View
4
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
TAMMY DE OLIVEIRA CITTADIN SOARES
O VIOLINO: SUA ORIGEM, PRINCIPAIS CONSTRUTORES E UMA
VISÃO CONTEMPORÂNEA POR LEANDRO MOMBACH
FLORIANÓPOLIS
2007
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC
CENTRO DE ARTES – CEART
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
TAMMY DE OLIVEIRA CITTADIN SOARES
O VIOLINO: SUA ORIGEM, PRINCIPAIS CONSTRUTORES E UMA
VISÃO CONTEMPORÂNEA POR LEANDRO MOMBACH
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Música da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Música – Violino. Orientador: Professor Leonardo Piermartiri
FLORIANÓPOLIS
2007
TAMMY DE OLIVEIRA CITTADIN SOARES
O VIOLINO: SUA ORIGEM, PRINCIPAIS CONSTRUTORES E UMA
VISÃO CONTEMPORÂNEA POR LEANDRO MOMBACH
Trabalho de conclusão de curso aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de
bacharel, no curso de Música – Violino da Universidade do Estado de Santa Catarina.
Banca Examinadora
Orientador: _________________________________________ Prof. Mestre Leonardo Piermartiri Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Membros: __________________________________________ Prof. Mestre João Eduardo Dias Titton Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
___________________________________________ Prof. Mestre Kleber Alexandre Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Florianópolis, Santa Catarina (09 de julho de 2007)
Dedico este trabalho aos meus pais Nilza e Carlos, ao meu irmão Nickolas e a meus avós, que me dão suporte em todos os caminhos que sigo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador Leonardo Piermartiri, que foi de grande ajuda para me
guiar neste trabalho.
Ao meu professor e amigo João Eduardo Titton, pelo qual cultivo grande admiração
por todos esses anos de ensinamentos e amizade.
Às minhas amigas Luana e Izabela, grandes amigas de infância e que estão comigo
desde o início do curso.
Ao meu querido amigo Guilherme May, pela grande ajuda na elaboração deste
trabalho, pela revisão e, sobretudo, pela amizade.
Ao Anderson, que mesmo estando na Itália contribuiu para a realização deste trabalho.
Ao Leandro Mombach, pessoa muita querida que permitiu ter seu trabalho aqui
retratado e que foi de uma gentileza sem igual.
L’Italia ha inventato il violino, questo immenso
miracolo con un’anima vibrante, tramite
meraviglioso ed unico per trasmettere il nostro
suono.
Salvatore Accardo
RESUMO
De início este trabalho aborda as origens do violino, seguindo por um caminho que conduz à liuteria, seus personagens principais e o legado por eles deixado desde que essa arte alcançou o apogeu, no século XVIII. Em seguida faz-se uma ponte dessa época de ouro da liuteria até os dias de hoje, chegando em Mombach. Por meio desse liutaio, que segue a tradição deixada pelos mestres do passado, é possível termos a noção dos caminhos que essa profissão vem tomando atualmente, e ele nos prova que os resultados obtidos no passado não mudarão, já que fornecem as informações necessárias para a construção de um bom instrumento. Entretanto, o desafio do liutaio hoje é se adequar às mudanças que vêm ocorrendo no mundo, adaptando seu trabalho a elas.
PALAVRAS–CHAVES: História do violino. Liuteria. Leandro Mombach.
SUMÁRIO
1 Introdução 8
2 Início da criação do violino 10
2.1 Escassez de informação 10
2.2 Origem do violino 12
2.3 Causas do desenvolvimento 20
3 O Instrumento 22
3.1 A construção do violino 32
4 Liuteria 35
4.1 Escolas típicas de liuteria 36
4.1.1 Escola Cremonesa 36
4.1.2 Escola da Brescia 45
4.1.3 Outros centros italianos 48
4.1.4 Outros centros de liuteria fora da Itália 50
4.1.4.1 Alemanha e Áustria 50
4.1.4.2 França 51
4.1.4.3 Holanda e Bélgica 51
4.1.4.4 Inglaterra 52
4.1.4.5 Espanha e Portugal 52
5 Leandro Mombach 53
5.1 Trajetória profissional 53
5.2 A liuteria na visão de Leandro Mombach 56
6 Considerações finais 60
Referências 62
Anexos 64
8
1 Introdução
O violino é um instrumento reconhecido e admirado, a respeito do qual existem
muitas histórias e até lendas. Dentre essas histórias é muito comum ouvirmos sobre o famoso
construtor Stradivari e seus violinos, e freqüentemente nos deparamos com alguém dizendo
ter um deles em sua família.
Em primeiro lugar, faz-se necessário dizer que Antonio Stradivari foi um liutaio
(artesão que constrói instrumentos de corda) que trabalhou na cidade italiana de Cremona1
entre os séculos XVII e XVIII. Nessa época, a construção de violinos alcançava o seu ápice.
Stradivari teve uma vida bastante longa, o que lhe possibilitou fazer muitas experiências e
aprimorar os resultados obtidos por outros liutaios anteriores a ele. Sabendo da existência de
outros liutaios e das escolas de liuteria2 às quais pertenciam, podemos perguntar quem eram
eles e quais as suas contribuições para o violino. Dessa maneira, abordaremos a liuteria3 desde
o surgimento do violino, falando dos principais construtores, escolas e de seus instrumentos,
além de, junto a isso, fazermos um levantamento de informações obtidas através de vários
autores para sabermos um pouco mais sobre essa origem (onde, quando, por que e por quem
foi criado).
A partir do momento em que chegamos a uma data aproximada do início da criação
do violino, procuraremos resolver o problema principal deste trabalho, que é contar a história
da liuteria artística4 desde o surgimento do violino no século XVI, passando pelas suas
principais escolas de construção, dos séculos XVII e XVIII até os dias de hoje. Procuraremos
saber se muita coisa mudou nessa arte de construção. Tendo em vista que ela alcançou seu
apogeu já há alguns séculos, seria ela considerada uma arte estagnada? É possível haver
mudanças na forma de construir ou elas só podem ocorrer no sentido de subsidiarem uma
facilidade à arte do liutaio? Como é o trabalho de um profissional da atualidade que segue a
tradição, e qual a sua visão a respeito dessa profissão hoje em relação ao passado e o que há
por vir? Essas questões serão respondidas através da figura do liutaio brasileiro Leandro
Mombach.
1 Província italiana da região da Lombardia. 2 Tomadas aqui como tendências de construção de uma determinada região. 3 Segundo o Dicionário Grove de Música (1994, p. 555), liuteria é a “fabricação de instrumentos de cordas com caixa de ressonância”. 4 Liuteria artística: termo utilizado por Conforti (1987, p. 39) para a construção do violino feita pelo artesão, chamado liutaio. Na liuteria artística, há o envolvimento direto do liutaio com o instrumento que está sendo construído, diferindo da construção industrial, feita em escala, através de máquinas.
9
Essa escolha se deve a inúmeros fatores. Mombach é um profissional competente e
respeitado, ao qual o meu violino e o de outros colegas de profissão são confiados para que
reparos e outros tipos de trabalho sejam feitos, além de ter construído instrumentos para meus
professores e colegas. O fato de ter estudado na Itália, berço da liuteria violinística, confere
credibilidade ao seu trabalho e a opiniões que ele possa oferecer a respeito do tema.
O fato de o violino ser meu instrumento de trabalho faz com que surja, obviamente,
uma curiosidade a respeito de sua história, com a qual já tive um contato apenas superficial.
Sendo assim, ao me deparar com a escolha de um tema para este trabalho de conclusão de
curso, achei esse assunto pertinente. Como o tema “violino e sua história” é muito vasto, optei
pelo ramo da liuteria, já que poderia obter informações precisas de um profissional
competente e de fácil acesso.
A metodologia para este trabalho consiste na leitura de livros a respeito da história
do violino e liuteria, em conversas que tive com o liutaio Leandro Mombach e em pesquisas a
sites relacionados a esses assuntos. Encontra-se, também, neste trabalho, uma entrevista
realizada com Mombach, a fim de saber a opinião do liutaio a respeito de suas experiências
com novas tecnologias e os seus benefícios para o trabalho do liutaio. Outro objetivo da
entrevista é obter a análise de Mombach a respeito dos instrumentos antigos e dos construídos
hoje em dia, comparando o nível de qualidade entre eles.
De início, as dificuldades com relação a informações sobre o começo da história do
violino são apontadas, para em seguida serem apresentadas as respostas de alguns autores a
respeito do que teria causado essa escassez de dados. Em decorrência dessa falta de
informações, estudiosos do assunto buscaram em pinturas e documentos da época os indícios
do surgimento do violino, sendo que as pinturas mais relevantes serão aqui apresentadas.
Tendo em vista que o violino é um amálgama de outros três instrumentos, as características de
cada um serão descritas para, em seguida, ser oferecida ao leitor a definição de cada parte do
violino. A partir daí, as principais escolas de liuteria dos séculos XVII e XVIII serão
apresentadas junto aos seus construtores mais importantes, culminando nos dias atuais na
figura de Leandro Mombach, através do qual se faz a resposta ao problema desta pesquisa.
Acredito que este trabalho possa servir de ajuda principalmente a estudantes de
violino, pelo fato de expor em uma forma concisa os principais fatos da liuteria e um pouco
de sua história, fazendo uma apresentação, despida de alguns mitos, dos principais
construtores desse instrumento. O fato de o violino ser apresentado parte por parte bem como
a apresentação do seu processo de construção passo a passo e a descrição de algumas
transformações que ocorreram no decorrer de sua história também é de grande ajuda.
10
2 Início da criação do violino
2.1 Escassez de informação
O início da história do violino é envolto por numerosos mistérios e obscuridades. No
começo do século XVI, muito se sabia sobre ele e sua família, mas nada foi escrito, e essa é
uma das causas da dificuldade que temos hoje em saber sobre o início de sua história. A
seguinte frase de Praetorius5 ilustra bem a situação: “E como todos sabem sobre a família do
violino, é desnecessário indicar ou escrever algo sobre ela” (BOYDEN, 1990, p. 1, tradução
nossa). Praetorius escreveu essa passagem há quase quatro séculos, e o que se sabia sobre o
violino naquela época, hoje não se sabe mais. Se todo o conhecimento que possuíam tivesse
sido escrito, hoje, horas de pesquisas não precisariam ser gastas. Testemunhos sobre a
construção do instrumento, a música feita para ele e a maneira como era tocado seriam de
grande valor.
O fato de haver limites para se descobrir sobre a música e a técnica do violino no século
XVI decorre, também, da situação da música instrumental dessa época. Antes de 1600, na
maior parte do tempo, os instrumentos serviam simplesmente para dobrar vozes, ou seja,
faziam as mesmas notas que os cantores. Partes escritas especificamente para algum
instrumento eram poucas e, por isso, o desenvolvimento técnico do idioma instrumental foi
limitado e inexplorado, com exceção de algumas peças para alaúde e instrumentos de teclado.
Com o tempo, essa prática conduziu naturalmente à independência das formas instrumentais
derivadas dos modelos vocais. É aí que surgem formas como a canzona6, que ainda não estava
totalmente desligada do modelo vocal. Como exemplos de música realmente instrumental
temos os prelúdios, tocatas e variações escritas para alaúde e instrumentos de teclado. Boyden
(1990, p. 3) diz que no tratado de Diego Ortiz7, datado de 1553, encontramos explicações
sobre divisões de arco feitas na viola as quais eram mais ou menos figurações instrumentais
elaboradas e improvisadas de uma dada parte ou melodia.
5 Michael Praetorius (1571-1621): Compositor e teórico alemão, foi o compositor mais versátil e um dos mais prolíficos de sua época. Seu tratado enciclopédico Syntagma musicum, com informações detalhadas sobre instrumentos e práticas de execução, é de imenso valor documental (Dicionário Grove de Música, 1994, p. 740). 6 Canzona: tipo de composição instrumental dos séculos XVI e XVII (a palavra originalmente significava um arranjo de uma chanson polifônica francesa) (Dicionário Grove de Música, 1994, p. 167). 7 Diego Ortiz (1510-1570): Teórico e compositor espanhol. Seu Trattado de glosas (1553) é o primeiro manual impresso de ornamentação para instrumentos de cordas com arco, e inclui cerca de 24 peças para viola.
11
O fato é que o início da história do violino tem que ser lembrado como parte de uma
tradição de música instrumental orientada para a música vocal. É importante constatar que o
violino e os instrumentos de sua família também eram usados em danças, visto que sua
facilidade na articulação rítmica e o som penetrante favoreciam seu uso nessa atividade.
Segundo Boyden (1990, p. 40) a música para violino mais antiga de que se tem registro é
datada de 1581 e foi feita para ser tocada em um casamento real francês. A peça está
registrada por ter sido tocada em um evento grandioso. Contudo, ainda assim, a dança não era
o meio mais adequado para que a verdadeira identidade do violino fosse desenvolvida, a qual
passamos a encontrar na tradição não escrita da improvisação e nas formas de prelúdios,
tocatas etc.
A escassez de informações sobre o início da história do violino também se deve ao
fato de esse instrumento ocupar uma baixa posição social no século XVI. Por ser geralmente
usado por profissionais que o tocavam para sobreviver, ele gozava de pouco prestígio. Em
contrapartida, alaúde e viola da gamba eram tocados, principalmente, por pessoas da
aristocracia, que eram grandes entusiastas desses instrumentos. Além disso, tocar viola da
gamba ou alaúde fazia parte da educação dos “bem-nascidos”. Boyden (1990, p. 4l, tradução
nossa), citando um relato de Jambe-de-Fer (o mais antigo sobre violino que se tem notícia),
datado de 1556 e transcrito abaixo, fornece uma prova disso:
Nós chamamos violas àquelas com as quais cavalheiros e outras pessoas de virtude passam seu tempo. [...] O outro tipo é chamado violino; ele é comumente usado para a dança. [...] Eu não ilustrei o chamado violino, porque você pode pensar que ele se assemelha à viola, além do que, há poucas pessoas que o usam, salvo aqueles que ganham a vida tocando-o.
Em suma, o violino era pouco respeitável do ponto de vista social e, comparado ao
alaúde ou órgão, tinha quase nenhum prestígio. Ele era um instrumento comum à dança, e era
tocado por profissionais que tiravam seu sustento através dele. Isso fez com que seu potencial
técnico não fosse desenvolvido no início do século XVI e que informações a seu respeito
fossem consideradas irrelevantes.
12
2.2 Origem do violino
A data de origem do violino depende de uma explicação arbitrária de o que vem a
ser o violino. Quais características estruturais ele deve ter? Quantas cordas? Se, entre outras
coisas, o violino é definido como tendo quatro cordas, uma data e local aproximados de sua
origem poderão ser estabelecidos. Mas se três cordas são suficientes para a definição, uma
data mais antiga pode ser dada. Entretanto, mesmo se o termo violino for claramente definido,
a data e local de sua origem podem ser determinados apenas aproximadamente, já que há
poucas evidências documentais (construtor e procedência) dos violinos do século XVI que
restaram e, quando elas existem, estas são imprecisas. Por essa razão, não se pode dizer
precisamente onde, quando e quem “inventou” o violino (BACCHETTA, 1937 apud
BOYDEN, 1990, p. 6).
Um outro obstáculo é apontado no livro de Kolneder (1999, p. 77). Nele, o autor diz
que documentos escritos, incluindo tratados teóricos, memórias, diários de viagem, descrições
de eventos festivos, documentos pessoais, comprovantes de pagamento e outros, tornam-se
difíceis de serem compreendidos devido às suas obscuras terminologias em várias línguas. O
nome “viola” serve como exemplo. No século XVI existiam dois tipos de viola. De acordo
com a maneira como eram tocadas elas eram chamadas de viola da braccio ou viola da gamba.
Em alguns escritos consta apenas o termo viola, e nesses casos, não sabemos a qual tipo se
referem.
Ao buscarmos os primeiros estágios do violino, é necessário fazermos uma
distinção de sua primeira forma da forma atual. Na página 22, encontramos os principais
traços do violino como existe hoje. Um instrumento com essas características (do violino
atual) surgiu por volta de 1550.
Por meio de um estudo cuidadoso de objetos de arte, de documentos e dos poucos
instrumentos existentes do início do século XVI, algumas respostas sobre a origem do violino
foram encontradas. Essas respostas são controversas, de acordo com alguns autores. O
presente trabalho irá expor as principais evidências encontradas e as conclusões às quais
alguns autores chegaram.
De acordo com Conforti (1987, p. 21) o violino é citado pela primeira vez em um
registro da Tesouraria Geral di Savoia, onde, no dia 17 de dezembro de 1523, figura um
pagamento pela execução de trompetes e violinos de Verceli. Já os primeiros registros
13
iconográficos de seu surgimento são encontrados em pinturas e afrescos do pintor italiano
Gaudenzio Ferrari (c. 1480-1546), em igrejas perto de Milão, datados do início do século
XVI. A mais antiga dessas pinturas, La Madonna degli aranci, encontrada na igreja de São
Cristóvão em Verceli, foi pintada por volta de 1529-30. Ela mostra uma criança tocando um
violino muito parecido ao que se firmou na segunda metade do século: uma caixa com
contornos profundos, o braço separado do corpo do instrumento, uma voluta rudimentar e um
estandarte em forma de coração.
Figura 1. Detalhe da pintura La Madonna degli aranci, de Gaudenzio Ferrari, pintada entre 1529-30.
A representação mais famosa, entretanto, é encontrada em um grande afresco na
cúpula da Catedral de Saronno, de 1535. Nesse afresco, encontramos um instrumento com a
forma típica do violino: nele, a voluta e as cravelhas estão dispostas da maneira como
conhecemos hoje.
14
Figura 2. Detalhe do afresco Concerto degli angeli de Gaudenzio Ferrari, pintado em 1535.
As pinturas e afrescos mencionados mostram que o mais antigo violino surgiu não
depois de 1529-30. Essas pinturas foram encontradas em igrejas na vizinhança de Milão, de
modo que se torna mais fácil afirmar que esses instrumentos se originaram no norte da Itália e
eram vistos freqüentemente pelo pintor por volta de 1530. Essas datas fazem termos como
violon e violetta aceitáveis quando encontrados depois de 1530. O termo violon foi
encontrado em documentos na França na época das pinturas de Gaudenzio Ferrari, o que
prova que o violino já existia por lá, mas um maior número de documentos e pinturas dá o
norte da Itália como o local do surgimento desse instrumento.
Já tratamos da data e local prováveis do surgimento do violino, porém um dado
importante ainda não foi mencionado: o seu possível “inventor”. Em seu tratado de 1553,
Lanfranco8 identifica dois construtores brescianos9 como construtores de lira e seus
semelhantes. No início do século XVI, o termo lyra ou lira poderia também significar a lira
da braccio ou o membro da família do violino (viola da braccio). De acordo com Galilei10,
durante muitos anos a viola da braccio foi chamada de lira, motivo por que é possível que os
construtores mencionados por Lanfranco de fato tenham produzido violinos. Os construtores
citados são Giovan Giacobo dalla Corna e Zanetto Montichiaro. Este último nasceu por volta
8 Citado por Boyden (1990, p. 10). 9 Brescia: província italiana da região da Lombardia. 10 Citado por Boyden (1990, p. 10).
15
de 1488, em Montichiaro, uma cidade perto de Brescia, lugar onde em 1530 se estabeleceu e
no qual morreu entre 1562 e 1568. Sua arte foi conduzida a tanta perfeição que ele foi
considerado um dos fundadores da escola da Brescia, juntamente com G.G. dalla Corna, G. B.
Donedo e Girolamo Virchi. Virchi nasceu em Brescia em 1523 e foi professor de Gasparo da
Salò. Há uma grande discussão entre Cremona11 e Brescia quanto à invenção do violino.
Brescia com Gasparo da Salò e Cremona com Andrea Amati. A invenção do violino não pode
ser atribuída a Gasparo da Salò, já que evidências iconográficas provam que o violino de três
cordas existia por volta de 1530, e o de quatro cordas é citado por Jambe-de-Fer em 1556, e o
primeiro violino de Gasparo é datado de 1562.
O caso de Andrea Amati é um pouco mais complicado. Há dúvidas com relação a
sua data de nascimento, mas pesquisas de Carlos Bonneti12 foram capazes de estabelecer com
alguma certeza que Amati nasceu em Cremona entre 1500 e 1505. Portanto, ele poderia ter
construído violinos na época das pinturas de Gaudenzio. Apesar disso, três autores que
trataram desse assunto, Conforti (1987), Kolneder (1999) e Boyden (1990), indicam dalla
Corna e Montichiaro como os possíveis primeiros construtores de violinos (já que eles
começaram a construir instrumentos antes de Amati) e Brescia como sendo o primeiro centro
de construção desse instrumento.
Ainda de acordo com esses mesmos três autores, o violino não surgiu de um único
instrumento: ele herdou traços característicos de três outros do século XVI, que são a rabeca,
o fiddle e a lira da braccio - nesse ponto, Kolneder (1999, p. 90) dá mais ênfase à
contribuição da viola. Não falaremos exaustivamente sobre cada um desses instrumentos,
mas, sim, sobre suas contribuições na construção do novo violino.
As rabecas, que datam de antes do século XIII, são de uma família de instrumentos
com o registro típico do soprano, alto-tenor e baixo. O corpo se parece com a metade de uma
pêra, o braço e a caixa de cravelhas são partes integradas ao resto do corpo, ou seja, não são
partes encaixadas separadamente. Nesse aspecto, o corpo do violino e da rabeca nada têm em
comum. A rabeca tinha três cordas, afinadas em quintas: sol, ré e lá; suas cordas eram presas e
apertadas por cravelhas inseridas lateralmente na caixa de cravelhas, como no violino. Ela não
tinha trastes e era apoiada no peito ou no pescoço. A rabeca não tinha alma, e a ausência dela
fez uma diferença considerável na qualidade sonora, deixando-a com uma sonoridade áspera e
rouca.
12 Citado por Kolneder (1999, p. 101).
16
Figura 3. Anjo tocando uma rabeca: cúpula da Catedral de Saronno, pintada por Gaudenzio Ferrari em 1535.
Note como a caixa e as cravelhas inseridas lateralmente se assemelham ao violino.
Figura 4. Rabeca vista de dois ângulos.
Em regra, o fiddle da Renascença tinha cinco cordas, estava no registro do soprano,
era de tamanho comparado ao do violino atual e seu tampo e fundo eram conectados por
faixas (como no violino). Ele tinha o braço e espelho separados e possuía trastes. Entretanto,
diferentemente do violino, as cravelhas eram colocadas na frente da caixa de cravelhas, que
geralmente tinham forma de coração ou de folha.
17
Figura 5. The Virgin and with Saints Figura 6. Detalhe da figura anterior, and Donors (detalhe central da pintura). descrição de um fiddle de cinco cordas, com cravelhas inseridas na frente da caixa e espelho com trastes.
A viola da braccio tem o corpo consideravelmente parecido ao do violino, apesar
de seu tamanho variar desde a pequena viola até a grande. Tem o tampo e o fundo conectados
por faixas e possui alma, assim como o violino. Diferentemente deste, a lira da braccio de
1500 tinha sete cordas, e duas delas, mais graves, continuavam depois do fim do espelho. Não
há evidências de que a lira da braccio tinha trastes antes de 1600. As cravelhas eram
colocadas na frente da caixa de cravelhas. Às vezes, as aberturas no tampo eram em forma de
f e, em outros momentos, em forma de C.
18
Figura 7. Viola da braccio com duas cordas externas ao braço, que tinham a função de manter um baixo contínuo sobre a mesma nota. Não foram usadas no violino. Fonte: Conforti (1987, p. 33).
No começo do século XVI, percebeu-se o ganho em combinar o potencial sonoro do
fiddle com o benefício musical da afinação em quintas da rabeca. Por ter uma caixa de
ressonância plana e também uma alma, o fiddle tinha uma sonoridade superior; além disso, o
fato de o braço e o espelho serem encaixados separadamente o tornou um instrumento mais
fácil de ser tocado que a rabeca. Por outro lado, a afinação em quintas da rabeca permitiu uma
técnica de dedilhado mais consistente e, por ter menos cordas e as cravelhas serem colocadas
lateralmente, eram mais fáceis de afinar. Já a lira da braccio deu ao violino o seu desenho
típico, incluindo a parte superior, central e inferior. O tampo e fundo arcados foram
suportados pela alma, e as faixas ligavam essas duas partes. Outras características da lira da
braccio que o violino adotou foram o braço fixado separadamente do corpo (assim como o
fiddle) e um espelho sem trastes.
Estando cientes de que o violino surgiu como uma amálgama de três instrumentos e
sabendo as principais características que ele adotou de cada um, é necessário, agora, que
saibamos das mudanças que nele ocorreram para que chegasse à forma atual.
Ainda na viola da braccio, ocorreram algumas mudanças que foram repassadas ao
violino. Uma maior distância entre as cordas foi criada, que se deu através de um maior
19
entalhe nas laterais, o que também permitiu um ataque mais vigoroso do arco. Cordas mais
grossas foram usadas, resultando em um volume de som maior, além de oferecerem maior
resistência ao arco, o que exigiu um tocar mais enérgico. Mais resina foi usada no arco e
houve um aumento no número de crinas. As cordas, com uma maior amplitude de vibração,
tiveram a necessidade de um cavalete mais alto, para evitar que elas não atingissem o espelho.
Uma maior altura do cavalete, juntamente com a tensão das cordas, criou uma pressão do
cavalete sobre o tampo e, para evitar que ele rachasse ou quebrasse, foi necessário o uso de
um suporte. Então, uma pequena haste foi colocada, a alma, e depois percebeu-se que ela
tinha grande influência no som do instrumento. Um outro fato é que a caixa de cravelha teve
que ficar um pouco mais inclinada em relação às cordas, para reduzir a tensão; a pestana
também foi adicionada.
Uma maior amplitude de vibração, combinada com cordas mais grossas, teve um
profundo efeito na forma do corpo do instrumento, já que a vibração das cordas e a caixa de
ressonância estão intimamente relacionadas. O uso de uma madeira mais grossa anulou
parcialmente a intensidade de vibração, o que interferiu na sua capacidade de ressonância.
Então, percebeu-se que um melhor entalhe da madeira do tampo e fundo, de acordo com a
vibração, seria o melhor caminho. Para compensar a força das cordas mais graves, uma
solução foi encontrada: a barra harmônica. Ela foi colocada na parte de dentro do instrumento,
no lado das cordas graves. A barra harmônica equalizou vibrações ao longo de todo o tampo e
impediu excessiva agitação na vibração dos pontos noidais.
O tampo do instrumento também sofreu modificações de acordo com a forma das
aberturas. Ilustrações e instrumentos preservados dos séculos XV e XVI mostram que as
aberturas sonoras foram objetos de muitas experimentações. As aberturas em C eram as mais
usadas e, com o tempo, tornaram-se maiores e foram colocadas em melhor posição acústica,
sendo melhor distribuídas na espessura fina da madeira. Já as aberturas em f, usadas
atualmente, são uma derivação das em C, e provaram ter um efeito mais favorável na tensão
da madeira.
Kolneder (1999, p. 88, tradução nossa) tem uma opinião quanto à participação da
viola no desenvolvimento do violino:
Essas mudanças estruturais são resultados da tentativa de aumentar o som da viola da braccio. [...] Essa é uma parcial descrição do desenvolvimento do violino. Ver isso na sua verdadeira perspectiva pode nos livrar da noção de que um liutaio quis “inventar o violino”. Mais propriamente, eles tenham começado por tentar modificar o som da viola da braccio.
20
Todavia, como vimos anteriormente, o violino não veio apenas da viola da braccio, e
sim, de um conjunto de características de três instrumentos. Kolneder (1999, p. 90, tradução
nossa) nos traz, ainda, uma frase que ajuda a encerrar essa parte do trabalho com relação à
época do surgimento do violino:
Sem exageros, podemos dizer que o processo de desenvolvimento levou trinta, quarenta ou mais anos. Não podemos determinar se o primeiro instrumento que soou como um violino foi construído em 1470 ou 1490, mas certamente o processo foi concluído por volta de 1500.
2.3 Causas do desenvolvimento
Uma questão para a qual procuramos resposta é o porquê do desenvolvimento do
violino. Como já vimos com Boyden (1990, p. 41), através do relato de Jambe-de Fer, o
violino não gozava de prestígio perante a sociedade e, ao contrário, violas da gamba e alaúdes
faziam parte da educação dos mais abastados. Pois bem, considerando que era essa a imagem
do violino no século XVI, nós realmente acreditamos que os construtores mostraram interesse
em aperfeiçoá-los apenas para vendê-los a preços mais acessíveis, e para que fossem tocados
em danças? É bom lembrar que estamos especulando sobre os primeiros grandes mestres
construtores, como Andrea Amati e Gasparo Bertolotti, chamado da Salò. Se Jambe-de Fer
estava certo, não seria mais apropriado que eles construíssem violas e vendessem para ricos
aristocratas, conseguindo mais dinheiro? Como já vimos, em seu relato, de Fer mostra o
violino associado à dança, e ele o faz devido aos grandes eventos festivos da Renascença. É
nesse ponto que encontramos uma das respostas para nossa dúvida: nesses eventos, todo
profissional e outros competentes instrumentistas (nesse caso, violinistas) poderiam participar.
Criar instrumentos necessários para eventos tão grandes deveria ser o desafio dos
construtores, já que eles eram pagos para fazer esse trabalho. A necessidade por um
instrumento com som forte e com um registro mais agudo conduziu ao desenvolvimento do
violino (KOLNEDER, 1999).
Uma outra resposta a essa questão é dada por Wasielewski (1869 apud
KOLNEDER, 1999, p. 82, tradução nossa):
Por algum tempo, tem-se tido a necessidade de um instrumento correspondente em alcance à voz soprano. [...] Primeiramente a corneta tem assumido a função porque
21
o timbre das violas não se assemelha ao do soprano. Mas o som da corneta não combina com o das violas, de modo que surgiu a necessidade por um instrumento de arco relacionado à viola, mas que se assemelhasse ao soprano.
De acordo com Wasielewski, a maior parte dos construtores concorda com essa
hipótese. Eles são contrários a alguns autores que interpretam mal a relação entre a
necessidade social e a conseqüência para o violino.
Em seu livro Musical Instruments of the Western World, Emanuel Winternitz13 nos
sugere outra resposta:
A freqüente suposição de que a invenção de novos instrumentos pode ter sido atribuída, exclusivamente, a um ou outro progresso tecnológico ou a novas idéias musicais tem freqüentemente conduzido a uma interpretação simplificada da história musical. Atualmente, generalizações não são possíveis e cada caso tem que ser investigado em seus próprios méritos. [...] O violino [...] existia muito antes de uma dinâmica própria e recursos tonais serem explorados por Vivaldi, e mais recentemente, em um caminho imprevisível, através da invenção de um instrumento acrescentado, o arco Tourte. Às vezes é outro fator, um modelo visualmente agradável, que contribui para a melhora de um instrumento. Um caso exemplar em evidência é o violino. A “invenção” deve, de fato, ter sido própria da sensibilidade estética de um desconhecido mestre artesão do início do século XVI que, procurando por uma forma “perfeita”, conduziu, através da cristalização de velhos tipos e formas de fiddle, a uma equilibrada união de contornos e superfícies moldadas graciosamente.
Temos aqui três respostas possíveis à questão do que teria motivado o
desenvolvimento do violino. Kolneder (1999, p. 81) tendo como base o relato de Jambe-de
Fer, o atribui à necessidade de um instrumento com maior projeção sonora e registro agudo.
Utilizando-se da hipótese de Wasielewski, mostra a busca por um instrumento que se
assemelhasse à voz humana (que de alguma maneira vai de encontro à primeira explicação).
E, por último, temos Winternitz nos mostrando que a busca por um modelo mais agradável e
com contornos mais graciosos possa, de alguma maneira, ter levado ao desenvolvimento do
violino.
13 Citado por Kolneder (1999, p. 82).
22
3 O Instrumento
Como dito anteriormente, o violino surgiu por volta de 1500 e continuou se
desenvolvendo até que adquiriu seu modelo clássico (padrão) entre os séculos XVI e início do
XVII, com Andrea Amati (Cremona) e Gasparo da Salò (Brescia). Desde então, esse
instrumento sofreu poucas modificações.
De acordo com Conforti (1987, p. 36), o violino é composto por mais de setenta
peças; já Kolneder (1999, p. 13) citando outros escritores, Hart e Grillet, dá números
diferentes: cinqüenta e oito partes (Hart) e oitenta e três (Grillet).
A figura abaixo mostra o violino e cada uma de suas partes. Falaremos a seguir
sobre as mais importantes14.
Figura 8. Violino "explodido". Fonte: Stowell (1992, p. 2).
14 Informações retiradas do site <www.minugia.it/metodo-i.htm> (acesso em 20 de junho de 2007) e de Kolneder (1999), Conforti (1987), Alton (1986) e Pasquali e Príncipe (1927).
23
Alma – Pequeno cilindro em abeto, colocado sob pressão entre o tampo e o fundo
do instrumento, em correspondência com o pé (base) do cavalete - lado da corda aguda.
"Trabalha" a função estática de sustentar o tampo, colocando-o "em fase" com o fundo; tem
função de regular a emissão e o equilíbrio do som.
Blocos (superior, inferior e laterais) – Seis reforços para as partes submetidas a
maior tração ou golpes. São pequenas peças de madeira macia (abeto, piopo etc.), sendo
quatro na parte interna da ponte (nos C), que são os blocos laterais, bloco superior, que
"recebe" (suporta) o encaixe do braço (na extremidade da caixa) e um bloco inferior,
que suporta o botão e, portanto a tensão proveniente das cordas. No método clássico, a
construção do instrumento inicia propriamente com a colagem e a “modelagem” dos seis
blocos.
Botão – Pino inserido na faixa inferior, no bloco que ali se encontra. Tem a função
de fixar o estandarte.
Pestana – Pequena barra de ébano ou de osso colocada no sentido transversal que
se encontra na extremidade do espelho e ligeiramente realçada (elevada) em relação ao plano
do espelho. Possui pequenos sulcos para manter as cordas nas devidas posições.
Barra harmônica – Barra de abeto colada na parte interna do tampo, no sentido
longitudinal e passando abaixo do pé do cavalete, tomando como referência a corda grave.
Desempenha uma função estática de sustentação do tampo e é determinante para um bom
rendimento do instrumento. Com o tempo está sujeita a perder a “força" (resistência), e o
instrumento perde volume de som, sobretudo nas notas graves, e o tampo tende a abaixar-se e
a se deformar. A barra harmônica é uma das partes que são periodicamente substituídas.
Contrafaixa – Ripas de madeira macia, freqüentemente de abeto, que servem de
reforço às faixas, e aumentam a superfície de "colagem" para o fundo e para o tampo.
Estandarte – Em madeira dura (ébano etc.); normalmente o mesmo das cravelhas.
É amarrado ao botão por meio de uma corda de nylon ou tripa. Em alguns casos dispõe de um
ou até quatro mecanismos para microafinação.
24
f – Duas aberturas existentes no tampo. A forma do f, a localização e as dimensões
delimitam o setor central do tampo e, com seus cortes (o corte do próprio f) internos indicam
o alinhamento central do cavalete.
Faixa – Constitui o contorno do instrumento, de espessura fina, geralmente da
mesma madeira do fundo, composta de seis pedaços curvados sob aquecimento (a quente).
Fiammatura – É muito evidente em determinados aceros (ex.: acero fiammato); é
uma ondulação das fibras, que na madeira cortada se apresenta como "conjuntos de linhas”
(alinhamentos) mais ou menos definidos, transversal em relação aos "veios".
Filete – Inserido por marchetaria na proximidade do bordo, geralmente é
composto por três estratos de madeira: duas escuras e uma clara. O filete tem função
decorativa, mas contribui também para proteger as fibras do tampo superior, visto que o abeto
tende facilmente a fissurar-se. (em certos instrumentos, o filete é somente traçado
superficialmente).
Fundo – É a parte inferior da caixa harmônica; normalmente em acero, mas pode
ser também confeccionado em outras madeiras semiduras (geralmente se usa a mesma
madeira do fundo para a faixa e braço). A convexidade é obtida esculpindo-se um pedaço de
madeira maciça; a espessura é geralmente maior ao centro e menor nas zonas periféricas.
Braço – É normalmente uma peça única com a voluta, freqüentemente da mesma
madeira do fundo e das faixas. Antigamente era mais curto, sendo substituído nos
instrumentos antigos. Contudo, a voluta original foi mantida.
Botão do braço – É encontrado no fundo e tem forma de meia-lua. Sobrepõe-se ao
talão do braço.
Cravelhas – São quatro chaves de madeira dura (ébano), da mesma madeira do
estandarte. O fuste é um tronco de cone e se adapta perfeitamente ao furo, permitindo assim
tensionar ou soltar, bem como fixar a afinação.
25
Cavalete – Em acero, não é envernizado e sua posição é mantida pela pressão das
cordas. Existem diversos modelos, caracterizados por diversos desenhos e perfurações.
Espelho – Hoje, em ébano. Antigamente era em madeira menos dura, laminada em
ébano ou outra madeira dura; era mais curto e cônico, visto que o braço era praticamente sem
inclinação.
Tampo – É a cobertura superior da caixa harmônica, normalmente em abeto
vermelho e sempre em forma radial (abaulado). A bombatura (convexidade que se dá no
tampo e no fundo) e a espessura são obtidas esculpindo-se um pedaço maciço de madeira.
Geralmente a espessura tende a ser uniforme. É reforçado internamente pela barra
harmônica, colada sob pressão (tensão).
Trataremos da fabricação do violino pela liuteria artística, na qual os instrumentos
são feitos da mesma maneira que nos tempos de Amati e Stradivari.
O liutaio segue a forma com base no modelo que pretende realizar. As etapas da
construção do violino serão descritas seguindo, principalmente, os livros de Conforti (1987) e
de Pasquali e Príncipe (1926), que são bastante parecidos. Contudo, antes de falarmos sobre a
construção propriamente dita, é necessário que alguns pontos sejam esclarecidos:
A madeira: todos os liutaios chegam a um consenso quanto ao fato da qualidade
da madeira: ela é o mais importante requisito para que o violino vibre bem. Segundo Kolneder
(1999, p. 23) há lendas de que Amati e Steiner caminhavam nas florestas após tempestades
para ver a propriedade das madeiras derrubadas por raios; já Vuillaume15 viajava a fim de
encontrar boa madeira.
A idade é em parte responsável pela qualidade da madeira. Liutaios de todos os
lugares procuram por madeira antiga e que esteja o mais seca possível, já que a nova corre o
risco de sofrer algumas mudanças em suas características. Kolneder (1999, p. 24) mostra,
ainda, que, de acordo com estudos, foi comprovado que após cinco anos de secagem (após seu
corte), a madeira já estaria adequada para o uso. O procedimento de secagem ao ar-livre,
protegendo a madeira da chuva e do sol, é considerado um meio melhor que o da secagem
15 Liutaio francês do século XVIII (cf. item 4.1.4.2).
26
artificial. Esse último procedimento reduz consideravelmente o tempo de secagem, mas é
perigoso para a sua capacidade de vibração, que pode ser reduzida. Algumas medidas tomadas
favorecem uma boa secagem. Em regiões com alta umidade, ela pode ser controlada com uma
boa circulação de ar. Apian-Bennewitz (apud KOLNEDER, 1999, p. 24) consideram que de
12-18ºC seja uma boa temperatura.
Kolneder (1999, p. 26) cita as madeiras mais apropriadas para cada parte do
violino. Segundo ele, séculos de experiência conduziram ao abeto como a mais adequada para
o tampo, blocos internos, contrafaixas, alma e barra harmônica. Vários tipos de acero são os
preferidos para o fundo, braço, faixas, voluta, caixa de cravelhas e cavalete. Muitas razões
tornaram o acero a melhor opção, já que ele combina dureza, elasticidade, pouco peso e
beleza. Para o espelho, estandarte e algumas das pequenas partes, outras madeiras, como o
ébano, são usadas.
Utilizar o mesmo tipo de madeira para o tampo e fundo normalmente resulta em
um som pobre. A capacidade de vibração do instrumento é, em grande parte, influenciada por
diferentes alturas, conseguidas através de diferentes tipos de madeira. Quando o abeto foi
usado para as duas partes, obteve-se um som robusto, porém feio. Já ao usar o acero, o
resultado obtido foi um som fraco.
A madeira certa também influencia na velocidade de som produzido: em madeiras
pesadas como o carvalho, o som é prolongado a apenas 3400-4400m por segundo, já com o
abeto, vai a mais de 5000. As condições do veio da madeira também afetam a sua vibração.
As distâncias entre os veios devem ser quase iguais, de preferência nem mais nem menos que
1mm. O clima também tem influência nesse aspecto: um clima seco pode causar um
crescimento lento, resultando em anéis e fibras densos. Porém, dúvidas têm sido levantadas
em relação a essa influência das fibras na qualidade do som, já que excelentes instrumentos
antigos italianos foram feitos com madeiras de crescimento irregular.
As melhores madeiras de abeto sempre vêm do norte e sul do Tirol, Bavária, Suíça
e florestas da Boêmia, enquanto que os melhores aceros vêm da Hungria, Romênia, Bavária e
também do Tirol. As melhores condições são encontradas em altitudes de 1000 a 1500m, em
vales que são protegidos do vento.
Corte da madeira: segundo Alton (1986, p. 7), as madeiras para violino são
vendidas geralmente em blocos ou tábuas cortadas em medidas e espessura adequadas. De
acordo com Stowell (1992, p. 2), o fundo do violino é feito de uma ou duas peças de acero,
sobre as quais o contorno é desenhado e depois serrado. A parte interna do fundo é então
cavada para dar a espessura final no centro, que é de aproximadamente 5mm, reduzindo por
27
perto dos cantos para aproximadamente 2.5mm. A altura e configuração da arcada,
combinadas com a espessura final, são fatores fundamentais para se determinar a qualidade
sonora do instrumento. A figura abaixo mostra um violino cujo fundo é feito de duas peças
cortadas radialmente. Observe-se que há um ponto de junção das partes no meio do
instrumento, e uma quebra na fiamatura da madeira. Segundo o liutaio Leandro Mombach,
isso é feito para que as características sonoras e físicas da madeira sejam equivalentes dos
dois lados.
Figura 9. Acero. Corte radial de duas peças. Figura 10. Fundo de violino com corte Fonte: Stowell (1992, p. 3). radial de duas peças.
A figura a seguir mostra o fundo feito em uma peça. Nele, não há um ponto de
ligação no centro, e a fiamatura segue continuamente. Mombach diz que ele é feito dessa
maneira quando o pedaço de madeira encontrado é homogêneo no que se refere aos anéis de
crescimento.
28
Figura 11. Corte radial em uma peça. Figura 12. Fundo de violino com corte radial
Fonte: Stowell (1992, p. 3). em uma peça.
As linhas horizontais, proporcionadas pelos anéis da madeira, são menos
aparentes na figura que segue. O fundo é feito em uma peça, que é retirada de uma fatia
grossa em tangência à madeira.
Figura 13. Corte tangencial. Uma peça. Figura 14. Violino de Nicolò Amati,
Fonte: Stowell (1992, p. 3). Cremona, 1656. Fonte: Stowell (1992, p. 3).
O tampo é feito em abeto, e a madeira é cortada radialmente e dividida, como
podemos ver na figura abaixo. Sua espessura final geralmente é de 3mm.
29
Figura 15. Corte radial para a construção do tampo. Fonte: Stowell (1992, p. 4).
Molde: O violino é construído de acordo com alguma matriz, que é um suporte ao
redor ou dentro do qual se armam as faixas e blocos do instrumento, e são dois os tipos de
métodos utilizados: o método clássico cremonense, da forma interna, e o francês, da forma
externa.
Figura 16. Sistema italiano de molde interno. Figura 17. Sistema francês da forma externa.
Fonte: Conforti (1987, p. 38). Fonte: Conforti (1987, p. 39).
30
Möckel (1930 apud KOLNEDER, 1999, p. 28) diz existirem não menos que vinte
e sete modelos, desde o desenho do corpo até a curvatura do cavalete. Esses moldes fazem
com que o trabalho do liutaio seja mais fácil, além de prevenir o erro. A maior parte dos
liutaios segue algum dos três mestres italianos: Amati, Guarneri ou Stradivari, sendo este
último o mais imitado. Segundo Kolneder (1999, p. 28), alguns liutaios usam moldes de zinco
ou latão, que são menos suscetíveis a mudanças de temperatura; já Conforti (1987, p. 41) cita
o uso de moldes de madeira.
A média das dimensões para o molde do violino segue as da época de ouro da
construção, nos séculos XVII e XVIII, e são as seguintes, de acordo com Kolneder (1999, p.
29):
Comprimento: 355mm
Comprimento interno: 343mm
Largura (bloco inferior): 208mm
Largura (bloco superior): 168mm
Largura da “cintura”: 112mm
Distância entre as extremidades no mesmo lado: ca. 76mm
Verniz: O verniz, além de servir como camada de proteção ao violino, também é
decisivo para a sua sonoridade. De acordo com Stowell (1992, p. 5, tradução nossa), “um bom
verniz permite que o violino fale com sua voz completa por muitos anos, enquanto que o de
baixa qualidade pode sufocá-lo”. O verniz é feito de diferentes combinações de óleos e
resinas, que resultam nas características que podemos observar na entrevista cedida por
Mombach em junho de 2007:
O verniz, para a liuteria, tem que ter algumas características básicas, que são: elasticidade, uma boa resistência, flexibilidade, boa transparência, e outra característica chamada de reflexão, onde deve apresentar um aspecto cristalino. Essas características são importantes para que o violino não venha a ficar “travado” em função de um verniz duro, o que deixa o som do instrumento mais metálico, ou desprotegido devido a um verniz muito frágil. Então, quando se usa verniz a base de óleo ou resinas macias, a tendência é que o instrumento crie uma sonoridade mais doce e agradável.
Alton (1986, p. 83) nos apresenta dois tipos de vernizes: a base de álcool e a base
de óleo. A preparação do primeiro é mais simples que a do último, mas tem o inconveniente
de que a rápida evaporação do álcool produz, em muitos casos, a rachadura da camada
31
aplicada sobre a madeira. Seu aspecto não é como o apresentando pelo verniz a base de óleo,
pois, com pouco tempo de aplicação, a cor e brilho são perdidos.
No caso do verniz a óleo, preparado com essência de trementina e óleo de semente
de linho, o fenômeno que ocorre com a aplicação desse óleo é o da oxidação:
Tal oxidação dura até anos, solidificando-se gradualmente o resíduo gomoso da essência de trementina para formar uma capa forte e flexível que nunca descascará, e cujo aspecto melhora à medida que o tempo passa. Recomendamos, pois, ao construtor, que prefira sempre o verniz a óleo, que, se apresenta algumas dificuldades de aplicação a principio, dará no fim um resultado muito melhor. (ALTON, 1986, p. 84, tradução nossa).
Carletti (1985, p. 60) observa: “Às vezes os vernizes são compostos de resinas
misturadas entre si, nesse caso são chamados de oleoresinosos”.
Explicados os pontos essenciais dos elementos da fabricação do violino, podemos
seguir para a construção propriamente dita, processo este que será descrito passo a passo.
32
3.1 A construção do violino
Neste caso, a construção será feita com o uso do molde interno (molde italiano).
• As primeiras partes acrescidas ao molde, levemente colocadas para serem
posteriormente removidas, são os blocos internos (primeiramente em estado maior
para em seguida serem ajustados ao tamanho ideal).
Figura 18. Colagem dos blocos internos. Figura 19. Blocos internos sendo ajustados ao tamanho Fonte: Conforti (1987, p. 37). ideal. Fonte: Conforti (1987, p. 37). • Neste ponto, as faixas (curvadas a quente) são colocadas nos blocos, em torno do
molde, sendo fixadas a eles com cola de tal maneira que acabam por formar o desenho
ininterrupto do corpo.
Figura 20. Colagem das laterais nos blocos internos.
Fonte: <www.luthier.mombach.nom.br>. Acesso em junho de 2007.
• Em seguida, as contrafaixas são coladas (somente no lado do fundo para a fôrma poder
ser retirada). Nesta fase, o contorno do instrumento está pronto para receber o tampo e
o fundo (que até agora são dois pedaços de madeira simplesmente aplainados).
33
• Para obter as espessuras exatas do instrumento, é importante que o liutaio se deixe
guiar pela dureza e pelo peso da madeira. Uma vez delimitados tampo e fundo, se
estabelece aquela que será a altura máxima em relação ao centro da bombatura e a
espessura das bordas. Primeiramente, o excesso é retirado com formão, depois
pequenas plainas curvas são usadas para finalizar o trabalho nas superfícies. As
espessuras são obtidas esculpindo-se a parte interna do tampo e do fundo.
Figura 21. Entalhe externo do fundo. Figura 22. Entalhe interno do fundo. Fonte: Conforti (1987, p. 41). Fonte: Conforti (1987, p. 41).
• No tampo, as aberturas em f são desenhadas e cortadas com uma serrinha especial e
o acabamento é feito com uma faca de precisão. Após esse procedimento, a barra
harmônica é posicionada.
Figura 23. Entalhe da abertura em f sobre o tampo. Figura 24. Montagem da barra harmônica. Sua forma segue Fonte: Conforti (1987, p. 44). perfeitamente a bombatura. Fonte: Conforti (1987, p. 45).
• Depois de colado o fundo às faixas, pode-se finalmente retirar a fôrma e fechar a
caixa de ressonância, colando-se também o tampo.
• Os filetes são inseridos por marchetaria, em um canal perfeitamente definido nas
bordas.
34
Figura 25. Colocação dos filetes. Fonte: Conforti (1987, p. 45).
• O acabamento da caixa e o arredondamento dos cantos são feitos normalmente antes
de introduzir-se o braço.
• A cabeça do instrumento, que é composta pela voluta e braço, é obtida pelo entalhe de
um bloco único.
Figura 26. Entalhe da voluta. Fonte: Figura 27. Emparelhamento da largura do braço <www.luthier.mombach.nom.br>. ao espelho. Fonte: <www.luthier.mombach.nom.br>. Acesso em junho de 2007. Acesso em junho de 2007.
• Após terminada a voluta e os orifícios onde serão inseridas as cravelhas, o espelho é
colado ao braço, que é inserido por meio de encaixe na caixa de ressonância
(apoiando-se no bloco superior).
• O instrumento “em branco” tem o seu acabamento feito a formão, podendo em
seguida passar pelo processo de envernizamento.
Figura 28. Uma das fases do envernizamento. Fonte: Conforti (1987, p. 47).
35
4 Liuteria
Liuteria é a arte da madeira: a mesma raiz etimológica do termo (do árabe el-luth e
do italiano legno – madeira) o confirma. Liutaio era, inicialmente, o construtor de alaúde,
instrumento muito difundido no Renascimento; a partir do século XVI o termo designou, por
extensão, o artesão que produzia instrumentos de cordas em geral, e mais adiante, houve a
tendência por especializar-se em instrumentos de arco, em particular naqueles da família do
violino.
A produção de liuteria se desenvolveu desde o começo na oficina: lá o mestre
iniciava os aprendizes na profissão e delegava tarefas simples pouco a pouco até que eles
pudessem construir sozinhos um instrumento. Os aprendizes não assinavam os seus trabalhos,
mas uma etiqueta dentro do instrumento indicava que eles eram dependentes do mestre;
nessas etiquetas era comum estar escrito "alumnus", "aprendiz", "sob supervisão", e outros.
A estreita ligação entre aluno e professor, fundamentada no sistema didático da
transmissão de conhecimento ad personam, explica porque a história da liuteria em escolas
locais autônomas é caracterizada predominantemente pela continuidade familiar: a profissão
passava de pai para filho e era aprendida através da imitação. Esse fato explica a falta de
tratados sobre a construção do violino nessa época.
Sabemos pouco sobre os grandes liutaios do passado, porque naquela época eles
não eram celebrados como hoje em dia. Formavam, no século XVII, uma modesta corporação
de artesãos. Em Cremona, na época de Stradivarius e Guarnieri, as oficinas de liuteria ficavam
confinadas em pequenas vilas. Um liutaio, por melhor que fosse, não gozava de um status
diferente dos outros artesãos, como carpinteiros ou sapateiros.
De acordo com Conforti (1987, p. 50), os liutaios não tinham uma cultura
particularmente elevada; numerosos documentos assinados por Stradivarius mostram
gramática incorreta e vários erros crassos. Todavia, todo conhecimento que possuíam eram do
tipo intuitivo. O liutaio tinha uma noção prática de química, usada na análise e no
desenvolvimento do verniz, assim como uma habilidade inata de conceber a forma do
instrumento e um conhecimento instintivo de acústica.
36
4.1 Escolas típicas de liuteria
As escolas cremonesa e bresciana são comumente lembradas porque exerceram
grande influência sobre as demais, excluindo a do Tirol, que possuiu tipos e características
próprias. Se Brescia exerceu alguma influência, por outro lado os instrumentos de Cremona
foram os mais imitados e copiados em todas as partes. De acordo com Pasquali e Príncipe
(1926, p. 28), os grandes liutaios ingleses, franceses, alemães (excluindo Steiner) e holandeses
não foram mais que simples imitadores de Amati, Stradivari e Guarneri, que foram os
expoentes da construção em Cremona. Todas as escolas derivadas (milanesa, piamontesa,
veneziana, bolonhesa, florentina e napolitana) possuem em maior ou menor grau a
“assinatura” da escola cremonesa. O Tirol é outra escola que, com as duas anteriores, forma o
trio das escolas “típicas” na construção do violino. Elas apresentam características tão
particulares, que se diferenciam entre si com absoluta evidência. Se pegarmos um violino de
Stradivarius e o compararmos com um de Maggini (Brescia) ou de Steiner (Tirol), acharemos
pronunciadas diferenças no formato geral do instrumento, no corte do f, filetes, verniz e
sonoridade. Entretanto, também podemos encontrar um ponto de contato entre essas escolas,
como por exemplo, Cremona e Tirol – vide os violinos de Santo Serafino (Vêneto), que têm
características do tipo Amati e Steiner, sendo este último inclusive, durante muito tempo, o
modelo mais procurado, como podemos ver a seguir:
[...] Não devemos duvidar que durante longo tempo o tipo Steiner foi imitado e o mais procurado na Europa. Alemães, franceses e ingleses o tomaram de modelo, proclamando-o como o melhor. Pouco depois, Amati primeiro e, em continuação, Stradivari, se impuseram, de maneira que o tipo tirolês passou de moda. Hoje, em todas as partes se impõe o modelo italiano. (PASQUALI E PRÍNCIPE, 1926, p. 29, tradução nossa).
4.1.1 Escola Cremonesa
Protagonista da evolução histórica do violino, a construção cremonesa de violino
teve início na segunda metade do século XVI, com Andrea Amati, criando num intervalo de
três séculos um processo de evolução único no mundo16.
16 As informações desta parte do trabalho foram extraídas do site <www.cremonaliuteria.it/libro.php?id=10>. Acesso em abril de 2007.
37
Nesses trezentos anos, construtores de violinos foram sucedendo-se uns aos
outros por várias gerações: de pai para filho, de sobrinho para sobrinho-neto. As mais famosas
dessas famílias são os Amati, Bergonzi, Ruggeri, Guarneri e Stradivari, que se tornaram
populares na Europa. Os nobres das cortes encomendavam instrumentos para suas orquestras,
e todo instrumentista aspirava ter um instrumento construído nesse famoso centro.
Dinastia Amati – A escola cremonesa perdurou por um longo período. Seu
fundador, Andrea Amati, deu início, também, a uma dinastia de construtores. Em 1938, com
base em pesquisas, Carlos Bonetti (apud KOLNEDER, 1999, p. 101) estabeleceu, com
alguma certeza, que Andrea Amati nasceu em Cremona entre 1500 e 1505. A estipulação
dessa data trouxe alguns resultados. Ela ajudou a determinar a autenticidade de alguns
instrumentos feitos por ele, e trouxe novo ânimo nas posições de Brescia e Cremona como
centros de construção de violino.
Andrea recebeu uma boa herança de sua família, que o ajudou a viver
confortavelmente e possibilitou a compra, em Veneza, de excelentes madeiras para seus
instrumentos. Em 1526, já era tido como mestre. A data relatada no tratado de Jambe-de Fer
sobre um violino de quatro cordas coincide com o primeiro relato sobre um violino de Andrea
Amati, também com quatro cordas. Um violino feito em 1540, conseguido por Vuillaume
através de Tarisio, e um outro de 1542 consertado por Sgarabotto, em 1898, são atribuídos a
ele, e um outro possui uma etiqueta onde está escrito: “Andreas Amati cremonensis fecit
1546”. O comprimento desses violinos é de 334mm, e eles têm três cordas: ré, lá e mi.
Strocchi (apud BOYDEN, 1990, p. 35) fala sobre um violino de Andrea de 1555, com quatro
cordas e um corpo de 34cm.
Kolneder (1999, p.102) diz que, embora os primeiros instrumentos de Andrea
tenham muitas características do violino antigo, eles são vistos como sendo os responsáveis
pela padronização desse instrumento. Antes de Andrea, a altura do cavalete era baixa, como
na viola da braccio. Ele experimentou usar o cavalete mais alto e modificou a posição das
aberturas em f, que, com o tempo, chegaram a proporções definitivas. O autor diz ainda que, a
julgar por um instrumento seu de 1565, o modelo de Andrea era relativamente estreito e tinha
as seguintes medidas, em milímetros: 353/163/202/29/30, associadas ao comprimento do
corpo, parte superior, parte inferior, faixas superiores e faixas inferiores, respectivamente. As
aberturas em f são um tanto quanto largas, e o orifício superior é quase tão largo quanto o
inferior. A espessura do fundo, em milímetros, é de 3.98-4.37 (máximo) e 2.77-3.18
(mínimo), e a do tampo é de 3.18 (máximo) e 1.99-2.39 (mínimo).
38
A família Amati possui muitos ramos, porém a existência de alguns não pode ser
comprovada, e não há um consenso quanto ao número de integrantes. Kolneder (1999, p. 103)
lista nove membros, que são indicados a seguir:
Figura 29. Genealogia dos liutaios da família Amati. Fonte: Kolneder (1999, p. 103).
Nicolò Amati I, irmão de Andrea, tem sua existência colocada em dúvida por
alguns. Um violino datado de 1535 contém uma etiqueta com seu nome. Esse violino,
originalmente, tinha três cordas e foi reparado por Gaetano Sgarabotto em 1920. Contudo,
seus violinos não são considerados valiosos.
Referências que mencionam os irmãos Amati significam sempre os filhos de
Andrea: Antonius e Hieronimus. Algumas etiquetas mostram o nome de um deles; já em
outras, aparecem os dois nomes. É muito difícil, se não impossível, saber por qual parte do
instrumento cada um era responsável, e é bastante provável que, quando a etiqueta tem o
nome de ambos, ela se referia à oficina da família, que também inclui os aprendizes. Em seus
primeiros trabalhos, os irmãos seguiram à risca o modelo de seu pai, principalmente Antonio.
Hieronimus é visto, mais facilmente, longe da influência de seu pai, seguindo um caminho
próprio. Tanto Andrea quanto seus filhos usaram madeira de boa qualidade e envernizavam
com habilidade. Os violinos construídos pelos irmãos Amati eram de modelos pequenos e
tinham as seguintes medidas, também em milímetros, segundo Fuchs (apud KOLNEDER,
39
1999, p. 104): 350–352/165/205–207/27–28/29–30. Antonius também usou um modelo
grande, e seus primeiros violinos tinham uma proeminente bombatura, como os de seu pai.
Note-se que, embora haja diferenças estruturais em seus violinos, eles soam bem parecidos. O
som desses instrumentos é nobre e doce, mas não potente o suficiente para as modernas salas
de concerto. Esses violinos são raridades para colecionadores, mas solistas não os utilizam.
Figura 30: Violino de Andrea Amati, de 1566. Fonte: Conforti (1987, p. 100).
Amati, Nicolò III (1596-1684) – Representando a experiência de três gerações
surge, agora, Nicolò Amati. Ele foi aluno de seu pai, Hieronymus, e o sucedeu aos trinta e
quatro anos, seguindo seu modelo de construção até a morte deste. Em seguida, passou por
uma década de experimentações e aperfeiçoamento.
Nicolò usou etiquetas com o nome de seu pai mesmo depois da morte deste, e só
após 1640 passou a usar o seu próprio. Isso significa que, antes disso, ele ainda não tinha
encontrado seu próprio estilo. Segundo Kolneder (1999, p. 108), seu estilo foi encontrado
após um período de amadurecimento, e o produto de tal amadurecimento é o modelo Amati
grande. Esse modelo apresentava faixas altas e pouca bombatura, e maior tensão no tampo,
através do aumento do entalhe nas margens, o que não havia nos instrumentos de seu pai e de
seu tio. Com Nicolò, o violino ganhou uma maior sonoridade, sem que o timbre característico
dos Amati fosse modificado. Além disso, ele partilhava da tendência de que era preciso
buscar não apenas qualidade sonora, mas fazer do instrumento uma obra de arte.
Nicolò construiu violinos com dois tipos de tamanho: o de tamanho médio a
grande e o pequeno. O segundo é chamado também de “modelo dama”. De acordo com Fuchs
40
(apud KOLNEDER, 1999, p. 110), suas medidas são as seguintes: modelo médio a grande –
354–358/ 165–172/204–214/26.5-30/29.5-30; modelo pequeno – 352/ 162/ 202/ 28.5/ 29.5.
É necessário dizer que Nicolò foi mestre de talentosos liutaios, entre eles, Andrea
Guarneri e Antonio Stradivari.
Figura 31: Violino de Nicolò Amati, "Hammerle", de 1658. Fonte: Conforti (1987, p. 101).
Guarneri, Andrea (1626-1698) – Foi o mais velho de uma importante dinastia
surgida no século XVII. Kolneder (1999, p. 131) indica cinco principais liutaios surgidos
dessa família. Andrea nasceu por volta de 1626 em Cremona, e seus primeiros instrumentos
seguem as características dos de seu professor. Com o tempo, foi amadurecendo seu estilo e
criando um próprio, porém seguiu seu mestre na intenção de dar um maior som ao violino,
reduzindo a bombatura, e com esse modelo mais plano eles influenciaram futuras gerações.
Com Andrea Guarneri, segundo Kolneder (1999, p.110) as aberturas em f ganharam um
tratamento especial, e ele o fez para que conseguisse uma melhor aparência e também uma
melhor sonoridade. Outra característica do f é que eles são bastante largos. Suas volutas às
vezes são grandes e, outras vezes, são médias. O verniz é de cor laranja claro.
Guarneri, Pietro I (1655-1730) e Giuseppe I (1666-1738) – Aperfeiçoaram o
estilo paterno com excelentes resultados. Pietro I construiu poucos instrumentos, no máximo
cinqüenta. Ele tendia a experimentações, chegando a construir violinos bem arcados, com
entalhe profundo, mas, assim como os violinos de Andrea Amati, os seus tinham um som
bonito, porém pequeno. Seu irmão Giuseppe I também seguiu o modelo de seu pai,
desenvolvendo depois um estilo próprio. Alguns de seus violinos eram parecidos com os de
seu irmão; já outros, menos arcados, eram parecidos com o modelo de Stradivari. Os violinos
de Giuseppe I diferenciam-se dos demais por apresentarem uma camada muito fina de verniz.
41
Guarneri, Giuseppe II (denominado Guarneri Del Gesú) (1687-1742) – A
excelência na construção de violinos da família Guarneri é encontrada na figura de Guarneri
del Gesú. Segundo Kolneder (1999, p. 132), em suas etiquetas ele marcava uma cruz
acompanhada das letras IHS: Iesus hominum Salvator (Jesus salvador da humanidade). Ele
fez isso para que pudessem distinguir os seus instrumentos dos de seu pai, Giuseppe I. A
partir de 1722, começou a trabalhar por conta própria e se emancipou do estilo paterno,
revelando uma originalidade pela qual seus violinos são inconfundíveis. Ansioso por obter o
maior som possível, ele construiu instrumentos bastante planos e com um incomum fundo
espesso (acima de 5.8mm). Isso causou uma demora na resposta do som e fez com que outros
liutaios modificassem os instrumentos de del Gesú. Eles diminuíram a espessura do fundo,
conseguindo um melhor balanço entre volume e resposta.
A madeira de Guarneri del Gesú era escolhida mais de acordo com considerações
acústicas do que estéticas. Suas aberturas em f eram bastante elegantes. A base principal era
colocada em uma pequena angulação, e sua terminação era bastante próxima da abertura
circular ou “olhos”. Isso representou a solução para um velho problema: ter uma maior
abertura para o som e uma mínima interferência na vibração do tampo.
Paganini tocava em um violino de del Gesú, e o chamou de “canone” (canhão).
Esse tipo foi desenvolvido por volta de 1726 a 1736, em um período no qual o concerto para
violino foi se desenvolvendo, através de Torelli e Vivaldi. Em alguns concertos, o solista
tinha de dar o seu máximo contra um tutti de 30 ou 40 instrumentos da orquestra. Já Viotti foi
o primeiro virtuose a tocar um del Gesú, e o seu violino, datado de 1735, foi dado a seu aluno
Baillot. Nessa época, muitos liutaios relutavam em usar o modelo de Guarneri, porém, após
uma grandiosa turnê de Paganini pela Europa, em que ele tocou em um Guarneri, houve uma
grande aceitação desse modelo, e seu valor teve grande aumento. A seguir, uma relação dos
grandes violinistas que tocaram em um del Gesú: Allard, Alday, Auer, Bull, David, Heifetz,
Huberman, Kreisler, Kubelik, Lipinsk, Mayseder, Paganini, Pugnani, Reményi, Rode e Spohr.
Cada vez mais os violinos de Guarneri são encontrados em coleções privadas, e
são considerados grandes investimentos. Pode acontecer de um rico proprietário deixar um
instrumento à disposição ou emprestá-lo a um solista. “É desnecessário dizer que poucos
violinistas profissionais podem competir com colecionadores em poder aquisitivo”
42
(KOLNEDER, p. 135, tradução nossa). Os irmãos Hill17 sabem da existência de 147 violinos
de del Gesú e suspeitam que possam existir mais 30 ou 40.
Figura 12: Violino de Guarneri del Gesú (1734), pertencente ao violinista Pinchas Zukerman. Fonte: Conforti (1987, p. 103).
Stradivari, Antonio (1644-1737) – O mais célebre de todos os liutaios. Foi aluno
de Nicolò Amati, e começou a trabalhar por conta própria em 1664. As etiquetas de seus
primeiros instrumentos apresentam a seguinte frase: Alumnus Nicolai Amati. O violino mais
antigo que se tem conhecimento é datado de 1666, segundo Greilsamer (1910, p. 1714). Esse
autor divide o trabalho de Stradivari em três períodos: o primeiro, dos instrumentos ditos
amatizados; o segundo, dos longuetes; e o terceiro, a idade de ouro.
1668-1686 – Os instrumentos desse período são chamados de “amatizados”, por
serem bastante influenciados pelo modelo de Amati, mas com os cantos modificados e com
uma menor bombatura. A madeira usada durante este período, embora tenha um bom som,
tende a ser inferior às outras dos violinos dos períodos que se seguiram.
1686-1694 – Este período caracterizou-se pela construção de instrumentos
graciosos. Violinos dessa época são maiores (são chamados de “longuetes”), têm bombatura
pequena, elegantes aberturas em f e um verniz de um belo dourado ou vermelho claro. O
17 Fabricantes ingleses de violinos, restauradores e peritos avaliadores de violinos e arcos. Sua família criou uma firma que esteve em atividade em Londres desde meados do século XVIII. (Dicionário Grove de Música, 1994, p. 429).
43
espaço entre as aberturas em f é mais estreito, o que dá a impressão de um instrumento mais
esguio.
1694-1725 – De sonoridade profunda e brilhante, os melhores instrumentos de
Stradivari são desse período, quando ele tinha por volta de cinqüenta anos. A graça, beleza e a
completa perfeição dos instrumentos dessa época refletem o apogeu da construção do violino,
que foi alcançado em 1714. O verniz flexível e agradavelmente translúcido aplicado por
Stradivari continua até hoje a intrigar os especialistas. Em seus mais de sessenta anos de
atividade, o famoso liutaio construiu mais de mil instrumentos.
Segundo Kolneder (1999, p. 139), antes de 1780 os instrumentos de Stradivari não
eram muito apreciados, e não exerciam tanta influência sobre os demais construtores. Eles
começaram a ser valorizados após 1782, quando Viotti utilizou um violino seu na França.
Antonio Stradivari casou-se duas vezes, tendo ao todo onze filhos, sendo que dois
deles seguiram a profissão do pai, e por ele foram ensinados. O mais velho, Francesco (1671-
1743), dirigiu um ateliê com a ajuda de seu irmão Omobono (1679-1742). Durante sua
profissão, Omobono não arriscou vender seus violinos usando uma etiqueta própria, mas
usava uma onde estava escrito: “Homobonus Stradivarius / sub disciplina A. Stradivari
1725”. Outros instrumentos traziam a anotação de seu pai: “Revisto e Corretto da me Antonio
Stradivari in Cremona 1720”. Isso mostra que Stradivari acompanhava de perto o trabalho de
seus filhos.
De acordo com Kolneder (1999, p. 143), são poucos os liutaios conhecidos como
tendo sido pupilos de Stradivari. Entre eles, encontram-se os membros da família Bergonzi.
Seus instrumentos são muito parecidos com aqueles das oficinas de Stradivari e Guarneri.
Antes de se tornar aprendiz de Stradivari, Carlo Bergonzi (1690-1747) aprendeu a arte com
Hieronymus Amati e Giuseppe Guarneri I, absorvendo, dessa forma, o melhor da tradição.
Altamente talentoso, os instrumentos feitos por ele são de alta qualidade artística e sonora. Para o tampo e fundo ele usou madeiras um tanto quanto pesadas, provavelmente devido a influências de Guarnerius del Gesù. Seus violinos expressam os melhores aspectos de seus modelos e também de seu estilo próprio, resultando em instrumentos que são muito procurados por solistas. Após a morte os filhos de Stradivari, Carlo recebeu muitos do material que pertencia a Stradivari e continuou com seu ateliê. (KOLNEDER, 1999, p. 143, tradução nossa).
44
A família Bergonzi prosseguiu na liuteria, após Carlo, e também deixou aprendizes
muito competentes, como Sebastiano Albanesi (1744), que, de acordo com Henley (apud
KOLNEDER, 1999, p. 143), é o melhor liutaio italiano dentre os menos famosos.
Dentre outros famosos liutaios cremonenses temos: Tommaso Balestrieri, Pietro
Balestrieri, Giambattista Ceruti, entre outros.
Após um início esplendoroso, houve um declínio da luteria italiana, por volta do
fim do século XVIII e durante todo século XIX, no qual os violinos construídos eram muito
grosseiros. Um momento completo de silêncio começou no início do século XX, e foi
quebrado apenas com a criação da “Stradivari Room” e, em seguida, com o "Stradivari
Museum", por volta dos anos 50. Uma grande ajuda também foi dada por liutaios franceses,
que antes desse declínio foram até a Itália aprender o melhor da tradição, continuando a
construir violinos com a qualidade dos italianos, mesmo durante o declínio da liuteria naquele
país.
Desde então, a construção cremonesa de violinos voltou a ganhar importância,
graças também à preparação de novos mestres e ao surgimento de novas oficinas, além da
renovação das relações internacionais e de concertos e exibições de instrumentos. Hoje em
dia, há mais de 130 oficinas em Cremona, e a cidade recuperou finalmente sua posição como
referência essencial para a construção de violinos.
Figura 33: Violino de Antonio Stradivari "Messias" (1716), provavelmente o mais celebrado violino do mundo. Fonte: Stowell (1992, p. 14).
45
4.1.2 Escola da Brescia
A liuteria da Brescia se caracteriza por uma forma alongada dos instrumentos, de
bombatura relativamente baixa, sendo que os cantos são levemente arcados. Os instrumentos
dessa escola têm desenho um pouco mais grosseiro que os de Cremona, além de suas volutas
apresentarem uma meia volta a mais. O verniz geralmente apresenta vários tons de marrom.
Bertolotti, Gasparo (dito da Salò) (1540,42-1609) – Gasparo, nascido na cidade
de Salò, recebeu sua formação musical de seu tio, Agostino Bertolotti, mestre capela da
Catedral de Salò. As primeiras instruções sobre a liuteria foram, provavelmente, adquiridas de
seu pai. Por volta de 1562, Gasparo foi para Brescia, trabalhar na oficina de Girolamo Virchi.
De acordo com A. M. Mucchi (apud BOYDEN, 1990, p. 34), há grande confusão com relação
às datas dos violinos de Gasparo, e em alguns casos, confusão quanto à autenticidade dos
instrumentos atribuídos a ele, já que, segundo Kolneder (1999, p. 105), em suas etiquetas a
data quase nunca era mencionada.
Seus instrumentos são bastante robustos. Os violinos mais antigos mostram o seu
baixo interesse por formas simétricas e refinadas. Muitos são caracterizados por aberturas em
f em locais irregulares e de formato desigual. Heron-Allen (1884 apud KOLNEDER, 1999, p.
105) encontra defeitos nas volutas de Gasparo, dizendo que elas refletem o aspecto primitivo
de seu trabalho. Isso apenas indica que ele negligenciava detalhes que não afetariam o som do
instrumento, detalhes estes que mais tarde tornaram-se importantes do ponto de vista estético.
Seus tampos eram levemente arcados, e a arqueação começava diretamente da margem. A
madeira usada era um tanto grossa. O verniz era da melhor qualidade, geralmente na cor
âmbar, como os de Cremona, e era, também, um tipo de verniz macio. É visto que Gasparo
respondia às necessidades e desejos de seus clientes, construindo dois tipos de violino: um
pequeno, com comprimento de até 351mm e um modelo grande, com até 364mm. O
arqueamento dos modelos mais antigos é mais pronunciado que nos seus últimos. Quanto às
aberturas em f, nos modelos mais antigos, elas são curtas e estreitas, enquanto que em seus
outros modelos elas são maiores e mais largas.
46
Apesar de seus instrumentos não apresentarem data, eles revelam um grande
progresso do construtor desde seus primeiros instrumentos, chegando ao que se pode chamar
de perfeição como artista e artesão, especialmente na obtenção de um maior som.
De acordo com o site Wikipedia18, os melhores instrumentos fabricados por
Gasparo da Salò são os contrabaixos sendo que os grandes contrabaixistas preferem o seu
modelo ao de Stradivari, devido ao seu timbre, rapidez de resposta e potência insuperáveis.
O modelo de violino de Gasparo foi bem aceito pelos construtores europeus.
Segundo Kolneder (1999, p. 107), em 1700, Gaspar Borbon, excelente liutaio belga, baseou
seu trabalho exclusivamente nos primeiros modelos da Brescia. Grandes violinistas como Ole
Bull e Rodolphe Kreutzer tocaram em um da Salò. Dragonetti e Bottesini, dois grandes
virtuoses do contrabaixo, também tocaram em instrumentos de Gasparo.
Gasparo da Salò morreu em 1609, tendo transmitindo sua arte a Maggini, outro
importante liutaio da Escola da Brescia.
Figura 34: Violino de Gasparo da Salò, c. 1580. Fonte: Stowell (1992, p. 16).
Maggini, Giovanni Paolo (1579-1630) – Aluno favorito de Gasparo da Salò,
abriu sua própria oficina quando tinha vinte e nove anos. Seus primeiros instrumentos
assemelham-se aos de seu mestre. Construiu violinos de vários moldes, e durante sua carreira,
fez desde os de contornos grosseiros até chegar aos mais elegantes. Seu verniz varia de cor
durante os diferentes períodos de sua carreira, mas a qualidade é sempre a mesma. Após ter
desenvolvido um estilo próprio de construção, fez belos modelos com incríveis qualidades
sonoras. Segundo Kolneder (1999, p. 114), Maggini é tido como sendo o primeiro a usar
18 Fonte: <it.wikipedia.org/wiki/Violino>. Acesso em abril de 2007.
47
contrafaixa e blocos laterais para reforçar o corpo. Todos os últimos modelos de Maggini são
grandes e notavelmente planos. A seguir as medidas de seus modelos: grande – 366/178/
218/27-28/27-28; pequeno – 362-363/168/208-211/25-28/25-28. As aberturas em f de seus
instrumentos situam-se posição mais baixa, e o “olho” superior é maior que o inferior,
diferenciado dos outros liutaios.
Existem entre cinqüenta e setenta autênticos Magginis. No começo do século XIX,
seus violinos eram pouco conhecidos e estimados; porém, quando Bériot alcançou sucesso em
Paris e em Londres, ele tocava um Maggini, que foi usado por Leonard e Marteau, e esses
fatos contribuíram para o sucesso artístico e comercial dos violinos desse liutaio.
Em Maggini, encontramos o interesse por um maior som. Seu trabalho influenciou
a construção de violinos por séculos. A década durante a qual ele alcançou independência
mostra importantes eventos musicais que afetaram a construção do instrumento, estando
alguns listados a seguir (KOLNEDER, 1999, p. 114):
1607 – Primeira performance de Orfeu, de Montiverdi, em Mântua;
1608 – Sonate a quattro, sei et Otto de Cesário Gussago (organista de S. Maria
delle Grazie em Brescia);
1610 – Primeira sonata para violino de Gian Paolo Cima (mestre capela em
Milão), publicada em Veneza;
1617 – Affeti musicali de Marini, op. 1, publicado em Veneza.
Quanto a esses fatos, Kolneder (1999, p. 115, tradução nossa) faz o seguinte comentário:
É possível que Maggini tenha participado em Orfeo como violinista na orquestra? Em ocasiões semelhantes, músicos de perto e de fora eram empregados e o construtor de violino era propenso a tocar esse instrumento. Seguramente Maggini ouviu a música de Gussago, dessa forma aprendendo como os instrumentos de corda tinham que soar em grandes igrejas.
Kolneder (1999, p. 115, tradução nossa) diz, ainda, que freqüentemente tem sido
dito que Maggini foi influenciado pela escola de Cremona.
[...] É bem possível que os liutaios da Brescia ficaram impressionados pela beleza da execução dos violinos de Amati e os imitaram. Por outro lado, a excelente qualidade sonora das criações de Gasparo e Maggini deixou sua marca no trabalho de Amati. Apesar disso, pode ser difícil localizar detalhes específicos que revelem tais influências.
48
4.1.3 Outros centros italianos
Um terceiro importante centro da liuteria foi Veneza. Seu primeiro construtor
reconhecido foi Matteo Gofriller (c. 1659-1742). O estilo Veneziano seguido por Gofriller é
distinguido pelo uso de um verniz de vermelho profundo, o qual geralmente tem um
acabamento “crepitado e enrugado”, nas palavras de Stowell (1992). Há muita semelhança
entre os violinos de Gofriller e os de Andrea Guarneri.
Montagnana, Domenico (c.1687-1750) – segundo Stowell (1992, p. 16, tradução
nossa):
Seus violinos, apesar de serem variados, podem tocar o sublime, com dramático revestimento de verniz vermelho-rubi, passando por extravagantes e elaboradas aberturas em f e volutas, produzindo resultados sonoros de primeira qualidade.
Greilsamer (1910, p. 1719) acrescenta que os instrumentos de Montagnana
lembram o de Stradivarius, ditos “amatizados”.
Serafino, Santo (1699-c.1760) – Um dos melhores liutaios de Veneza,
desenvolveu um estilo individual, empregando alto padrão de arte. Seu trabalho lembra muito
a forma alemã. É sobretudo no f e na voluta que essa influência é aparente.
Em Milão, houve muita produção, e construtores bastante bons, mas, segundo
Stowell (1992, p. 17), depois de um certo tempo, o trabalho tornou-se de baixa qualidade,
levando esse centro à decadência. Fazem parte dele:
Grancino, Giovanni (1680-1720) – Foi influenciado pelos instrumentos dos
Amati, trabalhou em um despojado porém atraente estilo. Primeiro, ele usou um agradável
verniz amarelo ouro, adotando, posteriormente, uma fina fórmula de um verniz marrom.
Construiu grandes volutas, e elegantes aberturas em f. Os cantos do instrumento são,
particularmente, delicados.
Testore, Giuseppe (1660-1720) – Foi pupilo de Grancino e seu excelente trabalho
é freqüentemente confundido com de seu professor. Seus filhos, Carlo Antonio e Paolo
Antonio, seguiram o pai na liuteria.
49
Em Nápoles, construtores produziram um grande número de instrumentos, que
variam dos excelentes aos mais medíocres, segundo Stowell (1992, p. 20). Os bons até hoje
são procurados, devido a sua qualidade sonora. Dentre os construtores mais significativos
dessa região, deve-se dar destaque aos membros da família Gagliano.
Gagliano, Alessandro (1640-1725) – A maior parte de seus violinos são feitos das
melhores madeiras. Seu trabalho “artesanal” não era dos melhores: suas aberturas em f
ficavam em uma posição muito baixa no corpo, e suas volutas eram precárias. Apesar disso, o
desenho do violino é gracioso e sua bombatura, apesar de pequena, tem aspecto vigoroso. Seu
verniz é amarelo ou marrom avermelhado.
Gagliano, Nicolo (1670-1740) – filho de Alessandro, excelente liutaio. Seus
modelos assemelham-se aos “amatizados” de Stradivarius. Seu verniz era geralmente marrom
avermelhado. Construiu belos modelos.
Gagliano, Gennaro (1700-1760) – Segundo filho de Alessandro. Seus efes são
um tanto quanto pequenos e mais abertos, e o verniz é de um vermelho-cereja. Fez cópias
bem convincentes de instrumentos de outros mestres, incluindo Amati e Bergonzi.
Gagliano, Ferdinando e Giuseppe (ambos em atividade entre 1740-80) –
Empregaram um verniz de baixa qualidade, sendo ele duro, fino e opaco.
Os membros subseqüentes da família continuaram com a queda na qualidade de
seus instrumentos.
Não podemos deixar de citar os membros da família Guadagnini, em especial,
Giovanni Battista (c. 1711-1786). Este passou os últimos anos de sua vida em Turim, sob o
patrocínio de um influente entusiasta do violino, o Conde Cozio di Salabue. Esse
importantíssimo liutaio nasceu em Piacenza (perto de Cremona), onde trabalhou, tendo depois
se transferido para Milão e Parma. Desenvolveu um estilo individual e forte, e seus
instrumentos têm uma sonoridade de alta qualidade. Seu verniz, freqüentemente de ótima
qualidade, mudou de cidade para cidade.
Os membros dessa família continuaram a praticar a liuteria até a metade do século
XIX.
50
4.1.4 Centros de liuteria fora da Itália
Excelentes construtores surgiram em outros centros, fora da Itália, principalmente
na região do Tirol (Áustria), e seu grande expoente é Jacob Steiner (1617-1683), nascido em
Absam Steiner foi um dos maiores construtores de todos os tempos. Ele desenvolveu um
estilo agora reconhecido como especificamente alemão, e foi seguido por construtores
alemães durante muitas gerações, e por outros de fora, principalmente durante a primeira
metade do século XVIII. Construiu excelentes violinos, com elegantes aberturas em f, que
foram consideradas o ápice dessa arte.
Seus violinos tinham um som nítido, bonito, porém pequeno, mas ainda se
adequavam ao período. Entretanto, como as orquestras necessitavam de instrumentos com
sonoridade mais potente, os violinos de Steiner tornaram-se inadequados. Sua habilidade
artística e bom gosto eram impecáveis, permitindo-se a experiências com formas e
ornamentos. Certa vez ele esculpiu uma cabeça de leão numa voluta. A bombatura de seu
violino é bem proeminente, e o verniz vermelho alaranjado é tão belo quanto o dos
construtores cremonenses. Entre outros construtores do Tirol, podemos citar Mathias Albani e
os da família Klotz, sendo Mathias o mais velho.
4.1.4.1 Alemanha e Áustria
O conceito de ideal sonoro, até cerca de 1800, trabalhou contra aquele de Guarneri
ou Stradivari. Nesse período, o tipo de violino de Steiner, com som aveludado porém
pequeno, continuou sendo o preferido, principalmente na Áustria. A partir do século XIX
houve uma mudança nessa preferência, que, segundo Kolneder (1999, p. 161), se deu através
de Johann Gottlob Pfretzschner (1753-1823), que veio de uma bem-sucedida família de
liutaios, que mais tarde se tornou famosa pela construção de ótimos arcos. Trabalhou em
Markneukirchen, e inicialmente seguia o modelo Steiner, experimentando em seguida muitos
outros, até escolher o modelo Stradivari como seu.
Entre outros construtores alemães e austríacos podemos citar: Johan Jauch (1735-
1750), Simpiternus Niggel (séc. XVIII), John-Paul Schorn (1680-1716), Daniel-Achatius
Stadlamann (1680-1744), entre outros.
51
4.1.4.2 França
Por um longo tempo, o conceito de som do violino dos construtores franceses era
muito diferente daquele mantido por seus colegas na Itália. Instrumentos italianos eram
caracterizados por um grande som. Compositores italianos tiravam vantagem disso
escrevendo sonatas, concerti grossi e concertos solo. Para o tipo de dança que continuou
sendo favorita na França, um som relativamente pequeno era suficiente, o que determinaram
como instrumentos franceses foram construídos e tocados (KOLNEDER, p. 159).
François Médard (1647-1720) foi o primeiro a atingir o nível dos construtores
italianos. Depois dele temos Nicolas Lupot (1758-1824) e François Pique (1758-1822), que
trabalharam em Paris e fizeram violinos baseados no modelo de Stradivari, mas com
características próprias e usando um excelente verniz vermelho e laranja. Junto com
Pressenda, eles restabeleceram como ideal o modelo cremonense.
O mais famoso liutaio francês, entretanto, é Jean-Baptiste Vuillaume (1798-1875).
Seguindo o trabalho de Pique e Lupot, ele copiou com muita perspicácia os melhores
construtores italianos, alcançando grande sucesso como liutaio, inventor e construtor de arcos
e negociante.
Entre outros liutaios franceses podemos citar ainda: Aldric (1790-1844), Charles-
François Gand (1787-1845) François Chanot (1788-1828) e Pierre Silvestre (1801-1859).
4.1.4.3 Holanda e Bélgica
Os liutaios da Bélgica e Holanda deixaram instrumentos respeitáveis, mas que não
passavam de uma certa média. De acordo com a região, eles eram influenciados pela escola
alemã ou italiana.
Dentre seus construtores, podemos citar: Jan Bourmeester (séc. XVIII), Pieter
Rombouts (primeira metade do séc. XVIII) e Jan Cuypers (1707-1720).
52
4.1.4.4 Inglaterra
Os liutaios ingleses do século XVII foram influenciados por Steiner, salvo alguns
que trabalharam no estilo da Brescia. Ao curso do século XVIII, o modelo alemão foi
abandonado, dando lugar ao modelo de Cremona. Nessa época, os liutaios eram
extremamente hábeis, e faziam um verniz de excelente qualidade. Entre os importantes
liutaios ingleses podemos citar: John Betts (1755-1823), Richard Duke (1750-1780) e Joseph
Hill (séc. XVIII). Este último foi de grande importância para a construção de violinos inglesa,
e foi o fundador de uma famosa oficina, que existe até hoje.
4.1.4.5 Espanha e Portugal
A construção de instrumentos de arco nesses dois países sofreu influência direta da
Itália. A produção não é grande, porém é de excelente qualidade. São liutaios desses países: S.
Boffill (séc. XVIII), Joannes Guillami (séc. XVIII), Joachim-Joseph Gabram (1769-1825),
entre outros.
53
5 Leandro Mombach
Até o momento este trabalho abordou, entre outras coisas, a liuteria em diversas
regiões do mundo, principalmente durante o período dos grandes construtores, como
Stradivari, Guarneri, entre os séculos XVII e XVIII. Dessa época até os dias atuais, poucas
modificações foram feitas na estrutura do violino. Sua forma clássica vem desde Amati e da
Salò, no século XVI.
Como este trabalho procura abordar a construção do violino feito através da liuteria
artística, é de suma importância termos o conhecimento de qual rumo essa arte segue
atualmente, e para isso examinaremos o exemplo de um profissional que segue essa antiga
tradição nos tempos atuais. Encontramos na figura do liutaio Leandro Mombach a síntese
desse nosso anseio.
5.1 Trajetória profissional
Leandro Mombach, que em 2007 está completando vinte e cinco anos de liuteria,
esteve desde sua infância até 1982 sob influência de seus avós paternos, ambos habilidosos
marceneiros de origem européia, cuja experiência e conhecimentos foram significativos em
sua formação.
Em 1983 começou seu interesse pela liuteria e teve conhecimento de que na
cidade onde morava, Porto Alegre, havia um liutaio chamado Carlo Minelli, com o qual
entrou em contato logo em seguida, dando início a seus estudos e práticas na construção de
instrumentos musicais, especialmente violinos. De acordo com Mombach, no período em que
Minelli exerceu sua profissão, o acesso a informações a respeito da liuteria e a material
didático era muito difícil, diferente de hoje em dia, quando o acesso a livros e artigos é muito
mais fácil, inclusive através da Internet. Sendo assim, em uma viagem feita à Itália, Minelli
procurou trazer a maior quantidade de material possível. Contudo, acabou por desenvolver um
estilo próprio de construção, mas sempre baseado no desenho tradicional. Mombach comenta
a maneira que eles utilizavam para conseguir alguns modelos: “Quando achávamos um
instrumento bonito, a gente riscava o instrumento em cima de um papel, e era assim que a
54
gente tirava alguns modelos antes de começar a construir” (entrevista cedida pelo liutaio em
junho de 2007). Dessa maneira, portanto, o início da carreira de Mombach sofreu influências
do estilo de Carlo Minelli.
Alguns anos mais tarde, ingressou na escola de liuteria do Conservatório
Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, na cidade de Tatuí-SP, onde lhe foi possível
obter um conhecimento maior dos processos de construção e reparação dos instrumentos de
arco, processo este baseado nos moldes da tradicional escola cremonesa19.
No final de 1986, Mombach foi aceito como aluno de liuteria na escola Maestri
Liutai di Gubbio, na cidade de Gubbio, região da Úmbria-Itália, na cidade natal de Minelli.
Foi assim que, no ano de 1988, mudou-se para a Itália, ingressando na escola de Gubbio, sob
orientação do premiado mestre Guerriero Spataffi20. Nesse período, Mombach teve estreito
contato com a tradicional liuteria italiana, sendo influenciado pela escola cremonesa. Chegou
a ir a Cremona em busca de modelos mais fiéis para a construção de seus instrumentos, onde
esteve em contato com liutaios locais. Esses modelos ainda hoje são utilizados pelo liutaio,
além de outros que ele próprio desenvolveu.
Em 1989, participou da 2ª amostra Concorso de Liuteria de Baveno, realizada na
província de Novara-Itália, obtendo o certificado de participação e referência como maestro
liutaio. Em 1990 participou, na cidade de Begnacavallo, Ravenna-Itália, do 11º Concorso
Giovani Liutai, obtendo classificação entre os primeiros finalistas, com um violino que
representou a escola onde estava estudando. Ainda em 1990, teve seu histórico incluído no
catálogo internacional de construtores, pelo professor e liutólogo Gualtiero Nicolinni, com a
seguinte titulação: Liutai Italiani dal Ottocento ai Nostri Giorni, sezione – liutai stranieri
operanti n’tália21.
Em 1991, concluiu seus estudos em Gubbio, tendo continuado com suas pesquisas
sobre instrumentos antigos e modernos até 1993, ano de seu retorno ao Brasil, tendo decidido
estabelecer-se em Curitiba profissionalmente.
Mombach mantém muito do que aprendeu na Itália, utilizando métodos tradicionais
de construção lá obtidos. A distribuição das espessuras da madeira e a relação dessas
19 Enzo Berteli e o filho Luigi (que freqüentou o curso de liuteria no Instituto Professionale Internazionale per L’Artigianato Lutario e Del Legno, de Cremona, sem similares no mundo) foram os responsáveis pelo desenvolvimento da importantíssima arte e técnica da fabricação, reparação e manutenção de instrumentos de arco no Estado de São Paulo, e o fizeram baseados nos moldes da mais famosa e tradicional escola do mundo. Fonte: <http://www.webgraphic.com.br/cdmcc/luteria.htm>. Acesso em junho de 2007. 20 Guerrieo Spataffi: liutaio que possui grande conhecimento dos processos de construção antigos e uma excelente técnica de aplicação de vernizes para instrumentos de arco. Fonte: <www.luthier.mombach.nom.br>. Acesso em junho de 2007. 21 Liutaios Italianos, do século XIX aos nossos dias, seção - liutaios estrangeiros trabalhando na Itália.
55
espessuras com as curvas do instrumento são feitas por Mombach de acordo com esses
métodos tradicionais, porém, para construir seus instrumentos, é necessário que haja um
grande envolvimento com o objeto a ser trabalhado. De acordo com o liutaio, na Itália ele
recebeu uma gama de informações que no Brasil precisaram ser selecionadas a fim de que o
que mais interessasse a ele fosse retido, tendo depois passado por um processo de pesquisas e
aprimoramento para poder definir seu próprio trabalho e características individuais. Para que
seus instrumentos tenham uma característica própria, Mombach utiliza detalhes e formas que
mais o agradam e procura colocá-las em todos os seus trabalhos, como por exemplo, o tipo de
filete e a distância deles com relação à borda do instrumento, o corte dos efes e o entalhe das
volutas. É importante salientar que mesmo quando ele utiliza um modelo de Guarneri, por
exemplo, Mombach não o faz totalmente “Guarneri”, e sempre procura colocar alguma
característica sua, ou como ele próprio diz, um pouco da sua filosofia.
Em relação ao verniz, Mombach diz estar em uma eterna busca, havendo sempre
uma pequena mudança na qual algo é acrescentado para dar mais elasticidade ou aumentar a
sua espessura e a resistência.
Figuras 35, 36 e 37. Violino feito por Leandro Mombach em 2006, baseado em modelo de Guarneri del Gesú.
Leandro Mombach tem a idéia de montar uma escola de liuteria para que essa arte
seja preservada, não apenas a parte tradicional, mas também associá-la a pesquisas modernas.
Segundo ele, há um grande número de informações muito interessantes que precisam ser
mantidas.
56
[...] se preservarmos o liutaio como um criador, como um artesão que projeta todo o instrumento, estaremos preservando o que há de mais interessante na liuteria, evitando a tendência de comprar peças prontas, verniz pronto, o que faz com que o artesão se torne um montador [...] (entrevista cedida pelo liutaio em junho de 2007).
5.2 A liuteria na visão de Leandro Mombach
Com o objetivo de obter a opinião de Leandro Mombach sobre a liuteria em
todos os seus aspectos, foi realizada uma entrevista, que será transcrita a seguir. Nela,
assuntos relacionados ao aprendizado dessa arte e às novas tecnologias e suas influências nos
instrumentos serão abordados, além de algumas dúvidas quanto aos instrumentos antigos e
novos serem esclarecidas.
1 - Podemos afirmar que a escola oferece bases para que o liutaio possa construir um
instrumento. A partir de que momento ele tem que seguir o seu próprio caminho, ou isso
ocorre desde o início do aprendizado?
Leandro Mombach: Uma boa escola coloca nas mãos de um aprendiz todas as condições
para que ele possa seguir seu caminho sozinho. Tem que dar condições técnicas para que o
aluno possa enfrentar e superar as dificuldades que aparecerem. Não induzir o aluno para uma
concepção definida ou pré-estabelecida, pois é dando liberdade aos novos liutaios que
estaremos possibilitando a criação de uma arte genuinamente nacional. As bases da liuteria
estão definidas, o tratamento químico da madeira e todos os conceitos desenvolvidos pelos
séculos de experimentações definiram o que é realmente necessário ao bom desempenho e a
durabilidade do instrumento. Cabe ao mestre liutaio transferir o conhecimento para a
preservação da arte.
2 - Hoje é usado algum tipo de tecnologia que não era usada na época de Stradivari ou
Guarneri? Se há outras, quais são elas?
L. M.: Se diz na liuteria que, para a construção, toda tradição é necessária e, para a
restauração, toda tecnologia é fundamental. Os procedimentos de construção não mudam, o
57
que muda são as ferramentas. Existem maneiras diferentes, mais modernas de efetuar mais
facilmente um trabalho. Antigamente as laterais eram dobradas em um ferro de metal
aquecido direto no fogo; hoje, o mesmo ferro se mantém aquecido com uma resistência
elétrica.
3 - Essas tecnologias apenas facilitam o trabalho, como por exemplo, com a redução de
tempo, ou afetam, de alguma maneira, a qualidade do instrumento?
L. M.: As tecnologias apenas agilizam o trabalho e não existe nenhum procedimento que
contamine ou danifique de alguma forma o material do instrumento.
4 - Quando você voltou ao Brasil, passou a utilizar ou criou tecnologias que não eram usadas
quando estudava na Itália? Se usou, cite algumas e os motivos.
L.M.: Precisei me readaptar a uma realidade de terceiro mundo, ex: como encontrar o
material necessário, como reformular meu trabalho para essa nova realidade caso não
encontrasse o material adequado. Saí de um clima seco e vim para outro úmido, o que me fez
estudar maneiras de contornar este problema, como adquirir um desumidificador industrial
para 54m³. Normalmente não recebemos material importado com a mesma qualidade se
comprado pessoalmente, e isso causa uma dificuldade maior com a qualidade do trabalho.
5 - O fator tempo influencia na qualidade do violino?
L. M.: Os instrumentos sofrem dezenas de pequenas alterações, com as vibrações das cordas
em sua caixa de ressonância. Essas alterações ocorrem devido ao movimento dos tampos em
resposta às freqüências criadas pelas cordas. Com o passar do tempo, à medida que o
instrumento envelhece, ele responde mais facilmente e mais fortemente às vibrações, como se
a estrutura da caixa de ressonância já estivesse mais orientada (treinada) para responder.
7 - Na sua opinião, instrumentos feitos pelos melhores liutaios de hoje em dia soam tão bem
quanto os do passado?
L.M.: Com certeza, existem muitos grandes construtores hoje com trabalhos maravilhosos.
58
8- Para você, a liuteria é uma arte estática ou ela pode se modificar?
L.M.: A liuteria se ampliou muitíssimo nestes últimos 60 anos; o que traz dificuldades às
mudanças é justamente o preconceito. Certamente, com as mudanças climáticas o mundo
deverá se abrir e aceitar novos materiais e formatos para o instrumento, acessórios e arcos.
9 - O que fez com que a maneira de construção do passado (através das escolas) continuasse
até hoje?
L.M.: No século XVIII, o violino alcançou seu auge na construção, apesar de algumas
alterações no instrumento para sua modernização, como o comprimento do braço, o tamanho
da barra harmônica, entre outros. Não houve acréscimos na qualidade do instrumento ou seu
desempenho. Portanto, foi considerado que nada podia ser feito para melhorar o instrumento,
bastava construir com conhecimento e maestria.
10 - Quais são os fatores determinantes quando você constrói um instrumento (necessidade do
cliente, fatores artísticos)?
L.M.: O instrumento é uma máquina destinada a ampliar os sons produzidos pelas cordas.
Além de procurar confeccioná-lo de forma mais duradoura possível, procuramos sempre
ajustar algumas medidas na montagem para que o instrumento se torne mais ágil ao seu
proprietário.
11 - De todos os instrumentos que você construiu, há algum fator comum entre eles?
L.M.: Faz pouco tempo que venho definindo meu caminho como construtor. Experimentei
todas as propostas que encontrei sobre a confecção de instrumentos, e atualmente tenho
seguido um caminho que julgo possuir o maior número de qualidades que os instrumentos
necessitam. É na estética que encontramos características comuns em meus instrumentos.
12 – Qual a importância do liutaio hoje em dia?
L.M.: Somos atualmente mantenedores de uma cultura voltada para a técnica de construir
instrumentos que, diferentemente das fábricas, prezamos pela durabilidade e qualidade,
59
colocando para a humanidade um representante de seu tempo, que poderá servir por muitas
gerações e sempre demonstrar nosso potencial criador e artístico.
13 - Como você vê seu trabalho no futuro?
L.M.: Como qualquer construtor, somos sempre o resultado de nossas experiências em nossos
instrumentos. E sempre vamos achar que dá para melhorar alguma coisa.
14 - Se possível, fale sobre seus planos para a montagem de uma escola.
L.M.: O projeto da escola é voltado para a manutenção da tradição liutaia e para a formação
de profissionais com qualidade, além de criar formas de facilitar a aquisição de material para
liuteria junto aos órgãos de governo e facilitar o desempenho dos liutaios no Brasil. A escola
seria uma forma de iniciar uma campanha pelo desenvolvimento da liuteria em todos os
aspectos.
60
6 Considerações finais
O violino é um instrumento cujo início na História é um tanto quanto difícil de ser
estabelecido. A falta de informações sobre esse começo, devido ao seu baixo prestígio na
época, causa algumas dúvidas com relação a quem teria sido o seu primeiro construtor e o
local de seu surgimento. Entretanto, através de documentos e pinturas do início do século
XVI, alguns autores puderam obter prováveis respostas a essas dúvidas, chegando a Giovan
Giacobo dalla Corna e Zanetto Montichiaro como os possíveis primeiros construtores do
violino e Brescia como sendo o primeiro centro de construção desse instrumento. Contudo, o
violino não surgiu já pronto da mente desses construtores: características mais importantes da
viola da braccio, rabeca e fiddle foram adotadas para formarem um único instrumento.
De início, o violino era usado em danças e também para dobrar a voz humana em
algumas músicas, o que fazia com que sua técnica não fosse desenvolvida. Com o tempo,
peças foram sendo escritas especialmente para esse instrumento e eventos musicais foram
sendo promovidos, nos quais os liutaios eram desafiados a construírem instrumentos de
potência sonora cada vez maior. Assim, o violino foi ganhando cada vez mais importância,
além de sempre satisfazer às necessidades musicais das épocas pelas quais passou. Devido a
isso, algumas mudanças ocorreram nesse primeiro modelo estabelecido, que culminaram, no
século XVI, no padrão clássico que até hoje é utilizado. Os responsáveis por essa
padronização são os italianos Andrea Amati e Gasparo da Salò, ambos construtores que
deram início às mais famosas escolas de construção que já existiram – Cremona e Brescia.
Esses liutaios tinham aprendizes em suas oficinas, aos quais passavam todo o seu
conhecimento, dessa maneira criando tendências (também chamadas de escolas) de
construções particulares de cada uma dessas regiões. Daí em diante vários outros liutaios
foram surgindo. Dentre eles, alguns deixaram grandes legados, como Maggini, Guarneri Del
Gesú, Antonio Stradivari e Jacob Steiner, sendo que seus violinos atualmente valem fortunas.
No período desses grandes construtores, a liuteria encontrou seu apogeu. O melhor
material, as melhores medidas e espessuras, tudo isso foi estabelecido nesse período, e apesar
de o violino ter sofrido algumas mudanças estruturais (aumento do comprimento do braço e
da barra harmônica) ao longo dos séculos seguintes, não houve acréscimo na qualidade sonora
e nem no seu desempenho. Nesse ponto, surgiram algumas dúvidas. Se os métodos de
construção já estão estabelecidos, e o melhor já foi obtido, a liuteria pode ser caracterizada
61
como algo estático, em que o liutaio de hoje apenas segue as “receitas” deixadas pelos
grandes mestres do passado? Como é, atualmente, o trabalho desse profissional, que segue as
antigas tradições de construção? E qual a sua visão a respeito da liuteria? Através do liutaio
Leandro Mombach, essas questões foram resolvidas.
Mombach, que é natural de Porto Alegre, teve lá mesmo suas primeiras lições de
liuteria com o liutaio Carlo Minelli, prosseguindo seus estudos no conservatório de Tatuí e em
seguida tendo ido para a Itália, onde foi finalista em concursos de liuteria e recebeu o
certificado de mestre liutaio. Voltando ao Brasil, se instalou em Curitiba, onde permanece até
hoje exercendo seu ofício. Seu trabalho é baseado na tradicional liuteria italiana, porém
procura utilizar as vantagens da tecnologia atual, através de instrumentos de trabalho que
agilizem a construção. Mombach diz que precisou se adaptar à realidade brasileira, visto que é
difícil encontrar o material adequado, e vem ajustando seu trabalho ao que aqui encontra.
Talvez a resposta mais importante deste trabalho e que sintetiza bem uma solução ao
problema por ele oferecido está quando Mombach responde a pergunta de a liuteria ser ou não
uma arte estática. Provavelmente, o que foi conseguido no passado não deverá mudar, já que
são resultados que garantem excelência no trabalho de um bom construtor; entretanto, a
liuteria deve acompanhar o que vem ocorrendo no mundo, como por exemplo, as mudanças
climáticas, que com certeza irão alterar as características das madeiras que são usadas para
construir os violinos. Assim, a liuteria deverá se livrar de alguns preconceitos, que segundo
Mombach é o que traz dificuldades para algumas mudanças necessárias.
62
Referências
ALTON, R. Construcción y reparación de violines. Traduzido por I. Rosenberg. Buenos
Aires: Klug, Marchino y Cia, 1986.
ATELIÊ DE LUTERIA LEANDRO MOMBACH. Disponível em
<www.luthier.mombach.nom.br>. Acesso em junho de 2007.
BOYDEN, D. D. The history of violin playing from its origins to 1761 and its relationship to
the violin and violin music. Oxford: Oxford University Press, 1990.
CARLETTI, G. Vernici in liuteria. Pádua: G. Zanibon, 1985.
CONFORTI, A. Il violino. Milão: Idealibri Sp.A., 1987.
CONSERVATÓRIO DRAMÁTICO E MUSICAL DR. CARLOS DE CAMPOS. Disponível
em: <http://www.webgraphic.com.br/cdmcc/luteria.htm>. Acesso em junho de 2007.
CONSORZIO LIUTAI ANTONIO STRADIVARI. Disponível em:
<www.cremonaliuteria.it/libro.php?id=10>. Acesso em abril de 2007.
DICIONÁRIO GROVE DE MÚSICA. Traduzido por Eduardo Francisco Alves. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
GREILSAMER, L. Encyclopédie de la musique et dictionnaire du conservatoire. Paris: [s.n.],
1910.
KOLNEDER, W. The Amadeus book of the violin: construction, history and music. New
Jersey: Amadeus Press, 1999.
LA BOTTEGA. Disponível em: <www.minugia.it/metodo-i.htm>. Acesso em 20 de junho de
2007.
63
PASQUALI, G.; PRÍNCIPE, R. El violin: manual de cultura y didactica violinística.
Tradução de Emilio Pelaia. Buenos Aires: Ricordi Americana S.A., 1926.
STOWELL, R. (org.). The Cambridge companion to the violin. Cambridge: Cambridge
University Press, 1992.
VIOLINO. Disponível em: <it.wikipedia.org/wiki/Violino>. Acesso em abril de 2007.
64
ANEXOS
Anexo 1. Catálogo internacional de construtores.
65
Anexo 2. Certificado de participação na 2ª Mostra Concorso de liuteria de Baveno, Novara –
Itália, e referência como maestro liutaio.
66
Anexo 3. Certificado de qualificação profissional entregue pela região da Úmbria – Itália, em
20 de junho de 1990.
67
Anexo 4. Violino de Leandro Mombach levado a 2ª Mostra Concorso Nazionale de Liuteria.
68
Anexo 5. Certificado de participação no 11º Concorso Giovani Liutai, no qual ficou entre os
finalistas.
Recommended