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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM LINGUÍSTICA
GÊNEROS ORAIS E ENSINO: O DEBATE REGRADO COMO
PRÁTICA LINGUÍSTICO-DISCURSIVA DE SUJEITOS EM
FORMAÇÃO
AGMAR RIBEIRO JUSTINO DOS SANTOS
Orientadora: Profa. Dra. Ana Elvira Luciano Gebara
Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.
SÃO PAULO
2015
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
S233g
Santos, Agmar Ribeiro Justino dos. Gêneros orais e ensino: o debate regrado como prática
linguístico-discursiva de sujeitos em formação / Agmar Ribeiro Justino dos Santos. -- São Paulo; SP: [s.n], 2015.
87 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Ana Elvira Luciano Gebara. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em
Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Análise do discurso 2. Gêneros textuais 3. Linguística textual
4. Língua portuguesa – Processo de ensino-aprendizagem 5. Livro didático – Ensino fundamental 6. Parâmetros curriculares nacionais. I. Gebara, Ana Elvira Luciano. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.
CDU: 81’42(043.3)
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
GÊNEROS ORAIS E ENSINO: O DEBATE REGRADO COMO
PRÁTICA LINGUÍSTICO-DISCURSIVA DE SUJEITOS EM
FORMAÇÃO
AGMAR RIBEIRO JUSTINO DOS SANTOS
Dissertação de mestrado defendida e aprovada
pela Banca Examinadora em 27/02/2015.
BANCA EXAMINADORA:
Profª. Drª. Ana Elvira Luciano Gebara
Universidade Cruzeiro do Sul
Presidente
Profª. Drª. Guaraciaba Micheletti
Universidade Cruzeiro do Sul
Profª. Drª. Alessandra Ferreira Ignez
Instituto de Federal de São Paulo
Dedico este trabalho aos meus pais, Antonio (in memoriam) e Anísia que
sempre tiveram na vida: foco para um objetivo alcançar, força para nunca desistir
de lutar e principalmente fé para se manter de pé.
AGRADECIMENTOS
A Deus pela vida e saúde.
Ao meu esposo Juscelino e ao meu filho Diogo pela paciência e compreensão.
À minha orientadora, Professora Doutora Ana Elvira Luciano Gebara, pelo
acolhimento, inteligência, doçura, humor e pelas cuidadosas leituras
acrescidas de valiosas sugestões que nortearam meu trabalho.
À Professora Doutora Guaraciaba Micheletti e à Professora Doutora
Alessandra Ferreira Ignez, pelas enriquecedoras sugestões apresentadas no
Exame de Qualificação.
A todos os professores do programa de mestrado da Universidade Cruzeiro do
Sul, pelo compromisso e dedicação ao trabalho.
À professora Doutora Elisangêla Vieira de Araujo, que disse-me um dia que
essa etapa seria possível.
A todos os colegas de curso, em especial à Fabiana e Débora nos momentos
de companheirismo, ansiedade e alegria que passamos juntas.
A estrada
Você não sabe o quanto eu caminhei
Pra chegar até aqui
Percorri milhas e milhas antes de dormir
Eu nem cochilei
Os mais belos montes escalei
Nas noites escuras de frio
Chorei, ei, ei ...
A vida ensina
E o tempo traz o tom
Prá nascer uma canção
Com a fé no dia-a-dia
Encontro a solução...
Meu caminho só meu Pai
Pode mudar ...
Toni Garrido, Cidade Negra,1998.
SANTOS, A. R. J. Gêneros orais e ensino: o debate regrado como prática linguístico-discursiva de sujeitos em formação. 2015. 87 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2015.
RESUMO
O ensino dos gêneros orais no Ensino Fundamental I e II tem sido feito de maneira
ainda insuficiente dada a importância da modalidade oral e dos gêneros que nela se
fundam. Embora existam estudos que apresentam abordagens e estudos de casos
desses gêneros, os livros didáticos de Língua Portuguesa não têm reservado muitas
atividades para eles. Em virtude desse quadro, a presente dissertação, inserida na
linha de pesquisa “Texto, discurso e ensino: processos de leitura e de produção do
texto escrito e falado”, tem como objetivo analisar as atividades sobre o gênero
debate regrado nos livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental,
a partir da abordagem teórico-metodológica do grupo de Genebra (SCHNEUWLY;
DOLZ, 2004), que desenvolve pesquisas relacionadas ao ensino-aprendizagem da
produção de gêneros textuais orais e escritos, e da concepção de gêneros prevista
pelos documentos publicados pelo Ministério da Educação e Cultura - MEC,
intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental - PCNs de
Língua Portuguesa (1998) que considera o ensino dos gêneros orais de fundamental
relevância para a formação do cidadão consciente e defensor de seus direitos. Esse
estudo verifica em que medida os exercícios propostos nos livros didáticos da
coleção: Projeto Radix: Português 6º ano e Português Linguagens 9º ano colaboram
efetivamente para a formação de um sujeito que possa fazer uso da argumentação
oral nas mais diversas circunstâncias sociais, sejam elas formais ou informais, e
propõe caminhos a partir dessa análise.
Palavras-chave: Gêneros orais, Debate regrado, Ensino do gênero debate, Debate
e o LDP.
SANTOS, A. R. J. Teaching and genres oral: the debate as a linguistic-discursive practice of subjects in development. 2015. 87 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2015.
ABSTRACT
The teaching of oral genres in elementary school has been developed but not
sufficiently given the importance of oral modality and of genres that are based on this
modality. Although there are studies that present approaches and case studies of
these genres, the textbooks of Portuguese have not developed many activities on
this subject. In this context, this dissertation, inserted in the research line "Text,
speech and education: reading processes and text production written and spoken",
aims to analyze the activities on the debate (as a genre) in textbooks of Portuguese
for elementary school, from the theoretical and methodological approach of the
Geneva group (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004), which conducts research related to the
teaching-learning production of oral and written genres, and the development of
genres provided by published documents the Ministry of Education and Culture -
MEC, entitled National Curriculum Standards for Elementary Education - PCN (s)
Portuguese (1998) that considers fundamental, the teaching of oral genres for the
formation of a citizen, conscious and defender of their rights. This study evaluates
how the proposed exercises in textbooks (collections Radix Project: 6th year
Portuguese and Portuguese languages 9th grade) collaborate effectively for the
formation of students who can use of the strategies of argumentation in the most
diverse social circumstances, whether formal or informal, and proposes alternatives
from the results of the present analysis.
Keywords: Oral genres, Debate, Teaching the debate as a genre, Debate and the
LDP.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 13
O GÊNERO TEXTUAL ORAL NA ESCOLA: O DEBATE ........................................ 13
1.1 Gênero e ensino ............................................................................................ 13
1.2 Os gêneros orais: de objeto de aprendizagem a objeto de ensino .......... 16
1.3 A importância de se trabalhar com gênero debate regrado em sala
de aula ........................................................................................................... 21
1.4 Os elementos organizadores da interação: categorias de análise do
gênero debate regrado ................................................................................. 24
1.4.1 Os marcadores conversacionais ................................................................. 25
1.4.2 Os modalizadores ......................................................................................... 27
1.4.3 Os operadores argumentativos ................................................................... 29
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 34
ANÁLISE DO GÊNERO DEBATE NOS LIVROS DIDÁTICOS DOS 6º ANOS E
9º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL .................................................................. 34
2.1 Corpus da pesquisa...................................................................................... 34
2.2 Composições dos módulos e capítulos do livro didático Projeto
Radix: Português .......................................................................................... 34
2.3 Como é a estrutura dos capítulos no livro didático Projeto Radix:
Português ...................................................................................................... 37
2.4 Concepções dos autores do livro didático Projeto RADIX:
Português, Ernani Terra e Floriana Toscano Cavallete em relação
aos gêneros orais ......................................................................................... 39
2.5 Apresentações do gênero debate no livro didático Projeto Radix:
Português ...................................................................................................... 42
2.6 Análises das atividades do gênero oral debate no livro didático
Projeto Radix – Português do 6º ano .......................................................... 45
2.7 Composições do livro didático Português Linguagens 9º ano dos
autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães ................. 50
2.8 Concepções dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar
Magalhães em relação aos gêneros orais .................................................. 51
2.9 Apresentações das atividades do gênero debate no livro didático
dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães ......... 52
2.10 Análises das atividades do gênero debate nas propostas no livro
Português – Linguagens do 9º ano ............................................................. 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 62
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65
ANEXO ..................................................................................................................... 67
10
INTRODUÇÃO
Nas escolas brasileiras, devido à antiga tradição de ensino e
aprendizagem da língua materna, que privilegiam a leitura e a produção de
textos escritos, os gêneros orais não são um lócus que exigem reflexão e
avaliação por parte dos professores.
Em nossa prática em sala de aula, causou-nos (e ainda causa)
preocupação, a falta de atividades sistematizadas nos livros didáticos de
Língua Portuguesa relacionadas especialmente ao gênero debate, que
poderiam propiciar ao aluno oportunidade de apropriar-se de maneira eficiente
dos recursos linguísticos, textuais e comunicativos mais adequados às práticas
orais na escola e fora dela.
Foi a partir dessas inquietações que nos sentimos motivados a
pesquisar sobre esse assunto, pois, ao longo de nossa trajetória como
professora de Língua Portuguesa em escolas públicas de São Paulo,
verificamos que atividades dedicadas ao desenvolvimento das competências
linguística textual e comunicativa apropriadas ao domínio do debate eram
restritas, ou muitas vezes, não existiam.
Por essa razão, este trabalho tem como ponto principal analisar as
atividades sobre o gênero debate em dois volumes de livros didáticos de
Língua Portuguesa do Ensino Fundamental, sendo: Projeto Radix: Português
6º ano dos autores Ernani Terra e Floriana Toscano Cavallete, editora Scipione
e Português Linguagens 9º ano, dos autores William Roberto Cereja e
Thereza Cochar Magalhães, editora Ática, buscando a adequação dessas
atividades às concepções de gênero debate oral.
As coleções foram escolhidas para comporem o corpus da pesquisa por
fazerem parte dos livros aprovados pelo MEC e por circularem nas escolas
estaduais. Os volumes escolhidos, 6º e 9º ano, representam o início do
trabalho no Fundamental II e o término desse trabalho. Dessa forma, o corpus
11
se apresenta como amostragem significativa de um trabalho com gênero que
deve ser desenvolvido segundo a concepção do ensino em espiral, em que os
gêneros se repetem sendo a cada ocorrência aprofundados em seu estudo.
Para desenvolver as análises, por sua vez, propomo-nos, nas atividades
com o gênero debate apresentadas pelos autores desses dois livros; identificar
as concepções desse gênero e verificar se estas atendem às propostas, que
consideramos modelares quanto à concepção de gêneros, dos Parâmetros
Curriculares de Língua Portuguesa e dos estudiosos genebrinos Schneuwly;
Dolz (2004), sistematizadas na abordagem da sequência didática elaboradas
pelos mesmos autores.
Nos recentes trabalhos sobre o ensino de língua materna, destaca-se o
dos pesquisadores Schneuwly; Dolz que tem como objetivo o ensino-
aprendizagem da produção de gêneros textuais orais e escritos.
Schneuwly; Dolz postulam que comunicar-se oralmente ou por escrito
pode e deve ser ensinado sistematicamente (2004, p.43). Os autores afirmam
que se deve partir de uma estratégia que servirá tanto para a produção oral
como para a escrita. Eles nomeiam essa série de estratégias de sequência
didática que consiste em módulos de ensino organizados sistematicamente que
tem por objetivo melhorar uma determinada prática de linguagem (pode-se
começar por um aspecto de um gênero até o gênero propriamente dito).
Já os PCN (1998), ao serem utilizados como apoio para orientar as
práticas de ensino de língua materna, pontuam questões centrais relativas aos
processos de ensino e aprendizagem perpassados pela teoria dos gêneros
para melhorar a aprendizagem dos alunos em termos de desenvolvimento da
linguagem.
Tal documento ressalta que a leitura e a produção de textos, tanto orais
quanto escritos, são as práticas discursivas que, combinadas com a reflexão
sobre as estruturas da língua, devem ser priorizadas no trabalho com a língua
materna.
12
Assim, os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa colocam como
objetivo fundamental trabalhar o conhecimento necessário sobre as diferentes
formas de realização da linguagem na sociedade, a fim de que os sujeitos
envolvidos no processo de aprendizagem possam se comunicar
produtivamente nos grupos sociais de que participam. A estrutura da
dissertação segundo a metodologia está assim organizada: no capítulo 1
buscamos explicitar de forma sucinta o conceito de gênero sob a perspectiva
dos teóricos Schneuwly; Dolz (2004), bem como algumas aproximações entre
os estudiosos sobre estudos de gêneros, Bakhtin (2011), Bazerman (2004) e
Marcuschi (2008).
A seguir, ainda nesse capítulo, partir dos estudos de Schneuwly; Dolz
(2004) e Ribeiro (2009), apresentaremos o gênero oral e suas modalidades,
focalizando as características do gênero debate na escola.
No capítulo 2, constará a apresentação dos livros didáticos em sua
organização e composição, as atividades relacionadas ao gênero debate, a
concepção dos autores e, em seguida, análise das atividades do gênero debate
nos livros do corpus.
Nas considerações finais, retomaremos a questão das dificuldades
encontradas pelo professor ao trabalhar com esse gênero na escola bem como
as possibilidades de inserção do debate nas atividades escolares.
13
CAPÍTULO 1 - O GÊNERO TEXTUAL ORAL NA ESCOLA: O
DEBATE
Este capítulo busca explicitar o conceito de gênero sob a perspectiva
dos teóricos Schneuwly; Dolz (2004), bem como algumas aproximações entre
autores que têm fundamentação teórica sobre estudos de gênero como ação
linguareira social, e as recomendações dos PCN (1998, p.23) para o ensino de
Língua Portuguesa por meio dos gêneros textuais. Em seguida,
apresentaremos a importância de se trabalhar com o gênero debate regrado
em sala de aula baseado nos estudos de Dolz e Schneuwly (2004) e sob a luz
da teoria de Koch (2000) e Ribeiro (2009) analisaremos os fatores linguísticos
no processo de argumentação, os operadores argumentativos no processo de
interação entre os participantes do evento comunicativo – elementos centrais
para esse gênero.
1.1 Gênero e ensino
Ao longo de toda a história da humanidade, os diferentes tipos de
atividades sociais geraram diferentes gêneros, denominados por Bakhtin (2011,
p.262) como tipos relativamente estáveis de enunciados (orais e escritos),
compostos por conteúdo temático, estilo verbal e construção composicional
específicos de uma determinada esfera de ação humana. Para Bakhtin, a
linguagem é aceita como um fenômeno social, histórico e ideológico e os
gêneros são tipos de enunciados que existem nas diferentes esferas da
atividade humana:
Esses gêneros do discurso nos são dados quase como nos é dada a língua materna que dominamos com facilidade antes mesmo que lhe estudemos a gramática. A língua materna, a composição de seu léxico e sua estrutura gramatical, não a aprendeu nos dicionários e nas gramáticas, nós a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com os indivíduos que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua somente nas formas assumidas pelo enunciado, e juntamente com essas formas. As formas da língua e as formas típicas do enunciado, isto é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência juntamente e sem que a sua estreita relação seja rompida. (BAKHTIN, 2011, p.282-283).
14
A partir dessa concepção de Bakhtin, mas com outra abordagem
Marcuschi (2008, p.20) compreende que os gêneros textuais são fenômenos
históricos que se ligam as atividades sociais e culturais dos sujeitos e, por isso,
são eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos.
Com essa perspectiva, o nosso trabalho pretende mostrar como o
gênero é dinâmico, se adapta a várias circunstâncias das esferas sociais e se
apresenta em constante construção na interação com o outro.
Ainda segundo Marcuschi (2008, p.187), um gênero seria uma noção
cotidiana usada pelos falantes que se apoiam em características gerais e
situações rotineiras para identificá-lo.
Para exemplificar a afirmação do autor, tomemos o gênero e-mail, que
por uma exigência da sociedade informatizada, começou a fazer parte da
nossa comunicação. Tal exemplo mostra o que Marcuschi nos revela ao dizer
que “os gêneros surgem emparelhados a necessidade e atividades
socioculturais” (2008, p.155).
Schneuwly (2004, p. 23) nos faz lembrar que “mesmo sendo mutáveis e
flexíveis”, definição encontrada em Bakthin (2004), os gêneros possuem certa
estabilidade o que favorece seu ensino, pois “eles definem o que é dizível (e,
inversamente: o que deve ser dito define a escolha de um gênero)” e são
caracterizados por um plano comunicacional. Isso poderia indicar um paradoxo
(ser instável e, ao mesmo tempo, estável), no entanto, é uma contradição
aparente, pois o que podemos ensinar na escola são aspectos estáveis como
elementos composicionais, funções sociais, papéis dos enunciadores e afins,
que devem sempre ser apresentados como possiblidades de desenvolver
determinado gênero propondo também como mutável o ensino, daí a
necessidade de enfatizar os aspectos discursivos envolvidos.
O autor genebrino afirma ainda que a escolha de um gênero se faz em
função da definição dos parâmetros da situação que guiam a ação. Ele
considera os gêneros como um “megainstrumentos, como uma configuração
15
estabilizada de vários subsistemas semióticos e (sobretudo linguísticos, mas
também paralinguísticos) que permitem agir eficazmente numa classe bem
definida de situações de comunicação” (2004, p.25).
Para ele, os gêneros ficam num intermédio entre o indivíduo que se
encontra numa situação comunicativa e o objeto sobre o qual e com o qual ele
deverá agir. E têm como objetivo determinar, transformar os comportamentos
desse mesmo diante de uma determinada situação. É por essa razão que
Schneuwly e Dolz (2004, p.45) postulam que “as práticas de linguagem, as
capacidades de linguagem e as estratégias de ensino são fatores que
introduzem em nossa experiência e consciência para práticas sociais da
linguagem”.
As capacidades de linguagem são as aptidões necessárias requeridas
dos sujeitos (alunos) para a produção de um gênero numa dada situação
comunicativa e estratégias de ensino são os instrumentos por meio dos quais
os alunos progressivamente apropriam-se dos gêneros.
As práticas de linguagem estão relacionadas ao funcionamento da
linguagem no interior das práticas sociais por serem os instrumentos
indispensáveis à interação social. Assim, por meio de intervenções didáticas,
reguladas e mediadas pelos professores, dá-se o desenvolvimento das
habilidades dos alunos em reconhecerem os gêneros – no nosso caso, o
debate regrado.
Outra discussão sobre gêneros foi proposta por Bazerman que enfatiza
numa abordagem socioestrutural e sociopsicológicas que
os gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser. São frames para a ação social. São ambientes para aprendizagem. São os lugares onde o sentido é construído. Os gêneros moldam os pensamentos que formamos e as comunicações através das quais interagimos. (BAZERMAN, 2006, p.23).
Bazerman (2006) observa os gêneros como ação social, pois acredita
que um gênero existe apenas à medida que seus usuários o reconhecem e o
distinguem na dinâmica das relações sociais em que se insere.
16
Dessa forma, o autor exemplifica com as cartas comerciais de
reclamação como um tipo de resposta a circunstâncias particulares, ou seja,
determinada situação pode resultar em uma ocasião que exige uma carta de
reclamação.
O reconhecimento do gênero tipifica as possíveis ações e intenções
sociais, uma vez que se percebe que uma carta de reclamação é uma resposta
possível a alguma injustiça nas relações comerciais.
Tal reconhecimento, como afirma o autor, faz com que os gêneros, da
forma como são percebidos e usados pelos indivíduos, tornem-se parte das
relações sociais padronizadas, da paisagem comunicativa e da organização
cognitiva do usuário da língua. E que, ao dispor espaços definidos social e
historicamente, nos quais devemos falar (e escrever) de modo reconhecível e
apropriado, os gêneros apresentam ambientes e habitat que nós percebemos e
nos quais agimos. Dessa maneira, Marcuschi (2008) e Bazerman (2006) nos
apresentam os gêneros como eventos comunicativos que são usados para
objetivos específicos dentro de um contexto sociocultural e essa perspectiva
permite que desenvolvamos as nossas análises por possibilitarem que
entendamos o papel do gênero para os alunos e as mediações que existem
nos momentos em que são propostos como objetos de ensino-aprendizagem.
1.2 Os gêneros orais: de objeto de aprendizagem a objeto de ensino
Os PCN (1998) norteiam as Propostas Curriculares de Língua
Portuguesa em âmbito nacional que devem articular-se em torno das
modalidades oral e escrita. O objetivo do ensino de Língua Portuguesa,
segundo esses documentos de orientação, é a formação de um usuário
competente do ponto de vista comunicacional, capaz de realizar escolhas
adequadas ao contexto em que se insere. Dentro das propostas dos PCN,
espera-se que o aluno no contexto de produção de textos orais, objeto dessa
pesquisa:
Planeje a fala pública usando a linguagem escrita em função das exigências da situação e dos objetivos estabelecidos;
17
Considere os papéis assumidos pelos participantes, ajustando o texto à variedade linguística adequada;
Saiba utilizar e valorizar o repertório linguístico de sua comunidade na produção de textos;
Monitore seu desempenho oral, levando em conta a intenção comunicativa e a reação dos interlocutores e reformulando o planejamento prévio quando necessário;
Considere possíveis efeitos de sentido produzidos pela utilização de elementos não verbais (BRASIL, 1998, p.51).
Os PCN (1998) consideram que os alunos, ao chegar à escola, trazem
uma competência discursiva utilizada em suas interações no cotidiano e que
cabe à escola desenvolver as habilidades necessárias para o desenvolvimento
pleno da cidadania,
ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas: realização de entrevistas , debates, seminários, apresentações teatrais etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois é descabido treinar um nível mais formal de fala tomado como mais apropriado para todas as situações (BRASIL, 1998, p.25).
Para Schneuwly e Dolz (2004), não há dúvidas de que a linguagem oral
na escola se faz presente nas salas de aula, na rotina, na leitura e na correção
de atividades. Porém, ela não é ensinada, e, quando se faz, é de forma
bastante discreta e pouco controlada, de forma restrita e limitada.
Os professores, muitas vezes, compreendem que a prática da oralidade
só se realiza junto ao texto escrito, e avaliam a oralidade do aluno a partir da
leitura feita em voz alta. Esse tipo de avaliação é uma das práticas mais
utilizadas nas escolas de Ensino Fundamental. Mesmo quando muitas vezes
os alunos não conseguem apresentar-se como um locutor capaz de mobilizar a
atenção dos colegas de sala para quem vai falar.
Sabemos que muitos pesquisadores priorizaram estudos e investigações
sobre a produção de gêneros escritos e muito pouco se tem investigado acerca
dos gêneros orais mais formais que são demandados dos sujeitos nos
diferentes domínios sociais, principalmente no interior da escola.
18
Entretanto, temos autores que dão importância aos estudos das práticas
de linguagem em que tanto a produção dos gêneros escritos quanto a
produção dos gêneros orais são necessárias para que se desenvolva a
competência comunicativa dos falantes nas mais diversas esferas de
atividades humanas, assim como na esfera escolar.
Podemos observar essa postura em Milanez (1992), que, em suas
investigações, prioriza o trabalho com a oralidade visando um desempenho
mais satisfatório dos alunos que passam em média onze anos na escola:
(...) o fato desse mesmo ensino privilegiar a língua escrita em detrimento da oral. Esta, além de desconsiderada como variedade da língua (desprezam-se os registros orais na descrição do idioma) desconsiderada na escola, também como instrumento de comunicação, uma vez que o aluno é avaliado exclusivamente pelo que escreve não pelo que fala, como se a escrita fosse o único veículo de comunicação entre os homens. (MILANEZ, 1992, p.8).
O que não se pode esquecer é que o aluno, antes mesmo de frequentar
a escola, traz consigo um repertório de habilidades argumentativas e contra-
argumentativas, desenvolvidas em situações dialogais do cotidiano, desde o
momento quando participa de uma brincadeira com os colegas ou ainda,
quando em ambiente familiar, esses mesmos alunos se posicionam diante de
uma decisão dos pais.
O papel da escola é o de aprimorar as capacidades de oralidade dos
alunos oportunizando atividades para desenvolvê-las de duas formas: uma
social, isto é, dentro da escola, num exercício de cidadania, ouvir o que o outro
tem a dizer, posicionar-se diante do que foi colocado pelo outro, dar sua
opinião, refutar, justificar sua opinião. A outra forma seria de desenvolver as
capacidades linguístico-discursivas contemplando os gêneros orais que
circulam na sociedade, utilizando, por exemplo, o gênero debate regrado,
nosso objeto de pesquisa.
Segundo Geraldi (1997), a escola deve, se quiser ser bem sucedida,
proporcionar a maior diversidade possível de interações, porque é delas que a
19
criança extrairá os diferentes usos da linguagem, pois diferentes são as
instâncias.
Muito tem se discutido em nossa sociedade sobre a importância da
cidadania, da formação ética dos indivíduos e do olhar crítico diante de
situação que exija um posicionamento, e nesse sentido trabalhar com o debate
regrado concretizaria parcialmente esse objetivo.
A escola vem aprimorando suas concepções de ensino-aprendizagem
com contribuições construtivistas e do sociointeracionismo, mas ela ainda se
limita à transmissão de conhecimentos, de competências disciplinares,
desvinculadas das práticas sociais.
Schneuwly e Dolz indicam que a prática da oralidade tem um lugar
importante nas duas pontas do sistema escolar: “na pré-escola, nos primeiros
anos do ensino fundamental e no ensino superior, na tomada de palavra em
público é indispensável para garantir a eficácia em profissões” (2004, p.126).
É importante ressaltar ainda que, ao tomar como perspectiva de trabalho
a modalidade oral da linguagem, com o objetivo de formar alunos para o
exercício da cidadania, a escola estaria contemplando a diversidade de
situações comunicativas como postula Schneuwly e Dolz (2004) nos três
princípios fundamentais para o ensino do oral nas escolas.
Sabemos que o gênero oral na escola está merecendo maior atenção
por parte dos professores, uma vez que as apresentações orais são formas
recorrentes de prática pedagógica das diversas disciplinas do currículo da
educação básica. Essas formas são usadas frequentemente como fechamento
de conteúdos específicos trabalhados por certo período de tempo, mas não
recebem tratamento diferenciado quanto às orientações e critérios
estabelecidos pelos professores das diversas áreas do conhecimento.
Portanto, as apresentações orais acabam por ter como característica
apenas leves pinceladas de orientação por parte dos professores de Língua
20
Portuguesa, embora esse tipo de trabalho seja solicitado por praticamente
todos os professores de uma escola.
Bazerman nos alerta em relação à escolha dos gêneros para trabalhar
em sala de aula “cabe a nós, professores, ativarmos o dinamismo da sala de
aula de forma a manter vivos, nas ações significativas de comunicação escolar,
os gêneros que solicitamos aos nossos alunos produzirem” (2006, p.30).
O autor acredita que o gênero é uma ferramenta que define desafios que
“levarão os alunos a novos domínios até então não explorados por eles, mas
não tão diferentes dos domínios que conhecem a ponto de serem
ininteligíveis”. (BAZERMAN, 2006, p.31)
É importante que a escola em relação aos gêneros orais e escritos,
possa observar mais semelhanças do que diferenças, pois esses gêneros
convivem num continuum fundamentado nos usos da língua, onde a oralidade
aprimora a produção escrita e vice-versa (MARCUSCHI, 2008)1.
Castilho, em seus estudos, propõe uma renovação do ensino de
gramática a partir de uma reflexão sobre a língua falada. (1998, p.9). Ele afirma
que o professor é quem deve definir as diretrizes da prática escolar e que a
função da escola não é mais concentrar-se no ensino da língua escrita, com o
pretexto de que o aluno já traz para a escola a língua falada. (1998, p.13). Por
isso, acredita que a escola, ao valorizar os hábitos culturais dos alunos,
consiga mostrar-lhes as variedades socioculturais da língua sem discriminar ou
tachar a sua fala.
Assim, o professor de Língua Portuguesa pode propor aos alunos a
preparação de um debate por meio da escrita para que tópicos importantes não
sejam esquecidos e para que o tema a ser debatido não seja desviado e por
1 Os alunos chegam com um tipo de desempenho oral, chamado de Fala 1, que é modificado
na escola por uma escrita 1. A partir daí, a fala vai se modificando: “Finalmente, na escrita e pela escrita, a criança descobre um segundo tipo de expressão oral, a fala 2, a que resulta do letramento e que ela elabora a partir do escrito, pela leitura.” (RODRIGUES, 1998) A fala 2 também modifica a escrita, por isso, o ensino de gêneros orais formais como o debate auxiliam o desenvolvimento da Escrita 2.
21
meio de uma sensibilização sobre as peculiaridades da língua oral: as pausas,
os alongamentos vocálicos e consonantais, as hesitações, os truncamentos, a
mudança do tom de voz dos falantes, a superposição de vozes, os marcadores
conversacionais entre outras.
1.3 A importância de se trabalhar com gênero debate regrado em sala de
aula
O gênero debate tem papel fundamental no desenvolvimento da
oralidade na escola e na sociedade em geral, pois amplia de forma significativa
a capacidade de linguagem dos alunos em sua dimensão argumentativa.
Como afirmam Schneuwly e Dolz (2004, p. 214)
o debate desempenha um papel importante em nossa sociedade, tende igualmente a tornar-se necessário na escola atual, na qual fazem parte dos objetivos prioritários as capacidades dos alunos para defender oralmente ou por escrito um ponto de vista, uma escolha ou um procedimento de descoberta.
No entanto, é importante lembrar que, ao falarmos do gênero debate,
não estamos nos referindo à imitação do debate apresentado em TV, mesmo
porque as condições de produção dessas formas de comunicação se diferem
pelo local e objetivo. Embora também seja um tipo de debate regrado, a
presença das câmeras que promovem a edição das imagens (enquadramentos
etc.), os preparadores dos candidatos e assessores promovem a concepção de
um debate que deve ser vencido por um dos participantes enquanto os debates
desenvolvidos em sala não apresentam esse caráter de disputa; são espaços
de diálogos e de construção coletiva.
Schneuwly e Dolz (2004, p. 215) apresentam três formas de debates,
que consideram bastantes úteis para trabalhar em sala de aula.
a. O debate de opinião de fundo controverso, que diz respeito à exposição
de crenças e opiniões, com vistas a influenciar a posição do outro. Por meio
dos confrontos de ideias, esse tipo de debate representa um poderoso meio de
compreender um assunto controverso, pois nele o aluno descobre as mais
22
variadas facetas sobre o tema debatido, podendo inclusive, forjar uma nova
ideia sobre o assunto, ou até transformar um argumento seu anterior;
b. O debate deliberativo, no qual a argumentação tem por objetivo uma
tomada de decisão, o que exercita a negociação entre as partes opostas, pois
todos têm de pensar numa só solução para a questão central;
c. O debate para resolução de problemas, que aumenta a capacidade dos
alunos de buscar soluções para a questão proposta. Muitas vezes a solução já
existe, nem todos conhecem, mas é necessário que coletivamente seja
elaborada com a contribuição de cada participante.
Alguns alunos, quando se encontram nos 3º e 4º ciclos do Ensino
Fundamental já apresentam habilidade de organizar a tomada de turnos, expor
suas ideias de forma ordenada e escutar o outro, porém as dificuldades estão
nas habilidades de organizar de modo adequado seus argumentos e negociar
suas ideias com outros colegas durante o debate.
Schneuwly e Dolz (2004, p.222) explicam que, em muitos debates, as
crianças tendiam a “girar em círculos” e chegavam rapidamente a um impasse
ou voltavam-se constantemente aos mesmos argumentos.
Para que a repetição sem utilidade não ocorra e para que haja a
mudança de nível para outra problemática, é necessário que os alunos
consigam desenvolver adequadamente as capacidades de linguagem
subjacentes ao debate regrado, ou seja, é importante que seja explicado quais
são as características desse gênero oral.
Segundo Ribeiro (2009), o trabalho sistematizado contemplando os
vários gêneros discursivos possibilitaria o aprimoramento das possibilidades de
desenvolvimento das capacidades linguísticos-discursivas dos alunos.
Assim, a autora considera que, ao trabalhar o gênero debate em sala de
aula em forma de sequências didáticas, seria necessário elencar os seguintes
aspectos:
23
a) sequência tipológica (argumentativa) apresentar aos alunos textos
variados, orais ou escritos
b) estratégias discursivas: deliberação, explicação, demonstração
c) estratégias enunciativas: marcas do autor e do destinatário condições
de produção, qual a função do debate e quem são os participantes envolvidos;
d) estratégias argumentativas: tese, argumentos e conclusão estímulo para
que os alunos construam e defendam opiniões e ideias, para que possam
argumentar com o devido respaldo de informações sobre o tema proposto;
e) organização linguística características típicas do gênero oral debate,
como presença de expressões de responsabilidades de autoria, em primeira
pessoa por tratar de textos em que se tem de expressar as próprias opiniões,
articulação coesiva pelos operadores argumentativos, uso do presente do
indicativo, como marcador temporal, uso de modalizadores, predominância de
conectivos de encadeamento.
Além dos aspectos acima descritos, a autora ressalta que é necessário
entender a dinâmica de funcionamento ao se trabalhar com o debate na escola,
que se dará: (i) em torno da regulação ou dinâmica de trocas (escuta do outro,
organização do discurso e posicionamento (ii) da justificação (sustentação do
posicionamento utilizando de argumentos; (iii) e da refutação (réplica,
contestação).
O diálogo argumentativo é um gênero oral que também poderá ser
trabalhado na sequência didática do gênero debate. Ribeiro afirma que esse
tipo de gênero oral
incide sobre a capacidade de gerar conflitos, fazendo com que os interlocutores busquem novos interlocutores para defender as suas ideias. Buscando convencer e persuadir o outro através do discurso, o interlocutor sempre estará recorrendo ao raciocínio lógico, às evidências, às emoções, às provas e outros mecanismos de argumentação, no sentido de validar o discurso próprio (2009, p.43)
24
Em relação ao tema a ser debatido Rosenblat (2000 apud Ribeiro, 2009,
p.52) afirma que o debate só é possível a partir de três aspectos de produção:
a) grau de familiaridade com a situação de produção; b) escolha de temas com
conteúdo polêmico; e c) o nível de repertório do conteúdo temático.
Dessa maneira, o tema do debate deverá estar de acordo com os
objetivos do processo de ensino e aprendizagem e dentro de um contexto real
em que os alunos possam intervir. Conforme observam Schneuwly & Dolz
(2004, p. 225), deve-se levar em conta quatro dimensões do gênero:
a) uma dimensão psicológica, que inclui as motivações, os afetos e
os interesses dos alunos;
b) uma dimensão cognitiva, que diz respeito à complexidade do
tema e ao repertório dos alunos;
c) uma dimensão social, que aprofunde o lado crítico e social do
tema, suas polêmicas, seus contextos, seus aspectos éticos, sua
presença real no interior ou no exterior da escola, e ao fato de que possa
dar lugar a um projeto de classe que faça sentido para os alunos;
d) uma dimensão didática, que demanda que o tema apresente um
nível de dificuldade para que os alunos expandam suas aprendizagens
sobre um determinado assunto.
Esse tipo de atividade proporciona aos alunos a interação com outros
colegas, conhecimento de outros tipos de discurso, pois, ao escolherem o tema
a ser colocado em debate, fazem uso de palavras, expressões e novos olhares
e ideias diferentes dos discursos utilizados no cotidiano.
1.4 Os elementos organizadores da interação: categorias de análise do gênero debate regrado
Segundo Marcushi (2008, p.212) os gêneros se acham sempre
ancorados em alguma situação concreta, particularmente os orais, por esse
25
motivo, os autores Schneuwly e Dolz julgam plausível partir de situações claras
para trabalhar a oralidade.
Nos gêneros, a estrutura composicional pode ser ainda composta por
tipos textuais que, ao contrário dos gêneros, são limitados a seis: dialogal,
descritivo, injuntivo, expositivo, narrativo e argumentativo. De acordo com
Marcuschi, os tipos textuais apresentam algumas características específicas
que os constituem, pois são: (i) constructos teóricos definidos por propriedades
linguísticas intrínsecas; (ii) constituem sequências linguísticas ou sequências
de enunciados não são textos empíricos; (iii) (como indicamos no início deste
parágrafo) sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas
determinadas por aspectos lexicais sintáticos, relações lógicas, tempo verbal; e
designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e
exposição que aparecem nos textos em sequências textuais (2008, p.24).
Nesse sentido, o gênero debate tem como predominante o tipo
argumentativo, que se constitui de operadores argumentativos como principais
organizadores dos argumentos, refutações e negociações na interação verbal.
Na estrutura do gênero, é também possível encontrar os marcadores
conversacionais que aparecerem na troca de turnos dos falantes (parte do tipo
dialogal) e os modalizadores que regulam a forma como são apresentadas as
ideias e os argumentos. Esses elementos serão utilizados para compreender
como as atividades foram desenvolvidas nos livros didáticos, por essa razão,
apresentamos como se organizam e podem aparecer no debate.
1.4.1 Os marcadores conversacionais
Os marcadores conversacionais servem como elo entre as unidades
comunicativas, que orientam os falantes entre si e aparecem em várias
posições: na troca de turnos ou na mudança de tópico, por exemplo.
Eles possuem funções sintáticas e conversacionais, no entanto, como
nos apresenta Marcuschi (2007, p. 61), tudo indica que as unidades, na
conversação, devem obedecer a princípios meramente comunicativos para sua
26
demarcação e não a princípios meramente sintáticos. Apesar dos marcadores
conversacionais não contribuírem com informações novas ou adicionais, situam
os interlocutores no contexto geral da conversação.
Os marcadores conversacionais verbais dividem-se em dois grandes
grupos: os produzidos pelos falantes e os produzidos pelos ouvintes.
Os marcadores produzidos pelos falantes subdividem-se em: marcas
conversacionais pré-posicionadas. Exemplo: “olha” é um marcador que orienta
o ouvinte e geralmente é evidente no começo de turnos ou de unidades
comunicativas. Já o marcador “né” é encontrado no final de turnos ou de
unidades comunicativas, portanto uma marca pós-posicionada.
Dividem-se em três grupos os marcadores conversacionais:
os convergentes, que orientam o falante e demonstram concordância
com o que foi dito pelo falante (sim, tai, claro, pois não);
os indagativos, que expressam dúvida (será?, é?, o quê?, como?);
os divergentes, que orientam o falante no sentido de discordância com
sua fala (não, calma, essa não, peraí).
Os marcadores conversacionais por não pertencerem a uma categoria
na gramática como verbo, pronome e conjunção por exemplo, mas pertencer à
gramática internalizada do falante, são considerados alvos de estigma nos
livros e manuais didáticos de Língua Portuguesa, em que são rotulados como
"vícios de linguagem", porém constituem-se como elementos que auxiliam no
estabelecimento da coerência do texto falado. (MARCUSHI, 2010).
Nesse sentido, faz-se necessário ensinar aos alunos que o uso dos
marcadores em situação de dialogicidade, que se instaura na situação de fala e
no desempenho lexical, tem o objetivo de encaminhar os argumentos diante de
uma exposição de ideias. O que, muitas vezes, ocorre me sala de aula é que o
professor não teve contato com a gramática do texto oral e, além de algum
conhecimento sobre as condições que cercam os gêneros orais e certa intuição
27
sobre seu funcionamento advinda de sua experiência de falante, ele não
estudou nem tomou como objeto de ensino o texto oral, seja o debate regrado
ou qualquer gênero assemelhado pela modalidade (oral).
1.4.2 Os modalizadores
Os modalizadores regulam a forma como são ditas as ideias e
argumentações, e segundo Koch (2000, p 47) são igualmente importantes na
construção do sentido do discurso e na sinalização do modo como aquilo que
se diz é dito.
Os principais tipos de modalidades são: necessário/possível,
certo/duvidoso, obrigatório/facultativo, e há entre eles formas de lexicalização
das modalidades no discurso que são consideradas formas cristalizadas de
expressão da modalidade.
a) é + adjetivo:
É necessário que a criminalidade acabe (representa uma necessidade).
É possível que a criminalidade acabe (representa uma possibilidade).
É certo que a criminalidade vai acabar (representa uma certeza).
É provável que a criminalidade acabe (representa uma dúvida).
b) Alguns advérbios e locuções adverbiais (talvez, certamente,
possivelmente).
Possivelmente a criminalidade acabará (representa uma possibilidade).
Certamente a criminalidade vai acabar (representa uma certeza).
c) Verbos auxiliares modais, poder e dever.
A criminalidade deve acabar (representa uma certeza).
A criminalidade pode acabar (representa uma possibilidade).
28
d) Construções verbais de auxiliar + infinitivo (ter de + infinitivo; precisar ou
necessitar + infinitivo ou dever + infinitivo):
A criminalidade tem de acabar (representa uma necessidade).
A criminalidade deverá acabar num futuro próximo (representa uma
possibilidade).
A criminalidade precisa acabar (representa uma necessidade).
e) Orações modalizadoras: (tenho certeza de que, não há dúvida de que,
há possibilidade de, todos sabem que, eu acho que etc.).
Não há dúvida de que a criminalidade tem de acabar.
Nas modalidades acima, podemos verificar um índice de modalidade
para um mesmo conteúdo proposicional. Há casos de uma mesma modalidade,
com diferentes funções, ou ainda, um indicador modal que representa
diferentes modalidades como nos exemplos dos verbos abaixo:
Todos os participantes do concurso devem comparecer ao local indicado
para as inscrições (devem = obrigatoriedade).
O clima deve esquentar amanhã (deve + possibilidade).
Os participantes podem se apresentar com trajes adequados (podem =
facultativo).
As inscrições podem ser encerradas de repente (podem = possibilidade).
Ainda segundo a autora, a modalização se apresenta como fenômeno
que permite ao locutor deixar registrado, no seu discurso, marcas de sua
subjetividade através de determinados elementos linguístico-discursivos (Koch,
2000).
Dessa forma, no processo de ensino-aprendizagem, em nossa análise, o
gênero debate, o uso dos modalizadores tornam-se elementos importantes
para desenvolvimento da competência linguístico-discursiva dos alunos uma
29
vez que, esse fenômeno é inerente a linguagem humana, porque é através
dele que expressamos o dito e interagimos com nossos interlocutores
indicando ora como nosso enunciado deve ser lido, ora como queremos que
nosso interlocutor reaja.
1.4.3 Os operadores argumentativos
No gênero debate, predomina a argumentação que exige o uso de
expressões que articulam os pensamentos, as ideias e tem como um dos
principais elementos da interação verbal os operadores argumentativos.
Ducrot, idealizador da Semântica Argumentativa ou Semântica da
Enunciação, chamou de operadores argumentativos, os elementos gramaticais
de uma língua que têm a função de indicar a força argumentativa dos
enunciados. (DUCROT, 1997)
Os estudos desses operadores argumentativos são mais relevantes para
os linguistas do que para os gramáticos. Para estes, esses elementos se
classificam apenas como classes gramaticais invariáveis (advérbios,
preposições, conjunções, locuções adverbiais, prepositivas, conjuntivas), já
aqueles atribuem aos operadores nomes que condizem com suas funções
semânticas dentro do discurso (causa, finalidade, conclusão, etc.). Essas
palavras são responsáveis, em grande parte, pela força argumentativa de
nossos textos.
Koch (2000) afirma que a interação social favorecida por meio da
linguagem tem como principal característica a argumentatividade. O discurso
envolve a intenção, através da qual o indivíduo busca influir sobre os outros
com a finalidade de compartilhar suas opiniões.
Para a autora (2000), a argumentação é a atividade de estruturar todos
os discursos, pois estes progridem por meio dos segmentos argumentativos,
que orientam os enunciados e a composição de um texto assegurando a sua
base em termos de coerência e coesão textuais.
30
Dessa forma, um enunciador escolhe certos elementos linguísticos em
detrimento de outros, direcionando o discurso para a finalidade e os propósitos
que determinou para o evento, reforçando a ideia da inexistência de um
discurso neutro. Os operadores argumentativos para Koch (2000, p.31-38),
apresentam duas noções básicas: a escala argumentativa e a classe
argumentativa. Os tipos de operadores argumentativos são:
a) Operadores que assinalam o argumento mais forte de uma escala
orientada no sentido de determinada conclusão: até, mesmo, até mesmo,
inclusive.
Ex. “O homem teme o pensamento como nada mais na terra, mais que a ruína
e mesmo mais que a morte”.
No caso acima, o termo “mesmo” conduz a conclusão, indicando a introdução
de um argumento mais forte.
b) Operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão
(isto é, argumentos a favor de uma mesma classe argumentativa): e, também,
ainda, nem, não só... mas também, tanto...como, além de.
Ex. “João é o melhor candidato. Tem boa formação em Economia, tem
experiência no cargo e não se envolve em negociatas”.
No exemplo acima o conectivo “e” somou vários argumentos a favor João para
ser o melhor candidato.
c) Operadores que introduzem conclusão relativamente a argumentos
apresentados em enunciados: portanto, logo, por conseguinte, pois, em
decorrência, consequentemente.
Ex. “O custo de vida vem subindo vertiginosamente; as condições de saúde do
povo brasileiro são péssimas e a educação vai de mal a pior. Portanto não se
pode dizer que o Brasil esteja prestes a se integrar no primeiro mundo”.
No trecho acima, o termo “portanto” introduz uma conclusão decorrente da
ideia anterior.
31
d) Operadores argumentativos que introduzem argumentos alternativos que
levam a conclusões diferentes ou opostas: ou, ou então, quer... quer, seja.
Ex. Vamos juntos participar da passeata. Ou você prefere se omitir e ficar
aguardando os acontecimentos?”
O termo “ou” designa argumentos alternativos.
e) Operadores que estabelecem relações de comparação entre os
elementos com vista a uma dada conclusão: mais que, menos que, tão... como.
Ex. “Vamos convocar Lúcia para redigir o contrato. A Lúcia é tão competente
quanto Márcia.
A comparação “tão” e “quanto” no trecho estabelecem relação de comparação.
f) Operadores que introduzem uma justificativa ou explicação
relativamente ao enunciador anterior: porque, que, já que, pois. Não fique triste
que esse mundo é todo teu. Tu és muito mais bonita que a Camélia que
morreu. (jardineira)
Nesse exemplo, o termo “que” introduz uma justificativa.
g) Operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões
contrárias: mas (porém, todavia, contudo, no entanto) embora (ainda que,
posto que, apesar de que).
Exemplos: “A equipe da casa não jogou mal, mas o adversário foi melhor e
mereceu ganhar o jogo”.
“Embora o candidato tivesse se esforçado para causar boa impressão, sua
timidez e insegurança fizeram com que não fosse selecionado”.
A unidade lexical “embora” indica que a ideia que se seguirá é contrária a ideia
que está na oração principal.
Os operadores do grupo “mas” e do grupo do “embora” têm funcionamento
semelhantes, eles opõem argumentos de perspectivas diferentes, que
orientam, portanto, para conclusões contrárias.
32
Os dois grupos são diferentes quanto à estratégia argumentativa utilizada pelo
locutor. O “mas” é usado como estratégia do suspense, isto é, faz com que
venha primeiro na mente do interlocutor uma conclusão, para em seguida
introduzir o argumento, que o levará a outra conclusão.
Já o “embora” é usado pelo locutor como estratégia de antecipação, ou seja,
anuncia de antemão que o argumento introduzido pelo conectivo vai ser
anulado.
h) Operadores que têm por função introduzir, no enunciado, conteúdos
pressupostos como; já, ainda, agora.
Exemplo: “Paulo ainda mora no Rio”.
O operador “ainda” remete a um pressuposto de que Paulo já morava no Rio.
i) Operadores que se distribuem em escalas opostas, isto é, um deles
funciona numa escala orientada para a afirmação total e o outro, numa escala
orientada para a negação total.
Exemplos: “Ela estudou pouco” (terá possibilidade passar).
“Ela estudou um pouco” (provavelmente não passará).
Para Koch (2000, pp. 38,39), os operadores argumentativos fazem falta
nos manuais didáticos dos professores. Eles têm fundamental importância no
processo de argumentar, pois “são justamente essas palavrinhas as
responsáveis, em grande parte, pela força argumentativa de nossos textos.”
Os operadores argumentativos são responsáveis pelo direcionamento e
pela articulação das opiniões e refutações e funcionam como indicativos da
capacidade argumentativa dos alunos no trabalho com sequências didáticas
baseadas em gêneros agrupados na esfera da argumentação.
Apropriar-se adequadamente desses articuladores e o conhecimento
sobre seus tipos e variações de sentido propiciará melhor desempenho no
debate regrado e qualquer atividade sobre esse gênero deve levar em conta
33
esses elementos além de desenvolver as questões referentes à função,
condições de produção e afins.
No ensino da modalidade oral, esses elementos linguísticos, bem como
os paralinguísticos nem sempre são tomados como objeto de ensino. Muitas
vezes, os professores lamentam a postura dos alunos ao expor suas ideias,
esquecendo, no entanto, que os gestos, a mímica facial, a postura corporal
bem como as escolhas lexicais, o tratamento dado ao interlocutor (pronomes e
outras retomadas por grupos lexicais, como “o colega”, o uso de nome próprio,
títulos e outros), o uso dos operadores apresentados neste capítulo precisam
constar do conteúdo das aulas. Aristóteles, em seu Arte Retórica e Arte
Poética, já nos propõe essas questões. Buscando esclarecer o papel desses
elementos, Plutarco2, ao tratar da posição do orador, lembra inclusive da
importância da variante linguística a ser adotada como fator que auxilia a
adesão do ouvinte. Ou seja, se a natureza material do gênero oral não for
trabalhada, as questões de circulação e função não serão suficientes para
sustentar o desempenho dos alunos.
Isso ocorre principalmente nos gêneros orais formais que não foram
conteúdos com os quais os professores tiveram contato. Assim, os livros
didáticos se apresentam como uma ferramenta e fonte para a organização do
trabalho em sala de aula, razão pela qual propomos a análise do capítulo 2.
2 PLUTARCO. Como ouvir. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Coleção Breves Encontros.
34
CAPÍTULO 2 - ANÁLISE DO GÊNERO DEBATE NOS LIVROS
DIDÁTICOS DOS 6º ANOS E 9º ANOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
O objetivo deste capítulo é a apresentação dos livros didáticos em sua
organização e composição, as atividades relacionadas ao gênero debate, a
concepção dos autores e análise das atividades do gênero debate nos livros do
corpus.
2.1 Corpus da pesquisa
O corpus da pesquisa é formado pelos livros didáticos de Língua
Portuguesa (LDLP): 1) Projeto Radix: Português 6º ano dos autores Ernani
Terra e Floriana Toscano Cavallete, editora Scipione; e 2) Português
Linguagens 9º ano, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar
Magalhães, editora Ática.
Tal escolha se fez devido a nossa preocupação com a falta de
sistematização didática nas atividades relacionadas ao gênero debate e a
necessidade decorrente de uma abordagem (ou abordagens do ensino do
gênero) que apresentassem aos professores possibilidades de se trabalhar de
forma continuada e não pontual. O trabalho com os gêneros orais, tal como
ocorre com os gêneros escritos, deve ser idealizado e estruturado em termos
de espiral, ou seja, todas as atividades que ocorram ao longo dos anos da
Educação básica, no nosso caso, o Ensino Fundamental II, precisam estar
ligadas: não se repetir, garantindo progressão de elementos e de funções a
cada nova proposta. Como muitas vezes, os professores não conseguem
intervir nessas relações por não fazer parte de suas atribuições tal intervenção
(garantir a continuidade entre os anos), cabe aos coordenadores ao proporem
as discussões e os planos de ensino, e, também, aos livros didáticos
garantirem que as atividades em espiral ocorram para cada um dos gêneros
escolhidos ou esferas eleitas para o ensino de língua. Será que os LDPs têm
35
feito isso? Como indicado, neste trabalho, a análise permite verificarmos como
as atividades desenvolvidas nas coleções do corpus respondem a essa
necessidade. Daí a razão de termos escolhido essas coleções, uma vez que
elas estão presentes nas escolas por terem sido entre outras aprovadas pelo
MEC (indicados pelo PNLD de 2011 a 2013) e indicadas para os professores e
utilizadas em sala de aula em algumas escolas públicas de São Paulo. Além
disso, os volumes selecionados (6º e 9º ano) permitem que se observe o
desenvolvimento do ensino do gênero debate nesses LDPs por se referirem
aos anos inicial e final do EF II.
Os livros serão apresentados na seguinte ordem: primeiro Projeto
Radix: Português 6º ano, de Ernani Terra e Floriana Toscano Cavallete
(editora Scipione, 2011) e, em seguida, Português Linguagens 9º ano, de
William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (São Paulo, Atual, 2009).
Para cada um deles, será descrito e analisado como se organiza o volume, a
estrutura dos capítulos, a concepção dos gêneros orais de cada um deles, e,
por fim, a análise da atividade com o gênero debate.
2.2 Composição dos módulos e capítulos do livro didático Projeto Radix:
Português
O volume do 6º ano do livro didático Projeto Radix: Português, Ernani
Terra e Floriana Toscano Cavallete (editora Scipione, 2011) está dividido em
oito módulos e apresenta a seguinte organização por capítulos:
Textos: verbais, visuais ou verbos-visuais para reflexões iniciais;
Hora do texto: textos de variados gêneros, suportes e esferas de
circulação;
Expressão oral: trabalho com gêneros orais, em especial os de uso
público, como o debate, entrevista, seminário, dramatização, dentre outros,
com a adequação da linguagem a cada situação discursiva;
Expressão escrita: atividades de interpretação e reflexão sobre cada
texto;
36
Estudo do vocabulário: propostas diversificadas e relacionadas em
grande parte a situações de uso com foco em vocabulário;
Gramática no texto: foco em aspectos linguísticos, desenvolvido em
três momentos: discussão sobre ocorrências linguísticas peculiares ao texto
lido, formalização e sistematização dos aspectos discutidos e atividades
variadas;
A linguagem dos textos: trabalho com a situação de circulação de
textos de diversos gêneros;
Para além do texto: sugestões de atividades extratexto que incluem
pesquisas, entrevistas, exposições etc.
Os gêneros orais estão presentes, inseridos no estudo da modalidade
(Expressão oral). É importante observar que a composição feita pelos autores
do livro didático em relação ao trabalho com o gênero vem ao encontro ao que
nos coloca Marcuschi (2008, p.156), os gêneros escritos e orais não são
opostos e ambos não formam uma dicotomia, pois são complementares e
integrados.
No entanto, embora haja um respaldo teórico adequado sobre os
gêneros, ainda a prática dos gêneros orais e sua configuração carecem de
sistematização. Felizmente, algumas propostas já têm sido levantadas como
em Marcuschi (2010, pp. 67-72) que postula possibilidades de trabalhos tais
como (i) a audição de gravações para estabelecer um contato específico com o
texto oral, uma vez que as gravações permitem que os alunos retomem o que
foi dito, como foi dito, e analisem sua participação e a construção conjunta
resultante; (ii) análise dos elementos de organização dos textos produzidos
pela língua falada que interferem diretamente nos constituintes do gênero e nas
ações por ele representadas. Essas ações decorrentes da audição da gravação
ajudam a identificar os processos linguísticos ali engendrados; (iii) a relação da
fala com a escrita como forma de compreender os distanciamentos e as
aproximações entre as modalidades – transposições que podem ser feitas com
textos produzidos em ambas as modalidades; (iv) a observação da estrutura do
texto falado, tanto pela sua constituição isolada - marcadores conversacionais,
37
hesitações, truncamentos, repetições - quanto pela formação frasal e oracional
- com cortes, retomadas, fechamentos e aberturas de turno; entre outras
abordagens possíveis.
Esses procedimentos não são claros nessa primeira descrição da
estrutura das atividades, principalmente porque o debate e o seminário estão
ao lado da dramatização, cuja estrutura (salvo o improviso) se baseia em um
texto escrito, não sendo constituído à medida que ocorre como no caso dos
gêneros orais. Assim, parece haver a aproximação, bastante frequente, entre
oralização e oralidade. A oralização se refere a uma leitura ou exposição oral
de um texto escrito previamente, como declamar poemas ou ler um texto em
voz alta. Já a oralidade se refere a uma das modalidades da língua que, como
descrito no capítulo 1, estrutura a comunicação humana.
2.3 Como é a estrutura dos capítulos no livro didático Projeto Radix:
Português
Os autores iniciam os capítulos com atividades na seguinte disposição:
a) A linguagem verbal, não verbal e a linguagem visual.
As linguagens estão presentes por meio de fotos, reproduções de
pinturas, gráficos, mapas, tirinhas ou um pensamento para reflexões iniciais e
introdução ao tema. Em seguida, cada uma das ocorrências é relacionada a
duas a quatro questões para que os alunos promovam ora uma discussão, ora
um diálogo com os colegas de classe sob a mediação do professor sobre como
são estruturadas e quais as possíveis leituras desses textos.
Sugere-se para as turmas que já tiverem adquirido prática no debate oral
que se faça debate de opiniões, mas que “antes os grupos registrem por escrito
as conclusões a que chegaram para apresentá-las ao restante da turma.”
(p.16). Assim, nessa seção, os autores antecipam o uso do debate sem ter
trabalhado de forma sistemática com esse gênero, podendo trazer a falsa
impressão de que o debate é apenas troca de informações ou embate de
ideias.
38
Os autores acreditam que, com esse procedimento, os alunos possam
ter “uma oportunidade de trabalhar com a transferência da linguagem para a
escrita e vice-versa, identificando-se as peculiaridades de cada uma.” (p.16),
porém sem que se avalie em que contexto as linguagens são utilizadas, não se
alcança esse objetivo.
b) Um gênero textual (conto, lenda, poema, anedota)
Há a sugestão de que o professor organize uma leitura expressiva com o
aluno a fim de prepará-los para a atividade de expressão oral. Novamente a
confusão entre oralidade e oralização ocorre. A oralização, no entanto, pode
ser utilizada para desenvolver nos alunos os aspectos de ritmo, volume,
postura corporal e expressões faciais. Como não há essa orientação, o
professor e o aluno podem confundir o processo da oralização com a
modalidade oral, a oralidade, atrelando-a novamente à escrita.
c) Atividades intituladas como “Expressão oral”
Nessas atividades, é solicitado aos alunos que, a partir das atividades
propostas como discussão e a leitura feita de forma expressiva, formem grupos
para: emitir opiniões; contar piada; fazer comunicado para a classe; fazer
leitura de um trecho para a turma; uma sessão de depoimentos; debate;
comentário; entrevista; mesa-redonda; leitura em voz alta.
Novamente, a apresentação das atividades não contempla os elementos
centrais de cada gênero. O que pode ser ressaltado favoravelmente é que
essas atividades trazem variedade de gêneros orais e escritos permitindo
contato com vários deles que podem ser trabalhados de forma mais
aprofundada pelo professor.
2.4 Concepção dos autores do livro didático Projeto RADIX: Português,
Ernani Terra e Floriana Toscano Cavallete em relação aos gêneros orais
39
Cavallete e Terra, autores do livro didático em análise, concebem os gêneros
orais a partir dos PCN (1998) e citam nos pressupostos pedagógicos a
orientação do documento
A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido. (Brasil, 1998: p.34).
Como se observa, a concepção se ancora no aspecto interacional e
situacional que reforçam a necessidade de trabalhar com a discursividade,
aspecto que é contemplado somente em algumas atividades sem atenção
dedicada.
Os autores evidenciam que um dos objetivos do ensino da Língua
Portuguesa segundo as orientações dos PNC é
(...) ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas: realização de entrevistas, debates, seminários, apresentações teatrais etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas atividades façam sentido de fato, pois é descabido treinar um nível mais formal da fala, tomando como mais apropriado para todas as situações. A aprendizagem de procedimentos apropriados de fala e de escuta, em contextos públicos, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de promovê-la. (BRASIL, 1998, p.125)
Os pressupostos pedagógicos apresentados pelos autores no livro
fundamentam suas concepções de língua como interação social, pois
acreditam que “as atividades propostas visam desenvolver e ampliar as
capacidades já adquiridas pelos alunos e propiciar aos alunos condições
amplas de participação na sociedade”. (2011, p.12).
Assim, apresentam suas preocupações em relação ao trabalho com
oralidade “a produção de textos não se dá apenas na modalidade escrita. O
40
tempo todo produzimos textos na modalidade oral, por isso esse tipo de
linguagem também deve ser trabalhado na escola”. (2011, p.12), mas não a
apresentam como parte do continuum a que se refere Marcuschi (2010), não
distinguindo o papel de cada uma no estudo dos gêneros.3
Cavallete e Terra lembram que o trabalho com a oralidade visa também
“às situações mais estruturadas de uso de fala, como fazer uma entrevista,
uma apresentação sobre o tema pesquisado, um relato de experiência, uma
dramatização, ou atuar num debate” (2011, p.12). E finalizam com uma
orientação para os professores “para que o trabalho com a oralidade atinja
seus objetivos, cabe ao professor promover tanto as discussões relativas aos
conteúdos atitudinais quanto à observação dos aspectos formais dos textos”
(2011, p.12). Essa escolha apresenta uma contradição uma vez que a
conversa formal, realizada em ambientes formais ou com interlocutores de
posição hierárquica superior podem ser tão desafiadores e desconhecidos para
os alunos quanto o debate, a entrevista e afins, porque os temas a serem
tratados por alunos do 6o. ano quando conversam com a diretora ou a
coordenadora da escola são diversos daqueles utilizados nas conversas do
pátio ou do whatsapp. Dessa forma, há mais a ser trabalhado no que se refere
aos gêneros orais do que afirmam os documentos oficiais e os autores.
Como se observa acima, não há uma sistematização das concepções de
gênero. Os autores sobrepõem as concepções de gênero textual e discursivo
ora focalizando a função e a interrelação (a comunicação) entre os
enunciadores, ora mencionando elementos que remeteriam à concepção de
enfoque textual como “estruturada” e “como fazer”; essa hesitação deia um
vazio que o professor acaba por preencher com a experiência e abordagem
que contempla gêneros escritos que possuem uma conceituação e trabalho
mais estáveis na sala de aula.
3 Para elaborar um texto dissertativo, é possível fazer uma discussão ou debate que o motive.
Da mesma forma, para preparar para um debate regrado, a leitura de textos informativos e de reflexão são necessários. Essa relação está implícita nessas seções.
41
Para compreender as discussões sobre os conteúdos atitudinais que são
centrais nos gêneros orais, procuramos nas definições de Zabala (1998) os
conceitos de conteúdos atitudinais, conceituais e procedimentais, os quais os
autores mencionam nos pressupostos pedagógicos para os professores.
Zabala (1998, p. 42-48) aborda os conteúdos em três categorias, a
saber: atitudinais, conceituais e procedimentais. Os conteúdos conceituais
referem-se à construção ativa de capacidades intelectuais para operar
símbolos, imagens, ideias e representações que permitam organizar as
realidades. Já os conteúdos procedimentais referem-se ao fazer com que os
alunos construam instrumentos para analisar, por si mesmos, os resultados
que obtém e os processos que colocam em ação para atingir as metas que se
propõem. Os conteúdos atitudinais, por sua vez, referem-se à formação de
atitudes e valores em relação à informação recebida, visando à intervenção do
aluno em sua realidade.
Encontramos também em Coll (1986) a seguinte definição para
conceitos de conteúdos:
a) conceituais – englobam: fatos, conceitos, princípios (“O que se deve
saber”);
b) procedimentos: dizem respeito a técnicas e métodos (“O que se deve
saber fazer”);
c) atitudinais: abrangem valores, atitudes, normas (“Como se deve ser”).
Segundo o autor, as formas de intervenção devem levar em conta a
diversidade dos alunos, identificando o desafio de que necessitam, a fim de
que se sintam estimulados em seu trabalho.
Essas definições nos levam a acreditar que é possível desenvolver não
só conteúdos conceituais, mas também procedimentais, como manusear um
gravador, construir um questionário, coletar opiniões, e atitudinais, como ouvir
a fala do outro, analisar opinião do outro e ponderá-la, respeitar diferenças de
opinião, crença, classe social, sexo entre outras. Para que esses objetivos
sejam alcançados de fato, é necessário, que o aluno tenha contato com o
42
mesmo gênero mais de uma vez ao longo da sua vida escolar e de forma
sistematizada de modo que sua experiência com o gênero possa ser
transformada em conhecimento sobre o gênero.
No entanto, como professores do Ensino Fundamental, apesar da
intenção colocada pelos autores nos pressupostos pedagógicos dos livros, de
como proceder em relação aos conteúdos atitudinais, muitas vezes não há
como se promover com os alunos essas discussões, pois o próprio sistema de
atribuição de aulas/ turmas no início de cada ano nas escolas faz com que os
professores acabem optando por classes diferentes daquelas com as quais
haviam trabalhado durante o ano letivo. O que acaba prejudicando o trabalho
do professor, no sentido de não acompanhar a intervenção do aluno em sua
realidade.
Além disso, outras dificuldades são encontradas pelos professores,
começando pela supervalorização da escrita advindas de teorias que enfatizam
dicotomias inexistentes entre a modalidade oral e a escrita, o professor, que,
de modo geral, formou-se dentro dessa visão dicotômica da linguagem, acaba
tendo dificuldades de compreender os pressupostos teóricos contidos nas
diretrizes dos PCN para suas práticas pedagógicas em sala de aula.
A falta de recursos tecnológicos como a televisão, computadores, rádio,
gravadores, máquinas fotográficas entre outros equipamentos nas unidades
escolares, também é um fator que compromete a realização de um bom
trabalho pelos professores.
2.5 Apresentações do gênero debate no livro didático Projeto Radix:
Português
No intuito de buscarmos desenvolver um trabalho que possa contribuir
para a sistematização do ensino do gênero debate, elaboramos abaixo uma
tabela de verificação das atividades propostas, contemplando o que os autores
Schneuwly e Dolz (2004) consideram como relevantes no contexto real do
processo de ensino - aprendizagem, os elementos da Sequência Didática (itens
43
1 a 6) e os relacionados ao tema a ser debatido com alunos - quatro dimensões
do gênero (item 7): (i) dimensão psicológicas, que inclui as motivações, os
afetos e os interesses dos alunos; (ii) dimensão cognitiva, que diz respeito a
complexidade do tema e ao repertório; (iii) dimensão social , que aprofunde o
lado crítico e social do tema; (iv) dimensão didática, que demanda que o tema
apresente um nível de dificuldade para que os alunos expandam suas
aprendizagens sobre um determinado assunto.
Cada elemento da tabela será analisado com os dados apresentados
sumariamente a seguir.
Elementos a serem avaliados nas atividades
Coleção Projeto Radix: Português
1.Tipo de Debate Debate de opinião
2. sequência tipológica (com predomínio da argumentativa)
Há um trecho de um texto narrativo que serve como texto motivador.
3. estratégias discursivas: deliberação, explicação, demonstração
Existe uma comanda para que os alunos se orientem no que fazer em relação as regras do debate depois da leitura
4. estratégias enunciativas: marcas do autor e do destinatário (marcadores conversacionais e outras menções, há relações entre eles?)
Há questões para discussão em relação ao conflito apresentado na narrativa ficcional: "Na sua opinião, estamos construindo um futuro trágico?"
5. estratégias argumentativas (operadores argumentativos)
Não há menção.
6. organização linguística Linguagem formal. Elaboração de relatório.
7. Dimensões Psicológica Cognitiva Social Didática
Questão reflexiva: "Dentre os bens...temos os valores, o conhecimento tecnológico, a produção artística... o que sobreviveria?"
No livro didático Projeto RADIX: Português, os autores propõem que o
debate seja feito depois da leitura de um trecho do texto “Cruzes voadoras”
retirado do livro Assombrassustos de Stella Carr, seguindo as seguintes
questões para interpretação:
44
Em sua opinião, estamos construindo um futuro trágico, como os pré-atomianos do texto?
Existem outras possibilidades para nós?
Entre os bens que poderemos transmitir para as gerações futuras temos os valores, o conhecimento tecnológico, a produção artística e cultural que inclui o livro. De todos eles, o que sobreviveria ou teria um peso maior no caso de uma destruição quase total de nossa civilização? (2011, p.103)
Depois de realizada a atividade com o debate, há uma série de questões
que guiam o trabalho com a interpretação, que, nesse caso, está localizada no
item que se refere ao texto escrito.
Como se afirmou anteriormente, as relações entre os gêneros de
modalidade diversa (oral e escrita) e até mesmo entre gêneros de mesma
modalidade, é necessária, pois permite que, tal como fora dos muros da
escola, se percebam os sistemas genéricos que funcionam entrelaçados.
Devido a inexperiência dos alunos desse ano, é importante oferecer
informações que facilitem o trabalho com o gênero. No caso do debate, em
geral, os gêneros motivadores são os gêneros da modalidade escrita, porque
esses contêm informações que sustentam ou constroem os argumentos
utilizados no debate. Assim a escolha de texto narrativo que promove
questionamentos se justifica por apresentar, aos alunos, fatos (ainda que
fictícios) para que reflitam sobre situações que não viveram em primeira mão.
Os autores também elencam algumas regras bastante simples para o
desenvolvimento do debate:
A divisão da classe em grupos
As conclusões do grupo deverão ser apresentadas numa sessão plenária
Deverá ser reservado um tempo para que as conclusões apresentadas pelos grupos sejam discutidas respeitando o tempo de fala de cada um e o direito de resposta
A discussão deverá ser encerrada com um documento em que se relatam as conclusões da turma, e poderá se afixado no jornal mural da escola.
45
O que podemos notar na atividade acima é que, na finalização, há uma
preocupação com uma proposta associada ao texto escrito, o que não deixa de
carregar um aspecto interativo e social, já que essa participação é feita a partir
das conclusões da turma e o tema de natureza social se engloba e se adéqua
às discussões no âmbito escolar; ambos os aspectos ligados às práticas de
linguagem sócio-comunicativa; o que para Schneuwly & Dolz (2004, p. 61) é
aceito, pois o gênero é utilizado como meio de articulação entre as práticas
sociais e os objetos escolares, no domínio do ensino da produção de textos
orais e escritos.
Não há, no entanto, nenhuma menção a outros conteúdos como os
procedimentais que embasam a ação que o gênero promove quando de sua
aplicação. Esse vazio ou silêncio pode levar o professor a reforçar o papel da
modalidade escrita valorando o debate como uma etapa apenas e não como
um momento e uma ação que promove tomadas de decisão e trocas
significativas para o grupo envolvido.
2.6 Análise das atividades do gênero oral debate no livro didático Projeto
Radix – Português do 6º ano
Percebemos que as perspectivas teóricas que fundamentam o livro são
as mais atuais, e que vem ao encontro das propostas apontadas pelos PCN
(1998) e pelos autores da Escola de Genebra (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004),
mesmo as seções que não se destinam especificamente ao estudo do gênero
oral, como a “Gramática do texto” e “A linguagem dos textos” abordam a
interação fala/escrita.
No entanto, as atividades que aparecem no livro não fornecem ao
professor e ao aluno subsídios para a execução de um trabalho adequado no
desenvolvimento com o gênero debate regrado. Um exemplo disso são as
regras do debate que aparecem na seção “Expressão Oral”, do capítulo 7,
módulo 5 do livro. A explicação para o procedimento é bastante simples, com 4
(quatro) perguntas sobre o texto, seguidas pelas regras para execução do
debate.
46
Nos capítulos que se seguem não há preocupação em ampliar
gradativamente o conhecimento do gênero debate, no modelo de ensino
proposto por Schneuwly e Dolz (2004).
A ausência de comentários sobre esses elementos pode dar a
impressão ao aluno que o debate pode ocorrer sem que haja uma preparação
e que as atividades com a escrita são feitas separadamente; principalmente
neste caso em que o estudo do texto auxiliaria o aluno na elaboração de
argumentos para uso no debate.
A maneira como as instruções para o debate foram apresentadas não
permite compreender o papel do mediador nem como cada participante dos
grupos desenvolverá seu desempenho, incluindo o papel final de sistematizar
as conclusões a que cada grupo chegou.
É importante levarmos em consideração que trabalhar com os gêneros
na esfera escolar tem como uma das razões, servir para desenvolver diversas
capacidades de linguagens aos alunos e o debate sugerido pelos autores
parece mais uma conversa dirigida em grupos.
Segundo Marcuschi (2008, p. 51), o ensino da língua deve acontecer por
meio de textos, uma vez que essa é a realidade que vivemos – nossas
relações são construídas por textos que concretizam os gêneros – como
apontam os PCN. A questão, porém, não reside no consenso ou na aceitação
deste postulado, mas como isto é posto em prática, já que muitas são as
formas de se trabalhar texto. No caso desse volume, o debate não retorna
como tema de outro capítulo. Como muitos elementos não foram trabalhados, a
impressão que pode ser fixada para o aluno é que debate é apenas troca de
ideias por meio de uma conversa dirigida.
Uma estratégia eficaz que a escola pode e deve fazer segundo
Schneuwly e Dolz (2004 apud Ribeiro, 2009, p. 62) é ensinar sistematicamente
através de sequências didáticas - sequências de módulos de ensino,
organizados para melhorar uma determinada prática de linguagem.
47
Isso equivale dizer que se as práticas de linguagem forem apresentadas
como objetos de ensino e estiverem articuladas as capacidades de linguagem
dos alunos, com as estratégias de ensino propostas pelas sequências
didáticas, estaremos garantindo a apropriação e reconstrução das práticas de
linguagem.
Para Schneuwly e Dolz (2004), uma sequência didática deverá
contemplar estratégias de ações que combinam a escolha dos gêneros,
situações de comunicação e a capacidade de linguagem dos alunos para que
os professores possam observar, controlar e acompanhar o desenvolvimento
das aprendizagens dos alunos.
Isso tudo somado ao tempo, que é fundamental para que o alunos
desenvolvam a aprendizagem e para que o professor possa perceber que o
processo de aprendizagem se desenvolve a medida em que eles interagem
entre si, demonstrando as suas capacidades iniciais, a produção de novos
conhecimentos e as transformações produzidas. O que ficará estabelecido pelo
professor, durante todo o percurso da relação ensino-aprendizagem: momento
inicial, etapas da intervenção e da avaliação dos resultados obtidos.
A contribuição desses pesquisadores é de grande valia, pois ao se
propor um trabalho com sequência didática progressiva é ter como objetivo um
ensino-aprendizagem gradual e sistemático que parte de situações reais e
significativas para o aluno e para o professor.
No entanto, Ribeiro (2004) nos alerta em relação ao uso das sequências
didáticas que permite aos professores intervir junto aos alunos, perceber suas
capacidades, elaborar estratégias para produção de novos conhecimentos e
avaliar as transformações produzidas, poderá também causar um
"distanciamento do uso real da linguagem" quando apenas trabalhada com a
finalidade de transmitir conhecimentos, pois o ensino dos gêneros orais não se
esgota no uso de recursos metodológicos.
O papel social dos falantes, a relação entre o enunciador e destinatário,
a função e o uso dos gêneros na sociedade aliados às atividades de linguagem
48
e a gestão delas em sala de aula, que tornam a sequência didática um
importante instrumento no exercício e produção dos gêneros orais como
práticas sociocomunicativas.
A seguir apresentamos um quadro com uma proposta geral de
sequência didática progressiva nos moldes de Schneuwly e Dolz (2004), com o
propósito de trabalhar gêneros dentro da ordem tipológica argumentativa.
49
Sequência Didática
Gêneros Estudados
Diálogo
Argumentativo
Texto de opinião Debate
Estudo inicial:
levantamento das
características
discursivas do
gênero
Oficina de
Conhecimentos a
partir da temática
sociedade do
futuro:divisão da
turma em grupo,
utilizando textos e
propostas de
atividades
diferenciadas para
exploração do
assunto;
Apresentação dos
grupos,
socializando o
conhecimento
adquirido a partir
das atividades
realizadas;
Produção de um
diálogo entre os
alunos sobre a
temática: sociedade
do futuro
Oficina de
conhecimentos:
levantamento de
hipótese sobre as
características do
texto de opinião e
discussão em torno
da temática: Criança
também opina;
Leitura de artigos
de opinião retirados
da Folhinha de
S.Paulo,
confrontando as
hipóteses
levantadas;
Escuta de textos
de opinião
gravados pelos
alunos durante o
recreio da escola;
Análise de textos
opinião inseridos
em outros gêneros
tais como:
entrevistas,
reportagens e
enquetes.
Oficina de escuta 1:
observação e escuta de um
debate, em vídeo, sobre a
sociedade do futuro;
Análise e discussão sobre
os tipos de argumentos
apresentados no debate;
Oficina de escuta 2:
observação e escuta de
dois debates: um acerca do
desequilíbrio ecológico e
desenvolvimento urbano
(Programa de TV
gravado/Rede Cultura) e o
outro, um debate político
(programa de TV gravado)
Comparação dos debates
observação dos
mecanismos de
sustentação e refutação
Caracteri-zação e
definição do gênero
debate a partir das
atividades vivenciadas
anteriormente;
Estudo da tipologia do
debate.
50
Sequência
Didática
Gêneros estudados
Diálogo
Argumentativo
Texto de opinião Debate
Estudo para Revisão:
análise e reelaboração das produções
Produção de diálogos
argumentativos
fomentados pela
professora, a partir de
situações vividas na
escola. Ex. As brigas entre
alunos durante o recreio;
análise e reelaboração de
alguns diálogos
argumentativos.
Leitura na sala textos
produzidos pelos alunos;
Reelaboração de alguns
textos orais e escritos
produzidos; publicação
no blog da escola de
algumas dessas
produções.
Análise final do trabalho
comparando os três gêneros argumentativos trabalhados em sala de aula.
2.7 Composição do livro didático Português Linguagens 9º ano dos
autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães
Podemos observar que o livro Português Linguagens 9º ano, dos
autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, é composto de
quatro unidades temáticas, dividida por quatro capítulos, sendo o último um
projeto que tem por objetivo envolver toda a classe de alunos. Os capítulos
apresentam a seguinte disposição:
Estudo do texto: compreensão e interpretação, a linguagem do texto,
leitura expressiva do texto, cruzando linguagens, trocando ideia, ler é diversão;
Produção de texto: agora é sua vez;
Para escrever com adequação: exercícios;
A língua em foco: construindo o conceito; conceituando;
De olho na escrita: exercícios.
Podemos perceber que, em relação à oralidade, os autores trabalham
com poucos gêneros públicos nas atividades de fala e escuta, porém
51
apresentam projetos coletivos de produção ao final de cada uma das unidades
que envolvem textos escritos e orais. As atividades de discussão oral sobre
questões de interpretação são recorrentes no livro, provavelmente para
justificar propostas de leitura expressiva e os debates orais que se seguem nas
atividades de interpretação de textos, como forma para ampliar a compreensão
do aluno.
Não nos parece que o objetivo dessas atividades seja o trabalho com os
gêneros, mas sim com a leitura uma vez que se observa uma concepção
teórica bem particular dos autores para a oralidade/escrita: a desinibição
propiciada pela leitura oral de um texto favoreceria uma desinibição também
para a escrita.
2.8 Concepção dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar
Magalhães em relação aos gêneros orais
Os autores partem do princípio de que o ensino do português deve
abordar a leitura, a produção de textos e os estudos gramaticais sob uma
mesma perspectiva da língua como “instrumento de comunicação, de ação e
de interação social”. Essa concepção de instrumento ao lado de interação é
contraditória, pois indica relações discrepantes – a ideia da língua como
instrumento destaca-a da relação com o contexto e com as condições de
produção em que ocorre a interação.
No tópico “trocando ideias”, o objetivo é de desenvolver a capacidade de
expressão e de argumentação oral do aluno a partir das ideias apresentadas
pelo tema e pelos textos estudados no capítulo.
Segundo os autores, essa atividade contribuirá para desenvolver
operações, comportamentos e valores tais como “capacidade de extrapolar; de
generalizar ideias; de ouvir e respeitar as opiniões alheias; de negociar; de
saber como se situar numa discussão pública e selecionar; de desenvolver
técnicas de contra-argumentação e persuasão”. Essas capacidades estão
ligadas aos conteúdos procedimentais e atitudinais que deveriam ser
52
apresentados separadamente por envolverem muitos aspectos a serem
estudados e avaliados.
Os autores alertam que as discussões neste tópico decorrem do trabalho
de leitura e constituem “apenas um espaço a mais no desenvolvimento da
expressão e da argumentação oral”. Salientam que, em uma seção especifica
intitulada como “Produção de texto”, será feito um estudo sistematizado de
gêneros orais.
2.9 Apresentação das atividades do gênero debate no livro didático dos
autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães
No livro Português Linguagens do 9º ano, os autores iniciam as
atividades do gênero debate explicando que o debate regrado é um gênero
argumentativo oral, que se realiza plenamente em uma situação concreta de
fala e interação entre pessoas e que o debate ocorre quando um conjunto de
pessoas deseja conhecer diferentes pontos de vista sobre um tema polêmico.
Eles explicam também que o nome “debate regrado” sugere a existência
de regras a fim de que o direito de falar seja garantido a todos. Regras essas, a
saber:
- Num debate, quando expomos nossas opiniões, precisamos fundamentá-las com argumentos, motivos ou razões.
- O debate regrado conta com a participação de um moderador ou mediador, isto é, uma pessoa que estimula e coordena o grupo de debatedores, levantando questões, dando a um dos participantes atribuindo o direito de réplica e assim por diante.
- Ao argumentar o debatedor expõe seu ponto de vista a respeito do tema e usa expressões como: eu acho que, em minha opinião, a meu ver.
- Debater não é brigar, é o direito de expor nossas ideias e o dever de ouvir e respeitar as ideias alheias mesmo que diferentes das nossas.
- Quando debatemos, desejamos convencer nosso interlocutor de que temos razão, por isso devemos nos esforçar para escolher argumentos persuasivos, isto é capaz de modificar o ponto de vista de nosso interlocutor. O contrário também pode ocorrer: sermos convencidos pelos argumentos do interlocutor ao vermos outros ângulos da questão.
53
- O resultado do debate, porém é uma experiência enriquecedora tanto para quem dele participa diretamente quanto para quem o presencia.
- Debater é modificar o outro e modificar a nós mesmos. É crescer com o outro e ajudá-lo a também crescer a partir de nossa experiência e de nossa visão de mundo. O debate é um exercício de cidadania.
- O debate público é um texto falado a linguagem apresenta marcas da oralidade como: né, compreendeu, tá, então. (2011 p.139)
Verifica-se, nesse caso, que a concepção de gênero está presente de
forma explícita. Uma hipótese para essa carga de informações e habilidades a
serem desenvolvidas pode ser atribuída à idade dos alunos (em média 15
anos), que são por inferência considerados pelos autores como maduros para
desenvolverem esses conteúdos.
Os autores também abordam a questão da linguagem usada no debate,
que poderá revelar maior ou menor grau de formalismo, dependendo da
situação em que se dá o debate: onde ele está sendo realizado; quem está
participando; faixa etária e o nível cultural dos participantes; tipo de
relacionamento existente entre eles. Nesse caso, é possível indicar como o
caráter instrumental da língua não responde a essas características centrais
para a escolha da variante ou do registro dependendo do evento em que são
utilizados.
As principais características do debate regrado consideradas como
centrais são: finalidade do gênero; perfil dos interlocutores; veículo; tema;
estrutura e linguagem.
Na atividade intitulada como “Agora é sua vez”, a proposta é a
participação dos alunos de um debate regrado sobre o tema: “Televisão:
deformadora de costumes ou espelho de uma sociedade doente?” com a
orientação do professor.
Os autores do livro para ampliar as informações dos alunos fornecem
um painel de textos: “A inteligência na TV”, de Gilberto Dimenstein; “A
televisão”, de José Paulo Paes; “Como reagir diante da TV”, de Ciro
54
Marcondes; “Meninos mais novos já preferem a rede à televisão” (Folha de
S.Paulo, 27/07/2008 – Caderno Especial: Jovem século XXI). A presença
dessa variedade de textos de gêneros diversos aponta para o fato de que os
argumentos podem ser formados a partir de várias informações, opiniões e
posições diante dos fatos. Não precisam ser de intenção argumentativa embora
todos tenham uma dimensão argumentativa4. Trata-se de algo positivo na
elaboração da atividade.
Eles sugerem que o debate seja filmado para que todos os alunos
possam assistir para observar os aspectos positivos e negativos para posterior
aprimoramento em outros debates. Isso possibilitaria a autoavaliação, outro
aspecto positivo da atividade.
Para ficar mais claros e precisos os argumentos, os autores também
sugerem a leitura de um quadro com “Princípios e procedimentos para a
realização de um debate democrático” e enumera seis princípios fundamentais:
a) Se as regras estabelecidas pelos debatedores foram respeitadas
b) O uso da palavra foi efetuado de forma democrática
c) Os argumentos foram apresentados com explicações e exemplos
d) Os pontos de vista colocados pelos debatedores
e) A postura usada pelos debatedores foi adequada (modo de falar, tom de voz, olhar para o público)
f) A linguagem dos debatedores foi adequada à situação. (2011, p. 143)
Os princípios fundamentais elencados pelos autores podem ser
entendidos como uma matriz de avaliação que pode guiar o professor e o aluno
(no momento da autoavaliação) nessa etapa do ensino do debate. A partir da
indicação de presença ou ausência desses pontos, o professor pode
4 Sobre esses conceitos referentes às relações entre argumentação e linguagem, cf. AMOSSY,
2006.
55
desenvolver cada um dos itens pedindo elementos que comprovem cada
sinalização positiva.
Na unidade três, no capítulo dois, há a continuidade de uma atividade
sobre debate regrado, mas com enfoque voltado para a organização do papel
moderador e a regulagem de trocas.
Os autores explicam sobre a importância da organização, da qualidade,
do aprofundamento do tema e que cabe ao moderador ou mediador do debate
administrar essa situação.
Eles elencam os aspectos do debate os quais o moderador deverá estar
atento:
a) Apresentação: o moderador cumprimenta o público, apresenta o tema a
ser debatido, faz comentários a respeito da importância dele e do debate e fala
resumidamente sobre as posições mais comuns em relação ao tema;
b) Organização e regras: o moderador apresenta as regras do debate,
desde que já estabelecidas pelos debatedores, ou submete-se à aprovação da
plateia, sendo algumas delas:
Se todos os presentes podem participar como debatedores ou se o
debate ficará restrito a certo número de pessoas;
Qual o tempo máximo de duração do debate e o tempo para a exposição
de cada participante;
Como as pessoas que querem falar devem se inscrever – por exemplo,
levantando o braço ou fazendo um sinal para o mediador ou um auxiliar dele;
Se haverá direito de réplica ou de tréplica quando um debatedor citar
outro, contrapondo-se às suas ideias etc.;
c) Regulação das trocas: o moderador controla o tempo dos debatedores, a
quem faz sinais para indicar que o tempo está terminando; interrompe a fala de
um debatedor, se necessário, para dar a palavra a outro; concede o direito de
réplica ou de tréplica, se estabelecido pelas regras; decide sobre qualquer
incidente não previsto; faz a inscrição dos que querem falar;
56
d) Animação e aprofundamento: o moderador também é responsável pela
qualidade das ideias debatidas e, por isso, tem de estar atento aos argumentos
apresentados; assim, ele tem autoridade para:
realizar breves interrupções no debate, quando o argumento
apresentado não estiver claro, fazendo o debatedor perguntas como: por quê?,
como? ou pedindo a ele que dê exemplos e, dirigindo-se ao público, a quem
poderá perguntar, por exemplo: “Todos compreenderam esse argumento?”
alertar o debatedor de que ele está se repetindo, caso determinado
argumento já tenha sido apresentado.
e) Fechamento: perto de se esgotar o tempo previsto, o moderador encerra
o debate. Mas, antes, retoma o tema debatido, faz um resumo dos principais
argumentos apresentados, destaca a importância daquele debate para a
reflexão pessoal dos participantes ou da plateia, agradece a participação de
todos e despede-se.
Pela caracterização do moderador, esse papel parece ser mais
adequado ao professor em um primeiro momento, pois requer percepção sobre
os participantes e domínio do tema. A sugestão de que os debatedores possam
ser em número menor do que os alunos da turma possibilita que haja auxiliares
para o moderador que podem anotar e passar as informações para o
moderador exercer seu papel.
Após essas informações, a seção “Agora é sua vez” inicia-se com a
pergunta: “Por que adolescentes cada vez mais jovens têm engravidado em
nosso país?” Em seguida há um painel com pequenos textos sobre o tema
gravidez:
“A gravidez na adolescência” da Equipe Brasil Escola;
“EUA: televisão e gravidez precoce” da Revista Veja;
“Juno: uma lição de amor” Filme de J. Jason Reitman;
“As meninas do Brasil” Documentário de Sandra Werneck;
“Planejamento não é só dar pílula” O Estado de S. Paulo (07/05/2005).
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A proposta é para que seja feita uma leitura dos textos e que sejam
consultadas outras fontes de informação a fim de se informar melhor sobre o
tema e depois que o aluno participe de um debate regrado.
Após a leitura pede-se para que os alunos escolham um dos temas
elencados e um aluno moderador do debate:
Por que tantas jovens engravidam tão cedo?
O comportamento sexual dos jovens de hoje é influenciado pelos meios
de comunicação?
O excesso de exposição à sensualidade nos programas e novelas de TV
contribui para o aumento da gravidez na adolescência?
Ter um projeto de vida ajuda a evitar gravidez precoce?
O que pode ser feito na escola, pelos pais ou pelo governo para diminuir
os índices de gravidez indesejada entre adolescentes?
A atividade segue com algumas instruções que os alunos deverão seguir:
a) Observe as orientações e as regras anunciadas pelo moderador
b) Fale somente quando chegar a sua vez; evite conversas paralelas a fim de não haver
dispersão.
c) Ouça atentamente a exposição dos debatedores, procurando identificar as posições que eles
defendem.
d) Procure identificar os argumentos mais fortes que fundamentam cada uma das posições. Se
preferir, anote os argumentos num caderno para organizá-los e hierarquizá-los.
e) Se você for um dos debatedores, manifeste-se com clareza a respeito da posição de outro
debatedor, empregando expressões como: discordo inteiramente da posição de fulano
porque... ou concordo parcialmente com a posição de fulano porque...
f) Empregue uma variedade linguística que esteja de acordo com a situação. O uso excessivo
de gírias e de apoios com “ahn..., né?, tipo” pode prejudicar a fluência e a clareza da
exposição, além de desviar a atenção dos ouvintes.
g) Respeite os princípios básicos de um debate democrático. (p.163)
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Após a realização do debate é solicitada uma avaliação do grupo nos
pontos positivos e negativos quanto a participação e desempenho do
moderador, a dinâmica das trocas, a qualidade dos argumentos. Se o debate
foi filmado poderá ser visto com o objetivo de se aprimorar para a realização de
debates futuros. Não encontramos nessa atividade alguma novidade no sentido
de diferenciá-la da anterior, a não ser pela postura do moderador e a sugestão
da filmagem para posterior vista dos alunos. No mais, as regras são elencadas
para que os alunos possam segui-las para desenvolvimento do debate.
2.10 Análise das atividades do gênero debate nas propostas no livro
Português – Linguagens do 9º ano
Encontramos na unidade 3 do livro atividades com o gênero debate
regrado, a apresentação detalhada do papel do mediador na discussão e a
composição estrutural do gênero. O que se percebe é uma tentativa de se
trabalhar com a progressão em espiral, modelo proposto pelos autores
Schneuwly e Dolz (2004) no interior da própria unidade, pois, no capítulo 1, são
apresentadas as características mais amplas da definição do debate; já no
capítulo 2 da mesma unidade procura-se aprofundar os elementos
apresentados anteriormente.
Tendo em vista o foco que os autores apontam nos pressupostos
teóricos em relação às práticas da oralidade, o livro apresenta poucas
atividades relacionadas aos gêneros orais.
A preocupação dos autores em trabalhar com o gênero debate se limita
na apresentação de projetos coletivos ao final de cada capítulo, que envolvem
textos escritos e orais.
De formal geral percebemos que o objetivo está em se trabalhar com
uma concepção de oralidade pautada na prática de leitura expressiva, leitura
dramatizada, declaração de poemas, jogral entre outras ganham destaque no
livro.
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Abaixo a tabela de verificação das atividades propostas no livro didático
para os alunos dos 9º anos.
Elementos a serem avaliados nas atividades
Coleção Português: Linguagens
1.Tipo de Debate Debate de opinião
2. sequência tipológica (com predomínio da argumentativa)
Há um texto narrativo com reprodução de um debate em que outras sequências tipológicas aparecem, como a argumentativa.
3. estratégias discursivas: deliberação, explicação, demonstração
Explicação/ Questionamentos sobre o texto reproduzido
4. estratégias enunciativas: marcas do autor e do destinatário
(marcadores conversacionais e outras menções, há relações entre eles)
No início do texto, há indicação de exemplos: Ex: Pessoal, como foi a... Na fala de um dos jovens: Não, deixa eu terminar. O pessoal foi pra rua...
5. estratégias argumentativas
(operadores argumentativos)
Há a menção desses operadores como: Também acho que só quando terminar a faculdade...
6. organização linguística São mencionadas a Linguagem informal e as gírias
7. Dimensões Psicológica Cognitiva Social Didática
Escolha do tema "Transição da adolescência para a vida adulta" corresponde às dimensões psicológica e cognitiva.
Verificamos que, nas atividades propostas sobre o gênero debate regrado, os autores do livro deram preferência em trabalhar com o debate de opinião que diz respeito a crenças e opiniões, não visando a decisão, mas a uma colocação em comum das diversas posições, com a finalidade de influenciar a posição do outro, assim como de precisar ou mesmo modificar a sua própria.
Em detrimento aos outros dois tipos: debate deliberativo que visa uma tomada de decisão e o debate para resolução de problemas busca soluções para o problema levantado.
É importante observar que os tipos de debates têm a mesma estrutura composicional, porém seus objetivos não são os mesmos; o que promove diferenças no desenvolvimento de cada um deles.
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A escolha pelo tipo de debate de opinião pelos autores se justifica, pois os textos que aparecem nas atividades do livro exigem muito mais o uso das dimensões cognitiva e social do aluno, além de aprofundamento nas questões relativas ao tema proposto para discussão.
De qualquer forma, o professor é quem deverá saber a dinâmica de funcionamento do debate, mesmo antes da escolha do tema, pois será necessário considerar o interesse dos alunos; nível de complexidade, repertório; aprofundamento crítico e social, polêmicas; expansão das aprendizagens do aluno.
Além disso, os aspectos em torno de trocas (escuta do outro, organização do discurso, posicionamento); utilização de argumentos; refutação, contestação, deverão fazer parte dessa dinâmica para que os alunos possam desenvolver as capacidades de linguagem subjacentes ao debate regrado.
O próximo item a ser analisado na tabela é a sequência tipológica, que traz nessa atividade, o trecho de um texto da revista Pais & Teens, com a reprodução de um debate em que cinco jovens discutem sobre o tema: Transição da adolescência para a vida adulta. A proposta dos autores é que os alunos possam observar alguns aspectos próprios do gênero debate regrado.
As perguntas que são feitas pela revista Pais & Teens aos jovens têm como foco, o início da vida profissional e o relacionamento com os pais no fim da adolescência e, por isso, apresentam os tipos textuais descritivo, expositivo e argumentativo, que deveriam impulsionar os alunos a formarem seus argumentos.
Nessa perspectiva, a proposta de se trazer um texto com o trecho de um debate é adequada, mesmo que para isso seja necessário, como fizeram os autores, usar outro gênero em outro suporte, no caso a revista Pais& Teens.
Podemos observar que, no texto da revista Pais & Teens, há a tomada de posição do papel de moderador, ao iniciar as perguntas, organizar a vez dos jovens para responder, fazer intervenções, que é indicativo da natureza persuasiva da argumentação.
No entanto, não houve confronto de opiniões como normalmente acontece quando se trabalha com esse gênero oral, a não ser no momento que se falou da participação dos jovens na passeata pelo impeachment. No mais, uma opinião não foi diferente da outra.
As marcas da oralidade foram apresentadas durante o uso da linguagem informal, utilizada pelos jovens durante a colocação de suas opiniões juntamente com gírias.
Em relação a escolha do tema, não nos parece adequada para a faixa etária dos alunos do 9º ano do ensino fundamental, que tem 14 / 15 anos aproximadamente quando chegam ao término do 4º ciclo e não possuem muitas vezes, nenhuma experiência no mundo do trabalho.
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No final da atividade, é solicitado aos alunos que se reúnam e
respondam em grupo, quais são as principais características do gênero debate, levando em conta os critérios de finalidade do gênero, perfil dos interlocutores, veículo, tema, estrutura, linguagem. Essa atividade de caráter metalinguístico, pode auxiliar junto a avaliação do desempenho de cada um e do grupo durante o debate a uma sistematização individual do que seja o gênero para além da ocorrência pontual experimentada na atividade.
A estruturação dessa atividade permite a construção das capacidades de reconhecimento e sistematização relacionadas a essa avaliação do gênero por meio do raciocínio indutivo (ocorrência – regras) uma vez que foi construído com eles, no desenvolvimento do trabalho, questões que os levaram às possibilidades de aprendizagem do debate regrado.
Na seção intitulada como "Agora é sua vez", a atividade proposta é para que os alunos realizem um debate regrado com a orientação do professor, que fará o papel de moderador, com o tema: Televisão: deformadora de costumes ou espelho de uma sociedade doente? e utilizem para isso os textos: Inteligência na TV, de Gilberto Dimenstein; À televisão, de José Paulo Paes e Como reagir diante da TV, de Ciro Marcondes Filho, para ampliar as informações e a discussão sobre o tema.
A escolha do tema vem ao encontro dos interesses dos alunos, pois sabemos que a televisão é o meio de comunicação mais usado em qualquer idade e os gêneros selecionados, duas narrativas e um poema, cumprem o objetivo de aprofundar as informações.
Na finalização da atividade, é apresentado um quadro de princípios e procedimentos para que a realização do debate regrado seja realizada de forma democrática e que se possível, seja filmado com a intenção de ser visto pelos alunos para observar os aspectos positivos e negativos, avaliação do debate focando os aspectos positivos/negativos e se as regras foram por fim cumpridas durante a realização da atividade.
Não há menção de ser usado o recurso da gravação para retomar o debate regrado, a fim de garantir melhor desempenho dos alunos em atividades futuras.
Dessa forma, a atividade correspondeu em parte à proposta feita pelos autores do livro, que era desenvolver a capacidade de expressão e de argumentação oral do aluno.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos mostrar que os gêneros orais estão presentes nas
atividades dos livros didáticos de Língua Portuguesa, mesmo que, muitas
vezes, associem a oralização à oralidade, não definindo com clareza as
características da modalidade oral e escrita. Se essa presença responde ao
que é sugerido e indicado como desejável pelos documentos oficiais como os
PCN (1988), o fato de haver propostas para os gêneros orais não garante seu
desenvolvimento.
Assim com esse trabalho, buscamos verificar por meio do debate
regrado como essas atividades presentes nos LDLPs promoviam ou não o
ensino dos gêneros orais, mais especificamente o debate regrado.
Ao analisarmos esse gênero, percebemos que o problema está na falta
de atividades sistematizadas que poderiam propiciar ao aluno a apropriação de
maneira eficaz aos recursos linguísticos, textuais e comunicativos mais
adequados às práticas orais na escola e fora dela. Por vezes, as lacunas são
resultado de atividades que não explicitam os elementos constitutivos do
gênero – ora se concentram no tema, deixando de lado a questão da função e
dos recursos linguísticos; ora se apoiam nos textos escritos sem que indiquem
como os alunos podem a partir deles elaborar seus argumentos. Em ambas as
situações, não é possível construir somente com uma atividade sendo
necessárias as retomadas dentro do ano letivo, em mais de uma unidade do
livro – fato que não ocorre na coleção Radix. Esse fato pode ter sido motivado
pela percepção de que os alunos do 6º ano ainda não estão preparados para
sistematizar seus debates, daí as instruções serem superficiais nessa coleção.
Quanto ao segundo volume analisado, percebe-se que os autores
propõem atividades que requerem maior empenho e promovem uma
compreensão mais aprofundada do que seja o debate. São trabalhados vários
aspectos constitutivos do gênero e a matriz de avaliação permite que docente e
discente se envolvem nesse aprendizado.
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Sabemos que os alunos, ao chegarem aos espaços escolares trazem o
domínio dos gêneros orais informais e cotidianos, cabe, portanto, ao professor
repensar sua prática pedagógica, buscando maneiras e abordagens de como
intervir para propiciar situações mais concretas que possam trazer o debate
regrado, gênero em estudo, (como outros gêneros orais formais) para a sala de
aula, tendo como meta tornar o aluno protagonista de sua própria formação.
Em primeiro lugar, estudando o que seja o debate regrado para poder oferecer
aos alunos atividades que vão além do LDLP. Uma possibilidade é, a partir do
livro e sua bibliografia, construir um material auxiliar que permita para os alunos
no início do Fundamental II entrar em contato com o debate de maneira mais
consistente bem como para os alunos que estão finalizando o Fundamental II o
desenvolvimento pleno das atividades oferecidas pelo livro.
Procuramos apresentar análises das atividades que aparecem em livros
didáticos, como e quando se aproximam das propostas colocadas pelos seus
autores e possibilidades de se trabalhar o gênero debate em atividades em
sala de aula, baseado nos modelos de Schneuwly e Dolz (2004) e nas
propostas das orientações dos PCN (1998) e verificamos que há ainda muitas
lacunas a serem preenchidas pelo fato de que o ensino dos gêneros orais é
recente nas nossas escolas e ainda carece de uma sistematização e uma
aceitação por parte dos alunos e dos professores quanto a sua implementação.
É essencial que o gênero debate não seja o único gênero oral de
intenção argumentativa a ser abordado na escola. Trabalhar com outros
gêneros orais, retomar esses gêneros nos vários níveis e mesmo em um
mesmo ano, verificar como os alunos estão se apropriando os gêneros
motivadores são ações que podem valorizar essa abordagem da língua oral
para os próprios alunos.
Além disso, buscar alternativas para a gravação, trazer um público maior
que a turma com que se trabalha como audiência, buscar a consciência
corporal e linguística são ações direcionadas para a situação real do gênero
que podem modificar a maneira como os alunos compreendem essas
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atividades e como organizarão a sistematização de suas habilidades, de
acordo com as dimensões mencionadas.
Entendemos, ainda, que se houver maior sistematização nas atividades
que envolvam o gênero debate na escola, possivelmente teremos os alunos
mais competentes em situações de comunicação que exijam estratégias
argumentativas quanto ao posicionamento de suas ideias, pensamentos,
refutação daquilo que não lhe é bom, a presença da voz e a tomada de turno,
com vistas à formação de um sujeito capaz de realizar escolhas adequadas ao
contexto em que se insere.
65
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ZABALLA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda., 1998.
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ANEXO
Projeto Radix
68
69
70
71
72
73
74
75
Português Linguagens
76
77
78
79
80
81
82
83
84
85
86
87
Recommended