View
139
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Introdução
Este trabalho tem como fonte o Pacto de União de Solidariedade Operária do Grupo
Revolucionário Anarquista Onze de Novembro. Antes de analisar o documento
propriamente dito, farei uma contextualização, onde falarei em primeiro lugar acerca da
doutrina anarquista e da sua definição de forma mais genérica. De seguida o trabalho
incidirá sobre o surgimento e a evolução do anarquismo enquanto doutrina política na
Europa. Depois de falar brevemente sobre os teóricos anarquistas que mais influenciaram o
anarquismo português, será feito um enquadramento da situação em Portugal. Assim
estaremos em condições de ler o documento e identificar os elementos que o ligam ao
movimento anarquista. No último ponto vamos reflectir sobre o que se passou a nível das
relações entre anarquistas e operários em Portugal, a partir de 1891 e até à implantação da
Primeira República.
2. A doutrina anarquista: um enquadramento
2.1 A definição de anarquismo
Nas palavras de Zacarias Guerreiro, "a anarquia é a suprema aspiração da harmonia
social, da paz tão desejada, da justiça verdadeiramente humana". Não deixa de ser curioso
verificar que Zacarias era um republicano convicto.
O anarquismo é uma realidade multifacetada: há várias correntes anarquistas, à
semelhança do que acontece com o socialismo. Como é óbvio há pontos transversais a
todas as correntes – o fim do Estado, o anti-autoritarismo, o abstencionismo, o anti-
-clericalismo e a luta contra o sistema capitalista são apenas alguns deles. Mas há diferentes
formas de alcançar determinado fim: enquanto alguns anarquistas procuram alhear-se da
luta política, não reconhecendo sequer a existência do Estado e por isso não intervindo,
outros anarquistas há que vão procurar ter uma atitude mais activa, seja através da violência
(que estava longe de ser intrínseca ao anarquismo – como se verá mais adiante, a violência,
só a partir de finais do século XIX, passou a ser uma arma usada por vários anarquistas,
dispostos a tudo para destruir o Estado), seja através do relacionamento com algumas
associações de classe, com o sindicalismo revolucionário e o anarco-sindicalismo. A isto
dá-se o nome de anarquismo intervencionista. Em Portugal, certos anarquistas
intervencionistas, bem como socialistas, decidiram apoiar a revolução republicana por
1
considerarem a República um mal menor quando comparada com a Monarquia, e uma
etapa rumo à sociedade com a qual sonham. Um outro exemplo que ilustra bem a divisão
entre os anarquistas é acerca das eleições. Apesar do abstencionismo ser uma prática
comum a todos os anarquistas, esta pode ser feita de várias maneiras: desde apresentar
candidaturas mortas ou sabotar o escrutínio (introduzindo um fósforo no boletim de voto,
de forma a que este ardesse e incendiasse toda a urna, por exemplo) – o abstencionismo
positivo – até à pura e simples abstenção – o abstencionismo negativo.
Enquanto doutrina política, não é fácil dar uma definição concreta de Anarquismo.
Edgar Rodrigues refere que é uma "nova ordem social baseada na liberdade, na qual a
produção, o consumo e a educação devem satisfazer às necessidades de cada um e de todos
[…]". Não vou transcrever todo o artigo presente na obra ABC do Anarquismo, mas deve
ser lido, pois sintetiza bem o que é a doutrina anarquista.
Vejamos agora a definição de Sébastien Faure: "Não há nem pode haver Credo ou
Catecismo libertários. O que existe e que constitui aquilo a que se pode chamar doutrina
anarquista é um conjunto de princípios gerais, concepções fundamentais e aplicações
práticas acerca dos quais se estabeleceu um consenso entre indivíduos que pensam como
inimigos da autoridade e que lutam, isolada ou colectivamente, contra todas as disciplinas e
condicionalismos políticos, económicos, intelectuais e morais que dela decorrem. Podem
existir e, de facto, existem, vários tipos de anarquistas, mas todos têm uma característica
comum que os separa das demais variedade[s] humanas. Esse ponto comum é a negação do
princípio de autoridade na organização social e o ódio a todos os condicionalismos que
decorrem das instituições assentes neste princípio. Portanto, quem nega a Autoridade e a
combate, é anarquista […]."
2.2 O aparecimento e desenvolvimento da doutrina anarquista na Europa
"Não há dúvida de que, enquanto concepção de vida política, o anarquismo é um
fenómeno relativamente recente." É assim que Jean Préposiet inicia o tema na sua obra
História do Anarquismo. De facto, a doutrina política anarquista só surge e ganha
relevância durante o século XIX.
Embora se considere importante o papel desempenhado por Max Stirner (1806-
1856), desde cedo, é com relativa unanimidade que se reconhece Proudhon (Pierre-Joseph
2
Proudhon, que viveu entre 1809 e 1865) como o autêntico fundador da doutrina anarquista,
por um lado pela pouca influência daquele junto do movimento operário, por outro lado
pela importância notória deste na evolução da I Internacional. Os teóricos anarquistas são,
na sua maioria, europeus, o que faz perceber que a realidade anarquista, enquanto
pensamento político, é, nesta altura, essencialmente europeia. Contudo, é com relativa
rapidez que os seus ideais se espalham pelos outros continentes, ainda no século XIX, mas
sobretudo no século XX.
A I Internacional, ou AIT (Associação Internacional de Trabalhadores), foi criada
aquando a reunião de St. Martin’s Hall, que teve lugar em Londres no dia 28 de Setembro
de 1864. O seu aparecimento foi consequência da oposição entre anarquistas e marxistas.
Em 1868, Bakunine funda a Aliança da Democracia Socialista e em 1869, o Conselho
Geral da AIT, com algumas reservas, aceita a adesão desta Aliança na Internacional, que
duraria até 1872.
De seguida podemos ver um excerto da obra História do Anarquismo que
caracteriza brevemente e situa no tempo e no espaço os diversos congressos da I
Internacional: "Na sua monumental História do Movimento Anarquista em França, Jean
Maitron destaca os seguintes momentos da história dos congressos da I Internacional: em
primeiro lugar, distingue um período mutualista, fortemente influenciado pelas ideias
poudhonianas, que se operou no primeiro (Genebra, 3-8 de Setembro de 1866) e no
segundo congressos (Lausana, 2-7 de Setembro de 1867). O terceiro congresso (Bruxelas,
6-13 de Setembro de 1868) marca a transição do mutualismo para o colectivismo e para o
sindicalismo. O quarto congresso (Basileia, 6-12 de Setembro de 1869) assistirá à
afirmação de uma maioria «colectivista antiautoritária» contra duas minorias, proudhoniana
e «marxista», antes da cisão que ocorrerá no quinto congresso (Haia, 2-7 de Setembro de
1872). "
Mais adiante veremos mais pormenorizadamente o como e o porquê do afastamento
de Bakunine e dos seus apoiantes da AIT. Por agora importa apenas perceber que este foi
fruto das disputas entre o anarquista e Marx e que a exclusão do primeiro da I Internacional
permitiu aquilo que Jean Préposiet considera que foi "o verdadeiro acto de nascimento do
anarquismo": o Congresso de Saint-Imier, que teve lugar no cantão de Berna, no dia 15 de
Setembro de 1872, e que contou com a presença de 15 delegados, que representavam 5
3
federações dissidentes. Foi nesse congresso que se definiram os objectivos e métodos da
anarquia. A partir daí várias foram as adesões à causa libertária – entre elas a de
Kropotkine.
Depois de vários congressos durante a década de 1870, chegamos a 1880, ano em
que se dá a reunião de Vevey e o congresso de La Chaux-de Fonds. Estes dois
acontecimentos marcarão definitavamente uma nova fase do anarquismo. Na reunião
"esboçou-se um programa libertário: destruição das instituições pela violência; propaganda
revolucionária através da acção; passagem à clandestinidade; utilização dos recursos
disponibilizados pela técnica e pela química; autonomia dos grupos e dos indivíduos." Já no
congresso viria a ser exigido por Reclus e Kropotkine o abandono do «colectivismo» para
se passar a adoptar um verdadeiro «comunismo anarquista». O congresso do ano seguinte,
que teve lugar em Londres, veio reforçar estas decisões, sendo definitivamente adoptados o
individualismo táctico e a violência individualista. Também as acções de propaganda
seriam reforçadas por outras, as campanhas «de facto» (sendo o terrorismo a propaganda
pelo facto levada ao extremo). Assim, a partir de 1880, os anarquistas vão-se afastando
progressivamente de um proletariado cada vez mais numeroso e fragmentado; serão
julgados pela opinião pública ("o emprego de acção directa – atentados bombistas ou
propaganda pela acção – foi, simultaneamente, causa e efeito do isolamento dos anarquistas
[…]"). O período de 1880 a 1914 constituiu uma autêntica prova de fogo para o
anarquismo.
Antes de nos dedicarmos ao caso português, é importante falar nestes três teóricos,
os que mais influenciaram o movimento neste país ibérico.
2.3 Principais teóricos que influenciaram o anarquismo português
2.3.1 Bakunine
Mikhail Bakunine nasceu na Rússia a 1814 e morreu em 1876. Ficou conhecido
pela disputa que travou com Karl Marx no seio da I Internacional. Estávamos em presença
de duas visões inconciliáveis: se por um lado Marx achava que o único caminho possível
para a revolução passava por um controlo autoritário dos proletários, através de um
aparelho centralizador, por outro lado Bakunine, sendo contra qualquer tipo de autoridade,
4
defendia a livre associação dos trabalhadores, montando para isso uma campanha anti-
centralizadora que ameaçava, no ver de Marx, a união dos proletários.
Acerca desta e outras disputas que opõem no geral anarquistas a marxistas, é
importante esclarecer dois pontos. Em primeiro lugar, Bakunine não procura dar um
sustento científico à sua doutrina, ao contrário de Marx e Kropotkine. No imediato isto faz
com que as ideias de Bakunine contenham "fragilidades e ingenuidades indiscutíveis" que
fazem com que Marx aponte a falta de rigor do anarquista. Talvez isto permita perceber o
porquê da maior popularidade de Marx em relação a Bakunine no seio da Internacional,
mesmo com a acusação de Bakunine que Marx pretendia instalar uma ditadura universal.
De facto o rigor e a consistência da doutrina marxista permitiram ao alemão excluir
Bakunine da Internacional, por 27 votos contra 7, no Congresso de Haia (em 1872) – isto
após a proposta de abolição do Conselho Geral e a supressão de toda a autoridade na
Internacional, feita pelos jurassianos nesse mesmo Congresso, ser rejeitada.
No final da sua vida, Bakunine não escondia a sua desilusão face ao caminho que
estava a ser seguido pelos libertários: "15 de Fevereiro de 1875, Lugano. Cheguei à
conclusão, e continuo a concluí-lo todos os dias, de que o pensamento, a esperança e a
paixão revolucionários não se encontram absolutamente nas massas […]. Quanto a mim,
meu caro, estou demasiado velho, demasiado doente, demasiado cansado, e sinto-me, tenho
de te dizer, em muitos sentidos, desiludido, para ter vontade e força de participar na [luta
revolucionária]… Resta-me uma esperança: a guerra universal. Esses enormes Estados
militares, mais cedo ou mais tarde, irão destruir-se e devorar-se mutuamente. Mas que
perspectiva!"
2.3.2 Reclus
Élisée Reclus nasceu em França em 1830 e morreu em 1905. Vejamos o que diz J.
M. Gonçalves Viana acerca deste teórico libertário: "Não afirmaremos categoricamente a
paternidade de Reclus sobre o movimento anarquista português. No entanto, a sua
influência espiritual e a sua acção em Lisboa merecem ser consideradas o factor decisivo na
ressurreição desta tendência entre nós." Continua o autor que foi a acção de Reclus que
levou à constituição, em Abril de 1887, do grupo "Comunista-Anarquista de Lisboa", sendo
da opinião que o revolucionário é, ele próprio, o autor do programa (?) deste grupo.
5
Muito ligado a Reclus está um outro anarquista, Kropotkine. Os dois conheceram-se
durante o exílio do primeiro e rapidamente se tornaram uma referência do movimento
anarquista. As suas teorias, positivo-evolucionistas, tornaram-se muito populares.
2.3.3 Kropotkine
Vejamos então mais em pormenor as ideias de Kropotkine. Conhecido como o
"príncipe anarquista", Piotr Alexeievich Kropotkine nasceu em 1842 e morreu em 1921.
Foi membro de uma das mais antigas famílias aristocráticas da Rússia. A doutrina que
defende é definida pelo próprio como um "anarquismo comunista", embora seja um
comunismo naturalmente diferente daquele proposto por Marx e Engels: era um
"comunismo livre, muito distante do comunismo colectivista vulgar", que não preconizava,
ao contrário do comunismo original, comunidades que se afastavam da sociedade, uma vez
que estas, segundo o anarquista russo, devido ao seu isolamento, estavam condenadas à
degeneração.
Kropotkine tem algumas reservas quanto ao termo socialismo – numa altura em que
toda a gente se define como socialista, o príncipe anarquista salienta que para o verdadeiro
socialismo ser alcançado é fundamental que o Estado seja abolido, bem como o regime de
assalariado... e não de forma fazeada e mais ou menos controlada e contida, mas de
imediato.
Uma das questões que separa Kropotkine de Marx prende-se com a dialéctica. Marx
justifica a existência de um Estado após a revolução com a necessidade de organização. O
alemão está convencido que "o Bem pode vir do Mal, que a liberdade surgirá do seu
contrário". Ora, esta é uma diferença profunda que opõe marxistas e anarquistas: estes
últimos rejeitam este "truque dialéctico" – o Estado deve ser eliminado de uma vez, sob
pena de poder corromper os revolucionários. O próprio Bakunine, adepto da dialéctica
hegeliana, partilhará com Kropotkine este ataque à dialéctica marxista.
Kropotkine dava um papel histórico quase exclusivo aos povos, foi adepto da
participação na Primeira Guerra Mundial contra os países do Eixo e era a favor da
internacionalização: "a revolução social só poderá triunfar na condição de se propagar por
toda a Europa […] A solidariedade internacional de todos os trabalhadores, esta é uma das
condições sine qua non para o triunfo da revolução."
6
Apesar de estes serem teóricos anarquistas que influenciaram fortemente os ideais
libertários em Portugal, não foram os únicos: também Malatesta, Tolstoi, Proudhon,
Stirner, entre outros, tiveram aí os seus contributos largamente difundidos. Posto isto, é
agora altura de nos debruçarmos, mais especificamente, sobre o caso português.
3. O surgimento e propagação do movimento anarquista em Portugal no século
XIX
Gonçalves Viana fala-nos de um "eclipse da corrente libertária em terra lusa entre
1874 e 1886", ao passo que Manuel José Martins Vagueiro afirma categoricamente: "O
anarquismo nasceu, em Portugal, comunista; a sua orientação foi inspirada nos jornais
franceses, propriamente em Le Revolté" (tendo este jornal sido editado, em Genebra,
apenas entre 1879 e 1885). Já Edgar Rodrigues tem esta interessante afirmação: "[…] o
anarquismo andava um pouco na cabeça de cada português, embora eles não soubessem
que nome tinham essas ideias, até que um dia, lá pelos idos de 1883, alguém gritou: isso é
anarquismo!" Por seu turno João Freire diz que a primeira fase de desenvolvimento do
anarquismo em Portugal teve início em 1871. De todas estas datas, 1871 parece ser a mais
correcta por uma razão: foi nesse ano fundada a secção portuguesa da AIT que, como
sabemos, agrupava nesta altura marxistas e anarquistas.
Independentemente do ano concreto em que surgiu o anarquismo em Portugal, é
preciso ter em conta várias questões. Em primeiro lugar, como refere E. Rodrigues, antes de
1880 e mesmo de 1870 já existiam anarquistas em Portugal – até porque o anarquismo
enquanto fenómeno político teve início com Proudhon, como já vimos. Certo é que estas
décadas trouxeram com elas um período que marcou profundamente o anarquismo: depois
da influência da Internacional e de Bakunine, o anarquismo português, à imagem de outros
países, adoptava a acção directa, a luta armada, a violência – estávamos perante o
reformulado comunismo anarquista, de Kropotkine e Reclus.
Em segundo lugar, convém perceber que as ideias anarquistas não tiveram um
terreno muito fértil no nosso país, tendo em conta que Portugal era um país essencialmente
rural, com escassos operários – o anarquismo é uma realidade essencialmente urbana e só
em pleno século XX, já depois da implantação da República, é que os anarquistas se
7
juntaram a associações de classe ligadas ao campo. Foi, ainda assim, a partir das décadas de
70 e 80 do século XIX que os ideais anarquistas mais se propagaram em território nacional.
Vamos de seguida ver através de que instrumentos os anarquistas conseguiram
propagar as suas ideias em território nacional.
3.1 As publicações anarquistas
A partir de 1880, a propaganda (publicações, na sua maioria em forma de jornais)
passou a ser considerada como um meio importante para difundir as ideias socialistas e
anarquistas. Alguns jornais anarquistas são: A Revolta, Propaganda, O Revoltado, A
Revolução Social, O Rebelde, Os Bárbaros, O Agitador, O Grito de Revolta, A Sombra de
Ravachol, O Petardo Anarquista e O Lutador. Um outro jornal que terá sido decisivo na
divulgação do anarquismo em Portugal foi publicado no Porto em 1887 e 1888 e teve um
total de 13 números: falo do Revolução Social, dirigido por Gonçalves Viana. De seguida
segue-se um excerto da sua apresentação: "No futuro queremos o agrupamento livre dos
indivíduos por afinidades, simpatias e tendências, aspirações e vontades; só assim será
respeitada a liberdade e a vontade de cada indivíduo dentro do grupo, dos grupos dentro da
Federação Universal dos grupos produtores e consumidores. Transformada a propriedade
individual em comum, os produtores trabalharão naquele trabalho ou ramo de ciência para
[que] mostrarem mais aptidões, cada um segundo suas forças e consumindo suas
necessidades."
3.2 Os grupos anarquistas
Uma das consequências do individualismo consagrado em 1881 em Londres foi a
constituição de inúmeros grupos anarquistas, que não só tinham um número reduzido de
militantes como também actuavam de forma isolada (para além de se reunirem discreta ou
mesmo clandestinamente) – isto verificou-se em toda a Europa e nos EUA. Em Portugal,
verifica-se a existência de seis grupos até 1890. Foi a partir de 1893 e nos dois anos
seguintes que se constituíram a grande maioria dos grupos anarquistas – a razão para tal
será o início da acção sindical por parte dos anarquistas.1 E. Rodrigues fala-nos ainda de
dois grupos formados em 1883 (o primeiro no Porto, com o nome de União Democrática
1 Vide Anexo 1, para mais informações acerca dos vários grupos comunistas em Portugal, em finais do século XIX.
8
Social – ao qual pertenciam, entre outros, Ermelindo António Martins e J. M. Gonçalves
Viana –, e o segundo no Sul, o Grupo Social Neo Bakuninista, do qual fazia parte, por
exemplo, João António Cardoso) e de um outro de que falaremos no ponto seguinte, o
"Grupo Revolucionário Anarquista Onze de Novembro".
No anexo 2 podemos encontrar a declaração de princípios do grupo Comunista-
Anarquista de Lisboa, fundado em 1887, que aparece referenciado no anexo 1.
4. A análise ao Pacto de União
Já vimos que a secção portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores foi
formada em 1871. A evolução anarquista, desde então, "foi lenta, penosa e descontínua".
Editaram-se jornais, manifestos, formaram-se grupos e sucederam-se episódios de natureza
diversa. Já tivemos oportunidade de ver alguns, de seguida analisaremos aqueles que mais
relevância tiveram para o evoluir do movimento anarquista em Portugal.
4.1.1 A acção sindical dos anarquistas portugueses
Em França, desde 1894, os anarquistas adoptaram um tipo de intervenção diferente
daquela a que se assistira até então, com a adesão de libertários a sindicatos: era o
nascimento do sindicalismo revolucionário, ou anarco-sindicalismo, que terá sido
idealizado em finais do século XIX, por teóricos como Fernand Pelloutier ou Georges
Sorel. Nas palavras de E. Rodrigues o sindicalismo revolucionário é uma "Ideia Universal
que tem como ponto alto a solidariedade humana. É doutrina e método de luta. Como
doutrina […] prevê, entre suas múltiplas funções, a educação social, instrução e cultura até
ao máximo da preparação artística, técnica e científica em ordem crescente, evolutiva, de
modo que o indivíduo adquira todos os conhecimentos indispensáveis à boa formação
física, psíquica, ambiental, sempre baseada na liberdade, na solidariedade e no apoio mútuo
[…] Como método de luta, pretende anulação do Estado, das leis e do Capitalismo. Sua
força reside num conjunto de agrupamentos voluntários, ligados também voluntariamente
em função da igualdade social. Propõe-se liquidar através da acção directa os males da
sociedade burguesa, como realização prática e experimental – porque é permanentemente
evolutivo – baseado em leis científicas, sociológicas e psicológicas até atingir o pleno
desenvolvimento progressista de justiça social e alcançar pelo trabalho colectivo a
9
igualdade de direitos, de deveres, de bem estar e atingir uma sociedade onde todos os seres
humanos possam co-existir pacificamente, produzindo e usufruindo das riquezas naturais e
do trabalho de todos em favor de todos."
Mas este sindicalismo revolucionário não se verificou apenas em França: de facto
pensa-se que os anarquistas portugueses foram pioneiros nesta forma de luta. Para
compreendermos esta realidade temos que ter presente que esta adesão às associações de
classe por parte dos anarquistas não se deveu tanto ao vanguardismo e ao aprimoramento
das formas de luta, mas sobretudo à necessidade. A fragilidade do anarquismo
intervencionista português levado a cabo nos últimos anos levou os seus seguidores a
mudarem de estratégia. Noutros pontos do Mundo, a força da propaganda pelo facto ia
adiando a necessidade de mudar as formas de luta. Dito de outra forma: com o grande
aparato de alguns ataques terroristas, os anarquistas não se iam consciencializando da
necessidade de mudar de métodos. Essa tomada de consciência só se começou a generalizar
pela Europa já em pleno século XX, a partir de 1914, quando os anarquistas se começaram
a ligar de forma mais regular e efectiva aos sindicatos. Alguns anarquistas não reconheciam
qualquer autoridade, pelo que lhes era difícil suportar aquela que vigorava nos sindicatos.
Apesar disso a relação entre trabalhadores e anarquistas feita através de associações de
classe acabou por ser uma realidade bem presente em Portugal desde finais do século XIX.
Apesar das mudanças tácticas, continuou a haver sectores anarquistas apologistas de actos
violentos.
O início da acção sindical por parte dos anarquistas portugueses deu-se em 1893.
No 1º de Maio desse ano, alguns anarquistas, como Martins Vagueiro, discursaram num
comício de Lisboa, perante cerca de 6000 pessoas. Precisamente dois meses depois, a
Associação dos Operários "deliberou aceitar «a anarquia como o ideal mais sublime e mais
justo até hoje concebido»". A partir de então e durante os anos seguintes a influência
anarquista foi aumentando nas associações de classe, em particular naquelas que eram
dominadas pelos possibilistas (dos quais falaremos mais pormenorizadamente no próximo
ponto) – a partir de 1895 isto tornou-se bastante claro. Esta aparente ou mesmo efectiva
colaboração entre anarquistas e possibilistas decorria das lutas de cariz económico que
ambas privilegiavam e do facto de tanto um grupo como outro ser hostil em relação ao
Partido Socialista Português de Azedo Gneco. Veremos de seguida como possibilistas e
10
alguns vultos que viriam a abraçar o ideal anarquista no futuro se integraram nas
Associações de Classe.
2.2.3 A Federação Livre, a Federação Socialista Livre e o Núcleo de Educação
Anarquista
Antes do mais, é útil saber o que se entende por Federação, e para tal usarei uma vez
mais o glossário do anarquismo de Edgar Rodrigues: "Federação era órgão de classe, elo de
ligação dos sindicatos com a Confederação do Trabalho, organismo máximo dos
operários." O Grupo Revolucionário Anarquista Onze de Novembro alertou, em inícios de
1891, no "Pacto de União de Solidariedade Operária", para a necessidade da criação de uma
Federação Livre, que, ao contrário daquelas que já existiam, tivesse "autonomia individual,
autonomia colectiva e solidariedade". O pacto parece ter surtido efeito: em 1892 foi criada
a Confederação do Porto, que contou desde logo com a oposição dos partidos políticos.
Em 1901 constituiu-se a Federação Socialista Livre, composta por intervencionistas.
O seu primeiro manifesto data de 1902 e era propositadamente vago, a fim de conseguir
atrair o máximo número de pessoas que não estivessem inseridas nos campos socialista e
anarquista – ainda que alguns dos ataques que eram dirigidos a esta federação proviessem
precisamente de alguns socialistas partidários de Azedo Gneco e anarquistas que não
reconheciam aquele tipo de intervenção. Durante o restante ano a Federação participou em
diversos actos públicos, sozinha ou acompanhada, com especial incidência em conferências
promovidas por associações de classe.
Em 1905 viria a interromper as suas actividades por alguns meses apenas, acabando
a sua reconstituição em Novembro.
Conclusão
11
Anexo 1
"Pacto de União de Solidariedade Operária" do "Grupo Revolucionário Anarquista
Onze de Novembro":
a) "Com a designação Federação Livre é livremente constituído um Pacto de União
e Solidariedade entre os elementos do movimento operário.
b) Este pacto é constituído pelos grupos e Associações Operárias que tenham por
fim melhorar moral e materialmente as condições da existência da classe
operária até conseguir a sua completa emancipação social e que
espontaneamente queiram aderir ao elo.
c) Todas as agremiações a que estas bases forem dirigidas, terão a liberdade de as
discutir, ampliar, aprovar ou rejeitas.
12
d) Todas as agremiações que quiserem aderir ao Pacto, que estejam conformes com
o espírito de completa emancipação social, são completamente livres na sua
organização interna, nas suas resoluções e linha de conduta.
e) É igualmente reconhecida a completa autonomia individual.
f) O fim do Pacto de Solidariedade é o auxílio mútuo entre as colectividades
aderentes na defesa contra as prepotências do capitalismo; na eliminação
constante das horas de trabalho, procurando elevar a dignidade do operário até o
colocar nas condições do produtor livre.
g) Para existência normal das agremiações aderentes será sustentada directamente
entre as mesmas agremiações a respectiva correspondência, que poderá ser feita
alternadamente por todos.
h) Quando qualquer grupo ou associação julgue preciso a realização de qualquer
facto, torná-lo-á conhecido das demais colectividades aderentes para lhes prestar
auxílio preciso.
i) O auxílio e concurso das colectividades tornar-se-á extensivo aos actos
individuais que interessem ao movimento em geral, sem o que a autonomia
individual é efémera.
j) Para socorrer as despesas precisas ao movimento, as colectividades aderentes
concorrerão com as quantias indispensáveis.
k) Todos os detalhes para a execução deste Pacto e ao movimento, serão objecto
especial de acordos colectivos.
l) Poderá este pacto abranger não só as agremiações locais como também todas as
demais que aceitem e declarem aderir-lhe."
13
Anexo 2
Os grupos anarquistas em Portugal até 18952
"[…] Carlos da Fonseca referenciou, até 1890, apenas seis grupos: Comité «As
Centelhas» (Lisboa, 1886-87), Grupo Comunista Anarquista «O Revoltado» (Lisboa,
1887), Grupo «Os Vingadores» (Penafiel ou Lamego, 1887), Grupo Comunista Anarquista
(Porto, 1887), Grupo «Os Rebeldes» (Lisboa, 1889) e Grupo «1º de Maio» (Coimbra,
1890). Até 1894 o mesmo autor apontava a existência de mais os seguintes: Grupo
Anarquista do Barreiro (1892), Grupo Anarquista do Poço do Bispo (1892), Grupo «Os
Invisíveis» (Lisboa, 1893), Grupo Anarquista «Pallás» (Lisboa, 1893), Grupo Anarquista
«Sempre Avante» (Lisboa, 1893) […] Grupo «Solidariedade» (Vila Nova de Gaia, 1894),
Grupo «Os Bárbaros» (Coimbra, 1894), Grupo Anarquista «Humanitário» (Porto, 1894),
2 Vide
14
Grupo Instrução Anárquica «5 de Fevereiro» (Porto, 1894), Grupo Anarquista «Caserio»
(Lisboa, 1894), Grupo Comunista Anarquista «Vaillant» (Belém, Lisboa, 1894), Grupo
Estudos Sociais (Lisboa, 1894) e Grupo «Agitadores» (Porto, 1894). Para 1895 indica cinco
grupos - «Mundo Novo» (Lisboa), «Boa Nova» (Lisboa), Grupo Anarquista «Os
Indefinidos» (Lisboa), Grupo Comunista-Anarquista «Os Revoltados» (Porto), Grupo
Comunista-Anarquista de Faro. […]
Para além dos grupos já assinalados, contabilizámos, naquele ano [1893], mais os
seguintes: Grupo Comunista-Anarquista de Setúbal; Grupo Anarquista «Universal» (Porto);
Grupo Anarquista «Terror da Burguesia» (Poço do Bispo) […] Grupo Anarquista «Os
Vingadores» (sem indicação de localidade); Grupo Anarquista «Germinal» (Faro); Grupo
Anarquista «Invencíveis» (Silves).
O segundo surto teve lugar em 1895, ano em que registámos, para além dos dois
grupos já mencionados, os seguintes: Grupo Anarquista «O Lutador» (sem indicação de
localidade); Grupo Anarquista «Vingança Solidária» (Porto); Grupo Anarquista
«Libertador» (Porto); Grupo Anarquista «Demolidor» (Valbom); Grupo Comunista-
Anarquista «Invisíveis na Luta» (Sines)."
Anexo 3
Declaração de princípios do Grupo Comunista-Anarquista de Lisboa (1887)3
"Considerando:
Que a propriedade individual, a matéria-prima e os instrumentos de trabalho, na
actual organização social, são a origem da miséria dos operários; que, em vista disto, a
classe trabalhadora, para atingir um melhor futuro pela sua emancipação, precisa eliminar o
Estado e a propriedade individual.
Que este acto não pode realizar-se pela evolução legal, nem advir dos parlamentos
ou dum ESTADO OPERÁRIO;
3 Vide
15
Que a emancipação da classe operária não consiste em usurpar a plutocracia mas
sim em destruí-la, seja qual fôr; que é mais fácil obstar a que um governo novo se organize,
que derrubá-lo depois de organizado;
O grupo Comunista-Anarquista, em Lisboa, constitui-se independente de todos os
partidos políticos, para difundir e agitar as suas teorias, preconizando a Liquidação Social, a
Revolução como meios imprescindíveis para conseguir a emancipação da classe
trabalhadora. Portanto rejeita:
1.º - A legislação dos meios de acção, quer das agitações eleitorais, quer das
instituições parlamentares.
2.º - A legalidade imposta pelo Estado ou pela religião à constituição da família;
3.º - A submissão à autoridade pessoal ou legislativa, absoluta, mandatária ou
paternal.
4.º - O sentido patriótico ou nacional, o egoísmo, o antagonismo de raças, religiões e
línguas.
Como meios de acção aceita os que a reivindicação da personalidade individual e as
condições viciosas da sociedade prescrevem:
1.º - A prática da solidariedade com todos os grupos que, como nós, pretendem
eliminar o sistema social contemporâneo, histórico, como com todos os indivíduos anti-
estatistas.
2.º - Acelerar a decomposição política e económica dos Estados, preconizando a
abstenção à urna, a deserção da ca-[?] a greve violenta e a propaganda ilegal no terreno dos
factos.
3.º - Aproveitar a desorganização a que estes meios conduzem os poderes públicos,
fazer proceder à Liquidação Social.
E como corolário da organização futura, escreve na sua bandeira as palavras:
Comunismo e Anarquia."
16
Bibliografia
Rodrigues, Edgar, pseud., 1921-
O despertar operário em Portugal : 1834-1911 / Edgar
Rodrigues. - Lisboa : Sementeira, 1980. - 311 p. ; 21 cm
http://academic.reed.edu/formosa/texts/reclusbio.html [consultado a 7 de Maio de 2011]
17
Recommended