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- Como entender a teologia da salvação do apóstolo Tiago à luz da teologia de salvação de Paulo- Como ambas as teologias se complementam
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INTRODUÇÃO
O propósito deste ensaio é entender a doutrina da salvação à luz de
Tiago e de Paulo comparando os dois pontos de vistas abordados
diferentemente por estes apóstolos. Para uma melhor compreensão
do tema este trabalho vai frisar, dentre toda a teologia de salvação, a
doutrina da Justificação tanto para Paulo quanto para Tiago.
A primeira parte aborda a doutrina da Justificação à luz de Paulo,
mostrando como ele se baseou nas Alianças do Antigo Testamento
para fundamentar sua teologia, como ele tinha uma perspectiva
escatológica para a Justificação, qual a relação entre a Justificação e a
Fé e como ela supre completamente os requisitos para a salvação de
quem crer no sacrifício de Cristo.
A segunda parte vai tratar da doutrina da Justificação à Luz de Tiago,
elucidando a relação entre os conceitos utilizados por Tiago e aqueles
utilizados por Paulo e analisando de modo geral os capítulos 3 da
carta de Paulo aos Gálatas e aos Romanos comparando com o capítulo
2 da epístola de Tiago ao longo da argumentação.
1
JUSTIFICAÇÃO PARA PAULO
Conceitos de Justificação
Muitos têm considerado a doutrina da Justificação como
central na teologia paulina. De fato essa era a opinião dos
reformadores que, em meio a tantas artimanhas da Igreja Católica em
se mostrar como meio de salvação para os fiéis, viam a necessidade
de defender que o único caminho para a salvação é o sacrifício de
Cristo que nos foi oferecido pela graça de Deus e que pode ser
recebido através da fé somente. Antes de ir mais afundo no tema, é
necessário entender os principais conceitos que a doutrina da
Justificação tem apresentado ao longo dos anos.
A maioria dos teólogos pesquisados afirma que Justificação é
um termo forense, usado nos tribunais para isentar de culpa o réu que
estava sendo julgado. Justificação é o oposto de condenação. Ambas
as palavras são sentenças pronunciadas a um réu diante do tribunal
definindo-o como culpado ou inocente.
A tarefa do juiz é absolver o inocente de condenar o culpado.
Segundo George Ladd, Deus é apresentado como juiz em diversas
passagens da Bíblia e age justamente contra o pecado. A palavra
justificação está relacionada com a lei e significa absolvição,
vindicação e aceitação diante de um tribunal. A justificação não tem a
ver com a nossa purificação espiritual (que está relacionado com o
poder do pecado sobre o cristão), antes, tem a ver com necessidade
que o homem tem de ser livre da culpa que ele, como pecador,
carrega diante de Deus. O autor ainda acrescenta que alguns teólogos
católicos têm afirmado que justificação significa “tornar justo”, mas
estudiosos mais recentes tem dito que, de acordo com Paulo, justificar
seria mais em nível de relacionamento com Deus do que de qualidade
2
ética do réu, assim, seu significado melhor seria “estar de acordo com
Deus.” (LADD, 2003)
Handley Moule acrescenta que justificação também pode
significar “tornar justo” ou “conformar a um padrão verdadeiro”. Seria
um processo onde o erro é corrigido e o mau se torna bom, e quem é
bom se torna melhor. É algo diferente do que simples melhora de
condição do indivíduo. Significa receber um veredicto favorável diante
do júri ao invés de uma sentença de condenação. (MOULE, 2005)
Moule também destaca a dificuldade que podemos enfrentar
no estudo desta palavra: como um homem, acusado de pecar, pode
ser aceito por Deus que odeia o pecado como um homem justo, como
se ele nunca tivesse pecado antes? “Sua questão não é, diretamente:
como eu um pecador me tornarei santo? Mas: como eu uma pecador
serei recebido por meu Deus aquém eu afligi, como se eu não O
tivesse afligido?” (MOULE, p. 442)
Sem dúvida, como pecadores, precisamos urgentemente do
perdão de Deus pelos nossos pecados para não recebermos a punição
que merecemos por nascer sob a ira de Deus. Entretanto, mais do que
isso, precisamos ser aceitos à presença de Deus como se nunca
tivéssemos pecado contra Ele. “A justificação não significa meramente
uma concessão de perdão, mas um veredicto em favor de nossa
posição como satisfatória diante do juiz.” (p. 442)
Moule apresenta outra idéia que achei interessante relatar
aqui por não ter encontrado outra definição como esta. Justificação
também pode ser explicada pela linguagem dos impressores. O ato
que o profissional fazia de alinhar vários tipos na antiga imprensa para
as palavras saírem numa ordem correta dos tipos fixados era
justificar. (MOULE, 2005)
3
Justificação Baseada na Aliança do Antigo
Testamento
Devemos entender a doutrina da justificação olhando da
perspectiva do Antigo Testamento, uma vez que Paulo se fundamenta
nestes escritos para elaborar sua doutrina. O significado de “justiça”
para os israelitas era se conformar com uma norma preestabelecida.
A questão da justiça no AT seria uma norma a ser seguida para que
houvesse ordem no mundo, o justo é aquele que segue estas normas.
“O significado básico da palavra [justiça] é a norma, nas questões do
mundo, à qual os seres humanos e as coisas têm que se conformar, e
pela qual podem ser medidos. O homem justo é o homem que vive de
acordo com a norma dada. O verbo ‘ser justo’ que dizer viver de
acordo com a norma dada.” (LADD p. 604). Por isso o judaísmo do AT
a justiça passou a ser associada a completa observância da Lei
Mosaica.
Assim, O conceito de justiça no AT está mais vinculado a
relacionamento, do que questões éticas. Quem cumpre a ordem é
considerado justo. “Basicamente, ‘justiça’ é um conceito de
relacionamento. Quem cumpre as exigências, que lhe são impostas
pelo relacionamento em que se encontra, é considerado justo. Não é
uma palavra que designa o caráter ético pessoal, mas a fidelidade a
um relacionamento.” (LADD p. 604).
Paulo em seus escritos manifesta claramente a justiça de Deus
tomando como base também as revelações veterotestamentárias.
Deus é o Deus que faz uma Aliança com Israel ditando a maneira
como o seu povo deveria viver. O Deus que fez a Aliança deveria se
manter fiel à mesma, e essa fidelidade à Aliança é a revelação da sua
justiça.
4
Por isso em Romanos 3.251 Paulo mostra que a cruz é a
manifestação da justiça de Deus e em Romanos 1.172 ele diz que o
Evangelho é a revelação da justiça de Deus. O Deus do AT, fiel à sua
Aliança com seu povo, continua sendo fiel à sua Aliança através da
cruz e do evangelho.
A profundidade da doutrina da justificação estaria, portanto,
no fato de o homem estar completamente em desacordo com as leis
de Deus, e, assim, debaixo da condenação divina. Este homem pode,
portanto, ter esperança de salvação uma vez que o Deus fiel à sua
Aliança providencia um meio de sua justiça ser satisfeita e ainda
assim se manter fiel ao Pacto.
Paulo olha para a obra redentora de Cristo igualmente da
perspectiva do Antigo Testamento. “A ação de Deus que levou Jesus à
morte expiatória e vicária dos pecadores, nós a experimentamos
como ‘demonstração da justiça’ de Deus.” (GOPPELT, p. 230)
Observamos, portanto, que a justiça é o padrão que Deus deu
aos homens. O homem justo é aquele que segue todos esses padrões
divinos e que, pos isso, pode desfrutar de um relacionamento com
este Deus. No dia do juízo seria considerado como íntegro por não ter
se desviado dos padrões estabelecidos. Logo, a seqüência da
justificação seria: a justiça de Deus anula a condenação do homem
injusto e o transforma em justo.
É bom ainda destacar que a justificação está mais associada a
um relacionamento adequado com Deus do que a postura ética do
homem. Quando Deus justifica o homem que crê, Ele não está
atribuindo-lhe uma justiça no sentido de perfeição ética, mas no
sentido de impecabilidade. O objetivo da justificação não é o
aperfeiçoamento moral do réu. A corte dá o veredicto de justificado
1 “a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos” Rm 3:25
2 “visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé.” Rm 1.17
5
para satisfazer a lei da sociedade. O juiz da não está interessado se o
réu vai melhorar sua conduta depois disso, ele está interessado em
saber se o réu está em boas condições diante da lei. “É obvio que a
questão não é um aprimoramento moral. Os juízes não existem para
tornar o homem justo melhor. Eles existem para justificar sua posição
como satisfatória diante da lei.” (MOULE, p. 441).
É possível que o homem considerado justo por Deus continue
errando e pecando, mas diante do Justo Juiz, os erros cometidos pelo
homem declarado justo não são mais apontados contra ele (“Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos
homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da
reconciliação.” 2 Co 5.19). Isso só é possível porque Cristo se fez
pecador em nosso lugar. Diante de Deus, Cristo, na cruz, não foi
considerado como sendo pecador, ele de fato se tornou pecador
(“Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para
que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus.” 2 Co 5.21). “O homem
justo não é ‘visto como se fosse justo’; mas é realmente justo, pois foi
absolvido do pecado pelo veredicto de Deus. Quando Cristo foi feito
pecado, Deus não o tratou meramente ‘como se’ Ele fosse um
pecador. Ao contrário, Deus fez com que o (eticamente) imaculado se
tornasse um pecador (no sentido forense).” (LADD, p. 610)
Justificação como Escatológica
Outra característica importante de justificação é que ela é
escatológica, ou seja, no dia do juízo final Deus condenará os ímpios e
salvará os justos. Foi Deus quem estabeleceu os parâmetros para a
humanidade seguir, portanto, somente Ele tem poder para decidir que
será salvo e quem será condenado. “O resultado final será uma
declaração de justiça que significará a absolvição de toda culpa, ou a
prova da culpabilidade e subseqüente condenação. O significado
6
essencial de justificação, portanto, é forense e envolve a absolvição
pelo justo Juiz.” (LADD, p. 605)
O argumento de que a justificação é escatológica coincide com
a doutrina judaica. Entretanto Paulo se difere em pontos
importantíssimos. O primeiro deles é que, para Paulo, essa justificação
escatológica que ocorreria somente no futuro, já aconteceu. Observe
as seguintes referências: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz
com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo [...] Logo, muito mais
agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da
ira.” Rm 5.1, 9 e “Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes,
mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor
Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” 1 Co 6.11. “Pela fé em
Cristo, cuja base é o seu sangue derramado, os homens já foram
justificados, absolvidos da culpa do pecado e, portanto, libertos da
condenação.” (LADD, p. 606)
A mensagem da justiça de Deus passa uma idéia escatológica
e anuncia uma realidade divina, celestial se introduzindo no mundo
atual. Em Paulo, contudo, esta mensagem passa a ter uma
perspectiva mais presente. Para o ele, o evangelho – a mensagem da
encarnação, morte e ressurreição de Cristo – é a própria revelação do
poder de Deus, na verdade o poder de Deus vem contido dentro desta
mensagem. Assim, o evangelho age em todo aquele que crê na obra
de Cristo. “Nesta eficácia está contida a justiça de Deus que,
exatamente assim, desce sobre a terra. De escatológica que ela era
no início, a mensagem se torna anúncio dos bens presentes.”
(CERFAUX, p. 430)
O juízo final não está mais restrito a acontecer somente no
futuro, no fim de todas as coisas. Ele já aconteceu na era presente. A
justificação que deveria absolver os justos somente no juízo final, já
ocorreu no presente através da morte de Cristo e trouxe esperança e
salvação para a humanidade desta era. John Stott mostra que com a
morte de Cristo ele trouxe para o presente a sentença que deveria ser
7
dada somente por ocasião do juízo final. O resultado disso é uma
comunidade de crentes justificados que aguardam com muita
esperança o futuro. A Lei já não pode nos condenar porque estamos
em Cristo Jesus que pagou o preço desta condenação. (STOTT, 2006).
Esta salvação é adquirida pela fé no sacrifício de Jesus. “O julgamento
futuro tornou-se, assim, essencialmente uma experiência presente.
Deus em Cristo absolveu o crente; logo, este tem a certeza da
libertação da ira divina e não está mais sob condenação.” (LADD, p.
606)
George Ladd ainda acrescenta que é possível entender que a
justificação do crente se limita somente aos pecados que ele cometeu
antes de sua conversão. No entanto é necessário lembrar que a
justificação é um evento escatológico e, portanto referente ao fim dos
dias. Entretanto o que precisamos destacar ainda mais não é o caráter
escatológico, mas o que a obra de Cristo realizou com esta
escatologia. Até então todos seriam julgados como culpados e
inocentes num futuro juízo final, mas Cristo trouxe este julgamento da
era futura para a era presente. Com isso aquele que foi justificado
pela morte de Cristo não foi levado em conta somente as
transgressões do passado, mas o estado de culpa como um todo, e
isso abrange toda a história do indivíduo, tanto passado como futuro.
”Sua [a justificação] locação temporal, portanto, não é realmente o
ponto de fé; de fato, nada mais é do que o juízo final que, em Cristo,
foi impelido para o curso da História [...]. Ele [o crente] não é somente
justificado dos pecados cometidos antes do tempo de fé; é justificado
de toda a culpa.” (LADD, p. 614)
Justificação pela Fé
Para os judeus a Lei de Deus era o meio pelo qual eles
poderiam ser considerados justos diante do Senhor. A aceitação e a
obediência à Lei por parte dos judeus deveriam ser feitas por meio da
8
fé. Ao aceitar a Lei pela fé, os judeus deveriam se conformar com o
padrão divino instituído a eles. No entanto, esse conceito judaico
passa muito próximo da questão do mérito, porque basta alguém ter a
boa intenção de obedecer a lei que já espera ser beneficiado com as
bênçãos de Deus. Paulo retruca este pensamento dizendo que a Lei
do AT só justificava como Deus queria que isso acontecesse: pela fé
nEle e não pela prática vazia da lei.
Paulo faz uma clara distinção entre sua doutrina e o
pensamento judaico sobre a obediência a Lei. Se para os judeus,
bastava a boa intenção, para Paulo o necessário para ser justo diante
de Deus era cumprir Sua Lei na íntegra. O que torna um homem
aceitável diante de Deus não é o nível de pecados cometidos, mas o
simples fato de cometer pecados. Assim, como ninguém é capaz de
viver sem cometer um pecado sequer, todos são condenados diante
de Deus
Paulo ilustra esse ensinamento mostrando que Abraão foi
justificado pela fé antes mesmo de haver a Lei Mosaica. Deus fez
promessas a Abraão dizendo que seria abençoado e que abençoaria
toda a terra. O cumprimento dessa promessa ocorreu em Cristo,
descendente de Abraão sem sequer passar pela Lei. Assim sendo, a
Lei não é requisito para se conseguir as Bênçãos de Deus. “A Lei,
portanto, não intervém de modo algum na concessão dos bens divinos
(que a justificação à maneira judaica pretende ‘merecer’)”. (CERFAUX,
p. 419)
Lucien Cerfaux diz que Para Paulo a fé é sempre uma resposta
que o homem dá à mensagem divina. Também é a resposta do
homem à salvação oferecida por Deus. Analisando mais
detalhadamente “a fé é a resposta do homem à mensagem, com seu
conteúdo objetivo e o poder que o acompanha. A justiça é dom de
Deus [...]; a fé é necessária para afinar nossa inteligência e nossa
vontade com a mensagem, e abri-nos assim à força divina.”
(CERFAUX, p. 440). Nesse sentido, qualquer pessoa que, pela fé,
9
aceite o sacrifício de Cristo em seu lugar pode ser salva, até mesmo o
ímpio.
Esse conceito de salvação dos ímpios na doutrina de Paulo
choca os judeus. Paulo defende que Deus também justifica o ímpio,
sendo que no AT era obrigação dos juízes condenarem os ímpios e
absolverem os inocentes. Ao defender a justificação dos ímpios, Paulo
nos mostra que Deus ressalta seu caráter de justiça. “Tendo em vista
a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser
justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” Rm 3.26. Isso não
seria uma contradição, mas uma comprovação da justiça reta de
Deus. O grande diferencial é que o pré-requisito para esta justificação
não são os cumprimentos meticulosos da Lei e sim a fé completa na
obra de Cristo.
Para Paulo a pessoa justificada não é aquela que tenta andar,
o mais sinceramente possível, dentro da Lei de Deus, e sim aquela
que aceita pela fé a morte propiciatória de Cristo. Fé esta dada a nós
pelo próprio Deus. “O fundamento da justificação não é a obediência à
lei; mas a morte de Cristo [...] Nossa aceitação não está
fundamentada nem nossas obras nem em nossa fé, nem na obra de
Cristo dentro de nós; mas naquilo que ele fez objetivamente por nós.
Assim, se fosse possível a um homem ser justificado pela Lei, a morte
de Cristo teria sido sem propósito.” (LADD, p. 612)
A morte propiciatória de Cristo aponta para duas perspectivas
do caráter de Deus. A morte de Cristo foi um ato da parte de Deus
tanto de justiça quanto de misericórdia. Ao fazer Jesus, um homem
eticamente correto diante de Deus, pagar a pena que nós deveríamos
pagar Deus se mostra perfeitamente Justo e perfeito. No entanto Ele
se mostra igualmente misericordioso por nos poupar da pena capital
que nós merecíamos receber. George Ladd nos mostra que “por Deus
ter manifestado tanto sua justiça como seu amor ao punir Cristo com
a culpa e a condenação do pecado, Ele pode agora, em perfeita
justiça, oferecer a vindicação de absolvição ao pecador.” (LADD, p.
10
613) e Lucien Cerfaux confirma a teoria de Ladd dizendo que a justiça
de Deus consiste basicamente em misericórdia e salvação é atribuída
ao homem pela fé dada a ele por Deus. “Se a justiça de Deus é uma
justiça que tem o dever de castigar os culpados, Cristo ofereceu-se
em nosso lugar.” (CERFAUX, p. 442)
É necessário ainda discorrer sobre a relação entre a “Graça” e
a “Fé” na obra salvadora de Cristo. John Stott faz um paralelo notável
entre estes temas mostrando que o homem é justificado por Deus
somente por Sua graça por meio da fé nele, sem qualquer prática que
ele possa ter para alcançar esta justificação. Tudo o que homem pode
fazer para se tornar justo diante dele é crer. “Assim, o homem é
justificado somente por meio da graça de Deus; o homem nada
realiza; não há nenhuma atividade humana. Antes, o homem
simplesmente se submete à justificação de Deus; ele não realiza
obras; ele crê.” (STOTT, p. 165)
A fonte da justificação é a Graça de Deus (“sendo justificados
gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo
Jesus” Rm 3.24), ou seja, um favor expresso ao pecador que não
merece coisa alguma. Uma vez que não há nenhum justo, obviamente
ninguém pode se declarar justo diante de Deus, mesmo aqueles que
tentam fazê-lo através de suas práticas vãs. Isso nos leva a entender
que só quem pode justificar o pecador é o próprio Deus e Ele o faz
porque escolheu fazer. Por sua graça.
O meio da nossa justificação é pela fé (“Concluímos, pois, que
o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei.”
Rm 3.28). A graça e a fé estão intimamente ligadas, pois a fé é a
resposta que o homem dá ao presente que a graça lhe oferece
gratuitamente. O que nos justifica não é a nossa fé. Acreditar nisso
seria ter fé na fé, que seria tão prejudicial quanto ter fé em um falso
deus. “A graça de Deus é a fonte e o sangue de Cristo o fundamento
de nossa justificação; a fé não passa do meio pelo qual somos unidos
a Cristo.” (STOTT, p. 170). A fé, entretanto, não é simplesmente “um”
11
meio para se adquirir esta salvação. Ela é o “único” meio para se
obtê-la. Nossa justificação não poderia vim através da obediência às
obras da lei porque implicaria em justiça própria do homem, se fosse
desse modo ele teria condições de, por si só, se apresentar justo
diante o perfeito Juiz.
Ao entender que a fé é o “único” meio para obter a salvação
naturalmente entende-se também que a fé é somente um instrumento
pelo qual o homem pode se apropriar da providência de Deus em
justificá-lo. Como já foi mencionado acima, o homem não deve ter fé
na fé, isso seria vazio. Segundo Michael Horton, o homem precisa ter
a fé no objeto certo, a obra de Cristo na cruz. Pela fé a justiça de
Cristo se torna a nossa própria justiça. “Não somos justificados pela fé
por algo intrínseco à própria fé. Não há nada de mágico em crer. É a
fé em Cristo [...] que constitui a fé salvadora.” (HORTON, p. 168)
Concluímos então que a fé é o meio pelo qual o injusto pode
lançar mão da justificação oferecida na morte de Cristo e receber o
dom de ser considerado justo diante de Deus. Nada mais que isso é
necessário para uma pessoa ser justificada. Sendo a obra de Cristo
perfeita e completa seria um insulto se qualquer pessoa pudesse
tentar, por si só, através de esforços e cumprimento de regras,
alcançar a salvação oferecida por Cristo de graça. Ao ter fé, o pecador
confia plenamente que o sacrifício de Cristo foi suficiente para que ele
fosse considerado inocente.
Justificação e Imputação
É necessário destacar que a doutrina da justificação não se
limita somente à identificação de Cristo com os nossos pecados. Ela
vai mais além e declara que, com a sua morte, a justiça de Cristo foi
colocada em nós.
12
A justificação não é um ato isolado, ela consiste em dois
momentos distintos: um é quando Deus perdoa o transgressor e o
reconcilia consigo mesmos, e o outro é quando nos concede sua
própria justiça para que alcancemos a plenitude da vida cristã. Esta é
a doutrina da imputação que declara que a justiça de Cristo foi
imputada a nós. Um versículo chave para a compreensão desta
doutrina é 2 Co 5.21 “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez
pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus.”
Paulo afirma que Cristo se fez pecado em nosso lugar, ele não
assumiu simplesmente sobre si os nossos pecados, ele se tornou
pecador, por assim dizer, e foi sofrer a nossa pena. Com a justificação
Deus nos concede sua justiça como um dom. Isso somente depois que
temos nossos pecados perdoados por Ele. “Sem dúvida, Deus nos
concede a riqueza de sua justiça depois de haver perdoado nossos
pecados; o dom é precedido duma expiação e duma reconciliação.”
(CERFAUX, p. 438)
Depois de nossa conversão continuamos pecadores e falhos,
mas somos aceitos por Deus não somente porque nossos pecados
(presentes e futuros) foram perdoados, mas porque a justiça de um
homem que viveu nesta terra e não cometeu um só delito, foi
colocada sobre nós e podemos nos achegar a Deus sendo
considerados justos por causa da justiça de Cristo. ”Assim nos foi
imputada a justiça de Cristo, mesmo que em caráter ou em atos
permaneçamos pecadores. É uma conclusão lógica e inevitável que
aqueles que têm fé são justificados pelo fato da justiça de Cristo lhes
ser imputada.” (LADD, p. 614). A justiça de Deus passa a ser a fonte
das nossas virtudes. Assim, a única justiça que os homens têm não é
aquela que eles tentaram obter por si mesmos, mas aquela que lhes
foi imputada.
Para entendermos melhor este ponto podemos nos voltar para
o que Paulo ensina. Segundo ele boas obras também são importantes
13
para a justificação. Estas boas obras estão envolvidas pela justiça de
Cristo que foi imputada aos pecadores que creram pela fé.
Todavia, não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque,
se, pela ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a graça de
Deus e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foram
abundantes sobre muitos.
O dom, entretanto, não é como no caso em que somente um pecou;
porque o julgamento derivou de uma só ofensa, para a condenação;
mas a graça transcorre de muitas ofensas, para a justificação. Se, pela
ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que
recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida
por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. Pois assim como, por uma só
ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim
também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os
homens para a justificação que dá vida. Porque, como, pela
desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores,
assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão
justos (Rm 5.15-19)
Neste texto Paulo explica que o pecador que foi justificado não
precisa ter medo da condenação. “Ele também é renovado
internamente segundo a exigência da lei santa de Deus.” (SHEDD,
p.27). Em outras palavras, ao ser declarado justo o pecador recebe os
atos de justiça de Cristo que nunca se desviou da lei. Assim, o pecador
justificado é considerado como se nunca tivesse transgredido um só
mandamento da santa lei de Deus.
Michael Horton ilustra a doutrina da imputação de maneira
muito eficiente comparando nossa situação espiritual com as dívidas
do comércio. Em nossa vida de pecados temos duas grandes
carências diante de Deus que precisam ser supridas, a saber,
precisamos pagar todos os nossos débitos (todas as nossas dívidas
devem ser pagas), além disso precisamos também de uma generosa
14
linha de crédito. Diante de Deus não podemos ser culpados de pecado
algum (ter os débitos pagos) mas precisamos, por outro lado, ser
moralmente perfeitos diante de Deus assim como Ele é (daí a
necessidade do crédito). Horton comenta que reduzir o significado de
justificação somente a “ter os pecados perdoados” não estaria
expressando plenamente o significado correto da doutrina. “Aqui é
onde a definição popular de justificação – ‘como se eu nunca tivesse
pecado’ – torna-se insuficiente. Antes, é como se eu nunca tivesse
pecado e tivesse, em seu lugar, amado a Deus e a meu próximo
perfeitamente toda a minha vida.” (HORTON, p. 159)
Se nos voltarmos ao conceito de pecado original veremos que
não foi somente a injustiça de Adão que herdamos, junto com isso
herdamos também seus débitos. Nós nos identificamos com o pecado
de Adão e seu estado depois que ele pecou. Cristo, o segundo Adão,
pagou esse débito gigantesco, e todos aqueles que olham para Cristo
pela fé, herdam não somente a quitação desta dívida, como também
sua vida de justiça completa diante de Deus. Se não fizemos
absolutamente nada para sermos condenados em Adão, também não
podemos fazer absolutamente nada para sermos justificados em
Cristo.
15
JUSTIFICAÇÃO PARA TIAGO
Justificação pelas obras
Antes de analisarmos a posição de Tiago quanto à doutrina da
Justificação é importante lermos atentamente o que ele coloca no
segundo capítulo de sua epístola.
“Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi justificado,
quando ofereceu sobre o altar o próprio filho, Isaque? Vês como a fé
operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras
que a fé se consumou, e se cumpriu a Escritura, a qual diz: Ora,
Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça; e: Foi
chamado amigo de Deus. Verificais que uma pessoa é justificada
por obras e não por fé somente. De igual modo, não foi também
justificada por obras a meretriz Raabe, quando acolheu os emissários
e os fez partir por outro caminho?” Tg 2.21-25 [grifo acrescentado]
Tiago sabia da importância histórica e teológica que Abraão
tinha para o povo judeu que o admiravam bastante por sua
obediência total a Deus, mesmo se isso significasse sacrificar seu
próprio filho. O principal argumento de Tiago se baseia neste fato. Foi
exatamente a disposição que Abraão teve em matar Isaque para
obedecer a Deus que Tiago denomina “obras”. Por causa desta “obra”
é que Abraão foi justificado.
Para Tiago, o termo “justificar” é expressado no sentido de um
julgamento futuro. Tiago usa o termo para explicar a posição de uma
pessoa quanto ao juízo final de Deus e não a segurança que essa
pessoa pode ter pela fé na obra de Cristo. Assim, Tiago usa a palavra
com respeito ao “pronunciamento final de Deus em relação à justiça
de uma pessoa, e não à segurança inicial desta mesma justiça pela
fé.” (MOO, p. 108).
16
Esse uso da expressão “justificar” tem suas raízes no Antigo
Testamento e nos ensinos de Jesus. No Antigo Testamento “justificar”
é usado para declarar um réu inocente, baseado na comprovação de
sua inocência. Era usado também para falar de quem cumpria
lealmente a Aliança, neste caso esse veredicto tem uma ligação
profunda com o juízo final. Nos ensinamentos de Jesus essa visão do
juízo final era muito clara. “Digo-vos que de toda palavra frívola que
proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo; porque, pelas
tuas palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás
condenado” MT 12.36,37.
Tendo como base estes fundamentos da justificação para Tiago,
fica evidente que as boas obras que Abraão praticou – a saber,
sacrificar seu Filho Isaque em obediência a Deus – serviram para
justificá-lo no Julgamento Final. Tiago não nega que Abraão tinha fé,
pelo contrário “ele pressupões que Abraão tinha fé e aquela fé foi um
elemento básico em sua aceitação por parte de Deus.” (MOO, p.109).
Douglas Moo ainda acrescenta que a palavra “somente” que é
colocada junto com a palavra “fé” no versículo 24 faz toda a
diferença. Essa palavra demonstra que Tiago não tem intenção de
tirar a fé do processo de justificação. Pelo contrário, ele estava
incomodado por causa da fé inoperante dos cristãos de sua época.
Para combater essa quietude foi preciso enfatizar a importância das
obras. “Tiago teve que colocar bastante ênfase na natureza ativa da
fé e afirmar que, no final das contas, as ações têm importância.”
(MOO, p. 114)
Vale ainda apresentar as idéias de Leonhard Goppelt que
oferece três argumentos baseados em Tg 2.14-26, mostrando a idéia
de salvação para Tiago e como esta salvação se evidencia pelas
obras. Primeiro vemos em 2.14 o escritor questionando a vantagem
de uma pessoa ter fé e não ter obras. “Pode, acaso, semelhante fé
salvá-lo?”. Vemos claramente que a uma fé sem obras visíveis não
pode salvar ninguém. Em segundo lugar Goppelt observa que a fé
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sem obras é tão inútil quanto o amor ao próximo que fica evidenciado
somente nas palavras (2.15-17). Em terceiro lugar o autor em questão
mostra que Tiago apresenta um exemplo positivo de salvação pela fé
evidenciada nas obras, ou seja, Abraão creu em Deus, e por isso se
dispôs a sacrificar seu filho (2.21-24). Resumindo as idéias de Goppelt
podemos afirmar que “A fé sem obras é morta [...]. A Escritura
promete salvação somente à fé associada a obras.” (GOPPELT, p.440)
Dialética entre Paulo e Tiago
Este é um dos pontos mais delicados deste trabalho por que
trata de uma possível contradição entre autores inspirados. É
necessário fazer uma cuidadosa avaliação para demonstrar que,
apesar de fortes opiniões contrárias (como Martinho Lutero, por
exemplo), não há qualquer contradição entre os ensinamentos de
Paulo e de Tiago.
Se pudermos resumir a doutrina da justificação para Paulo ela
teria as seguintes seqüências: absolvição divina, baseada somente na
graça, recebida pela instrumentalidade da fé, sem a prática das obras
da Lei. Paulo deixa claro que ninguém é bom o suficiente, nem
perfeito o suficiente para ser justificado por Deus mediante o pleno
cumprimento das obras da Lei. “Visto que ninguém será justificado
diante dele por obras da lei” (Rm 3.20). Paulo descreve a doutrina da
Justificação como o modo pelo qual o pecador, pode se apresentar
justo diante de Deus se ele tiver aceitado, pela fé, o sacrifício
substitutivo de Cristo. Por se tratar de um pecador, que não tem
justiça alguma em si mesmo para oferecer para sua salvação as suas
obras não tem absolutamente nenhum valor para que isso aconteça.
“Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a
sua fé lhe é atribuída como justiça.” (Rm 4.5)
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Tiago, entretanto, parece ir imediatamente contra o ensino de
Paulo: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé,
mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? Se um
irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do
alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz,
aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o
corpo, qual é o proveito disso? Assim, também a fé, se não tiver
obras, por si só está morta. Mas alguém dirá: Tu tens fé, e eu
tenho obras; mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu, com as obras,
te mostrarei a minha fé” (Tg 2.14-18) [grifo acrescentado]
Para Tiago, o termo “justificar” tem um significado
completamente diferente daquele utilizado por Paulo. Tiago se baseia
no julgamento Antigo Testamento onde, para um juiz declarar justo o
réu requer que sejam apresentadas provas que confirmem sua
inocência. O veredicto da justificação está ligado ao julgamento final.
“Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como aqueles que hão
de ser julgados pela lei da liberdade. Porque o juízo é sem
misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia. A
misericórdia triunfa sobre o juízo.” (Tg 2.12,13).
Douglas Moo faz um resumo notável unindo estes dois
conceitos. “Apesar de nossa união com Cristo pela fé ser a única base
para a justificação diante de Deus, as obras necessariamente
produzidas como resultado desta união são levadas em conta no
julgamento final de Deus sobre nós. Numa terminologia teológica,
Paulo está falando da imputação de justiça; Tiago da declaração de
justiça.” (MOO, p. 47) [grifo no original]
Ambos os autores usam o exemplo de Abraão para defender
suas doutrinas. Paulo fala de Abraão dizendo que Deus o declarou
justo3 por causa da fé que este demonstrou antes mesmo de ele ser
circuncidado4 – o que é uma exigência imprescindível para os judeus.
3 “Ele creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça” Gn 15.6.4 Rm 4.1-12
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Já Tiago, mostrou que a justificação de Abraão foi o resultado de sua
obediência a Deus (suas obras) a ponto que se dispor a sacrificar seu
único filho – e até então único herdeiro da Aliança – com isso, Abraão
estaria cumprindo Gn 15.6.
É necessário agora entender o contexto das colocações que
Paulo e Tiago fizeram. “Compreendidos em seus próprios contextos,
prestando-se uma cuidadosa atenção ao modo pelo qual cada um usa
certas palavras chaves, podemos ver que Tiago e Paulo estão
estabelecendo argumentos complementares, não contraditórios.”
(MOO, p. 45). O que Tiago está combatendo aqui não são os
ensinamentos de Paulo, mas como estes ensinamentos passaram a
ser vulgarizados com o passar do tempo. Naquela época a justificação
pela fé somente passou a ser uma mera teoria filosófica e os cristãos
deixaram de se importar com demonstração prática desta fé. Segundo
Goppelt, isso poderia acontecer em vários contextos da época, tanto
numa ortodoxia morta que só repetia atos litúrgicos quanto em um
liberalismo cristão que vive de acordo com o mundo
O autor explica de maneira muito esclarecedora que “no
contexto da situação em que surgiu a Epístola de Tiago, [ocorria] um
fenômeno típico da segunda geração e, além disso, estranho para a
tradição de pensamento da qual Tiago provém.” (GOPPELT, p. 441).
Em outras palavras, a primeira geração de cristãos viveu a doutrina
da justificação da maneira correta, expressando em atos a evidência
de sua salvação, mas a geração que veio depois deles foi passando a
aceitar a justificação de maneira automática, sem levar em
consideração a necessidade de demonstrar a praticidade da sua fé.
Tiago se levanta contra a ortodoxia fria e inoperante da igreja em sua
época. A crença cristã, ou fé cristã, deve ser acompanhada de obras
que dêem evidência dessa fé.
Portanto Paulo e Tiago combatem problemas diferentes. Em
Gálatas 3 e Romanos 3, Paulo se levanta contra a prática judaica de
confiar em sua própria obediência à Lei para se conquistar a salvação.
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Como as obras são supervalorizadas Paulo mostra a importância da fé
como o único meio para justificação diante de Deus. Tiago combate a
desvalorização das obras cristãs que torna a fé uma mera ortodoxia
fria morta e contra um cristianismo acomodado e frouxo. Por este
motivo Tiago enfatiza a importância das obras.
Por fim é importante que seja esclarecido o porquê de tanta
contradição. Na verdade o significado as expressões fé e obras
utilizadas por Paulo e Tiago são distintos entre esses autores. Embora
as palavras usadas em ambos as referências sejam semelhantes, o
conceito por trás destas palavras são diferentes.
“Fé” para Paulo é a aceitação do Evangelho, é um compromisso
pessoal com Cristo, é a resposta do homem ao presente da salvação.
Segundo Efésios essa fé é dada ao homem pelo próprio Deus. “Porque
pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de
Deus;” (Ef 2.8). Para Tiago, o conceito de fé firma-se no monoteísmo,
na crença em um só Deus. “Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem.
Até os demônios crêem e tremem.” (Tg 2.19). Se para Paulo a fé é um
confiança pessoal em Deus, para Tiago ela é uma opinião ortodoxa.
“Obras” para Paulo significa obediência dos judeus à Lei
somente para se promoverem e, pelos seus próprios atos, serem
aceito por Deus. Para Tiago essas obras são baseadas no amor
cristão, como evidência de um novo nascimento.
O teólogo George Ladd resume estas diferenças dizendo que
“Tiago e Paulo estão lidando com duas situações diferentes: Paulo,
com a auto-justiça da piedade legal judaica, e Tiago com a ortodoxia
morta.” (LADD, p.787)
Douglas Moo nos oferece outra perspectiva para entendermos
esta diferença. Paulo, ao afirmar que as pessoas não podem ser
justificadas pelas obras da Lei, ele esta se referindo às obras que
precedem à salvação, ou seja, não há nada que o ímpio possa fazer
para ser salvo. Tiago menciona as obras originadas por fé que devem
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ocorrer depois da salvação. O crente deve mostrar que é crente
através de suas ações. Sobre esses pontos de vistas diferentes
Douglas Moo faz um comentário elucidativo: “Se Paulo tem em mente
as obras que precedem a salvação e Tiago está pensando nas obras
que a seguem, então a ‘justificação’, da qual estas respectivas obras
são a base, deve ter significados diferentes para Paulo e Tiago.”
(MOO, p.46)
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Bibliografia
CERFAUX, Lucien. O Cristão na Teologia da Paulo. Ed. Teológica. São
Paulo, 2003
GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. Ed. Teológica. São
Paulo, 2003
HORTON, Michael. As Doutrinas Maravilhosas da graça. Editora Cultura
Cristã. São Paulo, 2003.
LADD, George. Teologia do Novo Testamento. Hagnos. São Paulo,
2003.
MOO, Douglas. Tiago: Introdução e Comentário. Vida Nova. São Paulo,
1990.
MOULE, Handley. Justificação pela fé. In: TORREY, R. A. Os
Fundamentos. Editora Hagnos. São Paulo, 2005.
SHEDD, Russel. Justificação. Editora Vida Nova. São Paulo, 2000.
STOTT, John. A Cruz de Cristo. Editora Vida. São Paulo, 2006.
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