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DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA

POLÍTICA DE ATENDIMENTO

SOCIOEDUCATIVO: ANÁLISE DO PERFIL

DO AGENTE SOCIOEDUCATIVO

MARCELA BAUER ANDREZA ADAMI

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Painel 01/002 A construção dos perfis profissionais para a execução das políticas públicas

DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO

SOCIOEDUCATIVO: ANÁLISE DO PERFIL DO AGENTE SOCIOEDUCATIVO

Marcela Bauer Andreza Adam

RESUMO

O cenário de investigação deste estudo é a medida socioeducativa de internação – a

resposta mais severa ao ato infracional, que priva o adolescente de sua liberdade. No campo das políticas públicas, pode-se dizer que a política de atendimento socioeducativo está em fase transição e que seu objetivo é estabelecer um sistema

de atendimento que se diferencie do antigo modelo pra ticado pelas Febens. Mas ainda é longo o caminho que a gestão dessa política tem que percorrer para

aperfeiçoar a forma como o estado lida com os adolescentes que são internados em meio fechado. Esse estudo contribui para compreender a complexidade da execução do atendimento socioeducativo, a partir da investigação de um dos

principais atores da implementação o agente socioeducativo. A atividade profissional foi analisado sob a ótica da teoria do burocrata de nível de rua e os resultados

analisados em estudo comparado entre os estados mais populosos da federação constatam que os regimentos da função não contemplam a prática dual de educar e garantir a segurança que este profissional deve exercer. As atribuições estão

centradas em atividades de segurança, disciplina e controle.

3

1 INTRODUÇÃO

O cenário de investigação deste estudo é a medida socioeducativa de

internação – a resposta mais severa ao ato infracional, que priva o adolescente de

sua liberdade. No campo das Políticas Públicas, pode-se dizer que a política de

atendimento socioeducativo está em transição a fim de estabelecer um sistema de

atendimento que se diferencie do antigo modelo praticado pelas Febens. Mas, ainda

é longo o caminho que a gestão dessa política tem que percorrer para aperfeiçoar a

forma como o estado lida com os adolescentes que são internados em meio

fechado.

Esse estudo contribui para compreender a complexidade da execução do

atendimento socioeducativo, a partir da investigação de um dos principais atores da

implementação, o agente socioeducativo. A atividade profissional foi analisada sob a

ótica da teoria do burocrata de nível de rua.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente brasileiro (ECA)1, o ato

infracional é a conduta descrita como crime ou contravenção penal praticado por

criança ou adolescente 2 . De acordo com a capacidade de cumprimento, as

circunstâncias e a gravidade da infração, são aplicadas as seguintes medidas

socioeducativas: a) advertência; b) obrigação de reparar o dano; c) prestação de

serviços à comunidade; d) liberdade assistida; e) inserção em regime de

semiliberdade; e f) internação em estabelecimento educacional.

A medida socioeducativa de internação – que priva o adolescente de sua

liberdade3 - é aplicada às infrações consideradas mais graves e à reincidência de

outras infrações igualmente graves4.

1 Marco legal do país que regulamenta os direitos e deveres da criança e do adolescente estabelecido

em 1990, sendo internacionalmente reconhecido como um dos mais avançados documentos voltados à garantia de direitos da população infanto-juvenil.

2 Art. 103 (ECA). Criança é a pessoa até 12 anos incompletos; o adolescente tem entre 12 e 18 anos

incompletos. 3 Os menores de 12 anos são penalmente irresponsáveis. Praticando atos infracionais, ficam sujeitos a medidas de proteção, ou seja, não podem ser internados (ECA, art. 105).

4 Segundo o estudo Panorama, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2012, p. 10), os principais motivos de internação são crime contra patrimônio (roubo e furto), tráfico de drogas e homicídio. Embora, o Superior Tribunal Federal tenha declarado em 2012 que tráfico de drogas não se

caracteriza como crime grave ainda persiste a privação de direitos por esta causa. Apesar do

4

A política pública para esse atendimento está em fase de transição. O que

significa que o tratamento destinado aos adolescentes autores de ato infracional

baseava-se até o estabelecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

em 1990 e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)5 em 2012,

na lógica coercitiva e punitiva advinda do Código do Menor 6 e da Doutrina da

Situação Irregular7.

O princípio da política atual baseia-se nas ações socioeducativas, que

“podem ser definidas como estratégias, recursos, técnicas e práticas educativas ou

terapêuticas para formação, apoio, atenção e orientação ao adolescente com vistas

à sua inserção social de acordo com os padrões de conduta esperados pela

sociedade” (GUARÁ, 2010, p. 1).

1.2 A dupla lógica da política

São dois os esforços empreendidos na gestão da atual política de

atendimento de medidas socioeducativas. O primeiro é o de equilibrar aspectos

sancionatórios e pedagógicos. E o outro é extinguir a segurança repressiva e

punitiva e estabelecer a segurança socioeducativa.

As medidas socioeducativas têm, em sua concepção básica, “uma

natureza sancionatória, vez que responsabilizam judicialmente os adolescentes,

estabelecendo restrições legais e, sobretudo uma natureza sociopedagógica”

(BRASIL, 2012, p. 47). Barbosa (2008, p. 19) esclarece que “o papel da punição, do

controle e da sanção é uma das faces das medidas restritivas de liberdade”. Assim,

evidencia-se que a segurança é um eixo importante da política, pois é o meio que

cria condições para sustentar e garantir o trabalho socioeducativo (MINAS GERAIS,

2012). Trabalhada de forma socioeducativa, tem mais a função de prevenir e manter

a ordem do que a de conter e punir.

reconhecimento da temática, não será analisado mais profundamente por não ser o foco do presente artigo.

5 A política nacional denomina-se Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase),

instituído em 2012. É a diretriz federal que norteia o desenvolvimento do atendimento socioeducativo. Trata-se de um conjunto ordenado de princ ípios, regras e critérios de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo que envolve desde o processo de apuração

de ato infracional até a execução de medida socioeducativa (BRASIL, 2012). 6 O Código do Menor, promulgado em 1979, vigorou até o estabelecimento do ECA, em 1990.

7Somente crianças e adolescentes carentes, abandonados, inadaptados e infratores eram tutelados e

assistidos pelo Estado.

5

O agente socioeducativo é o profissional em maior quantidade em uma

unidade de internação8. A denominação dessa atividade profissional varia de estado

para estado e até dentro de uma mesma instituição. Verificar o regimento interno

das unidades dos diferentes estados nos permite encontrar denominações diversas

para a mesma função. O quadro abaixo mostra alguns exemplos.

Bahia Monitor

Distrito Federal Atendente de Reintegração Socioeducativo

Espírito Santo Agente Socioeducativo

Mato Grosso Agente Socioeducativo

Mato Grosso do Sul Agente de Ações Socioeducacionais

Minas Gerais Agente de Segurança Socioeducativa

Paraíba Agente Socioeducativo

Pernambuco Assistente Socioeducativo

Rio Grande do Sul Agente Socioeducador

Rio Janeiro Agente Socioeducativo

Rondônia Sócio Educador

São Paulo Agente de Apoio Socioeducativo

Sergipe Agentes de Segurança de Medidas Socioeducativas

O agente também é o ator responsável por exercer o duplo desafio do

atendimento socioeducativo: ele deve atuar com moderação de forma direta ou

indireta, por meio de diálogo, orientações e mediação de conflitos, sendo uti lizada a

contenção como último recurso (MINAS GERAIS, 2006, p. 1). Destaca-se ainda, que

é ele quem mantém contato direto e permanente com o adolescente na unidade de

internação.

Dessa forma, o papel do agente passa a ser a execução tanto da

segurança como da socioeducação. As duas atividades parecem ser, inicialmente,

de difícil conciliação. Um dos questionamentos que surgem na tentativa de

compreender essa dupla lógica é: ‘como educar em contexto de privação de

liberdade?’ Esta pesquisa investiga o desafio de um burocrata de nível de rua

exercer este duplo papel.

8Atualmente, para uma unidade de 90 adolescentes, o quadro de pessoal é composto por 213

pessoas, subdividido entre: 03 Diretores, 160 agentes de segurança socioeducativa, 02 analistas jurídicos, 04 assistentes sociais, 01 dentista, 01 enfermeiro, 01 médico, 04 pedagogos, 03 psicólogos, 02 terapeutas ocupacionais, 05 técnicos de enfermagem, 06 auxiliares administrativos,

08 auxiliares educacionais, 03 motoristas, 08 oficiais de serviços gerais e 02 porteiros.

6

De forma resumida, e independentemente do estado ou unidade em que

executa suas atividades profissionais, o agente socioeducativo é o profissional de

nível médio9 que acompanha os adolescentes que cumprem medida de restrição de

liberdade em praticamente toda a sua rotina durante o período de internação; ele

também é o responsável pela segurança socioeducativa das unidades.

2 OBJETIVO E METODOLOGIA

As políticas estaduais de atendimento às medidas socioeducativas

consolidam, a partir de diretrizes nacionais, seus próprios planos e programas, o que

acarreta diferenças significativas na implementação das políticas. Além das

diferenças entre as políticas planejadas nos estados existem também as dificuldades

de implementação dos novos princípios na prestação do serviço, ou seja, na rotina

das unidades de internação. Assim, o objetivo central deste estudo é apontar a

importância de compreender como se executa a política na ponta, por meio da

análise das atividades profissionais dos agentes implementadores.

Além de justificar essa importância por meio do referencial teórico do

campo da análise de políticas públicas, o estudo também investiga o regimento

profissional, que conforma as condutas do agente socioeducativo, e nos permite

avaliar a maneira como as suas práticas estão relacionadas ou não aos princípios da

nova diretriz política.

Embora a conduta profissional rotineira de um agente público não possa

ser analisada apenas pelos documentos que regem a função, eles são de extrema

importância para compreender o que se espera do agente implementador. Dessa

ideia resultou a iniciativa de analisar cada uma das atividades e classificá-las a partir

do conceito de dupla lógica do sistema socioeducativo a partir da elaboração de uma

metodologia comparativa entre os principais aspectos descritos em cada atribuição.

9 Com exceção do Distrito Federal, que mudou no ano de 2015 a exigência de ensino médio para superior, todos os estados dessa amostra exigem nível médio para a seleção dos profissionais em

seus processos seletivos.

7

O estudo destes documentos foi feito a partir do método da análise de

conteúdo proposto por Bauer e Gaskel (2002). Assim como entrevistas e as falas, os

documentos e os textos também expressam os pensamentos, sentimentos,

memórias e planos das pessoas. E no contexto da gestão pública, no qual os

regulamentos, normas e leis são utilizados para guiar as ações, verificar a forma

como uma atividade profissional está regulamentada pode trazer indicativos

importantes sobre como a política está sendo pensada e executada.

A análise de conteúdo é um método qualitativo que se preocupa em

buscar as qualidades, as distinções, os tipos que estão implícitos no texto. E os

textos e documentos, no processo de análise, são destrinchados e seu conteúdo

classificado. São construídas categorias e codificações que levam em consideração

não só os objetivos do estudo e todo o material levantado durante o processo de

apropriação do tema mas também o seu referencial teórico.

A categorização desenvolvida nesse estudo buscou apreender, no quadro

normativo dos estados, as funções dos agentes socioeducativos que podem ser

associadas ao novo paradigma da política, que prevê atividades tanto de segurança

como de socioeducação, dentre outras necessidades identificadas. A ferramenta

criada para auxi liar nesse exercício foi obtida, primeiramente, com a consolidação de

4 categorias norteadoras, que compreendem aspectos das atribuições dos agentes.

A definição da dimensão da amostra passou por transformações durante

o desenvolvimento da pesquisa. Inicialmente, a proposta era analisar os dois

estados mais populosos por região com a intenção de aproximar-se de um retrato

mais fidedigno do país. Contudo, a busca por informações mais específicas em

relação ao escopo de atuação do agente mostrou-se um desafio maior que o

planejado. As autoras se depararam com a ausência de dados em sítios oficiais e

um baixo índice de retorno das solicitações aos órgãos – inclusive as feitas

utilizando a Lei de Acesso a Informação - enfim, com a falta de transparência sobre

os dados dessa política. Nesse contexto, a amostra possível foi composta por nove

estados cujos dados necessários para construção, reflexão e análise da pesquisa

aqui empreendida puderam ser encontrados. Os estados 10são:

10

Os documentos analisados pelas autoras foram: Distrito Federal: Lei Nº 5.351/2014; Espírito Santo:

Lei complementar 706/13; Mato Grosso: Lei Nº 9.688/2011; Minas Gerais: Decreto n. 44.371,

8

Região Centro-Oeste: Distrito Federal, Mato Grosso

Região Nordeste: Pernambuco

Região Sudeste: Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio de

Janeiro

Região Sudeste Sul: Rio Grande do Sul e Santa Catarina

3 REFERENCIAL TEÓRICO: ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O termo análise de política pública é uti lizado para “expressar a forma de

conciliar conhecimento científico/acadêmico, com a produção empírica dos governos

e também como forma de estabelecer diálogo entre cientistas sociais, grupos de

interesse e governo” (SOUZA, 2006, p. 23).

Hill e Ham (1993) ponderam que a análise de políticas públicas contempla

duas ideias: análise de políticas e análise para políticas. Isso significa que a análise

está voltada não só à compreensão de fenômenos sociais, mas, também,

caracteriza-se como uma atividade aplicada, destinada a contribuir para

entendimento e a solução de problemas públicos.

As políticas públicas tratam do conteúdo concreto e do conteúdo

simbólico de decisões políticas, além do processo de construção e atuação dessas

decisões (SECCHI, 2010). Considera-se a política pública o Estado em ação, ou

seja, a tradução das diretrizes definidas para solucionar um problema em ações

praticadas dentro do aparato da administração pública11.Couto(2005, p. 96) conceitua

política pública como “tudo aquilo que o Estado gera como um resultado do seu

funcionamento”.

Dessa maneira, é possível dizer que o ciclo de políticas públicas

considera todas as etapas que envolvem uma política; desde a identificação de certa

questão como um problema social que deverá ser solucionado pelo Poder Público,

passando pela decisão de como ele deverá ser tratado política e

Pernambuco: Regimento Interno; Rio Janeiro: Lei 5.933/2011; Rio Grande do Sul: Plano de

empregos, funções e salários, 2013; Santa Catarina: Lei complementar Nº 472/2009; São Paulo: Conceitos, diretrizes e procedimentos - Superintendência de Segurança e Disciplina.

11 As políticas públicas são implementadas, ainda, por atores da sociedade civil e pelo setor

envolvido.

9

administrativamente, até chegar à efetivação de ações para atuar com o objetivo de

enfrentar o problema e transformar a realidade. As quatro fases consagradas pela

literatura são agenda, formulação, implementação e avaliação.

Este estudo de caso concentra-se na relação entre as fases de

formulação e implementação das medidas socioeducativas para verificar se existem

distâncias significativas entre as diretrizes da política e a prática exercida pelos

profissionais de linha de frente, os agentes de segurança socioeducativa.

3.1 A relação entre a formulação e a implementação

Há dois modelos recorrentes na análise da implementação de políticas

públicas: um é denominado top e o outro bottom-up.

O primeiro separa o processo de formulação da implementação e

considera que as ações dos indivíduos ou grupos são direcionadas à consecução de

objetivos previamente definidos por decisões políticas (HILL, 2007). Esse modelo

baseia-se na hierarquia entre política e administração, focando os aspectos de

controle.

O modelo bottom-up tem em vista que a fase da implementação não é

simplesmente a execução ipsis litteris do que foi planejado em uma fase anterior.

Em decorrência das complexidades dos problemas sociais, do contexto em que se

estabelecem e da diversidade das interações entre os agentes implementadores, é

praticamente impossível que um plano, mesmo que bem elaborado, seja posto em

prática no formato em que foi pensando a princípio, antes do enfrentamento do

problema em si.

O modelo de análise que assume a implementação como mero executar

das diretrizes da formulação considera que a fase de planejamento é isenta de

problemas. No entanto, a teoria sobre as políticas públicas indica que o

planejamento não dá conta de prever e antecipar as singularidades do processo de

implementação (SAASA, 2006; SILVA et al., 2000).

A principal crítica a esse modelo é que ele não leva em consideração os

aspectos da política, ou seja, o campo das disputas e dos conflitos entre os atores

(políticos, burocratas, cidadãos e grupos organizados) envolvidos no processo de

10

formulação e, também, da implementação das políticas. A avaliação que Saasa

(2006) faz da racionalidade como eixo central de análise é que as variações do

sistema político e do processo decisório e as ações e valores dos atores são tidas

como agentes neutros, incapazes de influenciar o processo. Na prática, ocorre o

contrário, ou seja, esses componentes do processo de implementação influenciam

vigorosamente a política.

A análise realizada apenas pelo modelo top-down considera a política

pública como um processo racional e controlável: um problema é reconhecido, em

seguida são traçadas políticas e, por fim, estas são executadas. Reconhecendo os

problemas sociais com a lógica da causalidade e imprimindo uma lógica de

racionalização dos problemas sociais. A partir dessa visão não se teria espaço para

a discricionariedade por parte dos implementadores.

A partir dessa crítica, vale a pena apresentar o modelo de análise

denominado bottom-up que considera a implementação um processo de interação

entre atores e órgãos. Hill (2007, p. 73) afirma que a análise por meio desse modelo

ocorre “perto do chão”:

É necessário afastar-se da visão normativa administrativa, ou gerencial, sobre como o processo deveria ser e tentar encontrar a conceptualização

que melhor reflita a complexidade e a dinâmica das interações entre indivíduos e grupos que buscam implementar as políticas, aqueles de quem as políticas dependem e aqueles cujos interesses são afetados pela

proposta de mudança.

Shipan e Volden (2008 apud OLIVEIRA, 2013, p. 22) indicam que o

modelo bottom-up não se baseia no programa governamental formulado em si.

Preocupa-se mais em olhar

[...] para a maneira pela qual os atores percebem o problema e suas estratégias para lidar com ele. Dessa forma, o que importa é o entendimento das estratégias dos atores relativas a um problema de política

pública e não a política per se.

Apontar que o sistema e seus atores não trazem os resultados esperados

pouco contribui para melhorar o sistema de atendimento de medidas

socioeducativas. O desafio mais interessante é investigar quais são as

particularidades da execução das medidas socioeducativas. De acordo com

Rodrigues (2008, p. 119), “se nós quisermos compreender porque políticas e

11

instituições funcionam ou falham, precisamos penetrar no que essas entidades

realmente são, não nos limitando aperceber como elas estão constituídas

formalmente”.

Embora as diretrizes e normativas da política sejam decididas em

instâncias diferentes daquelas nas quais se executam e implementam devemos ter

em mente que durante o desenvolvimento das atividades de implementação surgem

diversas tomadas de decisão inerentes à complexidade da política. Isso significa que

boa parte da política é elaborada e modificada no processo de implementação.

Nesse contexto, os atores (formuladores e implementadores) têm expectativas e

estratégias distintas em relação à política. Subirats et al. (2012, p. 189) afirmam que

há vários exemplos de políticas e decisões implementadas de maneira “criativa” para

adaptar o que foi previsto em um nível mais alto da política às condições locais.

A fim de compreender as condutas e motivações reais dos atores, a

perspectiva bottom-up propõe que o ponto de partida sejam os atores da linha, que estão na ponta, na linha de frente da execução da política. Desta maneira, o analista deve se concentrar no comportamento dos atores e nas

interações entre eles e o público-alvo da política. A definição de implementação proposta incorpora essa crítica quando entende que os formuladores estabelecem basicamente o marco do jogo (as diretrizes), mas

não marcam rigidamente o processo.

Estabelecidas as limitações do processo de formulação de políticas

públicas, justifica-se a importância de direcionar a análise para esse processo e para

os atores que concretizam a política. No contexto desta pesquisa, é possível definir

os agentes socioeducativos como atores de implementação da política de

atendimento de medidas socioeducativas e, dessa forma, a análise de seu

regimento profissional e a relação estabelecida com as diretrizes da política se

qualifica como uma forma de compreender a realidade da política desenvolvida

atualmente.

3.2 O agente de segurança socioeducativa como implementador da política

O conceito de street-level bureaucracy desenvolvido por Lipsky (1980)

caracteriza os agentes públicos que atuam nas pontas dos serviços públicos. Esses

profissionais estão em contato direto e constante com os cidadãos-alvo da política.

São, por exemplo, policiais, professores, agentes de saúde e de trânsito, assistentes

sociais, agentes de fiscalização, entre outros.

12

Ainda de acordo com Lipsky (1980) o street-level bureaucract (SLB) são

os agentes públicos que interagem diretamente com os cidadãos que têm

considerável grau de discricionariedade na execução de sua atividade profissional e

têm sua prática influenciada por diversas limitações na própria estrutura

organizacional12. Lotta (2012) afirma que os agentes implementadores trabalham

regularmente em interação com os cidadãos e exercem grande impacto na vida das

pessoas. Eles

[...] recebem e transmitem as expectativas dos usuários sobre os serviços

públicos; determinam a elegibilidade dos cidadãos para acessar os benefícios ou receber as sanções; definem a forma como será o tratamento aos cidadãos e mediam aspectos da relação institucional dos cidadãos com

o Estado (LOTTA, 2012, p. 4).

De acordo com Lipsky (1980) a burocracia de nível de rua engendra as

controvérsias da política por duas razões. Em primeiro lugar, é ela que lida na ponta

com as incertezas e com as mudanças da política. Em seguida, a atuação

profissional dos SLB se dá na interação com o cidadão-alvo da política e essa

relação tem impacto direto na vida das pessoas.

A ideia de formuladores de políticas é utilizada por Lipsky (1980) para

considerá-los não só como implementadores da política, mas, também, como

tomadores de decisão. Ademais, as ações individuais dos SLB, quando adotadas

em conjunto, representam o comportamento da instituição. Como o contexto de

trabalho envolve situações não completamente programáveis 13, a discricionariedade

é uma das principais características da atuação desse profissional.

Street-level bureaucrats often work in situations that often require responses to the human dimensions of situations. They have discretion because the accepted definitions of their tasks call for sensitive observation and

judgment, wich are not reducible to programmed formats. (LIPSKY, 1980, p. 15).

A questão da discricionariedade no atendimento socioeducativo mostra-se

relevante já no texto de apresentação do Sinase – a diretriz nacional da política. O

documento aponta a “necessidade de se construir parâmetros mais objetivos e

procedimentos mais justos que evitem ou limitem a discricionariedade” (BRASIL

2012, p. 13). Além disso: 12

São múltiplos os problemas estruturais relacionados a política, mas vale evidenciar a superlotação que ainda atinge a totalidade das Unidades de Internação, com uma média de 120 adolescentes a mais do que as vagas disponíveis.

13

A discricionariedade dos funcionários de base não significa que eles não

estejam sujeitos a regras e normas, mas que, diante da complexidade do trabalho de atendimento e da necessidade de lidar com situações imprevistas, eles acabam seguindo as regras de forma seletiva e

interpretada por suas próprias convicções. Com muitas obrigações a cumprir e poucos recursos para viabilizá-las, os funcionários tenderão a eleger suas prioridades. A discricionariedade é facilitada, ainda, pelo fato de

que a supervisão das regras advindas dos órgãos superiores é algo muito complicado. Até porque estas regras costumam ser volumosas e contraditórias, o que faz com que o seu cumprimento tenha que ser exigido

seletivamente (MENICUCCI, 2010, p. 49).

A discricionariedade do agente está relacionada à própria natureza da

política que, durante o processo de internação dos adolescentes, almeja não apenas

aplicar a sanção para o ato infracional cometido, mas, também, educar e

ressocializar. O governo de Minas Gerais, por exemplo, indica em um de seus

documentos que o agente deve utilizar diferentes abordagens, de acordo com as

singularidades de cada adolescente:

Para cada procedimento na medida, a resposta é diferente, cada jovem é um universo diferente e por mais que haja identificação no vestir, no

linguajar, nos cabelos, e até no comportamento, cada um deles vai exigir dos profissionais uma abordagem diferente para um despertar em relação à medida (MINAS GERAIS, 2011, p. 19).

A discricionariedade do agente é ponto-chave no entendimento da fase de

transição da política. Barbosa (2008) e Menicucci (2010) afirmam que o atendimento

de medidas socioeducativas de privação de liberdade contemplam lógicas duais:

punição e ressocialização ou lógica da segurança e lógica pedagógica.

Embora o adolescente perca sua liberdade em decorrência da sanção ao

ato infracional, ele deixa de ser tratado punitivamente. Passa a ser considerado um

indivíduo singular e, durante sua trajetória, terá um Plano Individual de

Atendimento14. Esse tratamento individual é a prerrogativa de atuação do burocrata

de nível de rua reforçada pela diretriz nacional da política e das normativas

estaduais, que contemplam a discricionariedade e a necessidade de fazer a política

por meio da interação entre o agente e o adolescente. Para diferenciá-lo, inclusive

do adulto que cumpre pena nas prisões comuns.

14

De acordo com o artigo 52º do Sinase, Plano Individual de Atendimento é um instrumento de

previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente.

14

Em razão do contexto da política ser o de privação da liberdade,

estabelecido por normas de segurança e de conduta e da política ser semelhante ao

sistema prisional, a discricionariedade – necessária à política – gera preocupação no

que se refere à segurança.

Menicucci e Carneiro (2011, p. 536) indicam certa apreensão em relação

ao alto grau de autonomia ou discricionariedade dos agentes para lidar com os

adolescentes; a política:

Lida com a possibilidade de reinterpretações de seus princ ípios, dado o alto grau de discricionariedade e autonomia de seus implementadores. A influência dos BNR, ou funcionários de ponta, nesse caso é marcante. Os

profissionais responsáveis pelo atendimento têm relativa liberdade para tomar decisões do dia a dia, adaptando suas ações à estrutura física da unidade e ao perfil dos internos, ao mesmo tempo em que têm que lidar

com uma conformação das regras programadas.

O regimento do cargo fala, por exemplo, em uso moderado de força.

Durante o trabalho de campo desta pesquisa, por meio de entrevistas em

profundidade, alguns agentes questionaram o conceito de força moderada. O que

significa utilizar a força moderadamente? A força é utilizada para apartar uma briga

entre adolescentes, para intervir durante um surto, para conter alguma atitude

extremada etc. A maneira como a força é dosada e como ela é exercida em cada

caso e por cada agente é intangível.

A questão do uso moderado da força é complexa e não será analisada

neste trabalho; ela foi utilizada apenas como uma ponte para chegarmos ao tema da

discricionariedade existente na prática do agente. A discricionariedade contida no

processo de implementação de políticas de atendimento socioeducativo é resultado

da interação dos agentes que exercem entre “seus próprios valores, valores de

outros atores envolvidos (estatais e sociais), procedimentos, restrições, estruturas,

incentivos, encorajamentos e proibições” (LOTTA, 2012, p. 6).

Nogueira (1998) uti liza dois conceitos interligados para analisar a gestão

de políticas sociais: a programabilidade das tarefas versus a interação com o

destinatário da política. De acordo com o autor, a programabilidade refere -se à

possibilidade de rotinização ou formalização das atividades. Relaciona-se também à

disponibilidade de um conjunto de conhecimento reconhecido e sancionado

institucionalmente como adequado para resolver as tarefas. (NOGUEIRA, 1998,

15

p. 16). E a interação trata da necessidade de haver uma relação entre o executor da

política e o destinatário para o seu funcionamento.

Por meio destes conceitos o autor define quatro cenários de

implementação de políticas sociais:

1. Elevada programabilidade e baixa interação: situação mais

simples na qual não há a necessidade de mobilização dos

destinatários e há interação mínima entre eles e os implementadores.

As atividades são possíveis de rotinização e não dependem da

iniciativa ou discricionariedade dos operadores. São serviços

homogêneos e burocráticos tais como transferência de recursos e

fornecimento de alimentos.

2. Elevada programabilidade e média ou intensa interação: as ações

são claramente definidas, mas o desempenho está sujeito à

discricionariedade dos atores. Depende-se também da legitimidade

que os destinatários conferem ao programa ou política. É, por

exemplo, o atendimento em saúde, no qual é possível antecipar as

situações que se apresentarão e o tipo de profissional que podem

resolvê-las, mas as tarefas podem ser programadas até certo ponto,

pois os detalhes dos tratamentos e intervenções dependem das

características e particularidades dos beneficiários.

3. Baixa programabilidade e baixa interação: são ações de baixa

complexidade e os problemas que busca enfrentar são antecipáveis,

mas as tarefas não estão formalizadas e padronizadas.

4. Baixa programabilidade e elevada interação: as ações são

desenvolvidas de acordo com as situações particulares dos

destinatários. Nestes casos busca-se uma mudança significativa na

situação do usuário e as ações acabam tendo impacto direto sobre as

pessoas, grupos ou comunidades. Suas características, de acordo

com Nogueira (1998) são: personalização dos serviços prestados,

diferenciação entre os subsídios fornecidos e seleção de quem os

recebe de acordo com perfil estabelecido e participação do agente

nesta seleção. São ações que dependem da colaboração dos

16

envolvidos. Envolve baixa padronização das atividades, contextos

técnicos pouco institucionalizados, alta discricionariedade do executor

e descentralização das ações. É neste cenário que localizamos a

atividade profissional do agente de segurança socioeducativa.

Nesse sentido, consideramos que a discricionariedade exercida pelos

agentes implementadores15 não pode ser compreendida sem a análise do contexto

em que as medidas socioeducativas se desenvolvem e a visão que os atores têm

dessa prática. É o que endossa Méier e O´toole, 2006 ao afirmar que a

discricionariedade é indissociável dos valores individuais, ou seja, as referencias

pessoais são tão importantes quanto os valores das instituições.

4 RESULTADOS OBTIDOS: A ANÁLISE DOS REGIMENTOS DA ATIVIDADE

PROFISSIONAL

A descrição detalhada das atribuições dos agentes socioeducativos, de

acordo com os regimentos profissionais analisados, possibilita concluir que, em

geral, as diretrizes nacionais foram incorporadas aos programas estaduais de

medidas socioeducativas. Apresentam atividades orientadas à prática de

socioeducação, sinalizando, a necessidade do agente participar de atividades diárias

de convivência e diálogo com os adolescentes, em especial na elaboração e no

acompanhamento do plano individual de atendimento.

Por outro lado, persistem-se aspectos de transição da política, na medida

em que a maioria das atribuições descritas se referem às atividades de segurança,

disciplina e controle.

Tais características foram observadas a partir da elaboração de uma

metodologia comparativa entre os principais aspectos descritos em cada atribuição.

A categorização desenvolvida buscou apreender, no quadro normativo dos estados,

as funções dos agentes socioeducativos que podem ser associadas ao novo

paradigma da política, que prevê atividades tanto de segurança como de

socioeducação, dentre outras necessidades identificadas. 15

A política de atendimento socioeducativa é executada por diversos profissionais na unidade de internação (como psicólogos, pedagogos, advogados, profissionais da área da saúde etc.). Este estudo limita-se à investigação do perfil de apenas um deles, o responsável pela segurança

socioeducativa.

17

As categorias criadas representam atribuições direcionadas a um éthos16

específico, que pauta sua conduta. A elaboração dessas categorias reflete um

exercício que possibilita observar a natureza das atribuições dos agentes.

Vale ressaltar que a intenção não é esgotar as possibilidades de

interpretação da realidade empírica, mas desenhar um instrumento teórico-analítico.

Com isso, a classificação objetiva sinalizar a inclinação da função do agente para a

atividade de natureza mais socioeducativa e/ou de segurança, dentre outras duas

categorias identificadas. A análise da atividade de um burocrata de nível de rua deve

ser mais abrangente do que a está sendo proposta aqui. Ela deve levar em conta a

análise dos valores que direcionam suas condutas nos diversos cenários de

implementação de política. Isto posto, esclarecemos que a análise dos regimentos é

apenas um primeiro passo nesse sentido.

Assim, identificamos quatro tipos de atividades distintas e

complementares, que se concentram em áreas importantes para a leitura da efetiva

aplicação desse novo paradigma de socioeducação. As categorias de classificação

são:

Práticas de segurança: refere-se às atribuições centradas em

aspectos de segurança que se inclinam a assegurar o desenvolvimento

das atividades e atendimentos dentro da unidade, bem como zelar pela

ordem e segurança dos adolescentes e de todos os profissionais que

ali estão. As atividades reunidas nessa categoria se associam às ações

de conter, zelar, vistoriar, custodiar, revistar, controlar e conferir;

Práticas educativas: abrange atividades que tangenciam aspectos

mais relacionados ao papel de educador do que atribuições de

segurança. São inclinações que promovem e estimulam a relação com

o adolescente pautada na resolução de problemas à luz do respeito

aos direitos humanos e à dignidade. As funções associadas a essa

categoria envolvem a promoção de diálogo, a participação em

atividades de planejamento, o auxílio e a orientação;

16

Éthos: conjunto de significados que uma categoria social atribui à sua ação. WEBER, 1967.

18

Práticas de desenvolvimento profissional: apresentam atividades

que possibilitem o aprendizado, a troca e o diálogo entre diferentes

atores do Sistema de Medidas Socioeducativas (SMSE) e o trabalho

em equipe. São especificações que promovem seu desenvolvimento

pessoal, como participar de reuniões, seminários, congressos e cursos.

Práticas socioeducativas: tangenciam funções referentes ao duplo

papel a ser exercido pelo agente socioeducativo, como preconiza o

Sina se. Apresenta atribuições que pontuam a necessidade de conduta

equilibrada orientada à contenção e à socioeducação. É considerada a

atribuição central do agente socioeducativo.

A partir da categorização das atividades produziu-se uma tabela que

organiza os dados a partir da ordem alfabética dos estados analisados e um gráfico

que mostra o panorama encontrado a partir da quantidade de práticas

socioeducativas. Eles nos permitem afirmar que as práticas de segurança

prevalecem em relação às práticas socioeducativas. Apenas Minas Gerais e

Pernambuco têm as atividades equilibradas e no Rio Grande do Sul, as

socioeducativas prevalecem em relação às atividades de segurança.

O estado do Mato Grosso chama a atenção por não contemplar práticas

socioeducativas, apenas de segurança e educativas. As práticas de

desenvolvimento profissional também aparecem muito pouco na maioria dos

estados e ainda há aqueles que não incluem tal atividade – MT, PE, DF e SC.

Nota-se, assim, que a questão da segurança ainda é um grande desafio

da política, já que na regulamentação da profissão, as práticas de segurança têm

grande peso. Esclarecer, determinar e institucionalizar atribuições socioeducativas

são pendências existentes nas normativas estaduais.

19

Tabela 1: Comparação entre as atribuições dos agentes socioeducativos por estado

Estado Tipo de documento

analisado Ano do

documento

prática socioeducativa

prática de segurança

prática educativa

prática de

desenvolvimento profissional

outros total

N % N % N % N % N % N %

DF lei 5351 2014 0 0% 16 70% 4 17% 0 0% 3 13% 23 100%

ES lei 706 2013 12 29% 26 62% 2 5% 1 2% 1 2% 42 100%

MT lei 9688 2011 0 0% 7 54% 5 38% 0 0% 1 8% 13 100%

MG decreto 44371 2010 5 33% 5 33% 3 20% 1 7% 1 7% 15 100%

PE regimento interno * 10 34% 10 34% 3 10% 0 0% 6 21% 29 100%

RJ lei 5933 2011 5 19% 12 44% 4 15% 2 7% 4 15% 27 100%

RS documento interno 2013 7 41% 5 29% 2 12% 1 6% 2 12% 17 100%

SC lei 472 2009 4 24% 7 41% 4 24% 0 0% 2 12% 17 100%

SP documento interno * 12 34% 18 51% 3 9% 1 3% 1 3% 35 100%

Fonte: Elaborada pelas autoras.

20

Fonte: Elaborada pelas autoras.

21

A tipologia criada teve por objetivo analisar como as políticas estaduais

apresentaram as atribuições dos agentes a partir do princípio de socioeducação,

sendo aquele que realiza a segurança e também a socialização. Portanto,

apontamos como o arcabouço legal representou indicações mais ou menos

concentradas em atividades que contemplam a complexidade e a multiplicidade das

funções do agente socioeducativo.

A lógica socioeducativa preconizada pelos marcos legais do país é

estabelecida para orientaras relações e interações existentes no SMSE. No que se

refere às unidades de internação, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos 17

esclarece que:

Toda a equipe da unidade de internação deve compreender essas três

dimensões da estruturação da unidade e do seu trabalho socioeducativo, assim como trabalhar cotidianamente para o melhor desenvolvimento de cada uma delas. Educação para o convívio social não pode ser vista como

“coisa de pedagogo, psicólogo e assistente social”. Segurança não pode ser vista como “coisa de monitores e agentes de segurança”. Respeito aos direitos fundamentais não podem ser vistos como “coisa de advogados, de

defensores”. Todos os educadores (pessoal dirigente, técnico e operacional) são responsáveis pelo atendimento integral ao adolescente autor de ato infracional, isto é, ao educando, que é personagem central nas três

dimensões que organizam a vida da comunidade socioeducativa (COSTA, 2006d, p. 42).

Como socioeducadores, o Sinase (BRASIL, 2012, p. 45) expressa:

As atribuições dos socioeducadores deverão considerar o profissional que desenvolva tanto tarefas relativas à preservação da integridade física e

psicológica dos adolescentes e dos funcionários quanto às atividades pedagógicas. Este enfoque indica a necessidade da presença de profissionais para o desenvolvimento de atividades pedagógicas e

profissionalizantes específicas. A relação numérica de socioeducadores deverá considerar a dinâmica institucional e os diferentes eventos internos, entre eles férias, licenças e afastamento de socioeducadores,

encaminhamentos de adolescentes para atendimentos técnicos dentro e fora dos programas socioeducativos, visitas de familiares, audiências, encaminhamentos para atendimento de saúde dentro e fora dos programas,

atividades externas dos adolescentes.

Ressalta-se que a situação de privação de liberdade, ou seja, a ausência

de contato direto e cotidiano com família, escola e outros ambientes, aumenta a

complexidade da relação dos agentes com os adolescentes. Ou seja, se antes sua

17

Secretaria Nacional de Direitos Humanos é responsável pela articulação interministerial e intersetorial das políticas de promoção e proteção aos Direitos Humanos no Brasil, na qual se insere as questões referentes a crianças e adolescentes. Criada em 1977 dentro do Ministério da Justiça,

foi alçada ao status de ministério em 2003.

22

função principal era realizar a contenção e manter a segurança de todos, agora os

agentes se vêem obrigados a desempenhar uma série de papéis sociais diferentes,

requisitando um novo perfil de atuação.

Os desafios que engendram a atuação desses profissionais abrangem

distintos fatores, tais como: quadro de funcionários deficitário, insatisfação com as

condições de trabalho, alta rotatividade de pessoal, dificuldades de trabalho conjunto

entre os grupos de profissionais, indefinição de critérios de avaliação e progressão

de carreira, baixo comprometimento dos profissionais18 etc.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Configura-se, assim, um cenário da política com baixa capacidade de

programação das atividades dos agentes e intensa interação com os adolescentes.

E neste ambiente os princípios da socioeducação preconizados no Sinase precisam

estar mais representados nos regimentos e tal fato pode trazer dificuldades

significativas para a implementação de uma política mais alinhada à garantia dos

direitos desses adolescentes.

Podemos concluir que, é fundamental investir em análises e ajustes na

fase de implementação da política. Verificar como se dá a implementação de uma

política a partir da interação entre implementadores e o público-alvo da política é

ponto fundamental para compreender seus desafios.

Embora o agente seja responsável pela segurança na unidade de

internação, suas atividades não se restringem à manutenção da ordem e à coerção.

Os princípios da socioeducação prevêem a interação permanente e contínua com o

adolescente. Essa interação deve ser qualificada e estabelecida por meio de

práticas socioeducativas garantidas não apenas por regulamento (embora esse

ponto seja fundamental), mas também por meio de práticas de desenvolvimento

profissional que possam trabalhar os valores que irão conduzir as ações dos

agentes durante a sua prática profissional.

18

Os desafios profissionais nesse contexto podem ser conhecidos a fundo a partir da consulta da

Dissertação de Mestrado das autoras.

23

Os avanços nos processos de transição da política socioeducativa

dependem de seus implementadores. Estabelecer uma política que garanta os

direitos dos adolescentes significa nos aproximarmos mais do Sinase e nos

afastarmos das Febens e para isso é necessário investimento no entendimento dos

desafios de sua implementação. Esse estudo buscou contribuir nesse sentido e

aponta que se faz necessário contemplar mais socioeducação nos regimentos.

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AUTORIA

Marcela Bauer – Gestora de Projetos – FUNDAP.

Endereço eletrônico: marcela.bauer@gmail.com

Andreza Adami – Analista de Projetos – Instituto Ayrton Senna.

Endereço eletrônico: de.adami@gmail.com