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Livro Territorio metropolitano CAP 8
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CAPTULO 8
A M
ETRPO
LE BRASILEIRA
NA
S POLTICA
S P
BLICAS SETO
RIAIS*
Mariana Fix
Alvaro Luis dos Santos Pereira
1 INTRO
DU
O
No incio do governo Lula (2003-2010), diversos acadm
icos, funcionrios pblicos, m
ilitantes de movim
entos sociais e cidados foram convocados a contribuir para
a formulao de novas polticas para cada um
a das reas do governo. Centenas
de documentos foram
produzidos para subsidiar a formulao das polticas, e
depois, para institu-las e implem
ent-las.
Este texto tem com
o objetivo contribuir para a anlise de como o fenm
e-no m
etropolitano tratado nas polticas nacionais setoriais no Brasil, a partir de 2003, com
nfase nas reas de habitao, saneamento, m
obilidade urbana, res-duos slidos e planejam
ento urbano e regional. 1
O trabalho incluiu o levantam
ento de estudos de subsdio, leis, decretos, resolues, norm
ativas e outros textos articulados a essas polticas nacionais. A anlise panorm
ica ao abarcar um conjunto grande de polticas pblicas e
ao mesm
o tempo transversal ao procurar identificar, em
cada uma delas, um
m
esmo aspecto: o tratam
ento conferido questo metropolitana.
As referncias explcitas ao fenmeno m
etropolitano foram destacadas
para cada poltica. Em seguida, foram
levantadas referncias indiretas como,
por exemplo, m
enes feitas s aglomeraes, aos principais centros urbanos,
relao entre os Entes Federativos etc. Vale ressaltar que a falta de referncias explcitas questo m
etropolitana no foi interpretada necessariamente com
o indcio de ausncia de tratam
ento conferido a este fenmeno. O
conjunto de diretrizes propostas pode ter efeitos no antecipados ou explicitados sobre o fe-nm
eno metropolitano. O
u seja, o desenho de um plano, poltica ou program
a
* Os autores agradecem
os comentrios da equipe do Ipea, Rosa M
oura, Nabil Bonduki, Luciana Royer, Jos Baravelli
e Raul Ventura Neto.
1. Sobre a questo da habitao como um
a questo metropolitana, ver artigo de Luciana Royer neste volum
e, que procura exam
inar as tenses existentes entre a produo do espao urbano e os limites institucionais apresentados
atuao do Estado na gesto do uso do solo urbano e metropolitano.
260Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
tem frequentem
ente consequncias do ponto de vista territorial, na escala me-
tropolitana, possivelmente contraditrias entre si algo que obriga a um
cuida-do redobrado na leitura dos docum
entos.
A pesquisa no se props a avaliar de modo sistem
tico se as diretrizes ex-pressas no plano foram
de fato aplicadas algo que seria invivel dentro dos lim
ites impostos a este estudo , m
as busca identificar alguns desdobramentos
para pesquisas a serem realizadas neste sentido. U
m exem
plo a sequncia de docum
entos produzidos para a Poltica Nacional de H
abitao e a distncia que separa as form
ulaes iniciais do caderno produzido pelo Ministrio das C
idades, em
2004, e a lei que institui o programa M
inha Casa M
inha Vida, em
2009.
Os planos e polticas analisados foram
: Poltica Nacional de D
esenvolvimen-
to Regional (PND
R); Poltica N
acional de Ordenam
ento Territorial (PNO
T);
Plano Nacional de H
abitao (PlanHab), M
inha Casa M
inha Vida (M
CM
V);
Plano Federal de Saneamento Bsico (PLAN
SAB); Poltica Nacional de Resdu-
os Slidos (PNR
S); e Plano Nacional de M
obilidade Urbana (PN
MU
). Foram
selecionados devido a seu rebatimento territorial, m
as, certamente, no esgotam
o universo que poderia ser objeto de um
a investigao deste tipo. Com
o os do-cum
entos consultados encontram-se dispersos em
diversos locais, ao final deste texto pode ser encontrada um
a listagem, que visa facilitar eventuais consultas e
complem
entaes de outros autores.
A metropolizao um
processo vivenciado em larga escala no Brasil. A
necessidade de considerar este fenmeno nas vrias instncias de planejam
ento e a im
portncia da cooperao entre os Entes Federados praticamente um
a una-nim
idade, reiterada por diversos pesquisadores e por equipes tcnicas que formu-
lam as polticas pblicas. Entretanto, as dificuldades que se colocam
so tambm
repetidam
ente assinaladas. 2 Por isto a importncia da elaborao de um
quadro analtico sobre o tratam
ento conferido ao fenmeno m
etropolitano por planos e polticas setoriais. Este quadro poder contribuir para se com
preender o aparente paradoxo entre a clareza com
a qual o problema j foi analisado e exposto, e a
dificuldade de ser enfrentado, mesm
o no plano da formulao das polticas.
Parece claro que o municpio no m
ais a unidade adequada para o enqua-dram
ento territorial da maioria das polticas pblicas, dos processos econm
icos e sociais, bem
como das questes am
bientais. Transporte, emprego, saneam
en-to e terra urbana adequada para habitao e equipam
entos pblicos so alguns exem
plos de problemas urbanos que no se resolvem
dentro dos limites adm
i-nistrativos dos m
unicpios, como assinalam
diversos estudos que subsidiaram a
elaborao das polticas nacionais setoriais.
2. Ver Klink (2010) e Sol (2009), entre outros.
261A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
A metropolizao , por si s, um
indicador claro de que os problemas ur-
banos dificilmente podero ser enfrentados por polticas setoriais desarticuladas
entre si e aes desencontradas dos Entes Federados. As dificuldades que as admi-
nistraes municipais enfrentam
em contratar financiam
ento e planejar fora de seus lim
ites so j bastante conhecidas.
As aglomeraes e conurbaes so form
as urbanas que expressam a con-
tradio entre as cidades enquanto entes fsicos e socioeconmicos e enquanto
estruturas poltico-administrativas. Podem
ser entendidas como um
processo de-vorador de cidades, segundo Flvio V
illaa (1998), e criam novos problem
as e desafios para o planejam
ento urbano e regional. Nelas se explicitam
, ainda, as diversas escalas da cidade com
o suporte e produto da acumulao de capital; e
como lugar da articulao das diversas lutas polticas e sociais. A seguir, cada um
a das polticas estudadas sero exam
inadas.
2 HA
BITAO
A Poltica Nacional de H
abitao (PNH
) foi instituda em 2004 e apresentada
em um
caderno do Ministrio das C
idades (MC
idades) como parte de um
con-junto de publicaes referentes Poltica N
acional de Desenvolvim
ento Urbano,
elaboradas pelo governo com o objetivo de prom
over o debate sobre as polticas e propostas form
uladas e alimentar a C
onferncia Nacional das C
idades, previs-ta para novem
bro de 2005. 3 A proposta foi elaborada no MC
idades, criado no incio do governo Lula, em
2003. O m
inistrio havia sido proposto no Projeto M
oradia, um docum
ento produzido no Instituto Cidadania (2000) quando o
presidente era ainda candidato.
O Projeto M
oradia reconhecia que a conurbao e proximidades entre ci-
dades alm das regies m
etropolitanas exigem um
a abordagem regional, especial-
mente para definir aspectos da captao e tratam
ento da gua, destino do lixo e do esgoto, transportes virios, ferrovirios e areos, m
oradia, abastecimento,
poltica industrial e de servios, infraestrutura de comunicao avanada etc..
O projeto defendia, ainda, a ideia de que o planejam
ento poderia liberar as potencia-lidades e iniciativas ao invs de cerce-las (Instituto C
idadania, 2000, p. 46).
No ano seguinte publicao do caderno que traou as diretrizes funda-
mentais da PN
H, foi aprovado o Sistem
a Nacional de H
abitao de Interesse Social (SN
HIS), que cria o Fundo N
acional de Habitao de Interesse Social
(FNH
IS) e institui o Conselho G
estor do FNH
IS. O fundo era resultado de
uma longa luta do m
ovimento social, e deveria constituir-se em
pea-chave da
3. Sobre a questo da habitao como um
a questo metropolitana, ver, neste volum
e, o artigo de Luciana Royer, que procura exam
inar as tenses existentes entre a produo do espao urbano e os limites institucionais apresentados
atuao do Estado na gesto do uso do solo urbano e metropolitano.
262Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
poltica. Algo que de fato acontece na formulao do Plano N
acional de Habitao
(PlanHab), que ser elaborado pelo governo em
conjunto com um
consrcio contratado para esta finalidade.
O plano foi realizado por m
eio de uma m
etodologia participativa da qual fizeram
parte: a identificao das instncias participativas, as etapas de discusso, as dinm
icas de participao, considerando o conjunto de agentes da sociedade civil, de governo, entidades e rgos integrantes do Sistem
a Nacional de H
abitao de Interesse Social, conform
e estabelecido pela Lei 11.124/2005 e representantes de estados e m
unicpios (Brasil, 2007a, p. 1). 4
O PlanH
ab foi elaborado em torno de quatro eixos estruturadores da polti-
ca habitacional: modelo de financiam
ento e subsdio; poltica urbana e fundiria; arranjos institucionais e cadeia produtiva da construo civil. O
horizonte tempo-
ral era de quinze anos, com revises peridicas nos anos de elaborao dos Plano
Plurianuais (PPAs).
O texto de apresentao do Plano critica o m
odelo de urbanizao baseado na expanso horizontal e na am
pliao permanente das fronteiras, na subutilizao
da infraestrutura e da urbanidade j instaladas e na mobilidade centrada na lgica
do automvel particular (Brasil, 2009, p. 40). Problem
atiza a expanso das cida-des sobre as reas rurais e os perm
etros urbanos, o esvaziamento populacional das
reas centrais e o adensamento dos assentam
entos precrios e irregulares. 5
O docum
ento discute, ainda, o crculo vicioso que ocorre quando o preo da terra tem
a maior incidncia no custo final da habitao; o alto valor dos ter-
renos em reas urbanas centrais gera a ocupao da periferia, espalhando a m
alha urbana, criando vazios e inviabilizando a cidade equipada para a populao de baixa renda (Brasil, 2009, p. 41).
O plano baseou-se em
estudos contratados anteriormente pelo governo
como insum
os poltica habitacional: o dficit habitacional, elaborado pela Fundao Joo Pinheiro (FJP, 2005); sobre assentam
entos precrios, elaborado pelo C
entro de Estudos da Metrpole (C
EM) do C
entro Brasileiro de Anlise e Planejam
ento CEBR
AP (Brasil, 2007b); e sobre as estimativas acerca da de-
manda futura por novas m
oradias, elaborado pelo Centro de D
esenvolvimento
e Planejamento Regional (C
edeplar) da Universidade Federal de M
inas Gerais
(UFM
G) e publicado pelo M
Cidades (C
edeplar, UFM
G e Brasil, 2007). Apesar
da qualidade deste conjunto de estudos, o plano aponta a carncia ainda de um es-
tudo consistente sobre a produo pblica e privada no pas, com quantificao,
4. O processo est descrito no relatrio Estrutura e m
ecanismos de participao durante a elaborao do PlanHab e
denio das verses para discusso com as instncias participativas (Brasil, 2007a).
5. O desao de se conter a expanso horizontal acelerada e favorecer a form
ao de cidades mais com
pactas tambm
tom
ado como ponto de partida em
outras polticas setoriais, conforme ser analisado ao longo deste captulo.
263A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
tipologias adotadas, apropriao de custos (terra, edificao, infraestrutura, entre outros aspectos), localizao, dem
anda atendida etc. (Brasil, 2009, p. 10).
O texto do plano vincula o sucesso no atingim
ento de suas metas ao forta-
lecimento institucional dos coordenadores do SN
HIS, ou seja, os rgos gover-
namentais do setor habitacional dos trs m
bitos federativos, responsveis pela poltica, pelo planejam
ento, pela gesto e promoo habitacional (op. cit., p.
48). Considera essencial garantir recursos, inclusive para subsdio, e tam
bm in-
terferir nas outras dimenses, com
o regular o mercado fundirio, para evitar que
o subsdio seja desviado para a especulao, e capacitar os agentes pblicos e pri-vados para responder ao desafio de um
a produo massiva (Brasil, 2009, p. 83).
Assim justifica os quatro eixos nos quais o plano se estrutura.
O PlanH
ab prope uma variedade grande de linhas program
ticas, incluindo regularizao e urbanizao, produo e aquisio de m
oradia, melhoria, assistn-
cia tcnica e desenvolvimento institucional (op. cit., p. 146). A linha de prom
oo de novas unidades habitacionais urbanas inclui: prom
oo pblica de locao so-cial de unidades habitacionais em
centros histricos e reas urbanas consolidadas; prom
oo pblica e privada de loteamentos urbanos associada oferta de m
ateriais de construo e assistncia tcnica; aquisio de unidades habitacionais e prom
oo pblica ou por autogesto de unidades habitacionais rurais.
Em 2009, contudo, pouco antes do trm
ino da elaborao do PlanHab,
foi lanado o pacote habitacional Minha C
asa Minha V
ida (MC
MV
), que daria origem
ao programa com
mesm
o nome, elaborado na C
asa Civil. O
texto de divulgao do PlanH
ab publicado depois do lanamento do program
a procura conferir certa coerncia ao processo, incorporando o M
CM
V com
o um desdo-
bramento do plano supostam
ente condizente com suas diretrizes, afirm
ando que seu lanam
ento colocou em curso um
conjunto de diretrizes e aes previstas no PlanH
ab, representado pelos novos patamares de investim
entos pblicos no setor habitacional (R
$ 34 bilhes at o final do PPA 2008-2011), com im
pacto direto na alavancagem
do setor da construo civil (Brasil, 2009, p. 5).
inegvel que o MC
MV
ala a habitao condio de problema de es-
cala nacional, e direciona investimentos considerveis poltica habitacional. Ao
mesm
o tempo, o M
CM
V esvazia, de certo m
odo, o principal fundo que deveria alim
entar a Poltica Nacional de H
abitao, o FNH
IS.
O prprio docum
ento de divulgao do PlanHab insere o program
a no item
mudana no contexto recente, sugerindo a im
portncia de fatores conjun-turais (p. 190). conhecido o fato do M
CM
V ter sido elaborado na C
asa Civil e
264Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
atropelado o desenvolvimento do PlanH
ab (Bonduki, 2009). 6 O M
CM
V no
resultado de um processo coletivo e participativo de elaborao da poltica, que
caracterizou os documentos anteriores. Para alm
da problemtica habitacional,
o programa foi concebido com
o intuito de conter os efeitos da crise financeira m
undial, que se iniciou em 2008, visando aquecer a econom
ia nacional por meio
do estmulo indstria da construo civil.
O M
CM
V tornou-se o principal program
a habitacional do pas. A articula-o m
ais complexa dos quatro eixos deu lugar a um
programa que resultou, pre-
dominantem
ente, na produo de grandes conjuntos habitacionais. No lugar do
combate especulao fundiria, houve um
aumento da disputa que resultou no
incremento significativo do preo da terra, acentuando o padro de urbanizao
que o texto da Poltica Nacional e o PlanH
ab criticavam.
O program
a define os limites de financiam
ento por unidade habitacional diferenciados para o pas, devido s grandes variaes do preo da terra no terri-trio nacional. N
o entanto, os limites so os m
esmos para todos os m
unicpios dentro de um
a mesm
a regio metropolitana (R
M). R
io de Janeiro, So Paulo, C
ampinas e Braslia esto no topo desta rem
unerao. A estratgia do empre-
endedor imobilirio tende, portanto, a ser aquela de priorizar as reas de m
enor preo dentro de cada um
a destas RM
s. A consequncia levar os empreendim
en-tos habitacionais, sobretudo os destinados faixa de renda de zero a trs salrios m
nimos, ao lim
ite das reas que dispem de infraestrutura urbana, ou m
esmo
forar os municpios a estender esta infraestrutura para reas cada vez m
ais distan-tes, entrando em
contradio com as diretrizes e recom
endaes dos especialistas e da prpria poltica nacional para que as cidades sejam
mais com
pactas e para o cum
primento do dispositivo constitucional da funo social da propriedade.
Este direcionamento para terras m
ais baratas tende a levar promotores im
obili-rios a pressionar m
unicpios para mudana na legislao de uso e ocupao do
solo, transformando, por exem
plo, terra rural em urbana. O
s agentes imobilirios
acabam assum
indo funes tcnicas que caberiam aos m
unicpios, como discute
Luciana Royer em artigo neste volum
e.
Do ponto de vista do atendim
ento ao dficit habitacional, a dinmica
introduzida pelo MC
MV
acirra desigualdades entre municpios conurbados.
As RM
s apresentam assim
etrias e diversidade de situaes entre seus municpios.
Tem sido recorrente a exportao de dficit habitacional dos m
unicpios mais
ricos e com preo de terra m
ais elevado e que em geral so plos concentrado-
res de empregos e de arrecadao para os m
unicpios mais pobres e com
preo
6. Segundo Nabil Bonduki (2009, p. 6): a crise econm
ica e a disposio do governo em dinam
izar a construo civil atropelaram
a construo do PlanHab, pactuado como um
a estratgia de longo prazo. Mas, por outro lado, aceleraram
a deciso governam
ental sobre as propostas lanadas pelo PlanHab, sobretudo no eixo nanceiro, que seriam m
uito m
ais demoradas.
265A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
de terra inferior que reforam seu carter de cidades dorm
itrio. Deste m
odo, um
a hiptese a ser investigada por meio de pesquisa do levantam
ento de dados prim
rios e secundrios se os investimentos do M
CM
V, dada sua racionalidade de localizao guiada pelo preo da terra, aum
entam ao invs de reduzir as desi-
gualdades internas s metrpoles. C
om isto, m
unicpios com m
enor arrecadao per capita e que crescem
em ritm
o mais acelerado que os dem
ais acabariam tendo
que realizar, com poucas condies para tanto, novos investim
entos em infraes-
trutura, sade, educao e transportes. Os problem
as causados ou agravados pela periferizao dos em
preendimentos residenciais tero im
pactos em reas com
o transporte, m
obilidade urbana, saneamento e resduos slidos. Este exem
plo evi-dencia algum
as das interconexes entre as polticas setoriais.
Paralelamente, continua o avano na construo institucional da poltica
nacional, inaugurada com a Poltica N
acional de Habitao e o PlanH
ab, com a
adeso dos estados e municpios ao Sistem
a Nacional de H
abitao de Interesse Social (SN
HIS). O
carter federativo deste desenho embora seja certam
ente um
avano em relao desarticulao da poltica habitacional no perodo anterior,
no condiciona os repasses previso de mecanism
os de cooperao entre os Entes Federativos, verificando-se o descom
passo entre as diretrizes desta poltica governam
ental e os programas efetivam
ente implem
entados no que se refere ao fortalecim
ento da escala metropolitana com
o unidade de interveno.
Alm disso, o foco do program
a MC
MV
na produo de empreendim
en-tos im
obilirios novos em vez da reabilitao e adaptao de edificaes subu-
tilizadas, abundantes nos grandes centros metropolitanos e a priorizao do
financiamento com
pra de unidades habitacionais alternativamente opo
pela locao social como m
ecanismo de proviso habitacional contribuem
para o esvaziam
ento da preocupao com o incentivo ocupao de reas centrais,
mais bem
providas de servios e equipamentos urbanos. Isto evidencia a incon-
gruncia entre as diretrizes da poltica habitacional, que postulam um
modelo
de cidade compacta, e seus instrum
entos, que parecem no fornecer m
eios ade-quados sua viabilizao.
3 SAN
EAM
ENTO
BSICO
A Poltica Federal de Saneamento Am
biental foi tambm
apresentada em um
caderno produzido pelo M
inistrio das Cidades, em
2004 (Brasil, 2004a). O do-
cumento sintetiza as diretrizes que seriam
propostas pelo governo na Conferncia
das Cidades de 2005 e que serviriam
de base para a elaborao de um anteprojeto
de lei estruturando a poltica setorial.
A definio do atual m
arco regulatrio do saneamento bsico
iniciou-se com o Projeto de Lei n
o 5.296/2005. Este projeto foi encaminhado ao
266Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
Poder Legislativo, onde o recebeu cerca de oitocentas emendas. Aps um
perodo de negociaes e concesses recprocas, este texto deu origem
ao Projeto de Lei n
o 7.361/2006, que foi aprovado e sancionado por meio da Lei n
o 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (Brasil, 2007e).
A nova lei previu, entre os instrumentos da poltica federal de saneam
ento bsico, a elaborao de um
plano nacional, que ficou conhecido como Plano
Nacional de Saneam
ento Bsico (PLANSAB). A lei foi regulam
entada pelo Decreto
no 7.217, de 21 de junho de 2010 (Brasil, 2010a), que especificou diretrizes e
conceitos, disciplinou aspectos do procedimento de elaborao do PLAN
SAB e disps sobre o contedo de um
estudo a subsidiar a proposta do plano, entre outros aspectos.
O processo de elaborao do PLAN
SAB est atualmente em
sua etapa final, tendo sua verso prelim
inar sido submetida consulta pblica em
julho de 2012. C
oordenada pelo Ministrio das C
idades, sua formulao envolveu a publicao
de uma srie de estudos e docum
entos oficiais. Em julho de 2008, o M
inistrio das C
idades publicou as Diretrizes para o Projeto Estratgico de Elaborao do Plano N
acio-nal de Saneam
ento Bsico PLANSAB (Brasil, 2011). Iniciaram
-se, em seguida,
uma srie de reunies m
ensais envolvendo o Grupo de Trabalho Interm
inisterial (G
TI) e o G
rupo de Acompanham
ento do Com
it Tcnico de Saneamento
Ambiental do C
onselho das Cidades (G
A-CT
S), com objetivo de elaborar um
docum
ento mais consolidado de diretrizes para o processo de form
ulao do PLAN
SAB. Este documento, denom
inado Pacto pelo saneamento bsico: m
ais sade, qualidade de vida e cidadania (Brasil, 2008), foi concludo em
dezembro de 2008.
Nele, previu-se a elaborao de um
estudo abordando o estado dos servios de sa-neam
ento bsico no Brasil e os desafios a serem enfrentados pela poltica setorial.
Realizado entre 2009 e 2010, este estudo resultou num docum
ento publicado em
2011, intitulado Panorama do Saneam
ento Bsico no Brasil (Brasil, 2011b). U
m dos produtos a serem
apresentados no relatrio do referido estudo seria uma
verso preliminar do plano. C
om base nesta verso prelim
inar, o Ministrio das
Cidades elaborou a Proposta de Plano N
acional de Saneamento Bsico (Brasil,
2011c), submetendo-a consulta pblica em
julho de 2012, em vista incorpora-
o de demandas da sociedade civil e posterior consolidao de um
a verso final. C
onforme previsto no D
ecreto no 7.217, a verso final do plano ser subm
etida aos C
onselhos Nacionais de Sade (C
NS), M
eio Ambiente (C
onama), Recursos
Hdricos (C
NR
H) e das C
idades (ConC
idades) e, posteriormente, consolidada
sob a forma de decreto.
Nos docum
entos oficiais publicados ao longo do processo de elaborao do PLAN
SAB, assim com
o foi observado no caso da Poltica Nacional de H
abitao, podem
-se identificar diversas referncias ao fenmeno m
etropolitano. Os textos
267A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
oferecem diversas leituras da dinm
ica do processo de urbanizao no pas, exposi-es de desafios especficos para a gesto adequada dos servios de saneam
ento nas RM
s, previses de diretrizes para a articulao entre os Entes Federativos nas etapas de planejam
ento, regulao e prestao destes servios em reas m
etropolitanas.
O Caderno M
Cidades, de 2004 (Brasil, 2004a), ponto de partida da formulao
da atual poltica federal de saneamento bsico, abordava j vrios aspectos do
fenmeno m
etropolitano e dos desafios dele decorrentes. O docum
ento apontava com
o uma das caractersticas do Brasil a concentrao de um
a expressiva parcela da populao em
RM
s e regies integradas de desenvolvimento econm
ico, reconhecendo a relevncia do debate sobre suas especificidades. Afirm
a que o crescim
ento das periferias das metrpoles m
ais acelerado que o das reas cen-trais, configurando reas crticas no que diz respeito ao acesso aos servios de saneam
ento bsico. Reitera, assim, o reconhecim
ento da expanso horizontal ace-lerada com
o um fator que agrava os problem
as metropolitanos.
Quanto ao aspecto institucional, o docum
ento aponta como desafio a m
on-tagem
de estruturas de gesto supralocais no caso das chamadas funes pblicas
de interesse comum
. Estabelece como diretrizes o estm
ulo cooperao entre os Entes Federativos e o incentivo criao, pelos estados, de legislao que pro-m
ova a integrao dos servios. Afirma que a gesto m
etropolitana deve englobar m
ecanismos de representao m
unicipal, dos nveis de governo estadual e federal, de entidades setoriais viveis nesta escala territorial, do setor privado e, princi-palm
ente, dos cidados, moradores e usurios das cidades integrantes. Ressalva,
contudo, que o modelo institucional a ser adotado deve em
ergir da cooperao entre os agentes, sem
seguir um m
odelo unitrio, de modo a se dispor de um
leque diversificado de arranjos possveis, adotados conform
e as especificidades de cada situao.
O texto publicado pelo m
inistrio faz meno ao Estatuto da C
idade como
um avano no tocante cooperao entre cidades e regies, m
as identifica a im-
preciso na definio de competncias entre as esferas de governo com
o um as-
pecto problemtico. Em
vista superao desta deficincia, apresenta como m
e-tas do anteprojeto de lei da Poltica Federal de Saneam
ento Bsico disciplinar a articulao entre os Entes Federativos e a definio de form
a mais precisa de suas
respectivas competncias na questo especfica do saneam
ento bsico. Enfatiza a im
portncia da gesto associada dos servios e da existncia de mecanism
os de cooperao, com
o convnios e consrcios pblicos. Contudo, considera precria
a situao legal dos modelos de gesto cooperativa existentes poca, organizados
com base em
consrcios privados, e enfatiza a necessidade de se regulamentar os
consrcios pblicos previstos na Constituio Federal, que ainda no haviam
sido disciplinados por norm
as infraconstitucionais.
268Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
Quanto ao aspecto territorial, recom
enda a adoo da bacia hidrogrfica com
o unidade geogrfica adequada para o planejamento e a gesto dos servios
de saneamento bsico, reconhecendo a incongruncia entre os lim
ites administra-
tivos dos municpios e estados e a dinm
ica material dos problem
as relacionados gesto dos recursos hdricos. N
este sentido, ainda que indiretamente, reafirm
a a im
portncia da promoo de m
ecanismos de cooperao na escala m
etropolitana, e m
esmo em
escalas territoriais mais abrangentes.
Algumas das diretrizes presentes no C
aderno MC
idades foram incorporadas
pela Lei no 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (Brasil, 2007e). Em
bora no trate explicitam
ente do fenmeno m
etropolitano, esta norma contm
dispositivos que im
pactam a gesto dos servios de saneam
ento bsico nesta escala, ainda que, de m
odo indireto, e no exclusivamente relacionados a ela. N
este sentido, estabelece com
o um dos princpios fundam
entais da poltica federal de saneamento bsico
a integrao das infraestruturas e servios (Artigo 2o, X
II); prev a possibilidade de gesto associada, com
base em convnio de cooperao ou consrcio pblico
(Artigo 3o, II), e de prestao regionalizada de servios pblicos de saneam
ento bsico (Artigo 3
o, VI; Artigo 14); estabelece com
o diretriz da Poltica Federal de Saneam
ento Bsico o estmulo cooperao entre Entes Federativos na im
plan-tao de infraestrutura e na gesto de servios de saneam
ento bsico (Artigo 49, X
I); prev a bacia hidrogrfica como unidade de referncia para o planejam
ento de aes dos program
as de saneamento bsico (Artigo 49, X
); entre outros. Estas disposies aparentem
ente favorecem a form
ulao de programas e a gesto dos
servios de saneamento bsico na escala das R
Ms, incorporando parcialm
ente as diretrizes estabelecidas no C
aderno MC
idades.
Posteriormente prom
ulgao da Lei no 11.445, inicia-se o processo de
formulao do PLAN
SAB. Entre 2008 e 2010, realizou-se um am
plo estudo para subsidiar a elaborao deste plano, resultando na publicao de um
documen-
to de 7 volumes em
2011, intitulado Panorama do saneam
ento bsico no Brasil (Brasil, 2011b). U
m dos captulos desta publicao governam
ental (v. 7, cap. 4), elaborado por Rosa M
oura e Leandro Franklin Gorsdorf, com
pletamente
dedicado anlise do tratamento da questo m
etropolitana no mbito da poltica
de saneamento bsico. Este captulo reitera diversos apontam
entos que j haviam
sido feitos no Caderno M
Cidades quanto im
portncia de se levar em conta a
escala metropolitana no planejam
ento, regulao e prestao dos servios de sane-am
ento bsico, aprofundando a anlise quanto aos obstculos encontrados para se concretizar as diretrizes de cooperao e gesto integrada.
O texto reitera a identificao do saneam
ento bsico como um
tpico exem-
plo de funo pblica de interesse comum
, caracterizando-o como um
a atividade na qual a gesto, o planejam
ento e os impactos transcendem
a escala municipal.
269A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
No entanto, afirm
a predominar um
localismo na gesto deste servio no Brasil, o
que interpretado como um
bice sua prestao em condies satisfatrias. Re-
afirma tam
bm a intersetorialidade com
o requisito fundamental para a prestao
adequada dos servios de saneamento bsico, enfatizando a interdependncia e a
importncia da articulao entre esta e outras polticas, cuja abrangncia se d na
escala metropolitana ou em
escalas mais am
plas, como as polticas de uso e ocu-
pao do solo, de desenvolvimento regional, de recursos hdricos, entre outras.
Em relao ao aspecto institucional, destaca com
o desafios para a prestao dos servios pblicos de saneam
ento bsico de modo cooperativo as disputas quanto
sua titularidade e o modo com
o se organiza sua execuo. Aponta como obstculos
cooperao no planejamento e na gesto dos program
as de saneamento bsico a
ambiguidade na definio de com
petncias entre os diferentes Entes Federativos, reiterando o diagnstico que j havia sido feito no C
aderno MC
idades quanto a este aspecto. N
o entanto, ao analisar as causas da dificuldade para se promover a articu-
lao na escala metropolitana, identifica fatores que vo alm
da mera im
preciso na definio de com
petncias, mencionando a existncia de disputas de poder entre as
diferentes esferas governamentais e entre os m
unicpios como um
a de suas causas. N
este sentido, afirma que a cooperao entre os Entes Federativos no algo to
difcil de ser alcanado no mbito do planejam
ento das polticas, mas que o conflito
se acirra quando o que est em questo a prestao dos servios, m
omento em
que afloram
interesses polticos e econmicos locais, um
a vez que nenhuma parte
envolvida quer abrir mo da execuo de servios de sua titularidade.
Outra questo relacionada ao aspecto institucional m
encionada neste docu-m
ento a existncia de discrepncias entre as RM
s oficialmente reconhecidas e
o fenmeno m
etropolitano efetivamente existente no pas. O
documento afirm
a que a instituio de R
Ms no Brasil pautada por critrios polticos, no necessa-
riamente baseados em
conceitos precisos do que seja tal fenmeno e no seguindo
um padro uniform
e, uma vez que sua instituio se d no m
bito estadual, no sendo disciplinada por norm
as federais. Neste sentido, recom
enda que se regule, no plano federal, o processo de institucionalizao de R
Ms.
Quanto s m
odalidades de articulao para a prestao dos servios de sanea-m
ento bsico de modo cooperativo, reitera o diagnstico de que no h um
a forma
ideal a ser adotada em todas as situaes. O
documento faz m
eno a uma plura-
lidade de arranjos existentes no pas, identificando formas com
o a sua delegao a: consrcios pblicos envolvendo grupos de m
unicpios, ou mesm
o municpios e
estados; a rgos ou empresas pblicas, m
unicipais ou estaduais; e a empresas pri-
vadas por conjuntos de municpios, entre outras. Identifica os consrcios pblicos,
regulamentados pela Lei n
o 11.107, de 6 de abril de 2005, como o principal m
eca-nism
o de cooperao para a prestao de servios pblicos existente no pas poca.
270Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
A verso preliminar do PLAN
SAB reitera, de modo geral, as leituras feitas nos
documentos anteriores quanto ao fenm
eno metropolitano, incorporando tam
bm
as diretrizes neles estabelecidas. Alm disso, o docum
ento avana, em algum
a medi-
da, na especificao de instrumentos e m
ecanismos para a concretizao de m
etas e diretrizes de cooperao na escala m
etropolitana, ainda que pontualmente.
O docum
ento explicita a preocupao com o fenm
eno metropolitano,
traando uma periodizao do tratam
ento dado questo no pas. Caracteriza
o perodo que se sucedeu extino do Banco Nacional de H
abitao (BNH
) e ao declnio do Planasa com
o uma fase de vazio institucional, m
arcada pela disperso de recursos e superposio de com
petncias, pela ausncia de articula-o e coordenao e pela predom
inncia de interesses particulares e imediatistas,
apontando as metrpoles com
o lugares de acirramento deste quadro. D
estaca a intersetorialidade com
o uma questo central para a poltica de saneam
ento bsi-co, enfatizando a interdependncia entre ela e outras polticas, com
o a de recursos hdricos e a de uso e ocupao do solo, e apontando a dim
enso territorial como
um dos aspectos relevantes para a articulao entre elas.
Reconhece a escala da interveno como um
fator chave para as polticas de saneam
ento bsico, mas ressalva que no h um
a escala ideal a ser adotada de m
odo generalizado na prestao deste servio. Em linhas gerais, sugere que
a metrpole constitua um
a unidade territorial relevante para o planejamento, a
regulao e a prestao do servio de saneamento bsico de m
odo cooperativo, m
as no estabelece diretrizes categricas no sentido de sua adoo generalizada com
o unidade de articulao entre os Entes Federativos na execuo das funes pblicas de interesse com
um, reiterando o entendim
ento j expresso no Caderno
MC
idades e no Panorama do saneam
ento bsico no Brasil de que deve haver espao para a adoo de solues diversificadas. N
o entanto, o documento faz m
eno aos consrcios pblicos com
o arranjos capazes de viabilizar a cooperao institu-cionalizada entre os m
unicpios integrantes de RM
s e os demais Entes Federativos
na prestao desses servios.
Quanto definio de instrum
entos voltados efetivao das diretrizes previs-tas para a escala m
etropolitana, estabelece disposies como a concepo de aes
voltadas para reas metropolitanas integradas a aes de urbanizao e habitao
social, com vistas universalizao do acesso aos servios de saneam
ento bsico; a atribuio de tratam
ento diferenciado para aes de saneamento bsico nas RM
s; a previso de procedim
entos especficos para as aes e a gesto do saneamento bsico
nas RMs entre as m
etas relativas ao desenvolvimento tecnolgico do setor.
Pode-se notar certa ambiguidade nos docum
entos que subsidiaram a form
u-lao da Poltica Federal de Saneam
ento Bsico no tocante ao papel a ser exercido pela esfera federal na definio de m
ecanismos de cooperao para o exerccio das
271A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
funes pblicas de interesse comum
em R
Ms. O
ra se aponta a impreciso na
distribuio de competncias entre os Entes Federativos e a ausncia de institui-
es governamentais na escala m
etropolitana como um
a deficincia, ora se refuta a convenincia de se definir arranjos institucionais padronizados para a gesto destes servios, valorizando-se a pluralidade de solues. C
onfigura-se, portanto, um
impasse entre a regulam
entao de mecanism
os de gesto metropolitana no
mbito federal e a m
anuteno de uma dinm
ica de formao de arranjos diver-
sificados, estruturados conforme as especificidades locais.
A existncia prvia de diversas companhias estaduais de saneam
ento bsico, criadas durante os governos m
ilitares num contexto em
que a esfera municipal
tinha um papel bastante reduzido, destacada com
o um fator que favoreceu a
gesto integrada deste servio em vrias R
Ms do pas. N
o entanto, com a defini-
o de competncias estabelecida na C
onstituio Federal e o fortalecimento do
poder local, diversos municpios passaram
a reivindicar a gesto deste servio, questionando o arranjo setorial herdado da ditadura. Esta tendncia, som
ada im
preciso na especificao do papel a ser desempenhado pelos estados, coloca-se
como m
ais um desafio para a consolidao da gesto m
etropolitana integrada.
Percebe-se tambm
a incipincia dos mecanism
os orientados para promover
a intersetorialidade e a articulao das polticas de saneamento bsico com
outras polticas setoriais na escala m
etropolitana. Ainda que tal diretriz seja mencionada
reiteradamente nos docum
entos oficiais que orientam a Poltica Federal de Sane-
amento Bsico, ela no ultrapassa o nvel da recom
endao.
4 RESDU
OS S
LIDO
S
O m
anejo dos resduos slidos foi definido pela Lei no 11.445 com
o um dos
servios que integram o saneam
ento bsico. No entanto, a Poltica N
acional de R
esduos Slidos foi elaborada separadamente, sendo objeto de norm
as e planos especficos. A definio do m
arco regulatrio do manejo dos resduos slidos
atualmente vigente no pas iniciou-se com
a promulgao da Lei n
o 12.305, de 2 de agosto de 2010 (Brasil, 2010b), que instituiu as diretrizes da Poltica N
acio-nal de R
esduos Slidos. Posteriormente, houve a edio do D
ecreto no 7.404,
de 23 de dezembro de 2010 (Brasil, 2010c), regulam
entando a referida lei, e do D
ecreto no 7.405, de 23 de dezem
bro de 2010 (Brasil, 2010d), que instituiu o Program
a Pr-Catador.
A Lei n
o 12.305 previu, entre os instrumentos da poltica setorial, a
elaborao do Plano Nacional de R
esduos Slidos. Sua formulao, disci-
plinada pelo Decreto n
o 7.404, encontra-se em fase final. O
Ministrio das
Cidades publicou sua verso prelim
inar em setem
bro de 2011, submetendo-a
a consulta pblica.
272Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
A poltica setorial de resduos slidos confere tratamento m
ais sistemtico s
RM
s que as polticas analisadas anteriormente. A Lei n
o 12.305 confere tratamen-
to especfico ao manejo dos resduos slidos nestas regies, alm
de prever instru-m
entos para a concretizao de diretrizes estabelecidas para esta escala territorial.
Nesse sentido, a lei setorial determ
ina a adoo das RM
s como unidades
territoriais de planejamento e gesto do m
anejo dos resduos slidos. Buscan-do prom
over a articulao entre os Entes Federativos, estabelece como diretriz
o incentivo ao estabelecimento de m
ecanismos de cooperao entre m
unicpios integrantes de R
Ms e entre estes e os estados (Artigo 11, I).
Em vista concretizao dessas diretrizes, a lei prev a elaborao de planos de
resduos slidos metropolitanos (Artigo 14, III); estabelece com
o requisito dos planos estaduais de resduos slidos a previso de diretrizes para o planejam
ento e demais ati-
vidades de manejo de resduos slidos nas RM
s (Artigo 17, IX); e prev a possibilidade de elaborao de planos de resduos slidos m
etropolitanos pelos estados, estabelecen-do com
o requisito a participao dos municpios envolvidos (Artigo 17, 1
o e 2o).
H tam
bm m
ecanismos financeiros que buscam
induzir estados e muni-
cpios a promover a cooperao no m
anejo dos resduos slidos. O D
ecreto no
7.404 determina a priorizao da concesso de recursos federais a estados que
institurem m
icrorregies para o planejamento e a gesto dos resduos slidos e
a municpios que optarem
por solues consorciadas intermunicipais na gesto
dos resduos slidos (Artigos 78 a 81). Estas disposies, ainda que no estejam
relacionadas exclusivamente s R
Ms, tendem
a exercer influncia na forma de or-
ganizao do manejo dos resduos slidos nesta escala, favorecendo a cooperao.
A verso preliminar do Plano N
acional de Resduos Slidos reafirma com
o diretriz da poltica setorial o estm
ulo gesto regionalizada dos resduos slidos, o que tende a favorecer a articulao dos Entes Federativos em
sua estruturao nas R
Ms. Alm
disso, define as RM
s como reas prioritrias para a im
plantao de program
as de coleta seletiva de lixo.
Em linhas gerais, pode-se dizer que esta poltica confere m
aior grau de institu-cionalidade s RM
s, encontrando-se disposies especficas para estas reas nas nor-m
as setoriais. Alm disso, observa-se m
aior sistematicidade abordagem
desta ques-to do que nas polticas anteriorm
ente analisadas, verificando-se maior adequao
entre as diretrizes polticas estabelecidas e os instrumentos regulatrios previstos.
Alm do aspecto regulatrio, a gesto integrada do m
anejo dos resduos s-lidos na escala regional foi favorecida pelas prprias caractersticas das atividades envolvidas. A necessidade de um
a escala mnim
a para que a construo de aterros sanitrios se torne vivel im
pulsionou a gesto regionalizada dos resduos slidos, o que tam
bm se observou em
vrias RM
s.
273A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
5 MO
BILIDAD
E URBA
NA
A Poltica N
acional de Mobilidade U
rbana tambm
foi apresentada em um
dos cadernos da PN
DU
, em 2004. O
documento sintetiza as diretrizes que
seriam apresentadas pelo governo federal na C
onferncia das Cidades, em
2005. O
Ministrio das C
idades publicou outro caderno temtico em
2007, traando diretrizes para orientar a elaborao de planos de transporte e m
o-bilidade urbana pelos m
unicpios, o Caderno de referncia para a elaborao
do Plano de Mobilidade U
rbana (Brasil, 2007c).
A Poltica Nacional de M
obilidade Urbana foi institucionalizada com
a pro-m
ulgao da Lei no 12.587, de 3 de janeiro de 2012 (Brasil, 2012). Entre as dis-
posies estabelecidas nesta norma, previu-se a elaborao do Plano N
acional de M
obilidade Urbana (PlanM
ob), seguindo padro semelhante ao observado nas
demais polticas nacionais.
Alm desses docum
entos de carter mais geral, a construo da poltica seto-
rial envolveu tambm
a elaborao de estudos e programas voltados para a questo
da acessibilidade e do transporte no motorizado, com
o o Caderno de referncia
para elaborao de Plano de Mobilidade por Bicicleta nas C
idades (Brasil, 2007d) e os C
adernos do Programa Brasil Acessvel (Brasil, 2007e), publicados em
2007. Estes docum
entos de carter mais especfico tratam
de aspectos considerados prioritrios nos cadernos que estabelecem
as diretrizes fundamentais da poltica setorial.
Assim com
o nos outros cadernos temticos publicados pelo governo federal
para fundamentar suas propostas na C
onferncia das Cidades de 2005, no volum
e que trata da m
obilidade urbana, a abordagem crtica e abrangente em
relao ao padro de urbanizao brasileiro. Pode-se dizer que este caderno diferencia-se dos de-m
ais quanto ao nvel de profundidade da anlise sobre os problemas m
etropolitanos e o detalham
ento de diretrizes apresentadas para o seu enfrentamento, assim
como
no que se refere ao reconhecimento da interdependncia entre as polticas setoriais.
O docum
ento menciona a concentrao de parcela significativa da popu-
lao, em particular das cam
adas mais pobres, nas m
etrpoles, identificando-as com
o reas de acirramento do quadro de desigualdade social caracterstico do
pas. Reconhece que as dinmicas de deslocam
ento nas RM
s no se estruturam
na escala dos municpios, m
as, sim, do conjunto da aglom
erao urbana. Alerta para um
a tendncia de reproduo do modelo de crescim
ento das metrpoles
nas demais aglom
eraes urbanas, reconhecendo a formulao de um
a agenda especfica para estas reas com
o uma prioridade.
Identifica um padro de urbanizao nas m
etrpoles marcado pelo cresci-
mento acelerado e pela expanso horizontal de baixa densidade, reconhecendo
que fatores como o planejam
ento, as infraestruturas dos sistemas de circulao
274Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
e de saneamento bsico e as polticas de financiam
ento e produo habitacional contriburam
para impulsionar a expanso perifrica. Avalia que as estratgias
de expanso das redes de circulao basearam-se, durante o perodo anterior,
no diagnstico de que os centros urbanos so reas economicam
ente saturadas, privilegiando-se a descentralizao. Avalia que o m
odelo de expanso horizontal tem
impactos negativos na m
obilidade urbana, uma vez que sobrecarrega os sistem
as de transportes devido ao aum
ento constante das distncias a serem percorridas.
Critica o m
odelo de mobilidade adotado nos grandes centros urbanos brasileiros
por favorecer o uso do automvel particular e do transporte m
otorizado, o que refora o espraiam
ento das cidades e a fragmentao do espao. Resum
e os pro-blem
as da mobilidade urbana nas m
etrpoles a dois aspectos fundamentais: o
histrico de priorizao dos investimentos em
transporte virio e a incapacidade de equacionam
ento da dimenso institucional da gesto m
etropolitana.
No tocante dim
enso institucional, reitera o diagnstico presente nas polti-cas setoriais avaliadas anteriorm
ente de que a falta de clareza na definio de com-
petncias entre os Entes Federativos; a ausncia de instituies na escala metropo-
litana; a falta de regulamentao no nvel federal sobre a instituio de RM
s e suas im
plicaes; e a incipincia de mecanism
os administrativos de cooperao consti-
tuem bices articulao entre m
unicpios e estados nestas aglomeraes urbanas.
O docum
ento distingue em trs fases a gesto do transporte em
reas me-
tropolitanas. Segundo a periodizao proposta, a primeira, de 1979 a 1988,
marcada por: instituio de nove R
Ms; concentrao das atividades de regulao
e financiamento no nvel federal; criao das em
presas metropolitanas de trans-
porte urbano pelos estados; e relegao dos municpios a um
papel secundrio. A segunda fase, posterior C
onstituio de 1988, caracteriza-se por: descentrali-zao; fortalecim
ento dos poderes locais; diminuio dos investim
entos federais; e a quase ausncia da questo m
etropolitana na agenda dos governos. A terceira fase, iniciada em
meados dos anos 1990, m
arcada pela retomada do processo de
institucionalizao das RM
s pelos estados.
O texto identifica com
o desafios especficos prestao dos servios de transporte de m
odo cooperativo na escala metropolitana aspectos com
o: a falta de clareza na definio de com
petncia para a coordenao dos transportes metro-
politanos; o resqucio do controle de companhias ferrovirias pela esfera federal;
a ausncia de instituies metropolitanas dotadas de autonom
ia financeira e ad-m
inistrativa; a ocorrncia de conflitos de interesse na gesto de recursos. Aponta com
o problemas decorrentes da ausncia de organism
os metropolitanos com
ca-pacidade de coordenao dos servios de transporte m
etropolitano: distribuio heterognea e desequilibrada das redes de transporte; falta de integrao fsica e tarifria entre os m
odos de transporte; superposio de redes. Identifica como um
fator problem
tico a ausncia de regulamentao da disposio constitucional
275A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
que atribui aos estados a competncia para instituir R
Ms, o que traz consequn-
cias como a indefinio das atribuies dos m
unicpios nos arranjos institucionais m
etropolitanos.
A publicao elenca uma srie de diretrizes visando o aprofundam
ento da cooperao na escala m
etropolitana, algumas m
ais abrangentes, outras mais es-
pecficas. A intersetorialidade identificada como fator chave para o enfrenta-
mento dos desafios da m
obilidade urbana nas metrpoles. O
texto defende a busca de um
modelo urbano com
pacto, apontando como estratgia fundam
ental da poltica de m
obilidade a adoo de um padro de ocupao territorial que
reduza as necessidades de deslocamento. N
este sentido, aponta medidas com
o a descentralizao da oferta de em
prego e servios nas RM
s, reduzindo o nmero
e a distncia das viagens dirias e revertendo a dinmica de form
ao de cidades- dorm
itrio ao redor de um ncleo polarizador; o incentivo a padres de zonea-
mento que perm
itam usos diversificados, favorecendo os deslocam
entos a p; o estm
ulo proviso habitacional em centros m
etropolitanos e eixos de transporte; e a ocupao de vazios urbanos, entre outros.
Destaca tam
bm a im
portncia da cooperao entre os municpios, traando
metas com
o a elaborao de planos metropolitanos de m
obilidade, a integrao das redes de transporte, a integrao tarifria, a previso de arranjos institucionais que perm
itam a articulao entre os Entes Federativos, a definio m
ais clara de com
petncias, entre outras.
O C
aderno de referncia para a elaborao do Plano de Mobilidade U
rbana reafirm
a a leitura feita no Caderno M
Cidades e, de m
odo geral, reitera as diretrizes nele previstas. Aprofunda em
alguns aspectos a anlise do processo de expanso horizontal das cidades, identificando a especulao im
obiliria como um
a de suas principais causas.
A Lei no 12.587 incorpora parcialm
ente as diretrizes estabelecidas nos do-cum
entos analisados at aqui. Podem-se identificar diretrizes no sentido de esti-
mular a cooperao, recom
endando a adoo de polticas comuns de m
obilidade urbana nas R
Ms, o estm
ulo adoo dos consrcios pblicos como m
odelo institucional para a gesto dos servios de transporte nestas reas. M
enciona-se, ainda, o uso da poltica tarifria com
o potencial instrumento de reduo de desi-
gualdades nas RM
s.
Embora traga tais disposies, a lei setorial no prev m
ecanismos suficien-
tes para que os objetivos estabelecidos na poltica de mobilidade urbana possam
ser concretizados. H
uma carncia de dispositivos que garantam
a articulao entre a expanso da rede de transporte e a construo de conjuntos habitacionais, por exem
plo. Tambm
no se observa o emprego sistem
tico de linhas de finan-ciam
ento do governo federal como m
ecanismo de induo cooperao entre
276Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
municpios e estados no planejam
ento e gesto de redes de transporte no mbito
das RM
s. Prevalece tambm
, nesta poltica setorial, certo descasamento entre di-
retrizes e instrumentos regulatrios.
6 POLTICA
NACIO
NA
L DE D
ESENVO
LVIMEN
TO REG
ION
AL
A poltica de desenvolvimento regional foi apresentada em
documento produzido
pelo Ministrio da Integrao N
acional e depois instituda por um decreto em
2007 (Brasil, 2007g).
A desigualdade
regional
compreendia
como
resultado da
dinmica
assimtrica do crescim
ento capitalista, que se concentra em alguns espaos, enquanto
condena outros estagnao e ao desperdcio de fatores produtivos (Brasil, [s.d.], p. 12). O
objetivo da Poltica Nacional de D
esenvolvimento Regional (PN
DR) , deste
modo, atuar no sentido de contrabalanar a lgica centrpeta das foras de m
ercado, por m
eio da promoo e valorizao da diversidade regional, conciliando, assim
, com
petitividade e expresso produtiva de valores socioculturais diversos (op. cit.).
Segundo o documento, a conform
ao setorial predominante no governo fede-
ral no permite sequer saber se a atuao dos m
inistrios e demais instituies federais
atenuam ou agravam
o quadro de desigualdades regionais. So recentes os primeiros
esforos de delimitao territorial das aes do Plano Plurianual (Brasil, [s.d.], p. 13).
Do ponto de vista territorial, esta falta de articulao entre as diversas polticas sugere
a falta de enfrentamento do problem
a metropolitano em
duas dimenses distintas.
A PND
R exigiria um
a abordagem das desigualdades regionais em
mltiplas
escalas, conforme o docum
ento. As regies prioritrias para ao so, por isto, de-finidas por m
eio do cruzamento de duas variveis: rendim
ento domiciliar m
dio e crescim
ento do PIB per capita.
Ao analisar a distribuio da populao no espao, os autores identificam a
persistncia da concentrao ao longo do litoral e em torno das m
etrpoles urbanas. Afirm
am, contudo, que este padro de ocupao do territrio vem
sendo lentamen-
te alterado pelo processo de crescimento populacional das duas ltim
as dcadas (...). As taxas de crescim
ento da populao hoje observadas indicam um
lento, porm
constante e marcante, processo de interiorizao de populao (Brasil, [s.d.], p. 11).
O texto apresenta um
a leitura do fenmeno m
etropolitano. No entanto, isto
feito para explicar o fato de que a PND
R no tratar diretam
ente deste problema:
O objeto da PN
DR
no exatamente o com
bate pobreza. Se assim fosse, o m
apa de atuao da poltica iria privilegiar a periferia das grandes m
etrpoles, o que cabe s polticas urbanas e poltica social. N
esses locais, os bolses de pobreza se incrus-tam
em contextos ricos e dinm
icos. O objeto da PN
DR
se expressa na coincidn-cia espacial entre pobreza individual e regional (op. cit., p. 12).
277A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
Por esse motivo, a PN
DR
se concentra nas regies que, por sua situao de debilidade econm
ica e estagnao, geram expressivos fluxos m
igratrios, os quais constituem
a maior parte dos bolses de pobreza das grandes m
etrpoles (Brasil, [s.d.], p. 12-13). O
u seja, a poltica pretende tratar do fenmeno m
etro-politano indiretam
ente, por meio do enfrentam
ento das desigualdades que geram
fluxos migratrios direcionados s m
etrpoles.
A PND
R foi instituda pelo D
ecreto no 6.047, em
fevereiro de 2007, pu-blicado pelo M
inistrio da Integrao Nacional. O
objetivo declarado da pol-tica a reduo das desigualdades de nvel de vida entre as regies brasileiras e a prom
oo da equidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento.
A PND
R deve orientar os program
as e aes federais no Territrio Nacional,
atendendo ao disposto no inciso III do Art. 3o da C
onstituio (Brasil, 2007g).
O decreto estipula que os planos, program
as e aes da PND
R devero ser
executados com fontes de financiam
ento tais como oram
ento e fundos regionais. U
tiliza a tipologia da PND
R com
o quadro referencial das desigualdades regio-nais. N
o objetivo da poltica definir fontes especificamente para as m
etrpoles, que no so consideradas reas de ao prioritrias, conform
e explicado no docu-m
ento de apresentao da poltica. A avaliao sobre os impactos da poltica sobre
os fluxos migratrios, que teriam
efeito indireto importante sobre as m
etrpoles, ultrapassa os lim
ites desta pesquisa.
Um
a anlise da poltica regional precisa, ainda, avaliar em que m
edida os objetivos da poltica so realizados ou suplantados pelo conjunto de investim
en-tos que, na prtica, foram
reunidos no Programa de Acelerao do C
rescimento
(PAC), lanado em
2007. 7
7 POLTICA
NACIO
NA
L DE O
RDEN
AM
ENTO
TERRITORIA
L
O M
inistrio da Integrao Nacional apresentou a elaborao da Poltica N
acional de O
rdenamento Territorial (PN
OT
) como um
a resposta ao que determina a
Constituio Federal: C
ompete U
nio elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenao do territrio e de desenvolvim
ento econmico e social
(Artigo 21, IX).
O debate sobre a necessidade de o governo federal assum
ir de forma co-
ordenada aes referentes ao ordenamento do territrio nacional rem
onta aos anos oitenta quando foi concebido o Program
a Nossa N
atureza, um program
a
7. A pesquisadora Karina Leito, em sua tese de doutorado (2009, p. 188-189), arm
a que apesar do discurso do governo acerca da centralidade da tem
tica regional na agenda poltica nacional, chama ateno o fato de os critrios
da PNDR (discutida desde 2003) no terem
balizado a regionalizao dos investimentos nos dois PPAs da gesto
federal estudada (2004-2007, 2008-2011), enquanto ambos os planos listavam
em suas diretrizes o objetivo central
de reduo de disparidades regionais. Chama ateno tam
bm o fato de esses critrios no terem
sido incorporados na priorizao dos investim
entos previstos no PAC.
278Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
desenvolvido pela Secretaria de Assessoramento da D
efesa Nacional, subordinada
ao Gabinete M
ilitar da Presidncia da Repblica (Brasil, 2006a, p. 8).
A elaborao da Poltica Nacional de O
rdenamento Territorial tam
bm m
o-tivou a elaborao de docum
entos de subsdios com anlises abrangentes sobre o
tema. O
primeiro deles, publicado em
2005, consiste numa com
pilao de con-tribuies de especialistas sobre o tem
a, como resultado de oficinas realizadas em
13 e 14 de novem
bro de 2003 (Brasil, 2005).
O docum
ento situa o tema ordenam
ento territorial e dividido em trs
partes, intituladas: Ordenar na era da globalizao?; Poltica concreta em
bases mo-
vedias: como ordenar?; e Vises governam
entais. Estas questes foram discutidas
por diversos especialistas, em textos assinados individualm
ente. A publicao encerrada com
uma Sntese geral sobre a Poltica de O
rdenamento Territorial, con-
tribuio de Bertha Becker.
Entre as contribuies para a compreenso do fenm
eno metropolitano,
Vanderley Messias da C
osta apresenta como um
a das caractersticas de uma po-
ltica de ordenamento territorial capacitar-se para com
preender e agir sobre as regies m
etropolitanas e os aglomerados urbanos em
geral, que so atualmente os
mais im
portantes vetores de especializao e de diferenciao do territrio nacio-nal (Brasil, 2005, p. 58). Segundo o autor, essas seriam
as
foras de mais difceis controle e coordenao, seja pela com
plexidade inerente a esses espaos, seja pela sobreposio das escalas de gesto dos nveis de governo que ali atuam
. Por esse aspecto, as metrpoles e suas reas de influncia im
ediata consti-tuem
atualmente os m
aiores desafios para o ordenamento territorial e deveriam
, por isso, ser assum
idas como um
a prioridade nacional (idem, ibidem
).
No ano seguinte, o m
inistrio publicou o Docum
ento base para definio da Poltica N
acional de Desenvolvim
ento Territorial (Brasil, 2006b), que apre-senta servios de consultoria contratados m
ediante um processo licitatrio. O
relatrio parte dos estudos tem
ticos realizados pelos especialistas para extrair as principais contribuies que foram
ordenadas, sistematizadas e com
patibi-lizadas entre si (op. cit., p. 10) para com
por o texto. O relatrio com
posto dos captulos: C
ontextualiza o; Diagnstico; e Princpios, diretrizes, estratgias e
instrumentos da PN
OT
.
Com
o subsdios elaborao das diretrizes e estratgias da PNO
T, o rela-trio apresenta com
o problema poltico-institucional a desarticulao entre
as polticas setoriais com im
pacto territorial, agravada, segundo os autores, por estratgias conflitantes de polticas pblicas, que, m
uitas vezes, geram expec-
tativas por projetos governamentais e so focos de conflitos territoriais (Brasil,
2006b, p. 186). Do ponto de vista econm
ico, aponta a forte concentrao espacial das atividades econm
icas ao longo do litoral, nas reas metropolitanas
279A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
e nas regies Sudeste e Sul (op. cit., p. 187). Em relao logstica tem
a bastante discutido , identifica
territrios dominados por grandes em
presas que incorporam, subm
etem ou excluem
os territrios de grupos socialm
ente desfavorecidos. Territrios que so substancial-m
ente impactados pela ao de grandes corporaes em
presariais e que interferem na
condio de ocupao de segmentos sociais diversos (Brasil, 2006b, p. 187).
A matriz estratgica apresentada no relatrio inclui, entre as diferentes es-
calas a serem consideradas, a m
etropolitana. Recomenda o fortalecim
ento da gesto integrada das regies m
etropolitanas com dotao oram
entria especfica e sugere dar fiscalidade s R
Ms (op. cit., p. 125).
Os autores observam
, ao final, que a inexistncia de uma poltica de or-
denamento territorial no pas no significa a inexistncia de polticas pblicas
setoriais que impactam
o territrio, e oferecem um
a listagem de instrum
entos j existentes. A listagem
indica a um s tem
po a complexidade do problem
a do ponto de vista da sua anlise e enfrentam
ento, e a desarticulao na implem
enta-o das polticas existentes.
Os estudos no tiveram
desdobramentos e no resultaram
na instituio de um
a poltica nacional.
8 CON
SIDERA
ES FINA
IS
A temtica m
etropolitana ganhou importncia com
a criao do Ministrio das
Cidades, da Secretaria de Assuntos Federativos, alm
de outras iniciativas pontu-ais no m
bito do governo federal. Um
a srie de estudos foi produzida nos ltimos
dez anos para subsidiar as novas polticas, por pesquisadores das reas de poltica urbana e regional.
Dessa form
a, a anlise dos planos e polticas fundamental para com
por um
quadro da situao atual sobre o tratamento conferido ao problem
a por parte da U
nio. A leitura de planos e documentos produzidos pelo governo federal
permite um
a viso em conjunto sobre a inteno de vrias equipes tcnicas que
se dedicaram ao assunto e produziram
documentos im
portantes, como aqueles
preparatrios para as diversas polticas pblicas.
Cabe destacar que, em
geral, os documentos previstos na etapa inicial, com
o estudos, leis setoriais e planos, chegaram
a ser efetivamente produzidos. A princi-
pal exceo a Poltica Nacional de O
rdenamento Territorial, que foi interrom
-pida sem
que os estudos iniciais tivessem desdobram
entos.
A leitura dos diversos documentos sugere um
a compreenso do fenm
eno m
etropolitano oriunda das crticas ao modelo de urbanizao, form
uladas por aqueles que participaram
do processo. Esta compreenso aparece nos docum
entos
280Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
de subsdio das polticas e nas suas formulaes iniciais, com
o os planos e leis setoriais. N
o entanto, nos desdobramentos particularm
ente nos programas,
projetos eaes, esta compreenso , por vezes, diluda.
O caderno inicial de form
ulao da poltica de habitao critica o modelo
de urbanizao baseado na expanso horizontal e na ampliao perm
anente das fronteiras, na subutilizao da infraestrutura e da urbanidade j instaladas e na m
obilidade centrada na lgica do automvel particular (Brasil, 2009, p. 40).
Problematiza a expanso das cidades sobre as reas rurais e os perm
etros urbanos, o esvaziam
ento populacional das reas centrais e o adensamento dos assentam
en-tos precrios e irregulares.
O M
CM
V, principal programa de im
plementao da poltica habitacional,
parece executar diversos desses princpios apresentados na formulao das polti-
cas setoriais pelo avesso, ao reforar a expanso horizontal sem m
obilidade.
Os docum
entos que subsidiaram a elaborao da poltica de m
obilidade urbana reiteram
as crticas ao modelo de urbanizao predom
inante no pas, traando diretri-zes com
o a conteno da expanso horizontal e a busca por cidades mais com
pactas. Identificando a reduo das necessidades de deslocam
entos e das distncias percor-ridas entre a casa e o trabalho com
o fatores-chave para o alcance dos objetivos desta poltica, estes docum
entos enfatizam a intersetorialidade notadam
ente a articulao entre a expanso e qualificao das redes de transporte, a poltica de ocupao do solo e a proviso de m
oradia como um
aspecto fundamental. N
o entanto, esta diretriz no seguida por m
edidas que integrem, efetivam
ente, a expanso da rede de trans-portes e a produo de unidades habitacionais, ou por m
ecanismos de induo que
condicionem a concesso de recursos observncia de requisitos deste tipo.
A integrao fsica e tarifria dos servios de transporte nas RM
s outra diretriz prevista nos docum
entos iniciais da poltica de mobilidade urbana. M
ais um
a vez, faltam m
ecanismos que consigam
interferir de forma sistem
tica na estruturao dos servios de transporte induzindo os m
unicpios a adotar formas
coordenadas de gesto.
As polticas nacionais de saneamento bsico e resduos slidos, em
virtude das caractersticas das atividades envolvidas e tam
bm de razes histricas, no
caso da primeira , alcanaram
um patam
ar mais elevado de integrao m
etropo-litana que as dem
ais. No entanto, os planos e program
as implem
entados tambm
ficaram
aqum do que se previu nos docum
entos que subsidiaram a form
ulao destas polticas quanto articulao com
as demais polticas setoriais.
O problem
a do espraiamento das cidades tam
bm se apresenta para a pol-
tica de saneamento. A im
portncia de minim
izar as necessidades de expanso da rede por m
eio do estmulo a padres de ocupao do territrio que favoream
o
281A
Metrpole Brasileira nas Polticas Pblicas Setoriais
adensamento de reas subutilizadas dotadas de infraestrutura urbana, contendo o
crescimento perifrico, foi enfatizada nos cadernos que subsidiaram
sua elaborao. N
o entanto, assim com
o se observou em outras polticas setoriais, a questo da
intersetorialidade permaneceu fundam
entalmente com
o um indicativo para os pro-
gramas e aes, sem
ter se desdobrado em m
ecanismos regulatrios m
ais precisos.
Com
o compreender que um
problema to reconhecido com
o o da questo m
etropolitana, incialmente tratado por diversas equipes de especialistas, seja na
prtica, pouco enfrentado? Um
a contribuio maior para esta questo, que tem
m
obilizado diversos autores (e j produziu literatura especfica sobre o tema),
exigiria uma verticalizao do estudo destas polticas setoriais, analisando-se de
modo m
ais detalhado seus desdobramentos, os resultados dos program
as criados, os entraves encontrados para a efetivao das diretrizes de cooperao na escala m
etropolitana, os conflitos de interesses polticos e econmicos que eventual-
mente se m
anifestaram, entre outros tpicos diversos deles j discutidos em
es-tudos realizados em
cada rea. A anlise vertical identificaria as fraes de capital, coalizes e conflitos prprios de cada setor.
O M
CM
V, por exemplo, exprim
e o conflito entre o interesse pblico ex-presso na intencionalidade das polticas e planos de prom
over a articulao me-
tropolitana e os interesses de fraes do capital na expanso da mancha urbana
como m
eio de obter ganhos rentistas advindos da expanso da fronteira urbana (e dos negcios). A expanso da fronteira do capital im
obilirio recria as desigualda-des que a poltica pretendia reduzir.
Esta pesquisa panormica e horizontal do tratam
ento do fenmeno m
etropo-litano perm
itiu a identificao de aspectos que se repetiram em
vrias das polticas, evitando os problem
as da setorializao da anlise. Foi possvel identificar impasses
e entraves ao fortalecimento da esfera m
etropolitana que se manifestaram
no con-junto das polticas setoriais analisadas. O
entendimento de suas causas, entretanto,
depende do aprofundamento dos estudos e do debate em
cada uma das reas.
A Federao , por definio, uma form
a de organizao territorial do po-der, de articulao do poder central com
os poderes regional e local. O pacto
federativo um conjunto de alianas com
plexas, na maioria, pouco explcitas,
soldadas, em grande parte, por m
eio dos fundos pblicos (Affonso, 1994). As tenses inerentes a sistem
as federativos manifestam
-se de modo ainda m
ais acen-tuado em
territrios caracterizados por grande disparidade regional como o brasi-
leiro, no qual conflitos, especialmente fiscais, se acirram
. A falta de uma instncia
de governo metropolitano que corrija assim
etrias (e evite as cidades de primeira
e segunda classe) e estenda o mesm
o padro de servio e equipamentos urbanos
para toda a populao exprime as disputas entre os m
unicpios e os partidos que os governam
, bem com
o entre municpios, governos estaduais e governo federal.
282Territrio M
etropolitano, Polticas Municipais
A gesto metropolitana, ao m
esmo tem
po que procura enfrentar o proble-m
a, introduz um elem
ento adicional a essas tenses ao incorporar uma nova ins-
tncia poltico-administrativa aos entes j existentes. Estas disputas acirram
-se com
a chamada guerra fiscal e o discurso do fortalecim
ento do poder local. O
problema referido por M
ilton Santos, de modo m
ais amplo, com
o uma guerra
de lugares (1999) e tem sido discutido por diversos autores.
No caso das R
Ms, a contiguidade fsica do tecido urbano conduz a um
a situao de profunda incongruncia entre os processos sociais, polticos, econ-m
icos e as instncias administrativas, o que provoca um
a crise do paradigma
localista. Em resposta aos problem
as metropolitanos, proliferam
-se os discursos proclam
ando a importncia da cooperao e a necessidade de criao de arranjos
institucionais adequados a esta escala territorial. A m
etropolizao expresso do equilibro precrio no qual se acomodam
as fraes de capital e as articulaes polticas; e de sua incongruncia com
o desejo de coerncia na organizao entre as diversas esferas da vida no territrio que se expressam
nas polticas de moradia, m
obilidade e saneamento. A discrepncia
entre o carter consensual do problema e a falta de centralidade que a gesto
metropolitana assum
e nas polticas que incidem sobre o territrio reveladora de
um problem
a real: a tenso entre a expanso urbana devoradora de cidades e as tentativas de conteno e ordenam
ento por polticas pblicas.
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