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INSTITUTO JUNGUIANO DA BAHIA – IJBa
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
ANA CRISTINA QUEIROZ
ELZENIRA ALMEIDA CARNEIRO KLIPPEL
JEANE RIBEIRO
MANUELA MIRANDA CAMPOS
MARCI MARIA FERRAZ RIBEIRO
NEIDE SCALDAFERRI
PAULA BAROUCHEL
“O Demônio Nas Relações Pais e Filhos”
Trabalho apresentado referente à
disciplina Fundamentos da Psicologia Junguiana,
que tem como tema “A Sombra”.
Salvador,
Agosto 2005
INDICE:
APRESENTAÇÃO:.............................................................................................................. 3 A SOMBRA: ......................................................................................................................... 4 A SOMBRA FAMILIAR:.................................................................................................... 6
A traição de pai ou mãe como a iniciação à sombra: ...................................................... 9 Os Eus desenvolvidos por causa da Sombra familiar: ................................................... 11
Padrões de desenvolvimento possíveis, que ocorrem em função da criação da sombra nas famílias:..................................................................................................................... 13
1. O “filho do pai” ....................................................................................................... 13 2. O “filho da mãe” ( O PUER) ................................................................................... 14 3. A “filha da mãe” ...................................................................................................... 14 4. A “filha do pai”........................................................................................................ 15
O Lado Avesso do Relacionamento Mãe- Filha: ........................................................... 16
CONSIDERAÇÕES FINAIS: ........................................................................................... 17 REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA: ................................................................................ 19
3
APRESENTAÇÃO:
Ao estudarmos sobre o arquétipo da sombra na relação pais e filhos tivemos
momentos intensos de reflexões sobre as nossos papéis como filhos e para alguns de nós,
como pais. A todo instante procuramos nos identificar com os casos clínicos descritos pelos
autores, e, às vezes podemos nos deparar algo parecido com a nossa própria realidade, o
que foi muito gratificante para cada um de nós individualmente, e importante para o nosso
processo de aprendizado da Teoria Junguiana.
Esse trabalho visa fazer um explanação teórica sobre o que é o arquétipo da sombra
na relação pais e filhos, além de retratar como esta se desenvolve e as conseqüências que
podem surgir na vida pessoal e familiar.
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A SOMBRA:
O caráter antagônico do ser humano é descrito pela literatura, pela psicologia e pela
filosofia. O lado escuro da natureza humana já foi comentado por vários filósofos desde a
antiguidade. Heráclito foi quem primeiro descreveu a função reguladora dos contrários,
mostrando que, em algum momento, as coisas correm em direção ao seu contrário, e
Goethe disse que jamais ouvira falar de um crime que ele próprio não fosse capaz de
cometer. Entretanto o conceito de Sombra vem de descobertas feitas por Freud e Carl
Gustav Jung. Foi seguindo os caminhos da natureza, observando as pessoas que Jung
descreveu este mesmo jogo antagônico na psique humana.
Para Jung, a Sombra é o núcleo do material que foi reprimido da consciência. A
Sombra inclui aquelas tendências, desejos, memórias e experiências que são rejeitadas pelo
indivíduo como incompatíveis com a imagem que deseja apresentar e/ou são contrárias aos
padrões e ideais sociais. A Sombra representa aquilo que consideramos inferior em nossa
personalidade e também aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos em nós
mesmos.
Segundo Jung, é bem possível que o indivíduo possa reconhecer o aspecto
relativamente mau de sua natureza, isto é, confrontar-se com a Sombra Pessoal ou Sombra
Coletiva, mas defrontar-se com o absolutamente mau, ou seja, com a sombra Arquetípica,
representa uma experiência ao mesmo tempo rara e assustadora.O mal é uma realidade e
não é possível livrar-se dele por meio de eufemismo, de negação ou projeção, por isso é
necessário aprendermos a conviver com ele.E, ainda, como diz uma citação junguiana: “ o
Diabo quer participar da vida, mesmo que até a hora atual,ainda é inconcebível como isso
será possível, sem maiores danos.”
Jung também reconhece que há algo intrísico ao próprio Si-Mesmo que não se
coaduna, não se relaciona, e que fundamentalmente, não se submete a uma
hierarquia.Considerar o Si-Mesmo apenas como o centro ordenador da psique é deixar
“escapar” este aspecto sombrio do próprio Si-Mesmo, que é diabólico, o suicida,o
terrorista,etc.Ou como diz Hillmann: “atrás da escuridão reprimida e da sombra pessoal...
existe a sombra arquetípica, o princípio do não-ser, que foi chamado e descrito como o
Demônio, o Mal, o Pecado Original, a Morte, o Nada.”
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Cada um de nós contem uma persona agradável para o uso cotidiano e um eu oculto
e noturnal que permanece amordaçado a maior parte do tempo, que é então denominada de
sombra.
Todos nós tentamos apresentar uma face linda e inocente para o mundo; um
comportamento gentil e cortês; e uma imagem jovem e inteligente. E assim sem saber, mas
de forma inevitável, escondemos as qualidades que não combinam com a imagem, aquelas
qualidades que não aumentam a nossa auto-estima nem provocam o nosso orgulho, mas,
em vez disso, causam vergonha e fazem com que nos sintamos pequenos.
Empurramos para a caverna escura do inconsciente os sentimentos que nos
provocam desconforto – ódio, raiva, ciúmes, ganância, competição, luxúria, vergonha – e
também os comportamentos que são considerados errados por nossa sociedade – vício,
preguiça, agressão, dependência – criando desta forma o que se poderia chamar de
conteúdos da sombra. Todos os sentimentos e capacidades que são rejeitados pelo ego e
exilados na sombra contribuem para o poder oculto do lado escuro da natureza humana, no
entanto nem todos eles são aquilo que se considera traços negativos.
Escondida da percepção, a sombra não é parte da auto-imagem consciente. Parece
surgir de repente, trazida por uma gama de comportamentos variáveis que vai desde um
ataque de mau humor até comportamentos autodestrutivos tais como vícios, desordens
alimentares, depressão, desordens psicossomáticas, mentira, traição, questões conjugais,
por exemplo, que certamente irão nos trazer dor e crises durante a nossa vida se não forem
reconhecidas e trazidas à consciência.
Muitas vezes vemos a sombra indiretamente, nos traços e ações desagradáveis de
outras pessoas, onde é mais seguro observá-la; nós nos projetamos ao atribuir qualidades
negativas a outras pessoas, em um esforço inconsciente de bani-la de nós mesmos, de evitar
vê-la dentro de nós.
O trabalho com a sombra nos permite alterar nossos comportamentos auto-
sabotadores movidos pelo inconsciente, para termos uma vida mais plena. Isso fará que
ampliemos nossa percepção, possibilitando um maior alcance de quem realmente somos,
para que possamos atingir um auto-conhecimento mais completo e finalmente sentirmos
uma maior aceitação de nós mesmos.
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Desse modo, o encontro com a sombra pode ser uma iniciação, uma chamada que
nos lembra a complexidade multifacetada da natureza humana e as profundezas fecundas da
alma.
O objetivo de encontrarmos a sombra é desenvolver um relacionamento progressivo
com ela e expandir o nosso senso do eu alcançado o equilíbrio entre a unilateralidade das
nossas atitudes conscientes e as nossas profundezas inconscientes.
Dessa forma podemos dizer que a sombra é inconsciente e surge, às vezes, como
uma “visita indesejada”, que nos deixa envergonhados. Se eu sendo permanentemente
dócil, irrompo em um ataque de grosseria, minha sombra está se manifestando. Mas, se
aprendermos a trabalhar com ela, podemos ouvir as vozes que foram silenciadas, e
honrar o que ela tem a nos dizer. Para isso, temos que avaliar o que realmente está
escondido em nossas almas e integrarmos o que foi reprimido, mas que ainda pode nos
servir para atingirmos a nossa totalidade.
A SOMBRA FAMILIAR:
Existe assim uma relação direta entre a formação do ego e da sombra: o “eu
reprimido” é um subproduto natural do processo de construção do ego que acabará se
tornando o espelho dele mesmo. Reprimimos aquilo que não se encaixa na visão que
fazemos de nós mesmos e desse modo, vamos criando a sombra. Devido à natureza
necessariamente unilateral do desenvolvimento do ego, nossas qualidades negligenciadas,
reprimidas e inaceitáveis acumulam-se na psique inconsciente e se organizam como uma
personalidade inferior – a sombra pessoal. Dessa forma é de extrema importância tratarmos
da sombra na relação pais e filhos, pois é dentro do seio familiar que o ego é construído e
estruturado.
As sombras se formam dentro de uma família, fazendo de nós quem nós somos. E
isso conduz ao trabalho com a sombra, que nos transforma em quem podemos vir a ser.
Existe em nós uma herança psicológica tão verdadeira quanto a herança biológica
que recebemos da família. Essa herança inclui um legado de sombra que é transmitido e
que nós absorvemos do contexto psíquico do ambiente familiar. Estamos desde o princípio
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expostos aos valores, temperamentos, hábitos e comportamentos de pais ou figuras
parentais representativas, irmãos, e/ou outros familiares do núcleo primeiro. Com
freqüência, os problemas que nossos pais não conseguiram resolver nas suas próprias vidas
vêm instalar-se em nós na formas de disfunções nos padrões de socialização.
A família é a nossa origem, e está ao nosso lado quando morremos. Mas, o nosso
lar, é também a moradia da sombra. Dentro da atmosfera psicológica criada pelos
familiares, cada criança inicia o processo de desenvolvimento do ego, e isto se faz em geral
pela repressão daquilo que é considerado “errado” pela família, bem como pela
identificação com aquilo que é encorajado como sendo “bom”.
A família tem um poder mítico – a fonte de todo o bem, a defesa contra o mal. É
exaltada como um ideal sagrado, que promete raízes, parentesco de sangue, gerações
futuras. Imaginar uma vida sem família é imaginar a vida em queda livre, sem um
recipiente, sem um chão onde pisar.
Porém à medida que foram emergindo da sombra cultural segredos familiares como
abuso infantil, violência contra a mulher, e vícios epidêmicos, nossa fantasia de uma
família perfeita foram despedaçadas. Na verdade muitas famílias existem para nos colocar à
mercê exatamente daqueles sofrimentos dos quais prometiam nos proteger. Se abrirmos os
olhos e olharmos com atenção, sem desviarmos o olhar, veremos que por todo lado o amor
e a violência, a promessa e a traição, caminham juntos. O lar também é moradia da sombra.
Nas crianças mais jovens, onde a regulação do limiar da percepção é frouxa e
ambígua, podemos ficar espantados com a expressão de mesquinharia e crueldade que estas
manifestam ao brincarem umas com as outras. É fácil podermos observar a formação da
sombra nas crianças com a interferência espontânea e bem intencionada dos adultos que se
empenham no processo de educar e proteger as crianças para que não se machuquem. Da
mesma forma pretendem estes que as crianças reprimam os sentimentos e ações que são
“socialmente inadequadas” para que se encaixem num ideal adulto de brinquedo
apropriado.
Portanto a criança mal-comportada é aquela que expõe livremente aquilo que um
dia nós reprimimos em nós mesmos. A criança capta a mensagem e para ser aceita, deixa de
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se identificar com os impulsos espontâneos e passa a comportar-se diferente para atender às
expectativas do adulto.
A sombra dos outros membros da família exerce forte influência sobre a formação
do eu reprimido da criança, especialmente quando os elementos escuros não são
reconhecidos dentro do grupo familiar ou quando os membros da família conspiram para
esconder a sombra de um deles por ser alguém poderoso, ou fraco, ou muito querido.
A sombra dos outros estimula assim, um continuo esforço moral na formação do
ego e a sombra da criança vai tomando volume. A formação da sombra é inevitável e
universal, e o trabalho com a sombra faz de nós aquilo que podemos ser.
A negação de nossos sentimentos e pensamentos começa cedo, quando descobrimos
que nossos pais retiram o amor quando fazemos algo que os desagrada, ou nos punem
quando estamos errados. Eles são também crianças feridas, e tendem a fugir de seus
próprios sentimentos enterrados.
Em muitas casas a alma familiar foi sacrificada para manter a ilusão da persona
familiar. O resultado é a erupção da sombra familiar, que rasga o tecido da vida de todos os
membros da família.
O elemento que falta é a alma familiar, um meio ambiente natural, ou espaço
psíquico, que permite o aprofundamento e o desenvolvimento das almas individuais dos
membros da família. Quando a alma familiar está presente, os membros se sentem
compreendidos, mas têm conexões interiores uns com os outros, em vez de um
relacionamento obrigatório e imposto.
Uma família voltada para a alma honra as diferenças individuais e, ao invés de
reprimir, pode até acolher o conflito de forma proveitosa para todos. Encoraja o
aprendizado e a exploração de novas atitudes, sentimentos e habilidades, em vez de
imitações e conformidade. Trabalha unida para enfrentar os desafios, e se diverte junta para
compartilhar as alegrias.
Quando não se faz um trabalho verdadeiro com a sombra, o mandato dos pecados
familiares aparece ser a forma cruel pela qual a sombra nos desafia a aprender as lições que
nossos antepassados deixaram de aprender. Se falharmos também, deixando de mudar,
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perpetuamos a maldição familiar, como acontece no caso de adultos que foram abusados
quando crianças e que mais tarde abusam dos filhos, e assim por diante, de geração em
geração. Ou fazemos algum tipo de trabalho psicológico, como o trabalho da sombra, ou
essas questões continuarão a nos perseguir. Como disse Jung: ”Quando uma situação
interna não vem ao consciente, ela acontece do lado de fora, sob a forma de destino”.
Aparece também nas vidas de nossos filhos, e nas vidas dos filhos de nossos filhos.
A traição de pai ou mãe como a iniciação à sombra:
Pela perspectiva do relacionamento pai – filho, o abandono, a traição e o sacrifício
do filho têm profundas raízes míticas. Etimologicamente, trair (betray) significa servir na
bandeja, talvez oferecer na bandeja para os deuses, como em um sacrifício. Sacrificar, por
seu lado significa tornar sagrado. Os pais míticos de todos os tempos traíram e sacrificaram
seus filhos. No Novo Testamento, Deus sacrifica seu único filho, Jesus, na cruz. No Antigo
Testamento, Abraão concorda em sacrificar seu filho Isaac, em um esforço para seguir o
comando de Deus.
As mães míticas, também, traem suas filhas por razões questionáveis: A princesa
Medeia, abandonada pelo amante Jasão, o herói que empreendera a busca do Tosão de
Ouro, mata seus filhos para se vingar. E Agave, mãe de Penteu, rei de Tebas, mata e
desmembra seu filho num banquete dionisíaco.
De forma paralela, os pais modernos, ao perpetuar inconscientemente os pecados
familiares, podem julgar e condenar seus filhos como rivais a serem empurrados para fora
do caminho, como obstáculos à sua libertação da responsabilidade, ou como fracos que
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precisam virar homens por quaisquer meios necessários. Podem também idealizar suas
filhas como troféus para o seu orgulho, ou desvalorizá-las como objetos de seus próprios
prazeres egoístas. Para alguns a traição é maliciosa e intencional, uma traição da ordem
natural do amor pai – filho. Mas na maioria dos casos a traição é oblíqua e não intencional,
uma questão de confiança, uma falha na função do espelho, uma transmissão da própria
sombra.
As mães de hoje também traem seus filhos pequenos de diversas formas: mães que
– como Medusa – congelam suas filhas com um olhar frio e perfeccionista. Ou invadem o
corpo de um menino com mãos que buscam preencher o seu próprio vazio. Outras devoram
seus filhos, mantendo-os reféns física ou emocionalmente, até não terem mais vontade
própria. E muitas vezes fazem o personagem da virgem imaculada, uma santa cuja sombra
invisível os filhos são obrigados a carregar.
O ego do progenitor, então, usa a re pressão da alma infantil para manter a posição
de poder na família, e também para reforçar a imagem da persona familiar. Em uma
estranha inversão, a criança inconscientemente se identifica com o progenitor poderoso,
seja ele do mesmo sexo, ou do sexo oposto. O resultado é que a criança desenvolve uma
imagem ideal do progenitor, um pai ou mãe de fantasia que é fortíssima exatamente porque
o arquétipo do Pai ou da Mãe está no centro da fantasia. Assim a criança inconscientemente
modela como uma cópia do progenitor, formando padrões específicos de ego, como a “filha
do pai” ou o “filho da mãe”. Ao mesmo tempo a criança, sem saber, rejeita o outro
progenitor menos poderoso, escondendo suas qualidades na sombra, o que também vai
resultar na formação de padrões específicos, só que de sombra.
A reação de um pai ou uma mãe a uma criança raramente está à altura da imagem
ideal; mesmo com a melhor das intenções, apesar de um grande esforço moral para nutrir,
apoiar e espelhar a natureza autêntica da criança, o progenitor falha.
É impossível manter a inocência da criança de acordo com um padrão de família
perfeita – isto é, o progenitor não consegue preencher a necessidade da criança de amor,
segurança e espelhamento, em todos os momentos. O progenitor, cuja alma foi ferida, vai
falhar. Do ponto de vista da alma da criança, a traição é inevitável, e os pais são
instrumentos desta traição. Desta maneira, mais uma criança humana se transforma,
psicologicamente, em um adulto.
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O psicólogo arquetípico James Hillman mostra que a traição pode ser vista com um
ponto de transição necessário, que permite ao indivíduo sair do estado de infantil de
confiança ingênua e inocência, para a percepção da complexidade de cada ser humano,
inclusive do lado escuro.
Nossos pais são nossos traidores, e, portanto agem também como agentes da
consciência. Não estamos dizendo isso para desculpar a tirania do abuso ou minimizar a dor
da injúria, mas para aprofundar as idéias sobre o relacionamento entre pais e filhos. Apesar
da premissa de que a traição é má, apesar de nosso desejo de viver a vida sem ferimentos, a
traição traz o potencial oculto de nos abrir para algo maior. Por isso, envolve mais do que a
psicologia pessoal: è um portal para a atividade arquetípica, talvez o destino.
Como resultado deste processo de crescimento, as qualidades rejeitadas reaparecem
como personagens da mesa, com seus respectivos escudos.
Os Eus desenvolvidos por causa da Sombra familiar:
• O eu perdido
Os pais são os primeiros mestres de uma criança e suas lições nem sempre são
doces. A inveja, a raiva, a culpa, o ciúme, a preguiça, a covardia, a tirania, a fraqueza
moral, e toda sorte de “virtudes negativas” são expostas na criação da criança e quando
estes sentimentos e comportamentos deixam de ser reconhecidos como componentes da
sombra, podem trazer trágicas e destruidoras conseqüências para a criança em questão.
Em sua tentativa de reprimir certos pensamentos, sentimentos e comportamentos
que julgam inadequados nas crianças, os pais às vezes emitem ordens claras: “Não me diga
que você está fazendo assim”, “ Meninos não choram”, “Não ponha a mão nessa parte do
seu corpo!”, “Nunca mais quero ouvir você dizendo isso”, “Não é assim que a gente age
aqui em nossa família”. Outras vezes os pais moldam as crianças através de um processo
mais sutil de invalidação, simplesmente optam por “não ver” ou não premiar certas coisas.
Se eles, por exemplo, acreditam que meninas devem ser gentis e femininas e os meninos
fortes e afirmativos eles só recompensarão seus filhos por comportamentos adequados ao
sexo de cada um. Sem dúvida a influência mais forte é, entretanto, o exemplo dos pais que
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a criança observa e instintivamente copia, as escolhas que os pais fazem, as liberdades e
prazeres que se concedem, os talentos que desenvolvem, as habilidades que ignoram e as
regras que seguem. Isso tudo tem um efeito profundo sobre ela e a criança apreende: “É
assim que se vive. É assim que se vence na vida”; quer a criança se identifique com o
modelo dos pais quer seja rebelde a ele, a modelagem está feita.
Com o passar do tempo a criança constrói um pai/mãe imaginário dentro de sua
cabeça, para policiar seus próprios pensamentos e atividades – essa parte da mente que os
psicólogos chamam de “superego”. A partir daí sempre que tiver um pensamento proibido
ou comportamento “inaceitável”, a criança vai experimentar um golpe de ansiedade
administrado por ela mesma. Esse golpe é tão desagradável que ela faz adormecer algumas
destas partes proibidas de si mesma, em termos freudianos, ela os reprime. O preço final da
sua obediência é a perda da totalidade.
• O falso eu
Os sentimentos e valores dos pais moldam o estilo de defesa da criança. Para
preencher o vazio da perda da sua totalidade, a criança cria um “falso eu”, para camuflar as
partes de si que reprimiu, e para protegê-la contra novos sofrimentos. Por exemplo: o
menino criado com uma mãe inacessível e sexualmente repressora pode tornar-se um
“durão” achando que não tem necessidade de afetividade, pensando que sexo é “sujo”, e
levantar barreiras a todas as tentativas de relacionamento íntimo, provavelmente criticando
a companheira por um interesse de contato e sexualidade saudável que ela demonstre e ele
considera anormal. Pode acontecer também, para outro menino diante de uma experiência
semelhante, vir a exagerar seus problemas e se posicionar como o “coitadinho”, carente e
com constante esperança de ser salvo por alguém, sente-se ferido e precisa de alguém que
tome conta dele. Um terceiro menino poderia vivenciar esta mesma circunstancia tornando-
se avarento nas relações afetivas, lutando para se apoderar de cada pouco de amor, comida
ou bens materiais que cruzassem seu caminho, com medo de nunca ter o bastante.
Mas qualquer que seja a manifestação do falso eu, sua função é a mesma: minimizar
a dor da perda da totalidade.
• O eu reprimido
Os traços negativos que então a criança passa a expor nos relacionamentos com o
mundo terminam por lhe trazer mais sofrimento por ser criticada. As pessoas a condenam
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por ser inacessível ou carente ou sovina ou ciumento ou gorda ou egoísta e isso tudo
aumenta sua dor por possuir esses traços negativos. Tudo que os outros vêem é o lado
neurótico da sua personalidade, e não há como negar que ele existe, mas ela também “sabe”
que aquilo não é parte da sua natureza original, embora possa mostrá-los tantas vezes. Esses
traços negativos tornam-se aquilo que se chama o “eu reprimido”. Ela interpreta estes
aspectos negativos de outra forma, ninguém vê (nem a criança nem os outros) que a
natureza sábia em sua defesa e proteção a poupa de confrontar com a ferida que gerou
aqueles comportamentos. A solução que a criança ferida encontra é negar ou atacar os que a
criticam. Pensa então: “Não é de mim que falam, estão me vendo sob uma luz negativa”.
De toda esta complexa secção que fazemos do nosso eu total só conseguimos
perceber algumas partes do eu original e algumas outras do falso eu. Juntos estes elementos
formam a nossa personalidade, ou seja a forma como nos apresentamos aos outros.
Padrões de desenvolvimento possíveis, que ocorrem em função da criação da sombra nas famílias:
1. O “filho do pai”
Este padrão surge da identificação do ego do menino com o pai e o mundo
masculino, triunfando sobre a identificação com a mãe. Interessa-se por carros, esportes e
competição, e pode absorver, atitudes patriarcais com relação às mulheres e a outros
homens. Como seu pai, vai banir para a sombra as qualidades mais sensíveis, nutridoras e
vulneráveis, e deste modo, sua persona pode, em certos casos, se tornar dura, raivosa,
devido ao esforço inconsciente para se tornar forte, afeito ao cumprimento de metas.
O maior medo do “filho do pai” é a fraqueza. Trabalhar com a sombra o fará
explorar as qualidades que exilou no seu papel de “filho do pai”, e descobrir a forma
particular de lidar com os opostos.
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2. O “filho da mãe” ( O PUER)
Alguns homens podem começar sua vida como um puer, ou homem suave.
Mitologicamente, aquele que voa bem alto acima do mundo é o puer aeternus, o eterno
jovem que não quer ou não pode crescer.
Um homem pode sofrer muito por não conseguir amadurecer da forma socialmente
convencional. Ele pode permanecer inocente e infantil, ou pode ser seduzido por drogas e
pelo álcool, buscando uma exaltação constante. Existe controvérsia, dentro da comunidade
Junguiana, sobre como interpretar o arquétipo do puer.
A analista Marie-Louise Von Franz focaliza o seu lado escuro, caracterizando o
puer como um homem imaturo e pouco ancorado na terra, que não consegue se
comprometer com nada.Ela acredita que ele tenha uma atitude de “cabeça nas nuvens”, o
que o deixa cego para as questões da sombra. James Hillman, por outro, focaliza o lado
iluminado do arquétipo, e avalia o puer positivamente, dizendo que ele representa “o
espírito da juventude e a juventude do espírito...” Mas, do ponto de vista do ego, o puer é
um problema; o ego exige que ele se adapte, seja um sucesso. Por esta razão, todas as
influências da socialização conspiram para cortar suas asas. A solução: o puer precisa
formar um par com o pai, em um relacionamento imaginário.
Apesar do perigo evidente que representa a fuga que o puer faz da realidade, do
ponto de vista da sombra cultural, o puer representa a juventude e abertura versus velhice e
rigidez; espiritualidade versus materialismo; imaginação e talento versus uniformidade.
Para o homem influenciado fortemente por este padrão, o trabalho com a sombra
não significa apenas se endurecer ou ficar mais sério. Em vez disso, trata-se de encontrar
um lugar adequado na mesa para o personagem puer,que então poderá sonhar com as
possibilidades criativas futuras enquanto o homem,que trabalha para se tornar mais
conectado ao seu corpo e alma masculinos, constrói uma vida ancorada neste mundo.
3. A “filha da mãe”
A mulher que se identifica com a mãe pode carregar na sombra traços masculinos.
Muitos filhos hoje em dia ficam presos a padrões familiares misturados. Invadidos
por pais incestuosos ou controlados por mães invasivas, são forçados a se tornarem esposos
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alternativos, alimentando com seu amor pais e mães monstruosos e devoradores. Então, os
sons da música pesada ou o sexo perigoso, podem lhe parecer atrativos.
Na terapia, pode encontrar o caminho para trabalhar com a sombra, examinando seu
relacionamento com a mãe, e separando o lado escuro do lado claro.
4. A “filha do pai”
A “filha do pai” identifica-se com o progenitor do sexo oposto, exilando para a
sombra, determinadas qualidades femininas.
A mulher, então se identifica profundamente com o pai poderoso e o mundo
masculino, em detrimento da mãe e do feminino. Pode desvalorizar a mãe, e suas próprias
qualidades femininas, como os sentimentos delicados e vulneráveis, que são então, exilados
para a sombra. Pode vir a não ter filhos, por achar que pode viver independente; mas
carrega um medo secreto de encontrar alguém que queira fecundar aquela que ama e a
vergonha secreta de se tornar uma mulher que não pariu filhos, mas pariu a si mesma.
Com o trabalho com a sombra, tende a descobrir que seu desprezo pela feminilidade
tradicional, contaminou seus sentimentos sobre si mesma enquanto mulher, e consegue
valorizar sua mãe/Deméter, que foi banida há muito tempo pela “filha do pai”.
Cada padrão é uma tentativa de enfrentar os desafios do crescimento pessoal de uma
determinada família. Cada um tem suas dádivas e seus limites. E cada um tem um destino
que se desenrola mais tarde na vida, quando os padrões de ego, sombra e alma de um
indivíduo surgem no romance, na amizade e no trabalho. Muitas vezes é a própria ferida da
alma que funciona como catalisadora deste salto para longe da família, em direção a uma
vida individual mais autêntica.
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O Lado Avesso do Relacionamento Mãe- Filha:
Poucas emoções serão mais difíceis de analisar, do que a inveja da mãe pela filha
amada. É natural desejar o melhor para as filhas, e sacrificar-se instintivamente para dar
tudo o que lhe foi negado. Mas o rancor e ressentimento de ter feito escolhas que retiraram
de si oportunidades almejadas, geram ambivalência e profunda vergonha dos seus
sentimentos, e pode ser sentido pela filha, aumentando a crise.
A filha, criada nessa atmosfera de mistificação, terá ao certo problemas quando
partir para viver sua própria vida. Haverá sensação de ansiedade entre mãe e filha, e tudo
isso, fará com que seja impossível para a filha, separar-se da mulher mais velha, e seguir
sua própria vida. É necessário, o trabalho psicológico.
Transcender a mãe não é uma simples questão de fazer com nossa própria vida
aquilo que a mãe não fez. É antes, uma questão de fazer aquilo que a mãe talvez tivesse
desejado fazer e não fez por escolha pessoal. A mãe pode sentir-se insatisfeita e se apagar
como pessoa, e viver através da vida da filha. A quem cabe a culpa? À mãe ferida que um
dia foi filha? À filha enraivecida que talvez se torne um dia, mãe ela mesma, o alvo de
reprovação de sua própria filha?
Precisamos superar essa tendência de culpar as mães. E ao mesmo tempo
precisamos tomar consciência da nossa raiva e frustração, a sensação de abandono que
todas nós sentimos um dia, filhas de mulheres em crise como nós mesmas. È preciso
trabalhar toda a culpa que as filhas também sentem, pois isso entrava o seu
desenvolvimento.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A formação da Sombra é universal e inevitável. A figura da Sombra sempre há de
existir na nossa personalidade. Como esponjas, as crianças absorvem medos, vícios, ódios,
depressões, rejeição, mesmo que nunca se tenha falado uma única palavra em voz alta. Ser
pai/mãe é uma responsabilidade difícil, complexa e delicada. A pregação moralista pode ser
até perigosa.
Os pais têm a tarefa de trazer à luz suas próprias dificuldades e ajudar os filhos a
desenvolver uma sombra que não os debilite com interferências excessivas ou negativas ao
seu desenvolvimento psicológico natural e saudável. De suma importância é o tipo de vida
que os pais realmente levam e o grau de honestidade psicológica que possuem.
A criança precisa ser ligada pelo amor à mãe e/ou ao pai, ou a um substituto
adequado. Desse modo estão lançadas às bases da vida moral. É importante que no
processo de crescimento a criança se identifique com os atributos psicológicos apropriados
e não com a Sombra, pois se houver demasiada identificação com a Sombra o ego terá um
“pé torto”, um defeito fatal.
A individuação e a totalidade só são possíveis quando a personalidade consciente
tem uma certa atitude moral. Estar disposto a lidar criativamente com o problema da
Sombra exige dos pais uma dose incomum de sutileza, de consciência, de paciência e de
sabedoria.
Se pretendem ter sucesso ao lidar com a sombra dos filhos, os pais precisam aceitar
e estar em contato com sua própria sombra. Os pais que tem dificuldade em aceitar seus
próprios sentimentos negativos e suas reações menos nobres, acharão difícil aceitar o lado
escuro dos filhos. Vale ressaltar que, aceitação não significa permissividade. Aceitar todos
os tipos de comportamento que são inaceitáveis na sociedade humana impede a criança de
organizar sua própria capacidade interior de controlar essas formas de comportamento. E a
criança precisa aprender isso.
Estar disposto a lidar criativamente com o problema da sombra exige dos pais uma
dose incomum de paciência, sabedoria, e consciência. Não se pode ser muito austero, ou
muito permissivo. Os pais devem aceitar a si mesmos, e perceber, o quanto somos
divididos. Aí está um dos grandes méritos da personalidade da sombra: o nosso confronto
com a sombra é essencial para o desenvolvimento da nossa consciência.
18
Para resgatar a alma feminina e masculina, temos que tornar consciente a dinâmica
oculta da identificação e da repressão, que formou nosso ego e nossa sombra,
respectivamente. Precisamos olhar de perto e ver como nos tornamos iguais a nossos pais, e
como negamos determinadas qualidades deles, como os rejeitamos e como os idealizamos.
Precisamos ouvir a voz interior de nossos pais, sob a forma de um personagem de sombra
que dita a lei como um deus irado, forçando-nos a reviver a relação dia após dia, como seu
filho, sua vítima, ou seu rebelde. Por fim, temos que estar conscientemente dispostos a
carregar nossos pais dentro de nós, da mesma forma que um dia eles nos carregaram em
seus braços.
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ABRAMS. J & ZWEIG, C: Ao encontro da sombra: o potencial oculto do lado
escuro da natureza humana. Editora Cultrix: São Paulo, 1991
WOLF. S & ZWEIG, C.: O jogo das sombras.
JUNG,Carl Gustav.Aion.Vol.IX/2 das Obras Completas. Ed. Vozes.RJ.1986
JUNG,Carl gustav.memórias,sonhose reflexões.Ed Nova fronteira.
6ª edição.RJ.1984
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