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Defensoria Pública do Estado de São Paudo
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DA
FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO
MARCOS DUARTE, brasileiro, solteiro, portador
do RG nº 24.901.191, inscrito no CPF/MF 420353238-86, residente e
domiciliado à Rua Analândia, nº 526, ap. 91, Jd. Joaquim, Santa
Barbara do Oeste/SP, possuidor do aparelho de telefonia móvel nº
(0XX19) 8106-3989, por intermédio da Defensora Pública que a esta
subscreve, nos termos do artigo 128 da Lei Complementar 80/94 com
as alterações da Lei Complementar 132/09, vem respeitosamente
perante Vossa Excelência, propor
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
em face da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica
de direito público interno, a ser citada na pessoa do Procurador Geral
do Estado, na Rua Pamplona, 227, Jardim Paulista, CEP 01405-902,
pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.
I. Dos fatos.
O autor respondeu a dois processos criminais,
tendo sido condenado.
O primeiro processo tramitou perante a 21ª Vara
Criminal Central da Capital, tendo o autor sido condenado à pena de
02 anos de reclusão, por delito de falso. O segundo processo tramitou
perante a Vara da Comarca de Santa Isabel, tendo sido o autor
condenado à pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão,
pela prática do delito de receptação e por quadrilha ou bando.
Assim, toda sua pena somou 05 (cinco) anos e
06 (seis) meses de reclusão.
De acordo com a folha de antecedentes (F.A.) do
sentenciado, o início do cumprimento da reprimenda teria se dado em
30 de março de 2006. Tendo havido interrupção de 06 (seis) meses e
23 (vinte e três) dias na execução, a data prevista para cumprimento
integral era 23 de abril de 2012, conforme constou da F.A.
Ocorre que houve um erro de cálculo por parte
da serventia, tendo sido desconsiderado período anterior de prisão
cautelar, que deveria ter sido detraído da condenação final.
Assim, de forma diligente e percebendo o erro
de cálculo da serventia, a direção da penitenciária onde o preso
estava recolhido – Franco da Rocha II –, ao antever o cumprimento
integral da pena, em 27 de março de 2012 enviou ofício ao Juízo das
Execuções da Comarca de Guarulhos, apontando que o término de
cumprimento da pena trazido na F.A. estava equivocado e
ressaltando que o autor teria ficado cautelarmente preso entre 02 de
setembro de 2002 e 15 de outubro de 2002, tempo que deveria ter
sido detraído da pena final, nos termos do artigo 42 do Código Penal.
Logo, ao contrário do que havia constado da F.A.
de Marcos, o cumprimento integral da pena se daria em 11 de março
de 2012, e não em 24 de abril desse ano.
Não obstante o erro de cálculo e, ainda que a
penitenciária tenha apontado esse erro ao juízo, tal informação foi
ignorada e os autos foram à conclusão apenas em 19 de abril de
2012, quando o autor já havia cumprido 01 (um) mês e 08 (oito) dias
de pena além de sua condenação.
Assim, apenas em 19 de abril de 2012 foi
expedido o alvará de soltura, relativamente a uma pena que
já havia sido integralmente cumprida há 01 (um) mês e 08
(oito) dias.
Na decisão judicial que declarou extinta a pena,
o r. juízo reconheceu que o sentenciado teria cumprido pena “a
maior”. Assim, simplesmente considerou a detração analógica e
declarou extinta também a pena de multa.
Contudo, o fato é que o autor permaneceu
ilegalmente preso, por um erro de cálculo da serventia, por mais de
um mês.
Ainda mais grave é o fato de que o erro foi
devidamente comunicado pela direção da penitenciária, mas a
serventia, em vez de levar os autos imediatamente à conclusão,
esperou cerca de um mês para fazê-lo, sem qualquer justificativa
plausível.
Dessa maneira, além do dano extra-patrimonial
referente aos direitos da personalidade, como a liberdade, moral,
honra, boa fama e respeitabilidade, que foram lesados durante o
período de prisão indevida, o autor sofreu danos materiais, pois foi
afastado por um mês de suas atividades laborais.
Em razão disso, não lhe restou alternativa,
senão buscar o judiciário para obter a indenização pelos danos
sofridos.
II. Do direito.
A Constituição Federal em art. 37, § 6º
preceitua:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços
responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Assim, uma vez que os escreventes e
funcionários do cartório são agentes do poder público, bem como o
instituto de identificação responsável pelo cálculo errado da pena do
autor, deve o Estado ser responsabilizado e indenizar o Autor, fato
comprovado pela certidão que indica que houve erro no
cumprimento.
Ressalte-se que o volume de serviços da Vara
de Execuções de Guarulhos não elide a responsabilidade, já que se
trata de responsabilidade objetiva, bem como considerando-se
que o erro foi devidamente comunicado pela Penitenciária, mas a
comunicação não foi processada com a urgência que merecia.
Assim, para a caracterização do dever de
indenizar, basta demonstração da conduta lesiva e do dano,
comprovando-se o nexo de causalidade entre aquela ação e o
resultado gerado.
O Código Civil. no artigo 186, estabelece:
Art. 186- Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
O artigo 927 do mesmo ordenamento jurídico
é mais específico no que tange ao presente pedido:
Art.927- Aquele que, por ato ilícito, causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá a obrigação de
reparar o dano, independente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.
O Código Civil preceitua, por sua vez, em seu
art. 944 que a indenização se mede pela extensão do dano.
O dano a direito fundamental do autor vem
demonstrado de plano pela documentação que instrui a petição
inicial, sendo que o próprio juízo reconheceu que o sentenciado teria
cumprido pena superior à determinada na condenação.
Em face dos princípios publicísticos, não é
necessária a identificação de uma culpa individual para deflagrar-se a
responsabilidade do Estado. Esta noção civilista é ultrapassada pela
idéia denominada de faute du service entre os franceses. Ocorre a
culpa do serviço ou "falta de serviço" quando este não funciona,
devendo funcionar, funciona mal ou funcionada atrasado. Esta é a
tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo
entre a responsabilidade tradicional do Direito Civil e a
responsabilidade objetiva. (...) Em suma: a ausência do serviço devido
ao seu defeituoso funcionamento, inclusive por demora, basta para
configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes
em agravo dos administrados.
Verifica-se dos fatos narrados e dos
documentos acostados aos autos que o ato cometido pelos agentes
do Estado, qual seja, erro no cálculo da pena, foi responsável pela
indevida permanência do autor em presídio por 01 (um) mês e
08 (oito) dias.
a. Do Dano Moral
Além disso, não se pode deixar de mencionar
que o dano moral é indenizável, nos termos da Constituição Federal,
em seu art. 5°, inciso X, que diz:
Art.5, X- são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação;
LXXV - o Estado indenizará o condenado por
erro judiciário, assim como o que ficar preso
além do tempo fixado na sentença;
Vale ressaltar que a personalidade é formada
por um conjunto de valores que compõem o patrimônio do ser
humano, podendo ser objeto de lesões em decorrência de atos
ilícitos. A constatação da existência de um patrimônio moral e a
necessidade de sua reparação, na hipótese de dano, constitui marco
importante no processo evolutivo de garantia de direitos e merece
ser respeitado.
Nas circunstâncias em que o ato lesivo afeta a
personalidade do indivíduo, sua honra, sua integridade psíquica, e
seu bem-estar, causando-lhe uma indisposição de espírito, a maneira
de reparar o dano causado é o pagamento de uma soma pecuniária
que permita ao lesado uma compensação pela sua dor.
Dessa forma, como a prisão por período
superior ao devido, por erro da serventia, causou ao autor o
sentimento de indignação, constrangimento, tristeza, desespero,
vergonha e angústia, e uma vez que não é possível voltar ao passado
para mudar esse acontecimento, não há outra maneira, senão a
reparação pecuniária, para tentar amenizar as conseqüências do
equívoco ocorrido.
A indenização tem caráter dúplice, para
compensar os abalos morais sofridos e para coibir as corriqueiras
omissões dos agentes públicos quanto à ocorrência de prisões ilegais.
No que se refere ao quantum indenizatório,
requer-se o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a título de
danos morais, atualizados e com juros contabilizados desde a data do
evento danoso, conforme súmula 362 do STJ.
O “quantum” da indenização se justifica, por
certo, eis que, não bastasse o autor ter ficado ilegalmente preso por
mais de um mês, ainda são de se considerar as características
completamente degradantes do local onde ficou custodiado.
O período de custódia ilegal deu-se na
Penitenciária Nilton Silva – Franco da Rocha II. De acordo com próprio
sítio eletrônico da Secretaria de Administração Penitenciária, trata-se
de estabelecimento com vagas para 852 presos, mas com uma
população total de 1737 presos. Ou seja, o presídio comporta mais
que o dobro do número de presos que poderia comportar.
Desnecessário mencionar que a custódia ilegal
de mais de um mês em um estabelecimento com essas
características provoca danos psíquicos irreversíveis.
O afamado caos em que se encontra o
sistema penitenciário brasileiro deve ser sopesado para o
arbitramento da indenização, dada a responsabilidade objetiva que a
Constituição Federal atribui ao Estado.
As privações extremas impostas pelo cárcere
a contingentes gigantescos de pessoas desumanizadas pelo meio em
que são coagidas a habitar, por certo, criam um ambiente propício à
revolta e à necessidade de afirmação de uma independência, o que
se dá à revelia dos valores sociais responsáveis pela legitimidade do
funcionamento do sistema penal e penitenciário.
Sobre as condições dos estabelecimentos
penais brasileiros, onde a regra consiste na violação sistemática de
direitos humanos, vale trazer a conclusão constante do relatório da
recente Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para investigar
a realidade do sistema carcerário:
“Apesar de normas constitucionais transparentes, da excelência
da lei de execução penal e após 24 anos de sua vigência e da
existência de novos atos normativos, o sistema carcerário
nacional se constitui num verdadeiro inferno, por
responsabilidade pura e nua da federação brasileira
através da ação e omissão dos seus mais diversos
agentes” (fonte: Procuradoria Geral dos Direitos do Cidadão.
Disponível em 12 de novembro no sítio eletrônico <
http://pfdc.pgr. mpf.gov.br/grupos-de-trabalho/sistema-prisional
/CPIsistemacarcerario.pdf >, g.n.).
Poucos exemplos parecem mais claros que o
sistema carcerário brasileiro quando se quer demonstrar a
potencialidade do Estado de tornar-se um agente traumático.
Assim, a prisão ilegal por mais de um mês já
ensejaria uma elevada indenização por danos morais. No caso dos
autos, contudo, a prisão ilegal por tal período em um estabelecimento
com as características apresentadas acima é aviltante em um Estado
que se proponha democrático e fundado na dignidade da pessoa
humana, não podendo o Poder Judiciário mostrar-se leniente quando
uma lesão de tal calibre se afigura.
b. Lucros cessantes.
Os lucros cessantes, ou “aquilo que se deixou de
ganhar”, estão previstos no art. 402, do Código Civil, que alude:
“Salvo exceções expressamente previstas em
lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente
perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
De acordo com Maria Helena Diniz é:
“Alusivo à privação de um ganho pelo credor
[...], em razão do descumprimento da obrigação
pelo devedor” (Maria Helena Diniz, Curso de
Direito Civil, 2º volume: teoria geral das
obrigações – 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
409).
Deste modo, uma vez que já se estabeleceu o
nexo causal e o resultado danoso, a Ré deve arcar com os valores
que o requerente deixou de ganhar por não poder trabalhar como
auxiliar de descarga de caminhão, atividade que exercia antes da
prisão e que voltou a exercer assim que foi solto.
O autor percebia remuneração mensal no valor
de R$ 600,00 (seiscentos reais), conforme declaração do mesmo, de
onde retirava o seu sustento e o de sua família. Com a sua prisão,
deixou de receber a aduzida quantia e, consequentemente, ficou
impossibilitado de prestar auxílio aos seus familiares.
Os lucros cessantes, portanto, consistem no
valor acima mencionado, pois é aquilo que o autor deixou de lucrar.
Diante disso, requer-se a condenação da ré ao
pagamento de lucros cessantes no valor R$ 600,00 (seiscentos reais).
III. Dos pedidos.
Diante do exposto, requer:
a) seja a ré condenada ao pagamento de R$
50.000,00 (ciquenta mil reais) a título de danos
morais e R$ 600,00 (seiscentos reais), a título de
danos materiais, totalizando 50.600,00, tudo
corrigido desde a data do fato com correção
monetária e juros;
b) A citação da ré para que apresente sua
defesa, sob pena de sofrer os efeitos da revelia
c) pela produção de todos os meios de prova em
direito admitidas, além dos documentos já
juntados;
d) pela concessão do benefício da gratuidade de
justiça, diante da hipossuficiência do autor;
Dá-se à causa o valor de R$ 50.600,00
(cinqüenta mil e seiscentos reais).
Termos em que,
Pede Deferimento
São Paulo, 1º de agosto de 2012.
Bruno Shimizu
Defensor Público
Núcleo Especializado de Situação Carcerária
Patrick Lemos Cacicedo
Defensor Público
Núcleo Especializado de Situação Carcerária
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