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O Eurasianismo: sua influência na política externa russa pós-soviética e reflexos na Política de Defesa do Brasil
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(INTENCIONALMENTE EM BRANCO)
O Eurasianismo: sua influncia na poltica
externa russa ps-sovitica e reflexos na
Poltica de Defesa do Brasil
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO
Maj Eng HERMES LENEO MENNA BARRETO LARANJA GONALVES
Rio de Janeiro
2014
Maj Eng HERMES LENEO MENNA BARRETO LARANJA GONALVES
O Eurasianismo: sua influncia na poltica
externa russa ps-sovitica e reflexos na
Poltica de Defesa do Brasil
Dissertao apresentada Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito, como um dos requisitos para aprovao no Programa de Ps-graduao stricto sensu de Mestrado em Cincias Militares.
Orientadora: Profa. Dra. Adriana Aparecida Marques
Rio de Janeiro
2014
G635e GONALVES, Hermes L.M.B.L. O eurasianismo: sua influncia na poltica externa russa ps-sovitica e reflexos para a poltica de defesa do Brasil. / Hermes L. Menna Barreto
Laranja Gonalves. 2014. 134 f.; il.: 30 cm. Dissertao (Mestrado) Escola de Comando e Estado-Maior do
Exrcito, Rio de Janeiro, 2014.Bibliografia: f. 124-134.
1. Geopoltica; 2. Poltica. 3. Relaes Internacionais. I. Ttulo
CDD 355.45
AGRADECIMENTOS
A Deus, Pai todo poderoso, e ao nosso senhor Jesus Cristo, pela proteo
concedida em todos os momentos e por ter me proporcionado a sade e a energia
necessrias para a realizao deste trabalho cientfico.
minha querida esposa, Andra Cristina, por todo amor, compreenso,
pacincia, e irrestrito apoio para que esta dissertao chegasse a seu termo. A sua
presena ao meu lado um constante incentivo para que eu busque maximizar meus
eventuais pontos fortes e minimizar as minhas inevitveis oportunidades de
melhoria.
minha orientadora, a incansvel professora-doutora Adriana Aparecida
Marques, pela segura e oportuna orientao acadmica que me foi prestada, sem a
qual dificilmente concluiria o presente trabalho.
Ao professor-doutor Andr Roberto Martin, pelos oportunos e enriquecedores
conhecimentos e orientaes transmitidos durante suas significantes visitas ECEME,
oportunidades mpares na qual, face aos valiosos dados que apresentou, nos fez
sentir a necessidade de continuar estudando a Geopoltica brasileira.
professora-doutora Selma Lcia de Moura Gonzales, agradeo pelas
sugestes, sempre pertinentes, que vem sendo fundamentais para o aperfeioamento
tanto do presente trabalho quanto da minha compreenso da complexa conjuntura
atual.
Ao Senhor Tenente-Coronel Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon, pelo
incansvel trabalho de coordenao, inestimvel apoio na obteno de diversas
fontes de consulta, de difcil obteno no Brasil, permitindo uma pesquisa bem mais
abrangente e completa.
Aos meus colegas de programa de ps-graduao 2013-2014 agradeo pelas
valiosas sugestes, crticas e recomendaes as quais muito contriburam para elevar
a qualidade do presente trabalho dissertativo.
Aos meus pais, Hermes e Maria Cristina, pelo exemplo de toda uma vida
dedicada famlia e pela fora que fizeram para que tivesse a chance de frequentar
as melhores escolas que lhes foi possvel me propiciar.
nossa querida Antonela, onde estiver.
Aos soldados do Brasil, de todos os tempos.
RESUMO
Esta dissertao busca examinar a escola geopoltica do Eurasianismo, sua influncia
na poltica externa da Federao Russa, desde o fim da antiga Unio Sovitica, e os
reflexos para a Poltica de Defesa do Brasil. Inicialmente a pesquisa discute as
condicionantes geopolticas que formaram a atual configurao, a atuao
internacional e a identidade do Estado Russo ao longo de sua histria. A seguir, o
estudo passa a expor as caractersticas fundamentais dos diversos tipos de
Eurasianismo que surgiram na Rssia desde o incio do sculo XX, convergindo
finalmente para o chamado Eurasianismo contemporneo, ou Neo-Eurasianismo.
Esta escola de pensamento possui um conjunto de ideias baseado na Geopoltica, na
Filosofia e na cultura, mas tambm no pensamento do Eurasianismo Primitivo,
desenvolvido por emigrados russos entre os anos de 1920 e 1930. Esta base terica
mltipla foi reforada, ainda, com o pensamento de diversos tericos do Ocidente. A
nova geo-ideologia russa, que preferimos chamar no presente estudo de
Eurasianismo contemporneo, vem sendo exposta fora da Rssia principalmente pelo
cientista poltico russo Alexandr Dugin, que o autor de diversos livros sobre o assunto.
Finalmente, a pesquisa analisa a Poltica Externa russa ps-sovitica, influenciada
pelos eurasianos, buscando ressaltar os eventuais reflexos dessa para o
planejamento estratgico de defesa do Brasil neste comeo de sculo XXI.
Palavras-chave: Rssia Eurasianismo Brasil
ABSTRACT
This dissertation seeks to examine the eurasian geopolitical school, its influence in the
Russia Federation Foreign Affairs policies since the end of the Soviet Union and its
consequences for the brazilian defense policy. Initially the research discusses the
geopolitical imperatives that has originated the presente structure, the international
behavior and the identity of the Russian State thoughout its history. Next, the study
starts explaining the basic features of the different types of Eurasianisms that ocurred
in Russia since the beginning of 20th century, finally converging to the so called Neo-
Eurasianism, or modern Eurasianism.This school of thought has a set of ideas based
on geopolitics, philosophy and culture, but also in the thought of the early Eurasianism,
developed by Russians emigres in the 1920s and 1930s. This multiple framework
was reinforced yet with the thoughts of various western thinkers. The new russian geo-
ideology, that we prefer to denominate modern Eurasianism, has been disseminated
outside Russia specially by the russian political scientist Alexandr Dugin, who has
authored a dozen books on the issue. Finally, the research analyses the post-Soviet
Russian foreign policies, wich has been influenced by the eurasian thought, seeking
to stress its consequences for the brazilian defense estrategical planning in the
beggining of 21st century.
Key-words: Russia Eurasianism - Brazil
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01 - Mapa topogrfico da Rssia, dezembro de 2013.................................14 Imagem 02 - Componentes da organizao de cooperao de Shanghai................17 Imagem 03 - Representao dos grandes espaos de Dugin...................................18 Imagem 04 - A rea piv revista por Mackinder em 1919..........................................19
Imagem 05 - Diviso do estudo da Geopoltica pela Escola Crtica...........................27 Imagem 06 - Braso de Armas da Rssia..................................................................31 Imagem 07 - Corredores histricos de invaso da Rssia.........................................36 Imagem 08 - Mapa de Brzezisnki do Tabuleiro Eurasitico........................................45 Imagem 09 - Flmula do nacional-bolchevismo russo...............................................58
Imagem 10 - General Igor Rodionov..........................................................................60 Imagem 11 - General Leonid Ivashov.........................................................................61 Imagem 12 - Alexandr Dugin em 2014.......................................................................62 Imagem 13 - Evoluo temporal dos Eurasianismos.................................................66 Imagem 14 - Eixos geoestratgicos russos sobre o mapa da Eursia......................75 Imagem 15 - Ideologia governamental na Rssia (1991-2014) ................................88 Imagem 16 - Prioridades para atuao internacional do Exrcito Brasileiro..............98 Imagem 17 - Poder naval comparado de algumas potncias....................................99 Imagem 18 - PNB 2013 comparado.........................................................................104 Imagem 19 - Expanso do dispndio militar russo comparado ao dos EUA...........108 Imagem 20 - Indstria aeroespacial ucraniana........................................................114 Imagem 21 Plataforma Universal Armata T99....................................................116
Imagem 22 Sistema Pantsir S1.............................................................................117 Imagem 23 - Caa Sukhoi T-50...............................................................................117
LISTA DE ABREVIATURAS
BRICS arranjo Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul (acrnimo)
CEI Comunidade dos Estados Independentes
CS/ONU Conselho de Segurana da ONU
DAEBAI Diretriz para Atividades do Exrcito Brasileiro na rea Internacional
EB Exrcito Brasileiro
ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito
EDN Estratgia Nacional de Defesa
EUA Estados Unidos da Amrica
FAB Fora Area Brasileira
GRU Glavnoye Razvedyvatel'noye Upravleniye Servio Militar de Inteligncia
MD Ministrio da Defesa
MRE Ministrio das Relaes Exteriores
OCX Organizao de Cooperao de Xangai
ONG Organizao No-Governamental
ONU Organizao das Naes Unidas
OPEP Organizao dos Pases Produtores de Petrleo
OTAN Organizao do Tratado do Atlntico Norte
PEB Poltica Externa brasileira
PCFR Partido Comunista da Federao Russa
PLDR Partido Liberal Democrtico da Rssia
PNB Produto Nacional Bruto
SIPLEx Sistema de Planejamento Estratgico do Exrcito
SISGAAz Sistema de Gerenciamento da Amaznia Azul
UNASUL Unio de Naes Sul-Americanas
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
ZOPACAS Zona de Paz e Cooperao do Atlntico Sul
SUMRIO
1. INTRODUO.......................................................................................................13
2. FUNDAMENTAO TERICAS E CONCEITUAIS..............................................23
3. A GEOPOLTICA DA RSSIA...............................................................................31
3.1 A Federao Russa hoje.......................................................................................32
3.2 Uma anlise da geopoltica russa.........................................................................35
3.3 A geoestratgia ocidental sobre a Eursia............................................................43
4. O EURASIANISMO NA RSSIA PS-SOVITICA...............................................49
4.1 Consideraes iniciais..........................................................................................49
4.2 A fragmentao do Eurasianismo.........................................................................51
4.2.1 O Eurasianismo clssico.................................................................................52
4.2.2 O Eurasianismo de transio..........................................................................53
4.2.3 O Eurasianismo filosfico de Panarin............................................................54
4.2.4 A politizao: o nacional-bolchevismo..........................................................56
4.2.5 O Eurasianismo e os militares russos...........................................................59
4.3 A sntese: o Eurasianismo de Dugin.....................................................................62
4.4 O Eurasianismo e a questo da identidade russa..................................................67
5. O PENSAMENTO GEOPOLTICO EURASIANO...................................................71
5.1 Consideraes Iniciais..........................................................................................71
5.2 Os grandes espaos.............................................................................................75
5.3 O eixo europeu.....................................................................................................77
5.4 O eixo asitico......................................................................................................78
5.5 O eixo iraniano......................................................................................................79
6. A POLTICA EXTERNA DA FEDERAO RUSSA..............................................81
6.1 Consideraes iniciais..........................................................................................81
6.2 Cooperao com o Ocidente.................................................................................83
6.3 Reafirmao da potncia emergente....................................................................86
6.4 O esforo multilateral e a aproximao com o Brasil............................................89
7. O PLANEJAMENTO ESTRATGICO BRASILEIRO...........................................94
7.1 As estratgias nacionais russas...........................................................................94
7.2 O planejamento estratgico Brasileiro.................................................................96
7.3 A influncia da atual cultura estratgica brasileira..............................................102
7.4 Uma proposta de geo-ideologia autctone.........................................................104
8. REFLEXOS PARA A POLTICA DE DEFESA DO BRASIL.................................106
8.1 A Rssia e a conjuntura recente........................................................................106
8.2 Reflexos para a Defesa do Brasil........................................................................112
9. CONCLUSO.......................................................................................................120
REFERNCIAS........................................................................................................124
13
1 INTRODUO
A chegada de cerca de 200 soldados das tropas aeroterrestres russas ao
Aeroporto de Pristina, na Srvia, em 12 de junho de 1999, foi uma ao de inesperada
da Rssia durante o desfecho da Crise do Kosovo, ocorrida naquele mesmo ano
(ANTONENKO, 1999). Para os pases da Organizao do Tratado do Atlntico Norte
(OTAN), que esperavam ocupar o estratgico aeroporto conforme o planejamento
anterior, a movimentao das tropas da Rssia, inesperadamente, evidenciou uma
sensvel mudana da postura internacional daquele pas.
De fato a Rssia, desde o fim da Unio Sovitica, e da Guerra Fria, em 1991,
estivera sempre disposta a cooperar com os EUA e seus aliados1. Segundo Kerr, a
cooperao irrestrita com os membros da OTAN2 se deu naquele perodo, de 1991
at meados dos anos 1990, pelo fato da cpula diplomtica e governamental da poca
ser favorvel a uma aproximao com os europeus e norte-americanos (KERR, 1995).
Atualmente, a Federao Russa (Imagem 01 abaixo), que no presente estudo
trataremos tambm pelo termo Rssia, desde que foi formada, dos escombros da
antiga Unio Sovitica, vem sendo ator indispensvel na arena internacional,
sobretudo a partir do incio deste sculo XXI. nessa poca que, com a ascenso ao
poder de Vladimir Putin, o Estado russo reinicia o reforo de seu poder nacional,
almejando usar a geopoltica como fator primordial de reconquista do antigo espao
controlado pela Unio Sovitica.
Na sequncia do colapso sovitico, gradualmente, as elites russas trataram
de formular uma doutrina que permitisse o soerguimento da grandeza, territorial e
poltica, da Rssia czarista, e mesmo do Imprio Sovitico, recm-desaparecido.
Dentre as diversas correntes que surgiram, destacou-se o Eurasianismo
contemporneo, tambm conhecido por Neo-Eurasianismo, cujos princpios tericos
preconizam o reestabelecimento da rea de domnio poltico dos soviticos, sob uma
nova ideologia que substituiria a comunista.
1 Aqui tratados como Ocidente, no sentido da Comunidade de Segurana pensada por Deutsch e reelaborada por Adler e Barnett (ADLER e BARNETT, 1998). Para Isakova, o Ocidente englobaria a Amrica do Norte, a Europa Ocidental, alm da Austrlia e Nova Zelndia. (ISAKOVA, 2005) 2 Organizao do Tratado do Atlntico Norte - Aliana estruturada a partir de 1949, pelos EUA e pases do chamado Ocidente, para se opor Unio Sovitica e seus aliados totalitrios, que posteriormente formaram o Pacto de Varsvia (nota do autor)
14
15
Mas, antes de prosseguir, pode ser bom perguntar: o que seria a geopoltica
to prezada pela atual elite governante russa? No h uma resposta fcil para essa
questo, visto que no h um conceito nico sobre o termo.
A Geopoltica clssica teve incio, como uma corrente de pensamento
autnomo, por volta do final do sculo XIX. Nessa poca, pensadores com Friedrich
Ratzel, Rudolph Kjelen, Alfred Mahan, Halford Mackinder e outros consolidaram os
primeiros conceitos e teorias sobre a geopoltica chamada clssica ou tradicional.
(OTUATHAIL, 2006).
A Rssia tambm teve seus geopolticos e teorias da linhagem clssica, nos
sculos XIX e XX, como por exemplo: Soloviev e Chenenin (Aliana da Ortodoxia
crist com o Czarismo), Trubetskoy (Eurasianismo clssico), Danilevsky (Pan-
Eslavismo) Gorshkov (Globalismo naval sovitico). (GREGOR, 1989, p.36; ISAKOVA,
2005, p.10-12).
O Eurasianismo atual, por sua vez, uma doutrina geopoltica lastreada nos
aspectos teorizados principalmente pelo cientista poltico russo Alexandr Dugin. Essa
doutrina trata-se de uma viso renovada e expandida do Eurasianismo clssico de
Trubetskoy, que busca, da mesma forma, orientar as aes geoestratgicas da Rssia
preferencialmente para a sia, e especialmente para a sia Central (SOUZA, 2012;
GREBENIKOVA, 2012).
A Rssia, desde os primrdios de sua formao, em meados do sculo XII,
sempre foi um Estado influenciado tanto pela herana cultural europeia, quanto por
uma forte influncia asitica. Para Kerr, apesar de o Estado russo ter sua origem
histrica e cultural na Europa, desde a expanso para o leste desencadeada a partir
do sculo XVI, quando vastos territrios asiticos foram incorporados pelos russos, tal
percepo predominantemente europeia comeou a ser alterada (KERR, 1995).
Ainda segundo Kerr, no foi seno no sculo XX, contudo, que o conceito, ou
seja, o discurso geogrfico de Eursia, como uma entidade poltica surgiu (KERR,
1995). Para Matos, contudo, a sistematizao, ainda nos anos 1920, da teoria
geopoltica do Eurasianismo, baseou-se em pensamento russo de razes bem mais
antigas, remontando ao sculo XIX e anteriores (MATOS, 2012). O que importa que
essa viso de mundo eurasiana, teorizada no sculo passado, sempre esteve pronta
para justificar a expanso, e hegemonia, russo-sovitica sobre a sia Central e
Extremo-Oriente (ISMAILOV e PAPAVA, 2010).
16
Para esses eurasianistas tradicionais, tambm conhecidos como emigrados3,
ou a Rssia se tornava uma nao eurasitica, uma grande nao, ou seja, um imprio,
ou nada deveria ser (ISMAILOV e PAPAVA, 2010). No entender de Ersen, por sua vez,
os eurasianistas preconizam a ideia do Imprio Eurasiano, de forma distinta dos
imprios russo e sovitico, a ser estabelecido por meio do fortalecimento do poder
geopoltico e a formao de uma comunidade turco-eslava (ERSEN, 2004).
A partir da ascenso de Vladimir Putin, efetivamente, ao poder na Rssia, em
2000, percebeu-se uma sensvel mudana de posio na poltica externa do pas.
Para Smith, contudo, tal mudana j comeara a ocorrer a partir de 1993, quando,
ainda no Governo de Boris Yeltsin, para agradar setores descontentes, foram
permitidas certas contestaes ao discurso pr-Ocidente vigente na cpula (SMITH,
1999).
Com a chegada do movimento poltico de Putin (o Rssia Unida) ao poder,
consolidou-se uma crescente discordncia da poltica de aproximao com os EUA e
a Europa Ocidental, que, alis, j fora esboada a partir da nomeao para o Ministrio
dos Negcios Estrangeiros de Yevgeny Primakov, em 1996, e mesmo antes
(ZAPOLSKIS, 2007; MAZAT e SERRANO, 2012 e MANKOFF, 2012, p.07).
Tal afastamento pode ser exemplificado pelos seguintes fatos, dentre outros:
o fim do alinhamento automtico russo aos desgnios da OTAN, a reafirmao do
poder russo na regio do Cucaso (sob ameaa de aderir OTAN), a criao da
Organizao de Cooperao de Xangai (OCX), o suporte velado a adversrios dos
EUA e do Ocidente, a retomada do apoio ancestral aos eslavos do sul nos Blcs
(questo do Kosovo), dentre outras medidas de conteno ocidental (ZAPOLSKIS,
2007).
A OCX, organizao que rene a Rssia a China, alm de alguns outros
pases da Eursia4, foi o formato diplomtico que, na prtica, tentou evitar a insero
da OTAN, na sia Central (SOUZAS, 2012). Visando, oficialmente, combater trs
malefcios regionais: o separatismo, o terrorismo e o extremismo, a OCX rene alguns
3 So chamados de emigrados, por que em sua maioria tais intelectuais eram russos que fugiram do regime comunista instaurado formalmente na Rssia com o fim da guerra civil e a fundao da Unio Sovitica, em 1922 (nota do autor) 4 Atualmente, segundo o site da organizao so membros da OCX: China, Rssia, Casaquisto, Usbequisto, Quisguisto, Tadjiquisto. So membros observadores Ir, Paquisto, ndia e Monglia. So parceiros de dilogo: Turquia, Sri Lanka e Belarus. O Turcomenisto eventualmente participa como observador e o Afeganisto j foi convidado ocasional do grupo (OCS, 2014).
17
dos maiores produtores de energia do mundo, sendo hoje, de fato, um frum regional
contrrio aos EUA (KHANNA, 2008).
Imagem 02 Organizao de Cooperao de Shanghai em 2008 (em vermelho)
Fonte:STRATFOR
Voltando a Alexandr Dugin, em suas pesquisas, ele se inspirou em diversos
geopolticos da Europa Ocidental e dos EUA, com destaque para o geopoltico alemo
Karl Haushofer. Este, foi um dos tericos do chamado poder terrestre, e um dos
grandes idelogos do famoso espao vital (Lebensraum) nazista, que teorizou um
mundo dividido nas chamadas pan-regionen, ou pan-regies (traduo nossa),
verdadeiros espaos de hegemonia, e as redesenha para defender, contra o mundo
unipolar da globalizao atual, um novo modelo de globalizao multipolar. Trata-se
dos chamados Grandes Espaos, representados na imagem 3 abaixo.
Os tericos do poder terrestre, seguidos atentamente por Alexandr Dugin
ressaltam a Teoria do Poder Terrestre, elaborada pelo gegrafo britnico Halford J.
Mackinder, em 1904, de que quem controlar o Heartland controlar o mundo. Afirma
que a geopoltica internacional ainda vive do confronto de potncias terrestres
(Continentalistas ou Eurasianos) e potncias martimas (Atlantistas) (SOUZA, 2012).
18
Imagem 03 - Representao dos grandes espaos de Dugin
Fonte: International Eurasian Movement
Para Mackinder, o chamado piv da Eursia conteria, inicialmente, a sia
Central e a poro norte da Eursia at as proximidades do Oceano rtico, conforme
seu famoso artigo O piv geogrfico da Histria, de 1904. Tal artigo foi a base para
diversos outros estudos sobre o poder terrestre e a Eursia (MACKINDER, 1904).
Cabe notar que nessa primeira verso, o pensador britnico fez questo de
demonstrar que o corao da Eursia seria insuscetvel de ser atingido pelo poder
naval. A segurana contra as foras do poder martimo estaria coerente com o
pensamento de outro gegrafo famoso, o norte-americano Alfred Thayer Mahan.
Para Mahan, por sua vez, o poder martimo seria o mais importante para
alguma potncia que deseje atingir a supremacia mundial. Segundo Meira Mattos, a
estratgia do poder martimo resultou a estratgia baseada no centro do poder
mundial localizado no territrio biocenico norte-americano (enorme subcontinente
debruado sobre os dois maiores oceanos do planeta) e domnio dos estreitos e
passagens ocenicas (MEIRA MATTOS, 2002, p.147).
Posteriormente, Mackinder revisou seu pressuposto inicial, e em seu artigo
seguinte, Ideais Democrticos e Realidade, de 1919, ele apresenta o piv, ou
19
Heartland, como sendo uma vasta extenso da Eursia geogrfica. A imagem 4,
abaixo, faz a representao dessa viso revisitada da rea piv da histria.
Imagem 04 A rea piv revista por Mackinder em 1919
Fonte: Mackinder Forum, 2013
A Rssia, portanto, nesta ltima dcada, tem procurado interagir, mais
intensamente, com os pases de seu entorno, como por exemplo, por meio da OCX,
acima mencionada, mas tambm com outras potncias emergentes, dessa feita por
meio do chamado agrupamento BRICS 5 . Este, inserido no eixo das relaes de
cooperao Sul-Sul6, formado por pases em ascenso, a saber: Brasil, Rssia, ndia,
China e frica do Sul (KOSOLAPOV, 2013).
Em anos recentes, o Brasil, por sua vez, vem intensificando seus esforos
para uma maior participao nos negcios internacionais, o que inclui, por exemplo
uma agressiva poltica de exposio internacional (abertura de novas embaixadas,
crescente participao em misses de paz da ONU, aes de liderana no G20 tanto
5 Para o Ministrio das Relaes Exteriores brasileiro, o agrupamento BRICS um mecanismo inter-regional que abre para seus cinco membros (Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul) um espao para (a) dilogo, identificao de convergncias e concertao em relao a diversos temas; e (b) ampliao de contatos e cooperao em setores especficos. (BRASIL, 2014) 6 Para Lima, a cooperao Sul-Sul seria a originalmente realizada entre pases do antigo Terceiro Mundo, porm renovada a partir da formao do G-20, na Conferncia de Cancun, em 2003. Nessa ocasio, pases como o Brasil passaram a questionar a hipocrisia dos pases desenvolvidos, bem como demandar mais concesses econmicas dos mesmos, particularmente na rea agrcola (LIMA, 2005)
20
no poltico como no econmico, busca de proeminncia na questo ambiental, e a
aproximao com a Rssia, a ndia, a China e a frica do Sul, por meio do
Agrupamento BRICS.
Portanto, coerentemente com a sua posio geopoltica o pas vem tentando
expandir seu poder de influncia na esfera internacional por meio de sucessivas
interaes com pases, blocos e potncias regionais do chamado eixo sul-sul, sem
esquecer de manter relaes com os pases mais desenvolvidos do hemisfrio norte.
Dentre essas potncias emergentes com inter-relaes em ascenso,
destaca-se a Rssia, ou Federao Russa, que por ser herdeira da antiga Unio
Sovitica, recebeu um depsito residual considervel de poder poltico, econmico e
militar (VISENTINI,2006).
O pensamento geopoltico brasileiro, tradicionalmente, sempre buscou
influncia poltica no continente sul-americano e, por vezes, no continente africano.
Ocorre que com o rpido crescimento do pas, e tambm devido a sua prpria situao
geopoltica tpica de um pas continental - o Brasil, naturalmente, vai tender a
extrapolar os limites de influncia tradicional.
Por outro lado, no campo militar, o Brasil ainda apresenta poder militar
incompatvel com suas ambies internacionais. Atualmente, o pas aparece na 14a
posio do ranking de potncias militares convencionais montado anualmente pela
Global Firepower (GLOBAL FIREPOWER,2014). O pas deve fazer uso dos conceitos
do softpower (cultura, empatia, expresso lingustica), incluindo a sua vasta tradio
diplomtica, mas o hardpower vem sendo esquecido.
Face ao exposto, a presente dissertao pretende responder como a viso
geopoltica do Eurasianismo, ou ainda, como veremos, dos variados tipos de
Eurasianismo, vem influenciando a poltica externa russa, destacando especialmente
os reflexos para a poltica de defesa do Brasil. Tal questo vem se tornando cada vez
mais relevante, na medida em que o pas vem incrementando suas relaes com a
Rssia, quer seja no campo bilateral, mas tambm na esfera multilateral.
A partir das eventuais constataes acerca da atuao da Rssia no plano
internacional pretende-se propor aes para a adequao das polticas de defesa do
Brasil a esses cenrios. O objetivo, por conseguinte, ser lanar as ideias iniciais de
um planejamento estratgico do Brasil visando a melhor resposta a um mundo onde
a Rssia venha a se confirmar como grande potncia.
21
O Captulo 2 ser dedicado realizao do enquadramento terico e
conceitual, procurando dar um rpido panorama acerca do que h de mais atual nas
discusses sobre o Eurasianismo. Longe de esgotar totalmente o que se discutido
sobre o tema, o intento chegar o mais prximo possvel do Estado da Arte acerca
desse complexo e inquietante tema. Dentro desse captulo pretendemos fornecer as
definies mais significativas para alguns conceitos que sero essenciais no decorrer
do estudo.
No Captulo 3 ser buscada uma breve recapitulao sobre a o pensamento
geopoltico russo. Isso porque concordamos que cada pas, possui uma interpretao
especfica da sua conjuntura geopoltica (CHAPMAN, 2011). Neste captulo, que ser
uma breve volta ao passado, a ateno se voltar a que condies geogrficas e
polticas que influenciaram a atual conjuntura geopoltica russa, justificando assim a
atuao de sua poltica externa.
No captulo 4 sero analisados o surgimento e a evoluo do conceito de
Eurasianismo, a partir do sculo XX, destacando-se as variaes de sua matriz
ideolgica central. Ao final dar-se- nfase mais destacada s propostas de Alexandr
Dugin, que vem a ser a corrente eurasiana de mais relevncia nos dias atuais.
Ao longo do captulo 5 sero explanados os principais aspectos geopolticos
da escola eurasiana contempornea. A nfase ser dada nos aspectos pensados pelo
j citado Alexandr Dugin, em sua obra principal Osnovy Geopolitiki: Geopoliticheskoe
Budushee Rossii, ou seja, Os Fundamentos da Geopoltica: o futuro geopoltico da
Rssia. bom ressaltar que essa obra no possui, ainda, tradues do russo para o
portugus, no tendo sido encontradas verses completas em outras lnguas de uso
internacional corrente como ingls, francs ou espanhol.
No Captulo 6 ser realizada uma descrio seguida de uma anlise da
evoluo da poltica externa russa, com nfase nos primeiros anos do sculo XXI, que
coincidem, mais ou menos, com o mandato inicial de Vladimir Putin na presidncia da
Federao Russa. Nesta parte, que vai enfocar a poltica externa russa dos anos
recentes, o enfoque ser descrever os principais eventos da diplomacia russa, que
serviro de base para os captulos mais frente.
No captulo 7 ser feita uma reviso das estratgias nacionais e dos setores
de defesa da Rssia e do Brasil, com nfase nos eventos desse incio de sculo. Com
esse recorte, alis, ser dado nfase aos acontecimentos dos ltimos anos, quando
22
as duas potncias regionais esboam a concluso de algum tipo de parceria
estratgica.
No captulo 8 ser realizada uma breve explanao acerca das conjunturas
presentes de Brasil e Rssia. Dentro do captulo sero postos em relevo eventos
relacionados s questes de defesa, dando nfase queles onde sobressai a
influncia eurasiana. Ao final, baseado nos eventos descritos sero examinadas
ameaas e oportunidades da interao com a Rssia para o planejamento estratgico
de defesa brasileira
Finalmente, como concluso, sero relatados os principais resultados obtidos
nos captulos anteriores, luz das ocorrncias recentes descritas no captulo 8, como
os desdobramentos da parceria com a Rssia, isoladamente, e no mbito do
agrupamento BRICS e a Crise da Ucrnia Tudo com o objetivo de aprofundar o
conhecimento sobre as interaes aventadas, oportunidades e ameaas, no
relacionamento entre as duas potncias emergentes.
23
2 FUNDAMENTAES TERICAS E CONCEITUAIS
A pesquisa a ser realizada ter a Geopoltica, como paradigma principal, com
contribuies assessrias das Relaes Internacionais, da Cincia Poltica, alm da
Geografia Poltica e da Histria. Tendo levado em conta que o tema do estudo
bastante complexo, foi selecionada essa perspectiva interdisciplinar para a construo
do modelo de anlise e para a compreenso da insero do Eurasianismo no espao,
no tempo e, mesmo, na viso poltica de outros atores internacionais que se associam
questo.
O uso dos termos Rssia ou Federao Russa vem sendo encontrado
simultaneamente na literatura consultada. Segundo a prpria Constituio Federal da
Rssia, define, em seu artigo 1, tanto faz usar um termo ou outro (RSSIA, 1993).
No presente estudo, seguiremos a flexibilidade admitida pela prpria lei maior da
Rssia, usando os dois temos para designar o pas.
A Geopoltica uma disciplina que possui definio difcil, face prpria din-
mica e complexidade do mundo atual. Para o general Meira Mattos, um grande expo-
ente da geopoltica brasileira no sculo XX, a Geopoltica seria a poltica aplicada ao
espao geogrfico. Do mesmo modo, mais a frente, na mesma obra, o pensador bra-
sileiro cita o pensamento de Ratzel como o mais adequado para entendermos o con-
ceito, por sua simplicidade: espao poder (MEIRA MATTOS, 2011, p.88).
J para Costa, esta seria uma manipulao de alguns conhecimentos ditos
geogrficos para a formulao de esquemas (de interesses) s polticas de poder.
Para o autor, a Geopoltica brasileira do sculo XX voltava-se mais para a vitria do
Estado brasileiro dentro de seus limites, quando muito tratando do espao contguo
sul-americano (COSTA, 1992).
Ao estudarmos atores estrangeiros, o conceito de geopoltica continua de
complexa definio. Para Kaplan, expoente do pensamento dos EUA e dos pases-
membros da OTAN, que aqui chamamos de Ocidente, a Geopoltica visaria:
(...)ao estudo do ambiente externo enfrentado com que cada Estado se depara ao traar sua prpria estratgia - ambiente que envolver a presena de outros Estados, tambm lutando pela sobrevivncia e por vantagens. Em suma, a geopoltica a influncia da geografia sobre as divises humanas (KAPLAN,2012, p 62).
24
Segundo Gray (1986), que um famoso estrategista contemporneo, profes-
sor de relaes internacionais e colaborador de diversos governos recentes dos EUA
e da Gr-Bretanha, a geopoltica seria a relao imutvel entre a geografia e o poder
estratgico (GRAY, 1986). Em obra posterior, o autor afirma que ela teria relaes
com the spatial study and practice of international relations7 (GRAY, 2005).
Mais frente, no mesmo estudo, Gray se complementa afirmando que o es-
tudo espacial serve para avaliar os persistentes padres de ocorrncia de conflitos no
mundo atual, calcado na disputa territorial. Para ele, portanto, a Geopoltica clssica
seria uma variante do Realismo Clssico (GRAY, 2005).
Para os eurasianistas como Dugin, a geopoltica seria a reconsiderao da
histria das relaes internacionais, baseando-a na dicotomia entre a luta histrica
entre o Atlantismo e o Eurasianismo, ou seja, o poder martimo contra o poder terrestre.
Para os eurasianistas, a Rssia seria o centro de um imprio eurasiano imprio
terrestre - que se oporia ao globalismo dos EUA e seus aliados o imprio martimo
(ERSEN, 2004).
Para Paragh Khanna, estudioso da ascenso dos pases emergentes, o con-
ceito em tela seria simplesmente: a geopoltica a relao entre poder e espao.
Para o autor, a geografia o que molda a geopoltica. Alm disso, Khanna coloca mais
nfase nas relaes econmicas do que na influncia cultural ou psicolgica
(KHANNA,2008).
J para Dodds, um crtico da geopoltica, esta, por sua viso espacial, ou seja,
por se preocupar com conceitos variados, tais como fronteiras, recursos, fluxos, terri-
trios e identidades, precisa de (mais) parmetros que possam prover uma anlise e
compreenso crtica, por mais controvrsias que possam suscitar (DODDS, 2007).
Segundo Chapman, esse complemento surge ainda nos anos 1980, em con-
traponto s realidades da Guerra Fria, centrada na competio ideolgica entre as
duas superpotncias, quando surge uma escola de pensamento que combate vigoro-
samente o paradigma geopoltico anterior.
This perspective which is leftist in ideological orientation, seeks to chal-lenge traditional geopolitical interpretations. It criticizes what it sees as a state-centric approach to international relations; takes a hostile ap-proach to what it claims are ethnocentric, determinist, and exception-alist attributes to classical geopolitical writings; it dismisses traditional
7 o estudo e a prtica espacial das relaes internacionais (GRAY, 2005, traduo nossa)
25
balance of power and influence analyses of international affairs; it is concerned with geographical aspects of U.S. and other Western inter-ventions in the developing world; it emphasizes rhetorical aspects of geopolitical analysis while seeking to deconstruct this literature; it challenges the strategic rationalizations used by the United States and other Western countries to portray countries such as the former Soviet Union and China and transnational terrorist groups such as al-Qaeda as geopolitical threats; and it is concerned with political rhetoric, which its proponents contend maintains Western dominance of international affairs (CHAPMAN, 2011)8.
Para OTuathail, dessa mesma linha crtica, a Geopoltica seria o estudo da
espacializao da poltica internacional por poderes centrais e estados hegemnicos
(OTUATHAIL, 1996, p.60). Em outra obra, afirmou que seria a teoria redentora para
a conceituao e prtica da poltica dos Estados (OTUATHAIL,1999).
Posteriormente, em um manual de geopoltica que escreveu juntamente com
outros autores, definiu a mesma como um discurso sobre a poltica mundial com uma
nfase particular na competio estatal e nas dimenses geogrficas do poder
(OTUATHAIL et Al, 2006). Ou seja, a nfase do autor volta-se para o aspecto
autoritrio da geopoltica.
Para Lacoste, gegrafo francs, e um dos prceres da Geopoltica Crtica, a
geopoltica teria diversos usos, destacando o seu uso para justificar a chamada
poltica de poder entre os diversos atores internacionais:
(...) dsigne en fait tout ce qui concerne les rivalits de pouvoirs ou d'influence sur des territoires et les populations qui y vivent: rivalits entre des pouvoirs politiques de toutes sortes - et pas seulement entre des tats, mais aussi entre des mouvements politiques ou des groupes arms plus ou moins clandestins - rivalits pour le contrle ou la domination de territoires de grande ou petite taille. (LACOSTE, 2006)9.
8 Esta perspectiva, que esquerdista em sua orientao ideolgica, busca desafiar as interpretaes geopolticas tradicionais. Ela critica o que v como uma nfase (excessiva) na centralidade do Estado nas relaes internacionais; demonstra uma viso hostil ao que afirma como atributos etnocntricos, deterministas e excepcionalistas dos escritos da geopoltica clssica; desconsidera os tradicionais (conceitos de ) equilbrio de poder e anlise de influncias na esfera internacional; preocupa-se com os aspectos geogrficos das intervenes dos EUA e de outros pases do Ocidente no mundo em desenvolvimento; enfatiza os aspectos retricos da anlise geopoltica enquanto busca desconstruir essa literatura; desafia as racionalizaes estratgicas usadas pelos EUA e outros pases ocidentais para caracterizar a antiga Unio Sovitica, a China e os grupos terroristas transnacionais, como a Al Qaeda, como ameaas geopolticas; e demonstra interesse pela retrica poltica, que seus proponentes afirmam, mantm a dominncia do Ocidente nas relaes internacionais (CHAPMAN, 2011, p.3. Traduo nossa). 9 (...) designando de fato, tudo o que diz respeito rivalidade de poderes ou influncia sobre os territrios e as pessoas que ali vivem: rivalidade entre os poderes polticos de todos os tipos - e no s entre os Estados, mas tambm entre os movimentos polticos e grupos armados mais ou menos clandestinos - rivalidade para o controle ou dominao de territrios grandes ou pequenos (LACOSTE, 2006, traduo nossa)
26
Para Flint, lembrando que a noo de poder teve bastante influncia no
conceito de geopoltica, esta seria uma disputa acerca dos espaos e lugares,
focando a obteno de poder (FLINT, 2006)
Para Agnew, da mesma linha de pensamento do anterior, o estudo do impacto
da geografia nas relaes entre Estados (AGNEW, 2000). O mesmo autor fornece
outra definio mais elaborada: a geopoltica buscaria visualizar o mundo em termos
de reas geogrficas avanadas, recursos naturais e acesso ao mar pelo Estado,
como uma forma suprema de organizao, competindo com outros estados por estas
reas e recursos (AGNEW, 1998).
Do exposto acima, podemos concluir que a Geopoltica Crtica sobretudo
uma viso contestadora acerca da viso de mundo moderna Ela buscaria uma
desconstruo do pensamento geopoltico tradicional, baseado to somente nas
questes de espao e localizao. Para os crticos, mais que isso, a geopoltica
tradicional teria uma viso estreita, eurocntrica, estereotipada e visando a construo
de verses e o desenvolvimento de estratgias (OTUATHAIL, 1996).
Para OTuathail, a geopoltica crtica teria trs dimenses a serem
perseguidas: 1) demolidora da Geopoltica Tradicional; 2) partcipe da vida estatal real;
e 3) modificadora da viso convencional da geografia na poltica global. (OTUATHAIL,
1994).
Para Dodds, a Geopoltica Crtica difere da Geopoltica tradicional por meio
de trs preocupaes: 1) a geopoltica como passada para os pblicos internos de
cada nao, ou seja, o discurso geopoltico para uso interno; 2) a Geopoltica como
discurso poltico que procura passar representaes geogrficas para as polticas
globais, ou seja, o discurso geopoltico para uso externo e 3) a Geopoltica engajada
em questes e gnero, raa e classe (DODDS, 2007, p.45)
Alm disso, os geopolticos crticos, at para facilitar as anlises de temas
complexos, dividiram a geopoltica crtica em trs vertentes: Geopoltica crtica formal,
Geopoltica crtica popular e Geopoltica crtica prtica (DODDS, 2007; OTUATHAIL,
1999). A primeira, abarcando a Geopoltica tradicional, aquela trabalhada pelos
meios acadmicos, think tanks e centros de pesquisa estratgica. A Geopoltica
popular seria aquela levada opinio pblica interna, de cada potncia, e da
comunidade internacional, por meio de filmes, msicas, centrais de notcias, romances,
entre outros meios de comunicao de massa.
27
A Geopoltica prtica, muito importante para o nosso estudo, seria a traduo
dos postulados elaborados pela geopoltica formal, por parte das chancelarias,
governos e instituies polticas. A parte prtica tenta realizar, ou tornar vivel, as
teorias polticas emitidas pelas Academias.
Abaixo segue o quadro esquemtico baseado em uma imagem originalmente
esboado por Dodds (2007):
Imagem 05 Diviso do estudo da Geopoltica pela Escola Crtica
Fonte: DODDS, 2007, p.46
Segundo Klinke, para os objetivos propostos serem atingidos, sero usados
os mtodos de anlise referentes Geografia Crtica. Esta, vai se debruar sobre
quatro questes precpuas: o espao, a identidade, o ponto de vista (as vises
contraditrias) e a viso do Estado (KLINKE, 2009).
O ponto de vista da Geopoltica Crtica vai abordar as questes sob um
enfoque pluralista (ou seja, aceitando que o Estado no ator exclusivo na arena
internacional). Alm disso, h sempre a preocupao em explicar as motivaes de
ambos os lados de determinada contenda ou relao (TUATHAIL,2008).
Para Ambrosio, a Geopoltica Crtica nas ltimas dcadas j est consagrada
como escola de anlise da geopoltica. Diferentemente da anlise que feita pela
Geopoltica Clssica (que preza fatores objetivos como, por exemplo, tamanho de
territrio, populao e posicionamento geogrfico) a geopoltica crtica se detm em
examinar como os polticos e diplomatas usam variadas formas de discurso para
28
influenciar a natureza da poltica internacional, a viso internacional sobre seus
Estados e as relaes interestatais (AMBROSIO, 2013).
Para Kerr, a essncia do fenmeno geopoltico, concordando assim com
OTuathail e os crticos, no que tange a sua complexidade, que ela diz respeito ao
controle do espao. Como houve um brutal desenvolvimento da tecnologia, com
consequente interdependncia cada vez maior entre os diversos atores
internacionais, o sentido de espao mudou. Antes, um controle espacial que bastava,
para ser feito, pela disponibilidade de meios militares, agora com as nuances
transnacionais do espao moderno, vai demandar meios econmicos, eletrnicos e
de inteligncia para ter sucesso. Da a quase impossibilidade dos grandes atores
geopolticos exercerem o seu poder da maneira tradicional, no presente (KERR, 1995).
No presente estudo no haver espao para fazermos uma anlise completa
dos documentos oficiais, por exemplo, do Ministrios de Assuntos Exteriores da
Rssia ps-sovitica. No obstante, sempre que possvel procuraremos fornecer uma
viso crtica dos eventos descritos, inclusive pelos Eurasianos, conforme a
metodologia clssica.
Outro conceito a ser bastante usado em nosso trabalho ser o de
Geoestratgia. Esta, segundo Brzezinski, ocorreria no contexto da geopoltica, nos
termos abaixo:
The words geopolitical, strategic, and geostrategic are used to convey the following meanings: geopolitical reflects the combination of geographic and political factors determining the condition of a state or region, and emphasizing the impact of geography on politics; strategic refers to the comprehensive and planned application of measures to achieve a central goal or to vital assets of military significance; and geostrategic merges strategic consideration with geopolitical ones. (BRZEZINSKI, 1986)10.
O prprio Brzezinski, em obra posterior afirma que a geoestratgia - que seria
a gesto estratgica dos interesses geopolticos pode ser comparada a um xadrez,
jogado (no caso) sobre o tabuleiro oval da Eursia e por vrios parceiros
(BRZEZINSKI, 1998, p.19).
10 As palavras geopoltica, estratgica e geoestratgica so usadas para fornecer os seguintes significados: geopoltica reflete a combinao de fatores geogrficos e polticos determinando as condies de um Estado ou regi, e enfatizando o impacto da geografia sobre a poltica; estratgica refere-se aplicao planejada e abrangente de medidas para atingir um objetivo central ou bens vitais de significado militar;e geoestratgica mescla consideraes estratgicas e geopolticas (BRZEZINSKI, 1986, traduo nossa).
29
J para Meena, gegrafo indiano, apresenta uma viso mais limitada do
conceito. Para ele Geoestratgia teria mais a ver com a direo para onde
determinado Estado priorizaria seus sempre escassos recursos, para fins de
maximizar seus resultados em poltica externa:
Geostrategy is the geographic direction of a states foreign policy. More precisely, geostrategy describes where a state concentrates its efforts by projecting military power and directing diplomatic activity. The underlying assumption is that states have limited resources and are unable, even if they are willing, to conduct an all-out foreign policy. Instead they must focus politically and militarily on specific areas of the world. Geostrategy describes the foreign-policy thrust of a state and does not deal with motivations or decision-making processes. The geostrategy of a state, therefore, is not necessarily motivated by geographic or geopolitical factors. A state may project power to a location because of ideological reasons, interest groups, or simply the whim of its leader (MEENA, 2014)11
Dando um olhar brasileiro para o conceito: para Tosta, apoiado no trabalho de
tericos norte-americanos como Spykman e Weigert, que em seus trabalhos miram
os EUA, v a Geoestratgia como o estabelecimento de diretrizes para uma poltica
de segurana nacional, baseado nas realidades geogrficas (TOSTA, 1984, p.31).
Para Vesentini, a geoestratgia seria simplesmente a dimenso espacial da
estratgia (VESENTINI, 2008, p.18). Para Meira Mattos, por sua vez a geoestratgia
seria a estratgia aplicada s reas privilegiadas pela geopoltica (s reas
consideradas crticas) (MEIRA MATTOS, 2011b, p.223).
No que tange nomenclatura dos pases, de bom tom deixar evidente que
usaremos nesse trabalho os conceitos emitidos por Buzan e Waever, em seus estudos
sobre segurana internacional (BUZAN e WAEVER, 2003). O ponto em questo diz
respeito ao que seriam: superpotncia, grande potncia e potncia regional, os quais
sero eventualmente utilizados por aqui.
11 A Geoestratgia a direo geogrfica da poltica exterior de determinado Estado. Mais precisamente, a geoestratgia descreve onde um Estado concentra seus esforos por meio da projeo de poder militar e direcionamento da atividade diplomtica. A percepo subentendida que os Estados possuem recursos limitados e so incapazes, mesmo se quisessem, de conduzir uma poltica externa ilimitada. Ao invs disso eles precisam focar poltica e militarmente em reas especficas do mundo. A geoestratgia descreve a investida diplomtica de um Estado e no se preocupa com motivaes ou processos decisrios. A geoestratgia de um Estado, portanto no necessariamente motivada por fatores geogrficos ou geopolticos. Um Estado pode projetar poder para um local devido a razes ideolgicas, interesses setoriais ou simplesmente pelo desejo de seu lder (MEENA, 2014, Traduo Nossa)
30
Por superpotncias, entende-se que sejam pases que renem exrcito
numeroso, bem equipado e tecnologicamente avanado; alm disso, dispem de
enorme poder poltico e econmico, este capaz de subsidiar aos dois primeiros
elementos. Estes atributos materiais (hardpower), somados a uma capacidade de
exercer o poder brando (softpower), devem ser consistentes a ponto de possibilitarem
a interferncia nos assuntos de todo o globo (BUZAN e WAEVER, 2003). Alm disso,
uma superpotncia deve desejar atingir esse status, ao mesmo tempo em que todas
essas capacidades so reconhecidas por seus pares na comunidade internacional.
Por grandes potncias entendem-se os pases que no possuem todas as
capacidades das superpotncias, simultaneamente, mas podem eventualmente
exercer influncia em algum cenrio. Tais potncias podem ter uma fora armada
pujante, mas uma economia fraca, ou uma economia forte e elementos de defesa
fracos. Outra variao visualizada por Buzan e Waever diz respeito a uma economia,
poder poltico e valores universais paradigmticos, mas sem um exrcito robusto.
Contudo, ainda que no projetem poder mundialmente, seus interesses, por motivos
diversos, por exemplo, histricos, no se restringem aos assuntos de sua esfera
regional. Com isso, elas se inserem em dinmicas de outras regies do globo.
Similarmente superpotncia, as grandes potncias devem ser reconhecidas como
tal.
Ento, chega-se gradao de potncia regional. Esta possui poder apenas
na regio em que se situa. Na cena internacional, sua influncia inexiste, no sendo
reconhecidas pelas grandes potncias como tendo capacidade de atuar de forma
impositiva na arena mundial (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 34).
Ao encerrarmos essa parte conceitual, convm relembrar que o estudo no
pretende esgotar o tema, mas to somente aprofundar o conhecimento existente no
Brasil acerca da poltica externa russa, suas razes geopolticas, a influncia do
Eurasianismo e os eventuais reflexos para a poltica de defesa do Brasil.
A seguir comearemos a explanar sobre o pensamento geopoltico da Rssia,
e como ele se formou ao longo de sua histria. Mais frente, no captulo seguinte
ser demonstrado como esse pensamento geopoltico sofreu a influncia das diversas
variantes do Eurasianismo, com destaque para a de Alexandr Dugin.
31
3 A GEOPOLTICA DA RSSIA
O presente captulo pretende expor a situao geopoltica da Rssia, ou seja,
qual o significado de seu espao e de sua localizao relativa no mundo atual,
baseado em fatos histricos, geogrficos e culturais. Partindo do status atual da
Federao Russa ser mostrado como certos imperativos geopolticos foram
gradualmente ser formando para o pas que ocupa a vastido das estepes entre a
Europa e a sia.
Com esse entendimento consolidado, pretende-se facilitar um melhor
entendimento do porqu de certos posicionamentos da Poltica Externa russa na
atualidade, a serem expostos no Captulo 4.
Ainda em 1993, o ento presidente da Rssia, Boris Yeltsin, determinou que
o antigo braso imperial da dinastia Romanov e, consequentemente, da Rssia
Imperial, fosse reinstalado como smbolo do Estado Russo. O braso, que em seu
bojo, contm uma guia de duas cabeas, em sua verso mais difundida, significa que
o Estado russo atribui igual importncia, tanto a sua parte europeia quanto pela poro
asitica (RSSIA, 2014b).
Segundo Stites, o braso com a guia bicfala (imagem 06) foi adotado pela
Rssia, mais ou menos, prximo tomada de Constantinopla (atual Istambul) pelos
turcos otomanos em 1453. Com isso, o simbolismo de sua adoo pelos moscovitas
significava que a religio crist ortodoxa migrava
da segunda Roma para a terceira Roma, que
seria Moscou, no centro da Eursia (ISAKOVA,
2005, p.22; STITES, 2005).
Para Chapman, cada pas produz suas
prprias vises geopolticas. Estas seriam
influenciadas por fatores histricos diversos, que
incluiriam as realizaes econmicas, de
inteligncia, de poltica externa e militares,
prprias dos interesses de segurana e cultura
nacionais, bem como das personalidades
individuais de suas lideranas (CHAPMAN,
2011).
Imagem 06 - Braso de Armas da Rssia
Fonte: servidor oficial da Rssia (RUSSIA,2014)
D
32
Logo, a Geopoltica no uma cincia exata, mas pelo contrrio varia de
acordo com o tempo e o espao em que seus conceitos so emitidos, sendo, portanto
um saber to dinmico quanto subjetivo.
Para compreendermos a Geopoltica da Rssia de hoje, portanto, deve-se
buscar entender o efeito da Geografia nas aes do Estado russo, em suas vrias
configuraes, ao longo de sua histria.
De forma introdutria, antes de passarmos viso geopoltica, convm
repassarmos, resumidamente, o que , e qual , a situao da Federao Russa
atualmente, de modo a podermos entender seu desafio geopoltico e as presses a
que pode estar submetida.
3.1. A FEDERAO RUSSA HOJE
Situada na poro norte da Eursia geogrfica, a Federao Russa, ou Rssia,
um estado federal que abarca 83 entidades, com variada autonomia administrativa,
sendo seu regime de governo atual o federalismo presidencial (RSSIA, 2014).
Trata-se do pas com maior extenso territorial do mundo, apresentando rea
total de 17.098.200 km. As fronteiras russas so as mais longas do mundo: a faixa
lindeira oeste, faz divisa com os pases blticos, Belarus e a Ucrnia, na sua face
europeia; j sua fronteira leste configurada pelo litoral dos Mares de Bering e de
Ochotsk, que fazem parte do Oceano Pacfico setentrional. Ao norte, faz fronteira com
o Oceano rtico e ao sul com diversos pases da sia Central (OFFICIAL RUSSIA,
2014).
Segundo Khanna, o territrio da Rssia pode ser decomposto em vrias
regies, como por exemplo: a eslava, que ocupa a poro de territrio mais prxima
Europa; a caucasiana, que engloba parte das montanhas do Cucaso; a ural-
siberiana, que se situa no entorno e para alm dos montes Urais; e, por fim a asitica,
que faz divisa com o Oceano Pacfico, o Japo, a pennsula coreana e a China. Para
este autor, o territrio russo j pode, por si s, ser considerado a ilha mundial
eurasiana (KHANNA, 2008).
O pas, com cerca de 143 milhes de habitantes o oitavo mais populoso do
mundo. Alm disso, a Rssia apresenta o sexto maior Produto Interno Bruto (PIB) do
mundo, com cerca de US$16.700. O pas um dos maiores produtores mundiais de
33
gs, petrleo, carvo e metais preciosos, sendo por isso considerado uma potncia
energtica (RSSIA, 2013).
A imensido territorial russa abarca diversos climas do subpolar, no extremo
norte, passando pelo de montanha, ao centro, e o temperado continental, a maior
parte. O pas possui diversos rios, de grande extenso territorial que cortam seu
territrio, em geral de sul para norte, como por exemplo o Lena, o Yenisei, o Ob e o
Amur, apresentando assim um vasto potencial hidroeltrico (RSSIA, 2013).
A populao russa acha-se distribuda irregularmente pelo vasto territrio,
com destaque demogrfico para a poro mais prxima Europa. As cidades mais
populosas, em ordem decrescente, seriam: Moscou (cerca de 11 milhes de
habitantes), So Petersburgo (cerca de 5 milhes), Novosibirsk (1,5 milho),
Yecaterinburgo (1,3 milho) e Ninji Novgorod (1,2 milho). A populao russa
apresenta composio majoritria dessa etnia, cerca de 80%, seguido de trtaros
(3,9%), ucranianos (1,4%) e diversas outras etnias que totalizariam cerca de 13% do
total populacional (RSSIA, 2013).
Com o fim do comunismo sovitico (1989), e consequente dissoluo da
Unio Sovitica (1991), a Rssia emergiu como herdeira do antigo imprio sovitico.
Sob o governo de Boris Yeltsin (1991-1999), o pas sofreu uma transio abrupta de
uma economia planificada para outra de mercado (TEIXEIRA, 2008). No primeiro
governo da transio transpareceu intensa cooperao com os EUA e a OTAN
(Ocidente). O grupo de Yeltsin, face sua pretenso a uma insero total da Rssia
na esfera poltica e cultural do Ocidente, sob uma viso de mundo mais kantiana,
reconhecida como idealista-internacionalista (ZAPOLSKIS, 2007).
A partir de 1998, aps os problemas iniciais na Guerra da Chechnia (1994-
1996), a crise econmica russa - que j vinha se desenhando desde o incio da dcada
e as crescentes divergncias com os EUA e os aliados ocidentais, levou ao poder o
partido Rssia Unida12 ou Yedinaya Rossia, liderado por Vladimir Putin.
Tal partido j trazia em seu bojo elementos programticos e membros
comprometidos com o eurasianismo (GREBENNIKOVA, 2010). Vladimir Putin, foi
eleito em 2012, novamente, para o cargo de presidente da Federao Russa. Putin,
12 Para Markov O partido Rssia Unida (RU) um instrumento poltico parte. O RU no funciona como um partido propriamente dito. Na verdade trata-se de um movimento poltico de votao em favor de Vladimir Putin nas eleies no presidenciais e de votao em favor das decises presidenciais e governamentais em parlamentos dos diversos nveis (MARKOV, 2008, p34)
34
que, como visto, j exercera a funo por dois mandatos consecutivos, entre 2000 e
2008, tendo sido sucedido por um aliado seu: Dmitri Medvedev, da mesma agremiao,
e que a exemplo dele, agora o primeiro-ministro do pas (MAZAT e SERRANO, 2012).
Segundo Markov, uma vez no governo, Putin passou a realizar um governo
que priorizou o fortalecimento da autoridade central na Rssia, como resposta
relativa imagem de anarquia que o pas passava para o mundo. Como exemplo
dessas aes de centralizao de poder podemos citar: a renovao do esforo militar
na Chechnia para esmagar o separatismo islmico; a eliminao de privilgios das
oligarquias formadas na dcada de 1990; a reestatizao parcial da produo de
petrleo e gs russa; a cassao da grande autonomia dos governos regionais, o que
incluiu a nomeao de governadores pelo poder central. Em suma, seu governo
restabeleceu a autoridade central que sempre caracterizou o governo russo (ERSEN,
2005, p. 145; MARKOV, 2008, p.33).
Alm do fortalecimento do Estado internamente, para atender aos anseios
geopolticos russos, o atual governo passou a garantir a soberania externa do pas.
Inicialmente, com os rendimentos auferidos com a venda de petrleo, gs e outros
abundantes recursos naturais do pas: saldou a maior parte da dvida pblica
contrada pela Rssia e suas entidades componentes, criou uma considervel
Reserva Cambial, alm de um Fundo de Estabilizao financeira (MARKOV, 2008,
p34).
Posteriormente, os governos Putin e Medvedev deram grande nfase ao
fortalecimento das Foras Armadas Russas, as quais, desde o colapso da Unio
Sovitica, achavam-se desorganizadas, desestruturadas e mal equipadas. Segundo
Bystrova, a partir de 2006, o Estado russo passou a investir pesadamente nas Foras
Armadas, tanto que, a exemplo do perodo sovitico, foi recriada o rgo
coordenao central do complexo industrial ou Comisso Industrial-Militar
ganhando novamente grande poder de deciso (BYSTROVA, 2011, p 17).
A reorganizao industrial russa, especialmente a retomada de fortes
investimentos em seu complexo industrial-militar tambm se justifica pela venda de
armamentos.Est uma vantagem comparativa russa muito usada para obteno de
divisas internacionais, sendo a China o portento do leste apesar de eventuais
discordncias um grande comprador de armamento russo (MANKOFF, 2012, p.19)
35
A seguir, tentaremos mostrar por que os russos, atualmente, contrariando os
melhores prognsticos ocidentais quanto a conduta da Rssia ps-sovitica, vem
gradualmente se afastando do Ocidente.
3.2. UMA ANLISE DA GEOPOLTICA RUSSA
O britnico Halford Mackinder, em sua obra magna de 1904, afirma que ao
longo da histria recente, o espao ocupado pela Rssia na Eursia sempre foi
dividido entre uma rea de plancies gramneas (estepes), ao sul, e outra, ao norte,
mais restritiva ao movimento humano, pela densa presena da vasta floresta de
conferas. Tal realidade geogrfica resultou em efeitos polticos duradouros para os
habitantes tanto da Europa quanto do resto da Euro-sia (MACKINDER, 1904).
Para Mackinder, as plancies gramneas ao sul forneceram a rota de invaso
para sucessivas invases asiticas, que formataram a cultura europeia desde a
Antiguidade clssica at o sculo XVI. Em contraste com o desenvolvimento europeu
que as invases asiticas, inadvertidamente, incentivaram, para a Rssia tais
invases significaram ficar sob o jugo mongol por alguns sculos. Tal fato gerou um
afastamento russo da Europa e um relativo atraso poltico, econmico e cultural, que
repercute at o presente (MACKINDER, 1904).
Para Kaplan, antes da Federao Russa atual foram as seguintes entidades
estatais a se fazerem presentes na Eursia: a Rssia Kieviana (sculos XII a XIV), a
Rssia Medieval (sculos XV e XVI), o Imprio Russo (sculos XVIII a XIX) e a Unio
Sovitica (sculo XX). Todas em maior ou menor grau, em algum ponto de suas
histrias sofreram algum tipo de ameaa de fora estrangeira, que na maioria das
vezes gerou graves efeitos para seu governo e populao (KAPLAN, 2012).
O ncleo central de quase todas as configuraes de Estado russo orbitou no
entorno da cidade de Moscou. Este aglomerado urbano, desde a baixa Idade Mdia
(ou seja, a partir do ano 1000) foi estabelecido em posio central s nascentes de
diversos rios alinhados com a futura expanso russa, e em meio proteo relativa
das florestas e charcos boreais j citados por Mackinder.
Tal localizao estratgica, contudo, dificultava, mas no impedia que algum
conquistador tentasse capturar a cidadela moscovita, por uma das duas rotas
histricas de invaso: por oeste, com uma variante escandinava e outra europeia, e
pelo leste, esta pelas estepes da sia Central (vide imagem 7).
36
37
Embora nunca utilizada historicamente para invadir o que seria hoje a Rssia,
havia uma terceira via de acesso, pelo sul, que conectava a Eursia Central (o
Heartland) com o chamado Oriente Mdio, atravs das Montanhas do Cucaso.
Por sinal, modernamente, baseado nas ameaas a sua segurana levantadas
por Katz, a Rssia, por meio de declaraes de autoridades governamentais,
acadmicos e especialistas, teme exatamente as mesmas ameaas da Rssia
Medieval, agora modernizadas, provenientes: da aliana ocidental (no oeste), do
mundo muulmano (no sul) e da China (de leste) (KATZ, 2007).
Aps a catstrofe poltica, e cultural, que foi a invaso mongol (sculo XIII), j
na poca de Ivan IV (o terrvel), Moscou se recobrou, tornando-se o bastio central de
onde partiram ordens, tropas e suprimentos para alargar o territrio russo na direo
de fronteiras menos vulnerveis, inicialmente para o norte e noroeste, mas
posteriormente para sul, leste e oeste. Segundo Isakova, entre a Batalha de Kulikovo
(vitria smbolo dos russos sobre os mongis, em 1380) ao final da 1 Guerra Mundial,
a Rssia esteve em guerra por 334 anos. Nesse perodo, seu territrio se expandiu
cerca de 400 vezes (ISAKOVA, 2005).
Dessa histria conturbada, nota-se a grande preocupao das elites russas,
do domnio mongol at hoje, em sempre exercer presso sobre as reas que
fornecessem segurana geopoltica para seu ncleo central, vulnervel a invases
estrangeiras. Dentre tais reas crticas podemos citar a plancie germnica, as
Montanhas do Cucaso, os sops da Cordilheira do Himalaia, a Monglia exterior os
rios da Manchria e o Oceano Pacfico, j no extremo leste (KAPLAN, 2012).
Segundo Isakova, os acadmicos russos consideram o czar Ivan IV, o terrvel,
o primeiro praticante da Geopoltica moderna, ao menos para a Rssia. Esse
governante definiu as linhas mestras da viso geopoltica russa, que, mutatis mutandi,
so perseguidas at hoje, a saber: a) a importncia de controlar o espao pertencente
a seus antigos inimigos medievais (ou seja, o que hoje os russos chamam de exterior
prximo, ou seja, as antigas repblicas soviticas) e b) a necessidade de possuir
territrios com acesso regular a portos de guas quentes (ISAKOVA, 2005).
Estes imperativos geopolticos simplificados, destacados por Isakova no
trecho acima, so importantes pois estaro contidos, como veremos, no discurso tanto
do pensamento geopoltico sovitico quanto no atualmente desenvolvido pelo
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Eurasianismo. O captulo 5, especificamente, delinear os principais contornos dessa
escola geopoltica recente.
Voltado situao geopoltica russa, outro ponto de vista que, diante dessa
situao geogrfica crtica, ou seja: como histrica rota de invases e a crnica
vulnerabilidade de seu ncleo central (sediado no entorno de Moscou) a Rssia
sempre teve seu destino poltico inseguro. Este sempre ficou merc de invasores
que ora vinham do leste, e menor escala do oeste e eventualmente do sul. Ainda
segundo Friedman, para lidar com tais vulnerabilidades, e atingir suas prioridades
geopolticas, a Rssia se expandiu em trs fases (FRIEDMAN, 2008).
Na primeira, a Rssia se expandiu, no na direo dos corredores de invaso
para estabelecer pontos de bloqueio, mas para longe deles a fim de estabelecer, na
falta de poder ofensivo, um reduto sobretudo mais defensvel (FRIEDMAN, 2008,
p.03, traduo nossa). Tal manobra geoestratgica da Rssia, a colocou no rumo das
grandes vastides geladas das plancies rticas, mas tambm da imensido do
territrio que circunda os Montes Urais e mais alm.
Numa segunda fase, muito mais agressiva e arriscada, Moscou passou a
atacar o territrio dos antigos conquistadores, no cessando a ofensiva at que suas
tropas e colonizadores atingissem os Urais a leste, e o Mar Cspio e as Montanhas
do Cucaso, a sul (FRIEDMAN, 2008, p.04, traduo nossa). A anexao forada de
centenas de milhares de quilmetros quadrados de estepe caracterizou, pela primeira
vez, uma das principais estratgias geopolticas russas: o territrio tampo.
A terceira onda de expanso bloqueou a rota de invaso de oeste, mas
prosseguiu empurrando as fronteiras russas para sul. Tal expanso se deu na poca
de Pedro, o Grande e Catarina, dois imperadores russos que ficaram famosos, pela
aproximao com os demais pases europeus. Nessa fase foram incorporados a
Ucrnia, o sop do Cucaso e os pases blticos, incluindo os arredores da atual
cidade de So Petersburgo.
Com esse crescimento territorial do sculo XVIII, a Rssia Imperial se
aproximou das fronteiras de futuros rivais histricos, como a Polnia, o Imprio
Otomano e a Sucia; no sentido leste, dominando os vastos, e ricos territrios da
Sibria e territrios, at ento inspitos, no Extremo Oriente da sia. A sul, alm de
dominar a regio do Cucaso, as foras russas buscaram fronteiras defensveis, que
em geral coincidiram com os desertos da sia Central e as montanhas do Pamir
(prolongamento do Himalaia).
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Essa expanso inexorvel atingiu seu auge no sculo XIX. Por essa poca,
as rivalidades fronteirias entre os limites dos Imprios Britnico e Russo, na sia
Central, mais especificamente nas fronteiras setentrionais das antigas possesses
britnicas das ndias, gerou a cunhagem do famoso termo Great Games, ou Grande
Jogo. Segundo Kaplan, o que motivou essa expanso inexorvel da Rssia,
especialmente para leste foi insegurana: insegurana de uma potncia terrestre que
tem que se manter atacando e explorando em todas as direes ou ser ela mesmo
aniquilada (KAPLAN, 2012).
Para Kerr, a ascenso do Japo e a vitria deste sobre a Rssia Imperial, em
1905, foi o fim do sonho da hegemonia incontestada russa na sia. Tal fato histrico
pode ter gerado a percepo de que a manuteno dos vastos territrios alm dos
montes Urais, longe de significar poder e glria, livre de riscos, era uma ameaa
(KERR, 1995).
Essa percepo de vulnerabilidade geopoltica a leste, nos dias de hoje,
mesmo com o fim tanto da Rssia Imperial quanto da Unio Sovitica, no
desapareceu. Pelo contrrio, permanece, sendo que os insulares japoneses, foram
substitudos, ou reforados, em seu desafio, pelas massas demogrficas chinesas.
Sobre isso, ou seja, sobre a presso demogrfica que os chineses estariam
exercendo sobre o anecmeno russo na Sibria e no Extremo Oriente, Khanna postula
que:
(...) Nowhere on Earth, does a depopulating state so provocatively border on an overpopulated one as do Russia and China. Russians are voting with their feet, migrating West in steady waves. Meanwhile, north of Beijing, the Great Wall is crumbling and roughly six hundred thousand ilegal migrants are pouring northward into Russias depopulated Far East - a number almost identical to Russias anual population decline. Only seven million Russians remain in the Far East, while Chinas notheastern provinces alone have a population of over a hundred million (KHANNA, 2008, p.72)13
Atualmente, no que tange a sua geopoltica prtica, a Rssia se v s voltas
com trs problemas, segundo Khanna: o xodo populacional de russos da Sibria, no
13 (...) Em nenhum lugar da Terra, um Estado despovoado faz fronteira com um superpopuloso da maneira que Rssia e China fazem. Os russos esto dando no p, migrando para Oeste em ondas intensas. Enquanto isso, ao norte de Pequim, a Grande Muralha est desmoronando e cerca de 600.000 migrantes ilegais esto se despejando no rumo do despovoado Extremo Oriente da Rssia um nmero quase idntico diminuio populacional russa. Somente 7 milhes de russos permanecem no Extremo Oriente, enquanto as provncias setentrionais da China, sozinhas, tm uma populao de mais do que cem milhes. (KHANA, 2008, p.72, Traduo nossa)
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rumo da Rssia Europeia; a grande presso demogrfica chinesa sobre as fronteiras
russas, justamente na sua poro asitica e a presso separatista de territrios
muulmanos, nas proximidades do Cucaso (KHANNA, 2008).
Para Trenin, corroborando Khanna, e numa viso de que a Federao Russa
deveria realmente integrar para no entregar a sua Amaznia Branca para os
chineses, a Rssia faria bem em pensar em Vladivostok (capital do territrio russo do
Extremo Oriente) como a sua capital do sculo XXI. um porto martimo que respira
amplitude. Para Karaganov, por sua vez, se a Rssia deveria ter trs capitais: So
Petersburgo, como capital cultural; Moscou como poltica e militar e Vladivostok, como
capital econmica (KARAGANOV, 2012; TRENIN, 2013).
Para Friedman, a questo populacional tambm debilita a geopoltica russa,
uma vez que deixa uma grande quantidade de reas, ricas em recursos minerais, sem
quem os beneficie. Outro ponto destacado pelo especialista norte-americano diz
respeito relativamente pequena populao, face posio geogrfica do grande
pas, refletindo em sua produo agrcola (FRIEDMAN, 2008).
que a localizao da Rssia em latitudes muito altas, ou seja, muito ao norte,
faz com que a estao das colheitas agrcolas seja muito curta. Alm de limitar o
tamanho das colheitas, o clima dificulta o transporte eficiente da colheita,
principalmente de gros, entre as lavouras e os grandes centros populacionais, onde
os alimentos so essenciais para a estabilidade do Estado.
De uma maneira geral, na Rssia Imperial os conceitos em voga falavam de
um Pan-Eslavismo, dentro do pensamento dos Romanov acerca de aproximao
com o Ocidente. Para Isakova, os decanos desse perodo foram homens como
Soloviev, Shapov e Checherin, cuja proposta geopoltica era bem mais profunda do
que a dos clssicos ocidentais. deles o pensamento de que a vastido russa, a
escassa populao face a mesma e as condies climticas adversas condicionariam
o governo russo a ser atavicamente autoritrio (ISAKOVA, 2005).
J na Unio Sovitica, ou seja, no que tange ao pensamento geopoltico no
perodo sovitico (1922 a 1991), os conceitos geopolticos, inicialmente, focaram no
Internacionalismo, ou Continentalismo Socialista. Tal pensamento utpico, pensado
originariamente pelo revolucionrio sovitico Lev Trotski foi reformulado,
posteriormente por Iosif Stalin, como um refinamento mais pragmtico para atender
aos desgnios geopolticos da Unio Sovitica durante a Guerra Fria.
41
dessa poca, o auge da Guerra Fria, que se destaca o pensamento
geopoltico do Almirante Sergei Gorshkov, sobre a expanso do poder martimo
sovitico para conter o domnio dos EUA sobre o oceano-mundo. Para Chapman, a
Doutrina Gorshkov previa a busca pela paridade naval com a marinha dos EUA, para
disputar com ela a hegemonia global. Para tanto, numa releitura pr-poder terrestre
da teoria do poder naval de Mahan, o almirante sovitico previa intensa construo
naval e a localizao de bases navais e pontos de apoio logsticos em diversas reas
do globo. Ele foi o grande responsvel pela construo da marinha de alto-mar e pelo
poder nuclear naval da Unio Sovitica, capacidades militares estas que foram
herdadas pela Rssia (GREGOR, 1989; CHAPMAN, 2011).
Do legado da antiga Doutrina Gorshkov, ou seja, do uso irrestrito dos mares e
oceanos pela Rssia, um outro ponto que permanece vvido na geopoltica russa diz
respeito ao Oceano Polar rtico, ou seja, o flanco norte do Heartland de Mackinder.
Segundo Voronkov, recentemente, a descoberta de vastas reservas de
hidrocarbonetos no fundo daquela massa dgua (ou seja, reservas off-shore na
plataforma continental, como na Amaznia Azul brasileira) altera a importncia
geopoltica daquela rea do rtico (VORONKOV, 2013).
Afora a questo da explorao de hidrocarbonetos no rtico, a Rssia tem
outras consideraes nessa questo da Geopoltica Energtica. Para Santos, as
maiores preocupaes da Rssia (nesse quesito) dizem respeito ao controle das rotas
de exportao dos recursos energticos (SANTOS, 2004). Como se consolidou como
uma potncia energtica no fim da dcada de 1990, a Rssia presta muita ateno
mirade de oleodutos e gasodutos que nascem, ou passam por seu territrio, com
destaque, ainda para as quantidades de hidrocarboneto que passam pelos
estratgicos dutos (ALVES, 2012).
Vale notar que a diplomacia energtica russa j foi usada para pressionar,
tanto a Unio Europeia, quanto pases de seu Exterior Prximo, como por exemplo
a Ucrnia, a Belarus e o Azerbaijo, a se alinharem aos desejos russos.
O resultado de sculos de desafio permanente pela sua segurana gerou a
alternncia de correntes polticas variante: ora favorveis a uma Rssia europeizada,
ora favorveis a um retorno russo s tradies da Eursia. Vrios acadmicos
opinaram sobre essa disputa no interior do Estado russo ao longo da histria.
Para Isakova, as escolas geopolticas que podem ser identificadas na cena
poltica russa, ao longo da histria so: Ocidentalismo, Eurasianismo, Neo-
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Eurasianismo e o Pragmatismo poltico. Nessa viso, o Neo-Eurasianismo seria uma
das escolas de pensamento geopoltico que tentam dar prumo poltica externa russa
atual, sendo que a viso pragmtica seria a traduo para a realidade da viso terica
eurasianista (ISAKOVA, 2005). Os dois ltimos sero o que abordaremos com maior
nfase neste estudo.
Para Urnov, o sculo XIX significou o amadurecimento de quatro percepes
geopolticas pelos intelectuais e governantes da Rssia: o Ocidentalismo, o
Isolacionismo, o Isolacionismo antiocidental e o no isolacionismo. O espectro de
colaborao ia de uma colaborao total com os pases a oeste (Ocidentalismo),
passando por um isolacionismo que podia ser ora neutro, ora hostil aos pases
europeus e aos EUA (Isolacionismo e Isolacionismo antiocidental) ou ainda a total
abertura do pas s oportunidades de todos os lados (no isolacionismo) (URNOV,
2006).
Para Dodds, no caso russo pode-se notar, ao longo do tempo, ao menos trs
variaes: em primeiro lugar h a noo de que a Rssia uma parte da Europa e
que o pas precisa se unir aos modelos de desenvolvimento ocidentais, conhecida
como Ocidentalismo; em segundo lugar a ideia de que a Rssia uma rea geogrfica
especfica (Eursia) com sua forma particular de Estado e Sociedade, cerne do
pensamento Eurasianismo; em terceiro lugar, o conceito, mais moderado, de que a
Rssia seria um ponte entre Europa e sia. Essa questo do lugar da Rssia no
mundo, j objeto de discusso, desde do sculo XIX (DODDS, 2009).
Para Santos, atualmente o que se pode discernir na cena russa somente a
bipartio entre o grupo a favor do Ocidente e o grupo eurasiano. O primeiro grupo
pensa que os valores culturais do Ocidente, tais como a democracia, o pluralismo e a
valorizao do indivduo so universais, e portanto aplicveis Rssia. J o segundo,
os eurasianos, j cultuam valores mais tradicionais para o russo mdio, tais como a
noo de Rodina (Ptria), de um certo autoritarismo e de valores coletivos. Para esses,
a Rssia no se insere, nem na cultura ocidental, nem na oriental, mas to somente
numa cultura prpria, dita eurasiana (SANTOS, 2004).
Conforme notado por Isakova, a geopoltica russa transcenderia aes ligadas
ao Estado russo e o estudo do ambiente externo que o cerca. Na verdade, a viso
russa sobre a geopoltica vai mais alm, abarcando questes como o tipo de regime,
bem como o relacionamento deste com seus cidados (ISAKOVA, 2005, p.10).
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Tal conduta autocrtica, tpica da cultura estratgia russa, no entender da
maioria da intelectualidade russa, e especialmente, para os eurasianos, seria um
preo aceitvel a pagar pela manuteno de uma cultura russa superior. Alm disso,
segundo Soloviev, os russos, face a seu carter nacional, acostumado a enfrentar e
vencer um clima severo, no teriam dificuldades para viver sob uma organizao
poltica autoritria (ISAKOVA, 2005, p.11).
Geopoliticamente falando, at mesmo para um observador ocidental, as
medidas polticas reconhecidamente de fora - tomadas por Vladimir Putin soam
justificadas. Isto, porque da anlise da conjuntura russa da dcada de 1990, via-se
claramente a necessidade de reorganizar o Estado russo, para qualquer posterior
ao externa. A incluso um retorno ao desejado patamar atingido pela superpotncia
sovitica.
Embora seja difcil alinhar o pensamento geopoltico russo diretamente ao
ocidental sobre o tema, as aes prticas da geopoltica russa permitem vislumbrar
uma dinmica da perspectiva realista na sua poltica externa. Isso quer dizer que a
Rssia, ao menos neste incio de sculo, vem agindo por meio de aes que buscam
to somente a consecuo dos seus interesses, ou objetivos, nacionais permanentes.
Na parte seguinte vamos dar relevo ao pensamento estratgico do Ocidente
sobre a Eursia como forma de entendermos a viso de mundo dos EUA e da OTAN
sobre a Eursia. A ideia permitir uma viso ampla sobre as estratgias conflitantes
que ser completada com o pensamento eurasiano sobre o tema nos captulos 4 e 5.
3.3. A GEOESTRATGIA OCIDENTAL PARA A EURSIA
Nesta parte, o estudo pretende voltar-se para as aes geo-estratgicas dos
EUA e dos pases da OTAN sobre reas da Eursia, de tipos variados, a que os
eurasianos costumam chamar de Atlantismo. Tais aes listadas por Akgl (2005)
como recorrentes, desde o imediato final da Unio Sovitica, vem sendo vistas pelos
eurasianos como uma flagrante afronta dos chamados atlnticos contra o solo
sagrado da Rodina (me ptria).
Para Dugin e os eurasianos, o Atlantismo seria um termo geopoltico que
significaria: a) do ponto de vista histrico e geogrfico: a civilizao situada no setor
ocidental do globo terrestre; b) do ponto de vista estratgico-militar: os pases
membros da OTAN, especialmente os EUA; c) do ponto de vista cultura: uma rede de
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informaes unificada criada pelos imprios miditicos ocidentais; d) do ponto de vista
psicossocial: o sistema de mercado, tido para ser absoluto, negando todas as
diferentes formas de organizao da vida econmica. Os agentes do Atlantismo so
os construtores da chamada nova ordem mundial um sistema mundial sem
precedentes que beneficia uma minoria absoluta da populao planetria, o chamado
bilho de ouro (DUGIN, 2010)
Para Mead, corroborando ainda que parcialmente, essa viso de Dugin, a
agenda ocidental a ser disseminada para todo o mundo abarcaria, entre outros pontos:
a liberalizao comercial, a no-proliferao nuclear, os direitos humanos, a
prevalncia do Estado de Direito e a Mudana Climtica (MEAD, 2014). Essa teria que
ser necessariamente a agenda diplomtica a ser objetivada abertamente pelos pases
do Ocidente em busca da Nova Ordem Mundial.
provvel que em complemento a essa agenda aberta, os ocidentais
certamente ajam com uma agenda mais reservada, visando objetivos mais especficos.
Em seu estudo sobre a viso das elites russas sobre o Ir, Shlapentoch comenta sobre
a viso eurasiana do que seria a poltica dos EUA para a Rssia/Eursia:
(...) the United States would not stop at marginalization and destruction of the USSR, but proceed till Russia fell apart. The attempt to destroy Russia/Eurasia is not driven not by economic interest but by the desire to homogenize the world according to the American model. Americanization of Eurasia/Russia would mean the complete destruction of its civilizational core. U.S. confrontation was Russias inevitable destiny, but it could not fight alone and needed an ally. (SHLAPENTOCH, 2009, p.17)14
Essa viso ameaadora dos EUA e seus aliados em relao Rssia ser um
dos pinculos da ideologia eurasiana, como ser visto nos captulos seguintes. Tal
viso evidentemente procede da disputa geopoltica travada durante a Guerra Fria,
mas possui fortes componentes histricos, filosficos e culturais.
Na prtica, a estratgia ocidental para a Eursia, e que vem justificando o
gradual endurecimento da posio e das reaes geoestratgicas russas podem ser
exemplificadas pelos seguintes casos mais consagrados: as Crises da Gergia (2002
14 Os EUA no se detero com o isolamento e destruio da Unio Sovitica, mas procedero at que a Rssia se fragmente. A tentativa de destruir a Rssia/Eursia no guiada por interesses econmicos mas o desejo de homogeneizar o mundo de acordo com o modelo americano. A americanizao da Eursia/Rssia significaria a destruio completa de seu ncleo civilizacional. A confrontao com os EUA o destino inevitvel da Rssia, mas ela no poderia lutar sozinha e vai precisar de um aliado (SHLAPENTOCH, 2009, p.17, traduo nossa).
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e 2008) e as Crises da Ucrnia (em 2004 e 2014), que de certo modo comprovam
o avano ocidental sobre o antigo espao sovitico. certo que houveram outros
pontos de conflito, mas a gravidade e a consequente repercusso internacional
desses dois atos exemplificam a seriedade da questo para os russos.
Para Petersen, a estratgia ideal da OTAN sempre foi conseguir impedir o
condomnio russo chins de deter a hegemonia na sia Central, atendendo assim o
pressuposto de Mackinder. Face inevitabilidade de aes concretas para preencher
o vazio de poder na sia Central ps-sovitica, a deciso teria que ser a expanso
das instituies ocidentais para esse corao da Eursia (PE
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