática rigorosa da escatologia medieval, de fato ausente na
irreligiosidade predominante. Tal presença é descrita a partir de relação entre três
características reveladoras da “persistência da matriz teológica na cultura moderna e que se
tornam visíveis sobretudo nos domínios filosófico e político”151
A primeira característica está na própria gênese da formação da teologia cristã, a
partir do encontro entre o cristianismo e o pensamento grego antigo, evento que expõe no
pensamento ocidental a consumação da transcendência objetiva como pólo de
inteligibilidade, ao definir a identidade com o Ser como prerrogativa de um Deus único, e que
somente sofrerá ruptura com o método cartesiano, ruptura que possibilitará a migração da
transcendência para a autonomia do sujeito. Porém, a lógica da transcendência, mesmo que
usurpada pela autonomia do sujeito, encontra a sua estrutura definida na teologia medieval, e
marcará a demanda da modernidade pelo sentido, intenção que fora aprofundada na idade
média.
Esse encontro entre o cristianismo e a filosofia grega só teria sido possível por ser
esta última uma forma de teologia. A filosofia grega, a partir do nascimento da ciência das
naturezas procurou ler, a partir das descobertas empíricas, a presença do sagrado em uma
“tentativa de fazer com que tal descoberta fosse traduzida em termos que mostrassem a
151
Cf. EF I, p. 71- 72
51
natureza racional homóloga à natureza contemplada pela visão religiosa”. O que expressa o
fato de que o mundo antigo não admitia a indiferença intelectual perante o religioso, o mundo
não se resumiria ao mero mecanicismo, mas deveria ser a “epifania do sagrado”. A época
helenística era então marcada pela veneração do ´cosmos”, como religião “cósmica”, o
mundo seria o Deus visível, perceptível pelo homem. 152
Platão, por exemplo, considerava a finalidade do filósofo o tornar-se semelhante a
Deus, e diante do sofista Protágoras, opunha a medida suprema a partir de Deus ; Aristóteles
posicionava o conhecimento das realidades divinas como a ciência mais elevada; os estóicos
postulavam uma moral a partir de uma razão divina; e os epicuristas consideravam o
confronto com a teologia uma forma de superar os deuses que infundiam temor e obscureciam
o sentido da vida humana.
O que o cristianismo fará é “recorrer à técnica filosófica grega para exprimir
idéias que nunca tinham passado pela cabeça de qualquer filósofo grego” 153
. Assim, ao invés
da teologia natural, que encontrou o seu termo em Platão e Aristóteles no desenvolvimento
das filosofias de essência, se irá postular um problema novo pois a revelação cristã
determinará “a existência como a camada mais profunda da realidade e supremo atributo da
divindade”154
. A identificação entre o Ser absoluto e Deus como o existente supremo, permite
a análise da herança teológica do pensamento grego no Cristianismo, dentro da acepção de
Gilson de que, a questão não se trata da colaboração da racionalidade grega para a teologia
cristã, mas se no pensamento grego encontrou-se a expressão de um Deus monoteísta e como
resposta radical à existência, na identidade entre o Uno e Deus.
Observa-se que os gregos não superaram o politeísmo, e mesmo nos esforços de
propor um Deus maior entre os vários deuses não chegaram a afirmar uma teologia
monoteísta. No próprio esforço platônico de conceptualizar um Demiurgo, tem-se um
conceito próximo ao Deus cristão, mas como se deve alertar “um Deus ´quase análogo´ ao
Deus cristão não é o Deus cristão.”155
A figura de um Deus supremo de Platão não se refere a
uma identidade com o ser como característica única da divinidade, mas sim de um ordenação
hierárquica entre os deuses de acordo com a fórmula “o ser mais divino é o ser mais ser”;
152
EF I, p. 74 153 GILSON, Étienne. Deus e a Filosofia; tradução de Aida Macedo. Lisboa. Edições 70, 2003, p. 44
154 Loc. cit
155 GILSON, 2003, p. 56
52
deve-se levar em conta também que a Idéia do Bem de Platão, dita como criadora do mundo e
fonte da inteligibilidade não remete a um Deus, mas a uma idéia superior a todas as demais,
inclusive superior aos deuses156
.
Igualmente, a sustentação conceptual do primeiro motor imóvel de Aristóteles, em
verdade, não supera o politeísmo, visto que “embora o primeiro motor seja o único a ser o
primeiro, não é o único a ser um motor imóvel, isto é, uma divindade”157
, o seu primeiro
motor é o “mais divino e o mais ser dos seres”158
. Mas é sobretudo pelo formalismo que
Aristóteles se distancia do cristianismo: o seu Deus primeiro se identifica com o “ato puro do
pensamento que se pensa”, ou seja, o “primeiro nome de Deus é pensamento”.159
Deus não é
um ente pessoal, mas pensamento intelectual, “tampouco, Deus é o demiurgo do mundo, que
nem mesmo conhece”160
.
O cristianismo, herdando a tradição de Israel, afirma o Deus único como o “maior
mandamento da Lei”, que será uma verdade fundamental que não penetra à filosofia pela
razão, mas pela própria resposta que Deus diante de Moisés, ou seja, paralelamente à
Aristóteles, o primeiro nome de Deus é o Ser, e esse nome designa a essência de Deus. Assim,
em Deus essência e existência se identificam, pois ele é o Ser.161
O método e a verdade primeira da filosofia cristã está nessa afirmação de que Deus é
o Ser, e portanto o ser total e verdadeiro, não se invocando nenhum filósofo para essa
verdade , mas buscando no próprio Deus essa instrução.162
Deus então é a radicalidade da
existência,como ato puro, que afasta qualquer concepção de não-ser, apresenta-se um “ ato
absoluto do ser em sua pura atualidade”: “o Ser é o Ser, posição absoluta do que, existindo
para além de todo objeto, contém em si a razão suficiente dos objetos.”163
A radicalidade
teórica parte da superação do postulado de que “do nada nada se cria”, afirmando um Deus
como a razão de tudo.
156
GILSON, 2003, p . 32 – 34 157
Ibid, p. 57 158
Ibid, p. 65 159
Ibid, p. 67 160
Cf. BRÉHIER, Émile. História da Filosofia, Tomo I, fasc. I, tradução de Eduardo Sucupira Filho. São Paulo,
Mestre Jou, 1977, p. 178 -179 161
GILSON, 2003, p. 68 162
Ibid, p. 70 163
Ibid, p. 71
53
Para o pensamento cristão medieval a revelação Bíblica ampliou os horizontes do
pensamento antigo, o inserindo em um projeto histórico de consumação do reino cristão164
.
Vendo-se como sucessores do pensamento antigo, que o elevaram a “forma definitiva” de
filosofia quando este se encontrou com a verdade cristã. 165
A segunda característica da teologia como universo cultural está em ser ela uma
forma unificadora da cultura medieval, o que Lima Vaz conclui analisando a passagem de
dois registros epistemológicos: a passagem da alegoria do mundo através da teologia
monástica para a ciência do mundo pela teologia urbana.
A teologia monástica contemplava a realidade como um grande livro aberto, cuja
leitura se consumava pela sobreposição da Sagrada Escritura. A Escritura seria a alegoria das
verdades divinas pelas quais o mundo deveria ser lido. Todo o universo secular, material e
histórico “se entrelaçavam na grande alegoria da verdade fontal que descia de Deus” 166
.
A teologia urbana, originada pelo desenvolvimento urbano, visava se confrontar com
a realidade imediata, portando-se como teologia científica. Não se trata mais de uma alegoria
de uma outra realidade, mas de se aplicar a teologia na organização dos problemas urbanos,
de organização e de poder político, de imprimir no mundo sensível a verdade das Escrituras.
Segundo Lima Vaz, é nesse momento, em que a Teologia é desafiada a solver problemas
imediatos da realidade material, que Aristóteles se torna um paradigma para a teologia167
.
Como teologia científica, buscando o reencontro com a teologia grega, é que a teologia se
torna forma de cultura na Idade Média, como a matriz dos termos de formulação e solução do
problemas do homem e da sociedade, partindo da realidade vivenciada e não apenas
submetida a uma alegoria.
A terceira característica, é o fato de que a Idade Média definiu-se, a partir da
teologia como sua forma de cultura, como uma civilização de dimensão teológica. A
164
A afirmação da originalidade de uma filosofia cristã, implicaria na afirmação de uma continuidade de uma tradição, sendo que assinalar a sua originalidade “ não é de forma alguma esquecer, mas ao contrário pressupor, de uma maneira constante, todos os elementos que ela conserva e as características que fazem dela uma verdadeira filosofia”. GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval; tradução de Eduardo Brandão.
São Paulo. Martins Fontes, 2006, p. 277 165 Ibid. p. 485-489
166 EF I, p. 80.
167 Ibid, loc. cit
54
importância desse fato, é exposta ao distingui-la de uma civilização de dimensão sacral, e
ajuda a apreendermos a relação do mundo medieval com o mundo moderno.
Em uma civilização sacral, a matriz de solução dos problemas do homem e da
sociedade remete a forças naturais que ordenam o universo visível, estando ausente uma
consciência crítica, definindo o universo visível como um espaço de presença e ação dessas
forças. A realidade desse mundo sobrenatural não se submete ao tribunal da razão crítica.
A civilização teológica é marcada pela “inquieta consciência crítica”, onde a fé é
submetida a uma “discussão consigo mesma pela mediação da razão”, ou seja, a fé se
submete ao espaço crítico da razão. Não há uma aceitação tranqüila da fé, mas deve ela ser
legitimada pelas engrenagens da razão. A fé que se interroga “volta para si mesma o
instrumento do logos “. A característica de se apresentar como civilização teológica, é
sintetizada como uma civilização da razão interrogante, ou seja, de ter a razão como “um
princípio permanente de interrogação”.168
A relação entre essas três características irá definir a presença do “aguilhão
teológico” na modernidade na busca de uma radicalidade teórica cujo termo maior é o sentido
universal do existir e do agir do homem. Esse aguilhão seria o móvel na lógica do movimento
histórico desenvolvimento-cultura-ética que se define pela exigência de sentido. Essa
inquietação teológica se define pela radicalização das perguntas “até um plano em que as
respostas só podem ser absolutas”, e assim, seria também a geratriz dessa “consciência crítica
que acompanha a civilização do Ocidente como civilização teológica”. 169
A presença da radicalidade teórica estava presente nas filosofias Gregas mas
encontrava o seu termo nas teologias naturais de Platão e Aristóteles, como termo final de
uma filosofia de Essências. Já com o cristianismo, a absorção da razão de matriz grega, irá se
deparar com um problema filosoficamente novo, que é a existência primordial de Deus,
lançando a questão da existência e de suas razões como o termo final teórico. A teologia
urbana que define a cultura teológica irá submeter à questões da liberdade e da política a essa
radicalidade interrogante, e essa radicalidade germinará inclusive a suspeita sobre o caráter
sacral das autoridades reais.170
168
EF I, p. 82 169
Ibid, p. 84 170
Ibid, p. 83
55
A radicalidade teórica estrutura-se a partir da noção de que o começo e o fim da
história já estão revelados para os cristãos, permitindo que eles ousem fazer uma síntese
histórica, dando-lhe um sentido, no caso, o “acabamento da Cidade de Deus”. A história não
se submete a visão de tempo como mera sucessão de acontecimentos sem um sentido, não é
vista como decadência, nem como um progresso infinito, mas como um progresso para a
perfeição da sociedade, dirigida para uma comunidade alheia às nacionalidades, como
proposta do universalismo cristão. Foi com o pensamento cristão medieval que se assentou os
dois aspectos que influenciaram a concepção de história como dotada de um sentido: a idéia
de que a humanidade é um ser coletivo único e a idéia de que a história tem um sentido que
transcende a mera sucessão de acontecimentos.171
A expressão maior dessa radicalidade está
em vislumbrar uma paz entre os povos, que supere a inconstância dos acordos humanos, mas
como um paz total e perfeita, além da paz já experimentada pelo homem. 172
Cruzada essa
fronteira de experiência de sentido, não haverá mais volta para o homem.
A própria busca moderna de radicalidade teórica no campo político expressa a
presença teológica nas racionalidades modernas. As grandes utopias políticas tem uma
natureza teológica em suas propostas de suprimir as limitações da contingência e da penúria,
correspondendo a afirmação de que o “divino seja real na vida vivida pelos próprios homens”
173. Lima Vaz indica a preocupação com o Estado como o tema que substitui a transcendência
de Deus da teologia medieval. O aguilhão teológico se dirige ao Deus visível sobre a Terra, o
Estado. 174
171
Cf. GILSON, 2006, p. 474 a 478
172 Cf. Ibid, p. 490-492
173 EF I, p. 84
174 O tema da vida e morte da Revolução exemplifica esse paralelo, tal como se vê na análise de Lima Vaz do
bicentenário da Revolução francesa. Concebida enquanto mitogênese, mitopráxis e mitologia, a vida e morte da
Revolução edifica um paradigma de fins últimos para o homem pela ação heróica, voltada a um messianismo
pressuposto da democracia. Como mitogenese, ela determina a luta, o caminho da violência, como o meio para a
paz universal, assumindo a forma de uma utopia da igualdade absoluta e da unanimidade de seus fins, tal qual “a
promessa da Cidade radiosa”. Enquanto mitopráxis, é a prática de um discurso ritualizado, reiterando “a opinião
onipotente como expressão absoluta da fonte única do poder”; detém ainda uma liturgia celebratória e uma
teurgia na “edificação do divino sobre a terra”. Por último, ela é mitologia, quando o passado de sua concretude
é alçada a um “tempo sagrado de uma origem”, passando a ser objeto de crença, sendo “aceita fideisticamente
como destino da sociedade moderna”. Cf. SNF 45, p. 10 – 11.
56
2.2 A RADICALIDADE TEÓRICA – A EXIGÊNCIA DE UM ABSOLUTO
PARA O HOMEM.
Como primeiro passo aos fundamentos antropológicos do ser-para-o-Absoluto que
exporemos no capitulo seguinte, iremos situar a presença da radicalidade teórica na
modernida nas conclusões que Lima Vaz apresenta em Ontologia e História, para
determinar que essa vitalidade da herança teológica é sobretudo resultado da exigência de um
sentido como propensão humana para o Absoluto.
A legitimidade do problema do Absoluto em Vaz é atestada pelo confronto com o
argumento ateu que afirma que o Absoluto se explica como uma fuga da História, ou seja,
como “projeção mística das perfeições ideais que o devir histórico nega ao homem concreto”
175. Tal argumento se pauta no extremo da função fabuladora da consciência, quando ,
segundo Vaz, esta sucumbe à tentação de um pseudo-absoluto de fuga, o que é o reverso da
presença do Absoluto. O pseudo-absoluto revela na verdade a presença de um Absoluto de
exigência para a consciência e que é, como veremos adiante, o fundamento para o homem
concreto inscrever no mundo contingente um sentido a partir da sua relação com o Absoluto
real.176
Como aprofundaremos no capítulo seguinte, podemos afirmar que existe uma
necessidade imposta à consciência de redefinir o mundo dado como um mundo de
significações, necessidade expressa na presença de uma intenção na consciência que dirige o
homem para além do horizonte do mundo visível. Em Lima Vaz a consciência humana é
dotada de um infinitude intencional por um Absoluto transcendente que a faz significar e
comunicar o mundo dado como mundo humano, mas que também está, por isso, virtualmente
aberta a voltar-se para aos falsos absolutos.
Para Lima Vaz a consciência não é um resultado de um processo causal da matéria,
de forma a que o papel ativo do homem que transforma o mundo e cria novas formas de
comunicação, como trabalho do homem técnico , não tem qualquer precedência como
causalidade, ao ato da consciência que dá significação humana ao mundo, que é sobretudo um
175
EF VI, p. 272 176
CARDOSO, Delmar, Contemplar e Agir, in Mac Dowell, João A. (Org), Saber Filosófico , história e transcendencia , Ed. Loyola 2002, p. 273.
57
ato do espírito, estrutural ao sujeito. Assim, na modernidade tem-se a crença de se construir
um mundo de significações a partindo do papel ativo do homem, como fonte da
inteligibilidade a partir de seus juízos empíricos, sem referência a um Absoluto transcendente.
Tal postura infere na incomunicabilidade de um sentido universal, pois deve haver uma
“mútua reflexão do trabalho e da significação” que permita a comunicação das consciências
pela mediação do mundo; pois as transformações que o homem causa no mundo, seja na
natureza ou nas suas instituições, devem ter um sentido captável e comunicável, que resista às
contingências e relativismos da situação de cada um. Estando a comunicabilidade de um
sentido universal atrelada à referência ao Absoluto transcendente, compreende-se a primazia
da postura ativa do homem moderno como um processo desumanizante, e portanto ausente de
sentido.177
A compreensão desse processo desumanizante está na descrição do que Lima Vaz
denomina alienação de sentido e alienação do trabalho178
. Ambas representam a opacidade
do mundo, sujeita à uma luta pelo sentido que é o próprio existir do ser humano, e que não
pode se resguardar dos falsas experiências de sentido, que conduzem o homem ao processo de
desumanização de si mesmo e do seu mundo. Em suma, a luta pelo sentido está sujeita à
possibilidade radical de sua alienação.
As formas de alienação partem da dupla ambigüidade a qual o encontro das
consciências pela mediação do mundo se sujeitam, por ser um encontro que se dá no espaço
da comunicação pela palavra, e que está dialeticamente atrelado ao conteúdo da ação humana
sobre o mundo, como reflexão mútua entre ação e significação. Representam a possibilidade
de se comunicar e vivenciar um falso absoluto, onde predomina a ação do homem sobre o
mundo, como ação situada e imanente, a qual se queira dar uma significação universal, ou
então predomina a significação pretensamente universal, sem qualquer correpondência com a
realidade, como manipulação das consciências.
A alienação de sentido advém do fato de que a comunicação assume a forma
histórica de uma luta e conquista de um sentido como razão do ser-em-comum, sendo que
essa luta se dá entre sujeitos que se diferem quanto ao nível de consciência, intenção e
177
Cf. EF VI , p. 258 178
O tema das alienações pode ser assumido como exercendo em Lima Vaz a regulação negativa da Teologia,
pois, tal qual afirma Jaquees Maritain, visa declarar como falsas as proposições que são incompatíveis à verdade
teológica, no caso, de permitir que o Absoluto verdadeiro seja limitado pelas experiências e linguagens do
homem finito e situado. Cf MARITAIN, Jaques – Introdução Geral à Filosofia – Elementos de Filosofia 1,
tradução de Ilza das Neves e Heloísa de Oliveira Penteado, Editora Agir. 18ª edição. 2001 – p. 81 -82
58
captação de sentido. Há a possibilidade do uso da comunicação para dominação ideológica na
comunicação de um sentido sem referência a um absoluto transcendente , pois a comunicação
detém um caráter ambíguo pela possibilidade de inadequação entre o conteúdo percebido ou
intencionado na palavra, e a significação desse conteúdo, que se sujeita à falsidade, ao erro e à
mentira.
Já a alienação do trabalho se baseia no fato de que a ação do homem sobre o mundo,
como quem transforma e o objetiva cientificamente, é também uma luta para dar significado
ao mundo; há o risco da própria posição ativa do homem obstruir a reflexão dialética da
consciência, limitando o sentido à significação imanente das coisas. Essa forma de alienação
parte da ambigüidade que se dá pela inadequação entre o conteúdo material da ação e a
significação da ação, de forma que a significação do mundo, que expressa uma limitação da
infinitude intencional do ato de significar, se impõe, enquanto expressão situada e portanto
“finitizada” do ato de significar, fazendo com que o mundo domine o homem, e até mesmo o
anule enquanto sujeito.
Essas formas de alienações da consciência expõem os resultados do que Lima Vaz
descreve como ambigüidade da experiência conforme exporemos adiante, ou seja, quando a
consciência deixa-se iludir pela experiência imediata da sua ação, seja ao interferir no mundo
seja ao comunicar sobre o mundo. E elas expressam ainda a inevitável operação humana de
significar o mundo e de comunicar esse significado, de forma que o ato de significar, seja pelo
trabalho ou pela palavra, não pode ser sua própria justificativa, sob o risco de se construir uma
realidade que se assuma como “um grande ´faz-de-conta´, no qual a verdade conta muito
pouco, ou até mesmo é relegada ao esquecimento ou à comodidade fugaz da diversão.”179
O pensamento de Lima Vaz admite que a análise do ato de significar o mundo situe
no pólo presença da experiência humana algo que não seja o próprio Absoluto real, mas que
cumpra a exigência mesma de um Absoluto, como condição para o sentido. Assim no
itinerário para se buscar a presença do Absoluto real na consciência humana, tem-se a
mediação das figuras do Absoluto de exigência, que enquanto interpretadas como figuras de
uma exigência profunda, evitam as formas de alienação da consciência, e expõem a rota para
o ser pelo ato de significar o mundo.
179
CARDOSO, Delmar, Contemplar e Agir – A propósito de “O Absoluto e a História”, in Mac Dowell, João A. (Org), Saber Filsófico , história e transcendencia , Ed. Loyola 2002, p. 270.
59
O Absoluto de exigência revela-se na inadequação do horizonte do mundo com a
intenção da consciência, a consciência ao se referir a um sentido para o existir e para o seu
mundo está se referindo a um Absoluto, fundador da consciência mesma e do mundo, além da
realidade sensível. Assim o verdadeiro Absoluto é aquele cuja presença na consciência se
identifique com a exigência que pesa ao homem de só poder existir humanamente enquanto
“criador de si mesmo e do seu mundo”180
, exprimindo uma relação de identidade intencional
pelo sujeito finito com o ser Absoluto, mantida a diferença real entre o ser finito e o ser
infinito.
Lima Vaz articula os momentos do processo dialético que conduz ao Absoluto
Verdadeiro como realidade, buscando resolver a tensão entre a infinitude da intenção e a
finitude da expressão na relação sujeito-objeto. A infinitude da intenção configura a abertura
da consciência para o horizonte infinito do ser, revelando o “ dinamismo virtualmente infinito
do sujeito aberto para o ser” , dinamismo que se volta para todo objeto possível, como
“intuição totalizante do ser”; enquanto que a finitude da expressão traduz a limitação do
objeto conhecido pelo sujeito, como objeto situado numa sucessão de objetos e portanto como
coisa finita pela qual a consciência põe-se como presença ativa.181
Na linha do objeto não se supera a tensão entre a intenção e a expressão, pois a
intenção implica um Absoluto inobjetivável, que não se concilia com a finitude do objeto,
conduzindo a se buscar no sujeito o pensamento do Absoluto. Assim, na rota para o Absoluto
verdadeiro, apresenta-se a primeira figura do Absoluto de exigência, partindo do sujeito
enquanto consciência intencionante, mas que ainda não será o Absoluto real. O sujeito quando
se refere ao Absoluto na relação com o objeto, não intenciona a infinitude na linha do objeto,
mas refere-se a si mesmo, ou seja, toma consciência de si, conhecendo a si mesmo enquanto
sujeito e jamais enquanto objeto.
Porém, essa consciência de si depende da mediação do mundo, de forma que se tem a
finitização da subjetividade infinita num horizonte de objetos182
. Exprime-se a situação
mesma da consciência como um ser-no-mundo, a consciência de si é ser-no-mundo, e
portanto é somente figura do Absoluto de exigência, mas não é o Absoluto real, visto que a
infinitude da intenção não se afirma plenamente na consciência de si.
180
EF VI, p. 273 181
Cf. loc. cit. 182
Cf EF VI, p. 275
60
Somos conduzido a buscar na relação intersubjetiva o Absoluto real, partindo do
Absoluto de exigência do sujeito quando é ser-com-o-outro. Na intersubjetividade tem-se
uma comunicação das consciências, como comunhão de um sentido humano, e que é a
“contextura específica da História”.183
No itinerário do Absoluto real, a História é a segunda
figura de Absoluto, onde a infinitude da intenção se dirige ao sujeito, não como movimento
de reflexividade, mas como movimento posterior de alteridade, ou seja, quando o sujeito
dirige-se ao outro o reconhecendo como sujeito, tal qual se reconhece enquanto consciência-
de-si em sua intenção pelo ser. O Outro, é ainda exterior à consciência, e a comunicação de
intencionalidades dos sujeitos demanda a “mediação exterior , no universo dos sinais, na
iniciativa da cultura”, de forma que a “expressão do sujeito para o Outro e sua captação do
Outro são ainda circunscritas pelo contorno objetivo do mundo”, não havendo “ coincidência
do dinamismo infinito da intenção de cada sujeito singular com a infinidade do Outro”, ou
seja, na relação intersubjetivas não há ainda “transparência recíproca das consciências” que
possibilite afirmar o Ser onipresente às consciências184
. A relatividade cultural, seja no espaço
ou no tempo, podem ainda falsear o Absoluto real, havendo uma oposição que não se supera
no plano histórico da comunicação das consciências, que opõe o dinamismo infinito da
intenção que se volta para o Outro e a condição empírica dos sujeitos.
O compartilhamento de um sentido, que supere a situação dos sujeitos de uma
comunidade plural como a da modernidade, deve então partir de uma intenção da consciência
que vise ao Absoluto como fundamento radical da relação reflexiva e da relação
intersubjetiva, e como “transcendente à limitação real dos sujeitos e à própria contingência do
processo histórico”185
, atendendo dessa forma a uma perspectiva de totalidade que se
sobreponha aos perigos das alienações.
Importa então que o sentido parta de um encontro do ser-humano com o absoluto
transcendente, tal qual Lima Vaz define a filosofia religiosa de S. Agostinho, ou seja, um
encontro no seio da razão “como origem e fim da razão mesma e do amor que dela nasce”186
.
O movimento para significar o mundo e o existir sem se entregar para as formas de alienações
deve partir de um recolher-se à interioridade diante da dispersão do mundo sensível, mas não
como fuga mística,e sim como um voltar-se para a Verdade presente no íntimo do homem ,
183
EF VI, p. 275 184
Cf.Ibid, p. 275-277 185
Ibid, pág. 278. 186
Cf. Ibid, p. 79
61
que se revele como Verdade transcendente e que o impele a significar a realidade exterior;
trata-se da Verdade presente ao íntimo do homem que, como origem do movimento do
espírito para abrir-se à realidade e significá-la, é antes uma presença do que uma idéia, e
como presença é o Absoluto187
.
Em Lima Vaz a exigência do Absoluto é a exigência de um sentido para a história
como criação humana, e é através dessa exigência que o homem toma consciência de si, do
mundo e do Outro. O homem então se identifica com a totalidade do Ser apenas
intencionalmente, atendendo à exigência de sentido que o move, permanencendo a diferença
real entre o finito da razão humana e o infinito do Espírito absoluto .
O Absoluto é uma exigência estrutural do ser-humano, como consciência de si, como
consciência do mundo e como consciência do Outro, e a sua presença como exigência
imanente e transcendente a esses aspectos da consciência, é uma presença “da consciência
infinita e absoluta no interior mesmo da consciência finita”188
, que faz com que o homem se
abra intencionalmente para o mundo. Para o homem a presença do Absoluto real se desvela
pela sua exigência mesma para a inscrever o mundo de sentido, por essa presença-exigência
o sujeito dá significação humana a si mesmo e ao seu existir.
A radicalidade teórica está presente na modernidade como resultado da exigência de
um sentido pela presença de um Absoluto no horizonte do homem. Na sua efetividade
medieval ela expressa o ato do sujeito de significar o mundo e a si mesmo, é uma expressão
de uma experiência, porém, de uma experiência radical de significar ou dotar de sentido. Para
fundamentarmos a presença dessa radicalidade teórica no solo da modernidade temos que
considerar os paradigmas medievais que a viabilizaram, quais sejam, os paradigmas de uma
experiência de sentido radical; o que se exprime na relação entre experiência e linguagem
adotada por Lima Vaz.
Por essa via poderemos definir a presença da herança teológica na modernidade,
justamente pela crise de sentido que a marca, onde existe uma demanda por um sentido
último que norteie a ação humana. Tal abertura a uma experiência de sentido radical define-se
como estrutural ao homem e como pilar da humanidade do seu mundo, como mundo dotado
de sentido.
187
Cf. EF VI, p. 84-87 188
CARDOSO, Delmar, op. cit, p. 275.
62
A noção de experiência da qual parte Lima Vaz, irá atestar a abertura metafísica que
guardam as experiências do homem moderno com o seu mundo material e com a noção de
sentido, como aguilhão permanente. Na afirmação de que o homem é estruturalmente
metafísico, a experiência para o homem moderno é, mesmo diante de um novo estatuto da
razão, um operar que o conduz ao anseio metafísico pelo absoluto.
2.3 - EXPERIÊNCIA E LINGUAGEM PARA LIMA VAZ
Experiência e linguagem, convergem no pensamento de Lima Vaz para atestar a
natureza metafísica do homem, e consequentemente, afirmar a exigência de um sentido para a
vida humana, que encontra na experiência cristã de Deus seu paradigma maior. Rejeitando a
oposição entre experiência e pensamento, Lima Vaz define a experiência como a “face do
pensamento que se volta para o objeto”. Distinguido a experiência de outros atos psíquicos
com relação a um objeto, deve-se considerar a penetração do ato de pensar na plenitude da
presença do objeto, para que defina a experiência por essa profundidade do ato intelectual.
Diferente de outros ato psíquicos, a experiência é um ato da razão voltado para o objeto,
denotando uma proporção direta “entre a plenitude da presença e a profundidade da
experiência”, marcada por uma intencionalidde do sujeito em se abrir para a realidade
exterior, como intenção movida pela exigência de um absoluto, que implica em um voltar-se
para si como movimento de identidade. 189
Tem-se uma estrutura analógica do conceito de experiência, homologa a concepção
de Lima Vaz de uma razão “transcendentalmente aberta ao sentido na sua auto-reflexao” e
que faz parte do movimento de significação da realidade pela consciência do sujeito, ou seja,
o dado exterior „e suprassumido pela interioridade do sujeito em sua infinitude intencional
voltada para o Ser e permite a significacao dos planos da realidade pela consciência. Trata-se
de uma síntese entre interioridade e exterioridade, como compenetração entre a presença
exterior e a presença interior a nos mesmos, de forma a que a presença do mundo e do outro é
a mediação a nossa autopresença.190
A experiência, dado esse aspecto de sintese, deve resultar em superação da
precariedade da apreensão do objeto pela sensibilidade, e de supressão do “vazio das formas
189
Cf. EF I, p. 243 190
Cf. AQUINO, SNF 71, p. 475-476
63
puramente lógicas” da razão 191
, para permitir uma experiência humana, não limitada ao
imanentismo das coisas ou à interioridade como fuga. A experiência então se articula entre
dois pólos: o pólo do objeto (exterioridade), como fenômeno, e o pólo do sujeito
(interioridade) , que é consciência.
Tem-se uma relação ativa entre a consciência e o fenômeno que expressa a existência
de leis estruturais da consciência que permitem a manifestação do objeto para ela mesma.
Para que haja experiência já deve haver uma forma de expressão do objeto pelo sujeito, visto
que a presença do objeto “não ocupa a consciência como um objeto que invade um espaço
vazio” 192
. Toda experiência deve então ter a sua expressão na consciência, ou seja, a sua
linguagem; da mesma forma que podemos afirmar que a toda linguagem corresponde a uma
presença. A idéia de um conhecimento vazio, ou seja, de um conhecimento sem que haja uma
relação ativa entre o objeto e as formas de expressão desse objeto na consciência, seria puro
experimentalismo lógico, próprio do conhecimento puramente lógico-formal ou matemático.
Sendo a experiência uma relação entre pensamento e presença do objeto, e sendo a
experiência unicamente possível por ter a presença do objeto uma forma de expressão no
sujeito, pode-se afirmar que “toda forma de experiência corresponde à forma de expressão ou
linguagem de uma presença” 193
. Assim, as formas de experiência obedecerão aos três tipos
fundamentais de presença que se oferecem à experiência, para cada qual se compreendendo
uma forma adequada de linguagem: a presença das coisas (experiência objetiva), a presença
do outro (experiência intersubjetiva), e a presença de nós a nós mesmos (experiência
subjetiva).
Por conseguinte, o homem, buscando viabilizar cada tipo experiência, irá criar
formas de linguagem que dêem realidade à presença do objeto , evitando o vazio de uma
linguagem sem presença, ou opacidade da presença sem uma linguagem. A linguagem desse
modo é o móvel que faz com que o homem crie o seu mundo como universo das formas
simbólicas, universo que é o próprio mundo da sua experiência, onde a presença encontra
expressão formal no sujeito, de forma que na adequação entre linguagem e presença faz com
que cada experiência particular se insira em uma experiência de totalidade que é a experiência
de sentido.
191
EF I, p. 244. 192
Loc. cit 193
Ibid, p. 245
64
Esse mundo da experiência, definido como universo das formas simbólicas, é o
terreno da elaboração dos sentidos que se apresentarão em cada experiência, como “sentido
das coisas, um sentido do outro, um sentido do eu”, que paralelamente irão delinear as três
regiões da experiência: “a técnica e a ciência das coisas, a organização social e a consciência
individual”. Porém, deve-se ater ao fato de que o equilíbrio entre os dois pólos da experiência
(objeto e sujeito) está sob risco de uma ruptura, situação que é descrita por Lima Vaz como a
ambiguidade da experiência. Esse equilíbrio está ameaçado “de um lado, pela inefabilidade
da presença, de outro pelo formalismo da linguagem”194
, que podem conduzir a alienação do
ato de significar, que „e o desvio e a “finitizacao” , ou imanentizacao, da intencionalidade
significante do sujeito.
A ambiguidade da experiência estará presente nessas regiões: na técnica o
formalismo ameaça “artificializar a presença das coisas”, na organização social a presença do
outro pode se ocultar nos costumes e instituições; a presença do eu pode se perder diante das
imagens que projetamos de nós para nós mesmos. 195
Pelo formalismo da linguagem, a sua
sobreposição a presença e conseqüência da inadequação entre linguagem e objeto ( por
exemplo, no uso da linguagem mistica para exprimir uma experiência com o outro no discurso
comunitário e político, ou no uso da linguagem das coisas para falar de Deus), pelo uso do
vazio de significacoes que visam manipular e falsear a realidade , ou pelo tecnicismo
imanentista para falar das questões ultimas da espiritualidade do homem.
A tradição filosófica tende a superar essa ambigüidade pela preponderância do pólo
presença da experiência, ou seja, estabelecendo a “ oposição entre ´sentimento de presença ´ e
o discurso sobre o objeto”, o que permite uma abertura perene da linguagem a uma
transcendência . Essa abertura se manifesta pela “exigência permanente de lucidez (da
distinção ordenada do discurso) e de realismo (de referência do discurso a um conteúdo
objetivo)” na linguagem196
, abertura que correponde assim à intencionalidade do sujeito pelo
Absoluto transcendente.
A noção de presença perante o sujeito, é uma noção logicamente co-extensiva à
noção de ser, e portanto uma noção analógica, possibilitando a diversidade de formas de
expressão em função da diversificação da presença de diferentes objetos, sem que um ou
outro pólo predomine, justamente porque a experiência humana transcende aquilo com o qual
194
EF I, p. 246 195
Loc. cit 196
Cf Ibid, p. 247
65
se relaciona, apontando para uma presença Absoluta e evitando as formas de alienação da
consciência.
Como expressão do existir humanamente, a linguagem é sempre aberta ao
sentimento de presença e se coloca como o próprio caminho da experiência. Não ocorrendo o
fechamento da relação entre linguagem e experiência dentro de um formalismo rigoroso;
evita-se a valorização do vazio das formas de expressão sem presença, e, de outro lado ,
permite-se que o homem esteja sempre aberto à verdade do ser. Assim descrita, é a
linguagem que determina a possibilidade de expressão da experiência de um sentido radical, o
que nos conduz à prioridade que o tema da linguagem tem para Lima Vaz.
A crise da modernidade pode ser descrita como uma crise de expressão do sentido
universal, estando em jogo o papel da linguagem. Para Lima Vaz o existir humanamente é o
existir na forma de linguagem, de forma que “o homem é homem e existe com os outros em
virtude da linguagem”197
. O homem como ser aberto ao mundo, configura a si e ao seu
mundo por meio da linguagem, sendo ela a mediação fundamental do homem com os outros ,
com o mundo, e consigo mesmo, e é por ela que ele se mostra como “um ser radicalmente
aberto, verdadeiramente universal”198
.
O ser-humano tem assim uma capacidade de criar sinais que definirão o seu mundo
de sentido, exprimindo as suas experiências imediatas e “o real ausente, o futuro e o passado,
o abstrato e o fictício, o normativo e o ausente”199
, exercendo essa capacidade semiótica que o
faz transcender o mundo dado.
Para compreender a linguagem como mediação fundamental da experiência de
sentido em Lima Vaz, é necessário considerar o conceito de linguagem em seu pensamento a
ser localizado dentre os níveis de profundidade de conceptualização: linguagem como língua,
a linguagem como evento da palavra e a linguagem como linguagem.
A linguagem como língua é aquela que se presta a ser objeto das ciências
lingüísticas, tratada como um sistema de sinais autônomos e neutros, desconsiderado o
processo histórico da sua formação e abertura para novos significados. Nesse nível conceitual
o que é analisado é a linguagem como sistema no estado em que se encontra, sem referência
197
HERRERO, Xavier, O Homem como ser de linguagem – um capítulo de antropologia filosófica, in PALÁCIO, Carlos, (Org), Cristianismo e História, São Paulo, Loyola, 1982, p. 76 198
HERRERO, op. cit, p. 77 199
Ibid, p. 78
66
ao passado ou ao futuro; importa aqui apenas a forma da língua, não tendo a linguagem um
conteúdo substancial, e sim limitada a um conjunto de sinais fechado que não se refere ao
mundo exterior, mas onde os sinais referem-se apenas uns aos outros. O pensamento de Lima
Vaz é avesso à esse nível como explicação do fenômeno da linguagem, pois ainda que a
linguagem seja um estrutura de sinais, sua absolutização como estrutura fechada à realidade
implica em uma filosofia sem sujeito, como “um campo anônimo de regras e estruturas
funcionando por elas mesmas”200
.
Já a linguagem como evento da palavra ou discurso, é o segundo nível de
profundidade conceitual, onde é tratado o uso que se faz da língua, ou seja, quando usada pelo
sujeito, retirada de um sistema fechado de sinais e retornando à vida como evento no ato do
discurso. Aqui a linguagem transcende a condição de sinal e de sistema fechado para se referir
à realidade exterior, e não somente a outros sinais. Tem-se o aspecto referencial da
linguagem, em que o ato de se expressar através dela se dirige à realidade, supondo uma
intencionalidade do sujeito de significar o mundo. Nesse nível o sinal se dirige a alguém, pois
“ o dizer quer dar a entender algo a alguém, o dizer visa a ser compreendido”; algo só é
efetivamente dito se compreendido por outro. Por isso, esse segundo nível de conceito de
linguagem se insere necessariamente em um campo de relações intersubjetivas, onde o outro
não é coisa, mas sujeito capaz de apreender o sentido dos sinais, bem como em um campo de
experiências e estados de coisas a serem significadas e comunicadas. Deixando a clausura do
sistema, e supondo a intencionalidade do sujeito, o sinal agora é “portador de significações”
conforme essa intencionalidade. 201
A linguagem como evento da palavra não é objeto das ciências tal como a língua,
mas uma mediação pela qual o sujeito confere um sentido a algo e comunica a outro,
permitindo ao homem viver em comunidade, compartilhando uma forma de vida. Nesse nível
a linguagem reflete as condições históricas e sociais sedimentadas na forma de vida de uma
comunidade, de forma que elas são pressupostos reais para a efetivação do evento palavra; a
comunicação entre os sujeitos parte de um universo cultural comum, de tal modo que falar é
inserir “frases nos contextos de realidades com os quais os atos de fala se relacionam”, do
contrário não se efetiva a comunicação202
.
200
Cf. HERRERO, op. cit, p. 79-80 201
Cf. Ibid., p. 81 - 83 202
Ibid, p. 88
67
Esse segundo nível conceitual de linguagem não expressa plenamente a abertura do
homem ao mundo em sua referência a um Absoluto transcendente, não explica ainda porque o
homem se abre para o universo de significações, mas limita-se a expor o modo como a
mediação homem-mundo se dá pela linguagem em um contexto histórico, fundamentando a
transcendência da linguagem no “agora” vivido como comunicação de uma forma de vida
presente, sem dizer o porque da evolução para um sentido universal que marca a existência
humana, que a fez transcender a comunidade situada a dirigindo a uma exigência de sentido
universal, em suma, deixa de expor os fundamentos que possibilitam o homem antever tal
dimensão de experiência de sentido.
De um lado a linguagem é um sistema fechado e reflete as condições culturais do
presente do ato de comunicar, por outro lado, ela se abre a eclosão de um novo sentido por
obra da reflexão do homem que o impele a buscar formas ideais de vida. Nesse intervalo,
entre o fechamento e a abertura para um novo universo de significações, é que o homem
existe historicamente, ou seja, ele existe historicamente na linguagem, entre o que já foi dito,
como história já feita, e o que ainda não foi dito, como futuro de uma história sempre aberta.
A linguagem em Lima Vaz deve ser compreendida dentro de sua concepção aberta
de homem como expressividade que significa o mundo e a si mesmo em seu movimento
intencional pelo Absoluto, movimento que é um incessante devir do ato de significar que não
se limita às condições culturais de comunicação, se valendo deles para ser efetivo, mas os
transcendendo como movimento de dever-ser. Esse nível de linguagem que se adéqua à Lima
Vaz é o que se refere a um fundamento último que
possibilita a compreensão de todos os entendimentos intersubjetivos
históricos e a reflexão e superação das formas existentes de vida e, com ele,
o sentido que finalmente a linguagem visa como linguagem203
.
O nível mais profundo de conceito de linguagem é então o que expõe a finalidade
última da linguagem; logo, a linguagem como linguagem é o nível que se adequa ao
pensamento de Lima Vaz.
Como evento intersubjetivo a linguagem como linguagem visa o entendimento entre
os homens, como possibilidade de uma comunicação universal, de forma que “em cada ação
comunicativa é pressuposta a humanidade como último horizonte de cada evento da
203
HERRERO, op. cit., p. 90
68
linguagem”204
. Assim, o fundamento de toda comunicação intersubjetiva é essa pressuposição
de uma comunidade ilimitada; e que implica em uma pressuposição de reciprocidade
universal entre os homens de um diálogo livre de toda dominação. Como meio de partilhar
uma forma de vida, além das condições culturais de validez de comunicação mas referindo-se
à abertura mesma de uma significação universal, a linguagem aqui pressupõe a “forma ideal
de vida como condição de possibilidade de todas as formas reais de vida”205
.
Voltada ao horizonte da humanidade, comunicando uma forma ideal de vida, a
linguagem como linguagem pressupõe ainda a compreensibilidade universal do sentido, como
condição última de “toda comunicação real e de todo entendimento sobre toda forma real de
vida, conseguida na história”, e que assim fundamenta a “necessidade permanente do
contínuo diálogo entre os homens” e do movimento mesmo da História de “transcender
sempre criticamente o já conseguido” 206
.
O que a linguagem visa nunca é plenamente realizado, por ser expressão do
movimento do homem pelo Absoluto real, como busca de uma identidade pela
intencionalidade do sujeito finito, porém, essa não realização não atesta a insuficiência do
homem, mas sim a riqueza ontológica de sua existência finita que voltada permanentemente
ao Absoluto, possibilitou a ele construir o seu universo de significações e intencionar o
sentido universal mesmo diante da cultura imanentista da modernidade .
O homem existe humanente na forma de linguagem, sua existência só é humana
quando dotada de um sentido a ser comunicado pela linguagem e vivenciado enquanto
experiência. Assim, pela linguagem o homem compartilha a experiência de sentido, e constrói
seu mundo humano, e significa a si mesmo, transcendendo o dado da natureza, inscrevendo a
universalidade do ser na sua existência interior e exterior. Há uma “pré-compreensão radical
do sentido” na origem desse movimento de se expressar pela linguagem enquanto linguagem,
e que se identifica com a exigência de sentido para o homem, como referência a um Absoluto
presente na origem e no fim do movimento intencional do sujeito para significar sua
realidade.
204
HERRERO, op. cit, p. 90 205
Ibid, p. 92 206
Ibid, p. 93
69
2.4 - EXPERIÊNCIA DE SENTIDO RADICAL E A EXPERIÊNCIA DE DEUS
A partir dessa necessária relação entre experiência e linguagem, a radicalidade
teórica herdade pela modernidade é a expressão de um sentido correspondente a uma
experiência de sentido radical, no caso, a experiência cristã de sentido. Em Vaz a experiência
de sentido que se herda da experiência de Deus, nos moldes do cristianismo, irá definir para a
modernidade enquanto herdeira da radicalidade teórica medieval, o paradigma de um sentido
radical, como resposta e devir, que a interpela e a conduz a sua crise em meio à abundância
material e cultural.
Lima Vaz distingue a experiência de Deus como uma experiência do sentido radical,
enquanto que a experiência religiosa estaria limitada à experiência do sagrado.
A experiência do sagrado tem em seu pólo da presença a particularidade de um
fenômeno que provoca no pólo consciência “essas formas de sentimento e emoção que
formam como que um halo em torno do núcleo cognoscitivo da experiência”207
. O sagrado,
resulta da função simbolizante do homem “nesse terreno que se estende entre o fascínio e o
temor do que é incompreensível ou misterioso”208
, como experiência de um fenômeno
particular que se esgota no presente e que conduz o sujeito à atitudes de veneração. A
linguagem desse tipo de experiência é a linguagem particular, enquanto mito, quando verbal,
e rito, como expressão não verbal, sendo uma experiência a-histórica onde se dá primazia à
ritualística, que por isso desvala na ambigüidade, pois tende a objetivar Deus e prender o
homem às mediações rituais, limitando Deus à prática religiosa209
.
A experiência de Deus, por outro lado, seria uma experiência de Sentido radical, não
que a experiência de sentido estivesse ausente na experiência do sagrado, mas que esta não
seria uma experiência de sentido absoluto e total, e sim de um sentido disperso na
multiplicidade, não associado a uma prerrogativa única de identidade entre Ser e Deus e que
conduz o devir pessoal do sujeito.
Diante da noção de experiência e expressividade, a questão enfrentada por Lima Vaz
é em que modalidade de linguagem essa experiência de sentido radical encontra
correspondência : trata-se de uma experiência objetiva, intersubjetiva ou subjetiva?
207
EF I , p. 249 208
Ibid, p. 250 209
Cf. TABORDA, Francisco, Sobre a experiência de Deus –esbolo filosófico-teologico, in PALÁCIO, Carlos, (org) , Cristianismo e História, Ed. Loyola, 1982 – p. 265-268
70
Para Lima Vaz a experiência de Deus, ou a experiência de um sentido radical, não se
adéqua a nenhuma das forma de experiência propostas, não estando ela em nenhum momento
sujeita à ambigüidade da experiência. A experiência de Deus, como universalidade, pertence
a toda linguagem dotada de sentido, seja ela oriunda da experiência objetiva, subjetiva ou
intersubjetiva. Por ser dotada de sentido, a linguagem se abre à experiência de Deus.
Essa conclusão, parte do pressuposto de que uma experiência de sentido radical deve
ser dotada de uma universalidade inconteste para todos os homens. Tal universalidade da
experiência só pode advir se se mostrar estarem presentes já na consciência as “condições
transcendentais” dessa experiência, ou seja, estabelecida a possibilidade dessa experiência
como de direito. As demais linguagens da experiência ( das coisas, dos outros, e de nós para
nós mesmos), partem da possibilidade de fato da experiência, ou seja, do cumprimento efetivo
da experiência, sendo a experiência um fato particular. 210
Pela universalidade que se exige, a experiência de Deus não pode se encerrar em
uma “dimensão particular da existência” , seja das coisas, do outro, ou de nós para nós
mesmos, ela deverá ocupar “o espaço total onde as dimensões da existência – e da experiência
– se desdobram”. A experiência de Deus é a experiência de uma presença absoluta,
onipresente, é a presença de um sentido radical. Essa presença não se desvela, por que ela
não pode ser reduzida à particularidade, mas por sua presença toda presença particular pode
ser desvelada. A experiência de Deus está em toda linguagem dotada de sentido, pois toda vez
que se diz uma realidade de uma experiência particular, também a presença de Deus, ou de
um Absoluto está sendo dita. É a experiência de uma presença do sentido radical que permite
dar sentido, e, portanto, linguagem, à toda experiência do homem com as coisas, com o outro,
e consigo mesmo. Trata-se de uma presença analógica, o que permite a sua constância na
pluralidade das formas particulares de experiência, como presença onipresente do sentido e
como presença “rigorosamente transcendente a toda presença particular”. 211
É a experiência de Deus como experiência do sentido radical que irá definir o “existir
humanamente” como existir racionalmente a partir do sentido : “ Ela trespassa literalmente (
empeiria) a existência inteira do homem na medida em que existir humanamente é existir
logicamente: é produção incessante de sentido” 212
.
210
Cf. EF I, p. 251 211
Cf. Ibid, p. 252 212
Ibid, p. 253
71
A experiência Cristã de Deus pertence a esse terreno da linguagem e da produção do
sentido, mas aqui o sentido radical se identifica com a própria expressão de uma realidade,
que é a realidade da presença histórica de Jesus Cristo e da revelação que dela procede:
Com efeito, a experiência cristã de Deus é a experiência da presença do
Sentido radical numa existência historicamente dada, a existência de Jesus e
na palavra da revelação que é totalmente condicionada por essa existência
histórica na medida em que dela procede e a ela se refere.213
A interrogação radical da teologia, como busca por um sentido último, partiu da
experiência de Deus, justamente por partir da presença divina no universo da razão e do
sentido, e para o cristianismo, essa presença seria sobretudo histórica.
A modernidade expressa porém, dentro dos rigores do método da razão instrumental ,
uma desconfiança quanto à experiência de Deus, bem como quanto a qualquer experiência
mística, comprometendo a viabilidade de uma experiência de sentido radical definida na
tradição. Desconfiança que desloca a experiência de Deus para dois extremos: ou como parte
de um universo de irracionalidade, ou então reduzida à objeto das ciências sociais e até
biológicas. Mas com isso, esvazia de sentido as experiências do homem, com as coisas, com
os outros, e consigo mesmo, ao mesmo tempo, que guarda em si os anseios por um sentido
para o existir e agir. A presença atual dos problemas metafísicos é um paradoxo, diante do
fato de que a modernidade é marcada pelo império das racionalidade técnico-científicas,
aquelas que determinam o fim da metafísica.. Mas tal paradoxo se explica pela própria
delimitação da ciências modernas, que por definição, não ultrapassam o mundo dos
fenômenos, de forma que “os problemas de natureza evidentemente metafísica permanecem
em regiões profundas do ser humano” 214
, e como tais, inalterados e vivos. Diante disso, deve-
se lembrar que são nessas regiões que “nasce e aflora no solo da nossa consciência a questão
eminentemente metafisica sobre o próprio sentido da vida”215
.
Delineia-se assim a situação da modernidade, como herdeira dessa Razão de matriz
grega, que ,absorvida pelo cristianismo , se tornou em uma busca pela resposta absoluta para
o existir do homem, de enfrentar a sempre emergente necessidade de sentido que o seu
simples existir irá sempre demandar. Como lembra Lima Vaz, enquanto caminharmos à luz
213
EF I, p. 253 214
EF VII, p. 256 215
Ibid, p. 255
72
da Razão de origem grega, estaremos sob o signo de uma civilização teológica216
, o que
implica nos defrontarmos com a exigência, como amalgama profunda, de um sentido radical.
Dito isto, enfrenta-se a constatação da experiência de Deus como experiência de
sentido radical, cujos contornos definitivos, ao menos para a cultura ocidental, foram
definidos com o cristianismo, e como o paradigma para a fábrica de sentido do homem
moderno, definindo um paradigma de consciência humana. Tal paradigma teria possibilitado a
racionalidade moderna pelo papel ativo que confere ao homem, originalmente como mediador
do sentido universal e que irá se tornar, na modernidade, o demiurgo desse projeto; e está
presente na busca de novos absolutos que possam dar sentido para as experiências do ser
humano. De outra parte, temos na investigação de Lima Vaz a identificação da experiência de
sentido com a experiência de Deus, ou em termos ontológicos, a experiência com o Ser.
Há nessa experiência com o Absoluto verdadeiro, uma “tensão paroxística” entre o
ser como finito e situado e a sua ordenação ao Absoluto que o move na sua automanifestação
para dar sentido ao seu mundo. Nessa tensão, o Absoluto estando presente como termo do
movimento intencional, está também presente como origem. Esse movimento se transcreve
para o sujeito finito, como voltado para um absoluto formal, enquanto metafísica do ser, onde
o ser é cognoscivel como Verdade, e amável como Bem, como finalidade nos atos de
inteligência e vontade do sujeito, ou então, enquanto Absoluto real, como Deus, através da
intuição do Absoluto como fonte criadora, ou pela presença direta como mística
sobrenatural217
.
A experiência com o Absoluto, é para Lima Vaz uma experiência mistica, uma
“forma de união na qual prevalece o aspecto participativo e fruitivo”218
, e assim, é uma
experiência autêntica e original para a tradição ocidental, dado que ela foi determinante para
a inscrição de um sentido humano para o mundo e para história.
Essa experiência mística parte na tradição de um modelo antropológico, onde o ser
humano é pensado como uma “unidade estrutural aberta, à universalidade do ser e ao
conhecimento do Absoluto pelo espírito”219
, como uma concepção de dupla dimensão de
transcendencia 220
: a) a transcendencia da inteligência espiritual sobre o entendimento, o livre-
216
Cf. EF I, p. 85. 217
Cf Exp. Mist., p. 25 218
Ibid , p. 15 219
Ibid, p. 27 220
Cf. Ibid, p. 21
73
arbítrio e ao psiquismo, como ato espiritual mais elevado do homem enquanto espírito; b) a
transcendencia ontologica do Absoluto sobre o sujeito finito.
Para o homem, a presença do Absoluto real, objeto da experiência de sentido, se
desvela pela sua exigência mesma para um mundo de sentido, pois por ela o sujeito dá
significação humana a si mesmo e ao seu existir, e é no próprio conhecimento de si, que ele
conhece os fundamentos dessa exigência na sua identidade intencional com o Absoluto.
Portanto, no próximo capítulo, exporemos os argumentos antropológicos dessa “unidade
estrutural aberta” que expressem a experiência de sentido como experiência transcendente, e,
assim, expor as categorias que formam o sujeito enquanto unidade, como os pressupostos para
uma consciência humana que signifique o mundo e o existir no tempo como rota para o
Absoluto verdadeiro.
74
CAPÍTULO III ANTROPOLOGIA DO SER-PARA-O-ABSOLUTO
3.1 – ESTRUTURA DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
A estrutura da antropologia filosófica de Lima Vaz é exposta pela lógica da
suprassunção dialética, partindo dos traços mais elementares da auto-expressão do homem,
corpo, psiquismo e espírito, que formam as Categorias de Estrutura, em que o homem se
experimenta como sujeito situado, e que, em sua finitude, questiona a si mesmo, e se
manifesta como “sujeito interrogante”221
.
Como sujeito interrogante, figura como um termo dinâmico, onde a afirmação do
“Eu sou” , devido a uma perene abertura estrutural para o ser, busca a máxima unidade que o
definirá como pessoa , a partir da sua relação com o mundo e com os outros. Assim, o
homem abre-se para a realidade exterior, não para percebê-la “como um espetáculo que a
auto-suficiência do sujeito aceita contemplar” , mas para interrogar-se e conhecer a si
mesmo, inscrevendo no discurso antropológico o preceito paradoxal do “perder-se para
encontrar-se” 222
.
Uma visão ampla da Antropologia Filosófica se apresenta assim como a conclusão
da inevitável intenção filosófica para a Unidade, e vitória sobre o múltiplo material dos
objetos, em que seu discurso segue “ um esquema linear de seriação das categorias
percorrendo, como regiões categoriais fundamentais, Eu – Mundo – Outro – Transparência –
Unificação(Realização) – Unidade (Essência)”223
, em outras palavras, o discurso divide-se em
categorias de estrutura (corpo-próprio, psiquismo e espírito), categorias de relação
(objetividade, intersubjetividade e transcendência) e por último , categorias de unidade (
realização e pessoa). Assim, tem-se o quadro da Antropologia Filosófica como ciência
socrática, que evocará a distinção do homem como um ser que visa a totalidade, um saber do
sujeito que dá razão de si mesmo, exprimindo o “processo real e total do seu autoconstituir-se
do sujeito.”224
221
LIMA VAZ, H.C., AF II - Antropologia Filosófica II, 3ª edição, São Paulo: Loyola, 2001, p. 9. 222
Ibid, p. 52. 223
Ibid, p. 51. 224
AF I, p. 160
75
A expressão de ciência socrática resta evidente na descrição da Antropologia
Filosófica a partir de uma reversibilidade da sua jornada como expressão ontológica do
discurso, que tem primazia à linearidade metodológica, colocando a subjetividade como termo
inicial e depois como termo final do discurso, quando se revelará a categoria de pessoa, ou
seja, quando o sujeito se reencontra como pessoa, categoria final que é também o fundamento
do discurso interrogante, que impele o homem a sua jornada. Dessa forma, tem-se por um
lado a jornada para-nós, ascencional de estruturação das categorias do ser-humano, e de
outro, tem-se a jornada em-si, descendente, de fundamentação da categorias; ou seja, ao termo
do esquema linear, que se inicia com a categoria do corpo-próprio e termina com categoria de
pessoa, há o encontro, ou reencontro, com a o próprio fundamento ontológico de
inteligibilidade do discurso como esquema linear225
.
As categorias estariam dessa forma em permanente interação, já que essa
reversibilidade se daria a cada avanço do discurso, em que o fundamento de uma categoria se
revelaria presente na categoria a frente, onde as categorias anteriores são suprassumidas pelas
posteriores para serem integradas à unidade visada :
Essa reversibilidade do percurso dialético, ou circularidade filosófica,
mostra que os momentos do discurso no seu desenvolvimento para-nós
devem ser pensados exatamente no movimento que os faz passar um no
outro, assim, na região categorial da estrutura, o corpo próprio só é tal
enquanto passa dialeticamente no psiquismo e este no espírito. Por sua vez, o
Eu como estrutura só é tal na medida em que passa (dialeticamente ) na
relação de objetividade e , mediatizado por ela, na relação de
intersubjetividade.226
Na Antropologia Filosófica não se pode supor as categorias como unidades discretas,
mas como parte integrante do discurso, que é um discurso de unidade. Os momentos
categoriais do discurso da Antropologia Filosófica atendem à impossibilidade de se expressar
um discurso que corresponda imediatamente à intuição de totalidade que o dirige.
Para compreender a constituição das categorias, Lima Vaz parte da distinção dos três
níveis de conhecimento onde se articulam o movimento dialético de passagem da Natureza à
Forma, pela mediação do sujeito, são eles: a pré-compreensão, a compreensão explicativa e a
compreensão filosófica.
225
Cf. AF II, p. 52. 226
Ibi, p. 52.
76
A pré-compreensão, remete a uma experiência espontânea e natural, onde o homem,
conforme a cultura e o tempo, cria uma imagem de si mesmo, uma compreensão sobre o seu
agir e de sua relação com o Absoluto. O sujeito da mediação empírica é expresso pelo
pronome “eu”. Na fórmula Natureza – Sujeito - Forma N – S – F , a Forma remete às
modalidades de experiência empírica.
A compreensão explicativa é o nível das ciências naturais ou humanas, e define-se
pela explicação científica e os seus métodos . Aqui o sujeito, é aquele metodologicamente
abstrato do conhecimento científico, a Forma são os conceitos e discursos da ciência.
A compreensão filosófica, considera o objeto enquanto ser, partindo do conteúdo
presente nos outros dois níveis, e figurando como um nível transcendental para definir as
“condições de possibilidade (de inteligibilidade ) das formas de compreensão do homem, do
seu agir e do Absoluto”.227
O sujeito é expresso pelo “eu penso” da tradição filosófica, e a
Forma são as categorias que exprimem a experiência de objetivização do sujeito como
sujeito, ou seja, do sujeito como instituidor do logos no qual ele dá razão a si mesmo.
A Forma da compreensão filosófica é onde se dá a construção das categorias, ou seja,
a conceptualização filosófica das categorias. A conceptualização filosófica na formação das
categorias divide-se em: determinação do Objeto, determinação da Categoria e discurso
dialético.
A determinação do objeto, é um momento aporético que “se traduz na
problematização radical do objeto”. O momento aporético se apresenta como aporética
histórica, onde o objeto é investigado a luz de uma rememoração onde se analisa as
conclusões presentes na história da filosofia; de outro lado, também se apresenta como
aporética crítica, que refere-se ao “contexto problemático na atualidade histórica da pré-
compreensão e da compreensão explicativa” , que pode ser resumida pela pergunta “como a
questão se formula hoje para nós?228
A aporética crítica, tem dois momentos: o eidético e o tético. O momento eidético
elucida os elementos conceptuais que surgem na análise do momento aporético, seja através
da rememoração da história da filosofia, quanto pelas conclusões da pré-compreensão e da
compreensão explicativa, como forma. O momento tético, refere-se ao momento aporético
227
SAMPAIO, op. cit, p. 260 228
Ibid, p. 264-265
77
sob a perspectiva do sujeito enquanto sujeito, em que temos a mediação transcendental, ou
seja, do sujeito que “ se põe (thesis) a si mesmo na enunciação primeira e fundante do Eu
sou”229
e que opõe a limitação eidética ao dinamismo da afirmação aberta à ilimitação do ser.
A determinação da categoria corresponde ao nível da concretude conceptual,
caracterizada pela suprassunção dos dados da pré-compreensão e da compreensão explicativa
pela compreensão filosófica, “quando o conceito exprime o objeto como ser no domínio de
sua inteligibilidade última”230
. A categoria, em sua referência ontológica ao sujeito
transcendental (compreensão filosófica), suprassumindo o concreto empírico (pré-
compreensão) e o momento abstrato ( compreensão explicativa) deve “exprimir uma forma
determinada de mediação segundo o qual o sujeito afirma uma aspecto fundamental do seu
ser.”231
. A categoria deve exprimir “o saber do sujeito sobre si mesmo na concretude
conceitual ou ontológica da compreensão filosófica”232
.
Compreendida a formação das categorias, parte-se para o discurso: quando a
articulação das categorias irá exprimir conceitualmente o objeto em sua unidade. Assim, a
articulação das categorias supõe uma relação de suprassunção progressiva dos termos, para
alcançar um discurso de totalidade. Essa articulação é dialética, e portanto ontológica, pois se
ordena de forma a suprassumir as categorias em níveis mais profundos de unidade, visando
“uma unidade do sujeito, do seu agir e da sua relação com o Absoluto”.233
O movimento dialético da articulação das categoria é regido por três princípios, que
expressam a necessidade dos momentos categoriais para a compreensão da totalidade visada :
O princípio da limitação eidética, princípio da ilimitação tética e princípio da totalização.
O princípio da limitação eidética, destaca a limitação do conceito de cada categoria ,
expressando a não coincidência do conceito gerado pelo conhecimento intelectual em
oposição à intuição totalizante que se tem do objeto. Justamente por essa limitação do nosso
intelecto frente a intuição totalizante é que se tem a pluralidade das categorias para se poder
chegar a identidade do homem com o ser, e a necessidade de articulá-las para se atender a
essa intuição totalizante.
229
AF I , p. 223 230
SAMPAIO, op. cit, p. 267 231
AF I, p. 165 232
Ibid, p. 162 233
SAMPAIO, op. cit, p. 270
78
O princípio da ilimitação tética, decorre da transcendentalidade da afirmação “Eu
sou” , apontando para a “ilimitação ou infinidade do ser e, portanto, vai além de todo
horizonte do objeto em sua limitação eidética”. 234
Por esse princípio, insere-se a negatividade
na limitação eidética, impondo a necessidade de levar adiante a oposição entre as categorias.
Por último, o princípio da totalização, é aquele que permite ordenar o discurso
dialético até a igualdade entre o objeto e o ser. Por esse princípio, é que a ilimitação tética
volta-se para o “horizonte último do ser”, e impele o discurso até a unidade intencionada , na
tensão entre o categoria e o transcendental até alcançar a unidade como pessoa.
Exposto esses aspectos introdutórios e metodológicos, importa-nos descrever os
fundamentos categoriais da Antropologia Filosófica para a compreensão do homem como
um ser-para-o-Absoluto, que somente é ele mesmo em um mundo por ele significado em sua
abertura estrutural ao Absoluto transcendente. Seguindo a linearidade do discurso ( 1.
Categorias de Estrutra; 2. Categorias de Relação; 3. Categorias de Unidade), para então, a
partir das características fundamentais das categorias, expor o movimento da consciência que
significa o mundo, como um movimento necessário da subjetividade para o existir
humanamente significado.
3.2.CATEGORIAS DE ESTRUTURA.
a) Categoria do Corpo-Próprio
Nessa categoria, temos o início da jornada, afirmando a primeira experiência do
homem no mundo “pois a autocompreensão do homem encontra seu núcleo germinal na
compreensão de sua condição corporal."235
Residindo na questão da corporalidade o primeiro
enigma do conhecimento de si. 236
A jornada ascendente da antropologia manifestará a presença da transcendência pela
suprassunção do corpo-objeto pelo corpo-sujeito, o que se dará a partir da distinção entre a
presença natural e a presença intencional do homem no mundo. Pela presença natural, há uma
234
AF I, p. 166 235
Ibid, p. 175. 236
Ibid, p. 179,
79
presença passiva do homem, enquanto que pela presença intencional, tem-se uma situação
ativa do homem.237
Dada essa distinção, Lima Vaz definirá a categoria entre dois extremos da percepção
do corpo, ora como coisa, ora como espiritual. Assim, se de um lado tem-se o corpo como
submisso às leis da natureza, propenso à coisificação, de outro, tem-se o corpo como
assumido pela intencionalidade humana, aberto à espiritualização. Entre essas formas de
percepção do corpo, está a categoria do corpo-próprio como “pólo imediato da presença do
homem no mundo ou do homem como ser-no-mundo , aberto de um lado à objetividade da
natureza e, de outro, suprassumido na identidade do Eu.” 238
Afirmando a identidade do que é o homem além da sua experiência como corpo
situado, supera-se a concepção de um espaço-tempo restrito à condição natural. Tem-se um
espaço-tempo a partir de uma presença intencional, ou seja, uma noção propriamente humana,
como espaço-tempo do sujeito, onde o homem, como sujeito, encontra e cria o seu sentido. A
categoria do corpo próprio é por isso “ o lugar fundamental do espaço propriamente humano,
e o evento fundamental do tempo propriamente humano."239
b)Categoria do Psiquismo.
Lima Vaz descreve a categoria do psiquismo como situada em uma posição
mediadora entre o corporal e o espiritual, dado que o psiquismo seria o “domínio onde
começa o homem interior”240
. A presença intencional do homem no mundo seria
mediatizada pela percepção e pelo desejo, construindo um mundo interior, edificado sobre o
imaginário e o afetivo. 241
Sobre o imaginário e o afetivo é que se iniciará a identidade do sujeito,
“exprimindo-se fundamentalmente no ´sentimento–de-si ´, e que se consumará na unidade
espiritual do Eu inteligível.”242
237
AF I , p. 176. 238
Ibid, p. 180 239
Ibid, p. 177 240
Ibid, p. 188. 241
Ibid, p. 188. 242
Ibid, p. 190.
80
No nível do psiquismo o espaço-tempo, submetido à interiorização, se sujeitará a um
centro unificador do Eu psicológico, suprassumindo o espaço-tempo do corpo-próprio, e que
possibilitará na distinção entre exterioridade e interioridade da vida espiritual, visto que agora
as coordenadas não partem do corpo presente no mundo exterior, mas do Eu que “emerge
como pólo do mundo interior 243
No entanto, essa interioridade do psiquismo seria insuficiente para a identidade do
que é o homem, permanecendo a senda transcendental anunciando a categoria do espírito em
direção a uma maior unidade, superando o “caráter egocêntrico do mundo interior do
psiquismo” que ainda é dependente da mediação da presença somática na relação sujeito-
mundo.244
Para um plena realidade de sentido universal, a dualidade interior e exterior que se
apresenta no psiquismo, seria uma mediação para a categoria do espírito, garantindo a
afirmação de que é o homem além do psiquismo, como superação do egocentrismo em
direção a uma maior unidade do sujeito.
c) Categoria do Espírito.
A categoria do espírito é para Lima Vaz o ápice da unidade estrutural do ser humano,
pois é onde o homem se abre para transcendência, estando no horizonte do espírito a figura
do outro relativo das relações intersubjetivas, e o Outro absoluto da categoria de
transcendência.”245
Sendo unicamente pelo espírito que a vida é propriamente humana, dotada
de sentido e de unidade.
O espírito , em sua referência ao Absoluto, é atribuído ao homem tão somente por
“uma analogia de atribuição, na qual o princeps analogatum é o Espírito Infinito ou Absoluto
e o espírito , no homem, é um analogatum inferius” 246
, sendo o espírito uma noção
homóloga à noção de ser.
243
AF I, p. 189. 244
Ibid, p. 193. 245
Ibid, p. 201. 246
Ibid, p. 202
81
O espírito como categoria estrutural do homem o define como um sujeito aberto ao
Absoluto, e que por isso transcende a sua corporalidade e ao seu psiquismo, de forma que não
se pode negar a realidade da categoria. Negá-la é negar o homem e o mundo humano como
um mundo de sentido, é exilar o homem em si mesmo “na mudez do vegetal”.
A categoria do espírito é fundamento antropológico de Lima Vaz para a exigência de
sentido, pois ela expressa a impossibilidade do homem de não se auto-afirmar como ser
racional e livre e de não interrogar a si mesmo. Atestando o sujeito como aquele que detém
um espírito descentrado e voltado para a transcendência do outro Absoluto, e portanto para
um sentido transcendente.247
É por isso dita como “momento inaugural da metafísica
vaziana”248
.
Importa-nos expor como se dá no espírito finito essa abertura ao absoluto, que é
passo capital para um ser que dá sentido ao seu mundo circundante. Conduzindo à conclusão
de que pelo espírito o homem está aberto, através da sua inteligência (nous), à verdade
transcendental, e, pela sua liberdade, à amplitude transcendental do Bem. Assim, como ser
finito, o homem participa intencionalmente do Ser infinito, ou seja, é “ o lugar do
acolhimento e manifestação do Ser e do consentimento ao Ser”249
.
Inicialmente, devemos definir que a presença do homem como espírito implica em
uma “forma profundamente original de objetivização do mundo”250
, caracterizada pela
articulação dialética de dois aspectos da relação sujeito-objeto.
O primeiro aspecto dessa relação reside na “prioridade em-si ou normatividade
absoluta do objeto em sua verdade e bondade”, caracterizado pelo ato do espírito como
abertura para uma existência intencionalmente ideal do objeto ou do mundo. O segundo
aspecto é a “prioridade para-si ou normatividade absoluta do sujeito”, onde o ato do sujeito
tem sua perfeição imanente que acolhe a perfeição do objeto, em sua verdade e bondade,
tendo como fundamento o conhecimento que o espírito tem de si mesmo ao afirmar o ser do
objeto. 251
247
AF I, p. 218 248
SAMPAIO, op. cit, p. 106 249
AF I, p. 202 250
Ibid, p. 205 251
Ibid, p. 206
82
Trata-se de uma “inter-relação dialética” , onde , de um lado, o em-si do objeto nega
o para-si do sujeito, sendo a verdade do objeto mensurante em relação ao sujeito, e de outro, o
para-si do sujeito nega o em-si do objeto, quando o objeto existe intencionalmente no ato do
sujeito que é por isso mensurante ao objeto ao afirmar o ser do objeto.
Partindo dessa relação dialética entre o em-si e o para-si a presença do homem no
mundo afirma-se como uma presença reflexiva, pela qual ele participa do ser infinito. Essa
reflexividade é no espírito finito “o analogatum inferius da intuição absoluta de si mesmo no
Espírito infinito.”252
Pois a reflexão intelectual do ser finito é o modo analógico de
participação da intelecção infinita que o Espírito infinito tem de si mesmo. A inteligência
finita ao afirmar o ser de um objeto está afirmando a primazia do existir, em uma referência
ao Espírito Infinito e Criador da existência, ou seja, afirmar o ser de um objeto é afirmar o
Absoluto do ser, e é por isso participar do conhecimento que o Absoluto tem de si mesmo.
Essa presença reflexiva do ser finito e racional é a presença espiritual, que
suprassume os níveis somático e psíquico para definir uma presença humana diante do
mundo, sendo “condição a priori de possibilidade de objetivização do mundo” como uma
oposição dialética homem-mundo, para afirmar que “o mundo é para o homem como
compreendido e significado por ele”, em sua abertura para o Absoluto. Por isso, é através de
um “sistema de signos e significações”, que o homem é ser-no mundo, tal como se atesta na
categoria da objetividade.253
A consciência de si, dado a presença a si mesmo derivada da reflexividade do espírito,
e a abertura para a universalidade do ser, caracterizam a vida segundo o espírito como uma
vida propriamente humana. Pois é na vida segundo o espírito que o homem se autodetermina
como ser racional e livre voltado para o Bem do ser , e se realiza como unidade a partir da
sua relação com a universalidade do ser 254
, para assim significar o mundo. E é na sua
ordenação ao Absoluto que a vida segundo o espírito cumpre seu desígnio de dar sentido ao
existir humano.
Na vida segundo o espírito o ser humano cumpre o movimento intencional de natureza
dialética pelo qual ele é ou manifesta-se a si mesmo, suprassumindo as categorias de corpo e
252
AF I, p. 206 253
Ibid, p. 207. 254
Ibid, p. 239
83
psiquismo, e é ou manifesta-se em face da universalidade do ser, abrindo-se para as categorias
de relação (com o mundo, com o outro, com o Absoluto)255
. Nesse “espaço intencional” onde
se dá a transição das categorias de estrutura ( ser-em-si) para as categorias de relação (ser-
para-o-outro), é que Lima Vaz situa a experiência com o Absoluto, como experiência mística
de participação e fruição do Absoluto pelo sujeito finito. É o aparecer do Absoluto no
movimento de auto-expressão que orienta o ser-humano reflexivamente e que dá origem à
mística do êntase, voltada à interioridade, como “experiência do Si substancial atravessado
pelo Ato criador”, e às mística do êxtase, voltada a inscrever o Absoluto no cosmo ou na
História como forma de comunhão divina256
.
A reflexividade é então derivada da presença do Absoluto que se manifesta no
movimento de autoexpressão do homem enquanto espírito, suprassumindo corpo e psiquismo,
e que o conduz à abrir-se ao mundo exterior, para significá-lo conforme essa experiência
fruitiva com o ser. Por isso a reflexividade figura a partir dos “atos que manifestam o espírito
como o principio mais profundo e essencial da vida humana”257
, denominados atos espirituais.
É no ato espiritual que se realiza a reflexividade do homem como espírito,
suprassumindo a sua dupla presença, como corpo e como psiquismo, pela “presença a si
mesmo e ao ser”258
. O ato espiritual possibilita ao homem a presença a si mesmo, como
espírito finito, e a presença à universalidade do ser, pela relação de analogia que permite que
participe da infinitude do espírito infinito.
Deve-se entender que o ato espiritual é um “fenômeno originário” , ele “flui dessa
fonte inesgotável que é o espírito”259
, pois é ato vital que permite que a vida humana se
sobreponha as formas biopsiquicas. Para Lima Vaz é enérgeia, “ ato que tem em si mesmo a
sua perfeição ou o seu fim (télos)”. Por isso pertence ao plano transtemporal do ser, “não está
sujeito ao vir-a-ser, ao começo e ao fim das coisas no tempo”260
. A própria compreensão do
corpo e psiquismo, como categorias anteriores, somente fora possível por participarem da
manifestação do ser no homem, o que se dá pela mediação do espírito, logo por um ato
espiritual que atesta assim a imanência do espírito já no psíquico e no somático.
255
Cf. Exp. Mist., p. 23-24 256
Cf. Ibid, p. 26 257
AF I, p. 240 258
Ibid p. 241 259
Ibid, p. 242 260
Loc. cit
84
O ato espiritual do espírito finito é incompleto e imperfeito, mas tal fato não atesta a
sua inferioridade, aponta sim para a plenitude do Espirito Infinito do qual participa. Trata-se
do paradoxo do espírito finito que, partindo das obras do seu espírito finito e situado, inscreve
em seu íntimo a abertura para a universalidade do ser, como a espera por uma resposta para o
seu existir e agir:
..riqueza e plenitude com relação ao mundo exterior que ele compreende
pelo saber, transfigura pela arte, transforma pela técnica; pobreza e carência
com relação ao outro que ele encontra no reconhecimento e no amor e, de
modo radical, com relação ao Outro absoluto do qual espera a palava ultima
sobre sua origem e sobre seu destino.261
A relação de participação com o Outro absoluto, revelada pelos atos espirituais,
configura o cerne da vida do espírito. Essa relação se desdobra no espírito enquanto
inteligência e liberdade: pela inteligência, o espírito exerce a contemplação para o
acolhimento do ser, como dom à verdade; pela liberdade, o espírito atua pelo amor
desinteressado ao bem, como dom ao ser. 262
A vida do espírito é orientada para seus atos
supremos por um “vetor ontológico do espírito que subsiste imutável em sua direção”263
e sua
estrutura tem na inteligência e no amor “o termo de seu crescimento e seu fruto mais
perfeito”264
.
Partindo da tradição filosófica de ordenação do conhecimento humano em sua relação
com o ser, para a Antropologia Filosófica a concepção de inteligência como ato espiritual que
apresenta a feição definitiva, é a de Tomás de Aquino em sua distinção entre intellectus e
ratio , resolvendo a questão da presença do absoluto no ser finito .
Para Tomás de Aquino a perfeição é atributo tão somente do divino, pertencente ao
Ser infinito como o primeiro existente, sendo, portanto, a perfeição logicamente conversível
com a noção de ser.265
O conhecimento humano é estruturado conforme a proximidade dessa
perfeição infinita de Deus como existente absoluto, até que alcance a convergência para o
Vértice absoluto em que há identidade entre o ser e o ser conhecido266
.
A inteligência espiritual em Tomás de Aquino é ordenada teocentricamente, visando
uma Verdade primeira que “permanentemente ilumina a inteligência finita em sua busca da
261
AF I , p. 242 262
Ibid, p. 243 263
Ibid p. 243 264
Ibid, p. 244 265
Cf. Ibid, p. 255 266
Cf. Ibid, p. 257
85
verdade”, e o ritmo vital da inteligência espiritual é definida pela presença de Deus como
Princípio e Fim, como circularidade causal “imanente a todos os passos do itinerário da
inteligência finita”. 267
Em direção a essa identidade com a perfeição divina, temos os extremos entre ser e
conhecer, representados pela sensação do homem, como extremo inferior, e pela pura
intelecção angelical, como extremo superior. A sensação do homem, como ato inferior da
faculdade intelectual, está em contigüidade com o a atos da razão, a ratio; já a faculdade
intelectual , por seu ato superior , está em contigüidade com a pura intelecção angélica
(intellectio), como a mais próxima da intelecção absoluta de Deus.268
Assim, tem-se a ratio, a qual pertencem as operações discursivas da faculdade
intelecutal, figuradas pelas ciências, e tem-se o intellectus, como operações contemplativas ou
intuitivas, que assumem a figura da sabedoria, e pela qual a razão humana participa
analógicamente da Intelecção absoluta de Deus. Dada a circularidade causal oriunda do
teocentrismo , o intellectus, sendo contíguo à inteligência angélica e ao conhecimento de
Deus, é o princípio e o fim da ordenação da inteligência espiritual que vai da ratio para o
intellectus.
Por meio da reflexão intelectual, como operação do intellectus, o espírito abre-se à
inteligibilidade do ser, como uma reflexão completa da inteligência sobre o seu ato, tendo o
“conhecimento da estrutura do ato como orientada a conformar-se intencionalmente com o
real” bem como “o conhecimento de si mesma como principio ativo desta conformação”.269
A reflexão intelectual, como ato espiritual que é, é uma participação analógica na
intelecção infinita, considerada esta como subjetividade infinita ou como presença objetiva:
como subjetividade infinita ela é participada pela subjetividade finita por esta afirmar o ser do
objeto, enquanto primazia do existir; como presença objetiva, é a referencia ao Absoluto do
ser, “ao Infinito na linha mesma do objeto”, que a afirmação da existência pela inteligência
finita implica. 270
Compreende-se então que a homologia entre a noção de espírito e a do ser, que
viabiliza a participação do espírito finito no espírito infinito, expressa na categoria do espírito
267
AF I, p. 258 268
Cf. Ibid, p. 257 269
Cf. SAMPAIO, op. cit, gráfico 4 - p. 64 270
EF VI, p. 73
86
conceitua o homem como espírito e o fato de que o espírito é transcendente ao homem. De um
lado o espírito pertence ao homem como ser que detém uma estrutura transcendental; de outro
lado, o espírito, em conformidade com a analogia de atribuição que parte da primazia ao
Espírito absoluto, permite ao ser racional finito afirmar o ser do Absoluto transcendente ao
próprio homem, ou seja, é pela presença do espírito no homem que ele pode afirmar uma
realidade transcendente ao seu próprio espírito finito.
Sendo o espírito finito homólogo do ser, a transcendência da Verdade e do Bem lhe
é imanente, pois são conversões do ser. Mas como espírito atravessado pela tensão entre a
categoria e o transcendental, essa transcendência para o homem, como ser finito e situado, não
se dá de forma absoluta, mas através da sua relação com o mundo exterior. O que expressa o
aspecto da tensão como tensão entre a verdade categorial e a verdade transcendental, ou
seja, uma verdade situada que se relativiza na “multiplicidade e na fluides das coisas” e que é
expressão do sujeito finito na sua experiência com o Mundo e com o Outro, e uma verdade
real, presente no interior do sujeito em sua abertura para a universalidade do ser271
, como a
presença do Absoluto verdadeiro em sua identidade com a exigência de um sentido, e que o
homem vivencia pela reflexividade do espírito.
Na dimensão transcendental, o espírito absoluto tem conhecimento de si na sua
identidade entre essência e existência, como absoluta reflexividade, já na dimensão categorial
do sujeito finito a reflexividade do espírito implica em uma consciência de si como “retorno a
si mesma a partir do confronto com a exterioridade da natureza”.272
A reflexividade do espírito
absoluto é reflexão absoluta na própria essência, enquanto que o espirito finito volta-se a si
mesmo, em sua rota para o espirito absoluto do qual participa, apenas pela relação que detém
com o mundo exterior, pela mediação de suas relações objetivas e intersubjetivas.
Por isso, a reflexividade do espírito atesta o espírito como automediação, mediação
que é suprassunção do dado na expressão através da relação do espírito finito com o mundo
exterior, e que conduz o espírito finito a interrogar-se pelo ser do qual é homólogo, ou seja,
essa mediação é “a reflexão do espírito sobre si mesmo, sua manifestação universal, e como
estruturalmente ordenado ao horizonte da universalidade do ser”273
.
271
OLIVEIRA, Manfredo Araújo , Contextualismo, pragmática universal e metafísica, in MAC DOWELL, João A., (Org), Saber Filosofico, Historia e transcendência. Ed. Loyola. 2002 272
SAMPAIO, op. cit, p. 112 273
SAMPAIO, op. cit, p. 115
87
Sendo o ser convertível em Verdade e Bem, interrogar-se como homólogo ao ser, tal
qual é o espírito finito, é interrogar-se enquanto Razão, que conduz ao conhecimento do ser na
sua forma inteligível, e enquanto Liberdade, que expressa o consentimento ao ser. Logo, tem-
se a conclusão de que a forma do existir do espírito está na correlação dialética entre Razão e
Liberdade; sendo pela Razão e pela Liberdade que o homem, enquanto espírito, abre-se para o
Absoluto.
Estruturalmente, pela razão e liberdade o homem está então voltado a uma “quase
identidade com o Absoluto”274
, denotando que no homem o espírito é formalmente idêntico ao
ser universal, e por isso é capaz de pensá-lo, enquanto Verdade e Bem. Trata-se de uma
unidade formal com o ser no nível estrutural do homem, como uma universalidade abstrata
que não satisfaz o espírito finito, pois vige para ele o “paradigma analógico” da identidade
absoluta que detém o Espírito Infinito do qual participa.
Como sintetizado em Lima Vaz, no Espírito infinito, a unidade é a identidade real
entre o espírito e o ser na diferença formal do espírito como Inteligência (Verdade do ser) e
Amor (Bem do ser), enquanto que no homem, como espírito finito, a unidade com o ser é
formal, permanecendo a diferença real entre espírito e os seres. Essa diferença real negando
a identidade formal é que gera no espírito finito o movimento de inscrição da universalidade
do ser para a vida dos seres, como movimento que visa passar a universalidade abstrata da
identidade formal com o ser para a universalidade concreta na identidade dinâmica com os
seres. Essa passagem, a partir da reflexividade, se faz pela linguagem, que é “o sistema de
signos e significações” e a forma “especificamente humana de manifestação”, que permite ao
homem expressar o seu “para-si” seja para si mesmo, seja para o Outro, definindo o seu ser-
no-mundo, expressando por isso que “ o mundo no qual o homem existe pelo espírito é o
mundo da linguagem ou das formas simbólicas”.275
Essa posição, permitindo a percepção de uma realidade superior, voltada para a
transcendência do Absoluto, é sintetizada pela posição do espírito finito de descentração, ou
seja, de compreender a si mesmo como um analogado inferior aberto a essa realidade
superior.
A descentração do espírito determina a abertura do sujeito, que não se fecha sobre si
mesmo em sua finitude situada, mas se abre para o outro e para o Absoluto. No aspecto
274
Exp. Mist, p. 15 275
Cf. AF I, p. 207
88
formal essa abertura se apresenta na idéia de Ser, e no aspecto real, é a demonstração do
Existente supremo.276
Por ela, temos o pleno exercício da inteligência espiritual, em sua busca
pela verdade do ser, unindo o sensível e o inteligível, evitando a clausura da experiência
imanente, e perpetuando a intenção do sujeito para o Ser, tendo nesse itinerário a “ plena
intuição intelectual do outro.” 277
A visão do espírito finito, na lição de Lima Vaz, define o círculo inconcluso da razão
humana, concebendo o homem em permanente abertura para a transcendência, para “o espaço
formalmente infinito da inteligibilidade do ser”278, e portanto para um sentido a partir da
reflexividade do espírito que a transcendência ao Absoluto possibilita.
3.3 CATEGORIAS DE RELAÇÃO
a) Categoria da Objetividade.
A categoria da objetividade, é invocada por Lima Vaz em seu sentido antropológico
designando a “a abertura do homem à realidade com a qual ele estabelece uma relação não-
recíproca” representada pelo esquema S – O (Sujeito – Objeto ) . Trata-se da relação do
homem com as coisas que formam o mundo, não como problema gnosiológico mas como
análise das formas de relação do homem com o ser “ou das estruturas relacionais que definem
a situação do homem na universalidade do ser”. O mundo é considerado como termo da
relação de objetividade, remetendo à concepção que opõe o sujeito ao mundo dos objetos,
configurando a presença mundana do homem como “uma das formas de presença do homem
ao ser” 279
.
A categoria da objetividade pressupõe a suprassunção dialética das categorias de
estrutura ( corpo próprio, psiquismo e espírito), sendo por isso um estágio onde a
transcendência torna-se visível como primeiro passo em direção ao outro e ao outro Absoluto.
Assim, o sujeito como corpo e psiquismo, suprassumido dialeticamente pela categoria do
espírito, agora adentra o campo exterior a sua estrutura, graças a abertura do espírito ao
transcendente.
Trata-se de uma dialética própria entre interior e exterior do ato espiritual, e que
276
Cf. AF I, p. 265. 277
Cf. Ibid, p. 246. 278
Ibid, p. 266. 279
AF II, p. 15.
89
dependeria da abertura para a exterioridade verdadeira pela categoria do espírito,
suprassumindo a representação primeira que o sujeito faz do exterior, e portanto apontando
para uma realidade transcendente, além dessa representação elaborada pelo sujeito. Essa
dialética restituiria a primazia da realidade significada. 280
Assim na categoria de Objetividade, tem-se o sujeito percebendo o sentido do
mundo, suprassumindo as categorias de estrutura, e se colocando diante do mundo-natureza,
mas dentro de uma dialética onde ao dizer do mundo, estará dando continuidade ao discurso
para-nós , ascendente, descrita na Antropologia Filosófica, ou seja, dar sentido ao mundo
como passo da abertura para o ser, conforme a dialética da negação da negação, e assim, em
direção a categoria de pessoa. É o dar sentido ao mundo a partir da reflexividade do espírito,
que como vimos, conduz o homem, como espírito finito ao ser absoluto.
Trata-se de um movimento incessante de auto expressão, sobretudo, movimento
instigado pela transcendência, ou seja, o homem ao dizer o mundo, não o determina, não o
limita, conforme os termos de sua razão, mas o representa pela sua linguagem para poder se
abrir a uma verdade objetiva, além da representação.
Esse dizer o mundo na categoria de objetividade, é principalmente caracterizado
pela relação básica que o sujeito tem com a natureza, justamente porque ela seria o primeiro
passo do homem percebendo uma relação de alteridade como uma fonte de sua identidade no
exercício humano de dar sentido ao mundo circundante.
A relação com a natureza, a destaca como portadora de um sentido com o qual o
homem irá se relacionar, tal sentido seria possível pela “matriz conceptual que nos permite
pensar a natureza”281
, formada por três termos: um princípio ordenador, um modelo de ordem
e os elementos ordenados. Essa mesma matriz, estaria presente para pensar a Sociedade,
dando um sentido que a organize, e uma unidade ética que integre seus membros:
Sem a articulação desses três termos a Natureza se mostraria como um caos
inabitável para o homem, e a Sociedade não poderia constituir-se na sua estrutura
280
AF II, p. 13. 281 EF III, p. 145
90
organizacional; ou ainda, perdidas as coordenadas desse espaço intencional de
referência, a Sociedade mergulharia nessa anomia intolerável que caracterizaria
justamente a conseqüência extrema do niilismo ético. Assim, como na Natureza, a
ordenação nomológica dos fenômenos permite unificá-los sob um princípio de
ordem, seja ele representado miticamente ou estabelecido cientificamente, na
Sociedade o indivíduo eleva-se ao patamar da comunidade ética ao consentir em
integrar-se no corpo normativo do ethos, passando alem da contingência da sua
individualidade empírica e referindo-se a um princípio de ordem que dê razão do seu
existir comunitário e do seu agir eticamente qualificado. 282
O homem não pode então pensar a natureza e a sociedade sem dotá-las de um
sentido, que ordene a realidade e que integre os seus membros. Essa relação com o mundo é
expressa pelo sujeito através da linguagem, ou seja, o homem diz o mundo pela linguagem,
por isso, pode-se afirmar que pela categoria de objetividade compreende-se a linguagem como
um meio para a realidade significada. Ao dizer o mundo, o homem penetra um universo de
sentido além do seu corpo, de sua psique, e do seu espírito, e ao fazer uso da linguagem para
significar sua relação o mundo, estará se abrindo para o outro.
A linguagem irá se deparar com a não reciprocidade da relação homem- mundo, o
mundo e a natureza são mudos às palavras do homem, restando evidente que a presença do
homem ao ser não pode se limitar a esse universo intencional. Sendo a linguagem uma
abertura ao sentido, ela transcende a própria relação de objetividade e, como tal, “ é
essencialmente anúncio, mensagem, interrogação, interpretação atestação, promessa ou ainda
demonstração e narração”283
. A linguagem do homem exige uma relação recíproca, e assim
volta-se para o horizonte do mundo e para o outro.
A categoria da objetividade, como desdobramento para a primazia da realidade
significada, caracteriza a finalidade essencial da linguagem de “ser a manifestação da
natureza espiritual do pensamento e do seu inato dinamismo que lança sem cessar o homem
na rota do sentido absoluto”284
. Bem como anuncia a presença do outro nessa “rota”, dado a
linguagem ser expressão da consciência, e como tal é “palavra, é apelo, invocação e
282
EF III, p. 146. 283
AF II, p. 35-36 284
EF III, p. 189
91
interpelação do outro.”285
b) Categoria da Intersujetividade.
A partir dessa exigência pelo outro, estamos reintegrando o sujeito à sua “situação
real” que é a de uma comunidade de sujeitos. Tal comunidade é “um fato original, uma
realidade primeira que não se trata de demonstrar, mas de explicar.”286
Essa exigência pelo outro parte da expressividade que o sujeito dá ao mundo-objeto,
como dotado de sentido. Quando a consciência confere ao mundo-objeto intencionado um
sentido para-si, ao fazê-lo, está também conferindo, “ao menos virtualmente” , um sentido
para-o-outro. O sentido que o sujeito, como consciência, confere ao mundo-objeto, é também
dirigido a uma outra consciência. 287
Disto isto, a exigência do outro se idenficará com a exigência de um sentido
compartilhado, através de dois temas que definirão a abertura para uma realidade
transcendente a partir da comunidade dos sujeitos: o tema do reconhecimento do outro e a
primazia do ser sobre a categoria da intersubjetividade. Esses dois temas permitirão descrever
a multividência do sentido a partir das relações intersubjetivas.
Pela dialética do reconhecimento, que “implica necessariamente a passagem do
outro-objeto ( tematizado na relação de objetividade) ao outro-sujeito” 288
, supera-se o risco
dos solipsismo nas relações entre os sujeitos.
O sujeito, como espírito, é aberto intencionalmente à universalidade do ser, e na sua
relação intersubjetiva, se relaciona com outro sujeito, a quem não pode negar essa abertura
intencional, como parte do seu discurso de auto-afirmação como espírito: trata-se de uma
relação recíproca de dois infinitos, uma relação entre duas infinidades intencionais .” 289
285
EF VI, p. 253. 286
Loc. cit 287
Loc. cit 288
AF II, p. 55 289
Ibid, p. 65
92
A categoria da intersubjetividade trata do encontro entre sujeitos, como encontro
espiritual. O reconhecimento possibilita esse encontro espiritual por permitir que o sujeito
afirme a sua infinidade intencional “compreendendo a infinidade intencional do outro e sendo
por ela compreendido”. Dessa forma o outro é também espírito, e a relação com o outro não
recai na objetividade, caracterizando o outro como irredutível como coisa.290
O reconhecimento é ato de espírito como abertura para a verdade do objeto , o que no
caso da intersubjetividade equivale à verdade do sujeito que é o sujeito como espírito. Trata-
se da dialética do espírito do em-si e do para-si no reconhecimento do outro. Sendo que no
momento para-si tem-se o sujeito afirmando o outro como sujeito291
.
No reconhecimento, tem-se uma diferença real entre os sujeitos, mas ao mesmo
tempo uma identidade entre os sujeitos, que em sua ipseidade são intencionalmente abertos à
universalidade do ser, e é essa identidade na diferença entre os sujeitos que impede o
extremo do solipsismo, que seria a “anulação da originalidade do outro pela simples
duplicação do Eu”.292
Por essa dialética temos o encontro espiritual dos sujeitos, como o
encontro de “consciências humanas” que significam a realidade.
Porém, a afirmação Eu Sou, apontando para o horizonte universal do ser,
compreende a irredutibilidade da unidade do sujeito ao nível comunitário como nível do
encontro dos sujeitos, estando a verdade do homem em um nível mais profundo, sob risco de
alienação do homem no nível da intersubjetividade. É a primazia do ser, que deverá estar
manifesta nessa superação da intersubjetividade, “ primazia essa que o sujeito reconhece na
submissão da sua finitude à Presença infinita “ 293
, e assim determinar a abertura
transcendente de uma totalidade além da experiência como comunidade.
A primazia do ser permite a superação do caráter formal da relação de reciprocidade
de direitos e deveres dos sujeitos, que fundamenta a sociedade política e é expressa nas leis.
Esse nível de intersubjetividade é definido por Lima Vaz como o nível de consenso reflexivo
e é onde se dá a articulação entre a Ética e a Política, resumindo o encontro com o outro na
forma de uma obrigação cívica. A redução do existir-em-comum do homem a esse nível
implicaria em uma absolutização do político, e na restrição da ética aos ditames da prática
290
Cf. AF II, p. 65 291
Cf. Ibid, p. 67 292
Ibid, p. 67 293
Ibid, p. 76
93
política, contrariando a presença de um sentido transcendente para o homem. 294
Superando o solipsismo nas relações entre sujeitos e de outro lado apontando para a
primazia do ser se impondo ao “Eu sou um Nós”, a categoria da intersubjetividade é a
mediação da relação entre os sujeitos e a comunidade, e que irá se converter em mediação
entre o agir ético subjetivo e o universo ético objetivo. Lima Vaz aponta o dever-ser no
próprio “coração da intersubjetividade”, dado que tais relações denotariam a primazia do ser:
“ A comunidade é pois, já na sua gênese, constitutivamente ética, e essa eticidade se explica,
na sua razão última, pela submissão, tanto dos sujeitos como da relação intersubjetiva que
entre eles se estabelece, à primazia e à norma do ser. “ 295
Pela primazia do ser, a categoria da intersubjetividade implica na constituição ética
da comunidade, expressando uma “multividência comum” onde “ a comunicação das
consciências se estabelece no plano de um sentido universal”. Tal sentido universal é uma
“convergência de sentidos múltipos das obras culturais”, integrados em um sentido de
totalidade, é o sentido do mundo humano. A “multividência comum” é igualmente derivada
da dialética do reconhecimento e da primazia do ser atestada na categoria da
intersubjetividade. 296
Essa comunicação permite às consciências humanas de um grupo partilharem o
sentido de uma tarefa comum perante o mundo, referindo-se a uma “aceitação em comum de
uma multividencia de uma totalidade coerente de explicações e valores”297
. A comunicação
das consciências permite a ação dos grupos voltados para uma finalidade e uma proposta de
construção de um mundo humano, e por isso ela é a “posssibilidade última da história” como
história humana, que seria a “forma original que a história natural assume no plano do homem
como ser consciente.” 298
Por isso, a existência do homem, a partir da categoria da
intersubjetividade , é definida como existência histórica do homem.
Vale destacar que o Outro, é um problema filosófico que parte da radical novidade do
cristianismo como a doutrina cristã do amor ao próximo, justamente porque ele assinala a
294
Cf. AF II, p. 78. 295
Ibid, p. 77. 296
Cf. EF VI, p. 254 297
Ibid, p. 255 298
Ibid, p. 254
94
importância da existência histórica, de um sentido a ser compartilhado e que dirija toda a
humanidade. Até então, o problema da filosofia ocidental se restringia à relação consciência-
mundo, caracterizando o que Lima Vaz descreve como “paradoxo profundo”, pois a filosofia
do logos inaugurada pelos gregos era sobretudo uma filosofia de anulação do outro; o que
seria definido como evento, no logos gregos, não conduz ao encontro do outro, mas é tema de
ponderação e prudência. E será em Hegel que o outro é erigido como estágio necessário para
a consciência e sua reflexividade, fazendo da dialética do reconhecimento “o momento
original na gênese do processo histórico”299
.
A existência histórica do homem a partir da categoria de intersubjetividade
,destacando a História como “o englobante último da comunidade humana enquanto tal” 300
,
inscreve para o homem a exigência de um sentido universal no seu existir-em-comum. O
compartilhamento do sentido é recuperação do passado onde se encontram, seja na narração
mística ou historiográfica, as razões de ser da comunidade humana, e é também invocação
para uma tarefa comum a se realizar, anunciando um absoluto transcendente que dá sentido ao
existir históricamente.
A categoria da intersubjetividade descreve então a comunicação de um sentido
universal entre os sujeitos finitos e situados, fato somente possível pela dialética do
reconhecimento e pela primazia do ser transcendente diante da comunidade, descrevendo a
postura ativa do sujeito de significar o mundo e de comunicar esse significado, como uma
necessidade para edificar sua realidade como dotada de sentido.
c) Categoria da Transcendência.
A categoria de intersubjetividade atesta a primazia do ser, e consequentemente, de um
sentido universal, na dialética do reconhecimento e na comunicação do sentido entre os
sujeitos, destacando que o Eu Sou do homem vai além da relação com o outro e da existência
histórica, dado a abertura, como espírito, para o Absoluto. A categoria da transcendência
formaliza essa primazia do ser, ao tratar da relação do sujeito com “uma realidade da qual ele
se distingue ou que está para além (trans) da realidade que lhe é imediatamente acessível”301
A categoria da transcendência é a “passagem dialética” para as ditas categorias de
299
Cf. EF VI, p. 231-236 300
AF II, p. 79. 301
Ibid, p. 93
95
unidade do ser humano, que são aquelas que suprassumem a unidade estrutural e a unidade
relacional do homem, através da unificação da “presença a si mesmo do sujeito”.302
Essa
presença a si mesmo é o resultado da reflexão total do espírito sobre si mesmo, como
abertura estrutural para o ser e para a transcendência, possibilitando ao sujeito o seu
reencontro com o Absoluto.303
A transcendência parte do espírito e está atrelada à vida humana como vida segundo o
espírito, onde, pelo exercício da inteligência espiritual e do amor espiritual, diante da
experiência exteriro, o sujeito se relaciona em sua interioridade com o Ser Absoluto e
transcendente: o sujeito na relação de transcendência dirige-se ao seu íntimo mais profundo de
onde se origina o espírito para abrir-se para o Absoluto, suprassumindo a oposição entre as
categorias de interioridade (corpo, psiquismo e espírito) e as categorias de exterioridade
(objetividade e intersubjetividade)
As relações com o mundo e com os outros são definidas pela exterioridade ao sujeito,
de forma a caracterizar a oposição entre interioridade, das categorias de estrutura, e a
exterioridade, das categorias de relação. A categoria de transcendência suprassume essa
oposição, pois por ela o sujeito “pensa o Transcendente como exterior a sua finitude e à sua
situação no mundo”, e também pensa o transcendente como imanente a ele, sujeito304
. Essa
suprassunção é possível pela categoria de transcendência por ela ser uma relação com o ser , e
portanto uma relação com o Absoluto, apontando para o horizonte ultimo do espírito.
A relação com o Absoluto não deriva, porém, de uma experiência direta, tal como se
dá com o mundo e com o outro, não havendo, pela perspectiva do sujeito, uma relação de
reciprocidade ou não reciprocidade. O sujeito se relaciona com o Absoluto em razão de sua
“radical dependência dele”, ou seja, trata-se de uma relação inscrita na estrutura ontológica
do sujeito.305
Assim, na categoria da transcendência, o sujeito não põe o objeto para-si, nem se
põe diante do outro, mas é “posto, na sua situação de sujeito finito pela superabundância e
pela infinita generosidade ontológica do Absoluto”.306
302
AF II, 97 303
Cf. Ibid, p. 96 304
Cf. Ibid, p. 94-95 305
Ibid, p. 98 306
Ibid, p. 122
96
Tem-se assim, o paradoxo da relação de transcendência: ainda que seja uma categoria
de relação, não possui uma distinção entre os termos de forma a ter que definir a
reciprocidade ou não entre eles, tal como se dá na categorias de objetividade e de
intersubjetividade. A relação de transcendência suprassume a não-reciprocidade da relação de
objetividade pela própria transcendência e infinitude do Absoluto que “exclui qualquer
relação real ou relação de dependência ad extra”307
; e por outro lado, suprassume a
reciprocidade da relação de intersubjetividade, pela imanência do Absoluto aos sujeitos, que
através da transcendência participam da infinita generosidade do Absoluto.
A relação de transcendência deriva do excesso ontológico da afirmação do Eu Sou que
faz o sujeito avançar em direção ao fundamento último. As expressões para a relação com o
Absoluto presentes no curso histórico se originam também desse excesso ontológico e
provam “a presença da relação de transcendência na constituição ontológica do sujeito”308
.
Esse excesso ou superabundância ontológica, que faz avançar a afirmação do Eu Sou para
além da natureza e da história, parte da identidade dialética entre o espírito e o ser.
A manifestação desse excesso ontológico é emblemática nas formas da experiência da
transcendência, que definiram para o homem a sua relação com a realidade, dando “um novo
sentido às grandes experiências “ na sua relação com o mundo, com outro e com a
comunidade, expressando a sua abertura “a uma realidade para além do mundo e da
História”309
. Três grandes formas da experiência da transcendência descrevem essa abertura :
a experiência noética da Verdade; a experiência ética do Bem ; e a experiência noético-ética
do Absoluto.
A experiência noética da Verdade é formalmente uma experiência do ser, e portanto
uma metafísica , que parte da reflexão do espírito sobre si mesmo, e tem em Platão sua
expressão paradigmática. Ela é qualificada como uma experiência transcendental que parte da
intuição da presença do ser à inteligência: a presença do ser é intuída pela dialética entre a
universalidade absoluta do ser e a determinação do objeto imediatamente conhecido, e é uma
presença transcendental visto que por ela se abre para a inteligência finita a primazia da
307
AF II, p. 96 308
Ibid, p. 94 309
Ibid p. 101
97
realidade do ser310
. Considera-se uma homologia entre a inteligência finita e o ser no seu
“desvelamento inteligível” que permita uma aproximação entre intuição e verdade311
.A
experiência noética da Verdade é por isso reflexiva, pois a presença do ser deriva da reflexão
da inteligência sobre seu próprio ato de conhecer o objeto, o que permite defini-la também
como transcendência gnosiológica.
A experiência ética do bem, alicerçada no ensinamento socrático, manifestou-se na
história através de duas vertentes: o Bem como medida, e o Bem como fim. Em ambas
vertentes parte-se de uma homologia entre a liberdade humana dirigida ao Bem e o ser ,
definindo uma relação ontológica entre Bem e ser.
Partindo-se da estrutura Platônica que definiu a “dimensão transcendental da
experiência ética do Bem” 312
, a tradição distinguiu entre o bem ontológico e o bem moral, tal
como se distingue a verdade ontológica da verdade formal, para definir a experiência
transcendente do Bem pelo homem. Tal experiência transcendental do Bem teria um
fundamento absoluto não submetido às contingências do sujeito finito, como manifestação de
um Bem na sua identidade com a infinitude do Ser .
Por último, a experiência noético-ética do Absoluto, que definiu a experiência do Ser
que, como fundamento de toda experiência transcendental - dado a primazia da identidade
com o ser para as experiências transcendentais da Verdade e do Bem – é a experiência de um
Ser como causa primeira, objeto da teologia. Essa experiência se desdobra em
transcendentalidade formal, onde tem-se o conceito analógico de ser, e em
transcendentalidade real, onde encontramos o Ser que é objeto da Teologia, o Ipsum Esse
subsistens.
A experiência da transcendência representada por esses três grandes modelos atesta
que a relação com o Absoluto não teria reduzido o homem a um nada313
, ao contrário,
definiram a rota da subjetividade que, através da inteligência espiritual e do amor espiritual ,
se dirige para um sentido transcendente, permitindo ao sujeito finito e situado, como ser-em-si
310
Cf. AF II, p. 104 311
Cf. Ibid, p. 105 312
Cf. Ibid, p. 107 313
Cf. Ibid, p. 121
98
e ser-para, encontrar , como presença analógica e imanente a ele, o Absoluto.
3.4 CATEGORIAS DE UNIDADE
a)Categoria de realização
A categoria de Realização é a unificação das categorias de estrutura e de relação,
unificando a ipseidade e a alteridade do homem através da existência. É uma unidade
mediatizada pela “vida vivida” construída pelo exercício de atos que determinam o “itinerário
da vida que deve ser sempre mais una” 314
. A Realização é a efetivação existencial de que o
homem se torna ele mesmo na sua abertura constitutiva para o outro, abertura como Razão
metafísica, ou seja, como abertura para o ser.
Ao homem cabe realizar, como tarefa propriamente humana, a unidade que ele é,
abrindo-se como sujeito a toda “amplitude intencional do seu ser-para-outro” de forma a
alcançar uma “centração maior do seu ser-para-si”.315
Assim, o sujeito conquista a sua
unidade, presente em sua essência, pelos atos existenciais que determinam o seu ser-para-si,
suprassumindo o ser-em-si das categorias de estrutura, e o ser-para-outro das categorias de
relações; em outras palavras, alcança a “unidade profunda que ele é como essência, mas que
deve tornar-se como existência.”316
O Eu da categoria de Realização é síntese dialética do Eu estrutural e do Eu relacional:
o Eu que realiza sua ipseidade dinâmica. Essa ipseidade dinâmica surge da realização do Eu
estrutural no “ativo relacionar-se com o outro ou no afirmar-se na sua ipseidade relacional”,
impelido pelo paradigma de uma vida perfeita. A ipseidade dinâmica, é formada por três
evidências que a definem para o sujeito como “conteúdo singular, único e inalienável da sua
vida vivida”, de forma a que caberá a cada qual dar a significação e sentido de seu agir e
existir conforme os modelos de realização culturais e éticos, são elas : a vida é uma tarefa a
ser cumprida pelo homem; a vida é uma tarefa não predeterminada, mas que parte da livre
escolha de um fim pelo homem; e por último, impera sobre o homem a necessidade de
314
AF II, p. 144 315
Ibid, p. 163 316
Ibid, p. 165
99
escolher o seu modelo de fim e de vida, de forma a encontrarmos na tradição a “variada e
incessante procissão de ´modelos´”.317
Na definição da ipseidade dinâmica supera-se a questão do risco de alienação do
homem, risco que parte da definição do homem como ser aberto para o mundo, para o outro e
para a transcendência, expondo uma tendência de perder-se e anular-se. A unidade diante da
alteridade é garantida pela categoria do espírito, que expressaria o ser-uno no domínio da
estrutura, e já exprimiria a unidade diante do mundo e da alteridade, conforme visto na
relação dialética entre o em-si do objeto e o para-si do sujeito, e na dialética do
reconhecimento.
Desta feita, se determina também que a categoria de realização irá expressar, na ordem
da existência, a unidade estrutural do homem, presente na categoria do espírito, em sua
relação efetiva com o mundo, com os outros, e com a transcendência. Assim viver ,é o viver
humano figurado na vida segundo o espírito, ou seja, a vida que garante a unidade diante da
alteridade pela dialética do em-si e para-si, e pela dialética do reconhecimento, permitindo
que o existir humano seja um movimento para a unificação progressiva.318
A rota dessa unificação está esboçada desde as categorias de estrutura, visto que elas,
ao definirem a essência do homem, como expressão da passagem do dado (natureza) à
significação (forma), delineiam o perfil ontológico de um processo não concluso, mas em
andamento para sua concretude que se deve dar no plano da existência, a “vida vivida” , na
efetivação das categorias de relação, porém sob a unificação pela categoria de realização.319
Definida a realização a partir das categorias de estrutura, ela é então um desafio
permanente como “ risco supremo de ser ou não-ser”, do homem realizar ou não a sua
essência metafísica, que é justamente o móvel de seu viver além de se sua estrutura e de suas
relações, e que por isso lança a realização ao domínio do sentido da vida, como vida
propriamente humana, definindo a insecuritas humana.320
A insecuritas, como risco de não
realização do homem, é sobretudo o risco da perda da unidade do sujeito, unidade que é
garantida no nível do espírito e sua abertura para o Ser. Por isso, é na categoria do espírito em
sua abertura para o transcendente que temos as “raízes ontológicas” da insecuritas, como a
317
Cf. AF II, p. 153 - 154 318
Cf. Ibid, 144 319
Cf. Ibid, p. 148 320
Cf. Ibid, p. 146
100
região onde se decide o sentido da própria existência, efetivando a essência metafísica do
homem, como unificação submetida à medida da Verdade, do Bem e à exigência do
Absoluto.321
A realização como rota para a plenitude da unidade estrutural se depara de um lado,
com a experiência da corporalidade e a multiplicidade dos seus processos biológicos, e de
outro, com a “ dilaceração da vida interior do homem” no nível do psiquismo, restando
evidente que a realização é um movimento próprio do nível do espírito.322
No plano do existir do sujeito, o apelo metafísico pela unidade dirige-se à perfeição do
agir humano, pois o agir humano se submete ao dever-ser derivado da abertura espiritual para
a Verdade e para o Bem, realizando o sujeito , no plano concreto, a sua relação transcendente
como espírito. Trata-se do coroamento ético da unidade alcançada pela realização, como
passagem da necessidade ontológica do homem como ser-para-transcendência, para a
necessidade moral, permitindo afirmar a ética como um imperativo da sua auto-realização.323
A caracterização da categoria de realização como tarefa da vida propriamente humana
em sua tendência transcendente de se voltar para o Bem é ilustrada por Lima Vaz a partir de
dois modelos de educação para uma vida perfeita, o modelo Platônico e o modelo
Aristotélico. Sendo o modelo aristotélico o modelo que edifica a realização para Lima Vaz.
Pela linha platônica a realização está sob norma e medida do inteligível, submetida a
uma norma de medida absoluta, considerando a participação do homem à idéia do Bem pela
forma mais alta de conhecimento alcançada pela intuição. A exigência do ser-mais faz surgir
no horizonte do Ser as idéias do Verdadeiro e do Bem, sendo a realização “pensada na
perspectiva do mais remoto horizonte que a nossa intuição intelectual pode divisar”324
,
permanecendo um espaço ilimitado, como horizonte metafísico além do ser finito, que
determina a perenidade do aguilhão do ser mais. Portanto, para Platão a realização da vida
humana refere-se ao horizonte do Ser, submetendo a realização a uma norma de perfeição
absoluta, alcançada somente pela educação para o conhecimento do Absoluto transcendente,
educação que é propriamente filosófica. Assim, pela educação filosófica o homem pode
realizar-se a si mesmo, alcançando a unidade que ele é, sendo, por isso, o ideal da vida
321
Cf. AF II, p. 147 322
Cf. Ibid, p. 147 323
Cf. Ibid, p. 146 324
Ibid, p. 157
101
filosófica o modelo de realização platônico325
, estruturado verticalmente, “ na qual a
phronesis é uma atividade contemplativa no cimo da subida para o inteligível”.326
Já o modelo Aristotélico, partindo do operar do ser empírico, define uma estrutura
radial onde a phronesis é uma sabedoria prática como centro que alcança as múltiplas
direções do operar humano (fazer ou poiseis, agir ou práxis, e contemplar ou theoria);
voltando-se para as coisas humanas, e buscando nelas as normas para o bem viver, ou seja, o
ethos como saber a ser codificado como Ética. Pela vertente de Aristóteles a realização
humana tem por objeto o ethos vivido pelo homem em suas condições concretas na sua
“comunidade histórica”, expressando por isso um modelo eminentemente ético: a tarefa
propriamente humana de se realizar é a de viver segundo as razões do ethos, ou seja, a
ética.327
Em Aristóteles o saber ético parte da própria definição de que o logos é predicado
unicamente ao homem. Sendo imanente ao logos o ideal do melhor, operar segundo o logos é
então operar segundo o que é melhor . Portanto, a realização é o operar no plano da existência
de acordo com o logos presente na essência do homem, em outras palavras, a realização é o
ato “que traz em si mesmo o seu próprio fim ou a sua perfeição (energéia)”328
Na concepção aristotélica esse operar como fim e perfeição se dá no campo da práxis,
que é o campo do operar intersubjetivo como mundo propriamente humano, e por isso o
campo da auto-realização, harmonizando o sujeito empírico e a transcendência.329
No modelo
aristotélico, a práxis, de um lado, é submetida à theoria, visto que na vida comunitária, agindo
de acordo com o ethos, e portanto, de acordo com o logos, o homem realiza a sua perfeição, e
assim submete-se às razões transcendentes do Ser como Bem; de outro, ela é por isso,
normativa em relação à poiésis, dado que o operar técnico é eticamente neutro, devendo se
submeter à normatividade ética inerente à práxis do sujeito.
No mundo humano, o produzir e fazer do campo poiético, não contém a idéia de
perfeição do ato humano, mas sim a perfeição do objeto que resulta, o que não pode definir a
tarefa propriamente humana de imprimir sentido no mundo; muito menos se identifica esse
ergon no operar em comum que o homem tenha com os demais seres vivos. A primazia da
325
Cf. AF II, p. 150 326
Ibid, p. 158 327
Cf. Ibid, p. 158 328
Ibid, p. 159 329
Cf. Ibid, p. 160
102
práxis para definir o espaço da auto-realização do homem, considerando o existir empírico do
homem, atende à dialética do reconhecimento, tendo no operar intersubjetivo a passagem em
direção à transcendência como categoria de ser-para-o-absoluto, por ser expressão de um
sentido universal do agir para os sujeitos, e também, atende à reflexividade do espírito de,
através da sua abertura para o mundo exterior, encontrar o Ser em seu interior íntimo e que
permitirá a significação do seu existir e agir. Por isso, para Lima Vaz é na práxis, como
submetida ao dever-ser, tal qual o modelo aristotélico, que se tem o domínio da auto-
realização.
Dessa forma, tem-se os dois pólos da existência humana que definem o “drama
existencial que só ao homem é dado viver”330
: o pólo da rotina do simplesmente ser e o pólo
ideal de realização (dever-ser). O que permite descrever a categoria de realização, em sua rota
para a unificação, como resultado da tendência humana de “ser-mais”, ou seja, de superar as
limitações existenciais em direção ao modelo ideal, aquele que seria a”tradução da essência
na ordem da existência.”331
Esse ser-mais para o homem define o paradoxo da existência humana, como a
inconclusa passagem do ser ao dever-ser, visto que os modelos ideais são historicamente
situados em contraponto ao élan para o Absoluto da busca da unidade total entre sujeito e o
Ser.332
Esse paradoxo é definido a partir de uma realidade pensada analogicamente, tal como
ocorre nas categorias do espírito e da transcendência, ou seja, assim como temos a identidade
analógica entre o espírito finito e o Ser, e temos o absoluto da relação transcendência, como
um absoluto pensado analogicamente, a existência humana como realização da essência é
também uma realidade analógica ao plano absoluto de identidade entre existência e essência.
O ser-mais tem portanto uma natureza metafísica, que impede o homem de se reduzir a
simplesmente ser, e o impele a uma unidade como realidade analógica, figurando o ser-mais
como um aguilhão permanente pela unidade absoluta entre essência e existência, só realizável
em uma realidade superior.
A realização humana parte do homem enquanto espírito e ser –para –transcendência , e
portanto, como “analogado inferior da perfeição infinita do Absoluto”. A categoria da
realização como perfeição realizável da essência do homem no plano da existência, tem, por
330
AF II, p. 171 331
Ibid, p. 172 332
Cf. Ibid, p. 172
103
isso, como medida da sua perfeição, uma medida transcendente derivada da abertura para a
Verdade e o Bem do Ser.333
A partir da categoria de realização a existência humana pode ser definida como situada
entre a essência do ser (categorias de estrutura e relação) e essência do dever-ser (o modelo
ideal); sendo direcionada, pelo permanente aguilhão do ser-mais, para uma unidade
transcendental com o Absoluto, caracterizando no plano da práxis o operar humano de acordo
com um horizonte ilimitado do ser em sua Verdade e Bondade.
Configurando a inscrição de um sentido voltado para a unidade com o Absoluto,
regendo a rota para uma unidade do sujeito, além das categorias de estrutura e de relação: o
homem não aliena sua identidade ao mundo ou aos outros, não sucumbe à lógica do produzir
e do usar da poiesis, nem enclausura o dever-se na comunidade e na história, muito menos se
anula em relação com o Absoluto.
b)Categoria de Pessoa
Dentro das diretrizes metodológicas da Antropologia Filosófica, partindo do homem
como expressividade, a categoria de Pessoa seria aquela que dá significação humana às
expressões do homem, estando presente no discurso da antropologia como termo final e ao
mesmo tempo na origem do discurso, como fundamento em-si do discurso. A Pessoa é então
a categoria da qual parte a inteligibilidade em-si da antropologia filosófica que conduz a
suprassunção das categorias até a um plano de unidade, de forma que é como Pessoa que se
deve entender o sujeito da mediação N- S –F, desde as primeiras formas de expressão do
homem enquanto corpo-próprio.
Na categoria de pessoa tem-se uma adequação entre o sujeito e o ser, como unidade
que se realiza existencialmente pela vida segundo o espírito, ou seja, pela vida vivida em atos
que unificam a essência e a existência do homem.
Essa unidade com o ser, é, dentro dialética da Antropologia Filosófica, uma unidade
possível pela analogia. Nas categorias do homem situado (corpo, psiquismo, objetividade,
intersubjetividade) essa analogia é implícita, mas está expressa nas categorias do espírito e da
transcendência, sendo ainda, fundamento da categoria de realização, na descrição do aguilhão
333
Cf. AF II, p. 173
104
metafísico do “ser-mais”. Já na categoria de pessoa, a analogia é que possibilita a unidade
entre sujeito e o ser, permitindo afirmá-la como categoria de essência “como expressão
ontológica plena do homem que se significa a si mesmo, e cumpre efetivamente o desígnio do
seu ser no seu existir.”334
Como categoria final ela suprassume todas as categorias anteriores e é síntese da
oposição entre essência (ditadas pelas categorias de estrutura e de relação) e a existência
(figurada pelos modelos de realização), apresentando-se o existir enquanto pessoa como “o
ato totalizante do existir do sujeito enquanto realização da sua essência”.335
A experiência do existir pessoal, como ato totalizante, é também a síntese final entre a
interioridade e a exterioridade. Ao existir como pessoa, em sua unidade, o homem tem a
experiência de si mesmo enquanto interioridade inalienável ( o Eu sou das categorias de
estrutura) e enquanto exterioridade (na exigência de abrir-se para o outro das categorias de
relação). Na experiência do existir pessoal tem-se a “nitidez da presença da realidade que nos
é exterior no espaço interior da nossa presença a nós mesmos”336
, ou seja, o outro está
presente no ato pelo qual somos presente a nós mesmo. Como visto, nas categorias do espírito
a experiência da nossa interioridade depende da experiência da exterioridade, ou seja, a
presença do outro é mediadora da nossa presença a nós mesmos, o que conduz à conclusão de
que “a presença do outro em nós seja constitutiva do próprio ato pelo qual somos presente a
nós mesmos”337
. Assim, a presença a nós mesmo é uma “presença aberta ao horizonte infinito
do ser”338
, de forma a já conter a presença do outro em sua direção ao ser.
Essa presença a nós mesmos fundamenta a presença do horizonte transcendente na
relação do homem com o mundo e com os outros .
Na relação como o mundo exterior, a pessoa dá significado ao mundo, sendo o
primeiro conteúdo da experiência de Pessoa, definindo o mundo objetivo como espaço
existencial, como mundo humano e portanto “mundo do seu habitar e do seu fazer, aberto
como horizonte próximo e imediato do seu viver”339
. Aqui temos o homem, como expressão
334
AF II, p. 191 335
Ibid, p. 207 336
Ibid , p. 208 337
Ibid, p. 208 338
Ibid, p. 208 339
Ibid , p. 209
105
primeva da Pessoa, em sua relação com o mundo (categoria de objetividade), expressando a
“passagem do mundo das coisas na sua simples faticidade para o mundo das significações”340
.
Na relação com os outros (categoria da intersubjetividade) a experiência da Pessoa
expressa a vocação do homem ao universal, uma vocação além da vida comunitária, evocando
uma experiência além dos limites da intersubjetividade, sendo esta como um momento
categorial de experiência transcendente. O homem em seu necessário movimento intencional
de transcendência volta-se para o outro, mas não limita sua experiência a esse momento, mas
o define, a partir da sua interioridade ,como parte da rota para o Absoluto.
A experiência de pessoa então constitui o “centro de unidade do ser do sujeito” na
síntese entre ipseidade (interior) e a alteridade (exterior). Trata-se de um movimento de
exteriorizar-se na sua radical interiorização, onde o homem na sua relação com o exterior terá
uma experiência espiritual, como experiência de transcendência, entrando em contato com a
presença do ser em sua interioridade a partir da experiência com a exterioridade, e
imprimindo essa experiência nas dimensões do seu existir.341
A partir da relevância da transcendência na definição de pessoa, Lima Vaz acentua os
conceitos trancendentais, o Ser, o Uno, o Verdadeiro, o Bom e o Belo, como “pontos cardeais
do universo espiritual que é a pátria nativa da pessoa”342
. A experiência de pessoa é então uma
experiência transcendental, como experiência de si mesmo na vida segundo o espírito,
encontrando na interioridade do seu ser finito, a Unidade, a Verdade e a Bondade, e, a partir
desse interior íntimo, relacionar-se com o mundo exterior, para contemplar a Verdade e fazer
o Bem, ou seja, operando pelo finalismo do Bem como verdade da práxis , e contemplando a
Verdade como o bem da theoria.
Esse entrelaçamento da pessoa com a transcendência remonta às origens da relação de
transcendência, e a antecedente idéia de indivíduo que surge. A experiência do existir pessoal
remete então às primeiras formas de transcendência e a emergência do perfil de indivíduo a
partir dessas formas, sendo elas representadas exemplarmente pela experiência da
transcendência em Israel, e pela experiência grega de transcendência. Em Israel temos o
existir na presença de Deus que alça o indivíduo a Profeta, e como tal “interlocutor
privilegiado do transcendente” e “portador da Palavra” a ser comunicada aos seus pares; já a
340
AF II, p. 209 341
Cf. Ibid, p. 211 342
Ibid, p. 212
106
experiência grega, pela invenção da filosofia, define o indivíduo a partir da aceitação da
razão como constitutiva ao homem, sendo pela razão que o homem se relaciona com o
transcendente.343
Ambas as formas de transcendência afirmam a individualidade espiritual do homem,
sendo tal afirmação “um traço comum que será o seu decisivo traço de união quando eles
convergirem na idéia ocidental do homem como pessoa”344
. Dito isto, a exemplaridade delas
para a formação da categoria de pessoa reside no fato de que elas situam o indivíduo a partir
da idéia do homem como espírito finito, co-extensivo à universalidade do ser e analogado
inferior, não submetendo o indivíduo ao “abismo primordial do Ser” ou então “cindi-lo na
dualidade irremediável do ser e do não-ser”.345
A partir dessa afirmação do homem como espírito finito, e portanto como abertura
para a transcendência e “retorno e reflexão sobre si mesmo”, tem-se a tensão existencial
vivida pelo indivíduo entre “a precariedade e a contingência da sua situação” e “a sua abertura
para a transcendência” , expressando o espaço próprio de emergência da idéia de pessoa.
Elevando-se dessa tensão, o indivíduo conhece a si mesmo e torna-se ele mesmo, “nem
integrado, como parte do todo, na Natureza, nem absorvido, como fragmento, na anônima
imensidade do Divino”.346
A categoria de pessoa expressa por isso, como síntese final da interioridade e
exterioridade, da essência e existência, o que Lima Vaz denomina “paradoxo e verdade
profunda do homem”347
. O paradoxo resume-se ao fato do homem ser uma “unidade de
opostos”, ou seja, onde se dá a inteligibilidade desses opostos; assim, o homem é a unidade
entre a matéria e o Absoluto transcendente, entre o sensível e o inteligível e entre o
contingente e o necessário. A verdade do homem, é transformar essa unidade dada como
paradoxo em uma unidade espiritual, e portanto refletida , que é a unidade da pessoa.
O paradoxo e a verdade do homem assinalam que para ele a submissão ao
determinismo da forma natural não o define como humano. O estatuto “natural” da forma
humana é a forma que o homem dá a si mesmo no ato de mediação de si a si mesmo, ou seja,
343
Cf. AF II, p. 201-202 344
Ibid, p. 202 345
Ibid, p. 203 346
Ibid, p. 203-204 347
Ibid, p. 226
107
o homem não existe humanamente como dado mas como expressão de si para si mesmo a
partir da sua relação com o mundo, com o outro e da sua abertura para a transcendência.
A categoria de pessoa alcança uma totalidade humana como expressão de si mesmo, e
que é fundamento , o em-si, da antropologia filosófica, e ao mesmo tempo o termo final, a
forma última da expressão do Eu sou, desvendando a constituição da totalidade humana como
um ser-para o Absoluto. Ao termo do discurso da antropologia filosófica, a categoria final
inscreve o homem como unidade a ser realizada em sua homologia com o ser, como o sentido
último de seu operar no existir, como existência humana que dá significação ao seu agir e
existir a partir da experiência com o Absoluto.
Pela Antropologia Filosófica chega-se a conclusão de que a experiência do homem
com o Absoluto não é uma experiência que anule o sujeito finito, ao contrário, assinala a
unidade e a identidade existencial que ele alcança ao inscrever no mundo um sentido para o
seu operar e existir a partir da sua relação com o Absoluto. Ao alcançar a unidade como
pessoa, o homem encontra na sua interioridade mais profunda a fonte do espírito, como
inteligência e liberdade; ao invés de ser anulado pelo Absoluto, o sujeito o encontra como seu
fundamento, como fonte, como pura gratuidade e superabundância348
, como causa e
finalidade última de si mesmo e da exigência de sentido para o seu existir.
3.5 - O EXISTIR HISTÓRICO A PARTIR DA PESSOA.
Através da Antropologia Filosófica, assenta-se a reelaboração semântica do conceito
de natureza humana em Lima Vaz como uma “situação humana originária” , que transcende o
espaço-tempo do mundo, e que é o “lugar de múltiplas dimensões”, seja histórica, social,
348 Aqui, se destaca a diferença entre Hegel e Lima Vaz, pois para Hegel o “ser do finito consiste de tal
modo em suprimir-se que o não-ser do finito é o ser do Absoluto”(HERRERO in PERINE –org, 2003 , p.154). Sua
concepção de homem difere da hegeliana, onde o homem está inserido em um processo de manifestação do
Espírito, ou seja, da Idéia que tem seu ser para si a partir da natureza. Em Hegel o homem tem os seus níveis de
realidade, enquanto ele é expressão do Espírito subjetivo ( o indivíduo em seu ser para-si) e do Espírito objetivo
( a expressão humana como cultura e história), suprassumidos na esfera do Espírito Absoluto. O homem é, então,
o lugar do movimento dialético da passagem “ da existência natural imediata à existência espiritual que é
essencialmente mediação ou negatividade absoluta”( AF - I, p. 123). Enquanto que em Lima Vaz essa passagem
para a existência espiritual não implica em uma rota para a suprassunção dos níveis de realidade do sujeito pelo
Espírito Absoluto, mas é uma passagem que se dá pela infinitude intencional do homem pelo Absoluto, mantida
a diferença real entre os níveis de realidade do sujeito e o Espírito Absoluto. Como já foi observado, seria a
fidelidade à experiência do movimento da própria razão que separa Lima Vaz de Hegel, o distanciando da
afirmação de uma “identidade dialética entre o finito e o infinito, entre razão humana e razão divina, no Espírito
Absoluto” (MAC DOWELL in PERINE-org, 2003, p. 21)
108
cultural ou circunstancial , e , como tal, o lugar onde se inscreve o perfil original da
afirmação do Eu Sou349
. Concebe-se no seu pensamento, a “transcrição do conceito de
natureza humana na questão da expressividade humana”350
definindo o sujeito finito como
aquele que mediatiza o ser em direção à existência contingente, em um movimento
intencional de passagem da natureza à significação. Em Vaz, o ponto de partida é a definição
do sujeito, o homem enquanto oposto ao mundo dado, ou seja, relacionado dialeticamente
com o mundo. 351
Se a Antropologia de Lima Vaz exprimiu a unidade do ser-humano entre essência e
existência a partir das suas relações consigo mesmo, com o mundo e com outro, a sua noção
de sujeito e de consciência irão destacar o papel “fundador” da experiência do Eu Sou a partir
da pessoa. Enquanto a antropologia demonstraria a função unificadora, como movimento de
torna-se o que é, que a experiência de sentido possibilita, a noção de consciência, a partir dos
aspectos antropológicos, expõe especificamente a construção da inteligibilidade do espaço-
tempo, a inscrição do sentido como movimento de unificação entre a interioridade e
exterioridade, que está inserido na jornada socrática até a categoria de pessoa . A consciência
para Lima Vaz, parte do sujeito enquanto aberto à universalidade do ser, e tem a pessoa como
origem e fim, ela é o fundamento que origina o movimento da consciência como movimento
de significação, dada a exigência de sentido para um mundo humano, e é fim, pois no ato de
significar a realidade o homem mediatiza o ser para si-mesmo, e caminha assim para a sua
unidade com o ser. Assim a consciência que significa o mundo, pode ser assinalada como a
expressão mesma da pessoa , que mediatiza o ser na existência contingente como parte da sua
jornada socrática. Dessa forma, o conceito de sujeito a partir da natureza humana como
expressividade que mediatiza o ser, equipara-se em Lima Vaz ao conceito de consciência,
sendo o sujeito, o ser consciente ou a consciência mesma.
Considerando essa relação com o mundo, a consciência tem um sentido concreto,
como “forma do existir do homem enquanto sujeito”352
: a existência do homem frente a um
mundo de objetos, e o seu tornar-se sujeito pela consciência. A consciência não se
apresentaria de início como consciência pura, mas sim como consciência do objeto, como
consciência-do-mundo. Porém, a estrutura da consciência como constitutiva do sujeito,
349
AF II, p. 148 350
AQUINO, Marcelo Fernandes de. Metafísica da Subjetividade e Linguagem III. Síntese Nova Fase, v. 22,
n. 71 (1995), p. 455 351
Cf. EF VI, p. 247 352
Ibid, p. 248
109
também não seria mero reflexo do objeto com o qual se relaciona, na verdade, deve ser
compreendida dentro da relação dialética situada no espírito entre os pólos sujeito e objeto,
em que o ato de consciência é um ato que torna o mundo um objeto de compreensão, e
também um ato que define o homem como sujeito. A estrutura da consciência é uma
concepção realista, no sentido platônico, considerando que a consciência é estruturalmente
intencional, como consciência de alguma coisa, como parte de uma cultura, ou como parte de
uma realidade dotada de sentido, que dá inteligibilidade à relação entre sujeito e objeto :
A relação entre a consciência e o mundo torna-se inteligível precisamente
no exercício concreto de compreensão do mundo pela consciência , isto é,
na cultura. Trata-se de uma relação dialética: a consciência não deve ser
pensada como um receptáculo vazio, e o objeto como um dado opaco. 353
A estrutura da consciência parte da dialética da categoria do espírito entre os pólos
do objeto e do sujeito, ou seja, parte da experiência com a realidade como a síntese de dois
momentos: o momento da intenção, onde temos a consciência do objeto; e o momento de
expressão, onde temos a consciência de si. A consciência é assim, consciência de si e
consciência do objeto, considerando os momentos da intenção e da expressão, dialeticamente
relacionados 354
:
a) No momento de intenção, a primazia é do objeto e a consciência
é consciência do objeto. Mas a consciência é já abertura para o horizonte do ser, além
do ser-aí limitado, em direção a universalidade do poder-ser. A consciência é situada
pelo mundo de objetos, mas é também universal pela sua capacidade de transcender
essa situação.
b) No momento da expressão, tem-se a primazia do sujeito, onde
há a consciência de si, como auto-afirmação. A consciência recria o objeto para si,
para “ situá-lo no plano de um sentido”, ou seja, “elevá-lo à dimensão do Sentido”.
Esse momento é o fundamento da universalidade da consciência, tal qual ela se
apresenta inclusive para a consciência do objeto, quando o objeto irá integrar uma
realidade além de si próprio, ou seja, irá fazer parte de um universo de sentido.
Extrai-se dessa estrutura o papel do sentido para se definir a consciência, e, por
conseguinte, o sujeito. Trata-se da visão de que o homem, para ser sujeito, deve ter diante de
si uma realidade dotada de sentido, como um mundo a ser compreendido e transformado. O
353
EF VI, p. 249. 354
Cf. Ibid, p. 249.
110
mundo humano, depende da interioridade do sujeito, que se integra dialeticamente às relações
de exterioridade entre os objetos, e revela o sujeito como centro unificador da estrutura
intencional do mundo humano. No entanto, esse centro unificador é fruto de um processo
gradual de conquista sobre a multiplicidade dos objetos, em que a dialética entre expressão e
intenção se dirige para um “crescente aprofundamento da expressão” e uma “crescente
universalização da intenção”. Processo gradual que parte da corporalidade em direção à uma
unidade intelectual. Resumindo, não é uma unidade dada, mas conquistada. 355
Partindo da consciência sensível, esse movimento entre os momentos de expressão e
intenção irá conquistando o status de centro unificador do sujeito, até alcançar a consciência
intelectual, onde alcança-se o plano mais profundo da unidade do sujeito e do mundo. Trata-
se, como vimos, da dialética que exprime o movimento das formações das categorias da
Antropologia Filosófica de Lima Vaz, em que a partir de uma experiência primeira do próprio
corpo, o sujeito vai transcendendo da sua corporalidade em direção à categoria de unidade da
pessoa.
Essa conquista gradual é dividida por Lima Vaz em três níveis, em que se analisa: o
ato fundamental de cada nível ( qual o ato do sujeito que define sua relação com o mundo); a
forma de consciência (como se exprime a sua relação com o mundo); a estrutura do mundo
dos objetos ( como os objetos se relacionam entre si ); a condição do sujeito e da unidade do
mundo ( como se apresenta o sujeito como centro unificador do mundo). Assim, partindo da
apresentação de Lima Vaz, podemos sistematizar da seguinte forma356
:
1) Primeiro Nivel - nível empírico:
a) Ato fundamental – é a preparação, ou seja, a apreensão do
mundo empírico antes de qualquer mediação.
b) Forma da consciência – é a experiência sensível
c) Estrutura do mundo dos objetos – os objetos têm conexões de
fato, vigora a dispersão espacial e o aleatório acontecer temporal
d) Condição do sujeito e da unidade do mundo – O sujeito é o
sujeito situado pelo aqui e agora. Sujeito que emerge da “multiplicidade e
do fluxo das coisas”, estando tanto a sua identidade como sujeito, como sua
355
Cf. EF VI, p. 250. 356
Cf. Ibid, p. 251
111
proposta de unidade do mundo, em constante ameaça pelo devir dos objetos
da experiência.
2) Segundo Nível - nível racional:
a) Ato fundamental – é o discurso da razão
b) Forma de consciência – é a compreensão racional
c) Estrutura do mundo dos objetos – os objetos se relacionam por
conexões lógicas, inteligíveis e funcionais.
d) Condição do sujeito e da unidade do mundo – O sujeito é o sujeito
perante o universal, mas um universal delimitado pela inteligibilidade. O
mundo empírico é mediatizado pelo conceito, estando presente os momentos
de intenção do objeto e de expressão do sujeito, mas a universalidade da
intenção do objeto é apenas formal, limitada a um paradigma de
inteligibilidade. Tanto a identidade do sujeito, como a unidade do mundo, se
referem a uma unidade inteligível.
3) Terceiro Nível – nível teórico:
a) Ato fundamental – é a intuição intelectual
b) Forma de consciência – é a “visão unificante”
c) Estrutura do mundo dos objetos – é uma totalidade de sentido
d) Condição do sujeito e da unidade do mundo – O sujeito é o sujeito
presente diante do “ todo da experiência e da razão”. O mundo é unificado por
um sentido global, e a unidade do sujeito é representada pelo sujeito consciente
que tem esse poder unificador de dar ao mundo tal sentido.
É no nível teórico que se alcança a consciência intelectual que é razão e intuição, de
forma que “a razão liberta o objeto da contingência do fato empírico” e a “intuição integra-o
numa visão de totalidade” 357
. Trata-se para Lima Vaz do que seria a consciência
especificamente humana, por meio da qual o homem cria sua visão de totalidade, imprimindo
sentido ao mundo. Essa consciência humana contém a teoria em sua acepção original grega
de “contemplação saciante” :
357
Cf. EF VI, p. 250.
112
... em que um sentido unificador envolve e penetra todo o mundo dos objetos,
sentido que exprime para o homem a compreensão humana do mundo, de si mesmo, e das
implicações últimas do seu ser-no-mundo.” 358
A evolução das formas dessa consciência humana como consciência teórica, desde as
culturas primitivas, passando pelas visões primevas do mundo, até às ideologias modernas,
expressa para Lima Vaz um sentido fundamental para a própria concepção de sujeito. Ela é
expressão da “exigência de uma significação global “ aos aspectos da existência humana. Essa
“significação global” é que permitiria o homem se afirmar como sujeito, ela é, em nossa
conclusão, o sentido. 359
Tal concepção de consciência implica em uma concepção de existir para um sentido,
um existir que é História. A concepção de Lima Vaz de consciência é hostil à uma
interpretação idealista do processo histórico, como uma sucessão de formas pelos quais o
espírito se exterioriza, onde a História teria o seu sentido imanente360
. O homem se insere em
uma existência temporal, mas que é o existir humanamente, ou seja, um existir no tempo do
mundo desde que dotado de um significado como tempo do homem. Cabe a consciência esse
papel ativo de conferir sentido ao tempo do mundo, e tornar o ser-no-mundo em ser-para a
consciência. O existir históricamente é existir no tempo humanamente significado, o que se
concebe pela dialética intenção-expressão constitutiva da subjetividade, trata-se por isso do
que já foi chamado de um modelo de “historiocentrismo ontológico”361
onde a História
pertence ao movimento de auto-mediação do ser pelo sujeito finito na sua rota para tornar-se
o que é.
Porém, a consciência teórica está inserida no plano da comunidade de sujeitos, dado
ser tal plano um fato original, como uma “realidade primeira que não se trata de demonstrar,
mas de explicar”.362
Afirmar um sentido para o mundo é um ato de expressão da consciência, é
por isso palavra e interpelação do outro. Por isso, dotar de sentido o mundo circundante não
se limita a um sentido para-si, mas também um sentido para-o-outro, e, portanto, para o existir
em comum no tempo. 358
EF VI, p. 251. 359
Cf. Ibid, p. 252. 360
Enquanto Hegel pressupunha o Absoluto real exteriorizado no movimento da História, em que a consciência-de-si do sujeito é suprassumida no Outro absoluto que fecha a História, Lima Vaz mantém a distinção entre o Absoluto e o sujeito, tendo no Absoluto real o fundamento do incessamente movimento da consciência pelo sentido, enquanto consciência-de-si e consciência histórica. (ANDRADE, Sonia Maria Viegas, Considerações em torno da reflexão sobre a história em H. Vaz, In PALÁCIO, Carlos, (Org), Cristianismo e História, Loyola, São Paulo, 1982, p. 143) 361
Cf. AQUINO, Marcelo Fernandes, op. cit, p. 454. 362
EF VI, p. 253
113
O horizonte do mundo assume então um horizonte de totalidade, como dotado de
sentido, e o sujeito ao conferir esse sentido torna a relação intersubjetiva em uma
comunicação sobre o significado do existir; tem-se uma comunicação de uma multividência
entre os sujeitos. Como uma comunicação de sentido a relação intersubjetiva é uma
comunicação de consciências; logo uma relação que se dá no plano da consciência teórica.
Essa comunicação de consciências é o existir histórico, dando sentido ao espaço temporal das
relações intersubjetivas, por isso é a consciência teórica “a forma mais radical de consciência
histórica”363
, pela qual se faz a História, onde teoria não se desvincula ao fazer, e onde a
dimensão teórica é “sua pergunta pelo devir, não em termos de uma sucessão causal, mas em
termos d uma liberdade possível, de uma transcendência sobre o imediato da existência”364
.
Dessa forma, porque vivemos em uma cultura que mais avançou para uma teoria do mundo,
desde a experiência marcante de um sentido universal pelo cristianismo, a consciência do
homem ocidental é mais intensamente histórica, o que fundamenta a crise da modernidade no
seu anseio por essa multividência de sentido.
A gênese da consciência histórica estaria na transposição da visão cristã do mundo
para um plano profano. O papel ativo do sujeito sobre o mundo, e a radicalidade do seu papel
primordial, encontra eco na visão cristã de transcendência da subjetividade sobre o mundo
natural e da liberdade vocacionada aos destinos da igreja.365
Para a compreensão dessa presença da visão cristã na consciência histórica moderna,
devemos partir da novidade que representou o monoteísmo hebraico, contrapondo-o ao
naturismo das religiões antigas. À grosso modo, a teologia natural dos filósofos gregos
considera um cosmo perfeito, do qual o homem se insere como parte do Todo, de forma que a
contemplação é forma de perceber essa harmonia, e as criações do homem são indiferentes ao
cosmo divino 366
. Para a religião de Israel, não se tem um “todo perfeito” , mas sim, um
mundo em permanente devir, sujeito a iniciativa criadora, conferindo ao mundo o “caráter de
uma perpétua novidade”, onde a história humana nesse devir será “reveladora por excelência
do ser e da ação de Deus”, assim a relação entre Deus e o mundo não se restringe apenas a
uma relação de dependência, aqui, o papel criador e ativo do homem não é indiferente, por ser
363
EF VI, p. 219 364
ANDRADE, Sonia Maria Viegas, op. cit, 1982, p. 133. 365
Cf. EF VI, p. 166 366
Cf. Ibid, p. 174
114
a via para a experiência histórica do encontro com Deus367
. O mundo não é um todo perfeito
dado ao homem, mas sim algo aberto à ação humana, ao fazer e ao criar no tempo, para,
através delas, exercer o encontro com Deus, de forma que a transcendência ativa do homem
sobre o mundo não se define pela contemplação do mundo dado, mas pela criação de uma
história no tempo.
Pela primazia da ação humana no tempo, o monoteísmo Bíblico definiu a
subjetividade humana como “matriz primeira de interpretação do mundo e da história”, sendo
através da vida humana que se irá compreender a história do mundo como movimento
orientado368
. Essa primazia da subjetividade humana, uma visão antropológica, tem como
fundamento a doutrina do homem como imagem de Deus.
A doutrina do homem como imagem de Deus, lembra Lima Vaz, não se reduz a
conclusão exemplarista, trata-se antes de referir-se a “uma espécie de situação ontológica
original e única do homem em face do mundo” que “atesta a presença e a dominação de Deus
no exercício de sua própria dominação sobre a natureza” 369
. Essa doutrina revela o mundo
novo onde o homem é o centro e a paz de Deus, o fim : “Como tal, o homem é, segundo a
revelação bíblica, transcendência radical sobre a ´natureza´ , sobre sua própria ´natureza´: “ele passa
além de seu ser ´dado´ para constituir-se como ser ´chamado´.”370
A história santa nesses termos é rigorosamente existencial, pois a existência humana
se apresenta como “situações” de uma “história”. Como ancestral aos denominados “eventos”
para a história moderna, tem-se as “situações” do homem que são para a consciência histórica
bíblica “ as dimensões em que seu ser se abre ao apelo de Deus”, e que dirigem a experiência
histórica como “ manifestação privilegiada do desígnio de Deus”371
. A transcendência ativa
do homem cristão sobre o mundo, conterá o legado hebraico, porém revestida de uma
realidade messiânica e da presença histórica do Absoluto no tempo como centro, no caso a
presença material de Jesus Cristo, ao invés das “situações” do homem372
; assim, parte-se de
um centro de inteligibilidade, como doador do sentido para se construir a História, que seria a
existencia material de Cristo.
367
Cf. EF VI, p. 194 368
Cf Ibid, p. 196 369
Ibid, p. 197 370
Ibid, p. 199 371
Ibid, p. 200 372
Cf. Ibid, p. 205-206
115
A partir da tradição Bíblica, não se pensa mais a subjetividade humana sem que ela
assuma a “direção e o ritmo do processo histórico”, e se imponha aos ciclos naturais do
mundo373
.
Fiel à tradição bíblica, a História para Lima Vaz é por isso a realidade do existir
temporal do homem como existir do sujeito; como história humana do sujeito que é
consciência. É o tempo do homem atrelado à iniciativa da subjetividade na relação entre
consciência e o mundo. O homem é sujeito em face do mundo, ele constitui o mundo como
uma totalidade de sentido, e ele existe historicamente quando exprime o significado do
mundo. Por isso, História não é um objeto a ser contemplado mas construído a partir da
relação imediata com o mundo e com o outro , como fruto de uma consciência sempre aberta
a compreender e a retomar o fluxo histórico, permanecendo “a perplexidade da consciência
em face de um destino que deve, a cada nova etapa, ser retomado do zero”374
.
Como obra da consciência, a História é o horizonte do mundo por ser uma sucessão
de “eventos”, ou seja, daquilo que reveste um fato de significado de forma a situá-lo dentro de
um devir. A dimensão histórica do evento é a significação que ele tem para as consciências,
que o liberta da singularidade empírica e o refere a um devir intencional que existe para as
consciências, ou seja, que o relaciona ao sentido compartilhado pelas consciências. O homem
experimenta a si mesmo existindo historicamente porque inserido numa estrutura de eventos
por ele significados, estrutura que não é uma realidade acabada mas como uma realidade do
devir, onde os eventos presentes se religam aos eventos passados e se encadeiam aos eventos
futuros. A sucessão de eventos tem a sua unidade por ser um fazer-se para a consciência,
como manifestação de um sentido que só a consciência descobre.
Em suma, a realidade adquire sua expressão como História ao tornar-se “evento”, ao
receber significação da consciência. Esse evento se mostra como a realização de uma
alternativa para a liberdade, por ele o homem volta-se radicalmente para-a-consciência, e
experimenta a si próprio como existência histórica, e portanto como ser-livre, pois o evento,
como dotado de sentido pela consciência teórica, é um fato além da causalidade e da
exterioridade dos fenômenos e aberto às decisões da razão humana.
Observando que há um conteúdo objetivo da realidade que independe da consciência,
e que só se torna realidade histórica pela iniciativa da consciência de inseri-lo em uma
373
Cf. EF VI, p. 189-190 374
ANDRADE, Sonia Maria Viegas, op. cit, p. 136.
116
narrativa dotada de significação, tem-se que a História é uma experiência cuja expressão
assume a forma da palavra que narra. A História é então uma estrutura de eventos que é
expressada na forma de linguagem narrativa, e esta, como palavra histórica, é o discurso
inteligível que articula um sentido no tempo, como existir do homem enquanto ser livre.
Nesse entrelaçamento entre História e linguagem é que se pode definir o existir
historicamente do homem, como um existir pela linguagem, pois é “ entre o sistema de sinais
dentro do qual é possível compor os sentido nos quais o homem se exprime e se comunica, e a
eclosão de tal sentido no afrontamento do real” que tal existência se dá. 375
A História como experiência que se expressa pela palavra, reforça a posição de Vaz
de que ela é fruto da consciência, e que não pode ser ela a expressão de um Absoluto
verdadeiro, mas de um Absoluto de exigência, como exigência de sentido para o existir. A
consciência, conforme as conclusões da Antropologia Filosófica, principalmente quando
tratamos das categorias de objetividade e de intersubjetividade, para dar corpo ao seu ato de
significar ( no seu momento para-si) necessita se exteriorizar, se comunicar. Consciência não
é uma interioridade absoluta, não é puro espírito, mas é essencialmente anunciadora, ela
proclama, invoca, define e volta-se para o Outro ao significar o mundo e verter o significado
em palavra.
Se a consciência dirige-se para outra consciência através da palavra, há já no ato de
significar o mundo uma intenção para o outro, ou seja, significar o mundo para-si é significar
o mundo para-o-outro, pois a palavra é necessária para o ato de signficar. Por isso, o mundo é
o espaço físico mediador entre as consciências, mas o apelo ao outro não está no mundo, mas
na palavra, como expressão da consciência que significa o mundo.
Assim, a experiência que torne a realidade em História, e portanto, dotada de sentido,
está na consciência que seja abertura para-o-outro como unidade através da relação de
reconhecimento tal como designada na categoria de intersubjetividade e que signifique o
mundo pela palavra. Lima Vaz denomina o “drama do reconhecimento” como o evento por
excelência, pois é onde fica expresso a referência ao ser pelo sujeito, quando ele confere
sentido universal à realidade contingente, como evento e alternativa à sua liberdade, inserido
em um movimento de devir em comum, expressando um Absoluto de exigência na rota para o
Absoluto verdadeiro.
375
Cf. EF I, p. 220
117
Pelo exposto, vê-se que a consciência sintetiza o aspecto ativo da pessoa, através da
qual o homem imprime sentido ao mundo e ao seu existir no tempo. Através da experiência
com o mundo, o homem volta-se à sua interioridade, e busca significar o mundo e a si mesmo
como unidade, e através da linguagem o homem expressa essa experiência como experiência
de sentido, no ato de significar para si e para o Outro, construindo a História.
A consciência teórica expressa o ser-para-o-Absoluto que o homem é como pessoa,
mas está ela sujeita às formas de alienação, que podem advir da primazia autopoiética dada à
experiência e da absolutização ou perversão da linguagem. Assim, a condição para a
realização da unidade do sujeito, como termo de um movimento socrático, reside na abertura
ao Absoluto ao qual a experiência e a linguagem devem se submeter.
A multividência de um sentido se dá através do espaço e do tempo, por intermédio da
cultura, configurando o nível mais alto de relação intersubjetiva: o nível da comunicação
intracultural. A intermediação pela cultura é a única que pode dirigir o homem a um sentido
universal a ser partilhado com o outro, desde que a cultura atenda à primazia do ser, ao se
apresentar como “o horizonte que continuamente se dilata e em cujo âmbito tem lugar todas
as formas de comunicação intersubjetiva”.376
No capítulo que se segue, trataremos da situação da consciência perante o estatuto da
razão moderna, como razão instrumental ou operacional, onde a experiência e a linguagem
inserem-se em um contexto cultural de obstrução ao Absoluto transcendente, e que apontará,
dentro do pensamento de Lima Vaz, para a necessidade de uma nova diafania do espírito que
possibilite recuperar a significação universal do existir e do agir humano.
376
AF II, p. 79.
118
CAPITULO IV – O REENCONTRO COM O SENTIDO
4.1 INTRODUÇÃO
O que marcará a Modernidade será uma consciência histórica, que ,partindo da
transcendência ativa do homem sobre o mundo, revela-se na “interpretação científica do
universo ´natural´ e em sua transformação em universo ´técnico´”377
. Contudo, há um elo de
continuidade com a consciência histórica erigida à luz da tradição bíblico-cristã,
possibilitando o predomínio científico que marca a modernidade, pois a demitização radical
da natureza por ela assentada, determinou “uma espaço infinito para todos os seus projetos”
.378
A partir da opacidade do mundo, sobre a qual cabe ao homem inscrever o sentido, ou sua
beatitude, aprofundou-se também a perspectiva das formas de alienação da consciência, que
encontram representação pelas ciências modernas.
Deve-se notar que a consciência histórica moderna como humanismo histórico está
porém em oposição a visão da tradição no que concerne a duas dimensões379
:
a) O sentido da história é agora o posto pelo próprio sujeito não mais como o
mediação de um movimento de significação como rota para o Absoluto transcendente, não
admitindo um juízo de inteligibilidade da história que não seja a expressão de sua ação como
“fonte original da própria transcrição do mundo em termos de universo científico”.
b) O universo interpretado cientificamente a luz de um processo evolutivo, sujeita o
seu sentido aos projetos do homem que sempre se renovam no tempo. Ao invés de um centro
absoluto da história doador de sentido aos projetos do homem, como se tinha na tradição
cristã, tem-se agora um processo incessante de criação do sentidos pelas descobertas da
ciência, definida por um “agora” histórico. O mundo é, ao mesmo tempo, interpretado e
transformado pelo homem-técnico, uma inversão que torna a história como simples criadora
do mundo do homem, resultando que a “ significação mesma do mundo permanece
continuamente suspensa dos ´projetos históricos´ do homem.”
A ciência, instrumento dessa subjetividade demiurgica, teria conduzido o homem a
“regiões em que o ser não mostra senão uma face neutra e relativa”. Assim, sob o domínio da
377
Cf. EF VI, p. 189 378
Ibid, p. 214 379
Ibid, p. 210
119
expansão dos instrumentos sobre a natureza, define-se o plano do progresso como “um devir
coletivo e impessoal”; de outra parte, multiplica-se as regiões da objetividade do
conhecimento, pela ação criadora dos projetos do saber técnico. Dessa forma, as ciências
modernas edificam domínios onde “os valores do homem perdem o sentido do Absoluto e,
assim, suas ações não são objetos de juízo, apenas podem ser descritas”380
.
A modernidade pela primazia das ciências modernas transpôs a natureza para o plano
do experimental e da razão matemática, o que implica na figura de um novo “eu” perante o
mundo. Na ontologia clássica , havia a passagem do “estar no mundo” para o “teorizar o
mundo”, conforme a dialética do em-si e para-si do espírito, que inscrevia um sentido ao
mundo dado, na referência a um Ser transcedente, como Verdade e como Bem. O homem
moderno reduz o mundo natural a uma mundo construído conforme os critérios de
inteligibilidade científica, ao invés de uma realidade dada a ser significada na afirmação do
Ser, tem-se o mundo das “leis” como hipótese verificada, como uma metafísica cartesiana do
“eu construtor”.
Na tradição, os centros de referências da interpretação do mundo relacionavam o
sujeito a um Absoluto transcendente na definição de um “eu” como analogado que participava
do Ser Absoluto; na modernidade esses centros de referência conduzem à neutralização do
homem, pois pela sua lógica interna, como primazia do objeto científico, o pensamento
científico moderno visa purificar o operar da razão operacional do que se acredita serem
interferências subjetivas.
A emergência desse eu “neutro” obsta a construção de um ontologia do mundo, já que
a reflexão ontológica parte, como demonstra a tradição, de um eu em sua referência ao
transcendente.
Na tradição cristã e grega, havia uma homogeneidade do espaço hermenêutico, que
permitiu a continuidade teórica entre o cristianismo e o pensamento antigo, apesar do
paradigma criacionista do primeiro. Esse espaço hermenêutico era um cosmo com o qual o
homem se relacionava em seu caminho para o Ser, sustentada em uma correspondência entre
o mundo e a alma. Nessa tradição, toda a realidade era tido como um “texto-arquétipo”, e
todas ciências seriam fundamentalmente hermenêuticas, ciências interpretativas de tal texto
visando o Ser.
380
BRUNELLI, Marilene R., O Tempo presente, in MAC DOWELL, João A., (org), Saber Filosófico , história e transcendencia , Loyola, 2002, pág. 283.
120
A compreensão do mundo inserido nesse espaço hermenêutico evidencia a ruptura que
a modernidade enfrenta. Para uma visão ampla do tema da leitura do mundo pelo homem,
nos valemos da análise de Lima Vaz sobre as diferenças entre as chamadas civilizações do
Livro e as civilizações do Impresso.
Civilizações do livro, remetem ao Judaísmo, Cristianismo e ao Islamismo, bem como
aos clássicos gregos, e se caracterizam por depositarem na linguagem escrita a manifestação
de um sentido, produzindo textos de caráter “quase arquetipal”, onde elas se espelhavam e se
definiam. O espaço de significação de suas obras espirituais é o “espaço hermenêutico”, onde
vige um saber sob a lei da correspondência “entre as realidades que se apresentam como
fundadoras ou arquétipos, e a linguagem que se deposita na escritura e aí fixa a imagem
dessas realidades”381
.
Históricamente tem-se as realidades fundadoras que se manifestaram na forma da
palavra - como é o caso da palavra de Deus enquanto revelação – e que depois vertidas em
texto, formam os livros que emergem também como realidade arquetipal enquanto
reconhecidos como livros sagrados. O espaço hermenêutico se abre a partir do texto
considerado como reflexo da realidade, como texto sagrado; nesse espaço faz-se a leitura
como desvelamento, como leitura hermenêutica, que dá acesso às realidades fundadoras
encobertas pelo véu da “letra”.
A leitura hermenêutica das civilizações do livro, não depende apenas da disposição
subjetiva do leitor, mas também de uma concepção de verdade como verdade revelada, o que
exprime a noção de linguagem como uma estrutura capaz de captar a verdade, e que permita
uma leitura que seja também uma reflexão sobre a própria linguagem, como leitura que
admita as suas limitações no desvelamento da verdade, de forma que “a pretensa dignidade
primordial do texto se reduziria à função de um véu”382
, concebendo-se a abertura para uma
verdade transcendente como inerente ao processo da linguagem.
A partir da representação científica moderna inicia-se uma nova imagem do mundo,
que originará um novo tipo de linguagem, e que redefinirá a leitura, seja dos textos escritos,
seja do texto mesmo do mundo, inaugurando as civilizações do impresso. O texto agora, deve
refletir uma concepção operacional da verdade, de acordo com as exigências de uma razão
experimental e matemática; a ciência sempre em evolução e sujeita às novas descobertas, faz
381
EF I, p. 170 382
Ibid, p. 171
121
com que a linguagem seja permanentemente inventada e testada; o livro do mundo está
sempre sendo reescrito. Não há possibilidade de sacralização do texto, e da noção de que a
leitura permita o acesso às realidades fundadoras. A linguagem dominante na modernidade é
“fechada”, como o termo de um processo de pesquisa empírica ou matemática, voltada a
dizer o que o mundo dos fenômenos é segundo os critérios de inteligibilidade científicos.
A forma de ler o mundo em uma civilização que não admite livros sagrados como
fonte de Verdades, insere-se em um campo de inteligibilidade baseado na experiência e no
cálculo, sem referência a qualquer realidade arquetipal; e a própria verdade se reduz à verdade
visível conforme as regras da razão operacional. Assim, insere-se a modernidade como uma
civilização do impresso, onde a visibilidade do mundo se limita aos paradigmas de
inteligibilidade da razão instrumental, em que os livros são veículos para a comunicação de
conhecimento do homem para o homem, como impresso, não como sagrado.
Restando a questão se, diante da experiência com o mundo nos ditames da
modernidade, é possível o homem reencontrar uma experiência de sentido que alcance a
envergadura que a leitura teológica do mundo possibilitou; visto que a existência do homem é
definida pela sua visão do mundo e é no interior dela que ele deve encontrar as razões de seu
existir e agir.
A linguagem de sentido universal a partir de uma ontologia do mundo, pertence a
outro sistema de expressão, representado no Ocidente pelo cristianismo, estando agora a
linguagem sujeita às significações das ciências da natureza e das ciências do homem. A partir
da questão Vaziana quanto a possibilidade das significações modernas traduzirem uma
expressão da fé 383
, podemos questionar se tais significações se adequam ao sentido universal
buscado pela modernidade, pois , diversamente do que se deu no encontro entre o cristianismo
e a filosofia antiga, onde a afinidade histórico-cultural permitiu à fé cristã assimilar a filosofia
antiga, a modernidade rompeu com a tradição ao se edificar como um projeto de neutralidade
científica do homem e do mundo.
Diante da primazia do mundo lido pelas linguagens das ciências modernas, a
experiência de sentido nos moldes da tradição, não encontra forma de expressão, daí a
necessidade levantada por Lima Vaz de uma nova forma de diafania de Deus, que permita
para a modernidade a expressão de um sentido radical.
383
EF I, p. 183
122
4.2 – MODERNIDADE E O HOMEM ENQUANTO ESTRUTURA, RELAÇÃO
E UNIDADE.
O que marca a modernidade estaria justamente na releitura da razão humana que teria
se rendido aos termos que Lima Vaz chama de razão operacional: uma razão que propõe a si
mesma, a partir da sua representação da realidade , como instância final. Como uma razão
validada pelos seus resultados concretos – seja nas matemáticas, ou outras ciências empíricas
– como bastante em si.384
Trata-se evidentemente de uma ruptura com os paradigmas
clássicos, onde a fundamentação da inteligibilidade se centraliza no cogitatio cartesiano e não
mais no absoluto transcendente.
A descentração do espírito, enquanto categoria estrutural do homem, torna o círculo
da inteligibilidade sempre aberto para o ser transcendente, como um outro absoluto;
possibilitando o exercício da inteligência espiritual e a superação das superficialidades da
experiência material, fundamentando a transcendência humana sobre suas experiências
pertinentes às categorias de corpo e psiquismo. Na modernidade o círculo da inteligibilidade
se restringe a regras de inteligibilidade que se voltam ao próprio sujeito; em outras palavras,
se resumem à clareza e evidência da experiência, considerando a direção ao transcendente
como imperfeição, voltando-se à imanência da experiência situada.
Tem-se um quadro totalmente adverso à inteligência espiritual, mas que não a
suprime, enquanto estrutural ao ser-humano, o que assinala a preemente necessidade que a
modernidade tem por um sentido derivado da relação com o Ser. Em verdade, temos um
fenômeno absolutamente formal, fictício e autopoiético do sujeito , se sobrepondo à natureza
humana transcendente. Como vimos ao descrevermos a categoria do espírito, Lima Vaz
afirma a presença radical do espírito como categoria de estrutura do homem; o espírito seria
estrutural ao homem, que o impele a dar significação ao seu mundo. Diante disso, agora a
inteligência espiritual se insere em uma cultura onde os termos delimitam o campo da
inteligibilidade ao mundo da experiência, rejeitando a relação de analogia entre o ser finito e
o ser infinito, restando a interrogação sobre o destino da inteligência espiritual diante do
predomínio da razão operacional. 385
384
EF VII, p.101 385
AF I, p. 261.
123
Conduzindo essa interrogação, temos como ponto inaugural da situação moderna da
inteligência espiritual o pensamento cartesiano sobre Deus e sobre a transcendência da
liberdade, que definirão os rumos da modernidade.
Afiimando que Deus, Religião e Teologia não são objetos de especulação filosófica,
mas tendo que admitir a presença inata da idéia de Deus, o Deus em Descartes não será
tratado como objeto de fé, e sim como o mais elevado principio da sua filosofia. Porém como
um Deus que atenda aos atributos para ser o criador de um mundo cartesiano, sua função
filosófica se limita a “criar e preservar um mundo mecânico da ciência como o próprio Descartes o
concebeu”. Deus então é tratado de acordo com as regras de inteligibilidade cartesiana, como
ponto de partida da interpretação científica, cujo único atributo que interessa é o do ser causa.
386Inaugura-se em Descartes a cisão entre o Absoluto revelado e a razão finita, que definirá os
rumos atuais de não se considerar aceitável qualquer outra noção de inteligibilidade do mundo
que não seja o empirismo científico, e que permitirá o extremo de relegar Deus ao plano da
irracionalidade. Abre-se a possibilidade de se questionar a legitimidade da teologia natural,
dada a inadequação de Deus com as regras empíricas da razão moderna, sendo que Deus será
no máximo invocado como uma idéia da razão, como um postulado Kantiano mas não um
objeto de cognição387
.
Quanto à liberdade, Descartes irá lhe conferir uma natureza metafísica absoluta ao
definir os seus termo em razão da absoluta autonomia, não fazendo distinção entre liberdade
absoluta do ser infinito e a do ser finito, tal qual a tradição. Em Descartes , “liberdade humana
e liberdade divina convergem na univocidade do conceito de uma absoluta autonomia”388
,
assim, tem-se a liberdade, como soberana sobre a ordem das razões, e que encontrará em Kant
a sua elevação como sucessora de uma ontologia, quando a sua convergência com a lei moral
expressa a existência de um mundo inteligível suprassensivel, concebendo-se uma vontade
autolegisladora que, independente da metafísica clássica, é capaz de alcançar a lei universal
objetiva 389
.
Trata-se de uma ruptura com a tradição que implica na negação da inteligência
386 GILSON, 2003, p. 69
387 Ibid, p. 82
388 AF I, p. 268.
389 Cf. EF IV, p. 344- 346
124
espiritual presente no horizonte da racionalidade desde a filosofia grega e absorvida na
tradição cristã. A inteligência espiritual como ato espiritual e experiência fruitiva com a
Verdade e o Bem do Ser é que tornou possível a experiência de sentido da tradição, sendo que
a modernidade assentará na transcendência da liberdade tal possibilidade.
Porém o tema da liberdade absoluta, como causa e um fim em si mesmo, sugere para
Lima Vaz a figura da liberdade como o berço do não-sentido na modernidade.
Como nos ensina Lima Vaz, o tema da liberdade absoluta guarda continuidade
com o grandioso paradigma plotiniano, inaugural do tema, que designou o Uno-Bem como
Vontade e Liberdade Absoluta. A Liberdade absoluta em sua identidade com o Uno-Bem é
pensada como absoluta autodeterminação e puro agir. Tal concepção se faz presente no
legado cristão da modernidade, porém sem se inserir em um movimento de processão tal qual
em Plotino, mas dentro de uma relação de imediatismo com o ato criador. 390
Para Lima Vaz, a concepção cristã de Liberdade Absoluta influencia as teorias
modernas da liberdade, mesmo que indiretamente, através do pensamento de Tomás de
Aquino, que permite definir a liberdade absoluta como “absoluta ordenação reflexiva ao Bem
absoluto, ou infinita complacência do Esse subsistens na sua própria essência enquanto Fim
para si mesmo” .391
Tal concepção demonstraria um atributo lógico da liberdade absoluta, de
se voltar a si mesma, dada a identidade plena da liberdade com o Ser, que é causa e fim em si
mesmo, assim, falar em liberdade absoluta refere-se a um existente Absoluto e primordial,
logo liberdade absoluta implica os predicados da reflexividade absoluta e da absoluta
autodeterminação.
A modernidade enfrenta justamente o problema do peso ontológico da reflexividade
absoluta que a liberdade transcendente implica ao homem como ser finito e situado. A partir
de Vaz, tem-se a conclusão do abismo ideológico em que o tema da liberdade se volta, pois o
sujeito singular não suporta o peso ontológico de pensar a liberdade como absoluta
autonomia, migrando para os sujeitos coletivos essa tarefa, seja estes entendido como o
390
Cf. EF VII, p. 120 391
Ibid, p. 124
125
estado, a tecnociencia “como organismo auto-regulado de produção de conhecimentos”, ou o
mercado. 392
Como decorrência, o estatuto básico do Cogito cartesiano permitiu abarcar o
transcendental, como inerente ao sujeito, concebendo a substituição do transcendental do Ser
pelo transcendental do sujeito.
A imanentização da inteligibilidade do mundo visível, nos próprios termos
impostos pelas regras científicas da razão operacional, é descrito dentro de um paralelo
teológico em Lima Vaz como imanentização do Verbo no sujeito, conferindo a ele o status de
sujeito transcendental. Na teologia cristã, o Verbo, como sucedâneo do logos, representa a
Inteligência Absoluta, com a qual as Idéias detém uma identidade na diferença, de forma que
o Ser absoluto conhece a si mesmo na reflexividade absoluta com a Inteligência que “ a si
mesma se pensa na infinita riqueza inteligível”, seja na “ prolação interior do Esse como
Verbo”, seja na “ livre criação da multiplicidade dos esses finitos e relativos segundo a
exemplaridade do Verbo”. Na modernidade , o sujeito finito reivindica para si o “arquétipio
do mundo ideal e principio ativo de inteligibilidade da natureza e da própria história”, que
cabia ao Verbo transcendente, como pertinente à uma Inteligência em sua absoluta identidade
com o Ser. 393
Consequentemente, as noções transcendentais do Uno, Bem e Verdade, que na
tradição são expressões inteligíveis do Ser, como desdobramento da Inteligência Absoluta,
agora partem do sujeito transcendental em sua primazia ontológica.
No plano teórico, o transcendental teve seus sucedâneos com os modelos de
transcendência que, partindo do sujeito finito, teriam como fim esse mesmo sujeito, e suas
necessidades, anseios e lutas pelo poder – o transcendental reduzido pelas coordenadas do
sujeito. Essa nova mecânica sedimentará um vazio, e uma esterilidade, própria do niilismo:
É verdade que a filosofia contemporâneo assistiu, até tempos recentes, a uma
florescer de sucedâneos da transcendência metafísica: transcendências do Sujeito, da
História, da Existência, da Linguagem e, finalmente, numa espécie de retorno ao
comologismo antigo, transcendência do Cosmos. A curva teórica descrita por essas
figuras da transcendência, que permanecem submetidas ao postulado da imanência
radical do homem no seu mundo, declina com lógica aparentemente inexorável para
o niilismo ontológico e ético que impregna todo o ar da nossa época e proclama a
equivalência entre o ser e o nada na raiz última da atividade interrogante do nosso
392
Cf. EF VII, p. 127 393
Cf. Ibid, p. 108
126
pensamento , e entre o bem e o mal na raiz última da atividade optante da nossa
liberdade. 394
Essa nova realidade, sem se referir ao excesso ontológico prenunciado nas filosofias
de transcendência, depositaria no homem uma incerteza quanto ao seu destino. Resultando
dessa inquietação a angústia própria de um vazio ético, tema maior do enigma da
modernidade, e de um mundo sem outros paradigmas senão a própria experiência imanente,
mas que não desconstitui a essência real do homem, cuja tarefa impositiva o colocará na
busca de uma fonte objetiva de seu existir e de seu agir.
A partir do novo paradigma de inteligibilidade, segue-se a distorção da idéia de
linguagem, em verdade, possibilitando ao pensamento contemporâneo erigir o seu estudo na
busca do sentido, como sucedâneo da prerrogativa do ser da tradição. A transcendentalização
da linguagem seria uma conseqüência clara da primazia da representação sobre o ser; o que
dentro da perspectiva de uma razão instrumental implica em uma releitura da expressividade
humana, como obra do homem para o homem. Como vimos Lima Vaz ergue a linguagem
como evidência da transcendência, o que remeteria à relação analógica entre o sujeito finito e
o Ser Absoluto e à manifestação do sentido, sendo a inversão de tal paradigma uma das
chaves da crise de sentido na modernidade, pois
o sentido não pode alimentar-se de si mesmo na imanência do sujeito, sendo
justamente essa tentação autofágica a responsável pela transformação da
iniciativa propriamente humana de enunciação do sentido, modelado pela
verdade do ser, em fábrica do não-sentido, ou seja, em matriz do simulacro e
do não-ser.395
Assim, se no plano teórico encontramos a “metafísica” das filosofias da linguagem,
também o uso hodierno da linguagem se configura de forma vazia e direcionada somente
pelas intenções imanentes ao sujeito, manifestando o utilitarismo da linguagem em
contraponto à sua riqueza espiritual da tradição, reduzida ao uso para expressões técnico-
científicas, hedonistas e ideológicas, deixando de ser a “manifestação espiritual do
pensamento e do seu inato dinamismo que lança sem cessar o homem na rota do sentido
394
AF II, p. 115. 395
EF III, p. 179
127
absoluto.” 396
De maneira que a linguagem limita-se aos dois primeiros níveis conceituais
superados pelo pensamento de Lima Vaz, ou seja, é tratada enquanto língua, ou enquanto
evento palavra.
A linguagem, conforme analisamos na categoria da objetividade, tem importante
papel nas categorias de relação, dado que ela expõem os termos com que o homem se
relaciona com o mundo e com os outros; a linguagem seria uma emanação do sujeito
enquanto mediação para as categorias de unidade do homem. Ou seja, dentro da antropologia,
a linguagem manifestaria a abertura do homem para a verdade do Ser, abertura essencial para
a circularidade dialética do “torna-te o que és” do sujeito. Dito isto, poderíamos afirmar que o
destino da linguagem estaria atrelada ao destino da metafísica tradicional, e estaria, ainda que
em sua absolutização, ocultando os mesmos poderes que possibilitaram a constituição do
sujeito enquanto unidade, o que permite considerar a gravidade do papel da linguagem na
fábrica do não-sentido da modernidade, ao validar a alienação da consciência nos paradigmas
e conceitos científicos, levando Lima Vaz a atestar o prisma da crise da linguagem ao falar da
crise da modernidade.
Quanto à crise de reconhecimento, devemos considerar que na categoria da
intersubjetividade temos a relação do sujeito com o outro, que a antropologia filosófica de
Lima Vaz apresenta, como vimos, destinada à conclusão da superação do solipsismo e do
totalitarismo comunitário, que permitindo os níveis de interação entre os indivíduos como
pessoas , níveis estes que compõem o existir ético do ser-humano.
Em paralelo, temos na crise da modernidade um perigoso jogo em que o indivíduo se
vê confrontado entre o “tudo ou nada” da sua existência, como imposição do individualismo
que não é superado em direção à unidade da categoria de pessoa.
Dentro da realidade da absolutização da práxis, a própria linguagem que seria
evocativa do outro, e determinante na jornada que leva o homem da objetividade para a
intersubjetividade, aqui nada mais diria na busca do outro como sujeito: a dialética do
reconhecimento referida por Lima Vaz que permitia a interação entre dois sujeitos, superando
o primeiro estágio de objetivização do sujeito como outro, e permitindo a interação entre dois
sujeitos enquanto pessoas , representando cada qual a infinitude das categorias de unidade
396
EF III, p. 189
128
do ser-humano. O problema do solipsismo se destacaria em sociedades dominadas pela
tecnociência, onde predomina o sujeito metodologicamente abstrato do conhecimento
científico, sob o domínio da objetividade como categoria de relação, o que implica em
obstruir a categoria da intersubjetividade do ser-em-relação do homem, prejudicando a
passagem do outro-objeto para o outro-sujeito:
A reciprocidade constitutiva da relação com o outro mostra, assim, a
impossibilidade do solipsismo ( solus ipse). Essa impossibilidade se
demonstra exatamente em virtude do movimento dialético pelo qual a
relação de objetividade é suprassumida na relação intersubjetiva. A
suprassunção significa aqui que a forma do ser-no-mundo como auto-
expressão do sujeito implica necessariamente a forma do ser-com-o-outro
que é, justamente , a forma da relação intersubjetiva. O lugar privilegiado
do tema do outro na filosofia contemporânea e as tentativas de um
conceptualização filosófica adequada da relação intersubjetiva que
encontramos no roteiro intelectual dos grandes pensadores modernos podem
ser vistos de um lado como tentativas de superação do solipsismo,
conseqüência aparentemente inevitável das filosofias do sujeito e, de outro,
como reação contra o predomínio do funcional e do operacional na
sociedade dominada pela tecnociência , vem a ser, em termos
antropológicos, pela primazia dada à relação de objetividade da forma de
compreensão explicativa da Natureza, na efetivação do ser-em-relação do
homem moderno. 397
Essa superação do solipsismo é imprescindível na constituição da jornada do
individualismo do sujeito para a categoria universal de pessoa, e como vimos no capítulo
anterior, tal superação é inerente à transcendência espiritual do sujeito, manifesta na sua
relação com o outro. A relação entre pessoas equivale à vitalidade de uma modernidade e que
designará a realidade dos níveis comunitários da intersubjetividade: trata-se da recíproca
infinitude intencional entre os sujeitos, de forma a que nenhum dos pólos da relação se
sobreponha, nem que se limite a ser apenas uma soma de individualidades. Envergar tal
resultado, somente é possível ao se atribuir ao outro a consciência-de-si, atributo espiritual,
que faz com que o outro seja percebido, como além da objetividade, como sujeito, e
principalmente, dado a riqueza ontológica que sintetiza, como pessoa.
Trata-se de uma relação, como dialética do reconhecimento, entre sujeitos voltados
intencionalmente para um infinito transcendente, sobretudo, como realização da categoria de
transcendência, ou seja, o outro absoluto. No solipsismo estaremos diante das conseqüências
da imanentização da inteligência espiritual: o redirecionamento da jornada ascendente ao
absoluto, para as categorias de estrutura – corpo, psiquismo e espírito.
397
AF II, p. 55.
129
A modernidade será caracterizada pelo redirecionamento desse infinito intencional
do sujeito pelas coordenadas estruturais, em uma inversão da relação de intersubjetividade,
que deveria ser manifestação da jornada transcendente em direção ao Ser infinito. Dito isto,
estando a ética presente na categoria de intersubjetividade, teremos a manifestação do
relativismo do agir ético, de acordo com o espaço e tempo de cada um, e principalmente pelas
escolhas individuais, onde o espírito e o psiquismo isolam o sujeito sob o manto da liberdade
de escolha. A relação com o outro não é suprasumida pelo transcendente inscrito na jornada
individual de cada um; o outro seria caracterizado pelo seu corpo e psiquismo, e o atributo de
consciência de si, estaria reduzido à liberdade apóstata e à verdade relativista.
A ausência do fundamento transcendente aos moldes da tradição da razão clássica, e
o conseqüente solipsismo, definirá igualmente o rumo provável ao totalitarismo. É devido à
sua intenção pelo Absoluto transcendente, que o homem é impelido a superar a categoria da
intersubjetividade em seu eidos “Eu sou um Nós”, ressaltando que a comunidade não pode ser
o horizonte o existencial do homem. Assim, refletindo a não superação do solipsismo, a
relação de alteridade se reduz a um perigoso jogo de imposição, que remeterá a uma relação
de força, poder e ambição, que definirá a relação de dois extremos imanentes: a ideologia do
individualismo se opondo ao poder político da comunidade. Ficando à margem a solução da
tradição pela unidade do Ser.
A crise da modernidade também se expressa como uma Crise de Realização. Como
visto no capítulo anterior, a categoria da realização nos descreve a introdução da jornada para
a unidade do ser-humano, onde essência e existência, universalidade do absoluto e
singularidade do sujeito, são suprassumidos na categoria da realização , pelo ato de viver e
realizar a própria vida, ou a própria tarefa. Como visto, a categoria de realização infere no
sentido para o viver de cada qual, realizando a universalidade do existir na comunhão com a
essência do Ser, sendo por isso a categoria onde a Ética estaria manifestamente remetendo ao
érgon aristotélico.
A categoria de realização estaria na atual modernidade submetida aos vários
círculos de racionalidades refletindo um projeto demiúrgico em que o sujeito racionaliza o
mundo e as suas relações pessoais sem a referência a uma unidade do absoluto. Lima Vaz
aponta como exemplo inaugural, a tentativa de uma proposta de modelo de realização do
homem pelo pensamento do século XVII, que acabaria por refletir o imanentismo teórico,
totalmente adverso à transcendência da tradição:
130
O ideal do honnête homme no século XVII acentua o traço cartesiano do
homem moderno: a confiança na razão metodicamente conduzida e a
aceitação de uma regularidade quase geométrica na organização da vida do
indivíduo e da sociedade. O homem da ilustração é caracterizado pela
convicção de ter alcançado uma maturidade histórica que se traduz na ruptura
com toda forma de tradição, e que assume formas extremas nas audácias
revolucionárias do fim do século. 398
No entanto, a rejeição fática a esse modelo se pôs evidente pela história, onde o
indivíduo, carente de uma proposta de unidade efetiva, iria se dispersar em várias propostas
de realização do indivíduo, originando a fragmentação do ideal de realização humana.399
Enquanto que nas sociedades pré-modernas havia uma “homogeneidade ,
continuidade e coerência de sentidos e valores” que permitia aos indivíduos ou comunidades
perceberem padrões culturais estáveis, a modernidade anulará o sentido de comunidade
através da ideologia do indivíduo “ que tomou corpo no individualismo competitivo”, e por
outro lado, fragmentará o próprio indivíduo pela “diversidade de sentidos, de valores, de
práticas e de centros de interesses”; reduz-se a sociedade a um “espaço que amalgama ou
exaspera os interesses e as opções pluricêntricas dos indivíduos que a constituem”, onde o
indivíduo se sujeita à “necessidade de um constante ressituar-se consciente” na pluralidade de
universos de realização. O sentido que era transmidito pela tradição, agora pertence ao
universo de escolhas do indivíduo em sua absoluta autonomia400
.
As redes de racionalidades, em cada círculo de existência do sujeito, irão representar
seus próprios ideais de realização, gerando uma fragmentação da auto-realização, que por
séculos tinha como leito o existir voltado para o ser. Assim, a própria cultura, regida por um
imanentismo do sujeito, não mais inserida na jornada transcendente, se caracterizaria pelos
“universos culturais” autopoiéticos, e silenciosos quanto a transcendência em direção a uma
unidade; gerando perspectivas racionais próprias e singulares em contraposição à vocação
pelo universal da categoria de realização:
Participando de diversos ´universos culturais ´, o homem contemporâneo
experimenta, de modo muitas vezes dramático, a fragmentação do seu ideal
de auto-realização entre objetivos de vida que, nas tarefas da existência,
disputam a primazia e solicitam a soma maior das suas energias. 401
398
AF II, p. 168 399
Cf. Ibid, p. 168-169. 400
Cf. AZEVEDO, Marcelo Carvalho, Pluralismo Cultural e Cristianismo, in PALÁCIO, Carlos, (Org), Cristianismo e História – Loyola, 1982, p. 371-372 401
AF II, p. 169.
131
Sendo o modelo de realização fruto da cultura de uma modernidade, e sendo esse
modelo o postulado inicial para uma proposta ética, o abandono da figuração do
transcendente nas manifestações e a consequente imanentização dos espaços criados pela
razão humana, inserem a realização em um universo de dispersão que se tornará sustentáculo
do relativismo ético que permeia a modernidade. A ausência de crítica a essa constelação de
racionalidades e modelos de auto-realização é substituída pela assimilação passiva dessa
dispersão. A atual modernidade se rende à essa pródiga diretiva de realização, marcada pela
veleidade e inconseqüência, e que se volta sempre aos paradigmas imanentes do sujeito,
significadas pelo selo do hedonismo.
Diante dessa fragmentação, Lima Vaz questiona a própria perenidade da categoria de
realização na atual modernidade, como anúncio do vazio ético. Nos defrontamos então com o
contexto da modernidade que obsta a ética em sua universalidade e transtemporalidade, em
prol de modelos que atendam à proposta demiúrgica do sujeito, modelos estes, mudos para a
realidade espiritual do homem, e que reflitam a “fragmentação dos modelos de vida na
pluralidade dos universos culturais” , de forma a que “os modelos de ´formas de vida´ que
prevaleceram ao longo da tradição ocidental parecem perder qualquer exemplaridade efetiva
aos olhos do homem contemporâneo.” 402
Por último, como síntese, tem-se a crise de unidade , que é sobretudo, a crise da
pessoa. A modernidade tem o seu destino atrelado à categoria da pessoa, dado ser ela a síntese
plena entre a universalidade da essência e a individualidade da existência, como realização do
transcendente no sujeito, e como fundamentação da jornada descendente em-si , que impele o
homem ao conhecimento de si, e assim à sua tarefa de buscar o Ser, em seu existir e em seu
agir. O sujeito como pessoa, traria em si a riqueza ontológica oculta em toda a jornada
traduzida pela antropologia filosófica, definindo a circularidade dialética desse movimento, e
caracterizando a presença da pessoa em cada categoria.
O que marcará a modernidade será o paradoxo de termos o indivíduo erigido como
valor-fonte , na evolução política, jurídica e social, e ao mesmo tempo que o insere em um
“clima espiritual do niilismo” que impede que se realize enquanto pessoa, dada a obstrução a
402
AF II, p. 170.
132
toda racionalidade teleológica, e à redução da interioridade da pessoa às modalidades da
racionalidade moderna.403
A modernidade desconstrói os “princípios fundadores e ordenadores” dos discursos
que davam unidade ao homem na tradição, e ,ao reduzi-lo a objeto-homem das ciências
humanas, conduz posteriormente a lógica da descontrução contra o próprio sujeito da
filosofia moderna. De forma que da idéia do homem restam “ fragmentos de discurso ou
microunidades narrativas disseminadas num campo de linguagem de onde desapareceram as
grandes linguagens do sentido”.404
No campo da linguagem, onde a razão operacional desvirtua a sua função de ser uma
abertura para a transcendência, vale destacar a descrição dessa nova realidade formal, onde a
linguagem manifesta agora os excessos das redes de racionalidade, esvaziando a unidade do
conceito e pessoa:
“Ao cabo, ela subsiste apenas nos formalismos jurídicos e políticos e no
formalismo sem conteúdo definido das linguagens éticas, ou seja, como
linguagem, ao mesmo tempo em que, como individuo concreto, ela se
encontra, de fato, confrontada na sua fragilidade com as grandes estruturas
tecnocientificas e organizacionais, senhoras das únicas linguagens eficazes,
que cobrem majestosamente o ruído de fundo apenas perceptível das suas
declamações insignificantes e vãs.”405
Assim, a atual modernidade se vê diante do desafio de reformular o perfil de pessoa
seguindo os paradigmas da metafísica do sujeito, para alcançar uma proposta universal que
corresponda aos avanços materiais de uma sociedade de massa, marcada pelas múltiplas
racionalidades, visando erigir o homem como causa e finalidade da própria existência, ao
mesmo tempo que se depara com a desfragmentação da sua unidade.
Tal desafio, demonstra-se inviável, se nos atermos ao fato de que a pessoa seria
ontologicamente referenciada às filosofias de transcendência e analogia, ou seja, um modelo a
partir da razão instrumental contraria a própria categoria de pessoa. A pessoa então se insere
dentro do projeto demiúrgico da modernidade, totalmente adverso às premissas que a
formaram como categoria, em outras palavras, um contexto onde todo o sentido emana da
razão humana, em um círculo fechado à transcendência, como tarefa titânica de “recriar um
403
Cf AF II, p. 194-195. 404
Ibid, p. 222 405 EF III, p. 183.
133
mundo de contingência e de aparente sem-razão, transformando-o num mundo cujas
estruturas racionais sejam homólogas às razões e aos fins do sujeito. “ 406
Pelo exposto, assim como a categoria de pessoa seria a síntese que emanaria a
riqueza ontológica da transcendência, definindo o sujeito como aquele que inscreve a
transcendência na sua cultura e na sua filosofia, permitindo o eterno movimento de auto-
realização como auto-conhecimento, a atual modernidade poderia ter o seu destino resumido
ao individualismo e a desframentação do homem, como objetos das ciências modernas, e que
se sobrepõem a qualquer proposta de pessoa que possa viabilizar um sentido para a
existência, sentido esse, que reflita um fundamento transtemporal e universal, que se anuncia
pela perene tarefa do homem de buscar tornar-se o que é. A inviabilidade da pessoa na
modernidade define a crise de sentido no pensamento de Lima Vaz, atestando,
antropologicamente, a importância da experiência de sentido como experiência aberta à
transcendência, não como simples reencontro com a tradição, mas como reencontro do
homem consigo mesmo.
4.3 - CONCLUSÃO
A relação do homem com o mundo e com os outros, ainda que sujeita a uma
mudança de seu estatuto, da razão analógica para a razão lógica instrumental, em sua
desconfiança da metafísica, não implica em alteração da própria natureza do homem, como
ser metafísico, cuja experiência se apresenta sempre aberta a uma presença transcendente, o
que se atesta pela busca de um sentido universal que marca o “enigma da modernidade”, e
pelas alienações das formas de experiência com o Absoluto.
A Antropologia Filosófica de Lima Vaz fundamenta a natureza metafísica do ser-
humano. Essa natureza metafísica do homem explica as construções filosóficas e religiosas
que dirigiu o universo cultural ocidental, ela explica sobretudo a lógica do movimento
desenvolvimento-cultura-ética descrito por Lima Vaz, como um movimento inserido na
categoria de realização, impelido pelo aguilhão metafísico do “ser-mais”.
Mas é a experiência da objetividade, que exprimirá a relação do homem com o
Absoluto, de forma que inscrever nela a abertura para o Absoluto transcendente é o primeiro
passo para suprassumir a oposição entre exterioridade e interioridade, rumo a uma unidade
406
EF III, p. 221.
134
ontológica de significação universal do existir, pois é primeiramente no mundo que “lançamos
a âncora da nossa frágil subjetividade para nos constituirmos ontologicamente como seres-no-
mundo”. A possibilidade dessa experiência de objetividade está estruturada no espírito finito
do homem, em sua interioridade, que em um primeiro momento se opõe à exterioridade do
mundo, mas que, a partir da reflexividade dos seus atos (atos espirituais), abre-se ao universo
de sentido ao encontrar em si a presença do Absoluto, como origem e fim da sua
subjetividade. Essa experiência de objetividade é marcada como uma experiência que o
homem tem de sua própria finitude, seja pela mortalidade física, seja como “limitação
propriamente ontológica que nos estabelece como ser entre os seres”; finitude equilibrada
pelo pólo presença aos moldes da tradição da razão clássica, que dirige o homem para o outro
e para o Absoluto, em sua rota para sua unidade como pessoa.407
A intenção metafísica por uma verdade universal, como sentido do existir e do agir,
está inscrita na própria natureza do ser-humano; na modernidade, diante de tantos objetos e
saberes, diante de tantas tentativas de explicar a existência e a ética, em uma fábrica
incessante de conhecimento e de objetos, a experiência de finitude se depara com a ausência
de um absoluto que equilibre essa experiência, ou seja, a experiência de finitude não encontra
um referencial transcendente, que eleve essa finitude a uma experiência de sentido.
A partir de uma leitura do mundo pelos paradigmas da neutralidade científica, a
experiência de sentido como experiência reflexiva do espírito e como auto-mediação para o
ser no encontro com o Absoluto, não mais se consuma, ficando como o único absoluto, real e
universal à experiência humana, a sua própria finitude. Assim, diante da leitura neutra do
mundo, pela linguagem fechada das ciências modernas, ergue-se para o homem as figuras da
violência e da morte que corporificam um “simulacro do absoluto no espaço da finitude onde
se move a liberdade humana”408
, que aliena à práxis política, como expressão do poder e
dominação, a função normativa e transcendente, tornando o sentido em um discurso de
ordem para o animal político . O homem é então reduzido à finitude e ao desespero, como um
ser de carência, dependente ontológicamente do Estado. O ser-humano é anulado em sua
grandeza, como aquele que significa o mundo e a si mesmo, e agora cabe ao poder político, a
mercê das lutas ideológicas e interesses econômicos, conferir o sentido para o existir
humano.
407
Cf. EF VII, p. 253 408
EF III, p. 173
135
A experiência do homem com o Absoluto encontra-se “desorbitado” do seu “centro
real de atração em torno do qual girou nos dois milênios de sua história”409
, devido a leitura
fechada que as linguagens das ciência modernas fazem do mundo e do homem. Porém,
permanece no homem moderno o élan para o Absoluto, como a necessidade estrutural de um
espírito finito. Assim, questiona Lima Vaz sobre o destino da prodigiosa energia espiritual
que decorre dessa orientação ontológica para o Absoluto410
. Essa energia estaria na
modernidade reduzida a objeto de estudo das ciências modernas, na analise das condições
culturais, sociológica e psicológicas que condicionam sua manifestação; ou então
redirecionada para o práxis política como o “núcleo primeiro de inteligibilidade do ser
humano e do seu mundo a fonte primeira das normas de seu agir”411
, projeto que expressa a
face ideológica da razão instrumental. Assim, tem-se o pseudo-absoluto do político, que não
é capaz de acolher e satisfazer a intenção do Absoluto constitutiva do homem como
consciência.
A experiência fruitiva com o Absoluto intencionado na práxis política é designada por
Lima Vaz como uma espécie de “experiência mística pervertida”412
, onde a “salvação e o
êxtase místico são procurados na ação política e sobretudo na sua forma paroxistica que é a
ação revolucionária”413
. Dentro desse quadro, Lima Vaz questiona a possibilidade de “um
novo dia histórico , iluminado pelo Sol da transcendência”, quando a vocação humana pelo
Absoluto encontre no operar humano, no contexto de seu progresso material e científico, sua
autêntica expressão. Perante essa dúvida lançada para o futuro vige a “secreta esperança de
um sim radioso” , e que Lima Vaz desenvolve, ainda que como um esboço, na possibilidade
de um reencontro com a transcendência real a partir da própria razão científica, buscando
reinscrever a experiência com o Absoluto na leitura científica do mundo.
A universalidade efetiva da modernidade encontra paralelo na universalidade de fato
que goza a ciência, sendo a ciência a forma simbólica dominante na modernidade, é a partir
dela que se pode extrair a experiência universal de sentido. Trata-se de uma possibilidade
sustentada pelo fato de que os sistemas éticos tradicionais não conseguiram corresponder à
universalidade efetiva da modernidade. Delineia-se assim a tarefa do homem para superar a
409
Exp. Mist. – p. 78 410
loc. cit. 411
Loc cit. 412
Exp. Mist., p. 82 413
Ibid ,p. 84
136
crise da modernidade, na busca por um caminho que conduza o logos da ciência a uma forma
de ethos dentro da racionalidade científica, “reabrindo” a linguagem em sua humanidade.
Por essa “reabertura” a linguagem não se reduzirá a um dizer do mundo dos
fenômenos , como tecnicismo de um mundo dado como vazio, mas voltada ao dizer uma
verdade que signifique algo para homem, além das teorias provisórias das ciências. Cabe à
filosofia realizar o seu fim último, de expor o sentido para o homem que está presente nas
ciências como obra humana que é, recuperando a essência da linguagem como ação
comunicatica que se volta para a humanidade como seu horizonte último, pressupondo a
compreensibilidade universal do sentido que visa partilhar: reencontrar a infinitude
intencional inerente ao “dizer o mundo”.
Como possibilidade, esse reencontro une dois tópicos: a ontologia do mundo a partir
da ciência e a dimensão axiológica do ato científico. Afirmando o ser do mundo a partir da
ciência, e o Bem do ser na práxis científica, assinala-se a possibilidade da filosofia
reestruturar a transcendência no contexto técnico-científico. Ambos os tópicos, convergem no
conhecimento de si do homem, ou seja, o homem deve retomar a sua identidade como ser
para a transcendência, e compreender a crise da modernidade como um chamado para o seu
interior, e como expressão daquilo que lhe falta, e que faz falta por lhe ser estrutural, como é a
experiência de sentido a partir da sua abertura para o Absoluto.
Como vimos , a consciência do homem moderno é o resultado da experiência de
sentido em que o homem sempre dotou de significação o seu espaço existencial, e que com o
cristianismo, conheceu a radicalidade dessa experiência, definindo a presença ativa do sujeito.
Se na tradição a experiência com o ser dava-se a partir do mundo exterior submetidos à
dialética do espírito do em-si e para-si, graças a suprassunção do sensível pela transcendência;
agora, tem-se um mundo exterior objetivado pelas ciências, como um mundo neutro, em que o
homem deve reencontrar a significação humana para poder postular um sentido
transcendente.
O homem hoje habita em uma cultura científica que implica em “uma significação
nova de nosso ser-no-mundo”414
, marcada pela instabilidade das novas descobertas e teorias
que dificultam a compreensão do horizonte ontológico do mundo, redundando em uma
situação de neutralidade do mundo e do sujeito em prol da pureza teórica e experimental da
414
EF VI , p. 111
137
razão científica, como critério último de inteligibilidade. A ciência moderna prefere uma
ausência de inteligibilidade ao invés de uma inteligibilidade metafísica que fundamente um
mundo designado, o que expõe o preconceito moderno contra a atribuição de uma finalidade
ao mundo415
.
A compreensão ontológica do mundo científico tem como condição necessária a
recuperação do “eu” da tradição, como sujeito que se reconhece como um espírito finito e
análogo ao espírito Absoluto, e que permite o reconhecimento de uma região superior de
objetividade. Elevar o “eu” neutro da razão moderna ao “eu” inteligível da tradição implica
em tornar a objetividade científica em uma objetividade como categoria antropológica de
relação, e , portanto, fundamentada e direcionada pelo Ser; passando do eu neutro para ser
efetivamente pessoa.
Para tanto o ato científico como abertura do sujeito finito ao mundo deve permitir
a expressão do Bem do Ser, ou seja, deve ser também um ato espiritual que possibilite o ato
de significação da consciência., A impossibilidade de ver o ato científico como ato
axiológico, parte da visão de resumi-lo a um ato “objetivo”, como se fosse possível um ato do
ser humano que não fosse dotado de significação humana, tal qual se propõe como ato típico
de um “eu” neutro, e que na verdade expressaria o fato de que “os cientistas modernos vivem
ou fingem viver num mundo de meras aparências, em que aquilo que aparece é a aparência do
nada”416
.
Lima Vaz não admite a neutralidade ética da ciência perante o homem, pois, por
ser uma ação humana ela é constitutivamente ética, podendo a ciência ser um fonte ética, e
como tal abrir-se para um horizonte de totalidade que é o horizonte da vida humana. Se a
ciência ergue-se como um sistema de essências, seu pensamento parte da única questão que a
ciência não pode resolver, que é a da existência; por mais que as ciências esgotem o mundo
dos fenômenos, não poderão responder à questão da perfeição suprema da existência, questão
que conduz ao Absoluto, e a um “querer” para o existir dos demais seres.417
A partir da
questão da existência, sustenta-se também o porque do mundo existir como um mundo de
sentido para o homem, tal como se comprova pela história da humanidade como uma luta
pelo sentido, conduzindo igualmente ao encontro de um Absoluto como causa e finalidade do
415 GILSON, Étienne. Deus e a Filosofia; tradução de Aida Macedo. Lisboa. Edições 70, 2003, p. 93-95
416 GILSON, 2003, p. 94
417 Ibid, p. 97-99
138
existir. Trata-se para Lima Vaz de recuperar a órbita da experiência com o Absoluto, não
como posto pelo sujeito no fechamento teórico das linguagens científicas ou políticas, mas
que se põe absolutamente ao sujeito, como fonte primeira da Verdade e do Bem418
; a prática
científica torna-se então ato espiritual, e constitui-se então em um ato eminentimente ético.
Assim, a retomada do sujeito, enquanto consciência voltada para o Absoluto , é condição de
possibilidade de inscrever o ser na prática científica e na sua leitura do mundo, voltando-se o
operar científico para a norma da Verdade e do Bem.
Para Vaz trata-se mais do que “anexar a ciência a um sistema ético já
constituído”419
, mas de identificar na prática cientifica uma normatividade imanente que já
estaria esboçado no valor que a “verdade-científica” representa. O seu pensamento procura
superar o problema da relação entre Ética e Ciência, definida pela oscilação entre
heteronomia ética da ciência, que situa a ética como fora do plano conceptual científico, e a
autonomia da ciência, que afirma um estatuto ético próprio da ciência. A heteronomia ética,
procurando submeter a ciência à ética tradicional, encontra dificuldade em conciliar a
universalidade de fato que a ciência detém na modernidade, com os projetos de universalidade
de jure que os sistemas religiosos e filosóficos são portadores; havendo ainda o conflito entre
a “provisoriedade” da prática científica, sujeita à evoluções técnicas, e o tradicionalismo dos
sistemas éticos tradicionais; deparando-se com as contradições decorrentes em tentar unir
diferentes níveis de linguagens, as linguagens da ética tradicional abertas à transcendência, e a
linguagem fechada e instável das ciências dos fenômenos. Já a autonomia ética científica não
se consuma pelo próprio desacordo da comunidade científica sobre a significação ética da
ciência, sucumbindo às convicções pessoais dos homens da ciência, e atestando que o
problema supera os limites metodológicos da ciência.
A neutralidade científica dá primazia ao saber poiético, ao operar do homem
construtor, de forma que o modelo tradicional de submeter a poiseis à Verdade contemplada
(theoria) através do agir virtuoso ( práxis) restou prejudicado. A realidade ética é
essencialmente práxis, como domínio da realização do sujeito, pois através dela o sujeito dá
concretude ao dever-ser da theoria em seu agir para o Bem. Como ethos praxiológico , a
ciência deverá dar primazia à práxis, ou seja, subordinar a atividade poiética científica aos
fins do agir. O fim maior para o conhecimento é a verdade, e como tal é finalidade da práxis,
e valor para a ciência.
418
AQUINO, Marcelo Fernandes de, op. cit., p. 469-470 419
EF II , p. 208
139
Integra-se a atividade cientifica em uma ciência geral da ação, valida para toda
forma de conhecimento enquanto ação, reafirmando a ciência como ação humana e portanto
dotada de um conteúdo ético. Dessa forma, o ato do conhecimento científico participa de uma
antropologia do conhecimento, postulando uma práxis científica submetida à norma da
Verdade. Em outras palavras, estaria-se redirecionando a lógica da ciência, até então voltada
para uma ordenação nomológica do objeto, para se sujeitar à práxis científica que tem na
Verdade o seu valor.
Vê-se que o pensamento de Vaz nos conduz a uma tarefa cuja rejeição é uma
renúncia ao humanismo ocidental: ou a modernidade aceita passivamente a tecnociência como
a raiz do niilismo e assiste a degradação de seu mundo, ou deve buscar nela a sua significação
humana que possibilitará ao homem reencontrar-se como pessoa. Diante disso, a modernidade
consumou um mundo sem um sentido transcendente, mas não destruiu no homem, os
desíginios que permitam a reconstrução de experiência de sentido.
A partir da tradição cristã, o homem, como vimos, tomou o “senhorio absoluto
sobre o tempo”, inscrevendo no tempo um sentido, tornando o tempo cronológico em
História. Porém, a partir dessa tradição, o homem pôde, como senhor do tempo, ver também
no presente um “eixo axiológico”, conduzindo a uma “crise do presentismo”420
, onde o
passado se reduz à tradições rompidas, e o futuro à incerteza e ao acaso, de forma que a
capacidade do homem de “projetar e projetar-se banaliza-se por inteiro no desfrute e no gozo
do presente”421
. Sair dessa “crise do presentismo”, é retomar o rota do sentido que o existir
histórico permite enquanto entrelaçamento do passado e do futuro, recriar a experiência de
sentido a partir do presente do mundo da tecnociência é sobretudo assumir a tarefa de um ser
finito que não pode viver em um espaço sem significação e finalidade.
Marcado pela experiência espiritual que tinha na contemplação o caminho para o
Ser, agora o homem vê-se diante do desafio de reencontrar esse caminho a partir de um
mundo contaminado por formas de falsos absolutos, seja pelas alienações do sentido , através
da política e das mídias de massa, seja pelas alienações do trabalho, através da mundo
“neutro” das verdades científicas. Se nas origens da metafísica ocidental o homem partia da
realidade dos valores tradicionais, encontrando nela os elementos que conduziram ao Ser,
agora, resta a tarefa de reconstruir essa rota para o Ser, sem poder contar com uma ordem de
420
MARSOLLA, Mauricio pagotto, Modernidade e Crise do Humanismo, in PERINE, Marcelo (Org) Dialogos com a cultura contemporânea . p. 106. Loyola, São Paulo, 2003. 421
VOLPI, Franco. O Niilismo, tradução de Aldo Vannucchi. São Paulo, Loyola, 1999, pág. 118.
140
valores antecedentes à reflexão metafísica, mas através da abstração de valores no próprio
operar científico , como operar que se refere a um Absoluto transcendente, rompendo com o
paradigma imanentista da razão moderna. Para Lima Vaz, é possível ao homem, por quem ele
é, uma nova diafania de Deus que, sob o domínio da legitimidade cientifica, deverá ser
conduzida pelo seu agir cosmopoiético, como “ a passagem de uma espiritualidade da
contemplação da ordem a uma espiritualidade da invenção da ordem”422
, que seria uma
ruptura com a forma que a subjetividade moderna assumiu.
A crise da modernidade define para o homem o crepúsculo dos sistemas éticos
tradicionais perante a nova relação sujeito-mundo, e de outra parte, lhe ofereceu a vivência
extenuante da insuficiência dos seus ideais e da sua prática política como substitutos do
Absoluto real. No intervalo representado pela modernidade vivencia-se ao extremo o aspecto
ativo da consciência humana na reconstrução do cosmo pela racionalidade científica, e nas
formas de alienação do Absoluto, experimentando o homem os limites de suas faculdades;
limites grandiosos que insinuam à irreligiosidade da modernidade a sua condição de um
analogado do Ser. Tem-se então a autêntica rememoração, em que a crise de sentido da
atualidade nos conduziu à tradição da concepção de homem, como um processo que o define
como um ser-para-o-Absoluto, trazendo à luz uma compreensão renovada de quem é o
homem mesmo diante da realidade do não-sentido. Portanto a intepretação da crise é
rememoração: partindo da ruptura da razão moderna e da realidade de um mundo que
deslegitimou o Absoluto transcendente, compreendendo nela o não-sentido; depois ,
analisando a perenidade da questão do sentido pela herança teológica da subjetividade
moderna; para por último, reencontrar a resposta da tradição para a pergunta “quem é o
homem?” no contexto da modernidade. Essa é a síntese rememorativa como uma
circularidade helicoidal do pensamento de Lima Vaz , que responde à crise da modernidade
através da compreensão renovada de quem o homem é.
Em Lima Vaz, atesta-se que a crise da modernidade serve de testemunho da
presença do aguilhão metafísico pelo sentido, como experiência do homem enquanto espírito.
Diferentemente daqueles que se deixam paralisar pelas incertezas423
, a sua filosofia credita ao
422
EF I , p. 240 423
Ilustrando essa postura, temos as palavras de Franco Volpi: “ Depois dos declínio das transcendências e da
entrada no mundo moderno da técnica e das massas, depois da corrupção do reino da legitimidade e da
passagem para o reino das convenções, o único procedimento recomendável é trabalhar com as convenções sem
apostar demasiado nelas, a única atitude não ingênua é renunciar à sobredeterminação ideológica e moral de
141
homem o fazer acontecer um novo momento histórico, partindo da grandeza da humanidade e
de seu privilégio de participar do Absoluto. O homem estará pronto a retomar a tarefa que só
a ele foi designada, desde que se-volte para si, reencontrando-se como pessoa através da
filosofia. Pois a filosofia é “imortal como a própria Razão” e esta é natural a um ser inquieto
como o homem que, por ser uma animal interrogante, “não pode deixar de descer às raízes de
onde nascem as interrogações”424
. A crise da modernidade não se limita, assim, a um quadro
de insuficiências e de fracassos, mas se traduz na expressão do homem, em sua riqueza
ontológica atestada pela sua própria história de um avançar pelo mundo das significações,
que, diante da universalidade e riqueza de objetos do mundo moderno, ainda é impelido a
edificar sua existência como existir para-o-sentido graças à presença sempre presente de um
Absoluto que o conduz a abrir-se à vida em busca da Verdade e do Bem.
nosso comportamento. Nossa filosofia é uma filosofia de Penélope, sempre a desfazer (analýei) sua trama, já
que não sabe se Ulisses vai voltar.” – Volpi, op. cit., p. 142 424
Cf. SNF 55, p. 680
142
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