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Reflexão atualizada sobre a Economia Criativa, com vistas a orientar a conceituação do projeto da Prefeitura Municipal para o tema.
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Notas para uma política de Economia Criativa em Porto Alegre
Álvaro Santi*
“Precisamos desenvolver vigorosamente a indústria cultural; lançar grandes projetos para o avanço da indústria como um todo;
acelerar o desenvolvimento das bases e clusters de indústrias culturais com caráter regional; apoiar empresas-chave e
investidores estratégicos; criar um mercado cultural próspero e fortalecer a competitividade internacional da indústria.”
(Presidente Hu Jintao, em discurso ao Partido Comunista Chinês, 15/10/2007)
“Nós iremos proteger agressivamente nossa propriedade intelectual. Nossos maiores capitais são a inovação, a ingenuidade e a criatividade do povo estadunidense. Elas são essenciais para nossa prosperidade e o serão ainda mais ao longo deste século.”
(Barack Obama, em discurso no Eximbank, 11/3/2010)
CONTEXTO E PROPÓSITO
Este documento técnico foi preparado com o objetivo de informar o debate interno
na Administração Municipal sobre o tema da Economia Criativa (EC) ou Indústrias
Culturais e Criativas (ICC). A iniciativa é motivada por um interesse crescente a respeito
do tema e alinha-se aos objetivos propostos pelo Observatório da Cultura desde sua
criação, entre os quais os de oferecer informação útil para a tomada de decisões em
política cultural e apoiar o empreendedorismo na cultura, como estratégias para o
desenvolvimento local.
Neste sentido, o Observatório tem buscado: 1) Acompanhar e divulgar, em tempo
real, as principais notícias, em âmbito nacional e internacional, fazendo uso de nosso
blog1 e redes sociais; 2) Reunir e disponibilizar bibliografia especializada, física e virtual; e
3) Promover o debate local, sensibilizando governo e sociedade, a começar,
naturalmente, pelo ambiente interno da Secretaria Municipal da Cultura.
* Observatório da Cultura - SMC 1 http://culturadesenvolvimentopoa.blogspot.com
2
Além disso, o tema da Economia Criativa recebeu atenção em uma de nossas
primeiras atividades públicas, o Seminário Internacional Cultura e Desenvolvimento Local,
promovido em cooperação com a UFRGS, em 2011, no painel intitulado “Indústrias
criativas e sustentabilidade na cultura”.2
Em 2012, a Prefeitura protagonizou duas importantes ações relacionadas à
Economia Criativa. A primeiro delas foi uma parceria entre a Secretaria Municipal de
Produção, Indústria e Comércio (SMIC) e a Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM), para instalação de uma incubadora de Indústria Criativa. Com investimento inicial
previsto em R$ 3 milhões, o empreendimento anunciado deverá começar abrigando 20
empresas, as quais gerariam até 700 empregos. A participação do Município deu-se
através da cedência do espaço físico para as instalações, pelo prazo de 30 anos, ficando
a ESPM encarregada dos investimentos em infraestrutura e do gerenciamento dos
projetos desenvolvidos.
A segunda ação, liderada pela Secretaria Municipal da Cultura, foi a edição do
Decreto 17.956, que instituiu o Núcleo de Economia Criativa (NEC), com atribuições nos
campos da pesquisa e capacitacão profissional. Embora a criação do NEC deva ser
comemorada como um primeiro marco institucional na área, falta-lhe a transversalidade
absolutamente essencial ao conceito de Economia Criativa, defeito de origem que
compartilha com a incubadora da SMIC/ESPM, ambos os projetos restritos às pastas onde
foram gestados.3
Embora não tenha chegado a instalar-se o NEC, sua existência legal inspirou um
grupo informal intersecretarias para debater o assunto, grupo este que sugeriu à SMC a
formalização de um Grupo de Trabalho com a finalidade de elaborar, num prazo estimado
de seis meses, um plano de políticas públicas para a Economia Criativa. O grupo teria a
participação de representantes das secretarias de Turismo, Juventude, Indústria e
Comércio, Governança, Trabalho e Emprego, Urbanismo, Copa 2014 e Comunicação
Social, além da SMC.
Além das ações citadas, o Município firmou um Memorando de Entendimento com
o Conselho Britânico (British Council), com o propósito de “desenvolver ações conjuntas
2 Conteúdos disponíveis em vídeo em http://www.seminarioculturaedesenvolvimento.ufrgs.br/videos.php. 3 Como termo de comparação, considerem-se os potenciais parceiros elencados pelo MinC no Plano da
Secretaria de Economia Criativa, somente no âmbito dos ministérios: Ciência e Tecnologia; Cidades; Desenvolvimento, Indústria e Comércio; Trabalho e Emprego; Comunicações; Turismo, Meio-Ambiente; Educação, Desenvolvimento Social.
3
de cooperação e intercâmbio no âmbito da Economia e Indústrias Criativas”. Com duração
prevista de quatro anos, o documento propõe a formação de um Conselho Conjunto de
Cooperação Cultural, que aprovará um programa de ações conjuntas, tais como eventos,
seminários e visitas mútuas, voltadas para “a construção e a manutenção de relações
entre as indústrias criativas de Porto Alegre e do Reino Unido”.
Já neste ano de 2013, destaca-se a inclusão de um “Polo de Economia Criativa”
entre as metas assumidas pelo Gabinete de Inovação e Tecnologia (Inovapoa) através do
Contrato de Gestão, assinado em março por cada um dos órgãos municipais. Ao longo do
ano, esse propósito evoluiu, de forma pragmática, para o estabelecimento de um Plano
de Economia Criativa, em consonância com o que foi sugerido pelo grupo intersecretarias,
acima mencionado.
No âmbito estadual, este ano também foi marcado pela publicação de Indústria
criativa no Rio Grande do Sul: síntese teórica e evidências empíricas, primeiro resultado
de um estudo precursor de mapeamento da indústria criativa no Estado, realizado pela
Fundação de Economia e Estatística (FEE), em convênio com a Agência Gaúcha de
Desenvolvimento e Promoção da Inovação (AGDI). O estudo estimou o tamanho do setor
em 6,2% do PIB para 2010, verificando um crescimento constante do setor em anos
recentes, em termos de Valor Adicionado, inclusive em 2009, ano em que o Estado sofreu
forte impacto da crise econômica global. (Valiati, 2013)
Neste cenário, promissor mas ainda rarefeito de ações concretas, julgamos
oportuno contribuir com algumas reflexões, que possam ser úteis às iniciativas em curso e
às que virão em breve.
CONCEITOS
“O risco que corremos agora, porém, é de que ao se tornar visível, palatável e tentador, o conceito [de economia criativa] se esvazie antes
de se solidificar – em outras palavras – que tudo se converta em economia criativa, sem necessariamente sê-lo” (Fonseca, Ana Carla. in
Plano da Secretaria de Economia Criativa, 2011)
Em 2011, o Ministério da Cultura criou uma Secretaria de Economia Criativa. Entre
suas primeiras ações, destaca-se a elaboração de um plano de ação, contendo “políticas,
diretrizes e ações” para o período 2011-2014. Não por acaso, esse plano apresenta como
“primeiro desafio” a pactuação de um conceito para a Economia Criativa.
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Tal desafio não deve ser minimizado ou tratado como questão semântica, pois
trata-se de um conceito recente, sujeito a controvérsias: “pré-paradigmático”, na
definição de Paulo Miguez (2007). Sua origem remonta a programas de governo, lançados
inicialmente na Austrália e, logo após, no Reino Unido; para depois chegar à União
Européia e outros organismos supra-nacionais e, finalmente, ao meio acadêmico. Sua
aplicação em outros contextos, portanto, deve ser feita com prudência.
Segundo Flew (2011), o conceito de Economia Criativa foi parte essencial do
projeto de modernização do governo de Tony Blair, iniciado em 1997, período que ficou
conhecido como “New Labour”. Ao assumir o governo, o novo primeiro ministro britânico
reorganizou o antigo Departamento do Patrimônio Nacional em um novo Departamento
de Cultura, Mídia e Esportes. Ao reunir sob um mesmo órgão essas diferentes atribuições,
o governo não apenas propunha uma visão mais integradora entre elas, mas inspirava-se
na idéia recente de convergência para sustentar que o futuro das artes e da mídia no
Reino Unido dependia “de uma mudança no discurso político dominante, na direção de
um engajamento produtivo com as tecnologias digitais, buscando novas possibilidades
para o alinhamento da criatividade e o capital intelectual britânicos através desses novos
mecanismos de crescimento econômico”. Conferindo maior atenção à contribuição dos
setores culturais para a geração de renda, empregos e divisas, acenava-se com uma
participação maior desses setores nas decisões sobre a política econômica.
Jeffcutt (2009) alerta para o fato de que, desde então, iniciativas relacionadas às
Indústrias Criativas tem sido frequentemente copiadas para regiões em situação de
desvantagem econômica, sem maiores preocupações com a complexidade de sua
dinâmica, as especificidades locais ou as relações efetivas de causa e efeito, por governos
ansiosos de estarem a par das últimas tendências mundiais, prática que o autor apelida
de “política do eu-também”.
Convém ainda atentar para as distintas abordagens da Economia Criativa
existentes, conforme nos reportemos às definições do já citado DCMS; da União Européia;
da UNESCO, que emprega alternativamente as expressões “indústria cultural” e “indústria
criativa”; da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), focada em
“copyright industries”, atividades que geram propriedade intelectual; ou da Conferência
das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED, ou UNCTAD na sigla
em inglês), alguns setores (“relacionados” ou “periféricos”). No quadro abaixo, é possível
comparar alguns desses sistemas:
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Domínios (Cfe.UNESCO, 2009)
Subgrupos (Cfe.UNESCO,
2009)
Eurostat Mercosul Reino Unido (Creative
Industries)
Unesco Unctad (Creative
Economy)
Patrimônio Artesanato X X X N N Artes Artes
Performáticas (Música, Teatro, Dança, Circo)
N N N N N,R
Artes visuais N N N N,R N,R
Mídia Editorial N N N N,R N,R Audiovisual X N,R N N,R N,R
Criações Funcionais
Design X X N N N,R Novas mídias N R N N,R N,R
Legenda: N=Setor integrante do “Núcleo Criativo”; R=Setores relacionados; X=Setor não incluído; N/R=Em parte núcleo, em parte relacionado. Adaptado de UNCTAD, 2010.
Além dessas divergências, uma visão ampla – e portanto crítica – da Economia
Criativa deve ainda levar em conta as contribuições de disciplinas afins cuja tradição
acadêmica remonta à segunda metade do século XX, como as aportadas por Pierre
Bourdieu, na Sociologia da Cultura; ou Baumol & Bowen, na Economia da Cultura.
(Bustamante, 2011) Em relação a esta última, o alcance de uma tal visão é
particularmente limitado no Brasil pela inexistência de traduções da bibliografia mais
elementar - como as obras de Heilbrun & Gray, Throsby ou Towse - limitação que
necessita ser superada com urgência,
se pretendemos aprofundar a
discussão sobre o tema.
Para o contexto brasileiro, o
Ministério da Cultura propõe a
seguinte definição, em seu Plano:
“setores criativos são aqueles
cujas atividades produtivas têm
como processo principal um ato
criativo gerador de um produto,
bem ou serviço, cuja dimensão
simbólica é determinante do seu
valor, resultando em produção
de riqueza cultural, econômica e
social.” No quadro ao lado, pode-se
6
ver a classificação do MinC para os setores criativos, nas respectivas categorias ou
campos.
Tal definição ainda é passível de crítica pela excessiva amplitude, já que incluiria, a
rigor, produtos de qualquer natureza cujo valor de mercado seja notavelmente
influenciado pelo valor de sua marca – que não deixam de ser “símbolos” – de
hamburguers a automóveis, passando por computadores, produtos que evidentemente
não são objeto de atenção das políticas cultural em nenhuma parte. Feito esse reparo, é
preciso reconhecer que o MinC leva o conceito um passo adiante, ao propor quatro
“princípios norteadores” de uma política brasileira para a EC: Diversidade Cultural,
Inovação, Inclusão social e Sustentabilidade. Em relação a esta última, deve ser
entendida em suas dimensões “social, cultural, ambiental e econômica [assegurando]
condições semelhantes de escolha para as gerações futuras”.
Para Ana Carla Reis
(2008), uma das pioneiras
na introdução do conceito
de Economia Criativa no
Brasil, são quatro as
possíveis abordagens: a)
Indústrias Criativas como
um conjunto de setores
econômicos determinados;
b) Economia Criativa
abrangendo, além desses
setores, “o impacto de
seus bens e serviços em
outros setores e processos
da economia e as conexões que se estabelecem entre eles”; c) Cidades e espaços
criativos, considerados como espaços de combate aos problemas sociais, de promoção de
arranjos produtivos locais, de difusão internacional da imagem com vistas ao turismo, ou
da completa reestruturação do tecido sócio-econômico urbano; e d) como estratégia de
desenvolvimento.
Esta última abordagem em particular, sustenta a autora, supõe um paradigma de
desenvolvimento que reconheça o valor da criatividade como capital humano e ao mesmo
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tempo esteja atento ao efeito das novas tecnologias sobre as relações entre entre cultura
e economia. Sustenta a autora que, “ao apoiar-se na criatividade individual, permitir a
formalização de pequenos negócios e apresentar baixas barreiras de entrada, a economia
criativa promoveria a geração de renda e emprego.”
Para além do âmbito da economia, George Yúdice (2002) chama a atenção para o
fato de que cada vez mais o acesso à cultura dá-se através dos meios de comunicação de
massa, donde a necessidade estratégica de inclui-los entre as preocupações das políticas
culturais, sob pena de deixar os cidadãos à mercê da lógica mercantil dos gigantescos
conglomerados transnacionais do entretenimento. Atualmente, uma dezena destas
empresas dominam a mídia global, cada uma delas buscando estender mais e mais os
seus domínios, não apenas por sobre as fronteiras nacionais, mas também sobre as que
separavam outrora setores diversos como o cinema, TV, rádio, indústria fonográfica,
imprensa ou parques de lazer. Esta notável concentração constitui evidente ameaça tanto
à livre concorrência quanto à diversidade cultural. (Anheier & Isar, 2008)
PARA AVANÇAR
“A reclassificação das indústrias culturais como ‘criativas’ abriu a possibilidade de enxergar atividades como as artes, a mídia ou o design
como motores da economia, mais do que meras beneficiárias da generosidade do contribuinte... Porém, ao se transformarem em ‘criativos’,
os setores culturais foram absorvidos pelo conjunto mais amplo das indústrias baseadas em propriedade intelectual, encorajando por um lado
uma supervalorização de sua importância econômica e por outro renunciando a toda reivindicação de especificidade. O perigo que resulta
dessa confusão é o de não termos nem políticas culturais consistentes, nem políticas econômicas efetivas.” KNELL & OAKLEY, 2007.
Embora seja campo de disputas teóricas, o fato é que as experiências da
Economia Criativa mundo afora oferecem oportunidades para repensarmos as ações
públicas locais, tanto as que tradicionalmente classificamos como culturais, quanto as que
supostamente fomentam o desenvolvimento social e econômico. Quanto às primeiras, por
exemplo, não raro concentram-se em um dos elos da cadeia produtiva - por exemplo, na
produção – ignorando eventuais gargalos em outros pontos – por exemplo, na difusão -
que impedem que o investimento público frutifique plenamente.
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Fonte: UNESCO, 2009
Segundo a UNCTAD (2010), em que pese o declínio de 12% no volume do
comércio global, ocasionado pela crise de 2008, no mesmo ano o comércio de bens e
serviços criativos alcançava a cifra de US$ 592 bilhões, após crescer à taxa média anual
de 14% no período 2002-2008. Parte significativa desse incremento deve-se ao comércio
Sul-Sul, cuja taxa de crescimento anual no mesmo período atingiu os 20%. Atestando a
solidez do mercado criativo, esses dados levam a entidade a afirmar que “muitas pessoas
no mundo estão ávidas por cultura, eventos sociais, entretenimento e lazer”, levando a
crer que alguns setores criativos podem contribuir para uma recuperação econômica
“mais sustentável e inclusiva”.
Yúdice (2002) expressa uma visão menos otimista, afirmando que “as indústrias
culturais são rentáveis apenas quando a economia anda bem”, amparado em evidências
de uma dramática redução no consumo de livros e discos na Argentina, que se sucedeu à
crise de 2002. Contudo, a mesma crise apresentou oportunidades para os artistas e
produtores locais, que desde então aumentaram sua participação no mercado interno e
externo, ainda que à custa de remunerações mais baixas.
Para o Reino Unido, possivelmente o país onde existe maior volume de dados
sobre a Economia Criativa, Higgs (2008) estima que o emprego nos setores criativos
cresceu em média 3,2% entre 1981 e 2006, quatro vezes mais do que o emprego em
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geral. Além disso, o salário dos trabalhadores desses setores seria 37% maior do que a
média. No entanto, Conor (2013) adverte que, sob o glamour de certas profissões
criativas, “há muita precariedade e desigualdade de oportunidades”. Para esses
trabalhadores, frequentemente o lazer confunde-se com o trabalho não remunerado, do
qual as empresas se apropriam sistematicamente, pondo em xeque a imagem
costumeiramente associada ao setor, supostamente “mais livre e capaz de desenvolver a
nova economia”.
No Brasil, pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), com
dados de 2011, apontou uma superioridade ainda maior na renda dos trabalhadores
criativos, que seria três vezes maior do que a média. O mercado formal de trabalho do
núcleo criativo emprega 1,7% do total de trabalhadores brasileiros, distribuídos em 243
mil empresas, responsáveis por cerca de 2,7% do PIB nacional ou R$ 110 bilhões,
montante que supera o de países como Itália e Espanha.
Já a Fecomércio de São Paulo lançou, em 2012, um “Índice de Criatividade de
Cidades”, sustentando que “as cidades com melhores condições socioeconômicas tem
maior potencial para atrair e reter talentos criativos.” O índice, composto a partir da
combinação de alguns indicadores sociais e econômicos com outros específicos da
economia criativa, colocou Porto Alegre na segunda posição entre as 50 maiores cidades
brasileiras.
Afora estas pesquisas pioneiras, cabe mencionar casos que tem despertado
atenção, como os do município de Guaramiranga (CE) e de Conservatória (distrito de
Valença, RJ), pequenas localidades que experimentaram intensa revitalização da sua
economia nas últimas décadas, graças à demanda turística baseada na música, a primeira
em razão de um improvável Festival de Jazz e Blues4 e a última devido a uma tradição
centenária de serestas.
Em suma, o estudo das Indústrias Criativas requer antes de tudo um olhar atento
para dois objetos, complementares em certa medida: os insumos artístico-culturais
(expressão usada aqui em substituição a “criatividade”, categoria difícil de definir e mais
difícil ainda de medir) dos quais dependem essas indústrias; e a dimensão econômica das
atividades essencialmente artístico-culturais.
4 O caso do Festival de Guaramiranga é relatado por uma de suas idealizadoras, Rachel Gadelha, em video do seminário mencionado acima, em http://www.seminarioculturaedesenvolvimento.ufrgs.br/videos.php
10
Em relação ao primeiro, consideremos por exemplo a indústria de jogos
eletrônicos – um dos ramos das ICC que mais cresce no mundo. Para o sucesso desse
tipo de produto, além das habilidades (não-artísticas) de programação para sua criação e
de marketing para conquistar uma fatia do mercado, um design atrativo e um roteiro
interessante são diferenciais importantes. Em consequência, uma forma elementar de
apoio do poder público a essa indústria consiste em valorizar o ensino das artes e da
literatura na escola – matérias geralmente consideradas secundárias - como forma de
ampliar a disponibilidade desses insumos em qualidade e quantidade, na força de
trabalho local.
Quanto ao segundo objeto, cabe ao Estado o papel clássico de agente regulador,
impedindo abusos e atuando estratégicamente onde falhar o mercado. Por exemplo, onde
a capacidade de consumo dos cidadãos for suficiente para sustentar um mercado de
espetáculos musicais, o poder público habitualmente promoverá eventos gratuitos ou com
preços reduzidos, em benefício da parcela da população que não participa daquele
mercado por não ter renda suficiente. Contudo, se o produto oferecido pelo Estado
beneficiar também - ou pior, principalmente - aqueles que podem pagar por ele, essa
intervenção introduz no mercado uma concorrência desleal, ameaçando seu equilíbrio.
Neste caso, medidas que assegurem a livre concorrência entre as empresas produtoras
devem ser consideradas. A existência de um teatro público, por exemplo, com custos
operacionais reduzidos, pode auxiliar de forma decisiva a sobrevivência e o crescimento
de pequenas e médias empresas do setor, que não dispõem de espaços próprios.
Nesse sentido, cabe mencionar ainda o caso da “meia-entrada”, direito que é
assegurado tradicionalmente aos estudantes no Brasil. Embora a recente aprovação do
“Estatuto da Juventude” (Lei 12.852/2013) tenha avançado ao fixar um limite máximo de
40% dos ingressos disponíveis em cada espetáculo para essa modalidade, na falta de um
subsídio público para ressarcir os realizadores pelo desconto, este será compensado
forçosamente pelo aumento no preço dos ingressos.
No âmbito do Município, consideramos que a mudança de mentalidade instituída
pelo chamado “Novo Modelo de Gestão”, implantado na Prefeitura de Porto Alegre a partir
de 2005, favorece a criação de medidas de apoio à Economia Criativa, já que a
transversalidade é premissa fundamental de ambos. O modelo também favorece que as
futuras ações venham a ter objetivos claros e resultados acompanhados de forma
11
permanente, através de indicadores, como já vem acontecendo, através do Portal de
Gestão5.
Por fim, saudamos a iniciativa do Inovapoa de constituir o Comitê de Economia
Criativa, formalizado em 9/10/2013 com a assinatura de Decreto pelo Prefeito Municipal,
incorporando universidades e entidades empresariais, além do Poder Legislativo e
diversas pastas da Administração, com o objetivo de “promover a geração de emprego e
renda, abertura de novos mercados e estimular a diversidade cultural, inclusão social e o
desenvolvimento humano.” O Observatório da Cultura está à disposição para colaborar
nesse projeto, especialmente com a tarefa de mapeamento dos agentes econômicos do
setor, suas necessidades e potenciais.
5 www.portoalegre.rs.gov.br/portalgestao
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REFERÊNCIAS:
ANHEIER, Helmut; ISAR, Yudhithir Raj. The cultural economy. London, SAGE, 2008. [The cultures and globalization series, 2]
BRASIL. Ministério da Cultura. Plano da Secretaria de Economia Criativa: Políticas, diretrizes e ações 2011-2014. Brasília, MinC, 2011. http://www2.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2012/08/livro_web2edicao.pdf
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