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O SENTIDO DA EDUCAÇÃO EM MARTIN BUBER E A FORMAÇÃO DO GRANDE
CARÁTER1
Gizele Geralda Parreira2
Vai longe o tempo em que a educação foi sinalizada como o acontecimento
necessário na formação do homem em todas as suas dimensões tornando-a um fenômeno
pertencente à existência humana. Conforme assegura Fernandes (2008): “Onde o ser humano
acontece, [...] ali acontece a educação”. Diante disso, relevamos que a educação ocorre sob dois
distintos aspectos e situações, a saber: na família e fora dela. Nesse trabalho, o foco incide sobre a
educação advinda fora do contexto familiar e dentro da instituição escolar. Mais especificamente,
sobre a educação sucedida dentre as paredes de uma sala de aula e que emerge do contato
estabelecido entre o professor e o aluno.
Partindo dessa premissa, consideramos a escola atual como uma instituição
educacional que sofre as influências de uma sociedade imersa num modelo econômico, político e
cultural inundado por constantes avanços tecnológicos isentos de sentido humano, o que,
consequentemente, propicia à relação educativa uma condição distante de práticas que reconheçam e
considerem seus membros como pessoas, legitimando a praticidade, a despersonificação e a
objetividade comuns à era moderna.
Essas questões impelem o professor e o aluno a relações cada vez mais
coisificadas e desnaturadas, dando espaço à indiferença, ao individualismo e a racionalidade
excessiva. Relações em que o interpessoal é perdido por intermédio do esgotante exagero de
conteúdos, da falta de tempo, da intolerância, do desencontro, da insatisfação, da decepção, do
descaso, da indisciplina, do desânimo, da ausência de reconhecimento e da falta de diálogo;
descaracterizando, em primeiro lugar a escola enquanto ambiente de interações vívidas e, em
segundo lugar, os seus membros como seres humanos.
Num cenário como esse a finalidade da escola que deveria ser a de participar na
formação de cidadãos competentes, autônomos e emancipados acaba dissipada em meio ao que nela
impera. Na verdade, vai ocorrendo um esvaziamento de sentido, pois não há a efetivação adequada
do conhecimento, nem a efetivação da humanização.
1 Texto elaborado para defesa de Tese de Doutorado em 10 de setembro de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Goiás. 2 Psicóloga e Doutora em Educação pela PUC- Goiás. Professora com DE no Instituto de Educação,
Ciência e Tecnologia de Goiás – IFG; Coordenadora da Especialização em Políticas e Gestão da Educação
Profissional e Tecnológica – IFG.
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Ante todos esses aspectos nosso estudo teve a intenção de pensar em algo que
pudesse “expressar a esperança que deve animar as pessoas, assumindo um posicionamento corajoso
diante da concepção do humano3”, ponderando acerca de uma articulação significativa e equilibrada
em meio à realidade moderna e a dimensão humana que possa engendrar, dentro da escola, uma
atitude que abandone a tradicional relação professor-aluno ancorada no ‘eu-te-ensino-e-você-
aprende’ e caminhe em direção a uma relação instituída no ‘você-fala-e-eu-te-escuto’. Ou seja, uma
atitude cuja interação entre educador e educando ultrapasse o campo do objeto e do conteúdo
suscitando a pura esfera do humano.
Quando acreditamos na premissa de que as interações ocorridas entre pessoas
suscitam trocas dialógicas, acreditamos que entre aluno e professor não é diferente. Diante disso
encontra-se o esteio de nossa reflexão: o foco deve ser o que se passa na inter-relação vivida por
dois parceiros: neste caso, o professor e o aluno. Ou seja, o foco deve ser o entre-dois: a esfera da
qual ambos participam no momento em que há o ‘envolvimento’ do professor, no momento em que
impera nesse o anseio de ‘abraçar com amor’ o outro que é seu aluno, o que em hebraico significa
conhecer.
Com efeito, notamos que a proposta deste estudo foi apreender as possibilidades
de uma escola ser alicerçada sobre autênticas relações entre o professor e o aluno por meio da
perspectiva dialógica de Martin Buber em prol da verdadeira vida humana. Martin Buber nasceu em
1878 e morreu em 1965. Foi um filósofo e um educador que teve sua história marcada,
fundamentalmente, por suas vivências e por uma grande confiança no humano. Foi com essa
convicção que ele dedicou sua vida e sua obra à “busca de uma solução para o problema existencial
do homem4”, ansiando que as pessoas vivessem entre si, o mais profundamente possível, a sua
humanidade, por meio de autênticas trocas dialógicas que trazem consigo os principais elementos do
inter-humano: a autenticidade, a presença, a abertura e a conversação genuína.
A autenticidade relaciona-se ao legítimo ser em contraposição ao parecer. Isto é, a
pessoa deve abster-se da preocupação com a imagem que passa e expressar o que é verdadeiramente.
O estar presente é colocar-se disponível, inteiramente disponível àquele que me vem à frente,
considerando a sua real existência. Na abertura não cabe o desejo de influenciar o outro a partir de
interesses individualistas. Na abertura o homem deve aceitar o outro naquilo que ele é em sua
3 Martins, 2006, p. 47. 4 Zuben, 1974, p. XVII.
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singularidade e particularidade. Aqui Buber diferencia dois tipos de pessoas: o propagandista,
aquele que se entrega ao descrédito no potencial humano do outro, querendo sempre se impor; e o
educador, aquele que acredita no potencial do outro e participa de modo a abrir caminhos para que o
outro se manifeste em sua plenitude. A conversação genuína ou o diálogo genuíno tem um
significado que abrange o sentido mais autêntico da linguagem e da comunicação entre as pessoas: é
a atitude revelada por meio da palavra. O diálogo não toma o indivíduo ou o sujeito, ele toma a
pessoa, o ser humano em legítima relação.
Segundo Zuben, “a concepção buberiana do diálogo é atípica porque se recusa a
tratá-lo como simples processo psicológico ou mero meio de comunicação5”, “nem pode ser
utilizada para explicar a interação dos indivíduos em sociedade, ou seu processo de comunicação6”.
A vida dialógica anseia por uma existência fundamentada sobre genuínas relações inter-humanas. O
que provoca no homem uma atitude diferenciada de olhar e de se prestar ao mundo em que ele está,
bem como ao outro que vem ao seu encontro. É um modo de apreender o ser na totalidade em que
ele se constitui.
Diante disso, percebemos que o diálogo em Buber transcende a articulação de
vocábulos que constituem a língua, pois ele é o que marca profundamente a maneira pela qual uma
pessoa se coloca diante de outra. Ou seja, o legítimo diálogo é diferente do diálogo técnico que
apenas informa e do monólogo disfarçado de diálogo no qual sobressai o interesse individualista de
um sobre o outro. O diálogo autêntico indica o verdadeiro voltar-se-para-o-outro, o que confere a
esse evento uma categoria de atitude do homem frente ao mundo manifestando-se na palavra
proferida que “é pronunciada na linguagem da ação7”. Porque, de acordo com Buber, o ser humano
é inerentemente relacional.
Desse modo, a atualização da existência humana é efetivada por meio da palavra
que traduz a forma de o homem se colocar frente ao mundo e frente ao seu semelhante. Em Buber
não há eu em si, apenas o Eu da palavra denominada palavra-princípio que pode ser o Eu-Tu ou o
Eu-Isso. “Quando o homem diz Eu ele quer dizer um dos dois8”. Na palavra-princípio Eu-Tu o
homem entra em relação; na palavra-princípio Eu-Isso ele experiencia o outro ou o mundo em que
5 Zuben, 2003, p. 167. 6 Zuben, 2003, p. 166. 7 Zuben, 2003, p. 153. 8 Buber, 1974, p. 4.
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está. Segundo Buber, não há o predomínio de uma das palavras, ambas são necessárias para a
consumação da existência humana.
No Eu-Tu o mundo é concretizado em três esferas: a vida com a natureza, a vida
com os homens e a vida com os seres espirituais. O mundo do Tu é o que desperta no Eu algo
transformador, é o que impacta, é o que encanta, é o que se manifesta modificando a vida da pessoa
de alguma maneira, “o mundo do Tu fundamenta o mundo da relação9”. Quando nos distanciamos
do Tu, entramos no campo da experiência, entramos no campo do Isso que se manifesta como a
estruturação, a vivência e a ordenação.
A cada Tu vivido há, consequentemente, o Isso, pois segundo Buber, existe uma
constante alternância entre as duas atitudes. Contudo, é a relação Eu-Tu e a sua nostalgia que
garantem ao homem a efetivação do humano. E apesar de ser no Isso que objetivamos nossas ações,
todavia, é nele que corremos o risco da acomodação e do desgaste da relação, pois acomodado o ser
humano se aliena da fonte do Tu, ele perde o ‘encontro’, ele perde o Tu. Sendo assim, é importante
salientar que “o homem não pode viver sem o Isso, [mas] não se pode esquecer que aquele que vive
só com o Isso não é homem.”
Transpondo para a relação professor-aluno observamos nela expectativas de ambas
as partes. Expectativas consideradas como o processo Eu-Tu da relação. No que diz respeito ao
professor o Tu é o crédito, a paixão, a fé no ser ‘mestre’, o desejo e a disponibilidade para além do
simples ensinar, é reconhecer a existência do aluno naquilo que ele é. É o fazer com autenticidade,
orientando o ato educacional para o cuidado entendido como atitude que sustenta a ação e que não
abandona o aluno a si mesmo e à sua facticidade, mas que o cerca em uma postura de manter o ser
que habita o aluno, sendo10
.
No decorrer das aulas e do processo de mediação do conhecimento se o professor
não se sensibiliza e atualiza constantemente sua opção e fé no verdadeiro papel de mestre, ele acaba
dando espaço apenas à estruturação da sua função, deixando que o Isso representado por sua atuação
assuma todo o processo de interação com seu aluno perdendo o espírito real desta, subordinando-se
apenas às regras, aos conteúdos, aos cartões de ponto, as pautas e as convenções curriculares enfim,
os quais cristalizam-no como um mero ‘ensinador’, fazendo-o reduzir o aluno a um simples objeto
dos seus ensinamentos.
9 Buber, 1974, p. 6. 10 Martins, 2006.
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Daí a importância de uma constante atualização do Tu, como diz Buber, para que o
professor não se perca do sentido de sua profissão, que é agir não somente como mediador do
conhecimento, mas, fundamentalmente, como o formador de caracteres. Ver em seu aluno um ser
único, constituído em sua totalidade, e participar, com disponibilidade, não só da sua formação
cognitiva e intelectual, mas da sua formação humana, para que ele possa, a partir da interação
estabelecida na relação dialógica com o mestre, ampliar suas possibilidades de crescimento, sob
todos os aspectos que o tornam um ser humano repleto de potencialidades que o permitam edificar a
sua existência de modo significativo.
“Para auxiliar a realização das melhores possibilidades existenciais do aluno, o
professor deve apreendê-lo como esta pessoa bem determinada em sua potencialidade e atualidade;
mais explicitamente, ele não deve ver nele uma simples soma de qualidades, tendências e
obstáculos, ele deve compreendê-lo como uma totalidade e afirmá-lo nesta sua totalidade11
”. Ou
seja, o professor deve disponibilizar-se ao aluno tomando-o por seu Tu.
Assim colocado, notamos que Martin Buber foi um homem atípico dentro de uma
sociedade ancorada no capitalismo industrial e marcada por ‘grandes guerras’ e não se deixou
sucumbir pelo contexto da modernidade, pautando sua vida e sua obra sobre valores que evidenciam
a necessidade do verdadeiro encontro entre as pessoas e o consequente resgate do humano.
Por várias vezes ele declarou o seu interesse e sua ‘inclinação’ para ‘conhecer
pessoas’, poder mudar algo nelas e ao mesmo tempo permitir ser alterado por elas. Acrescentado
que mesmo tendo deixado um significativo legado teórico, o filósofo afirmava que os livros nunca
foram a parte mais importante de sua vida. Em seus fragmentos autobiográficos ele enuncia: “É
verdade que fecho, por vezes, a porta do meu quarto e entrego-me à leitura de um livro, porém
apenas porque posso abrir a porta novamente, e um homem levanta os olhos em minha direção. Eu
não sabia nada de livros quando me evadia do colo da minha mãe, e eu quero morrer sem livros,
com uma mão humana na minha”. Essa declaração evidencia que a parte mais importante da vida
buberiana foram os seus relacionamentos com as pessoas.
Contudo, conforme antecipamos, ele também se dedicou a elaboração de várias
obras, nas quais podemos perceber as influências sofridas por este filósofo, porém a cultura e a
tradição judaicas, segundo Zuben, “representaram o clima e o molde do seu pensamento12
”. Judeu
11 Buber, 1974, p. 150. 12 Zuben, 1974, p. XXXII.
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fiel à doutrina hassídica, Martin Buber retira de suas experiências vividas a inspiração para suas
reflexões. O hassidismo é o último e o mais elevado movimento do misticismo judaico, cuja
principal característica é a nobreza da alma e a sabedoria mística que diz de uma experiência
espiritual que possibilita o encontro direto do homem com Deus.
O movimento hassídico tinha no tsadik (o justo) a figura do mestre conhecedor
que transmitia o ensinamento da Torá. O que acontecia por meio de uma tradição conhecida por
Cabala: o ensinamento transmitido de boca a boca, cuja finalidade era influenciar o homem por
meio da “palavra que não poderia ser parafraseada”, isto é, por meio de ações e atitudes legítimas.
Assim, o tsadik era aquele que contribuía para que os homens se apropriassem de um modo de vida
piedoso visando o que poderia ser feito aqui na terra para elevar o espírito e se aproximar do
Absoluto, em detrimento das coisas materiais.
Isto posto, Buber considerou a relação Eu-Tu como a abertura necessária à relação
com o Tu eterno. Ideia que concebe a existência humana em conexão com o Absoluto. Quanto mais
o homem se afasta do seu semelhante, mais ele se afasta do Tu eterno, necessitando do reencontro
com o outro e, em consequência com o divino, para resgatar sua humanidade. Buber não entende por
Deus um princípio nem O identifica com uma idéia, mas também como ‘Pessoa’ que entra numa
relação imediata com os homens “através de atos criadores, reveladores e libertadores13
”.
Assim exposto, na reflexão buberiana a modernidade se caracteriza
essencialmente, pelo eclipse de Deus. Contudo, para o filósofo judeu, o Tu eterno não desapareceu
definitivamente, apenas está oculto em função da objetivação excessiva a que o homem tem sido
sucumbido. Na realidade em que se encontra o homem somente poderá ser resgatado por intermédio
da conversão, ou por intermédio da formação do caráter.
Para Buber, o caráter é o objeto da educação, a função educadora é a formação
desse caráter e o sentido da educação é contribuir para a edificação da vida em uma nova
comunidade. Nessa visão, na relação educativa o professor assume um lugar significativamente
importante: o de influenciar com sua palavra e com suas ações genuinamente dialógicas, a formação
dos caracteres que irão constituir a nova comunidade, cuja finalidade é a verdadeira Vida, a qual
representa a maneira pela qual os homens poderão constituir a legítima relação inter-humana isenta
de quaisquer interesses que não sejam uma vida vivida comunitariamente. O que é bem diferente do
que é experimentado pelos homens na sociedade moderna.
13 Buber, 1974, p. 154.
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De acordo com Von Zuben, “o protesto lançado por Buber contra a des-
personificação ou contra a coisificação, a que foi submetido o homem moderno através da
supremacia do Eu-Isso em detrimento da autêntica relação, serve de certo modo, como pano de
fundo para a tentativa de transformação para a verdadeira comunidade14
”.
Desse modo, a educação para a comunidade – sentido maior da educação em
Buber – assume um papel fundamental na formação do caráter do homem. Pois, a partir dela ele terá
a oportunidade de redescobrir o comum que o levará ao comunitário, isto é: uma comunidade supra-
social, a qual não insere em si a nostalgia das antigas comunidades e, tampouco concorda com as
imposições da sociedade moderna, mas, em sua essência, considera o homem como um ser único,
singular, com uma existência relacional e capaz de ser um ‘grande caráter’, ou seja, ser capaz de
reconhecer no seu semelhante um ser único e essencialmente humano. Na educação para a
comunidade não é preciso que o professor seja um ‘gênio moral’ e sim uma pessoa inteiramente
viva e capaz de comunicar-se diretamente com o seu semelhante: o aluno.
A formação do caráter trás em seu interior a idéia de que a função educadora deve
orientar o aluno acerca do que ele deve fazer ante as intempéries de sua realidade, isto é, como ele
pode conciliar “as exigências imperativas e a possibilidade, limitada e relativa, de poder atendê-
las15
”. Para isso, fazem-se necessário a “educação da capacidade de juízo e de deliberação,
indispensáveis nas horas de decisões”. Diante disso, Buber (2002) entende que os preceitos éticos
são indicadores do caminho a ser seguido, porém eles não são definidos de forma definitiva. É
preciso que o homem considere ante cada escolha a circunstância e a contingência de cada situação,
resguardado pela vida dialógica, a qual contribui para que tanto a sua capacidade de juízo, como a
capacidade de escolha e deliberação sejam isentas de aspectos comprometedores da realização de
uma vida mais humana.
Desse modo, notamos a importância de o aluno vivenciar relações educativas que
o possibilitem ajuizar, escolher e deliberar adequadamente para que ele possa consolidar, de modo
autêntico, não somente a aprendizagem dos conteúdos escolares, mas também a sua liberdade moral
e intelectual (a autonomia), a sua liberdade de ação (a emancipação) e a sua existência como ser
humano (a humanização). O que pode ser possível ante a disponibilidade do professor ao diálogo
genuíno com o aluno.
14 Zuben, 2003, p. 129. 15 Zuben, 2003, p. 128.
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Assim colocado, observamos que o professor dialógico é aquele que se abre à
fecundação da atitude Eu-Tu e ao despertar do desejo, do crédito, da paixão, da fé no ser educador e
da disponibilidade de ensinar para além do conteúdo reconhecendo a existência humana do aluno. O
professor dialógico se coloca na relação educadora, igualmente como pessoa que age com
autenticidade orientando sua função pelo cuidado que sustenta sua ação e sua atitude frente ao
semelhante que lhe vem a frente, ‘abraçando-o’ e não o abandonando na medida em que não o
reconhece como um ser humano.
Com efeito, a perspectiva dialógica de Buber para a educação possibilita que a
relação entre professor e aluno extrapole o campo pedagógico para o campo dialógico, por
intermédio da ‘palavra proferida’, permitindo a ambos o real encontro entre pessoas humanas e, não
somente o cumprimento do que é estabelecido nos currículos escolares que contemplam as normas
educacionais modernas.
O que notamos aqui não se trata apenas de algo a ser analisado ou estudado, e sim
de algo que conclama o professor a ‘proferir a palavra’, pois, segundo Buber à natureza humana é
dada a o mistério da kavaná16
, cujo sentido e destinação “não se deve apenas esperar, não se deve
apenas ficar à espreita: o homem pode atuar para resgatar o mundo. [...] Cada pessoa só pode atuar
em seu domínio17
”. “Tudo depende unicamente de começar consigo mesmo, e nesse momento não
precisamos nos preocupar com nada no mundo a não ser com nosso começo. Qualquer outro
posicionamento nos desvia do nosso começo, enfraquece a nossa iniciativa em prol dele, boicota por
inteiro o ousado e grandioso empreendimento18
”.
De acordo com estas reflexões, a instituição educacional – na figura do professor –
deve inicialmente, ‘começar exatamente de onde está’ e atuar para que as salas de aulas sejam
transformadas em pequenas comunidades, as quais em conjunto constituirão uma comunidade
maior: a escola. Cada escola fará parte, dentro da estrutura social, de outra comunidade e assim, num
movimento ascendente, até que a sociedade atual não seja simplesmente o que está posto e seja
transformada numa comunidade supra-social, isto é uma nova comunidade na qual impera o real
existir humano das pessoas entre si. Cada escola ‘renascida’, experimentará em si e poderá trazer
para a nossa sociedade: ‘Vida’.
16 Buber, 2003, p. 37 e 39. 17 Rohr, 2001, p. 9. 18 Rohr, 2001, p. 9.
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Ressaltamos que em absoluto compreendemos a filosofia buberiana como uma
panaceia para nossa realidade social, para a educação escolar, bem como para a relação educativa.
Mas, em acordo com nossa formação e com nossa convicção acreditamos – visceralmente – no
potencial vigente e sustentador das ideias de Buber acerca do homem, da sociedade, da escola, da
vida em comunidade e, especialmente, da função educadora.
Entretanto, há de se considerar as críticas que recaem sobre o pensamento de
Buber na atual realidade, apontando-o, principalmente, como uma utopia que não cabe na
modernidade balizada (dentre outros aspectos) pelo avanço tecnológico, pela competitividade e pela
exclusão dos que não se adequam ao sistema vigente. Ao que o filósofo judeu responde: “Este é um
dos inúmeros mecanismos de fuga que ocupam a vida do homem contemporâneo. Tais mecanismos
lhe proporcionam uma consciência tranqüila, levando-o a contentar-se, na melhor das hipóteses,
com realizar algo ou com defender algo politicamente”19
.
E, a quem possa ver em Buber uma visão romântica e sentimentalista, ele afirma
ainda que “sem qualquer romantismo e, vivendo no presente, temos que edificar uma autêntica
comunidade com os materiais renitentes do nosso momento histórico20
”. Visto que, “constitui um
erro grotesco a noção do homem moderno de que o voltar-se-para-o-outro seja um sentimentalismo,
o qual não está de acordo com a densidade compacta da vida atual. Sua afirmação que o voltar-se-
para-o-outro seja impraticável no tumulto desta vida é apenas a confissão mascarada da fraqueza de
sua própria iniciativa diante da situação da época; [infelizmente] ele consegue que esta situação lhe
ordene o que é possível ou permissível, em vez de, como parceiro sereno, estipular com ela – como é
possível estipular com qualquer época – qual o espaço e qual a forma que ela deve conceber à
existência de criatura”21
.
Mais do que criticar ou mesmo negar a vida dialógica, é necessário verificar,
ponderar e considerar verdadeiramente a sistematização, a profundidade e a atualidade contida nas
obras de Martin Buber. Realmente não se trata de uma teoria a ser aplicada. Esta é uma perspectiva
reducionista da legítima intenção – da kavaná do filósofo judeu – que acende uma luz sobre nossas
cabeças aclarando a possibilidade real de relações necessariamente humanas num mundo açoitado
pelo individualismo e pela distância entre as pessoas.
19 Buber, 2008, p. 89. 20 Buber, 2007, p. 26. 21 Buber, 2008, p. 57.
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Inda que seja utopia, compreendemos a perspectiva dialógica na educação como
uma utopia necessária e preferível ao vazio existencial da atualidade, cuja vida muitas vezes não tem
significado. Entrementes, Buber afirma que “o sofrimento que nos causa um sistema absurdo [é o
mesmo] que prepara [nossa] alma para a visão e o que essa vê, reforça e aprofunda a compreensão
da inexatidão do erro. O desejo de que a visão se realize [é o que] dá forma à imagem22
”.
Tomar a proposta dialógica de Buber como referencial da ação educadora é, antes
de tudo, um caminho indicado para que a escola em sua função possa resgatar a humanidade
seqüestrada do homem moderno; se, não for transformando, ao menos aproximando a sociedade
atual de uma nova e autêntica comunidade: uma comunidade supra-social. Este é o fim, e o meio é o
diálogo autêntico. Tomara que a semente que lançamos possa, um dia, contemplar nossa
expectativa.
Assim como Buber, também nós somos tomados por esta esperança!
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