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História da Música
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Discurso n. 37 2007
Mas ser que a msica pode produzir no indivduo qualidades
morais e lev-lo ao que conveniente? Ela pode contribuir para o
entretenimento intelectual e para a formao do esprito? Aristte-
les afirma que o entretenimento no deve ser o objetivo da educa-
o dos jovens, porque o aprendizado requer esforo e no se pode
aprender com entretenimentos. De certo modo, o estagirita est
tentando refutar a teoria platnica de que o carter de uma criana
pode ser formado pelas canes que ela aprende (Anderson 1, pp.
123-4; ver Plato, Repblica, 40le4-402a4). O problema que o lazer
intelectual, para Aristteles, no adequado para as crianas, pois
um resultado do processo de treinamento. Por que, ento, um meni-
no no poderia aprender simplesmente ouvindo a msica executada
por especialistas no tema?
E quanto ao poder da msica de melhorar o carter das crianas? Elas
deveriam aprender a executar a m(1sica ou deveriam somente aprender
a apreci-la com justeza e a julg-la quando executada por outros? A
princpio, Aristteles no d respostas para essas questes, deixando
para depois o seu exame. De qualquer maneira, ele apresenta wn julga-
mento negativo em relao aos msicos profissionais, que podem ser
chamados de vulgares. Para ele, a execuo musical no digna de um
homem livre, a no ser que ele esteja bbado ou queira se divertir.
Ento, Aristteles retoma sua linha de raciocnio: a msica deve
ter um lugar na educao? Se deve, ela ser mais eficaz na educao,
na diverso ou no entretenimento? Ela pertence e participa dos trs
campos. A diverso tem por objetivo o relaxamento, e este deve ser
agradvel. O entretenimento deve ser elevado e tambm agradvel.
A m(1sica, por sua vez, uma das coisas mais agradveis que existem,
seja ela instrumental8, seja ela acompanhada de canto. Ela til em
certas ocasies, porque relaxante e prazerosa. Por isso, deve ser in-
cluda na educao dos jovens.
8 Note-se que Aristteles, diferentemente de Plato, aceita a msica instrumental na educao.
CharlesRealceCharlesRealceCharlesLpisCharlesRealceCharlesRealceCharlesRealceCharlesRealceMsica e Filosofia em Plato e Aristteles
Contudo, os homens no devem dedicar-se msica por ela mes-
ma, como um fim em si. Aristteles considera a possibilidade de a
msica ser apenas um acidente e de que ela possua uma natureza
mais importante do que a aparncia que resulta do seu uso. Indepen-
dentemente do prazer que causa, preciso perguntar-se se ela tem
alguma influncia sobre o carter de uma alma. Aristteles afirma
que nosso carter claramente afetado por ela.
Dependendo do gnero, a msica pode causar entusiasmo, desper-
tar sentimentos de deleite, amor ou dio. Por isso, preciso apren-
der a julgar as melodias com propriedade. A msica tem o poder de
imitar a realidade, quando entramos em contato com essas repre-
sentaes, nossas almas se transformam. Diferentemente das artes
plsticas, a msica contm imitaes de afeces do carter. Isso se
torna patente porque possvel perceber diferenas na natureza das
melodias.
Aristteles observa que as pessoas reagem de maneiras diferentes
e tm sentimentos variados em relao a cada tipo de melodia. O
modo mixoldio, por exemplo, tem um esprito melanclico e grave;
o modo drico, por outro lado, produz moderao e calma; o modo
frgio provoca entusiasmo. Isso se demonstra pelos fatos. O mesmo
acontece com os ritmos: uns tm um carter mais repousante e ou-
tros causam grande emoo; dentre estes ltimos, uns so mais vul-
gares e outros mais elevados. Depois de fazer essas consideraes,
Aristteles afirma que a msica tem, sim, o poder de influenciar
o carter de uma alma. E, se ela tem esse poder, deve ocupar um
lugar importante na educao dos jovens. Isso porque parece haver,
na harmonia e no ritmo, uma afinidade com o homem - por isso,
muitos filsofos dizem que a prpria alma uma harmonia9
Em seguida, o estagirita retoma a questo que tinha proposto an-
tes: os jovens devem ou no aprender msica cantando e tocando?
9 Certamente, os filsofos mencionados so ela escola pitagrica. Aristteles no explica essa identificao entre alma e harmonia. Sobre isso ver Anderson 1, p. 130.
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CharlesRealceCharlesRealceCharlesRealceCharlesRealceCharlesRealce48 Discurso n. 37 2007
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Ele diz, ento, que a prtica muito importante para o aprendizado,
porque muito difcil ou impossvel julgar bem a performance de um
artista se quem est julgando no praticou a arte em questo. Alm
disso, bom que as crianas tenham alguma atividade para acalmar
sua agitao. Na verdade, cada idade tem algo que lhe prprio e
algo que lhe imprprio. A prtica da msica no deve ser consi-
derada vulgar para todas as idades: aos jovens, adequado aprender
a tocar um instrumento. Porm, depois de adultos, eles devem ser
dispensados dessa prtica. Os alunos que esto sendo preparados
para ser cidados virtuosos e excelentes devem participar da exe-
cuo musical at um certo ponto, usando certas melodias e certos
ritmos; os instrumentos devem ser escolhidos segundo sua utilidade
e seu efeito sobre a alma dos alunos. Tudo faz diferena, pois certos
tipos de msica podem produzir bons resultados, enquanto outros
podem causar efeitos deletrios.
Para Aristteles, a msica no deve atrapalhar o curso posterior
da educao, enfraquecer o corpo ou tom-lo inapto para as ativi-
dades guerreiras e cvicas. Por isso, os estudantes no devem par-
ticipar de concursos profissionais e das exibies de virtuosismo,
que faziam parte das competies na poca do filsofo. Em vez
disso, eles devem praticar a msica visando somente a apreciar as
melodias e os ritmos mais bclosio.
Por isso, seria necessrio tambm escolher os instrumentos mais
adequados para a educao dos jovens. O aulo, a ctara11 e qualquer
outro instrumento que exija grande preparo tcnico no deveriam
ser usados. Somente seriam aceitos instrumentos que permitissem
aos alunos dedicar mais ateno educao musical e s outras
IO Aristfanes (Fr. 221 Kock; Tes111oforinntes, 137-8) e Plato (Reprblicn, 411a5-b4;8n11q11ete, l79d4-5) tambm condenavam o excesso de dedicao msica. Cf. Anderson l, p. 133.
11 A citara banida por ser um instrumento para profissionais, principalmente na poca em que Aristteles comps esse texto. Plato no bane a citara por causa de seu papel na poesia coral, gnero longamente discutido nas Leis. Cf. Anderson 1, p. 138.
CharlesRealceCharlesLpisCharlesLpisCharlesRealceCharlesRealceCharlesRealceCharlesRealceCharlesRealceCharlesRealceCharlesRealceMsica e Filosofia em Plato e Aristteles
partes da educao. Segundo Aristteles, o aulo no teria um efeito
moralizante sobre o ouvinte, mas somente excitante. Portanto, ele
deveria ser usado somente nas situaes em que a msica levasse
catarse12 Alm disso, o aulo no poderia ser usado na educao
porque impede o uso da fala. Mais frente, o lembra a histria que
conta por que a deusa Atena rejeitou o aulo depois de invent-lo:
ela teria jogado fora o instrwnento por desgosto, pois ele provoca
uma deformao nas faces de quem o toca. O filsofo observa que,
na verdade, o que teria levado Atena a rejeitar o aulo que o apren-
dizado da aultica - a arte de tocar o aulo - no contribui para o
aperfeioamento da inteligncia.
Aristteles rejeita a profissionalizao na educao musical e na
prtica instrumental. Ele considera a participao em competies
algo vulgar, porque essa atividade profissional no leva ao aperfeio-
amento do praticante, mas visa ao prazer dos ouvintes, e esse prazer
de baixo nvel. Por isso, a prtica instrumental profissional no
adequada cond io do homem livre: os instrumentistas se tornam
vulgares e piores porque a platia vulgar e, em geral, influencia a
msica com sua vulgaridade.
Por fim, Aristteles volta sua ateno para as harmonias e os
ritmos, e pergunta-se se todas as harmonias e todos os ritmos de-
vem ser usados na educao ou possvel escolher alguns dentre
eles. Ele indaga tambm se a m esma regulamentao adequada
para os que se dedicam educao musical ou seria necessa uma outra. A msica constituda de melodia e ritmo, e esses
fatores tm influncia na educao. Devemos saber se a msica
prefervel por sua melodia ou por seu ritmo. O estagirita limita-se
12 Note-se a diferena de atitude em relao a Plalilo, que baniu o aulo dn sua cidade ideal.
Para Aristteles, o aulo pode ser fil em determinadas ocasies, como nos cultos a Dio-
niso e no teatro. Porm, quando o filsofo nega que o auJo tenha um efeito moralizante,
de certa forma est negando que a tragdia tambm tenha alguma influncia sobre o
carter das pessoas. Cf. Anderson 1, p. 137.
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Discurso n. 37 2007
a estabelecer as linhas gerais acerca desses temas. Segundo ele, dis-
cusses minuciosas sobre esses assuntos j teriam sido realizadas por estudiosos da msica e por filsofos que refletiram sobre a
educao musical.
Aristteles retoma, ento, a classificao das melodias feita por
"alguns filsofos", segundo a qual algumas melodias seriam de efeito
moral, outras de efeitos prticos e outras inspirndoras de entusiasmo.
Desse modo, cada harmonia seria afim a um desses tipos de melo-
dias, e o uso da msica poderia servir para a educao, para a catarse
e para a diverso. Todas as harmonias deveriam ser usadas, mas cada
uma em seu contexto especfico: as de efeito moral na educao, as
de efeitos prticos nos momentos de divertimento e as de efeitos en-
tusisticos nas situaes em que se busca a catarse. Esses dois ltimos
tipos de harmonias e as melodias correspondentes a elas devem ser
praticados pelos que participam de concursos pblicos. A sociedade
estava dividida em homens livres e educados, de um lado, e homens
vulgares, como artfices e serviais, de outro; ento, deveria haver
concursos e espetculos pblicos separados. O competidor poderia
usar o tipo de msica que agradasse seus ouvintes, vendo que cada
um aprecia o que naturalmente adequado a si prprio (cf. Ander-
son 1, p. 139). Na educao, como j foi dito, deveriam ser usadas
as melodias e harmonias que tivessem um efeito moral. O modo
drico produzia esse efeito, mas outros modos tambm poderiam
ser aceitos.
Nesse ponto, Aristteles faz referncia a uma passagem da Rep-
blica em que Scrates admite na cidade ideal o modo frgido alm do modo drico, ao mesmo tempo em que rejeita o aulo. O estagirita
diz que o mestre de Plato no estava pensando bem, pois o modo
frgio e o aulo, produzem o mesmo efeito sobre os ouvintes: ambos
so excitantes e emocionantes. O delrio bquico, por exemplo, era
acompanhado principalmente pelo aulo, e era mais compatvel com
o modo frgio. O ditirambo, gnero de origem frgia, era composto
Msica e Filosofia em Plato e Aristteles
tradicionalmente no modo frgio. Dessa maneira, no seria possvel
excluir o instrumento e aceitar o modo13
Aristteles, ento, volta discusso sobre o modo drico, num
ltimo pargrafo que considerado uma interpolao por alguns
fillogos (Anderson 1, p. 140). Este seria o modo mais calmo e
mais viril, uma espcie de meio-termo entre as outras harmonias.
Por isso, as melodias dricas deveriam ser usadas na educao dos
jovens. Contudo, seria necessrio visar o possvel e o conveniente
para cada indivduo. Para cada idade haveria certos limites: os mais
velhos, por exemplo, no poderiam cantar melodias em tons mais
altos; para eles, as harmonias mais suaves, isto , graves, seriam as
mais adequadas. Mais uma vez Aristteles critica Plato por ele ter
excludo o modo ldio da educao, sob a justificativa de que ele
produziria nos homens um tipo de embriaguez. Porm, o estagi-
rita diz ser conveniente ao homem velho estudar as harmonias e
melodias suaves, como as do modo ldio. A educao, ento, teria
trs princpios: a moderao, a possibilidade e a convenincia.
Muitas observaes e comentrios poderiam ainda ser feitos, mas
penso que o objetivo j foi alcanado. Penso ter demonstrado que a
msica desempenha um importante papel no pensamento filosfico
aristotlico, principalmente no que diz respeito poltica, tica,
educao e esttica. Aristteles deu importantes contribuies
ao tema e, provavelmente, o autor da noo de que o objetivo da
msica a educao, a purificao ou a recreao. Ao propor isso,
ele entra em desacordo com a concepo platnica de educao. O
valor das reflexes aristotlicas sobre a msica est nessa oposio e
na suplementao que elas oferecem tica e paidia de Plato.
Na Poltica, no encontramos nenhuma referncia relao entre mousik e philosopha. Porm, dado o importante papel que a arte
13 Cf. Gostoli 14, pp. 140-4, que apresenta uma interessante interpretao dessa crtica
aristotlica a Plato.
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dos sons desempenha na paidia aristotlica, pode-se dizer que ela V) 'E teria tambm uma funo de destaque na formao do philsophos. ro
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