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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS ARTES
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS ARTES
MARLON JORGE SILVA DE AZEVEDO
MAPEAMENTO E CONTRIBUIES LINGUSTICAS DO PROFESSOR SURDO
AOS NDIOS SURDOS DA ETNIA SATER-MAW NA MICRORREGIO DE
PARINTINS
MANAUS AM.
2015
MARLON JORGE SILVA DE AZEVEDO
MAPEAMENTO E CONTRIBUIES LINGUSTICAS DO PROFESSOR SURDO
AOS NDIOS SURDOS DA ETNIA SATER-MAW NA MICRORREGIO DE
PARINTINS
Dissertao de Mestrado em Letras
Artes para obteno do ttulo de Mestre
em Letras, opo Etnolingustica
Indgena. Universidade do Estado
Estadual do Amazonas-UEA. Programa
de Ps Graduao em Letras Artes.
Orientador: Prof. Dr. Valteir Martins
MANAUS AM.
2015
Catalogao na fonte Elaborao: Ana Castelo CRB11 -314
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS www.uea.edu.br
Av. Leonardo Malcher, 1728 Ed. Professor Samuel Benchimol
Pa. XIV de Janeiro. CEP. 69010-170 Manaus - Am
A994M Azevedo, Marlon Jorge Silva de
Mapeamento e contribuies lingusticas do professor surdo aos ndios surdos da etnia Sater-Maw na microrregio de Parintins. / Marlon Jorge Silva de Azevedo. Manaus: UEA, 2015.
115fls. il.: 30cm.
Dissertao de Mestrado e Produto, apresentada ao Programa de Ps Graduao em Letras e Artes, da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Letras e Artes.
Produto: Minidicionrio Trilngue indgena Sater-Maw em Libras e Lngua Portuguesa
Orientador: Prof. Dr. Valteir Martins.
1.Lingustica 2.Lngua de Sinais 3. Sater-Maw 4. Dicionrio. I. Orientador: Prof. Dr. Valteir Martins. II.Ttulo.
CDU: 81374.4
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS ARTES
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS ARTES
DEDICATRIA
Aos meus familiares, em especial a minha me Idalina
Azevedo, que desde o ventre proporcionou-me seu amor com
dedicao e todas suas foras ao meu lado em momentos to
difceis, nunca deixando de acreditar no poder de Deus sobre
minha vida.
A minha amada esposa Rosana Valria, mulher sbia,
e auxiliadora de todos os momentos do meu viver.
Aos meus filhos: Caroline, Camila e Benjamim Jorge,
pelo amor que sempre me deram, pela compreenso de
minhas ausncias durante a trajetria de minha pesquisa.
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar, que planejou a minha vida quando eu ainda nem existia e
me libertou no momento que recorri a Ele. E me fez acreditar que o impossvel s existe
quando no temos f.
Coordenadora do Mestrado em Letras e Artes da Universidade do Estado do
Amazonas UEA, Professora Dra. Juciane Cavalheiros, pelo excelente trabalho que
desenvolve nesta instituio, contribuindo para a formao de novos profissionais na
educao do nosso pas.
Ao meu orientador, Dr. Valteir Martins, Professor do Mestrado em Letras e Artes,
com sua sbia experincia de ensino, acreditou que, atravs deste trabalho, pudssemos levar
contribuies lingusticas, no que tange Lngua de Sinais dos indgenas surdos Sater-
Maw, habitantes da microrregio de Parintins.
Aos meus professores do Mestrado em Letras e Artes Dra. Silvana Martins, Dr.
Mauricio Mattos, Dr. Mrcio e Dra. Luciana Pscoa, Dra. Gleidys Maia, Dr. Camilo Ramos,
pelas preciosas contribuies minha pesquisa.
Aos professores indgenas: Jacob de Souza, Jocimar Alencar e Josiel Santos, por me
introduzir nas comunidades indgenas Sater-Maw, pelas contribuies na traduo das
palavras da lngua portuguesa para a lngua Sater-Maw.
Aos meus colegas do mestrado em Letras e Artes, pelo companheirismo e dedicao
no dia a dia.
professora Elizandra de Lima Silva Bastos pela ajuda nas correes textuais da
Lngua Portuguesa.
s instituies especficas que de alguma forma contriburam para concretizar esta
pesquisa.
MANAUS
Escola Estadual Augusto Carneiro dos Santos,
Centro de Atendimento ao surdo CAS
A Igreja Tabernculo Batista Pastor Paulo Hatcher
PARINTINS
Fundao Nacional do ndio FUNAI
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE
Coordenadora Regional de Educao de Parintins - CREP
Universidade Estadual do Amazonas CESP
Casa da Sade Indgena
Casa do ndio de Parintins
Escola udio Comunicao Pe. Paulo Manna
Diocese de Parintins: Pe. Henrique Ugg
Escola Estadual Brando de Amorim
Escola Estadual Joo Bosco Ramos de Lima
MAUS
Secretaria de Estado de Educao
Secretaria de Educao Municipal
Casa do estudante indgena Sr. Jusivan
Tuxaua da Comunidade de Santa Maria Sr. Helito Barbosa
Sr. Maxiliano Batista Barros
BARREIRINHA
Secretaria de Educao Municipal - SEMED
Secretaria de Estado de Educao
Coordenao Municipal de Educao Indgena: Sr. Santino Lopes
Coordenador da Escola Profa. Rosa Cabral: Sr. Dulcemar F. dos Santos
Professora Indgena Sater-Maw: Maria Inez
NHAMUND
Casa de Sade Indgena - DSEI
Secretaria de Estadual de Educao
BOA VISTA DO RAMOS
Secretaria de Estado e Educao
Escola Estadual Princesa Izabel
Comunidade Sater-Maw
Professora Erly Tereza R. Ges
URUCAR
Plo Base de Urucar DSEI
Distrito Sanitrio Especial Indgena
Lider Indgena Etnia Hexkaryana: Can Mohso
Sra.Mrlucia Kutasa
Enfermeiro: Sr.Jonas Pontes
Sra.Dalva H. Farias Cantalixto de Melo
Sr.Luiz Cantalixto de Melo
SO SEBASTIO DO UATUM
Plo Base de Urucar DSEI
Lider Indgena Etnia Hexkaryana: Can Mohso
EPGRAFE
Mos...
corpo em movimento,
captar e entender...
Teu querer, teu dizer...
Sorrisos, lgrimas,
sentimentos e emoes...
Libras amor, paixo, lngua!
(Marlon Jorge)
RESUMO
Esta pesquisa apresenta o resultado do mapeamento de ndios surdos nas comunidades
indgenas Sater-Maw, na microrregio de Parintins. Partindo do levantamento, buscou-se
identificar de que forma os ndios surdos estabeleciam a comunicao com seus pares na sua
comunidade. Para isso foi utilizado o procedimento metodolgico por meio de entrevistas
abertas com as lideranas indgenas, os familiares, os professores e gestores escolares, e
outros membros das comunidades, assim como do prprio ndio surdo. O processo de anlise
estabelecido para este estudo consistiu no enfoque de natureza lingustica do lxico
(vocabulrio), o qual foi registrado por meio de vdeos, fotos e gravaes. A partir dos dados,
iniciou-se a elaborao de um minidicionrio trilngue nas lnguas Sater-Maw/lngua de
sinais/ portugus escrito, a fim de facilitar a comunicao, principalmente no contexto da
comunidade educacional escolar, entre os professores e os alunos ndios surdos. Esta
contribuio lingustica, portanto, possibilitou uma nova percepo no processo histrico da
diversidade lingustica, para valorizar e respeitar no s uma lngua, a lngua oficial do pas
(Portugus), mas tambm a lngua natural do povo surdo (Libras) e a lngua indgena do povo
Sater-Maw.
Palavras chaves:
1.Lingustica 2.Lngua de sinais 3.Sater-Maw 4. Dicionrio
ABSTRACT
This research presents the results of the mapping deaf Indians in indigenous
communities Sater-Maw, in the region of Parintins. Starting from the survey, we sought to
identify how the deaf Indians established communication with peers in their community. For
this methodological procedure through open interviews with indigenous leaders, family
members, teachers and school administrators, and other community members were used as
well as the Indian himself deaf. The review process established for this study consisted of
focus linguistic lexicon (vocabulary), which was recorded through videos, photos and
recordings. From the data, we initiated the development of a trilingual Mini Dictionary in
languages Sater-Maw/ sign language/ written Portuguese in order to facilitate
communication, especially in the context of school learning community among teachers and
students deaf Indians. This linguistic contribution, therefore, provided a new insight in the
historical process of linguistic diversity, to value and respect not only one language, the
official language (Portuguese), but also the natural language of deaf people (Libras) and the
indigenous language the people Sater-Maw.
Key Words: 1.Lingustica 2.Lngua signal 3.Sater-Maw 4.Dictionary
SUMRIO
INTRODUO................................................................................................................ 13
1 CONSIDERAES DOS ESTUDOS LINGUSTICOS DA LNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS..........................................................................................
17
1.1 Lngua de Sinais como Lngua Natural................................................................... 20
1.2 Lngua Brasileira de Sinais....................................................................................... 22
1.3 Lnguas de Sinais Indgenas pesquisadas no Brasil................................................. 26
1.3.1 Lngua de Sinais Urubu-Kaapor............................................................................ 28
1.3.2 Lngua de Sinais Emergentes ............................................................................... 29
1.3.2.1 Realidade do Contexto educacional escolar do indgena surdo........................ 31
2 HISTRIA DO POVO INDGENA SATER-MAW: CULTURA E
LNGUA......................................................................................................................
34
2.1 Breve Relato Histrico ............................................................................................. 35
2.2 Classificao da Lngua Sater-Maw...................................................................... 36
2.2.1 Contexto educacional escolar entre os Sater-Maw............................................ 38
3 METODOLOGIA IMPLEMENTADA NA PESQUISA....................................... 42
3.1 rea e localidade da pesquisa.................................................................................. 42
3.2 Estratgias gerais para a realizao da coleta de dados ......................................... 43
3.3 Procedimentos da coleta de dados............................................................................ 43
3.4 Articulao local ..................................................................................................... 44
3.5 Abordagem ao objeto da pesquisa.......................................................................... 44
4 MAPEAMENTO DOS INDIOS SURDOS DA COMUNIDADE SATER-
-MAW NAS MICRORREGIES DE PARINTINS E SUA REALIDADE
EDUCACIONAL ESCOLAR.................................................................................
45
4.1 Mapeamento da existncia dos ndios surdos na microrregio de Parintins........... 46
4.1.1 Histrico de Parintins........................................................................................... 46
4.1.2 Histrico de Barreirinha......................................................................................... 52
4.1.3 Histrico de Maus.........,..................................................................................... 53
4.1.4 Histrico de Boa Vista do Ramos.......................................................................... 55
4.1.5 Histrico de Nhamund......................................................................................... 56
4.2 Realidade lingustica e educacional dos ndios surdos encontrados na etnia
Sater-Maw............................................................................................................
59
4.3 Inventrio de gestos da linguagem caseira dos surdos Sater-Maw...................... 66
4.3.1 Os sinais caseiros dos indgenas surdos Sater-Maw......................................... 66
4.3.2 Municpio de Parintins........................................................................................... 66
4.3.2.1 O primeiro surdo................................................................................................ 67
4.3.2.2 O segundo surdo................................................................................................. 67
4.3.2.3 O terceiro surdo.................................................................................................. 68
4.4 O indgena surdo da comunidade de Ponta Alegre do Municpio de Barreirinha.......... 70
4.5 Os indgenas surdos do Municpio de Maus........................................................... 73
4.5.1 O primeiro surdo da Comunidade de Santa Maria................................................ 75
4.5.2 O segundo surdo da Comunidade de Santa Maria ............................................... 79
5 ICONICIDADE E ARBITRARIEDADE NA CRIAO DOS SINAIS
CASEIROS..................................................................................................................
83
6 INTERVENO E CONTRIBUIO LINGUSTICA DO PROFESSOR
SURDO........................................................................................................................
90
6.1 Libras e Lngua Sater-Maw: intercmbio de construo sociocultural-
lingustico.................................................................................................................
94
CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................... 97
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 99
ANEXOS
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Croqui da rea e localidade da pesquisa.
FIGURA 2: Sinais caseiros utilizado pela criana de 5 anos.
FIGURA 3: Sinais caseiros utilizados pelo aluno da comunidade de Ponta Alegre
Barreirinha.
FIGURA 4: Sinais caseiros utilizados pelo surdo mais novo na comunidade de Santa
Maria (30 sinais coletados).
FIGURA 5: Sinais caseiros utilizados pelo surdo idoso na comunidade de Santa Maria.
FIGURA 6: Caractersticas da imagem em Libras dos objetos que se refere
arbitrariedade.
FIGURA 7: Caractersticas da imagem em Libras dos objetos aos quais se referem a
iconicidade.
FIGURA 8: Caractersticas da imagem em Lngua de Sinais Sater-Maw dos objetos
aos quais se referem iconicidade.
FIGURA 9: Encontro da criana surda Sater-Maw com o professor surdo.
FIGURA 10: Contato com aluno Sater-Maw surdo no ambiente escolar.
FIGURA 11: Contato com o aluno surdo Sater-Maw na Escola Estadual Brando de
Amorim.
FIGURA 12: Em viagem para rea indgena no Rio Marau.
FIGURA 13: Apresentao do projeto de pesquisa s lideranas indgenas na
comunidade.
FIGURA 14: Desenvolvimento de oficina de Libras com professores indgenas.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Mapeamento da existncia de ndios surdos nas respectivas comunidades
indgenas ou zona urbana da microrregio de Parintins...............................
Tabela 2: 11 Sinais caseiros utilizados pela criana indgena surda de 5 anos e seus
familiares......................................................................................................
Tabela 3: 13 Sinais caseiros coletados e utilizados pelo aluno da comunidade de
Ponta Alegre ................................................................................................
Tabela 4: Sinais caseiros utilizados pelo surdo mais novo na comunidade de Santa
Maria.............................................................................................................
Tabela 5: Sinais caseiros utilizados pelo surdo mais antigo residente isolado na
comunidade de Santa Maria no Rio Marau ( 18 sinais coletados)...............
56
66
69
73
77
13
INTRODUO
Todo cidado tem o direito de participar na vida poltica, social e econmica de um
pas. Neste contexto, inclui-se o cidado surdo. Infelizmente, a histria relata que no passado,
os sujeitos surdos1 eram colocados s margens da sociedade em todos seus aspectos, social,
poltico, econmico, cultural, lingustico e educacional.
Entretanto, ao longo da histria os surdos com a participao de ouvintes na luta
incessante pelos seus direitos, muitas conquistas foram alcanadas. Entre estas est o direito
de ter sua prpria lngua, a Lngua Brasileira de Sinais-LIBRAS. A Lei n 10.436 de 2002 a
qual a reconhece como sistema lingustico de natureza visual-motora, com estrutura
gramatical prpria, constituindo-se um sistema lingustico de transmisso de ideias e fatos,
oriundos da comunidade de pessoas surdas do Brasil. Conforme S (2006), no Brasil, as
comunidades urbanas usam a lngua de sinais brasileira ou simplesmente lngua de sinais.
Vale ressaltar, que a Lngua de Sinais, segundo Strobel (2008), um aspecto
fundamental da cultura surda2, parte do artefato cultural lingustico
3 do povo surdo e constitui
1 Na rea de pesquisa vinculada a perspectiva socioantropolgica, existe uma clara diferenciao entre a opo
de escrever surdo com letra minscula ou maiscula, conforme explica Andreis-Witkoski (2011): apesar de
nas ltimas dcadas ter sido estabelecido uma distino entre a expresso Surdo, com letra maiscula, para
identificar uma categoria cultural e surdo, com minscula, em referncia a deficincia auditiva, nesta Tese no
se utiliza este tipo de marcao. Compartilha-se da concepo exposta por Owen Wrigley (1996, p.53) quando
adverte que esta diferenciao constitui-se em: um dualismo rgido-bom Surdo, mau surdo que pouco faz para
ajudar os indivduos em suas vidas dirias [sem] ajudar a clarear um alcance maior de estratgias colocadas pelos
indivduos lidando com a excluso e as muitas faces da opresso em suas rotinas. Em termos simples, a
dicotomia de S/s est to cruelmente composta que, embora inicialmente seja til, ela agora serve para silenciar
o alcance total das experincias dos s/Surdos (2011, p.13). Logo, opta-se nesta dissertao o uso da expresso
surdo (minscula) que refere-se aos surdo enquanto pessoas que, pela impossibilidades, formam uma
minoria diferente, com caractersticas lingusticas cognitivas, culturais e comunitrias especficas. (S, 2006,
p.107). 2 Cultura Surda o jeito de o surdo entender o mundo e de modific-lo a fim de se torn-lo acessvel e habitvel
ajustando-os com as suas percepes visuais, que contribuem para a definio das identidades surdas e das
almas das comunidades surdas . Isto significa que abrange a lngua, as idias, as crenas, os costumes e os
hbitos de povo (STROBEL,2008, p. 24). 3Conforme Strobel, (2008, p.37) o que seriam artefatos culturais lingusticos? Ao referirmos artefato
pensamos habitualmente no significado de objetos ou materiais produzidos pelos grupos culturais. Realmente de
fato uma forma material de expressar uma determinada cultura, porm tambm podem incluir tudo o que se
v e sente quando se est em contato com a cultura de uma comunidade, a exemplo: vesturios, tradies,
crenas, valores e normas etc. Ou seja, no campo dos Estudos Culturais, o conceito de artefatos no se referem
apenas a materialismo culturais, como tambm naquilo que na cultura constitui produes do sujeito que tem seu
prprio modo de ser, ver, entender e transformar o mundo. Logo, um dos artefatos culturais que ilustram a
cultura do povo surdo o lingustico, a lngua de sinais que um aspecto fundamental da cultura surda, sendo
uma das principais marcas da identidade surda.
14
uma das principais marcas da identidade do ser surdo. Incluem-se, tambm, os sinais
emergentes ou sinais caseiros dos sujeitos surdos, isolados de comunidades surdas, no caso
dos surdos das zonas rurais e dos surdos ndios. Estes surdos, embora no pertenam s
mesmas comunidades, se identificam com o povo surdo4, pois compartilham as mesmas
peculiaridades, constroem sua formao de mundo por meio de artefato cultural visual5,
independentemente do grau lingustico que possuem, os quais podem ser os gestos caseiros,
denominados tambm como sinais emergentes. Nesta perspectiva terica scioantropolgica,
enfoca-se como o objeto da pesquisa o sujeito surdo indgena, ou seja, o ndio surdo.
Antes de prosseguir com a abordagem mencionada, faz-se necessrio destacar que,
assim como, o povo surdo, o povo indgena, tambm, traou diversas lutas na trajetria para
reconhecimento dos seus direitos. O reconhecimento dos direitos dos povos indgenas no
mundo contemporneo avanou muito em relao h algumas dcadas passadas. De acordo
com Lucinda (apud, S, 2006), em consenso geral nos debates da Comisso Educao,
Cultura e Desporto, que antecedem a elaborao do texto da Constituio da Repblica
Federativa do Brasil de 1988, tanto a lngua de sinais como as lnguas indgenas deveriam ser
consideradas no texto da Constituio como lnguas maternas. Assim, como resultado o
Referencial Curricular Nacional para Escolas Indgenas (1998, p.31) declara que A
Constituio Federal, alm de perceber o ndio como pessoa, com direitos e deveres como
qualquer outro cidado brasileiro, o reconhece como membro de uma comunidade e de um
grupo; isto : como membro de uma coletividade que titular de direitos coletivos e
especiais. Ou seja, reconhece para os ndios o direito prtica de suas formas culturais
prprias. E no ttulo VIII Da Ordem Social contm um captulo denominado Dos ndios,
onde se diz que so reconhecidos aos ndios a sua organizao social, costumes, lnguas,
crenas e tradies [...]. (ibid., p.31)
Em meio a essa diversidade lingustica, que caracteriza o Brasil como sendo um pas
plurilngue, esto situados os surdos brasileiros que tm sua prpria lngua reconhecida
oficialmente: a Lngua de Sinais. Logo, existem tambm ndios surdos da etnia Sater-
4Quando referimos povo surdo, estamos falando de sujeitos surdos que no habitam no mesmo local, mas
que esto ligados por uma origem, por um cdigo de tico de formao visual, independente do grau de evoluo
lingustica, tais como a lngua de sinais, a cultura surda e quaisquer outros laos. (ibid, p.30). 5Perlin e Miranda (2003) complementam, Experincia visual significa a utilizao visual, em (substituio total
audio), como meio de comunicao. Desta experincia visual surge a cultura surda representada pela lngua
de sinais, pelo modo diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes, no
conhecimento cientfico e acadmico. (apud STROBEL, 2008, p.39).
15
Maw? Qual sua forma de se comunicar? Existe uma Lngua de Sinais especifica do ndio
surdo?
Diante das questes levantadas, surgiu ento necessidade de realizar uma pesquisa
no campo da lingustica na perspectiva dos estudos surdos6, voltado especificamente para o
ndio surdo da etnia Sater-Maw. Foram traados os seguintes objetivos: i) mapear os ndios
surdos na microrregio de Parintins; ii) identificar de que forma o ndio surdo estabelece a
comunicao com sua comunidade, especificamente no mbito educacional, ou se utilizam
lnguas de sinais da comunidade local; iii) registrar a forma de comunicao no dia a dia do
ndio surdo nas comunidades indgenas a partir dos estudos lingusticos da Lngua de Sinais
dos grupos existentes e sua relao com a comunidade local; iv) promover o intercmbio entre
a Lngua de Sinais dos ndios surdos mapeados da etnia Sater-Maw e a LIBRAS da
comunidade surda do Municpio de Parintins - Amazonas.
Este trabalho contm a seguinte diviso: primeiro captulo - apresenta consideraes
lingusticas fundamentais aos estudos surdos, onde explicita o reconhecimento da Lngua de
Sinais como elemento cultural lingustico do povo surdo, abordando, tambm, a oficializao
da Lngua Brasileira de Sinais e as Lnguas Indgenas pesquisadas no Brasil como a realidade
do contexto escolar lingustico na comunidade indgena; segundo captulo - relata a histria
do povo indgena Sater-Maw, sua principal expresso cultural, sua lngua e seu respectivo
contexto educacional escolar; terceiro captulo - apresenta os procedimentos metodolgicos
utilizados na operacionalizao da pesquisa; e o captulo quatro - apresenta a anlise do
resultado do Mapeamento dos ndios surdos da etnia Sater-Maw na microrregio de
Parintins. Neste so tambm apresentadas as relaes socioculturais-lingusticas de ndios
surdos Sater-Maw com as contribuies lingusticas do professor surdo aos ndios surdos na
comunidade Sater-Maw, estabelecendo, assim, as relaes culturais na construo da
comunicao lingustica LIBRAS e Lngua Sater-Maw como um intercmbio de construo
sociocultural.
Desse modo, a pesquisa tem como premissa bsica primeiramente mapear os ndios
surdos da etnia Sater-Maw e assim promover um intercmbio, oferecendo contribuies
lingusticas fundamentadas na pesquisa do lxico (vocabulrio) da etnia referida com a Libras
(Lngua Brasileira de Sinais) e a Lngua Portuguesa por meio da elaborao de um
6 Conforme Skliar o campo de pesquisa em educao, onde as identidades, a lnguas, a histria, a cultura da
comunidade surda, so focalizados e entendidos a partir da diferena, a partir do seu reconhecimento poltico.
(2001,p.29).
16
minidicionrio trilngue. Assim, espera-se contribuir para a iniciao dos indgenas surdos da
etnia Sater-Maw, na Lngua Brasileira de Sinais, dando a eles um dos direitos universais do
ser humano que direito a uma lngua. Tambm deseja-se contribuir para a iniciao dos
indgenas surdos da etnia Sater-Maw, na Lngua Brasileira de Sinais, dando a eles um dos
direitos universais do ser humano que direito a uma lngua prpria.
17
1 CONSIDERAES DOS ESTUDOS LINGUSTICOS DA LNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
A Lingustica, conhecida hoje como a cincia que estuda a linguagem humana, uma
cincia recente, porm com um saber antigo. Passou a se impor como cincia medida que
demonstrou seu mtodo e seu objeto de estudo. definida como estudo cientfico que visa
descrever ou explicar a linguagem verbal humana (ORLANDI, 1999).
A Lingustica, diferencia-se da gramtica tradicional normativa na medida que no
tem como objetivo ditar regras de correo para uso da linguagem. Seu interesse a lngua
como matria de reflexo (QUADROS e KARNOPP, 2004). Segundo as pesquisas nesta
rea, Vandresen (1988 apud QUADROS, 2007, p. 83), tem-se a lingustica contrastiva como
uma subrea da lingustica geral, interessada em apontar as similaridades e diferenas
estruturais entre a lngua materna (de um grupo de alunos) e uma lngua estrangeira.
Na taxonomia de similaridades e contrastes entre as lnguas existe uma srie de
regularidades como: h similaridades comportamentais que no precisam ser explicitadas
porque constituem a base comum das lnguas naturais e o compartilhamento dessas
similaridades poder servir como base para inferncias quanto s formas da lngua estrangeira
e quanto s diferenas, por serem sistemticas, podem admitir tratamento inferencial e
heurstico (KATO, 1988, apud QUADROS, 2007).
Segundo Nascimento (2009), a vitalidade da lngua depende de sua utilizao efetiva,
tanto em escala nacional, quanto em escala mundial. Quanto mais uma lngua utilizada, mais
ela viva e, inversamente, quanto menos utilizada, mais ela ameaada de extino. Assim
sendo, o uso social da lngua que determina seu grau de revitalizao.
Por essas razes, a Declarao Universal dos Direitos Lingusticos (BARCELONA,
1996, p. 3) tem como ponto de partida:
[...] as comunidades lingusticas e no os Estados, e inscreve-se no quadro do
reforo das instituies internacionais capazes de garantir um desenvolvimento
duradouro e equitativo para toda a humanidade, e tem como finalidade favorecer um
quadro de organizao poltica da diversidade lingustica baseado no respeito, na
convivncia e nos benefcios recprocos.
Em seu TITULO PRVIO, tem como conceitos:
18
Artigo 1.
1. Esta Declarao entende por comunidade lingustica toda a sociedade humana
que, radicada historicamente num determinado espao territorial, reconhecido ou
no, se identifica como povo e desenvolveu uma lngua comum como meio de
comunicao natural e de coeso cultural entre os seus membros. A denominao
lngua prpria de um territrio refere-se ao idioma da comunidade historicamente
estabelecida neste espao. [grifo nosso].
2. Esta Declarao parte do princpio de que os direitos lingusticos so
simultaneamente individuais e colectivos, e adapta como referncia da plenitude dos
direitos lingusticos, o caso de uma comunidade lingustica histrica no respectivo
espao territorial, entendendo-se este no apenas como a rea geogrfica onde esta
comunidade vive, mas tambm como um espao social e funcional indispensvel ao
pleno desenvolvimento da lngua. com base nesta premissa que se podem
estabelecer, em termos de uma progresso ou continuidade, os direitos que
correspondem aos grupos lingusticos mencionados no ponto 5 deste artigo e os das
pessoas que vivem fora do territrio da sua comunidade. [...]
Em referncia ao Artigo 3.
- o direito ao ensino da prpria lngua e da prpria cultura;
- o direito a dispor de servios culturais;
- o direito a uma presena equitativa da lngua e da cultura do grupo nos meios de
comunicao;
- o direito a serem atendidos na sua lngua nos organismos oficiais e nas relaes
socioeconomicas. [...]
Em referncia ao Artigo 5.
Esta Declarao baseia-se no princpio de que os direitos de todas as comunidades
lingusticas so iguais e independentes do seu estatuto jurdico ou poltico como
lnguas oficiais, regionais ou minoritrias. Designaes tais como lngua regional ou
minoritria no so usadas neste texto porque, apesar de em certos casos o
reconhecimento como lngua minoritria ou regional poder facilitar o exerccio de
determinados direitos, a utilizao destes e doutros adjetivos serve frequentemente
para restringir os direitos de uma comunidade lingustica. [...].
Em referncia ao Artigo 23.
1. O ensino deve contribuir para fomentar a capacidade de auto-expresso
lingustica e cultural da comunidade lingustica do territrio onde
ministrado.[grifo nosso].
2. O ensino deve contribuir para a manuteno e o desenvolvimento da lngua falada
pela comunidade lingustica do territrio onde ministrado.
3. O ensino deve estar sempre ao servio da diversidade lingustica e cultural, e das
relaes harmoniosas entre as diferentes comunidades lingusticas do mundo inteiro.
4. No quadro dos princpios anteriores, todos tm direito a aprender qualquer lngua.
Em referncia aos Artigos 26. a 28. : Artigo 26.
Todas as comunidades lingusticas tm direito a um ensino que permita a todos os
seus membros adquirirem o perfeito conhecimento da sua prpria lngua, com as
diversas capacidades relativas a todos os domnios de uso da lngua habituais, bem
como o melhor conhecimento possvel de qualquer outra lngua que desejem
aprender.
Artigo 27.
Todas as comunidades lingusticas tm direito a um ensino que permita aos seus
membros o conhecimento das lnguas ligadas sua prpria tradio cultural, tais
como as lnguas literrias ou sagradas, usadas antigamente como lnguas habituais
da sua comunidade.
Artigo 28.
Todas as comunidades lingusticas tm direito a um ensino que permita aos seus
membros adquirirem um conhecimento profundo do seu patrimnio cultural (hist-
ria e geografia, literatura e outras manifestaes da prpria cultura), assim como o
melhor conhecimento possvel de qualquer outra cultura que desejem conhecer.
(BARCELONA, 1996, p. 4 a 14).
19
Assim, nas Disposies Finais, no Plenrio da Associao Internacional para o
Desenvolvimento da Comunicao Intercultural recomenda s Naes Unidas que tomem as
medidas necessrias adopo e aplicao de uma Declarao Universal dos Direitos
Lingusticos, considerando a Conveno nmero 169 da Organizao Internacional do
Trabalho, de 26 de Junho de 1989, relativa aos povos indgenas em pases independentes que
a Declarao Universal dos Direitos Colectivos dos Povos, realizada em Maio de 1990 em
Barcelona, declara que todos os povos tm direito a exprimir e a desenvolver a sua cultura, a
sua lngua e as suas normas de organizao e, para o fazerem, a dotarem-se de estruturas
polticas, educacionais, de comunicao e de administrao pblica prprias, em quadros
polticos diferentes. Considerando, tambm a Declarao Final da Assembleia Geral da
Federao Internacional de Professores de Lnguas Vivas, aprovada em Pcs (Hungria) em 16
de Agosto de 1991, recomenda-se, tambm que os direitos lingusticos sejam consagrados
direitos fundamentais.
Neste contexto, Nascimento (2009, p. 25) pontua:
Como princpio tico, qualquer poltica de lnguas dever trabalhar a unidade e a
diversidade. No se trata de plos de contradio, mas de eixos de transio. A
unidade uma razo do Estado e a diversidade ou variedade a matria lingustica
prpria da comunidade, pois reflete a lngua em uso, ou seja, as linguagens verbais,
por meio das quais os indivduos se comunicam. A unidade resguardada pelo
padro oficializado em um modelo de gramtica, e a variedade se faz representar nas
diversas gramticas prticas e pragmticas de um Estado lingustico.
Quadros e Karnopp (2004) ainda explicam que a lingustica parte de pressupostos
bsicos que determinam as investigaes. Sendo um dos mais importantes de que a
linguagem restringida por determinados princpios, ou seja, regras que fazem parte do
conhecimento humano das lnguas (falada ou sinalizada), da formao de palavras, da
construo das sentenas e da construo dos textos. A partir deste pressuposto da
universalidade de tais princpios, as investigaes lingusticas objetivam estudar os aspectos
especficos de cada lngua, os quais revelam as caractersticas da linguagem humana. A
exemplo, o ingls, o portugus, a Lngua de Sinais Americana, a Lngua Brasileira de Sinais
e outras. Embora, apresentem diferenas entre as lnguas, s estruturas so comuns, que por
sua vez interessam s investigaes lingusticas, na medida em que a cincia que objetiva
por explicar a natureza da linguagem humana.
A partir dessas concepes, entendemos que os seres humanos estabelecem relaes
do mais simples ao mais complexo com o outro, por meio de gestos, olhares e contato, seja
por meio de sons. Tudo isso caracteriza a linguagem humana. Observa-se que a linguagem
20
um termo usado pelas pessoas com referncia linguagem em geral, ou seja, em uma
variedade de sentidos para denominar sistemas de comunicao: linguagem musical,
linguagem corporal, linguagem entre animais etc.
No que concerne definio do termo lngua, Quadros e Karnopp (2004) encontraram
uma srie de definies de lngua que apontam para sua diferenciao em relao ao termo
linguagem. Estas fornecem subsdios para a indicao de propriedades consideradas pela
lingustica essenciais s lnguas naturais, sendo que uma delas dada por Saussure, que
afirma;
Lngua no se confunde com a linguagem: somente uma parte determinada,
essencial dela, indubitavelmente. , ao mesmo tempo, um produto social da
faculdade de linguagem e um conjunto de convenes necessrias, adotadas pelo
corpo social para permitir o exerccio dessa faculdade nos indivduos. (QUADROS e
KARNOPP, 2004, p.24).
Portanto, entende-se, como lngua natural,
uma lngua que foi criada e utilizada por uma comunidade especfica de usurios,
transmitida de gerao a gerao, e que muda tanto estrutural como
funcionalmente com o passar do tempo. Ora, qualquer lngua pode ser considerada
natural independentemente da modalidade que utilize. (S, 2006, p. 134).
Assim, a lngua natural tratada enquanto sistema lingustico altamente desenvolvido,
apresentando as caractersticas citadas por Quadros e Karnopp (2004, p. 25-28) de:
flexibilidade, versatilidade, arbitrariedade, descontinuidade, criatividade, produtividade, dupla
articulao, padro de organizao dos elementos, e dependncia estrutural. Logo, conclui-se
que tais caractersticas so especficas da faculdade da linguagem humana.
1.1 Lngua de Sinais como Lngua Natural
A Lngua de Sinais uma lngua natural, criada pelas comunidades surdas. Segundo
Skliar (1998, p.26) Todas as crianas surdas podem adquirir a Lngua de Sinais, desde que
participem das interaes quotidianas com a comunidade surda como acontece com qualquer
outra criana na aquisio de uma lngua natural. Skliar, esclarece que lngua natural no
se refere a uma espontaneidade biolgica, mas como lngua que foi criada e utilizada por
uma comunidade especfica de usurios que transmite de gerao em gerao e que muda com
o passar do tempo tanto estruturalmente como funcionalmente. (IDEM, p.27).
As Lnguas de Sinais so diferentes em cada comunidade, com caractersticas das
lnguas orais, com estruturas gramaticais prprias que as distingue dos demais sistemas de
21
comunicao. Para Quadros e Karnopp (2004, p. 30) As lnguas de sinais so, portanto
consideradas pela lingustica como lnguas naturais ou como um sistema lingustico legtimo e
no como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem.7
Para o reconhecimento das Lnguas de Sinais como lnguas naturais, Ramos (2013, p.
8) destaca o conceito natural em oposio a cdigo e linguagem, e a avaliao apresenta
as semelhanas existentes entre as mesmas e as lnguas orais. Sendo que uma dessas
semelhanas, na linha saussuriana, a existncia de unidades mnimas formadoras de
unidades complexas, pode ser observada em todas as Lnguas de Sinais espalhadas pelo
mundo, possuidoras dos nveis fonolgico, morfolgico, sinttico, semntico e pragmtico.
As lnguas de sinais apresentam registros diversos (por categoria profissional, status social,
idade, nvel escolar etc.), alm de dialetos regionais, tambm referendam as semelhanas com
as lnguas orais. (IDEM, p. 8).
Estudos aprofundados sobre a Lngua de Sinais iniciaram a partir da dcada de 1950
com o estudioso da lingustica, o americano William Stokoe, o qual percebeu e provou que a
Lngua de Sinais,
[...] satisfazia todos os critrios lingusticos de uma lngua genuna, no lxico, na
sintaxe, na capacidade de gerar um nmero infinito de proposies [...] Stokoe
convenceu-se de que os sinais no eram figuras, e sim complexos smbolos abstratos
com uma estrutura interna complexa. Foi ento, o primeiro a buscar uma estrutura, a
analisar os sinais, dissec-los, procurar as partes constituintes. Desde o comeo ele
tentou demonstrar que cada sinal possua pelo menos trs partes independentes
7 Sobre a surdez, temos duas abordagens, segundo explica Skliar, a clnico teraputica e a scio-antropolgica.
A viso scioantropolgica descreve a surdez em termos contrrios s noes de patologia e de deficincia
(1998, p.10). Durante o sculo passado construi-se o imaginrio de que o surdo era um deficiente que
necessitava falar. Segundo Casarin (1996, p.2) Nesse discurso, dficit, doena, patologia, anomalia, implicam
apenas a possibilidade de seqncia diagnstico tratamento-cura, caractersticas da abordagem mdica [...]. Tal
concepo influnciou outras reas do conhecimento, inclusive na educao sobre a forma de perceber o surdo.
Cesarian, ainda explica que a partir da foram assimilando o imaginrio de que a surdez era uma doena e que o
surdo, por no falar, era um deficiente que precisava ser curado, construindo entre as reas de tratamento um
modelo teraputico para o deficiente auditivo. Aps as influncias da medicina na educao dos surdos, o
modelo clinco-teraputico passa a impor propostas educativas do oralismo, dando continuidade agora na rea
educacional, ao tratamento do deficiente o mais cedo possivel, na escola, a fim que ele se enquadre ao modelo
normal, modelo ouvinte. Logo, as escolas, apresentavam como instituies de reeducao da fala, desenvolvendo
atividades pedaggicas que tinham como objetivo o treinamento e exerccios com fins a trazer o surdo o mais
possvel do normal. Perde-se, assim muito tempo no processo de ensino aprendizado do sujeito surdo, levando
a um fracasso escolar. Surge, ento a nova concepo nomeada como scio-antropolgica de surdez, totalmente
oposta anterior. Essa concepo parte das capacidades do sujeito, quando considera a lngua de sinais como
melhor garantia para o desenvolvimento normal do surdo. Esta nova concepo traz a valorizao da lingua de
sinais e, como consequncia, o reconhecimento das especificidade culturais das comunidades surdas. Estudos
feitos por lingusticas, observaram o desempenho escolar de pessoas surdas que se comunicam desde a infncia
por meio da Lngua de Sinais e que demostraram ganhos significativos em divesas reas do desenvolvimento
humano. Deixando, claro a necessidade do uso da Lngua de Sinais, como lngua natural da pessoa surda. (1996,
p. 3).
22
localizao, configurao das mos e movimento executado (anloga aos fonemas
da fala) e que cada parte apresentava um nmero limitado de combinaes [...].
(SACKS, 1998, p. 88-89).
Segundo Ramos (2013, p. 9), em 1988, o venezuelano Snchez fez pesquisas sobre as
lnguas de sinais e os resultados apresentou ao educador francs Jean Foucambert. No debate
sobre suas pesquisas, surgiu proposta de um tipo de educao que privilegiasse a lngua
natural da comunidade surda - a Lngua de Sinais Venezuelana, e a escrita da lngua da
comunidade oral o Espanhol. Um dos primeiros princpios que lanou a base para a que a
lngua de sinais fosse reconhecida como lngua natural foi descrita por Foucambert (RAMOS,
2013, p. 10).
No s os surdos, mas toda e qualquer criana pode aprender a lngua escrita sem
basear-se na oral, porque so independentes. Em segundo lugar, chegou-se
afirmao de que a lngua de sinais uma lngua natural e que os surdos so uma
comunidade lingustica minoritria, com direito a desenvolver sua cultura prpria
dentro da cultura majoritria. O fato de a Lngua de Sinais cumprir uma srie de
requisitos que todas as lnguas naturais possuem - espanhol, portugus, alemo,
ingls, polons..., a criatividade um deles -, pode-se sempre dizer alguma coisa
nova. Outro requisito a combinao de partculas no significativas que, usadas de
certa maneira, criam significao. [...]. Com 30, 40 configuraes da mo, podem-se
transmitir milhares de sinais significativos, como os fonemas da lngua oral. A
lngua de sinais, que, como as lnguas nacionais, diferente em cada pas e at em
regies dos pases, possui alm do mais uma gramtica toda prpria, organizada e
complexa, e nos permite transmitir qualquer coisa [...]. Com ela pode-se transmitir,
criar e recriar o que se quiser: poesia, romance, filosofia... E pode-se at formular,
idias com duplo sentido, ou mentir, que outra caracterstica das lnguas naturais.
Por meio das pesquisas e estudos, diversos pases passaram a se dedicar no campo da
lingustica da Lngua de Sinais que criou-se a possibilidade do povo surdo lutar pelo seu
reconhecimento enquanto lngua, na medida em que pode contar com estudos que provam
cientificamente de que as Lnguas de Sinais so de fato lnguas e no um conjunto de
mmica.
1.2 Lngua Brasileira de Sinais
O ser humano se expressa atravs da lngua e a partir dela estabelece sua cultura,
valores e padres sociais. Para os surdos brasileiros, a Libras estabelece essas condies, pois
considera a modalidade visual-espacial e associa caractersticas sociolingusticas, as funes
pragmticas e discursivas semelhantes s lnguas orais, porm, a Lngua de Sinais por muito
tempo no foi percebida enquanto estrutura lingustica.
23
A LIBRAS, como toda Lngua de Sinais, uma lngua de modalidade gestual-visual
uma vez que faz uso para a comunicao de movimentos gestuais e expresses faciais
percebidos pela viso. Neste sentido, a Revista Feneis Ramos (2002 apud RAMOS, 2013, p.
7-8), a Lngua Portuguesa uma lngua de modalidade oral-auditiva por utilizar, como canal
ou meio de comunicao, sons articulados que so percebidos pelos ouvidos. Suas diferenas
esto na utilizao de canais diferentes e nas estruturas gramaticais de cada lngua.
Para Campello (2009), historicamente os primeiros estudos da Lngua de Sinais
apareceram no sculo XIV, exatamente nos anos de 1644 pelo ingls Bulwer J. B. com o livro
de Lngua de Sinais Inglesa Chirologia8: on the natural language of the hand com os estudos
destacando as figuras das mos e seus significados. Menciona, tambm, que era recompensa
de natureza que os surdos devam se comunicar atravs dos gestos e acreditava firmemente na
necessidade que opera a Natureza dos homens que nascem Surdos-Mudos, que podem
discutir, mostrar, sinalizar retoricamente por sinais. (p. 13).
Em 1960, W. C. Stokoe, pesquisador ingls da Gallaudet University fez uma pesquisa
entre as gramticas utilizadas pelos surdos em sala de aula e fora dela e os resultados foram
publicados no artigo Sign Language Structure: na outline of the visual communication system
of the American Deaf, na revista Studies in Linguistics, Occassional Papers 8. (CAMPELLO,
2009). E a partir destes estudos que Stokoe afirma que a Lngua de Sinais lngua.
Stokoe (1960), percebeu e comprovou que a lngua de sinais atendia a todos os
critrios lingusticos de uma lngua genuna, no lxico, na sintaxe e na capacidade de
gerar uma quantidade infinita de setenas. Stokoe observou que os sinais no eram
imagens, mas smbolos abstratos complexos, com uma complexa estrutura interior
[...]. Comprovou, inicialmente, inicialmente, que cada sinal apresentava pelo menos
trs partes independentes (em analogia com os fonemas da fala) a localizao, a
configurao de mos e o movimento e que cada parte possua um nmero
limitado de combinaes [...] (QUADROS E KARNOPP, 2004, p. 30-31).
Os estudos do lingusta representou o primeiro passo para outras pesquisas em relao
a Lngua de Sinais. Em diversos pases pesquisas foram realizadas. O Brasil, foi um deles.
No Brasil no final dos anos de 1970, a proposta da educao bilngue reconhece a
Libras como lngua natural, portanto, deve ser ensinada como primeira lngua desde o incio
da escolarizao da criana surda e a comunidade surda reconhece o portugus como a lngua
oficial do Brasil e deve ser ensinada como segunda lngua na forma oral ou escrita.
(SLOMSKI, 2010).
8 Bulwer (1644) em seu livro esclarece que a quirologia um dicionrio de gestos manuais e quirema um
manual para o uso efetivo do gesto de falar em pblico.
24
Segundo Quadros (2009, p.144), no entanto, a Lngua de Sinais comeou a ser
investigada efetivamente nas dcadas de 80 e 90 por Ferreira Brito (1986, 1995); Felipe
(1992, 1993) Quadros (1995, 1999) e a aquisio da Lngua Brasileira de Sinais nos anos 90
(Karnopp, (1994, 1999; Quadros, (1995, 1997).
Na dcada de 1980 a 1990, tem-se um panorama mundial para a abordagem bilngue
na educao de surdos. Slomski (2010, p. 61) destaca que em 1994, Lucinda Ferreira Brito
passa a utilizar a abreviao de LIBRAS (Lngua Brasileira de Sinais) criada pela comunidade
surda. Consequentemente, pesquisas, estudos e lutas da comunidade surda contriburam para a
instaurao de uma poltica lingustica da Lngua Brasileira de Sinais. A que reconhece o
estatuto lingustico legal por meio da Lei 10.436 de 24/04/2002:
Art. 1 reconhecida como meio legal de comunicao e expresso a Lngua
Brasileira de Sinais Libras e outros recursos de expresso e por ela associados.
Pargrafo nico. Entende-se como Lngua Brasileira de Sinais Libras a forma e
comunicao e expresso, em que o sistema lingustico de natureza visual-motora,
com estrutura gramatical prpria, constituem um sistema lingustico de transmisso
de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
[...].(BRASIL, 2007, p. 2).
A Lngua de Sinais, como j mencionado, uma lngua natural composta por de todos
os componentes s lnguas orais, como gramtica, semntica, pragmtica, sintaxe e outros
elementos, preenchendo os requisitos cientficos para ser considerado um sistema lingustico.
Conforme Felipe e Monteiro (2004, p.23) as Lnguas de Sinais so compostas por
signos lingusticos denominados sinais, encontrados nos seguintes parmetros:
Configurao das Mos, Ponto de Articulao, Movimento, Orientao, Expresso Facial e/ou
Corporal. Estes parmetros so requisitos necessrios para que sejam constitudos os sinais.
Portanto, a Lngua de Sinais considerada como lngua natural do sujeito surdo,
como sua primeira lngua-L1. J a lngua majoritria de um pas, no caso do Brasil, a
Lngua Portuguesa como L2. Partindo do pressuposto que a Lngua de Sinais a primeira
lngua do surdo, a aquisio da primeira lngua pelas crianas surdas deve se dar de forma
natural no contato com surdos sinalizados pertencentes comunidade surda. A Lngua
Portuguesa, por sua vez, aprendida de forma sistemtica, ou seja, precisa ser ensinada por
meio de tcnicas especficas de ensino de segunda lngua.
A partir desta compreenso, as crianas surdas precisam ter a oportunidade do contato
com seus pares. Crianas surdas que no tm um convvio com surdos, por terem nascido
dentro de familias ouvintes que usam a lngua oral, precisam que os pais, familiares
25
oportunizem a elas o mundo essencialmente visual-espacial para conhecer a Lngua de
Sinais. Sobre a questo Quadros (2005, p.30) afirma:
As crianas surdas e seus pais ouvintes poderiam compartilhar o bilinguismo: lngua
portuguesa e lngua de sinais brasileira e ir alm, descobrindo os vieses das culturas
e identidade que se entrecruzam [...]. Assim, as crianas surdas precisam ter acesso
lngua de sinais com sinalizantes fluentes desta lngua muito cedo. Estes
sinalizantes so pessoas que, normalmente, no fazem parte do crculo de pessoas
que a criana usualmente teria contato. Os pais tero que conhecer comunidade
surda que usa esta lngua.
Nesta perspectiva, Souza (apud QUADROS, 2005) menciona que se no incio do seu
desenvolvimento a criana surda tiver a chance de contar com pais dispostos a aprenderem a
lngua de sinais com adultos surdos, colegas surdos, e conversarem sinalizando, a
dimenso do seu processo educacional ser outra. A aquisio da lngua ser transferida para
o espao escolar. O fato de passar a ter contato com a lngua portuguesa com significado
trazendo seus conceitos adquiridos na sua prpria lngua, possibilitar um processo muito
mais significativo. (ibid., p.33).
Por isso, de importncia fundamental a criana surda esteja em contato lingustico
com a lngua de sinais o mais cedo possvel, seja com a comunidade surda ou com seus pais
ouvintes que adquiriram a Lngua de Sinais como L2. Estes fatores iro influenciar a criana
estabelecer a sua identidade e cultura surda naturalmente. Neste sentido, Fantinel (1999, p.2)
menciona que o uso da Lngua de Sinais uma condio fundamental na construo da
identidade dessas pessoas, pois o fator que os aproxima e rene em grupos, permitindo-lhes
expressarem-se construindo significados para a vida.
A Lngua de Sinais, portanto um aspecto fundamental da cultura surda. Para tanto,
Strobel (2008, p.44) ainda enfatiza que, para que o sujeito surdo possa ter acesso s
informaes e conhecimentos, alm de construir sua identidade, fundamental criar uma
ligao com o povo surdo que usa a sua lngua em comum, pois a Lngua de Sinais uma das
principais marcas da identidade de um povo surdo: uma particularidade da cultura surda, uma
forma de comunicao que capta as experincias visuais dos sujeitos surdos. E somente a
partir do uso desta lngua que a criana conseguir seu pleno desenvolvimento cognitivo,
psicolgico, emocional e cultural; proporcionando, assim, a aquisio do conhecimento
universal.
Desta forma, ao refletirmos sobre a pessoa surda, na construo de sua identidade e
cultura surda, entende-se que o contato lingustico essencial. Logo, o que dizer das pessoas
26
surdas que vivem isoladas de comunidades surdas que no tem esse contato com Lngua de
Sinais? Sobre esta realidade Strobel esclarece que:
No entanto incluem tambm os gestos denominados sinais emergentes ou sinais
caseiros dos sujeitos surdos de zonas rurais ou sujeitos isolados de comunidades
surdas que procuram entender o mundo atravs dos experimentos visuais e que
procuram comunicar apontando e criando sinais [...]. (ibidem, p.44).
Ainda sobre a questo, Vilhalva (2012, p. 30) ressalta que: [...] Os sinais emergentes,
tambm conhecidos como sinais caseiros, so essenciais, quando vistos como comunicao
natural usada em um espao familiar ou social [...]. Nesse caso, podemos referir ao ndio
surdo, que vive isolado do contato com a comunidade surda. Este surdo tambm se identifica
com o povo surdo, apesar de no ter contato e de no pertencer s mesmas comunidades
surdas, na medida em que, de acordo com Strobel (2008), eles compartilham as mesmas
peculiaridades, ou seja, constroem sua formao de mundo atravs de artefato cultural visual.
1.3 Lnguas de Sinais Indgenas pesquisadas no Brasil
Os registros da existncia de ndios surdos segundo Vilhalva (2008) apontam para o
Estatuto do ndio - Lei n. 6.001, de 19/12/1973, que norteou as relaes do Estado brasileiro
com as populaes indgenas at a promulgao da Constituio de 1988, em seu Pargrafo
nico do Art. 1 assegura:
Aos ndios e s comunidades indgenas se estende a proteo das leis do Pas, nos
mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos,
costumes e tradies indgenas, bem como as condies peculiares reconhecidas
nesta Lei.
Neste sentido, no Brasil a lngua oficial a Lngua Portuguesa. Fossile (2013, p. 4)
afirma que o pas conta, atualmente, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica (IBGE), com aproximadamente 210 lnguas, sendo 190 delas indgenas. Essas
lnguas indgenas so consideradas como lnguas minoritrias, sem importncia em relao ao
portugus. No entanto, algumas possuem mais prestgio em relao s outras.
Em relao ao conhecimento da lngua e da diversidade na dinmica scio-cultural das
populaes indgenas deveria haver prioridades para estudos no campo lingustico para
acadmicos e pesquisadores indios. De fato, o conhecimento das lnguas faladas e no
contexto, tem-se essa diversidade para ndios surdos deveria ser compartilhada com a
27
sociedade indgena, de forma que esta possam participar ativamente na elaborao de polticas
e programas que respondam s suas necessidades seus direitos, considerando-se em particular
suas culturas e lnguas.
Segundo Vilhalva (2008) pesquisas no campo da lingustica e de polticas lingusticas
avanaram consideravelmente no Brasil. Tendo, porm ainda uma grande necessidade de
maiores pesquisas, principalmente, referente a diferentes Lnguas de Sinais pertencentes a
diferentes comunidades como as dos povos indgenas. Neste sentido a autora argumenta:
A Lngua de Sinais Indgenas, praticadas pelos ndios surdos existentes em diversas
comunidades indgenas do pas, traz consigo caractersticas culturais e lingusticas
variadas. Infelizmente, raramente so registradas, como so registradas outras lnguas
brasileiras de diferentes comunidades com suas especificidades culturais e tnicas.
(VILHALVA, 2008, p. 29).
Sobre a questo Nonaka coloca que:
desde 1960, quando se iniciaram os estudos lingusticos e antropolgicos em
referncia s Lnguas de Sinais, a maior parte das investigaes tem incidido sobre
as Lnguas de Sinais nacionais ou padro, usadas pelos surdos de diferentes pases,
com escassa ateno s Lnguas de Sinais usadas pelos indgenas em sua
comunicao original. (apud VILHALVA, 2012, p. 30).
Por isso, Vilhalva defende a comunicao dos ndios surdos como objeto de estudo da
lingustica, afirmando que:
[...] Sabemos tambm que a Libras est presente nas terras indgenas
apontando que a influncia acontecer. Sendo assim, consideramos quanto o lxico
das lnguas est no processo de mudanas atravs do neologismo espontneo ou o
emprstimo lingustico de outras lnguas. (ibid., p.37).
Observa-se que os estudos sobre a Libras nas terras indgenas comearam na dcada
de 1980, com pesquisas da brasileira Lucinda Ferreira Brito sobre a Lngua Brasileira de
Sinais. Segundo, Slomski (2010) Lucinda Ferreira Brito iniciou sua pesquisa atravs de um
padro internacional de abreviao das Lnguas de Sinais adotando a sigla LSCB Lngua de
Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros para diferenci-la da LSKB Lngua de Sinais
Kaapor Brasileiros que eram a utilizada pelos ndios do Estado do Maranho.
Diante do panorama exposto, se faz necessrio no campo da lingustica dos estudos
surdos, pesquisas sobre a Lngua de Sinais, usadas pelos ndios surdos nas diferentes
comunidades indgenas para que seja reconhecida e registrada. Infelizmente, somente uma
28
lngua indgena oficialmente reconhecida no Brasil, a Lngua de Sinais Indgena da
comunidade Urubu-Kaapor, devido ao alto ndice de surdos.
1.3.1 Lngua de Sinais Urubu-Kaapor
Os resultados do Censo 2010 (IBGE, 2013) apontam para 274 lnguas indgenas
faladas por indivduos pertencentes a 305 etnias diferentes. Embora haja a necessidade de
estudos lingusticos e antropolgicos mais aprofundados quanto aos nmeros totais de lngua
e etnia.
Dentro desse universo, a nica Lngua de Sinais indgena reconhecida, conforme
referido anteriormente, a utilizada pela etnia indgena brasileira dos Urubu-Kaapor9,
chamados tambm por urubus-caapores. Os estudos sobre essa Lngua de Sinais apontam para
o incio da dcada de 1950.
De acordo com Ribeiro (1996 apud FASSILE, 2013, p. 2).
Em 1950 foi descoberto no Brasil um grupo indgena, atravs de pesquisas
antropolgicas, os Urubu-Kaapor na floresta Amaznica (Maranho), que falava
uma variao da lngua de sinais. Somente a partir da dcada de 1980 estudos
lingusticos relacionados Lngua de Sinais Kaapor Brasileira (LSKB) foram
aprofundados (sobre a LSKB cf. KAKUMASU, J.; KAKUMASU, K., 1977).
Segundo Brito (1993 apud FASSILE, 2013, p. 2), J. Kakumasu defendeu que [...] a
Lngua de Sinais dos Urubu-Kaapor [...] [se constitua como] um veculo de comunicao
intratribal e no como meio de transao comercial. Neste sentido, resgata-se que:
No Brasil, Lucinda Brito inicia seus importantes estudos lingusticos em
1982 sobre a Lngua de Sinais dos ndios Urubu-Kaapor da floresta amaznica
brasileira, aps um ms de convivncia com os mesmos, documentando em filme
sua experincia. A ideia para a pesquisa adveio da leitura de um artigo publicado no
livro de Umiker-Sebeok (1978), de autoria de J. Kakumasu, Urubu Sign Language.
No estudo, a Lngua de Sinais dos Urubu-Kaapor se diferenciaria da PSL por
constituir um veculo de comunicao intratribal e no como meio de transao
comercial. Lucinda Brito, porm, constatou que a mesma se tratava de uma legtima
Lngua de Sinais dos surdos, pelos mesmos criados.
O interessante de se observar, no caso dos Urubu-Kaapor, que os ouvintes da
aldeia falam a Lngua de Sinais e a lngua oral, evidentemente, enquanto que os
surdos se restringem Lngua de Sinais. Assim, os ouvintes da aldeia se tornam
bilngues, enquanto os surdos se mantm monolngues (RAMOS, 2011, p. 6).
9 Disponvel em:. Acesso em: 19/11/2013.
29
A Lngua Kaapor uma lngua da famlia Tupi-Guarani, no falada por outra tribo ou
povo, exceto como segunda lngua. Possuem uma lngua de sinais prpria (a Lngua Brasileira
de Sinais Kaapor), usada tanto pela comunidade surda do povo, como tambm por seus
membros no surdos na comunicao com os surdos.
[...] os Kaapor so linguisticamente peculiares na Amaznia por terem uma
linguagem padro de sinais, usada para a comunicao com os surdos, que at a
metade dos anos 80 compunham cerca de 2% da totalidade de sua populao. A
incidncia de surdez deveu-se evidentemente bouba neonatal e endmica, que foi
erradicada.10
O interessante que a comunidade indgena desenvolveu uma forma prpria de
comunicao por sinais que comeou a ser estudada na dcada de 1960, pelo pesquisador
canadense James Kakumasu em (1968) e em seguida pela linguista brasileira Linguista
Lucinda Ferreira Brito [...] A Lngua de Sinais Brasileira para diferenci-la da LSKB
(Lngua de Sinais Kaapor Brasileira), utilizados pelos ndios Urubu-Kaapor no Estado do
Maranho. (GOLDFELD, 1997, p. 30). A pesquisadora registrou a existncia da Lngua de
Sinais Kaapor em sua pesquisa sobre termos bsicos para cores em Lngua de Sinais.
1.3.2 Lngua de Sinais Emergentes
Vilhalva (2012) se preocupou sobre a situao lingustica dos ndios surdos, trazendo
grandes contribuies cientficas na rea da lingustica, referente s Lnguas de Sinais
Indgenas. Sua pesquisa iniciou em 1991 com ndios surdos na comunidade indgena de So
Marcos.
O estudo dos sinais emergentes que se deseja apresentar objetiva no apenas
recuperar os registros sobre as lnguas padro, mas, tambm e, sobretudo, procurar
realizar um levantamento de como se apresenta atualmente o uso desses sinais
emergentes e at mesmo, da histria da produo desses sinais, para que se possa
fazer o registro cientifico sobre a situao lingustica dos ndios surdos dentro das
escolas indgenas [...]. (VILHALVA, 2012, p.11a).
Souza e Segala (2009, p.28) abordam que a maior parte das lnguas nasceu do
contato entre duas ou mais lnguas ou de uma lngua e sistemas de sinais caseiros (Lngua de
Sinais Primria). Observa-se que sinais caseiros ou Lngua de Sinais Primrios
correspondentes aos gestos ou construo simblica inventadas no mbito familiar; comum
10
Disponvel em:. Acesso em 19/11/2013.
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_de_sinaishttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_de_Sinais_Kaapor_Brasileirahttp://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_de_Sinais_Kaapor_Brasileira
30
a constituio de um sistema convencional de comunicao entre me-ouvinte e criana
surda .
Sobre a origem dos sinais emergentes Vilhalva explica que:
[...] os sinais emergentes foram criados devido a uma necessidade de comunicao,
passando por sinais indicativos, icnicos e arbitrrios. A maneira como cada sinal
surge levam tempo para se entender, principalmente quando os sinais so criados
conforme o neologismo11
. Esses novos sinais passam a fazer parte da comunicao
para depois designar algo consistentemente, como acontece tambm s lnguas
orais-auditivas. (2012, p.137-138).
Desta forma, a autora em sua pesquisa argumenta que os sinais emergentes
considerados em seu estudo como Lngua de Sinais, constituem como o meio de
comunicao primria dos ndios surdos das comunidades indgenas do Mato Grosso do Sul.
Partindo deste achado, Rousseau j mencionava em seus estudos Ensaio sobre a origem das
lnguas que:
O uso e a necessidade ensinam a cada um a lngua de seu pas; mas o que que faz
com que essa lngua seja a de seu prprio pas e no a de um outro? [...] No
momento em que um homem foi reconhecido por um outro como um ser sensvel,
pensante e semelhante a ele, o desejo ou a necessidade de comunicar-lhe os prprios
sentimentos e os prprios pensamentos fez com que procurasse os meios de faz-lo
(2008, p. 97).
Assim, o primeiro contato do ser humano com o outro da mesma espcie. No caso da
me com seu filho. Conforme Sacks (1998, p. 7) comenta que:
[...] a primeira comunicao, geralmente se d entre me e filho e a lngua
adquirida, emerge, entre eles dois. Sendo assim, Os sinais emergentes tambm so
fruto da linguagem num processo visual, usados pelos surdos indgenas e seus
familiares ouvintes na interao com o meio. (VILHALVA, 2012, p. 137).
Vilhalva (2012), ento, percebeu a predominncia dos gestos caseiros criados pelos
prprios surdos, para interagirem com suas famlias e com as pessoas que os rodeiam. Ou
seja, a criana surda que nasce na famlia de ouvinte comea a criar a partir de um meio de
comunicao visual usando todas as formas naturais possveis, desde o apontamento at os
gestos naturais. O uso que destes sinais criados pelas necessidades do ambiente familiar, com
o passar do tempo vo se convencionando a forma de interao dialgica, passando a
transformar-se em um meio de comunicao essencial, resultando, assim no processo
11
So palavras criadas para designar novas situaes, novos conceitos, fatos, objetos etc., sendo que um
neologismo s sentido como tal durante algum tempo, pois, passados anos ou sculos, deixa de ter sentido
como tal, porque a realidade que ele designa j no nova.
31
evolutivo dos sinais familiares para os sinais emergentes para transio para a Lngua de
Sinais, ou seja, arbitrria convencional. Esse processo se d por meio do processo cognitivo,
fundamentada na teoria de Cuxac.
Construo do dizer a partir do processo criativo de performance gestual. Iconizando
da experincia perceptivo-prtica; Rotinas de Transfernciapassagem da ilustrao
especifica para a categorizao genrica. Sinais estabelecidos num grupo reduzido;
categorias e generalizaes dos sinais gestuais. Nasce uma lngua de Sinais, com
todas as propriedades de uma lngua. (apud VILHALVA, 2012, p.138)
Vilhalva (2012) ainda destaca que se observarmos a Lei n. 10.436 de 24 de abril de
2002 vamos verificar que em seu artigo primeiro ficam reconhecidos como meio legal de
comunicao e expresso a Lngua Brasileira de Sinais-Libras e outros recursos de
expresso a ela associados. Nesses outros recursos podem figurar, segundo compreenso
da mesma, os sinais emergentes, produzidos nas comunidades indgenas. Se a Lngua
Brasileira de Sinais uma forma de comunicao e expresso cujo canal de produo e
recepo de natureza visual-motora, com estrutura gramatical prpria, constituindo um
sistema lingustico de transmisso de ideias e fatos oriundos de comunidades de pessoas
surdas no Brasil, conforme est na lei, compreensivo dizer que nada fala sobre um padro de
sinalizao (p.34).
Conclui-se que, conforme pesquisa da autora citada, os estudos dos sinais emergentes
mostraram que este o ponto inicial das novas Lnguas de Sinais que segundo a mesma,
merecem ser aprofundadas.
1.3.2.1 Realidade do contexto educacional escolar do indgena surdo
Vilhalva (2012) destaca que o indivduo surdo s ter um sistema gestual lingustico
organizado no contato do agrupamento comunitrio, especificamente da comunidade surda
com o contato com a Lngua de Sinais. E isso muitas vezes acontece em geral somente no
mbito escolar bilngue, onde h outros surdos, intrpretes e professores ouvintes que fazem
uso da Lngua de Sinais. Por isso essencial uma escola que respeite a diversidade lingustica,
como no caso desta comunidade. Desta forma se faz necessrio presena na escola de
intrpretes vindo das cidades mais prximas das terras indgenas, de modo que:
32
[...] o Professor ministra as aulas em Portugus e tem disciplina em Guarani.
Observamos que, pelo fato de os professores da pedagogia diferenciada indgena
realizarem sua formao em universidades locais, onde o assunto em torno da surdez
e da Libras so discutidos, estes profissionais tm uma formao que respeita no s
a cultura e a lngua indgena, mas tambm a cultura e a Lngua de Sinais;
caractersticas que esto presentes nas escolas indgenas bilngues, em que a lngua
de instruo o Guarani-Portugus.(VILHALVA, 2012, p. 11b).
Porm o que no o caso da escola Arapor mencionada por Vilhalva (2012) que teve
preferncia do intrprete indgena para a preservao da cultura, lngua e saber. Foi observado
na pesquisa que os indgenas surdos com vinte anos de idade em diante demonstram
segurana ao sinalizar com o pesquisador surdo usando seus sinais emergentes de forma
natural. Os mais novos de escolas indgenas, mas da mesma comunidade indgena, no
demonstraram o uso de sinais emergentes e sim apresentaram diretamente sua comunicao
em Libras. Entretanto, os resultados apontam que no h como dizer se o atendimento
educacional para o ndio surdo est acontecendo em todas as comunidades indgenas, pois
interfere numa questo de respeitar o que diz o prprio plano de educao sobre uma viso
amplamente ligada lngua, cultura e diversidade nas escolas e terras indgenas. (ibid., p.36).
Nesta tica, se realmente as polticas lingusticas fossem mais enfticas em suas
propostas de realizar a planificao lingustica, incluindo a criao de escolas bilngues e de
legislaes especficas para as questes referentes s lnguas, o indivduo indgena surdo
poderia ter seus direitos lingusticos assegurados.
Neste sentido resgata-se o Referencial Curricular Nacional para Escolas Indgenas
(1998) , o qual menciona que:
[...] as tradies culturais, os conhecimentos acumulados, a educao das geraes
mais novas, as crenas, o pensamento e a prtica religiosa, as representaes
simblicas, a organizao poltica, os projetos de futuro, enfim, a reproduo
sociocultural das sociedades indgenas so, na maioria dos casos, manifestaes
atravs do uso de uma lngua. Mesmo os povos indgenas que so hoje monolngues
em lngua portuguesa continuam a usar a lngua de seus ancestrais como um smbolo
poderoso para onde confluem muitos de seus traos identificatrios, construindo
assim um quadro de bilinguismo simblico importante. [grifo nosso].
Ou seja, assim como para o surdo urbano brasileiro reconhecida legalmente sua
lngua natural - Libras e a Lngua Portuguesa como segunda lngua -L2, para o indgena surdo
deveria ser assegurado o mesmo direito para aprender esta forma de comunicao Lngua de
Sinais como primeira lngua e como segunda lngua a Lngua de sua etnia na modalidade
33
escrita. Sendo, portanto bilngue, ou ainda trilngue com aquisio da Lngua Portuguesa,
tambm na modalidade escrita.
Nesta perspectiva, observa-se que S (2011, p.33) afirma que tanto indgenas como
surdos tm uma lngua prpria e uma cultura diferenciada. Ento, porque no ser reconhecida
legalmente a Lngua de Sinais utilizada pelos ndios surdos e a Lngua de sua comunidade?
Como bem percebido por Vilhalva h a carncia de pesquisas voltadas para o registro de
lngua de sinais entre os ndios surdos brasileiros o que certamente constitui-se em um dos
fatores que favorecem a existncia desta lacuna na legislao. E que tal fato deveria ser um
despertar para pesquisadores da lingustica sejam ouvintes ou surdos.
34
2 A HISTRIA DO POVO INDGENA SATER-MAW, CULTURA E LNGUA
Os povos indgenas, durante muito tempo, foram considerados como povos sem
histria e sem uma lngua prpria. Porm, com as muitas lutas tnicas, com estudos
antropolgicos e com as abordagens historiogrficas, iniciou-se uma valorizao da
sociedade indgena, passando, assim o povo indgena a ser perspectivado nas suas
singularidades histricas, culturais e lingusticas.
Vale ressaltar que quando se refere a lnguas, sabe-se que no h apenas uma lngua
indgena. Existem muitos povos ou etnias indgenas distintas. As lnguas indgenas no Brasil
se agrupam em famlias lingusticas, ou seja, famlias que tm semelhanas entre si e que so
agrupadas, por sua vez, em troncos lingusticos, assim, como as lnguas isoladas12
, ou seja,
lnguas que no parecem ter parentesco com nenhuma das famlias lingusticas conhecidas.
Segundo Rodrigues (2002), as famlias indgenas esto agrupadas em: Tronco
Lingustico Tupi: famlia Tupi-Guarani (Akwwa, Amanay, Anamb, Apiak, Arawet,
Asurini, Av, Guaj, Guarani, Kamayur, Kayabi, Sury, Kaiw); famlia Munduruku
(Kuruya, Munduruk); Famlia Tupari (Makurp, Tupari, Wayor); Famlia Arikm
(Karitina); Famlia Juruna (Juruna); Famlia Mond (Aru, Cinta-Larga, Gavio Mekm,
Mond, Suru, Zor); Famlia Ramarma (Arra, Itoqapuk); Outras Lnguas (Aweti,
Purubor, Sater-Maw), entre outros troncos lingusticos como Macro-J e sua diversidade
de famlias existentes, entre elas as lnguas isoladas.
Um desses povos indgenas foi o da etnia Sater-Maw. Estes sofreram muitas
influncias em seu modo de vida advinda do contato com grupos no indigenas, que implicou
no processo de perda de muitos dos seus aspectos culturais. A histria relata que o contato se
deu pela chegada dos colonizadores e posteriormente das misses religiosas. E na atualidade
por ocupantes de terras como fazendeiros, madeireiros emigrantes de outros Estados. Foram
perdas irreparveis, todavia, como elo de resistncia procuraram sustentar, em sua estrutura
original, sua lngua.
12
Segundo Rodrigues (2002, p.93) lnguas isoladas, refere-se as lnguas isoladas linguisticamente, ou seja
lnguas que no revelam parentesco gentico com nenhuma outra. No pertencem a nenhuma famlia (ou tronco),
isto constituem famlias de um s membro.
35
2.1 Breve Relato Histrico
A histria do povo indgena Sater-Maw tem sido foco de estudos dos diversos
segmentos de pesquisas, como as realizadas por antroplogos, historiadores, religiosos e
cientistas da linguagem. Estes relatam a origem, a lngua e a cultura desse povo.
Ugg (1993, p. 5) informa que Os Maus descendentes das tribos indgenas
denominadas no passado pelo nome de ANDIR e MARAGU que faz parte da rea cultural
Tapajs-Madeira entre a divisa dos atuais Estados do Par e Amazonas. O autor, ainda
menciona que cronistas, exploradores, missionrios, antroplogos naturalistas do passado
identificaram os Maus tambm com outros nomes (Maooz, Mabu, Jaquezes, Manguases,
Mahus, Mauris, Maw, Maragua e Maraguazes).
A origem do nome Sater-Maw advem dos termos Sater (lagarta vermelha) que o
nome do cl dos antigos chefes e Maw (papagaio inteligente, guerreiro e curioso) que o
nome mais comum de um dos grupos tribais que conseguiram sobreviver extino das
numerosas tribos indgenas da ilha Tupinambarana do Mdio Amazonas. (IDEM). Cerqua13
faz referncia primeira notcia sobre o povo Sater-Maw. por volta de 1669, quando o
Pe. Betendorf, duas vezes superior provincial dos jesutas, lembra a vila dos Maguases,
grafia antiga de Maus [...]. (1980, p. 209). ou seja, Maus foi residncia missionria, mas
no permanente dos padres, pois os mesmos residiam mais em Tupinambarana (rio
Amazonas) atual Parintins e visitavam Maus temporariamente.
A etnia Sater-Maw sofreu muitas mudanas de localidades, devido muitos fatores
que contriburam para o deslocamento desse povo, segundo explica Lorez apud Teixeira
(2005, p.21)
Devido s guerras com os Munduruku e Parintintim e ao contato com os
portugueses, os Sater-Maw perderam grande parte de seu territrio original. Em
1691, os Maw surgem na cartografia regional com o nome de Mabu(mapa do
Padre Samuel Fritz). Misses foram localizadas para os ndios Magu, denominadas
So Joo (Pinhel) e Santo Incio (Boim). Posteriormente, em 1835, lutando ao lado
dos Munduruku e dos Mura, como tambm de outras tribos indgenas do rio Negro,
os Sater-Maw aderiram ao movimento cabano, at que, em 1839, o conflito foi
debelado. Devido s epidemias, s lutas e s perseguies aos povos indgenas que
combatiam ao lado dos cabanos, enormes reas da Amaznia foram devastadas, o
que provocou deslocamentos desses grupos populacionais de seus territrios
ancestrais e de populao. Segundo relatos de viajantes, desde o sculo XVIII o
territrio dos Sater-Maw vem sendo, paulatinamente, reduzido. Essa reduo se
deu a partir das tropas de resgate que penetraram grandes reas da Amaznia; da
implantao de misses jesutas e carmelitas ao longo dos principais rios
13
Dom Arcngelo, Bispo Prelado de Parintins de 1980.
36
amaznicos; da busca desenfreada das drogas do serto; com a explorao da
borracha durante o sculo XIX e incio do XX; e, por fim, da expanso econmica
das cidades de Maus, Barreirinha, Parintins e Itaituba para o interior dos
municpios, alocando fazendas, extraindo pau-rosa, abrindo garimpos, dominando a
economia indgena atravs de regates. As cidades de Maus, Parintins e Itaituba,
inclusive, foram fundadas sobre restos de malocas dos Sater-Maw.
Cerqua (1980, p.265) destaca a localizao dessa tribo delimitando que A tribo est
localizada em sua maioria no Alto Andir e no Marau, afluente do Rio Maus; e sua rea de
cerca de 639.500 ha, foi demarcada pelo Decreto n 76.999. Atualmente, segundo Teixeira
(apud ALVAREZ, 2009) os Sater-Maw hoje so grupos de 8.500 indgenas dos quais 7.502
moram na terra indgena Andir-Marau, nos municpios de Barreirinha, Maus e Parintins e
aproximadamente mil residem em reas urbanas destes municpios. Sendo que outro grupo
vive na terra indgena Coat-Laranjal, junto ao grupo Munduruku, e no municpio de Borba.
Ugg (1993) comenta que os Sater-Maw sempre tiveram vontade de manter a
prpria identidade tribal, contudo eram carentes de apoio prtico para ajud-los a enfrentar o
perigo do mundo moderno que tentavam invadi-los. Ou seja, manipulaes externas entre a
liderana indgenas dos Sater-Maw, o alcoolismo, a dependncia, a violncia dos brancos
eram os maiores perigos para este povo Sater-Maw.
Porm, o foco de resistncia manteve vivo no povo Sater, aspectos culturais
importantes como o ritual da tucandeira. O ritual um marco na vida dos homens, porque so
chamados pela formiga (tucandeira), caso o indgena no atenda o chamado, a formiga o
levar a loucura at chegar morte. A tucandeira uma divindade muito respeitada pelos
Sater-Maw. Em determinado momento da histria do povo Sater-Maw o ritual da
tucandeira chegou ao ponto de no ser mais praticado em decorrncia da imposio religiosa,
mas, aps perceberam a grande perda cultural que isso representaria, voltaram a pratic-lo a
recuperando como parte de sua cultura.
2.2 Classificao da lngua Sater-Maw
Segundo Teixeira (2005), a anlise da situao lingustica do povo Sater-Maw
baseia-se na concepo defendida por antroplogos e linguistas, que a lngua se configura
como um importante instrumento da cultura e da identidade de uma populao.
A populao indgena Sater-Maw pertence vrios aspectos famlia Lingustica
Tupi. Rodrigues (apud ALVAREZ, 2009, p.17) aborda que a lngua da tribo Sater-Maw a
37
nica lngua de uma famlia do tronco Tupi. E sua classificao lingustica como pertencente
ao tronco Tupi foi dada pelo etngrafo Curt Nimuendaj (1948)
A lngua Sater-Maw integra o tronco lingustico Tupi. Segundo o etngrafo Curt
Nimuendaj (1948), ela difere do Guarani-Tupinamb. Os pronomes concordam
perfeitamente com a lngua Curuaya-Munduruku, e a gramtica, ao que tudo indica,
tupi. O vocabulrio Maw contm elementos completamente estranhos ao Tupi,
mas no pode ser relacionada a nenhuma outra famlia lingustica. Desde o sculo
XVIII, seu repertrio incorporou numerosas palavras da lngua geral.
Os homens atualmente so bilngues, falando o Sater-Maw e o portugus, mas a
maioria das mulheres, apesar de trs sculos de contato com os brancos, s fala a
lngua Sater-Maw. (TEIXEIRA, 2005, p.95).
A lngua Sater-Maw falada tradicionalmente por quase todas as comunidades h
mais de 300 anos, entretanto foi inevitvel para os indgenas Sater-Maw conhecer os
hbitos e a lngua portuguesa devido invaso dos europeus em suas terras no sculo passado,
o que causou a mistura de lnguas e consequentemente as influncias dos padres culturais
no indgenas.
Os Sater-Maw foram ento forados a se refugiarem nas zonas urbanas e at mesmo
em outros estados. Outro impacto que alterou o modo de falar dos lderes indgenas foi a
necessidade de buscar apoio logstico para suas comunidades, principalmente para tratar da
sade de sua populao que sofria de doenas como malria, tuberculose, sarampo e outras,
por eles desconhecidas, que causaram muitas mortes.
Desta forma, com o passar dos anos, a lngua Sater-Maw sofreu influncias lexicais
e fonolgicas do Nheengatu na regio do Andir. Pesquisas realizadas, recentemente por
Teixeira (2005), delimitam um perfil lingustico que permite conhecer um pouco mais da
cultura lingustica Sater-Maw, sendo esta considerada por meio da distribuio geogrfica e
etria dos que falam e no falam o idioma Sater-Maw. Desta feita, segundo o autor:
O idioma Sater-Maw mais falado na rea do Marau que nas demais (Andir
Uaicurap e Koat-Laranjal). Tanto na rea do Andir como no Marau, o idioma
materno falado por praticamente todas as comunidades situadas prximo s
cabeceira dos rios (Alto Andir e Alto Marau). Para as reas mais prximas das
cidades, os falantes atingem a quase totalidade dos moradores do Baixo Marau. J
no baixo Andir, esse nmero aumenta bastante nas duas comunidades mais
prximas de Parintins e Barreirinha, ou seja, Ponta Alegre e Guaranatuba. As reas
de povoamento mais recente (Uaicurap, Koat-Laranjal e mais duas no Andir) tm
tendncia a apresentar propores menores de falantes do idioma Sater-Maw.
(ibid., p.95)
38
O autor esclarece que moradores em terras indgenas so mais falantes da Lngua
Sater-Maw do que os que moram prximo ou dentro da rea urbana. A pesquisa, ainda
mostra necessidade de sensibilizar a comunidade indgena Maw, sobre a importncia da
valorizao de sua lngua, recuperao de suas memrias histricas e a reafirmao de suas
identidades tnicas.
2.2.1 Contexto educacional escolar entre os Sater-Maw
O contexto educacional Sater-Maw tem como base o reconhecimento constitucional
fundamentado na legislao em vigor segundo a qual so reconhecidos aos ndios sua
organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies [...]
Por isso, fundamentos gerais da educao escolar indgena baseiam-se na proposta do
Referencial Curricular Nacional para Escolas Indgenas (1998) que contempla:
Multietnicidade, pluralidade e diversidade; 2. Educao e conhecimentos indgenas; 3.
Autodeterminao; 4. Comunidade educativa indgena; 5. Educao intercultural,
comunitria, especfica e diferenciada. Assim,
Parte do sistema nacional de educao, a escola indgena um direito que deve ser
assegurado por uma nova poltica pblica a ser construda atenta e respeitosa frente
ao patrimnio lingustico, cultural e intelectual dos povos indgenas. Esse esforo
de projetar uma nova educao escolar indgena s ser realmente concretizado com
a participao direta com os principais interessados os povos indgenas, atravs de
suas comunidades educativas [...]. A participao da comunidade no processo
pedaggico da escola, fundamentalmente na definio dos objetivos, dos contedos
curriculares e no exerccio das prticas metodolgicas assume papel necessrio para
a efetividade de uma educao especifica e diferenciada. (ibid., p24)
Porm, para que de fato seja garantida uma educao diferenciada, no suficiente
que somente os contedos sejam ensinados atravs do uso das lnguas maternas, mas se faz
necessrio que se incluam os contedos curriculares propriamente indgenas, assim como os
modos prprios de transmisso deste saber. Em pesquisa realizada pela revista Amaznia
(AMAZONAS, 2000), intitulada como A silenciosa revoluo dos ndios o povo Sater-
Maw foi considerada um dos melhores exemplos para se falar em educao indgena. Tal
afirmao foi proferida pelo antroplogo Ademir Ramos (professor da Universidade do
Estado do Amazonas). Segundo o entrevistado, a Constituio Federal de 1988 mudou a
postura em relao aos ndios, estabelecendo um processo de educao diferenciada, que
39
fomenta o orgulho
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