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GAUDÍ E NIEMEYER: ENTRE CURVAS E RETAS1
MARINA PEDREIRA ARAGÃO Aluna do Curso de Filosofia da UFJF. Formada em História pelo CES-JF.
marinamormar@hotmail.com
RESUMO
ARAGÃO. Marina Pedreira. Gaudí e Niemeyer: entre curvas e retas. Trabalho de
conclusão de Curso (Graduação em História). Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora, Juiz de Fora, 2008.
Esta monografia analisa as criações de Gaudí e Niemeyer a partir de suas
semelhanças em modelos estruturais e estéticos. Os dois arquitetos conseguiram
pensar a arquitetura de um ponto de vista mais amplo, sem se prenderem a
quaisquer amarras sócio-culturais. Construíram obras complexas de considerável
impacto, seja arquitetônico, seja cultural, e conceberam a arquitetura como uma
criação que tem o intuito de ordenar e organizar plasticamente o espaço em função
da época, do meio e das possibilidades técnicas de um determinado projeto,
conseguindo, contudo, suplantar a sua época, o seu meio e as limitações impostas,
sejam pela técnica, sejam pelo projeto.
Palavras-chave: Gaudí, Niemeyer, Arquitetura, Modernismo.
1 Monografia de Graduação em História, apresentada no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, sob a
orientação do professor Rodrigo Christofoletti, em Dezembro de 2008.
ABSTRACT
This monograph analyses the creation of Gaudí and Niemeyer from their similaritys
and structural and esthetic models. The two architects could think the architecture
from a more general point of view, without being prisioners of social and cultural
limits . They constructed complexical works of considerable impact, architectonic and
cultural works. They thought the architecture as a creation who has the intention of
command and organize the space in order to his age, taking advantage of his ways
and technical possibilities from a determinated project. They were advanced for their
epoch.
Keywords: Gaudí, Niemeyer, Archicteture, Modernism.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO –
2. GAUDÍ E SEU TEMPO
3. 2.1 GAUDÍ E SUA ESTÉTICA
4. 2.2 GAUDÍ E SUA RELIGIOSIDADE
5. 3. NIEMEYER: O HOMEM
6. 3.1 NIEMEYER: O ARQUITETO
7. 4 GAUDÍ E NIEMEYER
8. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
9. REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
Ao contrário da construção, que é um objeto para a vida, a arquitetura é um
objeto para a reflexão, pois a obra encerra uma contradição entre funcionalidade e
beleza. Antes de ser uma obra de arte, uma construção possui uma utilidade
material, pois supre uma necessidade determinada. Além disso, uma construção
pode comportar ainda uma utilidade ideal ao despertar a atenção do contemplador
que valoriza a obra por suas propriedades estéticas. A arquitetura é o reflexo de um
mundo, não utiliza palavras, mas signos correspondentes que expressam a relação
do usuário com a construção, é o reflexo da relação do homem com o mundo.
O urbanista Lúcio Costa define assim o que seja arquitetura:
Arquitetura é, antes de mais nada, construção, mas, construção concebida com o propósito primordial de ordenar e organizar o espaço para determinada finalidade e visando a determinada intenção. E nesse processo fundamental de ordenar e expressar-se ela se revela igualmente arte plástica, porquanto nos inumeráveis problemas com que se defronta o arquiteto desde a germinação do projeto até a conclusão efetiva da obra, há sempre, para cada caso específico, certa margem final de opção entre os limites – máximo e mínimo – determinados pelo cálculo, preconizados pela técnica, condicionados pelo meio, reclamados pela função ou impostos pelo programa, – cabendo então ao sentimento individual do arquiteto, no que ele tem de artista, portanto, escolher na escala dos valores contidos entre dois valores extremos, a forma plástica apropriada a cada pormenor em função da unidade última da obra idealizada. [...] Por outro lado, a arquitetura depende ainda, necessariamente, da época da sua ocorrência, do meio físico e social a que pertence, da técnica decorrente dos materiais empregados e, finalmente, dos objetivos e dos recursos financeiros disponíveis para a realização da obra, ou seja, do programa proposto. [...] Pode-se então definir arquitetura como construção concebida com a intenção de ordenar e organizar plasticamente o espaço, em função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica e de um determinado programa.2
Dessa forma, ao pensarmos a arquitetura como um fato cultural – ou seja, como
uma construção concebida com o intuito de ordenar e organizar o espaço, que
depende da época da sua ocorrência, dos objetivos e dos recursos financeiros
disponíveis, e finalmente, como construção concebida com a intenção de ordenar e
2 COSTA, Lúcio. Considerações sobre arte contemporânea. In: COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. São
Paulo: Empresa das Artes, 1995, p. 608.
organizar plasticamente o espaço – podemos interpretá-la como a fonte inesgotável
de associações e expressões, que evidenciam formas de pensamento e atitudes
culturais de uma dada comunidade. A arquitetura não é uma técnica, mas uma arte,
pois não existe para confortar o homem, mas torná-lo consciente de si e da
realidade que o cerca.
Ao propormos o estudo comparado da obra dos arquitetos Antoni Gaudí,
catalão, e de Oscar Niemeyer, brasileiro, nos comprometemos a analisar tais obras a
partir de suas semelhanças em modelos estruturais e estéticos. Dessa forma,
salientamos que, apesar de considerarmos relevante, não será nosso objetivo
analisar as criações dos dois arquitetos a partir de suas posturas religiosas,
religiosidade extremada em Gaudí e comunismo ateu em Niemeyer. Nosso estudo
se pautará, como acabamos de dizer, em suas semelhanças de modelos estruturais
e estéticos.
Os dois arquitetos são marcados pelas propostas do movimento moderno. O
termo Modernismo refere-se a um conjunto de movimentos culturais, escolas e
estilos que permearam as artes e o design da primeira metade do século XX. Se é
possível encontrar pontos de convergência entre os vários movimentos, eles em
geral se diferenciam e até mesmo se antagonizam. O movimento moderno baseou-
se na idéia de que as formas tradicionais das artes plásticas, literatura, design,
organização social e da vida quotidiana tornaram-se ultrapassadas, e que se fazia
fundamental deixá-las de lado e criar no lugar uma nova cultura. O movimento
moderno argumentava que as novas realidades do século XX eram permanentes e
iminentes, e que as pessoas deveriam se adaptar a suas visões de mundo a fim de
aceitar que o que era novo era também bom e belo.
As nossas análises serão balizadas por estudos da vida e da obra dos dois
arquitetos, e o nosso aporte teórico das comparações partirão das semelhanças
arquitetônicas verificadas ao longo do estudo dos mesmos, pois inexistem estudos
acadêmicos específicos que dêem conta de tal demanda.
O primeiro capítulo será dedicado ao arquiteto Gaudí, sua vida e sua obra,
incluindo um subitem referente à sua religiosidade. O segundo capítulo será
dedicado ao arquiteto Niemeyer, sua vida e sua obra. No terceiro capítulo iremos
proceder à análise comparativa de algumas criações destes arquitetos; buscaremos
entender como dois artistas que viveram em países e épocas diferentes
conseguiram produzir obras ímpares, e propuseram uma reformulação do ideário da
arquitetura.
2.1 GAUDÍ E SEU TEMPO
“A linha reta é do homem, a curva pertence a Deus.” Antoni Gaudí
O arquiteto Antoni Gaudí pode ser identificado com algumas correntes
artísticas e intelectuais que se espalharam por toda a Europa Ocidental, à medida
que a industrialização trouxe uma rápida mudança em vários aspectos da
sociedade. A abordagem aqui adotada concentra-se no cenário cultural específico
de Barcelona, em particular no movimento conhecido como Modernismo, que
decorre entra 1890 a 1910, envolvendo tanto movimentos artísticos, quanto
literários.
A história da arquitetura do século XIX em Barcelona é marcada por uma
necessidade de resposta ao crescimento da cidade. O rápido crescimento
populacional produzido pelas fábricas industriais contribuiu para a expansão urbana
fora dos bairros medievais. Os projetos de Gaudí, como o Parque Güell, foram
inspirados pela intenção de melhorar a vida urbana.
No centro da sua mudança cultural esteve o crescente poder industrial e a
riqueza econômica de Barcelona e da Catalunha, no seu todo. A arquitetura
proporcionou um meio essencial para que particulares e o município definissem uma
identidade moderna e expressassem um otimismo recém encontrado, que a era
moderna prometia. Procuramos compreender Gaudí e sua obra através das
características de seu tempo, cuja criação procurou personificar muitos dos ideais de
Barcelona, como uma cidade histórica, espiritual e moderna.
Para os arquitetos daquela época, os edifícios das cidades antigas, das vilas
e mesmo ruínas eram uma importante fonte de inspiração para o seu estilo
arquitetônico, um fator incisivo para a formação do Modernismo. Em Barcelona, o
ecletismo era frequentemente baseado no uso de estilos regionais catalães, muitas
vezes complementados por outros estilos espanhóis de âmbito nacional, como o
estilo mourisco.
Mireia Freixa afirma que a recuperação da cultura catalã foi a tarefa que
unificou a maioria dos artistas catalães, no vasto período que vai desde a
Renascença ao Novecentismo. A geração modernista substituiu a nostalgia
romântica pela vontade decisiva de modernizar o país. O termo renascença abarca
preocupações no sentido de avançar e proteger o crescimento econômico de
Barcelona e da Catalunha, bem como de alimentar as tradições literárias e artísticas
da região.
A Catalunha fez, em tempos, parte do reino independente de Aragão, que
primeiro ficou ligado ao reino de Castela, vindo a formar o que hoje conhecemos
como a moderna Espanha. O processo de equilibrar a unificação com a autonomia
regional ainda hoje continua em negociações, tendo a Catalunha desenvolvido um
forte sentido de identidade nacional com Barcelona, sua capital. O fato de muitos
dos edifícios que Gaudí visitou serem religiosos, lembra-nos o papel especial que a
religião desempenhou na construção da identidade catalã, tal como teve nas
histórias de outras regiões da Espanha. Na idade adulta, Gaudí viria a identificar-se
tanto com uma desafiadora forma de nacionalismo catalão, como com o
compromisso devoto à igreja católica.
Gaudí foi um defensor da região da Catalunha até o final de sua vida, no
entanto, manteve-se afastado da atividade política direta. Depois de formado aderiu
a uma organização com fins mais pacíficos, dedicada às tradições culturais da
Catalunha. Esta era designada por Associació Catalanista d’Excursiones Científicas.
Os objetivos da organização, fundada em 1876, eram vastos. A sua atividade central
era fazer visitas às zonas rurais e lugares de interesse cultural, que seria a solução
para manter uma mente sã.
Até o século XIX, a história econômica de Barcelona foi um período de
riqueza e reconhecimento internacional, seguido de declínio. No decorrer do século
XIX a Catalunha e Barcelona, em particular, testemunharam uma surpreendente
recuperação da economia por via de ser um centro para um leque de indústrias e
fábricas de têxteis. Gaudí deu um contributo para a história do desenho de edifícios
fabris, um exemplo foi o seu trabalho para a primeira cooperativa de trabalhadores
existentes na Espanha, conhecida como Cooperativa Mataró.
Apesar de olharem para o passado com afeição, nem Gaudí nem os seus
patronos estiveram isolados do mundo moderno cotidiano de Barcelona. Ao
contrário disso, eles constituíram uma nova geração que procurava definir a cidade e
os espaços urbanos seguindo novos caminhos. As grandes casas e edifícios que
Gaudí planejou foram um recurso do arquiteto mostrar que estava ligado ao
movimento modernista.
2.2 GAUDÍ E SUA ESTÉTICA
Os trabalhos do arquiteto Antoni Gaudí ilustram a diversidade de suas
capacidades, e embora muitos deles possam ser designados como trabalhos de
menor significância, todos oferecem visões introspectivas fascinantes do seu design,
arte e arquitetura. O arquiteto catalão não foi um pensador acadêmico, seus
edifícios, plantas e desenhos atestam a sua personalidade, os seus interesses e a
sua criatividade. Costumava dizer que os homens podiam ser divididos em homens
de palavras e homens de ação, e se considerava do segundo grupo. Através da
justaposição, transformação e reinvenção ele viria a empregar motivos e estilos
arquitetônicos tradicionais no seu trabalho amadurecido.
A violência da Guerra Civil Espanhola resultou na destruição de uma grande
parte dos arquivos de Gaudí, impedindo a compreensão mais profunda da obra do
arquiteto. No primeiro ano da Guerra Civil Espanhola, a igreja da Sagrada Família foi
assaltada, tendo sido destruídos os documentos, desenhos e modelos arquitetônicos
guardados na igreja.
A respeito da junção de elementos estruturais com decorativos, Gaudí dizia
que quando as idéias são combinadas umas com as outras, elas diminuem e são
obscurecidas; a simplicidade dá-lhes importância. Mesmo na complexidade da
Sagrada Família a capacidade de Gaudí em manter a dialética entre a simplicidade
da forma e a riqueza das suas idéias seria mantida.
Gaudí lutou durante sua vida pelo desenvolvimento de uma arquitetura que
iria se basear na inspiração do artista. O estatuto que Gaudí atribui à arte identifica o
seu pensamento como modernista, ao mesmo tempo em que a afirmação de que a
mesma deve ser contrabalançada por dor e sofrimento, sugere que a filosofia da arte
é enquadrada na doutrina católica e na sua tônica do pecado original. Gaudí se
preocupou em reformular o estilo gótico e também se apoiou nas tradições, tanto a
arquitetural como a metafísica, do período medieval.
As construções feitas por Gaudí para Güell ilustram a visão religiosa e utópica
que o arquiteto e o patrono partilhavam. A concepção do mundo medieval, que a
obra de Gaudí evocou, é também encontrada nas alusões a palácios e castelos da
sua arquitetura residencial para seus abastados patronos, tendo a fábrica e o
armazém sido transformados em modernos feudos. Embora nos nossos dias a
discussão destes ideais utópicos possam parecer ingênuos ao moderno visitante, a
sua evocação em pedra, espaço e luz permanece forte.
Gaudí revelava uma habilidade em delinear projetos simples, apostando em
materiais economicamente viáveis, como o tijolo, a pedra e os azulejos, materiais
que dão uma sensação de solidez e permanência.
Gaudí reforma um antigo edifício de veraneio para a família Batlló -
fabricantes de tecidos, que se localiza no Passeio de Gracia. Abaixo temos uma
imagem desta produção.
Casa Batló. Barcelona. Fonte: Disponível em: http://www.arquiteturaearte.files.wordpress.com.
Acesso em 08 de novembro de 2008.
A sua fachada está revestida com pedaços de vidros de diferentes cores, as
chaminés e o pátio de luzes demonstram a incrível imaginação do arquiteto, sendo
uma das suas composições mais sensíveis.
O Parque Güell combinou certo número de motivos religiosos que indicam a
identificação de Gaudí com a ala conservadora do pensamento da renascença, com
uma tônica na tradição e na ética religiosa. O arquiteto não tinha nada a ver com as
atividades culturais mais decadentes e anárquicas. Ele pensava em concordância
com linhas mais conservadoras e tomava o partido do que estava estabelecido.
O edifício da Sagrada Família, que atravessa e ultrapassa o período do
Modernismo, é a mais grandiosa expressão de Gaudí e dos objetos conservadores
da Renascença. Contudo, os seus muitos projetos de edifícios residenciais também
assinalam importantes contributos das expressões do gosto e otimismo mais
luxuriantes da burguesia de Barcelona.
Gaudí, como muitos dos patronos com quem trabalhou, partilhava de uma
visão seletiva da modernidade, apreciava os avanços da tecnologia, tais como os
teares automáticos que faziam aumentar as fortunas; no entanto, estavam menos
convencidos das mudanças na ordem social, tais como o pagamento igual para as
mulheres ou mesmo a democracia. Certa vez Gaudí afirmou que democracia era o
domínio da estupidez.
O arquiteto aproximou-se de uma visão conservadora da ordem social
baseada num modelo paternalista. Nota-se ligações entre a atração dos estilos
medievais de sua arquitetura e suas atitudes sociais. A preocupação em apoiar uma
sociedade rígida e ordenada, que é encontrada por toda Europa, pode ser entendida
como uma reação ansiosa às mudanças drásticas que a sociedade atravessava,
bem como uma preocupação em maximizar a riqueza.
O próprio Gaudí preservou tradições na sua forma de trabalhar. Ele
comandava uma grande oficina com assistentes capazes de levar a cabo uma gama
de tarefas, tais como de carpintaria, construções em ferro forjado, mosaico, pintura e
vitrais.
Gaudí explorou a relação entre forma e significado arquitetônico com
intensidade crescente. Além da liberdade de estilos arquiteturais proporcionados
pelo ecletismo e a variedade de meios de que dispunha através dos seus
assistentes, outro fator crucial nos seus desenhos foi o estudo da natureza que
nunca está longe do seu trabalho, as suas formas orgânicas e padrões forneceram
uma miríade de traços decorativos, bem como exemplos de possibilidade estrutural.
Além disso, na percepção medieval de Gaudí a natureza era uma prova importante
da ação divina:
Deus não fez uma lei estéril, quer isto dizer, que tudo tem sua aplicação, a observação destas leis e das suas aplicações é a revelação da divindade. As invenções são as imitações dessas aplicações (um avião é uma imitação de um inseto, um submarino, de um peixe). Desta forma, quando uma invenção não está em harmonia com as leis naturais, a mesma não é viável.3
Existe, pois no centro da obra de Gaudí a preocupação em seguir as leis da
natureza, tal como estão na revelação de Deus. No entanto, o empenho na
preservação da tradição em todas as suas formas foi conciliado com um encontro
aberto com o mundo moderno, sendo esta dialética um tema sutil, que está presente
em toda obra de Gaudí.
2.3 GAUDÍ E SUA RELIGIOSIDADE
O arquiteto Antoni Gaudí esteve ligado a uma associação chamada Cercle
Artístic de Sant Luc. S. Lucas é o tradicional santo padroeiro dos pintores, e este
grupo, fundado em 1894 pelo escultor Josep Lilmona, procurava promover a arte
católica, bem como contrariar as atividades imorais avant-garde dos artistas
modernistas de Barcelona; eles desejavam preservar a tradição e os seus
adversários, ao contrário, queriam subverter este estado de coisas.
O famoso individualismo de Gaudí e a sua visão artística mediaram seu
contato com as idéias. Em primeiro lugar, ele levava muito a sério a sua devoção
pessoal, especialmente quando atingiu a meia-idade. Em 1894, durante a
Quaresma, submete-se voluntariamente a rigoroso jejum, tendo ficado confinado à
cama. Relatos sugerem que os seus pontos de vista conservadores podiam também
ser críticos e que a sua austeridade pessoal, combinada com a sua preocupação
benevolente com os pobres, motivaram uma posição critica por parte da Igreja.
Os dias finais de Gaudí foram também uma manifestação de sua fé e
sentimentos políticos. Foram-lhe administrados os últimos Sacramentos, e enquanto
jazia na sua cama a aguardar a morte, segurava um crucifixo. Tinha lhe sido
proposto uma clínica privada, em vez do hospital público, mas ele insistiu em
3 CASCAIS, Ana Maria Pires. Gaudí. Seixal: Editora Lisma, 2006, p.220.
permanecer e terminar a sua vida entre o povo. Foi conseguida a autorização papal
para que fosse enterrado na cripta da Sagrada Família. O cortejo que seguiu ao seu
caixão até o local do seu repouso final, atestou a importância do arquiteto entra as
diferentes áreas da sociedade, incluindo políticos de Barcelona, representantes da
Igreja e membros de associações religiosas e culturais. Desta forma, foi prestada
homenagem à paixão e empenho que Gaudí tinha manifestado nos diferentes
aspectos da sua vida e obra.
O apoio dado por Gaudí ao nacionalismo catalão combinado com sua
dedicação à fé Católica, foram importantes fatores sociais e culturais, que inspiraram
seu trabalho como arquiteto. Gaudí foi o arquiteto do Colégio das Teresianas. A
decoração da fachada deste edifício é uma prova do grande trabalho iconográfico
que Gaudí realizou para este projeto, no qual todos os detalhes fazem referência a
Santa Tereza, padroeira da Ordem Teresiana. Quando Gaudí assumiu o comando
das obras do colégio o primeiro andar já tinha sido construído por um arquiteto
desconhecido. Os projetos iniciais foram destruídos durante a guerra civil. Este fato
influenciou o projeto, uma vez que Gaudí se viu obrigado a seguir a distribuição
definida pelas obras já iniciadas. O arquiteto criou um edifício simétrico de marcada
tendência longitudinal e aparência muito austera, ao estilo de uma fortaleza
amuralhada, fazendo alusão aos castelos de bons cristãos ao qual Santa Tereza se
refere nos seus escritos. Uma das partes mais interessantes é a parte interior, um
conjunto simbólico de arcos e pátios, cuja distribuição se rege por uma serie de
corredores paralelos. A sucessão de arcos parabólicos dá a este recinto um certo ar
de claustro. Abaixo temos uma imagem do interior deste colégio.
Um outro exemplo das dimensões religiosas do pensamento de Gaudí é a sua
opinião frequentemente citada, de que “a beleza é o brilho da verdade”. Está aqui
implícita uma verdade teológica. Gaudí foi chamado “Arquiteto de Deus” por suas
majestosas obras sagradas e porque seus trabalhos não sagrados expressam uma
filosofia cristã. Não é possível compreender Gaudí se não se compreende seu
compromisso de fé, sua religiosidade expressada em toda sua obra.
Os aspectos religiosos da obra de Gaudí podem ser examinados, em maior
detalhe, através de uma análise do desenvolvimento de uma discussão e prática
modernas da arquitetura em Barcelona. Intrínsecas a estes desenvolvimentos, foram
a identidade nacional e espiritual de Barcelona. Ambas tinham evoluído ao longo de
vários séculos de história, tendo adquirido no século XIX um vigor renovado e, o que
é mais importante, tendo ficado mais intimamente ligadas.
3.1 NIEMEYER: O HOMEM
Não é o ângulo reto que me atrai. nem a linha reta, dura, inflexível,
criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual.
A curva que encontro nas montanhas do meu país,
no curso sinuoso dos seus rios nas ondas do mar
nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida.
De curvas é feito todo o Universo. O Universo curvo de Einstein.
Oscar Niemeyer
O arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer é natural da cidade do Rio de Janeiro.
Ainda jovem, começa a trabalhar na oficina tipográfica do pai e entra para a Escola
Nacional de Belas Artes, no Rio, de onde sai formado como Engenheiro e Arquiteto
em 1934. Já nessa época ele se sentia insatisfeito com a arquitetura que via na rua
e acreditava poder encontrar respostas para suas dúvidas.
O arquiteto começou a projetar em 1936, e ingressou no PCB em 1945,
quando o partido foi legalizado, mas já simpatizava com os comunistas pelo menos
desde 1935. Uma das questões que mais marcou a vida e obra de Niemeyer foi a
luta política Em 1945 ele conheceu Luís Carlos Prestes e filiou-se ao PCB,
emprestando a casa que usava como escritório, para que este montasse o comitê do
partido. Durante alguns anos da ditadura militar do Brasil auto exilou-se na França,
visitou a União Soviética e teve encontros com diversos líderes socialistas.
Por intermédio de Gustavo Capanema, o arquiteto conhece Juscelino
Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte, que o convida a projetar o conjunto da
Pampulha, em 1940. Este seria o primeiro grande trabalho individual de Niemeyer
que lhe renderam muitas críticas e admiração; sua primeira projeção internacional e
muitas polêmicas locais. No conjunto da Pampulha Niemeyer começa um estilo que
irá marcar o seu trabalho ao utiliza-se das propriedades estruturais do concreto
armado para dar formas sinuosas aos prédios.
Niemeyer é considerado um dos nomes mais influentes na Arquitetura
Moderna internacional, e foi pioneiro na exploração das possibilidades construtivas e
plásticas do concreto armado. Graças ao talento de Niemeyer o Brasil foi colocado
na vanguarda da Arquitetura Modernista internacional, isso numa época onde a
Europa e os Estados Unidos estavam concentrando suas potências industriais na
Segunda Guerra Mundial.
A Revista Módulo foi fundada e dirigida por Niemeyer, e começou a ser
publicada a partir de março de 1955; contudo, sua publicação foi interrompida em
1965 após o golpe de 1964, quando sua redação é invadida e seus números
apreendidos. Sua publicação permanece suspensa até 1975, quando volta a ser
editada até 1989.
Quando Niemeyer desenha um prédio ele o faz com o mínimo de traços
possíveis. Porém, ele nega que seus prédios tenham uma estética que ofusca o
utilitarismo, tanto que escreveu enormes justificativas de projetos, em que descreve
a função de cada curva do edifício.
Suas convicções políticas e estéticas sempre conviveram em sua vida,
contudo, sempre teve dificuldade em apontar uma conexão clara entre ambas, já
que a linguagem verbal é totalmente distinta da linguagem arquitetônica, e em geral
o artista não consegue traduzir suas realizações materiais num discurso
inteiramente diverso. O arquiteto sempre fez questão de ressaltar que num país
capitalista não pode haver arquitetura social, pois o profissional atende à própria
demanda formada basicamente pela classe dominante. Niemeyer diz que “Na mesa
de desenho, nós, arquitetos, nada podemos fazer nesse sentido... a tarefa única é
protestar contra a miséria e a opressão e juntos lutarmos por um mundo melhor e
mais justo”4.
O arquiteto procurou criar novas formas para só depois buscar as razões
funcionais que as justificassem.
4 NIEMEYER, Oscar. A arquitetura moderna no Brasil. In: Arte no Brasil. São Paulo: Editora Nova Cultural,
1986, pg. 24.
Se desenhava uma forma diferente, devia ter argumentos para explicá-la. Quando projetei um bloco em curva, por exemplo, solto no terreno, junto apresentei croquis demonstrando que as curvas de nível existentes o sugeriram; quando desenhei as fachadas inclinadas, da mesma forma as expliquei como destinadas a proteger ou aproveitar a insolação encontrada; quando projetei um auditório, cuja forma poderia lembrar um mata-borrão, foi para o problema da visibilidade interna que apelei; quando criei um sistema de montantes na forma de um 'y', reduzindo-os no térreo e multiplicando-os nos andares superiores, a razão que apresentei foi de economia; quando propus coberturas em curvas, com apoios inclinados nas extremidades, dei como justificativa o problema estrutural do empuxo; quando propus uma solução com curvas e retas, foi para diferenças de pé-direito que recorri... E assim continuei durante muitos anos, procurando a forma diferente e explicando-a depois, como convinha... 5
Contudo, Niemeyer já se sentia cansado de tantas explicações, já possuía
experiência bastante para delas se libertar, e se desinteressou das críticas
inevitáveis que viriam suscitar seus projetos.
3.2 NIEMEYER: O ARQUITETO
Em 1936, o escritório onde Niemeyer trabalhava como estagiário, dirigido por
Lúcio Costa e Carlos Leão, foi chamado pelo ministro da Educação e Saúde,
Gustavo Capanema, para projetar o novo edifício do Ministério da Educação e
Saúde. Este projeto estava inserido no contexto político do Estado Novo, quando
Getúlio Vargas, presidente do Brasil, usava a arquitetura e o urbanismo como
ferramentas para ilustrar os novos rumos da nação em uma fase intermediária, que
buscava se transformar de potência agrícola exportadora de café em um país
industrializado.
Lúcio Costa pediu assessoria ao arquiteto franco-suíço Le Corbusier, um dos
grandes expoentes mundiais do Movimento Moderno, e montou uma equipe de
arquitetos para o desenvolvimento do projeto, entre eles, Niemeyer. O projeto segue
os 5-pontos corbusianos, já realizados no Pavilhão Suíço, um prédio de
apartamentos em Paris projetado por Le Corbusier em 1930. O edifício do MEC,
terminado em 1943, eleva-se da rua apoiando-se em pilotis: sistema de pilares de
concreto que mantém o prédio suspenso, permitindo o trânsito livre de pedestres por
5 NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo – Memórias. Rio de Janeiro: Revan, 1999, pgs. 268-269.
baixo do mesmo (um espaço público de passagem). O prédio uniu os maiores
nomes do modernismo brasileiro, com azulejos de Portinari, esculturas de Alfredo
Ceschiatti e jardins de Roberto Burle Marx e é considerado o primeiro grande marco
da Arquitetura Moderna no Brasil.
O primeiro projeto individual de Niemeyer foi a Obra do Berço, de 1937,
construído no bairro da Lagoa, Rio de Janeiro. Neste edifício nota-se a presença dos
elementos defendidos na arquitetura moderna e a influência do arquiteto francês Le
Corbusier, ou seja, o pilotis, a planta e a fachada livre, possibilitando a abertura total
de janelas na fachada, o terraço-jardim e o brise-soleil, pela primeira vez utilizado na
vertical. Durante a construção o arquiteto estava fora do Brasil e ao retornar,
encontrou o brise-soleil instalado de forma inapropriada, sem proteger o interior
contra a insolação. Niemeyer, que nada havia cobrado pelo projeto, pagou pela
execução da obra na forma em que a havia projetado.
Em 1939, Niemeyer viaja com Lúcio Costa para projetar o Pavilhão Brasileiro
na Feira Mundial de Nova Iorque de 1939-40. Associam-se ao escritório de Paul
Lester Wiener, responsável pelo detalhamento dos interiores e stands de exposição.
Em uma época onde a Europa e os Estados Unidos estavam concentrando suas
potências industriais na Segunda Guerra Mundial, o Brasil estava investindo em
arquitetura, o que lhe colocou na vanguarda da Arquitetura Modernista internacional,
onde ainda permaneceu por várias décadas, graças em boa parte ao talento de
Oscar Niemeyer.
Através do conjunto da Pampulha, Niemeyer conseguiu sua primeira projeção
internacional. Neste conjunto desponta o estilo que irá marcar suas obras: o uso da
plasticidade no concreto armado gerando formas sinuosas em seus prédios. Os
projetos de Niemeyer são de traços mínimos, a arquitetura deve se resolver pela
estrutura. No entanto, sempre negou que a estética de seus prédios se
sobrepusessem ao utilitarismo. Afirmou certa vez que, com a obra da Pampulha o
vocabulário plástico de sua arquitetura começou a definir um jogo inesperado de
retas e curvas.
Ainda no início dos anos 40, Niemeyer recebeu duas encomendas de
Francisco Inácio Peixoto: uma casa e um colégio em Cataguases. Abaixo, vemos
uma foto desta construção.
Colégio Cataguases. Cataguases. Fonte: Disponível em: http://www.niemeyer.org.br. Acesso em 08
de novembro de 2008.
O projeto da residência de Chico Peixoto e o Colégio Cataguases, inaugurado em
1949, levaram Cataguases à cena da Arquitetura Moderna, atraindo olhares para a
pequena cidade mineira. Ambas as obras contaram com jardins de Burle Marx. O
Colégio possui murais de Paulo Werneck e Cândido Portinari.
Em 1946, Niemeyer é convidado a lecionar na Universidade de Yale, mas é
impedido de atender ao convite por ter o visto negado devido à sua posição política.
No entanto, em 1947, Niemeyer é indicado para fazer parte da equipe de arquitetos
mundiais que viria a desenvolver a Sede das Nações Unidas. Niemeyer viaja aos
Estados Unidos para integrar a equipe e apresenta o projeto que seria escolhido,
elaborado em conjunto com Le Corbusier.
O projeto do Edifício do Banco Boavista, de 1946, é um de seus projetos mais
expressivos no Rio de Janeiro. Niemeyer aplica a curva desta vez ao tijolo de vidro
que reveste a fachada frontal, iluminando e enriquecendo o interior do banco. Em
1951, Niemeyer projeta o edifício COPAN6, implantado no velho Centro de São
Paulo. Abaixo temos uma imagem deste edifício
6 O COPAN foi centro de interesse de um enorme complexo arquitetônico imaginado pela Companhia Pan-
Americana de Hotéis e Turismo (criada por ocasião dos festejos do IV Centenário), que previa nas suas
instalações um hotel de luxo, apartamentos, teatro, cinemas, restaurantes, jardins suspensos, centenas de lojas e
garagens subterrâneas.
Edifício COPAN. São Paulo. Fonte: Disponível em: http://www.niemeyer.org.br. Acesso em 08 de
novembro de 2008.
O desenho sinuoso e o caráter moderno deste edifício em forma de “S” o tornaria um
dos símbolos da cidade de São Paulo, não só pelas linhas arrojadas, mas também
pelas outras características do edifício: concreto armado, altura, ocupação mista de
apartamentos e comércio e alta densidade populacional.
Na década de 50 Oscar Niemeyer atuou, ainda que brevemente, no mercado
imobiliário de São Paulo, para o Banco Nacional Imobiliário (BNI). Os edifícios
Montreal, Triângulo, Califórnia e Eiffel são fruto do escritório montado em São Paulo,
em meados da década, sob supervisão do arquiteto Carlos Lemos, também
responsável pela finalização e acompanhamento da execução do Copan.
Em 1956, o presidente Kubitschek tem um projeto político mais ambicioso:
mover a capital nacional para uma região despovoada do centro do país. Assim,
Juscelino chama Niemeyer para a direção da Novacap, empresa urbanizadora da
nova capital. Em 1957, Niemeyer abre um concurso público para o plano piloto da
nova capital. O projeto vencedor é o apresentado por Lúcio Costa, seu amigo e ex-
patrão. Niemeyer, arquiteto escolhido por Juscelino, seria responsável pelos projetos
dos edifícios enquanto Lúcio Costa desenvolveria o plano da cidade.
Brasília foi um grande desafio, a cidade foi construída na velocidade de um
mandato; em poucos meses Niemeyer projeta uma série de edifícios para configurar
a nova cidade. A determinação de Kubitschek foi fundamental para a construção de
Brasília, levando à frente sua intenção de desenvolver a árida região central do
Brasil.
O projeto de Lúcio Costa punha em prática os conceitos modernistas de
cidade: o automóvel no topo da hierarquia viária, facilitando o deslocamento na
cidade, os blocos de edifícios afastados, em pilotis sobre grandes áreas verdes.
Brasília possui diretrizes que remetem aos projetos de Le Corbusier na década de
20 e ainda ao seu projeto para a cidade de Chandigarh, pela escala monumental dos
edifícios governamentais.
A construção de Brasília foi controversa, pois os preceitos do urbanismo
modernista, antes mesmo do início de sua construção, já sofriam críticas devido à
sua escala monumental e à prioridade dada ao automóvel. Brasília cresceu de forma
não prevista e cidades-satélite surgiram devido à crescente população. Atualmente,
apenas uma pequena parcela da população habita na área prevista pelo plano piloto
de Lúcio Costa.
Em 2007, o arquiteto iniciou as obras do seu primeiro projeto na Espanha, um
centro cultural com o seu nome, em Avilés, com inauguração prevista para antes de
2010. Este projeto foi oferecido à Fundação Príncipe das Astúrias como
agradecimento pela condecoração que Niemeyer recebeu, em 1989.
4. GAUDÍ E NIEMEYER
Um dos traços em comum entre os arquitetos Antoni Gaudí e Oscar Niemeyer
é que suas obras não podem ser rotuladas ou enquadradas em escolas
arquitetônicas, contudo, ao contrapormos as obras dos dois arquitetos iremos
considerar a época específica em que foram produzidas. Os dois arquitetos estavam
sintonizados com seu tempo, no entanto, foram capazes de se colocar à frente de
seus contemporâneos pelo arrojo e ousadia de suas soluções.
A mais significativa coincidência que percebemos, ao analisarmos as épocas
dos dois arquitetos, diz respeito ao desenvolvimento e industrialização ocorridos
tanto na região de Barcelona na segunda metade do século XIX, quanto na década
de 1930 no Brasil. A transição tardia para o capitalismo, no Brasil, retardou a difusão
de uma arquitetura moderna. A ausência de uma sólida base industrial bloqueou o
uso de estruturas metálicas, sem, contudo, bloquear o uso do concreto, que se
adequava a uma técnica construtiva mais primitiva. A Revolução de 1930 abre
caminho para uma nova arquitetura que nasce sob a égide do populismo.
Se Gaudí teve o apoio de Don Eusebi Güell, Niemeyer teve, por seu lado, o
apoio de Juscelino Kubitschek. Foi de enorme importância o incentivo desses dois
nomes que aceitaram as soluções inovadoras dos dois arquitetos. Gaudí construiu o
palácio que se tornaria a residência do conde Güell, e Niemeyer construiu o Palácio
da Alvorada, cujo presidente Kubitschek seria seu primeiro residente.
Palácio Güell. Barcelona. Fonte: Disponível em: http://www.arquiteturaearte.files.wordpress.com.
Acesso em 08 de novembro de 2008.
O Palácio Güell, acima, fica bem próximo de Las Ramblas, foi construído
entre 1886 e 1890. Sua entrada possui um vestíbulo duplo, para facilitar entrada e
saída de carruagens, e o terraço, o primeiro prédio em que o arquiteto testou
algumas das soluções que agora o imortalizam, e que passa por “decorar” as
chaminés, que teima em individualizar com revestimentos variados tais como
cerâmicas coloridas, mármore, vidros de influência moura.
Palácio da Alvorada. Brasília. Fonte: Disponível em: http://www.niemeyer.org.br. Acesso em 08 de
novembro de 2008.
O palácio da Alvorada, acima, é um dos ícones da arquitetura moderna
brasileira, pois representa o progresso cultural e técnico do Brasil durante a década
de 1950. Os pilares externos da edificação são um símbolo da cidade de Brasília. A
construção, em três pavimentos, é revestida de mármore e vedada por cortinas de
vidro, cuja estrutura é constituída por pilares brancos.
Os parques Güell e o Complexo da Pampulha, de Gaudí e Niemeyer,
respectivamente, apresentam características semelhantes de grande inovação.
Parque Güell. Barcelona. Fonte: Disponível em: http://www.arquiteturaearte.files.wordpress.com.
Acesso em 08 de novembro de 2008.
O Parque Güell, acima, foi um desafio feito a Gaudí para que construísse uma
cidade-jardim nos arredores de Barcelona. Gaudí deveria desenvolver uma nova
urbanização, em que as casas e espaços públicos homenageassem a natureza, em
contraponto com a industrialização que as cidades européias começavam a sentir. O
trabalho foi de 1900 a 1914, e foi com ele que ^audí entrou em seu período de
maturidade, entrando num estilo surrealista, em que é difícil não reter a forma
invulgar do cimento em conjunto com a natureza numa forma harmoniosa.
Museu de Arte. Belo Horizonte. Fonte: Disponível em: http://www.niemeyer.org.br. Acesso em 08 de
novembro de 2008.
O Museu de Arte, acima, foi o primeiro projeto de Niemeyer na Pampulha.
Funcionou como cassino até ser fechado em 1946, devido à proibição do jogo no
país. Passou a funcionar como museu em 1957, quando era conhecido como
“Palácio de Cristal”. A lagoa artificial do complexo foi construída na década de 1940,
e em seu entorno Niemeyer projetou um conjunto arquitetônico que se tornou
referência e influenciou toda a arquitetura moderna brasileira. Além do Museu fazem
parte do conjunto a igreja de São Francisco de Assis, a Casa do Baile e o Iate Tênis
Clube. Os jardins de Burle Marx, a pintura de Portinari e as esculturas de Ceschiatti,
Zamoiski e José Pedrosa completam o projeto concebido para a lagoa.
As suas igrejas, Sagrada Família, de Gaudí, e São Francisco, de Niemeyer,
causaram polêmica junto às autoridades religiosas.
Igreja da Sagrada Família. Barcelona. Fonte: Disponível em:
http://www.arquiteturaearte.files.wordpress.com. Acesso em 08 de novembro de 2008.
Na Igreja da Sagrada Família, acima, Gaudí buscou na morfologia da
natureza os elementos decorativos e estruturais conjugados num complexo arranjo
cheio de simbolismos e sobrecarregado visualmente, o que levou muitos
historiadores a classificá-lo junto ao estilo Art Nouveau. A planta da catedral possui
três grandes fachadas que se orientam de acordo com os pontos cardeais. A
fachada da Natividade, a fachada da Paixão e a fachada da Ressurreição de Cristo.
As torres passam os 100 metros de altura com seus pináculos cobertos de formas
abstratas de mosaicos Venezianos. As torres maiores representam
significativamente os quatro evangelistas, doze torres menores representam os
apóstolos, acima desses uma torre maior corresponde a Maria, e coroando todo o
conjunto arquitetônico, a alta torre de Cristo. Linhas retas e curvas no espaço
definem uma geometria com base em regras, centrada somente em quatro
superfícies distintas. A Sagrada Família é ousada na forma e nas soluções
estruturais utilizadas.
Igreja São Francisco de Assis. Fonte: Disponível em: http://www.niemeyer.org.br. Acesso em 08 de
novembro de 2008.
A Igreja São Francisco de Assis, ou Igreja da Pampulha, acima, está
localizada nas margens da Lagoa da Pampulha. Com suas linhas arrojadas o projeto
é considerado um marco da arquitetura moderna brasileira. Em sua fachada
encontra-se um Painel de Azulejos de autoria de Cândido Portinari, evocativo a São
Francisco de Assis, o Santo protetor dos animais. Durante muitos anos as
autoridades eclesiásticas não permitiram a consagração da Igreja, porque ficaram
chocadas pela forma nada ortodoxa da construção, bem como ficaram contrariadas
pelos desenhos, com temas religiosos. No projeto da capela, Niemeyer faz novos
experimentos em concreto armado, abandonando a laje sob pilotis e criando uma
abóboda parabólica em concreto, que seria ao mesmo estrutura e fechamento,
eliminando a necessidade de alvenarias. O arquiteto inicia a diretriz de toda a sua
obra, ou seja, uma arquitetura em que será preponderante a plasticidade da
estrutura de concreto armado, em formas ousadas.
Enquanto a igreja de Niemeyer está impregnada pelos valores do barroco
mineiro, a igreja de Gaudí é marcada pela identidade cultural ibérica e por traços do
estilo gótico e Art Nouveau.
Ao analisarmos obras tão diferentes e distantes no tempo podemos identificar
vários pontos em comum de um intenso diálogo entre o código formal e as soluções
estruturais. Dessa maneira, percebemos que Gaudí e Niemeyer rejeitam a dureza
das linhas retas e a rigidez das formas, no entanto, por um lado, Gaudí atribui às
formas curvas da natureza um sentido de divindade, enquanto Niemeyer assume
uma postura mais racional. As curvas harmoniosas dos terraços e marquise da Casa
do Baile, na Pampulha, e as dos bancos da praça superior do Parque Güell, dão a
dimensão das semelhanças no uso das linhas curvas nos trabalhos de ambos.
Casa do Baile. Belo Horizonte. Fonte: Disponível em: http://www.niemeyer.org.br. Acesso em 08 de
novembro de 2008.
Niemeyer afirma que fez a marquise da Casa do Baile, acima, em curva
porque elas seguiam as curvas da ilha, mas depois desmente, e diz que, na
verdade, o que lhe interessava era o elemento plástico da curva. A Casa do Baile foi
inaugurada em 1943 para abrigar um pequeno restaurante, um salão com mesas,
pista de dança, cozinhas e toaletes. A finalidade desta obra é a de valorizar
artisticamente a Pampulha e a função social de diversão para o povo. O projeto
propunha uma integração total com o ambiente da lagoa, e o arquiteto disse que foi
o projeto com o qual ele se ocupou das curvas com mais desenvoltura. A planta da
Casa do Baile se desenvolve a partir de duas circunferências que se tangenciam
internamente.
Parque Güell. Barcelona. Fonte: Disponível em: http://www.arquiteturaearte.files.wordpress.com.
Acesso em 08 de novembro de 2008.
O Parque Güell situa-se em Barcelona e foi inaugurado em 1922. O modelo
em que se inspirou Gaudí foram as escolas inglesas e o Santuário de Apolo, em
Delfos, arquétipo por excelência dos grandes recintos sagrados da antiguidade. A
proposta era construir um parque particular, uma cidade-jardim, onde as pessoas
teriam total liberdade. Construído entre 1900 e 1914, o parque é a afirmação das
preocupações urbanísticas audaciosas de Gaudí, que possuía uma concepção nova
do espaço e uma imaginação delirante na decoração dos bancos dos abrigos, feita
de mosaicos informais, usando colagens de cacos provenientes dos mais variados
objetos. A variedade de formas e de materiais interagindo com a vegetação natural e
paisagística, provocam a necessidade de compreensão dos limites da arte.
Destaque-se no parque a Gran Plaza Circular, que apresenta um banco em toda a
sua volta, com cerca de 152 metros, coberto de mosaicos coloridos. Logo a seguir a
esse enorme balcão assente em colunas, e a uma cota inferior, podemos ver dois
pavilhões construídos por Gaudí.
Niemeyer dizia que se o concreto existe, a curva deveria existir também.
Contudo, a utilização da curva não está isenta de problemas. Analisando a
arquitetura racionalista, Niemeyer distingue nela duas grandes técnicas, uma das
quais baseada em estruturas metálicas e a outra no concreto armado.
São técnicas com características tão diferentes que normalmente deveriam constituir estilos antagônicos ou, pelo menos, nada parecidos. Uma, a de concreto armado, lembrando ao arquiteto as formas mais inesperadas, a liberdade plástica, a curva livre e criadora que a outra repele, linear e restritiva: uma arquitetura mais simples e fria, longe dos caminhos da imaginação e da fantasia. Infelizmente, essa diferença entre as duas técnicas não foi bem analisada, e os responsáveis pela arquitetura contemporânea passaram a adotar um vocabulário comum, pobre, rígido, incapaz de exprimir as possibilidades e o espírito do concreto armado". Difunde-se então essa arquitetura "de cubos de vidro, a descer, fria e ostensiva, sobre as calçadas.7
Era o surgimento da arquitetura internacional, tão fácil de elaborar e tão repetida que
em poucos anos se disseminou pelo mundo.
As criações de Gaudí possuem um estilo altamente pessoal em que estão
condensadas, retrabalhadas e intensificadas as questões de fundo e de forma
levantadas ou experimentadas a partir de meados do século XIX, ou seja, a partir da
Modernidade. Suas criações estão marcadas por uma reavaliação estilística do
gótico, pelo uso naturalista dos novos materiais e na exploração das formas, assim
como no acerto romântico da verticalidade das igrejas medievais. Suas criações se
marcam pelo fervor religioso e furor místico na definição de uma linguagem que é ao
mesmo tempo pessoal e tradicional, assim como, pela justeza entre símbolo e
estrutura. Gaudí sintetiza experiências e aponta caminhos paradigmáticos à
posteridade, exercendo forte influência até à pós-modernidade.
Percebemos que na utilização das curvas e das retas, Niemeyer e Gaudí
problematizaram, cada um a seu modo, as novas propostas do modernismo, sem
contudo, adotarem um vocabulário empobrecedor, mas procurando exprimir novas
possibilidades estéticas e estruturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta monografia construímos um percurso crítico que nos
possibilitou chegar à verificação de que os dois arquitetos por nós analisados
construíram uma obra arquitetônica que valorizou a inspiração; contudo, se de um
7 NIEMEYER, Oscar. A arquitetura moderna no Brasil. In: Arte no Brasil. São Paulo: Editora Nova Cultural:
1986, pág. 24.
lado Antoni Gaudí partia de uma proposta arquitetônica calcada mais claramente no
valor estético, Oscar Niemeyer se pautou por uma proposta mais funcional. Como a
arquitetura é um procedimento artístico que exige um grande investimento
financeiro, os dois arquitetos trabalharam sempre com pessoas de alto poder
aquisitivo.
As nossas formulações sobre as criações dos dois arquitetos passaram pela
análise de suas poéticas expostas nas curvas harmoniosas dos terraços e marquise
da Casa do Baile, na Pampulha, e nas curvas dos bancos da praça superior do
Parque Güell. Na análise das duas catedrais construídas pelos dois arquitetos,
percebemos que os mesmos conseguiram reformular o conceito de uma construção
religiosa, não se prendendo a cristalizações arquitetônicas; contudo, deve-se
salientar que, se por um lado, Gaudí fazia os seus projetos a partir de um
envolvimento mais profundo com a religiosidade, Niemeyer, por outro lado, fazia os
seus projetos arquitetônico-religiosos apesar de ser um ateu comunista.
Por fim, concluímos que um ponto em comum muito marcante nos dois
arquitetos é que eles não são apenas construtores de edificações, mas conseguem
pensar a arquitetura de um ponto de vista mais amplo. Ambos construíram obras
complexas de grande impacto, seja arquitetônico, seja cultural. Enquanto Gaudí foi o
artífice do Parque Güell, de uma cidade-jardim, Niemeyer foi o artífice do Complexo
da Pampulha e da cidade de Brasília. Dessa forma, seguindo o pensamento de
Lúcio Costa, podemos dizer que Gaudí e Niemeyer concebem a arquitetura como
uma criação que tem o intuito de ordenar e organizar plasticamente o espaço em
função da época, do meio e das possibilidades técnicas de um determinado projeto,
conseguindo, contudo, suplantar a sua época, o seu meio e as limitações impostas,
sejam pela técnica, sejam pelo projeto.
REFERÊNCIAS
ARTIGAS, Isabel. Gaudí – obra completa. Barcelona: Taschen, 2007. BERMANN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. CARANDELL, Josep M., VIVAS, Pere. Park Güell – utopía de Gaudí. Barcelona: Triangle Postals, 2005. CASCAIS, Ana Maria Pires. Gaudí. Seixal: Editora Lisma, 2006. COSTA, Lúcio. Considerações sobre arte contemporânea. In: COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.
DAU, Sandro, BATISTA, Rita de Cássia, GEOFFROY, Rodrigo Tostes. Ciência: pesquisa, métodos e normas. Barbacena: Editora da UNIPAC, 2004. LIZ, Josep. FotoGuía – Park Güell. Barcelona: Triangle Postals, s/d. NIEMEYER, Oscar. A arquitetura moderna no Brasil. In: Arte no Brasil. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1986. ______. As curvas do tempo – Memórias. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 1999. SUMMERSON, John. A linguagem da arquitetura clássica. São Paulo: Martins Fontes, 1999. TELLO, A. B. Gaudí. Barcelona: Vilmar Ediciones, s/d.
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